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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 42

ANO DE 1954 16 DE MARÇO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VI LEGISLATURA

SESSÃO N.º 42, EM 15 DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.

Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário dos Sessões n.º 41.
O Sr. Deputado Augusto Simões falou sobre problemas de electrificação nos meios rurais.
O Sr. Deputado Azeredo Pereira ocupou-se de edifícios, para os serviços de justiça no distrito de Viseu.
O Sr. Deputado Pacheco Jorge referiu-se à província de Macau.
O Sr. Deputado Pereira da Conceição tratou do caso das reformas militares.
O Sr. Deputado Galiano Tavares requereu uma informação sobre residências e lares de estudantes.

Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei relativa ao plano rodoviário.
Falaram os Srs. Deputados Monterroso Carneiro, Camilo Mendonça e Partira de Melo.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas.

Fez-te a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alfredo Aurélio Pereira da Conceição.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Américo Cortês Pinto.
Antão Santos da Cunha.
António de Almeida.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
António dos Santos Carreto.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Baltasar Leite Rebelo de Sousa.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.

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Jorge Pereira Jardim.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Sebastião Garcia Ramires.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 60 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 41.

Pauta.

O Sr. Presidente: - Visto nenhum Sr. Deputado pedir a palavra, considero-o aprovado. Vai ler-se o

Expediente

Telegramas

De numerosos associados da Cortadoria Nacional de Pêlo, desta e de industriais e operários de chapelaria a apoiar as considerações do Sr. Deputado Pinho Brandão feitas na sessão de 11 de Março a respeito dos interesses daquela Cortadoria.
Da direcção da Assistência Nacional aos Tuberculosos do Norte a saudar, por ocasião do acto solene da inauguração de várias instalações e da bênção da primeira pedra para a construção da capela dos doentes no Sanatório de Monte Alto, os Srs. Deputados que na Assembleia pugnam pelos princípios cristãos da integridade nacional no fundamento das instituições de beneficência em Portugal.
Da direcção do Sindicato Nacional dos Motoristas de Braga a apoiar as considerações do Sr. Deputado Vasco Mourão sobre apreensão de cartas de condução.

O Sr. Presidente: -Está na Mesa um oficio da Presidência do Conselho, com referência ao oficio de 11 de Março da Presidência da Assembleia Nacional, no qual se transcrevia o requerimento apresentado na sessão desse dia pelo Sr. Deputado Pinto Barriga, a informar que se considera extensiva aos diversos serviços, e designadamente aos do Ministério da Economia, a autorização, comunicada em 5 de Fevereiro ao mesmo Sr. Deputado, para consulta dos arquivos oficiais na parte respeitante a assuntos que deseja tratar na Assembleia Nacional.
Esta informação vai ser comunicada àquele Sr. Deputado.
Está na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho para efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Diário do Governo n.º 49, 1.ª série, de 10 de Março corrente, que insere os Decretos-Leis n.ºs 39 568 e 39 569.
Estão também na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Educação Nacional em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Augusto Cancella de Abreu na sessão de 24 de Fevereiro último.
Vão ser entregues a este Sr. Deputado.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Augusto Simões.

O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente: obedecendo a um imperioso comando de justiça, não queria confinar-me na protocolar saudação quando pela primeira vez uso da palavra nesta Assembleia, porque o alto teor das virtudes que colocaram V. Ex.ª em destacado lugar, no escol dos melhores valores que vêm servindo a Pátria com verdadeiro devotamento, obriga naturalmente a que se lhe preste homenagem escalada com o sen relevante merecimento.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Sem embargo de muito me pesar que a minha nota de humildade possa desfavorecer o meu intento de emparceirar junto daqueles que nesta Casa, em palavras justas e apropriadas, tão bem definiram essa devida homenagem, mesmo assim quero deixar bem vincados os sentimentos de muito respeito e altíssima admiração que tributo a V. Ex.ª e afirmar que por minhas tomo todas as exteriorizações de apreço que tenho ouvido aqui, onde vejo espelhar-se o meu próprio sentimento.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Com permissão de V. Ex.ª, Sr. Presidente, saudarei também os meus Exmos. Colegas, ilustres e categorizados intérpretes do vastíssimo somatório de interesses e anseios da grei, oferecendo-lhes a mais leal colaboração, sem me furtar ao dever, que a gratidão torna mais forte, de destacar o Sr. Doutor Mário de Figueiredo, prestigioso valor da alta intelectualidade portuguesa, jurisperito insigne e professor doutíssimo, cuja lúcida inteligência e muito saber me habituei a admirar e a respeitar depois que na gloriosa Universidade de Coimbra lhes conheci o verdadeiro merecimento.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Quero também deixar uma palavra de cumprimento aos dignos representantes da imprensa e da rádio que acompanham os trabalhos parlamentares pela maneira elevada como tom sabido cumprir a sua missão de divulgá-los perante a Nação, sempre ávida de bem os conhecer.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Sr. Presidente: ao proferir o memorável discurso com que abriu a primeira reunião plenária da União Nacional, em 10 de Julho do ano findo, Salazar, com a clarividência de um ser excepcional, por superiormente iluminado, deixou os seus votos para que, com a maior franqueza, se trouxessem ao debate informações, criticas, deficiências, dúvidas, tudo enfim quanto pudesse concorrer para um exame completo da situação, com vista a esclarecê-lo pura poder acertar.
A nobilíssima lição deste conceito, especialmente valioso por emanar de tão alto, a humanidade que encerra

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a forte luz que deve projectar naqueles que, em maior (...) menor medida, andam empenhados no serviço da Nação são como que um dedo a apontar os caminhos que, em consciência, todos deveremos seguir.
Servindo determinação de tão elevado conteúdo, no quadro de deveres e obrigações a que não pode evadir-se quem aceitou o honroso mandato de vir a esta Casa para servir o alto interesse nacional e, dentro dele, mais especialmente o mundo de problemas do meio rural que tenho perante mim bem contornado e definido, porque (...) fui nado e criado e nele vivo dirigindo os destinos :e um dos mais pequenos concelhos deste renovado país,(...) trazer a um plano que desejaria de merecido (...) as muitas dificuldades que por lá tanto se sentem (...) que concerne, além de muitos outros e muito importantes, ao grave problema da electrificação.
E se, em rigorosa objectividade, as circunstancias com que me abonei deveriam conferir-me qualidade para aqui reduzir um depoimento útil, o temor de que a modéstia lê recursos me diminua os intentos força-me a pedir a V. Ex.ª um bondoso suprimento.
Que se me credite a virtude deste necessário reconhecimento e se me releve que não possa superar as minhas próprias dificuldades.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: a electrificação do meio oral não tem acompanhado Q ritmo apressado que a Revolução Nacional elegeu para conferir ao Pais aquele importante conjunto de necessárias benfeitorias que tanto i engrandeceram e por via do qual se recuperou muito do precioso tempo que ia perdido em muitos anos de governação estática.

Muito embora se saiba e justamente se avalie até que ponto a electricidade é factor indispensável do progresso dos povos, como força dominadora na base de quase todas as grandes forças ao serviço do Mundo, submetida por Deus à inteligência do homem para lhe aligeirar a (...), nem por isso as populações rurais a têm ainda à sua disposição, na justa medida em que o exige o seu necessário e desejado desenvolvimento.
Muitas serão as cansas do atardamento, mas, estudado o problema nas suas linhas mais gerais, ouvidos e lidos aqueles que ao importante problema outorgaram inteligente e ponderada atenção, surpreendendo os seus mais salientes pontos, parece poder concluir-se que a todas culmina a de não se ter encontrado ainda uma (...) sincronização de movimentos nas três grandes ases que o aprovisionamento eléctrico comporta, e que são a da produção, a do transporte e a da distribuição.
Quanto à primeira, estão perante nós, como argumentos do nosso esforçado labor de nação civilizada, as grandes realizações das últimas décadas.
Grandes barragens ostentam hoje, na magnificência ia sua traça, o seu poder de suserania sobre as águas, que sujeitam a permanente submissão, e em muitos ogros do vale, onde viveram tantas gerações atraídas pela (...) do terreno que a corrente próxima favorecia, toda a vida cessou, mergulhada na água tranquila das grandes albufeiras em que se misturaram as lágrimas do desespero daqueles muitos a quem o progresso exilou.
E como se encontrou o verdadeiro ritmo que se tornava necessário, aliás claramente definido pela Lei n.º 2002, de 1944, verdadeiro estatuto do interesse público da produção da electricidade pelo aproveitamento da força energética dos rios, com vista à desejada industrialização do Pais e, por via dela, à melhoria das condições de vida das populações, outras grandes barragens e as suas respectivas centrais hídricas estão a construir-se ou começarão a sê-lo proximamente, como convincentemente no-lo assegura o Governo da Nação, destinando 2 milhões de contos no Plano de Fomento a tão grande e útil obra, que o exacto conhecimento que os nossos técnicos já sobejamente demonstraram viabilizará.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Legitima é, pois, a nossa esperança em que todas as vilas e muitas aldeias que integram o nosso tão vasto meio rural venham a poder gozar, num futuro próximo, os incalculáveis benefícios da conveniente electrificação, a que têm irrecusável direito, pois não faltará energia para todos.
Para tanto, porém, há que lançar olhos de ver para o que está a verificar-se com os problemas da distribuição da electricidade no meio rural, onde as coisas não caminham no mesmo trilho de fecundo progresso que felizmente se observa no campo da sua produção.
Aqui tem-se olhado o problema por Ângulos bem diversos, como que relegando para um plano mais do que secundário o alto e indiscutível interesse nacional que ele tão salientemente apresenta.
Parece estar de todo perdido - se alguma vez existiu ! - o verdadeiro nexo de respeito que as grandes empresas produtoras, colossos de majestático poder, devem ao interesse público ou à utilidade pública, princípios cujos nítidos conteúdos apenas se lembram de alegar quando, para servir os seus altos e poderosíssimos interesses, nos talam a propriedade, nos esburacam a casa ou nos alagam o campo fértil... isto é, em tudo quanto lhes possibilite um preço cómodo para as suas aquisições ou lhes facilite a expansão.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - E como esses princípios estão confiados à guarda das autarquias locais, que deles têm uma noção bem mais exacta, porque eles lhes norteiam o caminho, disciplinando a soa actividade, são as autarquias quem sofre o primeiro embate desse generalizado desrespeito, que os povos rurais acabam por sentir na sua própria carne.
Quando as câmaras municipais têm robustez financeira que lhes permita fazer a distribuição de electricidade por sua conta e risco, isto é, de explorarem por meio de serviços seus este importante serviço público, a luta de tão dispares interesses, por abranger um campo mais restrito, pode encontrar mais facilmente uma trégua dignificante e não afecta tanto.
Quando, porém, nos municípios mais pobres, a sua camará se viu forçada a entregar tal exploração a uma dessas grandes empresas, julgando-se suficientemente defendida, e mais o seu pequeno mundo, no normativo de um concessão outorgada com o enfático atributo de utilidade pública a conceder pelo Estado, e que a Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos minutou, mas sempre ante-aprovou por intermédio da sua Repartição de Concessões, as coisas então atingem especial grau de gravidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por mais rígido que seja o condicionalismo geral e especial adoptado, por mais clara que seja a letra e o espirito desse normativo, a concessionária encontrará sempre maneira de o entender por forma a que, em todas as emergências, o sen respeitável interesse não tenha de sujeitar-se ao outro também respeitável interesse que houve a preocupação de acautelar.
E vence sempre, ou quase sempre.
Se o differendum se submete à prudente e conscienciosa arbitragem da Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos, esta alta repartição, talvez por ser solicitada por

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volumoso número de vitimas, talvez por outros motivos, vê-se forcada a demorar muito os seus doutos pareceres, que, normalmente, nem são executórios .. nem a concessionária os aceita sem mais outras e muito demoradas diligências, em que o tempo se consome, a paciência se esgota ... e as oportunidades passam, impondo o reconhecimento de uma inoperância que apavora.
Se, com base em cláusula que, suponho, todas as concessões outorgadas há menos de cinco anos contém e por via da qual a cornara concedente poderá pedir o alargamento da distribuição a qualquer núcleo concelhio, desde que comparticipe com importância igual a 50 por cento do seu custo, esta pretenda por tal forma incentivar a electrificação, a concessionária, que reservou para si o direito de projectar as obras, de as orçamentar e de as executar, sem ter em conta as possibilidades de quem pede e sem atender ao meio a que se destinam, escudar-se-á nos preceitos do Decreto n.º 29782, de 27 do Julho de 1939, escolherá dos materiais autorizados em tal decreto os mais caros, fornecerá os que produz pelo máximo preço e, sobre o avultadíssimo montante que perfez com este procedimento, lançará uma percentagem de 25 por cento para mão-de-obra, o que também aquele decreto torna licito, acabando por apresentar um orçamento de tão vultoso montante que fica relegado para o mundo das quimeras o melhoramento pretendido.

O Sr. Lacerda e Costa: - V. Ex.ª dá-me licença?

Possivelmente nos orçamentos da empresa já vão incluídos os 50 por cento com que há-de contribuir o município.

O Orador:- Os orçamentos são globais e incluem os preços mais altos que à concessionária é legalmente permitido apresentar, muito embora, as mais das vezes, não sejam os justos, tendo em consideração o quanto custam às empresas os materiais que se decidem a aplicar.
No geral tais orçamentos procuram deixar a carga da maior parte do seu montante à bolsa modesta das autarquias, e não só os famigerados 50 por cento, pois tais empresas só conhecem como legítimos e defensáveis os seus interesses de grandes senhores.
A iniciativa privada, que se mostrava pronta a colaborar, dentro dos limites do razoável, abandona a sua intenção e ... fica tudo na mesma.
Semelhante situação se verifica com as ligações ou baixadas das instalações particulares aos condutores da rede geral, que BÓ a concessionária tem o direito de mandar executar, por pessoal seu e com materiais por si fornecidos.
A mecânica é a mesma e os preços destas ligações, por desmedidamente elevados, colocam fora do alcance da grande maioria das famílias rurais a utilização da electricidade, que, passando-lhes à porta, se torna em verdadeiro suplício de Tântalo, restringindo-se o consumo, como é óbvio.
E tudo isto e o muito mais que escuso de citar o praticam as grandes empresas a quem está entregue a electrificação do meio rural, abonando-se no ciclo vicioso que criaram e que o sistema legal vigente lhes permite manter, cifrado na pequena rentabilidade de quanto investem ou deveriam investir para cumprir os específicos deveres que o serviço público que voluntariamente tomaram lhes impõe.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Sr. Presidente: o que deixo afirmado e que plenamente posso comprovar, pelo menos em relação à concessionária do meu pequeno concelho, que o 6 também de muitos outros do País, parece servir para demonstrar que o sistema actual apresenta sérias ano malias, que devem ser corrigidas.
Na verdade, quando se anda empenhado na produção de electricidade em suficiência para garantir uma industrialização que se sabe ser factor de relevantíssima ira importância para que os Portugueses tenham mais pão, mais leve a enxada e o imprescindível lar, não pode permitir-se que se pretenda furtar ao meio rural o benefício de tão patriótico labor.
Nem ao Governo da Nação, a cujo alto patrocínio confiadamente se entregaram um dia, ou se entregarão no futuro, muitas das autarquias mais modestas, que são os representantes desse sacrificado meio onde muitos milhares de humildes labutam pela grandeza da Pátria, seria licito denegar a defesa que lhes deve e se estrutura, em potência, na letra e no espirito das concessões sumariamente apreciadas.
Essa defesa, Sr. Presidente, deverá consubstanciar-se em normativo apropriado a derrogar o neo-feudalismo que certas empresas implantaram, e que não poderá vicejar onde reinem os primados de justiça da Evolução Nacional nem desconhecer, na linha de rumo desse!1 mesmos primados, o índice de possibilidade do meio que precisamente se pretende defender e valorizar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- No Governo da Nação se confia inteiramente, pois sem limite é o crédito que merecem os abnegados servidores que o formam, e a quem o povo, esse bom povo das nossas vilas e aldeias, não regateará, pelo que lhe fizerem em seu benefício, um sentido e singularmente agradecido «bem hajam».

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Azeredo Pereira: - Sr. Presidente: durante as últimas férias parlamentares tive conhecimento de que se iniciaram, nos subúrbios de Viseu, os primeiros trabalhos de terraplanagem para a construção do novo edifício do Reformatório do Bom Pastor de S. José (par» o sexo feminino) e bem assim da próxima conclusão de novo edifício do tribunal judicial da mesma cidade.

O Reformatório destina-se, como a lei prescreve, regenerar as menores que por decisão dos tribunais de infância nele devam ser internadas, por se não encontrarem ainda gravemente pervertidas, sendo susceptíveis de se corrigirem, mediante uma acção reformadora pele trabalho profissional, pela educação moral e pelos meios disciplinares adequados.
Este grandioso estabelecimento de reforma e correcção de menores do sexo feminino irá substituir um velho e acanhado edifício que foi pertença de uma congregação religiosa, absolutamente impróprio e inadequado ao elevado fim que informa todo o novo direito português de menores corrigir, e não punir e cujos princípios básicos, de acentuado cunho educativo, são os seguintes: preventivo, tutelar e individualizado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - As suas futuras instalações, nas quais vão ser despendidos cerca de 15 000 contos, contrariamente ao que no presente está sucedendo, em que a aglomeração de menores, sujeitas homogeneamente a um mesmo regime, não permite um grande rendimento social, asseguram-nos fundadas esperanças e a quase certeza de que a observação e regeneração das menores delinquentes ou pervertidas se realizará no meio próprio e num sistema adequado, em ordem à melhoria e à valorização social das internadas.

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O futuro Reformatório, que irá ocupar uma enorme área, com plantações agrícolas, destinadas ao trabalho o ocupação e ao fornecimento de alimentos das interna-las, ficará sendo um majestoso e imponente estabelecimento de regeneração, que preencherá totalmente os fins que lhe estão destinados e honrará quem o concebeu e realizou.
O novo edifício do tribunal judicial e vários serviços dependentes do Ministério da Justiça, prestes a concluir-se, é outro grande imóvel que vai enriquecer património do Estado, embelezar a cidade e permitir ima maior eficiência e uma mais alta dignidade à nobre 3 difícil função de administrar justiça.
Construído em estilo simples, mas de belas e fortes linhas clássicas, revestido daquela solene sobriedade que se torna indispensável ao seu alto fim, o novo edifício, cujo arranjo interior obedeceu à recta intenção de instalar todos os serviços nas melhores condições, ergue-se, formosíssimo, em pleno coração, da cidade.
Iniciada em Novembro de 1949, a sua construção foi levada a cabo utilizando única e exclusivamente a mão-de-obra prisional, com a ocupação média diária de cento e dez reclusos.
O Reformatório, agora em construção, igualmente está utilizando o trabalho dos reclusos.

Sr. Presidente: antes de manifestar o objectivo das minhas considerações de hoje, julgo do meu dever e faço-o na plena consciência de que pratico um acto de elementar justiça prestai a mais sentida homenagem a S. Ex.ª o Sr. Ministro da Justiça, Prof. Cavaleiro de Ferreira, pela grandiosa obra de recuperação humana que pelo trabalho prisional empreendeu e com tanto carinho e devoção vem realizando, com tão pleno 3xito, obra que considero das mais notáveis e interessantes de quantas o Estado vem efectivando no País neste período áureo de ressurgimento.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador:- Sr. Presidente: só a muita admiração que sinto por tão renovadora e humana obra, e não a pretensão estulta de dizer algo de novo ou original, me leva a enaltecer deste lugar e nesta ocasião o trabalho prisional como um meio fundamental de actuação sobre o criminoso para se obter a sua reforma moral e recuperação social.
Com efeito, sendo a ociosidade condenável, por nociva à vida sã e honesta, é por meio do trabalho que se consegue o saneamento moral do a clima prisional e do espírito do recluso.
Pelo trabalho diminuem os encargos do Estado e através do salário que b preso recebe torna-se possível auxiliar a família e indemnizar a vítima.
À acção regeneradora do nosso modelar sistema prisional, porém, não se circunscreve apenas a fornecer trabalho aos reclusos.
As directrizes impostas por S. Ex.ª o Sr. Ministro da Justiça, em plena execução, são mais profundas e de mais larga objectividade.
Por meio delas tem-se em vista o aperfeiçoamento profissional dos reclusos e também a aprendizagem de ofícios, que aos mesmos, quando em liberdade, sirvam para enfrentar a vida e lhes doem possibilidades para vencer na vida honesta do trabalho e da família.
Visa-se a criação dos «homens novos».
Se se afirmar ainda, Sr. Presidente, que o trabalho prisional é exercido - como eu próprio verifiquei - sem violências, sem escravidão, mas com humanidade e com respeito total da pessoa do recluso que se pretende dignificar, e que por isso é disciplinado, útil e produtivo, ter-se-á feito, em simples apontamento e de forma bem apagada e modesta, a exaltação de uma obra que nos enche de orgulho e desvanecimento.

Vozes: - Muito bem !

O Orador:-Sr. Presidente: o início da construção do Reformatório feminino e a muito próxima conclusão do edifício do tribunal judicial, a que se seguirá, creio-o, a construção de cinco casas para residência dos magistrados, tornam S. Ex.ª o Sr. Ministro da Justiça credor da mais viva e sincera gratidão da cidade de Viseu.
Julgo interpretar fielmente o sentir das entidades políticas, administrativas e económicas de Viseu e do seu povo, testemunhando deste lugar a S. Ex.ª o Sr. Ministro da Justiça, com o preito da mais sincera admiração pelas suas eminentes qualidades de reformador e de homem de acção, o indelével reconhecimento e o mais profundo agradecimento de toda a cidade.

Vozes: - Muito bem !

O Orador:-E o grande carinho e a boa vontade que vem dispensando à instalação condigna de todos os serviços dependentes do seu Ministério, evidenciados por forma notável nos já numerosos edifícios construídos e em construção afirmação positiva da sua extraordinária capacidade realizadora, garantem-nos e dão-nos a plena certeza de que muito em breve o plano de construções que concebeu e vem realizando se estenderá àquelas três comarcas do distrito que represento nesta Assembleia, que no presente momento e por forma bem sentida carecem de edifícios próprios e adequados para a instalação conveniente e digna dos seus serviços de justiça.
Quero referir-me, Sr. Presidente, às comarcas de Lamego, Mangualde e Castro Daire.
Três ordens de razoes legitimam e justificam os pedidos já formulados pelas respectivas camarás municipais: a vantagem que resulta para os serviços da sua condigna instalação e consequente desaparecimento das precárias condições em que eles presentemente funcionam; a necessidade que os municípios têm de ver desocupadas instalações para a arrumação conveniente dos seus serviços próprios, em constante desenvolvimento, e, finalmente, o enriquecimento e embelezamento da cidade e vilas respectivas, com a obtenção de imóveis urbanos de linhas clássicas e sóbrias.

Sr. Presidente: a cidade de Lamego, capital da Beira--Douro, de tão velhas e nobres tradições, é centro de uma fértil e formosíssima região agrícola, onde se produz o melhor, entre os melhores, vinho do Porto.

O Sr. José Sarmento: - Muito bem!

O Orador:-De um relativo valor industrial, é um centro cultural de certa importância, como o atestam os seus seminários, colégios e liceus. Possui ainda um escol de exímios cultores de direito.
Bem merece, pois, possuir, se não um templo magnífico para o exercício e administração da justiça, ao menos um edifício condigno, onde ela se torne mais eficiente, mais pronta e mais prestigiada.

O Sr. José Sarmento: - Muito bem !

O Orador:- A Câmara Municipal respectiva, tão fortemente, empenhada na solução de tão importante problema, está diligenciando adquirir o terreno necessário e conta remover em breve certas dificuldades que surgiram para o colocar à disposição do Ministério da Justiça.
A vila de Mangualde, das mais importantes e progressivas de toda a Beira Alta e de extraordinário valor

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comercial e agrícola, é cabeça de uma das mais movimentadas comarcas do Pais, dela fazendo parte os ricos concelhos de Nelas e Penalva do Castelo.
O grande amor bairrista dos seus habitantes, o anseio legitimo do sou progressivo desenvolvimento, aliados ao conhecimento perfeito das necessidades e aspirações locais, levaram a sua representante a zelosa Câmara Municipal- a formular o pedido para a construção do novo edifício do tribunal judicial.
Consta-me que o terreno escolhido para a sua implantação e já oferecido teve aprovação superior, pelo que se aguarda para breve o inicio da sua construção.
Finalmente, Sr. Presidente, a vila de Castro Daire, tão risonha e pitoresca, acalenta em seu seio, há muitos anos já, o desejo veemente de possuir um edifício próprio para a instalação conveniente de todos os serviços locais dependentes do Ministério da Justiça.
O pedido respectivo foi mais de uma vez solicitado superiormente pela Camará Municipal e a necessidade e urgência de uma tal construção são corroboradas pelos dignos magistrados que tom servido e visitado a comarca.
Na verdade, suponho não errar afirmando que em nenhuma comarca do País os serviços judiciais funcionam em condições tão precárias.
O actual tribunal fica situado a cerca de 200 m da secretaria judicial, com graves inconvenientes e prejuízos para os serviços e grande incómodo para os magistrados e funcionários.
As instalações de um e de outra são acanhadas e impróprias e o seu mobiliário excessivamente modesto, de uma pobreza quase franciscana.
No anteplano de urbanização prevê-se a construção do novo edifício, e a Câmara Municipal já procedeu à escolha do terreno respectivo, de fácil aquisição, que fica situado no melhor e mais aprazível local da vila. Tais são, Sr.º Presidente, as modestas e ligeiras considerações que hoje me propus fazer, roubando, embora, algum precioso tempo à Assembleia, que se traduzem no agradecimento de Viseu a S. Ex.ª o Sr. Ministro da Justiça por tudo quanto tem feito, está fazendo e há-de fazer pela antiga e nobilíssima cidade, no justo louvor da sua humana e modernissima obra e na confiada certeza de que a construção dos edifícios que enunciei e que com forte empenho solicito hão-de merecer a esclarecida e pronta atenção da sua forte e superior personalidade.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pacheco Jorge: - Sr. Presidente: por circunstâncias de certo modo estranhas à minha vontade, só hoje se me proporciona o ensejo de falar pela primeira vez nesta Assembleia. E assim serão de saudações as minhas primeiras palavras.
A V. Ex.ª, Sr. Presidente, desejo apresentar a homenagem do meu mais sincero respeito e consideração, afirmando que, dentro das minhas possibilidades, poderá V. Ex.ª contar incondicionalmente com o melhor do meu esforço e o melhor da minha boa vontade.
O prestígio do nome de v. Ex.º, Sr. Presidente, e o conhecimento das altíssimas qualidades morais e profissionais de V. Ex.ª não se confinam à metrópole: transpuseram fronteiras, atravessaram oceanos e na longínqua Macau, é v. Ex.ª bem conhecido no meio culto dessa província como magistrado sabedor e probo, como exemplo de um verdadeiro homem público e de um português de lei, que se admira e respeita.

Vozes:- Muito bem !

O Orador: - Na presente legislatura não me faltaram ocasiões de verificar como V. Ex.ª é conceituada e querido nesta Assembleia, cuja presidência pela terceira vez assumiu, graças a esse conjunto de qualidades e atributos que o impuseram u consideração de todos.
A V. Ex.ª, pois, Sr. Presidente, dirijo as minhas mais cordiais saudações em nome da província que tenho a honra de representar e em meu nome pessoal

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Aproveito também o ensejo pura, saudar com a maior simpatia todos os Srs. Deputados, : quem ofereço a minha pobre (não apoiados} mas sem pré leal colaboração.
Desejo ainda cumprimentar e saudar a imprensa portuguesa, nas pessoas dos seus dignos representantes junto desta Assembleia, exprimindo a minha mais alta consideração por tão importante órgão de informação e formação da opinião pública, cuja influência, méritos e qualidades nunca é de mais exaltar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Represento a mais pequena das nossas províncias ultramarinas, a segunda mais distante da Mãe-Pátria e, porventura, a mais ignorada de todas:
Macau, a cidade do Santo Nome de Deus, a que D. João IV outorgou o honroso título de não haver outra mais leal;
(Macau, encravada na lendária e misteriosa China, hoje cadinho incandescente de feroz luta entre ideologias opostas ;
Macau, abrigo seguro de muitos milhares de chineses adeptos de regimes diferentes;
Macau, esse «padrão do primeiro contacto da Europa com o Orientei, como muito bem disse Salazar, e que nos seus escassos 16 km9 conta com uma população de 187 772 habitantes (segundo o censo de 1950), dos quais 183 105 são chineses e 4 066 portugueses, além de 601 de outras nacionalidades, é bem portuguesa no seu sentir e na sua maneira de ser, e a nenhuma outra província se inferioriza no seu acrisolado amor por Portugal, nu seu patriotismo, jamais desmentido.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Nos quatrocentos anos da sua história, o povo de (Macau - os macaenses - escreveu páginas de ouro que ficarão como testemunho eterno da sua fé em Deus e amor à Pátria. Seja-me permitido evocar neste momento a gloriosa data de 24 de Junho de 1622, em que, sob a protecção do bem-aventurado S. João Baptista, como rezam documentos oficiais, 300 portugueses desbarataram uma força holandesa de 800 homens, desembarcados a coberto do fogo de 13 naus, e a heróica arrancada, quase loucura, de Vicente Nicolau de Mesquita e dos seus 36 companheiros, que, em 25 de Agosto de 1849, enfrentaram o ataque de 2 000 soldados inimigos e tomaram de assalto o Forte de Passaleão, guarnecido, como estava, por 500 homens.
Dois episódios apenas, entre muitos outros, que me ocorreu citar, por terem sido factores determinantes da continuação de Portugal em Macau!
Na realidade, em nenhum período da sua história o povo de Macau -os macaenses- se esqueceu da Pátria dos seus maiores e em nenhum momento a ideia da Pátria andou afastada da ideia de Deus!

Vozes: - Muito bem !

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O Orador:-Nós, os macaenses, somos profundamente católicos, tementes a Deus e cumpridores das leis da sua Santa Igreja. Festejam-se em (Macau as efemérides da Igreja Católica com o mesmo fervor, a mesma fé, a mesma ternura com que, presentemente, se celebram as mesmas festas em qualquer cidade ou vila do risonho Minho ou nostálgico Alentejo.
A Virgem de Fátima é venerada em Macau com a mesma crença, a mesma devoção e o mesmo entusiasmo que se observam no local das suas aparições e a sua procissão das velas, embora não tenha a grandiosidade das 'peregrinações que, a 13 de - Maio e de - Outubro, se realizam na Cova da Iria, impressiona, pelos milhares e milhares de católicos, de todas as raças, que nela se incorporam, unidos pela mesma - fé, - muitos dos quais vindos da vizinha colónia inglesa de - Hong-Kong e até das próprias (Filipinas.
E que, nestes quatrocentos anos da sua existência, Macau, a par de entreposto comercial do Ocidente com o Oriente, foi também o fulcro donde irradiou a luz da cultura ocidental e o centro de propagação da doutrina de Cristo na China e no Japão, onde criou profundas raízes.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Assim, à fundação de Macau pelos portugueses de antanho aplica-se maravilhosamente o magistral conceito de Salazar, na sua modelar expressão, que não me dispenso nem canso de citar:
A fundação de Macau ... não é obra do caminheiro que olha e passa, do explorador que busca à pressa as riquezas fáceis e levantou a tenda e seguiu, mas do que, levando em seu coração a imagem da Pátria, se ocupa amorosamente em gravá-la fundo onde adrega de o levar a vida, ao mesmo tempo que lhe desabrocha, espontâneo, da alma o sentido da missão civilizadora. Não é a terra que se explora: é Portugal que revive.
Foi certamente influenciado por este conceito que se afirmou, em diplomas fundamentais da Nação, a solidariedade das províncias ultramarinas entro si e com a metrópole e a unidade da Nação Portuguesa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por iniciativa da Sociedade de Geografia de Lisboa, da ilustre presidência do Ex.mo Sr. Prof. Dr. Mendes Correia (nosso muito prezado colega nesta Assembleia, e a quem, deste lugar, Tendo as minhas homenagens respeitosas), e com a anuência e apoio do Governo da Nação, serão levadas a efeito no próximo ano de 1955 grandiosas festas comemorativas do IY Centenário da Fundação de Macau.
Para este efeito acha-se constituída uma comissão que ficou encarregada de elaborar o programa das cerimónias de tão importante como histórico acontecimento, e que certamente revestirão acentuado carácter patriótico e terão aquele brilho e esplendor próprios das solenidades que se realizam uma só vez durante uma geração.
Como português e macaense que sou, não posso deixar de dar a tal iniciativa o meu mais franco e entusiástico apoio, oferecendo igualmente a minha modesta colaboração.
De facto, a celebração do IY Centenário da Fundação de Macau, pelo seu significado em si e ainda pelo momento que vivemos neste mundo conturbado de incertezas e incógnitas, transcende os acanhados limites da província de Macau e constitui um acontecimento que interessará a, todos os portugueses espalhados pelo Mundo, como afirmação insofismável da vitalidade da nossa raça, da unidade da Nação, que caminha a passo seguro e firme para um Portugal cada vez melhor, sob a prudente e sábia orientação dum grande chefe, Salazar!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, pareceu-me não ser descabido nesta Assembleia, e antes da ordem do dia, fazer a tão importante facto uma, ainda que breve, referência, no intuito, não só de manifestar o meu regozijo por tão feliz como oportuna iniciativa da Sociedade de Geografia, como ainda no único propósito de contribuir para maior brilhantismo de tais comemorações e fazer acerca delas algumas considerações, que de forma alguma deverão ser tomadas como intromissão nas atribuições conferidas u comissão encarregada da elaboração do programa dos festejos.
Sr. Presidente: nos quatrocentos anos da sua existência, Macau, apesar da exiguidade do seu território e dos seus limitados recursos, é hoje, sem dúvida e sem desprimor para as restantes províncias ultramarinas, uma das mais senão a mais, progressivas de todas elas, guardadas, naturalmente, as devidas proporções.
Possui Macau belas avenidas asfaltadas ou cimentadas, cuidados jardins, imponentes edifícios (três deles com mais de oito andares, entre os quais se conta um com onze andares); dispõe de um moderno sistema de iluminação pública, com lâmpadas Ostro, de vapores de mercúrio, de um poder iluminante que faz inveja ao da própria Lisboa; tem ainda óptimos edifícios públicos, de entre os quais se destaca o do tribunal da comarca, um dos melhores de Portugal; conta com dois modernos mercados, além de um terceiro em construção; possui também uma modernissima piscina, de dimensões olímpicas, que, com os seus anexos (restaurante e dancing), é considerada uma das melhores do Extremo Oriente; está, enfim, Macau dotada de todos aqueles requisitos e exigências da vida moderna que a levam a ser considerada uma das principais cidades de Portugal.
Mas -infelizmente há sempre um mas, a par de tudo quanto ficou enumerado, Macau, que não conta na sua população um único analfabeto, está, no entanto, inferiorizada no que diz respeito às instalações de alguns dos seus estabelecimentos de ensino, de entre os quais devo destacar o liceu, que, leccionando o mais alto grau ministrado em português naquela província, se encontra pessimamente instalado e apetrechado, sendo só de louvar o esforço e a boa vontade dos seus ilustres professores, que, apesar de tudo, com a sua competência e tenacidade, têm conseguido preparar os alunos para na metrópole frequentarem, com bom aproveitamento, os cursos superiores.
Pena foi que na elaboração do Plano de Fomento não tivesse sido considerado este aflitivo problema da instrução em Macau, atribuindo-se as necessárias verbas para a construção de edifícios próprios onde seriam instalados condignamente alguns dos diversos ramos de ensino daquela província.
Porém, e apesar disso, o Liceu de Macau, que tem por padroeiro o glorioso Infante D. Henrique, não pode nem deve continuar instalado onde está, num casarão impróprio, que serviu em tempos a asilo de inválidas; mal dividido e pessimamente situado, pois, além de estar num dos locais mais barulhentos da cidade, as suas traseiras deitam para um cemitério. Sim, meus senhores, um cemitério!
O ilustre governador da província, almirante Marques Esparteiro, tem pretendido, numa visão clara do

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problema e paru prestígio da nossa administração (visto que os chineses possuem estabelecimentos escolares com as mais modernas instalações), levar a efeito a construção de um novo liceu, que muito viria beneficiar a mocidade macaense.
Não dispondo a província das receitas necessárias, dada a grave crise económica que está atravessando, acalentou ainda a vaga esperança de poder levar a efeito tal empreendimento dentro do Plano de Fomento recentemente aprovado. Infelizmente, porém, como disse, não foi previsto no referido Plano o crucial problema das instalações dos estabelecimentos de ensino da província, possivelmente porque, quando da sua elaboração, não foram as províncias interessadas ouvidas sobre o assunto, como seria lógico e natural.
Presentemente não será possível a Macau, pelos seus próprios recursos, levar a efeito a construção do seu tão desejado, como necessário, liceu, orçado em cerca de 5 000 contos; e é por isso que, tendo em consideração as próximas festas centenárias da fundação de Macau, eu ouso sugerir que o Governo Central num gesto de solidariedade para com a província, e como que constituindo uma prenda de anos, contribua para obra tão urgente, útil, como prestigiosa, se não na sua totalidade, como seria ideal, pelo menos comparticipando nela em parte apreciável, ficando a restante a título de empréstimo gratuito, amortizável em prestações suaves, permitindo-se por essa forma que no mais curto espaço de tempo se inicie a construção do novo liceu, que seria inaugurado no próximo ano, por ocasião das celebrações.
Deste modo a metrópole contribuiria de forma notável, patriótica e imorredoura para a comemoração do IV Centenário da fundação de (Macau e a juventude macaense teria mais um título para se orgulhar de ser portuguesa!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: ainda a propósito da comemoração do IV Centenário da fundação de Macau e tendo em mente que foi publicada no Boletim, Oficial de Macau n.º 48, de 28 de Novembro do ano findo, a Lei n.º 2 032, que promulga disposições para a protecção e conservação de todos os elementos ou conjuntos de valor arqueológico, histórico, artístico ou paisagístico dos concelhos, ocorre-me ainda fazer mais as seguintes considerações.
De entre os monumentos existentes em Macau, de valor não só histórico como artístico, ressalta a fachada da Igreja da Madre de Deus, mais conhecida por Ruínas de S. Paulo, certamente por da referida igreja, que fazia parte do desaparecido Seminário de S. Paulo, existir apenas a sua majestosa fachada, lavrada em granito por japoneses convertidos à nossa fé e que a Macau se acolheram, fugidos da perseguição movida aos católicos no Japão, o Império do Sol Nascente.
Foi este antigo templo construído pelos padres da Companhia de Jesus em 1602, algumas décadas após o estabelecimento dos Portugueses em Macau, conforme se lê na inscrição desse ano ainda existente: Virgini Magna Matri Civitas Macaensis Lubens.
O Seminário de S. Paulo, que junto dele existia, além de ter constituído um importantíssimo centro de cultura ocidental, teve o mérito de preparar os primeiros missionários que, arrostando com as incompreensões e até perseguições dos Asiáticos, espalharam na China e no Japão o Santo Evangelho.
Em 26 de Janeiro de 1835 violento incêndio destruiu completamente o Seminário, e da Igreja Mater Dei apenas ficou a sua famosa frontaria, que até hoje tem suportado incólume a acção do tempo e a fúria dos elementos nos frequentes tufões que, infelizmente, assolam aquela província.
Porém, até quando aguentarão essas pedras históricas, testemunho dum passado glorioso, as inclemência do tempo?
Não seria oportuno considerar-se o restauro desse monumento e a sua abertura ao culto dos fiéis por ocasião da celebração do IV Centenário da fundação de Macau?
Não poderia ainda n metrópole contribuir com a sua quota-parte para essa obra, que, além de histórica, tem o cunho místico, tão próprio da nossa maneira de ser?
A consideração do Governo, e especialmente do ilustre titular da pasta do Ultramar, deixo estas sugestões, cuja realização, servindo a Pátria, serve a Deus.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Antes de terminar, Sr. Presidente, não posso deixar de me referir à próxima viagem do venerando Chefe do Estado, Sr. General Craveiro Lopes, às nossas províncias de Angola e S. Tomé e Príncipe.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - £ com a maior alegria e exaltação patriótica que vejo materializar-se a promessa feita por S. Ex.ª na cessão inaugural da presente legislatura.
Da repercussão de tal visita, do seu alto significado, das vantagens que advirão às províncias visitadas por S. Ex.ª já outros oradores, mais categorizados e idóneos, a isso se referiram e por forma apenas a permitir que, com a devida vénia, faça minhas as palavras então proferidas.
Limito-me apenas a felicitar efusivamente as províncias que por S. Ex.ª foram distinguidas para a sua primeira visita, fazendo ardentes votos para que num futuro breve S. Ex.ª possa deslocar-se até Macau em visita triunfal, vivendo in loco o portuguesismo dos macaenses que, inspirados pelo exemplo de Salazar e sob a sim superior orientação, ali vivem e labutam para maior glória de Portugal.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pereira da Conceição: - Sr. Presidente: ouvi há poucos dias nesta Assembleia a palavra calma, clara e profunda de um dos nossos ilustres colegas fazendo o elogio da figura ilustre e majestosa que foi o comandante Ferreira do Amaral. Calaram no ânimo de todos nós as palavras que aqui então foram proferidas, e não sabemos que mais admirar nessa figura militar: se a competência e amor profissional que honra qualquer mister ou labor, se a dedicação pelo serviço que distingue qualquer funcionário, se a firmeza e desprezo pela vida ao serviço da Pátria, que é mérito dos soldados distintos. Merece, pois, particular apreço o sacrifício e devoção daqueles que, como combatentes, serviram a Pátria nos momentos duros e difíceis da guerra.
A lei, numa apreciação justa, determina que se conte a esses militares, para efeito da reforma, o tempo de campanha no dobro do tempo de serviço normal de paz. Ë, como digo, justiça, que está no consenso geral. Porém, há funcionários para quem, tendo excedido os trinta e seis anos de serviço normal que a lei exige para a contagem do tempo para a sua pensão de reforma por inteiro, uma tal medida importa prejuízo, e é para este facto que me permito chamar a atenção desta Assembleia.

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Cito a propósito o facto concreto dum modesto militar com trinta e oito anos de serviço, portanto com mais tempo do que o número de anos exigido para a pensão por inteiro, que expõe a sua situação pessoal, que é afinal a situação de todos aqueles que serviram mais do que o tempo normal para a contagem da reforma por inteiro. Tendo atingido o tempo máximo, em nada lhe interessaria a disposição legal da contagem a dobrar.
Verifica-se, porém, que a lei obriga os indivíduos nessas condições às justas e correspondentes indemnizações à Caixa Geral de Aposentações, nos termos do artigo 17.º do Decreto n.º 28 404, de 31 de Dezembro de 1937, pela vantagem legal que lhes é dada a título de benefício, mas de que não usufruem.
De tal modo, para os funcionários que serviram em combate e que tenham mais de trinta e seis anos de serviço a lei não constitui regalia.
Não auferem regalia, insisto, porque são obrigados a pagar, sem qualquer vantagem, â Caixa Geral de Aposentações a importância correspondente, o que se traduz, afinal, antes, em verdadeira desvantagem.
B pena que o facto de um indivíduo ter servido em hora grave a Pátria se torne assim, com a obrigação dó pagamento da quotização de aposentação correspondente ao dobro do tempo, repito, em prejuízo, para não dizer castigo. Não foi esse o espírito da lei quando mandou contar a dobrar o tempo de serviço de campanha.
É para este facto que chamo a atenção desta Assembleia e me permito fazer daqui um apelo ao Sr.º Ministro das Finanças para que S. Ex.ª estude o assunto, se possível, e que note nele a parte moral a que me refiro, obtendo que o pagamento da indemnização & Caixa Geral de. Aposentações, nos termos da lei, pelo facto de aumento de tempo de serviço resultante de serviço em campanha só seja devido quando n contagem desse aumento se faça para completar o período de trinta e seis anos exigido pela lei para efeitos de receber a pensão de reforma por inteiro.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Na verdade, Sr. Presidente, dura lex sed lex, mas apelo para a sensibilidade e para o patriotismo do Sr. (Ministro das Finanças pedindo-lhe a atenção para o problema que acabo de focar, por me parecer justa a sua solução.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Comunico à Câmara que acaba de chegar à Mesa um ofício da Presidência do Conselho enviando parte dos elementos em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Carlos Moreira na sessão de õ de Fevereiro último.

Vão ser entregues a este Sr. Deputado.

O Sr. Galeano Tavares: - Sr. Presidente: apesar de estarmos no fim da sessão legislativa,, mas apenas para colher elementos para um estudo que desejo fazer, apresento o seguinte

Requerimento

« No Orçamento Geral do Estado para 1954, em relação ao Ministério da Educação Nacional, mencionam-se 2 2001 contos para o Instituto de Alta Cultura, destinados a estudos de energia nuclear, verba já anteriormente reforçada; 580 contos para a Faculdade de Medicina de Coimbra, destinados a apetrechamento de laboratórios, e 400 contos para a Universidade do Porto, para residências e lares universitários.
Por desconhecer a orgânica de tais residências de estudantes e lares e por serem instituições já antigas noutros países, tendentes a estabelecer úteis convivências, evitando até espoliações a que se sujeitam, por indefesos, muitos estudantes, solicito que me seja fornecida cópia dos respectivos estatutos ou regulamentos».

O Sr. Presidente: - Vai passar-se á

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão a proposta de lei sobre o plano rodoviário.

Tem ia palavra o Sr. Deputado Monterroso Carneiro.

O Sr. Monterroso Carneiro: - Sr. Presidente: são para V. Ex.ª as minhas primeiras palavras ao ter a honra de falar pela primeira vez nesta Casa para prestar a minha mais rendida homenagem aos predicados e altas qualidades que fazem de V. Ex.º o Presidente escolhido e apreciado desta alta Assembleia, onde no desempenho de tão elevado cargo soube criar em cada Deputado um amigo dedicado e um admirador respeitoso.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Desejo igualmente apresentar a V. Ex.ª cumprimentos de saudação, que peço licença para tornar extensivos aos meus Ex.mo Colegas, garantindo a V. Ex.ª e a todos que, quando e sempre que ocasionalmente venha a usar da palavra mesta Casa para intervir em qualquer assunto, o farei com a maior lealdade e com a preocupação constante de apenas fazer crítica ou apresentar sugestões de carácter construtivo.
Não tencionava intervir na discussão da proposta de lei agora perante a Câmara, que reputo da maior importância para o País, pois, tendo passado a minha vida no ultramar, não conheço bem qualquer detalhe de interesse local metropolitano que possa não ter sido previsto. E como durante este período legislativo, que para mim tem servido de iniciação, me tem sido dado apreciar a elevação, conhecimento de pormenor e interesse com que os Srs. Deputados, meus ilustres colegas, intervêm e apreciam os assuntos trazidos a esta alta Assembleia para sua discussão e aprovação, qualquer intervenção minha pouco poderia esclarecer e seria escusada.

Vozes: - Não apoiando!

O Orador: - Nem mesmo depois da intervenção do Deputado por Moçambique Sr. Engenheiro Pereira Jardim, que expôs, com a concisão que caracteriza as suas intervenções, sempre brilhantes, o seu parecer sobre o plano de financiamento da Junta Autónoma de Estradas para o período de 1956 a 1970 e focou o problema das estradas da província ultramarina que aqui representa e cujas necessidades neste pormenor são idênticas às da província de Angola, eu deveria tomar tempo a esta Assembleia para acrescentar o que quer que fosse, se não fora a preocupação de que a falta de concordância a manifestar nesta tribuna por representante de Angola pudesse dar a impressão a esta Câmara ou de falta de interesse da província que tenho a honra de representar pelo problema das estradas do PAÍS e pelo do das suas próprias estradas ou desarmonia' de vistas no problema rodoviário ultramarino.
E assim, esclarecida a principal razão desta minha apagada intervenção, resta-me pedir aos que me escutam quê me relevem o tempo que lhes estou a roubar.

Vozes: - Não apoiado !

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O Orador: - O esforço financeiro que o Governo vai fazer para melhorar, conservar e alargar a rede de estradas do Pais demonstra o constante cuidado e o apoio que lhe merece o fomento económico da Nação, para o qual uma boa e eficiente rede de comunicações é alavanca indispensável. E esse esforço que representa o plano de financiamento à Junta Autónoma de Estradas agora em discussão destina-se a facultar-lhe os meios para prosseguir a construção de novas rodovias, conservação das estradas já existentes, melhoramento dos traçados onde este for aconselhável, segurança do tráfego, construindo pontes de características apropriadas aos actuais pesos auto transportados e passagens de nível para maior segurança contra acidentes e maiores facilidades de trânsito, proporcionando um tráfego de dia para dia mais intenso.
Muito era já devido ao Governo pela transformação radical do estado das estradas que existiam há trinta anos pelas que hoje servem o País, pois quem por volta de 1926 tivesse de se deslocar ao Norte, utilizando automóvel ou camioneta de carga, sabia bem as dificuldades que teria a vencer para na tarde do dia seguinte ao da partida de Lisboa chegar ao seu destino, podendo felicitar-se quando o fizesse incólume e com veículo capaz de prosseguir viagem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Hoje, e já mesmo há alguns bons anos, esse mesmo trajecto pode ser feito -sem veleidade de estabelecer recorda - em pouco mais de cinco horas com relativa comodidade e segurança, através de estradas construídas, tratadas e sinalizadas de tal maneira que não envergonham p país que as mantém e dão plena satisfação a quem as utiliza.
Todo este apreciável benefício se deve em bom quinhão ao interesse e à competência da Junta Autónoma de Estradas, que administra e emprega as verbas que o Governo põe à sua disposição, mas muito também aos Poderes Públicos, que as fornecem e, com larga visão do que representa na economia do País o apetrechamento rodoviário, lhas vem continuando a distribuir e no novo plano de' financiamento as vai garantir por muitos mais anos (1906 a 1970).

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Esta certeza e a capacidade demonstrada através de muitos anos de prestante actuação pela Junta Autónoma de Estradas são garantia segura de que o País possuirá a rede de estradas que ambiciona e é cada vez mais necessária ao desenvolvimento constante do seu tráfego.
Faço votos, porém, por que, tão depressa quanto possível, a mesma solícita atenção seja dedicada às províncias ultramarinas, grandes irmãs mais novas das metropolitanas e que, como tal e ainda em formação, necessitam especial carinho dos Poderes Públicos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O esforço financeiro que o País tem feito em sen favor, e que se está levando a efeito em Angola, mercê das receitas próprias da província e das do Plano de Fomento, através dos quais os caminhos de ferro temi vindo a beneficiar, fazem acalentar a esperança de que (podemos confiar em que também as estiadas terão a sua oportunidade.
Quanto a Angola, quem ali tenha aportado há mais de quarenta anos, sabe que nessa época poucas ou nenhumas estradas havia e que em caso de necessidade de deslocação do litoral para as povoações do interior, de Benguela para o Bié, por exemplo, nessa viagem de 700 km aproximadamente, feita por carreiros a corta-mato, e utilizando o carro bur como meio de transporte, se gastavam entre trinta a trinta e cinco dias, com todas as peripécias e dificuldades que viagens nestas condições consigo traziam.
Passados dez ano» desta época, com começo talvez em 1920, iniciou-se em Angola a construção de estradas, com denodado esforço da autoridade administrativa, sobre cujos ombros pesou quase sempre a sua execução, e desde então e até 1951 a sua rede de estradas e caminhos atingiu os seguintes números:

Estradas de l.ª - 8 755 km.
Estradas de 2.ª - 9 718 km.
Estradas de 3.ª - l 560 km.

com um total de estradas classificadas de 20 013 km.
Estradas sem classificação: 15 347 km.
Deste total apenas uns escassos 155 km, em pequenos trajectos, são de estradas asfaltadas, que foram construídas .por empreiteiros utilizando máquinas e processos modernos e têm a seguinte distribuição:

Luanda - Caxito - 60 km.
Luanda - Cateto - 65 km.
Lobito - Benguela - 30 km.

É bom esclarecer que muitas estradas sem classificação e já antigas servem pequenos aglomerados, onde, com muita tenacidade e denodado afinco, os colonos se têm conservado em pequenas granjas agrícolas e casas comerciais, ora vivendo em mediana abastança ora passando mesmo dificuldades, e que em épocas remotas foram alguns destes como que os marcos de ocupação que garantiram a Portugal a posse do seu território e afastavam com a sua presença a gula dos que as desejariam ocupar e anexar. Era-lhes, pois, devida a construção destes caminhos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Nestes 35 300 km de estradas e caminhos circulavam em 1951 os seguintes veículos:

Automóveis, carrinhas e jeeps ..... 7 924
Carros pesados ............ 4 397
Motociclos .............. 2 079

num total de 14400 viaturas.
Desde 1951 a 1954 este número aumentou substancialmente.
Sr. Presidente: não deve julgar-se, para não se cair em erro, que com o esforço despendido na construção destas estradas, ligando as terras daquela grande província ultramarina entre si e estas aos caminhos de ferro e aos portos de embarque, se conseguiram comunicações em melhores condições do que as que existiam na metrópole antes da enérgica remodelação que sofreram as estradas nas últimas duas décadas.
Mas é por essas estradas assim deficientes que se fez e continua fazendo a drenagem da maior parte dos produtos daquela província, com dificuldades semelhantes' às que se verificavam na metrópole em épocas passadas.
£ um facto que o Governo de Angola já inscreveu 100000 contos este ano para reparações de estradas e construção de pontes de carácter definitivo, mas esta verba, aparentemente elevada, mal chegará para construção das pontes definitivas e para ligeiras reparações.
E as estradas de Angola continuarão assim a possibilitar o trânsito na estação seca e a permiti-lo perigosamente na estação das chuvas, o que, contudo, não obstará a que, por tenacidade dos seus colonos, os transportes se façam, mas obriga a uma exploração cara,

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motivada por avarias constantes, consumo exagerado de combustível e maior esforço dos seus condutores.
Quantos em Angola trabalham confiam em que os Poderes Públicos, tal como vêm fazendo com o Plano de Fomento, que permite o alargamento das suas linhas férreas, levando-as a regiões que apenas aguardam serem por elas atingidas para entrarem em imediato desenvolvimento, também facultarão à província o auxílio financeiro necessário à melhoria da sua rede rodoviária, complemento indispensável a uma eficiente rede de comunicações e transportes, que novos centros produtores criará, fomentando riqueza o possibilitando a fixação de mais famílias portuguesas, ali sempre bem vindas e tão necessárias à sua ocupação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -São estes os meus votos e, sei também, os anseios de quantos labutam nas províncias ultramarinas, que sabem que o Governo de Sal azar os não esquece, como eles, por sua vez, não esquecem o muito que já lhe devem.
E com esta esperança, que em breve confio ver transformada em realidade, dou gostosamente o meu voto à proposta de lei em discussão e faço-o, com consciência de bem servir e com louvor e agradecimento ao Governo por mais esta medida.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Camilo Mendonça: - Sr. Presidente: a situação a que se chegara em matéria de estradas, tanto no que respeita a reparações e conservação como, particularmente, no que se refere a novas construções, situação criada por vários factores, entre os quais avulta a redução das dotações da Junta Autónoma de Estradas por força da desvalorização da moeda e do aumento dos necessidades, mercê da intensificação do tráfego, era motivo de preocupação para muita gente e encontrou, por mais de uma vez, eco nesta Assembleia, principalmente por intermédio do nosso ilustre colega Sr. Deputado Melo Machado, que tantas vezes tem sido eloquente intérprete dos melhores anseios da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O ponto em que as coisas estavam e as necessidades que temos neste campo encontro-os claramente definidos no parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1952, da autoria, como os anteriores, do nosso ilustre colega Sr. Engenheiro Araújo Correia.
Desse notável parecer permitam-me V. Ex.ª que leia uma passagem em que este problema é sintetizado com singular precisão:
As comunicações são um poderoso instrumento de produção agrícola. Ora, no» últimos anos temos deixado decair bastante o sistema de transportes. As estradas não tiveram os cuidados de reparação necessários e não se constróem ou constroem-se vagarosamente muitos elementos úteis do plano rodoviário.
Ainda se não achou modo de manter em suficiente estado de conservação muitos caminhos vicinais ou estradas municipais afanosamente construídos nas últimas décadas e que tantos benefícios já trouxeram à actividade económica do País.
Parece serem pequenas as dotações orçamentais para estradas, como, aliás, as dos melhoramentos rurais, e deve, certamente, ser isso uma realidade.
A sua eficácia no desenvolvimento rodoviário enfraqueceu ainda bastante com a construção de obras dispendiosas, como a ponte de Vila Franca de Xira e outras. E o resultado traduz-se, como era de esperar, no decaimento e na execução de vias importantes, como as realizadas com fundou que originalmente lhes não deviam ser atribuídos.
Este problema das estradas e, de um modo geral, o das comunicações e melhorias rurais, além de outros de igual importância, são dos que requerem atenção urgente. Não se pretendem estradas sumptuosas, largas em certos casos para o tráfego, que as não justifica. Pretendem-se vias práticas, adaptadas ao meio em que são construídas e susceptíveis de serem alargadas e melhoradas na medida em que for aumentando o tráfego, o que implica uma revisão eficaz do actual plano rodoviário.
Aí se encontra efectivamente não só a apreciação do estado do problema, como a definição de um programa.
E neste momento que o Governo, consciente das suas responsabilidades e conhecedor das verdadeiras necessidades, envia a esta Assembleia a proposta de lei destinada a habilitar a Junta Autónoma de Estradas com os meios financeiros indispensáveis ao cumprimento da sua missão.
(Merece, pois, o Governo, especialmente os Srs. Ministros das Finanças e das Obras Públicas, que subscrevem a proposta, o nosso melhor agradecimento, agradecimento que todos nós podemos fazer com a certeza inteira de que interpretamos o sentir de todos os portugueses.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Sr. Presidente: o plano de financiamento constante desta proposta de lei não carecia de ser submetido à apreciação desta Assembleia, e não carecia quer por motivos constitucionais, quer por ser evidente que ninguém lhe regatearia o aplauso e nenhum de nós deixaria de lhe dar calorosa aprovação.
Não obstante, foi submetido à nossa apreciação.
E creio que o foi por duas ordens de razões.
A primeira advém da importância e oportunidade da medida. A segunda resulta do provável desejo de que este ensejo fosse aproveitado pela representação nacional para dar a conhecer ao Governo a sua maneira de ver sobre estes problemas e fazer os comentários adequados aos vários pontos de vista,- através dos quais se pode encarar a distribuição destas verbas pelos diferentes fins.
Uma e outra das razões são, a meu ver, perfeitamente compreensíveis e afigura-se-me que tanto uma como outra serão alcançadas, já pelo interesse que o problema tem merecido a esta Assembleia, já pelos considerações que aqui - têm sido feitas à volta deste assunto.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - É certo que está apenas em discussão um plano de financiamento, plano que tem uma duração suficientemente, grande para que, nos tempos actuais, possa ser considerado como rígido, e antes deva ser tomado como mínimo, mas nem por isso me parece descabido discutirem-se as linhas mestras que devem presidir a aplicação das verbas pela conservação, pavimentação, alargamento, novas construções, etc.
A dificuldade que, a meu ver, pode prejudicar em maior grau a escolha mais conveniente das obras a realizar provém dos ângulos por que o problema pode ser visto e poderemos considerar definidos por cada um dos Ministérios mais directamente interessados nele; a maior

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dificuldade para a melhor escolha da orientação estará, pois, na falta de coordenação e, talvez, até no relativo desconhecimento recíproco dos grandes sectores da administração.
No que respeita aos Ministérios das Obras Públicas e das Comunicações, já o nosso colega Dr. Vasco Mourão aqui se referiu à colaboração que é mister exista entre eles. O mesmo se poderá dizer entre aqueles Ministérios e o da Economia.
Ora, sendo os principais aspectos pelos quais o problema pode ser apreciado definidos por cada um daqueles Ministérios, haverá que promover a integração dos pontos de vista particulares a cada um e subordiná-los, já à política geral do Governo, já à finalidade de toda e qualquer política de estradas.
Sr. Presidente: embora, em meu entender, a orientação que se deveria adoptar esteja claramente expressa nas passagens que li do parecer das contas, não desejaria deixar de fazer mais algumas considerações, no desenvolvimento, aliás, das que produzi quando intervim, tanto na discussão da Lei de (Meios, como da proposta sobre colonização das zonas beneficiadas pelas obras de fomento hidroagrícola.
Tanto num como noutro caso acentuei a necessidade inadiável de melhorar as condições de vida da nossa população rural, como fim e como meio de sustar a fuga da terra.
Frisei também a importância das comunicações, como factor de desenvolvimento económico e de colonização, e pus em relevo o diferente povoamento que apresentavam as várias regiões do País.
Pouco mais terei de acrescentar agora, importando principalmente que dê maior realce ao contraste, cada vez mais flagrante, entre a zona litoral e as regiões transtagana e alentejana e aluda, quer à circunstância de cerca de 70 por cento da nossa população viver em pequenos aglomerados, quer ao progressivo êxodo das populações do interior para o litoral e para o estrangeiro.
Quer dizer, a importância demográfica daquelas regiões reduz-se sucessivamente, no conjunto do País e relativamente às províncias do litoral, ao mesmo tempo que o seu grau de desenvolvimento económico mais se distancia do atingido por estas províncias.
Assim se vai agravando um problema, que nem por ser secular e ter resistido a sucessivas tentativas de resolução deixa de ser necessário enfrentar e resolver.
Não quer isto dizer que se pretenda atingir um perfeito - ia a dizer geométrico - equilíbrio económico entre todas as regiões do País, pois algumas disparidades serão sempre inevitáveis, mós apenas que, por muitas razões, é indispensável contrariar a concentração urbana, e por isso se torna urgente melhorar as condições de Vida das populações do interior.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Abundando nessas razões, a que acrescem sérios motivos de ordem social e humana, sustentei também já a necessidade de dispersar a indústria, até porque, como ainda recentemente afirmava Golin Clark, não há condições económicas insuperáveis pelas quais a população tenha de concentrar-se em grandes centros urbanos ou industriais.
Apontando a concentração demográfica como um mal que é preciso combater, o parecer das contas do ano passado indicava os modos de a contrariar. Fazia-o nestes termos:
Se for, porém, mantida a política, como no caso de Lisboa, de proteger zonas onde se fixam indústrias que podem ser melhor servidas longe dos mercados e perto das matérias-primas e energia, o mal há-de continuar a acentuar-se. E se as verbas susceptíveis de serem utilizadas em comunicações, urbanização e tantos outros fins que levam a melhores condições de vida forem poucas ou ao distribuírem em maiores, percentagens- pelas zonas do litoral, e especialmente em redor das grandes cidades, ninguém se poderá admirar do êxodo contínuo dos povos do interior sem procura de miragens e ilusões que levam, quantas vezes, à miséria e à fome e, na maioria dos casos, auxiliam a degradação moral e política.
Se acrescentarmos que, tanto pela riqueza mineira como .pela existência de reservas de energia a mais baratos, algumas das regiões interiores têm indiscutíveis condições de desenvolvimento, condições que serão até maiores do que as de que dispõem algumas das nossas províncias ultramarinas mais evoluídas, facilmente se apreende a importância que para a sua démarrage económica têm os programas d« comunicações e de força motriz e ainda os preços dos transportes.
Ora é precisamente esta tarefa ou, melhor, este problema, tão urgente como preocupante, que não pode ser esquecido ou minimizado ao estabelecer um programa concreto de obras, no domino das estradas, mas, outros assim, deve condicionar em larga medida a prioridade da sua realização.
Sei bem que é indispensável agir também, e simultaneamente, nos outros aspectos de que o problema se reveste e, neste, que não basta abrir e conservar estradas, mas ainda reduzir o preço dos transportes, condição de não menor importância quando o litro de gasóleo é em muitas regiões do interior 50 por cento mais caro do que em Lisboa, enquanto o da gasolina está unificado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: depois de definida a tarefa essencial, a qual se deve subordinar todo e qualquer plano concreto de comunicações, resta ainda considerar uma série de factores e circunstâncias que do mesmo modo devem condicionar a escolha das soluções e, particularmente, a sua prioridade.
Não se trata de discutir problemas técnicos, nem está em causa a competência nem a capacidade dos serviços da Junta Autónoma de Estradas, que, nos últimos vinte e cinco anos, provaram exuberantemente as suas possibilidades, construindo cerca de 5 000 km de novas estradas e tornando utilizáveis, depois de grandes reparações e constantes cuidados de conservação, os 12 000 km teoricamente existentes em 1928, obras em que se despenderam cerca de 4 milhões de contos.
Neste ponto nada mais devo acrescentar ao que o Sr. Deputado Melo Machado já afirmou, com a sua indiscutível autoridade.
Mas nem por isso deixa de se me afigurar dispensável aduzir alguns argumentos de ordem económico-social e até de simples bom senso, que têm de sobrepor-se a meras considerações de ordem técnica, por mais decisivas que pareçam.
O desenvolvimento da agricultura e a possibilidade de especialização e melhoria do nível de vida pela valorização dos recursos estão intimamente ligados às comunicações e transportes, sendo os efeitos das estradas duplos: fomento da produção, tornando possíveis culturas que até aí não o eram, estímulo ao recurso a mais aperfeiçoadas técnicas culturais e atracção de mão-de-obra e capital, paralelamente ao fortalecimento do anseio de melhores condições de vida.
E por estas razões que se afirma que uma nova estrada cria sempre riqueza e assegura a evolução econó-

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mica da região que serve, enquanto que qualquer melhoria introduzida, já no pavimento, já no traçado, repercutir-se-á apenas em função da intensidade do tráfego.
Ora é sabido que 800 000 a l 000 000 de portugueses que vivem em aglomerados, alguns com mais de 2 000 habitantes, ainda mio estão servidos por qualquer via de comunicação.
Por outro lado, muitas ligações das povoações por estradas municipais problema para o qual urge encontrar solução adequada com as nacionais não poderão ser efectuadas sem que o plano das estradas nacionais se complete, e não parece desprezável quer o problema desta articulação quer a necessidade de trazer ao convívio económico e social essas povoações.
Não se pode ignorar ou menosprezar o forte anseio dessas gentes, anseio que se insere numa iniludível preocupação do Governo e está de acordo com o mais urgente interesse do País.
De tudo isto decorre natural e claramente a necessidade de dar .prioridade à construção de novas estradas, condição que deve primar sempre sobre as grandes correcções de traçado, alargamentos, embelezamentos, etc.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas há mais. E conhecido o fenómeno da concentração de tráfego, fenómeno que atinge todos os países e mais marcadamente aqueles em que se verifiquem grandes desequilíbrios internos de desenvolvimento económico, como o nosso.
Pois bem. Esse facto vem ainda em abono da tese que venho defendendo, uma vez que as grandes transformações se tornam indispensáveis num número fortemente restrito de estradas.
Quer dizer: se para determinar essas obras de alargamentos, correcção de traçados e pavimentações se tiver apenas em conta a intensidade do tráfego e se considerarmos o estado em que se encontra a maior parte das nossas estradas principais, tanto no litoral como no interior, parece-me poder afirmar que a estimativa apresentada no preâmbulo da proposta para alargamento e .pavimentação de estradas importantes pode, e deve, ser consideravelmente reduzida.
Não quero com isto afirmar que se devam abandonar essas estradas, nem sequer que se perca de vista a conveniência da sua melhoria, mas apenas que, tendo as obras a efectuar de ser condicionadas às disponibilidades financeiras, se tem de adoptar na sua aplicação o critério da maior utilidade económica e premência das necessidades a satisfazer.
A ninguém mais do que a mim impressionam as conclusões referidas no preâmbulo da proposta em matéria de economias resultantes do estado do pavimento, do pendor das rampas, etc., apresentadas em abono da tese de dedicar a maior atenção a este aspecto do problema.
Poder-se-iam acrescentar ainda muitas outras razões e invocar até as estatísticas dos acidentes e referir as limitações a que estão sujeitos os nossos veículos de carga no capítulo das dimensões.
Não nego - e suponho que ninguém nega - a relevância desta faceta do problema, nem a sua extraordinária importância económica.
Desejo apenas acentuar - e isso com toda a veemência - que me parece que os outros ângulos por que pode ser encarado não foram considerados com igual carinho e preocupação, tanto no preâmbulo da proposta de lei como, principalmente, no parecer da Gamara Corporativa, embora, a meu ver, sejam bem mais importantes, quer pela amplitude dos seus reflexos económicos finais, quer pela desigualdade de condições existente.
Se as estatísticas de acidentes me impressionam pelas vidas que anualmente roubam ou pelas pessoas que inutilizam, não deixa de me sensibilizar mais a sorte daqueles que morrem por falta de assistência médica pronta ou impossibilidade de rápido transporte a um hospital, e, se bem que as estatísticas nada possam dizer a este respeito, não tenho quaisquer dúvidas de que são em maior número e têm maior reflexo na vida do País.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quer-me parecer, Sr. Presidente, que há uma certa deformação técnica na relevância dada a um aspecto do problema em relação aos outros, deformação que, por ser humana e compreensível, carece de ser corrigida, tanto mais que não me julgo viciado por deformação paralela ou sentimento deslocado.
Embora saiba que a indicação das obras previstas para uma 1.ª fase não passa de uma mera estimativa e esteja certo de que qualquer plano concreto que porventura esteja já esboçado não deixará de ser revisto com aquele espírito de compreensão a que o Sr. Ministro das Obras Públicas nos habituou, nem por isso posso deixar de frisar que a adaptação das obras a realizar às disponibilidades financeiras me choca, ao verificar, pelo parecer da Câmara Corporativa, que da estimativa das necessidades reconhecidas se chegou à escolha das mais urgentes pela redução de 50 por cento na rubrica de Novas construções», 75 por cento na de Supressão de passagens de nível» e 50 por cento na de Substituição de pontes», mantendo-se integralmente tudo quanto se considera inicialmente necessário em matéria de alargamentos, pavimentação de estradas importantes e pavimentação de estradas secundárias.
Seria esta atitude definida por obediência a qualquer orientação genérica que deva aceitar-se como prevalente?
Não o creio, por simples razões. Com efeito, o princípio, que Salazar estabeleceu como norma genérica d u acção, de que nada se faria de novo sem concluir primeiro o que estava começado, sem manter tudo o existente em boas condições de utilização e aproveitamento, e, que, no nosso meio, e para a nossa mentalidade, tão sujeita a oscilações pendulares e propensa a exageros, foi uma verdadeira revolução, não obstante ser um princípio basilar ditado pelo mais elementar bom senso, esse princípio não está nem podia estar em causa, sob pena de se trocar uma norma que se revelou frutuosa por um vago anseio de velocidade ao jeito do século.
Não se discute essa orientação, que antes se afirma expressamente como indispensável, mas trata-se de averiguar se dentro do seu espírito, e até por força dele, não se estarão .exagerando as necessidades reais da conservação e melhor aproveitamento, necessidades que tom de ser medidas, não por preciosismos técnicos ou eumptuosidade e beleza, mas pelas verdadeiras exigências do tráfego e pela proporção entre as finalidades a atingir e os meios de que se dispõe.
Não se pode, à sombra de tão simples como decisivo princípio, preterir o bom, só porque se deseja alcançar o óptimo, e, pelo paroxismo da sua aplicação, negá-lo, de facto, retirando-lhe aquele profundo bom senso que o impregna e do qual decorre naturalmente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O conhecimento que tenho do problema e todos os elementos de informação de que me foi dado socorrer, e entre os quais não excluo o sentir da nossa gente - feito de tanto senso e de tão aguda percepção da realidade -, levam-me a concluir que na estimativa apresentada deve haver acentuada desproporção na

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hierarquização das obras, com evidente prejuízo das novas construções.

Tranquilizam-me, porém, quer o conhecimento de que se trata de uma estimativa, quer a confiança, tanto no equilíbrio do Sr. Ministro das Obras Públicas, como a certeza de que as observações que aqui são feitas não deixarão de ser devidamente pesadas e ponderadas, ato para que se não agravem situações, que já vão existindo, de continuar a conviver o muito bom ao lado do muito mau ou inexistente o óptimo ao Indo do péssimo, circunstâncias que a nossa mediania não consente.
Nilo fora isso e teria de me compenetrar, até pelo simples conhecimento directo, de que, tendo já características e pavimentação modernas uma grande parte das nossas estradas mais importantes, na zona de mais intenso tráfego, muitas das transformações, incluídas sob a designação de alargamento e pavimentação, se iriam fazer nas estradas do interior, onde o grau de utilização o não justifica e o seu estado é mais do que satisfatório, isto com manifesto prejuízo das conveniências e necessidades das populações dessas regiões e das numerosas povoações ainda não servidas por qualquer via' de comunicação capaz.
Sr. Presidente: foi grande o esforço realizado nos últimos vinte e cinco anos em quase todos os campos, e nomeadamente no das estradas. Construíram-se muitas estradas a um ritmo de quase 200 km por ano, tornaram-se realidade as que existiam, forjaram-se técnicos, abriram-se novas perspectivas, criou-se riqueza, elaborou-se um plano rodoviário que sistematizou e introduziu ordem nos nossos métodos de trabalho. Hoje temos todas as condições requeridas para prosseguir: técnicos, métodos de trabalho e possibilidades financeiras.
A proposta de lei em discussão, conjugando esses ciumentos e indo de encontro a essa necessidade, merece, não só a minha aprovação, como o meu caloroso aplauso: dar-lhe-ei o meu voto na generalidade.
Não há, porém, bela sem senão. Os comentários que lhe fiz, a tese que defendi, o apelo que deixo ao Governo, são a melhor colaboração que poderia dar à política que a inspira: o firme anseio de ir serena e ordenadamente ao fim.
Por isso renovo a insistência no meu ponto de vista, presumindo que assim estarei contribuindo para que, através do plano de financiamento, se atinjam maior relevância e melhores resultados.
No que respeita à necessidade de coordenação, que neste caso se traduz na colaboração entre os Ministérios da Economia, das Comunicações e das Obras Públicas, aqueles como devendo fornecer as indicações sobre os objectivos a atingir e determinantes a que a execução se deverá subordinar e este como dispondo dos elementos de conhecimento técnico e dos meios de acção, não referirei por agora mais do que enunciei e apenas precisarei a conveniência de articular cuidadosamente, no tempo e no espaço, as comunicações com as obras de fomento, nomeadamente hidráulicas e industriais, para que se não repitam desfasamentos como os já verificados.
Em tudo o mais resumirei os meus comentários, acentuando a indispensabilidade de subordinar qualquer plano de execução rodoviário aos problemas prementes do País: elevação das condições de vida das populações do interior, abrindo-lhes novas possibilidades de desenvolvimento económico quê assegurem a fixação da população à terra, a urgência de lutar contra a concentração demográfica e industrial, a premência de reduzir os desequilíbrios das condições de vida entre o interior e o litoral, problemas que são de todo o País e decorrem de profundas razões económicas e sociais e podem ser sintetizadas na conquista da dispersão, dispersão geográfica das populações, das capitais, da administração.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - E, dentro da apreciação da estimativa do plano de obras, não poderei deixai1 ri e repisar que parece revelar uma evidente desproporção na atribuição das verbas pelos vários fins, com prejuízo das novas construções, cujo ritmo desceria de cerca de 200 km por ano nos últimos vinte e cinco anos para cerca de 120 km nos próximos quinze, o que poderia dar a indicação de que algumas povoações teriam de aguardar mais de trinta anos antes que as estradas previstas no plano rodoviário para as servirem viessem a ser uma realidade.

O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª também podia prever que se fizessem todas aquelas que são mais urgente», que estabelecessem ligações que não existem ainda, e se deixasse de construir outras.

O Orador: - Eu não pedi que se construíssem já todas.

O Sr. Melo Machado: - As povoações que esperam trinta anos já têm naturalmente ligações por outros Iodos. Há povoações que não têm ligação, mas dentro dos 1800 km talvez possam tê-la.

O Orador:- Não creio que dentro dos 1800 km o problema possa ficar resolvido satisfatoriamente.

O Sr. Melo Machado: - Estou de acordo com V. Ex.ª e as considerações que acaba de fazer são interessantes.
Eu queria dizer que com a construção de 1800 km de estradas os problemas por V. Ex.º apontados poderão ter solução, .porque, certamente, serão essas as coisas preferidas.

O Orador: - Eu não creio que com a construção de 1800 km de estradas se possa dar remédio aos casos apontados.

O Sr. Melo Machado: - As repartições competentes dizem que vão ser considerados os casos essenciais.

O Orador: - Eu não sei o que essas repartições consideram como sendo caso» essenciais. Mas, quando vejo uma repartição abstrair tecnocràticamente de qualquer sujeição a razões económicas, aspectos sociais e motivos políticos, não me parece que sem séria correcção se consiga solução adequada para os problemas.

O Sr. Melo Machado: - Eu achava que a política não devia estar metida nas estradas I

O Orador: - Não falei em política no sentido pessoal, mas noutro sentido. V. Ex.ª entende que por uma questão de uma dúzia de quilómetros se deve desligar a sede de um concelho de uma freguesia? E, pergunto, nesse sentido político o problema estaria satisfatoriamente resolvido? Ponha V. Ex.ª esta hipótese.

O Sr. Melo Machado: - As estradas que se vão construir são aquelas que estão propostas, e não outros.

O Orador:- Eu apresentei aquele exemplo, que pode ser teórico, moa que também pode ser concreto ou vir a sê-lo ao executar qualquer programa.

O Sr. Melo Machado: - Pode ser uma demonstração por absurdo.

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O Orador: - Não o creio, tanto mais que estes casos existem e podem vir a Tepetir-ae tno futuro.

O Sr. Pereira Jardim: - Eu suponho que o Sr. Deputado Camilo Mendonça se está a referir como sendo um caso teórico, e não concreto, por uma questão de pudor. Eu suponho que ele existe.

O Orador: - Existem vários de facto, e podem vir a existir mais.

O que importa sobremaneira frisar é que, sem sacrificar os salutares princípios orientadores da nossa política de realização, e até por força deles, é indispensável estabelecer uma criteriosa e sensata ordem de preferências e prioridades que, sem se inserir numa anárquica e desordenada realização, dê primado ao que é essencial sobre o que é acidental, ao prático e útil sobre o sumptuário e secundário o que importa sobre maneira acentuar é que não se pode caminhar para uma situação em que coexistam, mesmo pacificamente, o óptimo e o péssimo, já que in médio stat virtus. E, por fim, desejaria ainda formular um voto, voto que é ainda uma defesa do ponto de vista que venho sustentando, voto de que as novas pontes da Arrábida e de Lisboa, particularmente aquela, ainda há dias aqui tão vivamente defendida na sua necessidade e urgência, voto de que essas novas pontes não venham reduzir as verbas destinadas a novas construções de estradas, aspiração que, sei bem, é igualmente compartilhada por toda a gente.
E termino voltando a ler uma passagem do parecer das Contas deste ano, passagem que é, como disse, um programa, e prestando homenagem ao seu ilustre relator:
Não se pretendem estradas sumptuosas, largas em certos casos para o tráfego, que as não justifica. Pretendem-se vias práticas, adaptadas ao meio em que são construídas e susceptíveis de serem alargadas e melhoradas na medida em que for aumentado o tráfego o que implica revisão eficaz do actual plano rodoviário.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pereira de Melo: - Sr. Presidente: propriamente depois da abertura dos trabalhos efectivos desta sessão legislativa, é esta a primeira vez que se me oferece ensejo de falar nesta Assembleia. E é por isso Sue, com muito gosto, as minhas primeiras palavras serão e homenagem para V. Ex.a, em aditamento àquelas que proferi na sessão preparatória, em que V. Ex.ª foi investido nas suas altas funções de Presidente desta Assembleia.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador:- Aos Srs. Deputados quero cumprimentar com a mesma deferência e a mesma atenção e protestar-lhes que da minha parte encontrarão, como sempre encontraram, uma atitude da melhor compreensão e da mais viva curiosidade pelos ensinamentos que os seus discursos trazem à minha teimosa inexperiência de parlamentar, e que o que lhes posso oferecer é o contributo de uma inquebrantável lealdade e camaradagem política.

Sr. Presidente: o plano de financiamento à Junta Autónoma de Estradas, que o Governo quis enviar a esta Assembleia, como já foi acentuado desde a abertura do debate pelo nosso ilustre colega Sr. Melo Machado, tem' o mais alto interesse, quer sob o ponto de vista do fomento económico, quer sob o ponto de vista do fomento turístico.
Na verdade, mais fácil e mais rápida circulação dos produtos e das mercadorias) bem como melhor acesso às localidades, são problemas tão Intimamente ligados a uma boa política de fomento que não podemos deixar de vincar aqui o seu merecimento.
Também noutro Angulo de observação se me afigura, como alguns dos demais oradores que me antecederam, e especialmente o Sr. Engenheiro Camilo de Mendonça, o acentuaram já, que não havia necessidade constitucional da apreciação desta proposta de lei, não insistindo neste ponto porque, também como há pouco disse aquele mesmo Sr. Deputado, a vinda desta proposta à discussão nesta Assembleia tem, certamente e dominantemente, uma preocupação e uma finalidade de natureza política.
O nosso colega Sr. Dr. Marques Teixeira, na última sessão, estabeleceu o confronto entre aquilo que nós temos presentemente e aquilo de que dispúnhamos antes de 1928, evidenciando a lição política que de tal pode resultar, como advertência para todas as nossas atitudes presentes e futuras, do estado perfeitamente de caos e de ruína em que se encontrava a rede de estradas do Pais à data da criação da Junta Autónoma de Estradas.
Isto representa uma grande lição para todos nós e deve fazer meditar todos os portugueses dignos desse nome, que não devem querer voltar à contemplação de tal panorama.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Abandonando este tema, já bastante explorado, dirigirei as minhas considerações no sentido , de alguma maneira, ir ao encontro da preocupação que o Governo certamente terá tido de que, através do debate nesta Assembleia, possam resultar algumas sugestões úteis para a resolução do importante problema da execução do plano rodoviário em vigor.
Só há que louvar na proposta a eliminação em número de 100 das 361 passagens de nível que existem, e assim se dará realização ao pensamento já expresso no plano rodoviário aprovado em 1945. Nestas condições, a eliminação dessas passagens de nível só louvores pode merecer.
Por outro lado há dois aspectos previstos na proposta e comentados no parecer da Camará Corporativa: um refere-se ao alargamento do nosso actual traçado, imposto quer pela densidade do trânsito, que tem aumentado nas estradas do Pois, quer pela largura dos veículos, quer pelo seu número extraordinariamente maior, produzindo um congestionamento e um risco de acidentes que convém diminuir.
Por outro lado, prevê-se na proposta a constituição de faixas de rodagem para peões e ciclistas e parques de estacionamento.
Que das minhas considerações resulte agora a sugestão de que a sua constituição se faça primeiramente na periferia dos grandes centros urbanos e industriais, onde as necessidades da livre circulação são mais prementes, por serem em- maior número os veículos que por ali transitam.

Vozes: - Muito bem !

O Orador:- A construção de faixas de rodagem para peões e ciclistas, a construção de miradouros e parques de estacionamento podem levantar um problema com um reflexo político e que já tem sido posto. Refiro-me a que não é de tecer louvores à prática insistente dos serviços da Junta Autónoma de Estradas e, com manifesto desprezo pela propriedade particular marginal, se per-

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mitir estabelecer parques de estacionamento e fazer alargamentos sem a necessária precedência da expropriação da propriedade.
Isso dá-se principalmente no Norte, onde u terra é pouca e onde se vive agarrado a ela, e disso resultam reacções e contrariedades, que tom, em momento de apuro político, consequências que se não podem verificar exactamente. Também ao que se passa com a requisição das árvores no traçado existente é de atender. Essas árvores podem ser requisitadas pelo Estado, estando previsto que o proprietário seja indemnizado, mas o que acontece é que as brigadas da Junta Autónoma de Estradas e os chefes de conservação, acompanhados de cantoneiros, numa manhã de boa disposição, saltam à propriedade particular e apõem a indicação de património do Estado àquilo que até ali tinha sido muito legitimo património particular.
E de muitos casos que poderia revelar para ilustrar esta afirmação - sendo natural que os conheça bem, porque tantos tom passado pelo tribunal, com grave prejuízo para as pessoas interessadas, quer pelas despesas a que são obrigadas, quer pela incomodidade que dal resulta para a sua vida , quero recordar um deles, de que tive directo e muito próximo conhecimento.
Um homem, já perto dos 70 anos, da nossa Beira Alta ajudou nos tempos recuados da sua meninice a plantar um souto de castanheiros a sen pai, e de seu pai o herdou, colhendo anualmente desse souto os respectivos produtos.
Com grande surpresa viu um dia que, sem aviso prévio de qualquer espécie, algumas das árvores desse souto de castanheiros estavam marcadas como património do Estado e, com maior surpresa ainda, meses volvidos, quando os frutos estavam maduros e os foi colher, porque por legitimo titulo lhe pertenciam, verificou que havia sido relaxado pelo chefe de conservação das estradas ao tribunal da comarca, onde não houve possibilidade de impedir a sua condenação por crime de ... furto.
Foi tão dura esta decisão contra este homem, que era um exemplo de honradez inconcussa; sofreu com ela tão profundo agravo que só por escassas semanas resistiu ao desgosto de lhe ter sido lançado em rosto limpo o labéu de amigo do alheio, o morreu.
Casos como estes advertem no sentido de que se encontre na execução do plano rodoviário a possibilidade de se indemnizar quem deve ser indemnizado pelas obras de desapossamento que for necessário consumar.

Vozes:- Muito bem!

O Orador:- Outro aspecto focado na proposta, e a que se alude, embora sucintamente, no parecer da Câmara Corporativa, é o respeitante aos l 800 km de novas estradas e à conservação dos 4 000 km de estradas previstas no plano rodoviário de 1945.
A este respeito só há que lamentar que os 4 000 km por inteiro não possam ser construídos neste lapso de tempo.
Há que fazer uma ligeira anotação, e essa é apenas quanto à orientação desses 800 km de estradas. Parece-me de todo o ponto desaconselhável que se insista na, construção de novos traçados paralelos às grandes vias de comunicação existentes e principalmente às vias da nossa rede ferroviária, porque o caminho de ferro, apesar do esforço que a Companhia está fazendo para o efeito da sua própria recuperação, encontrar-se-á ainda por muitos anos em aguda crise financeira.
Tudo o que seja desenvolver a rede rodoviária paralelamente ao caminho de ferro importará hipertrofia da nossa já densa camionagem de transporte de mercadorias e passageiros.
Por outro lado, a construção dos novos traçados de orientação transversal às linhas ferroviárias trará forçosamente uma vantagem, que é a de ir-se ao encontro de muitas povoações, de muitas localidades que até hoje não puderam beneficiar de meios de fácil acesso às vias de comunicação rodoviária e ferroviária do Pais.
Portanto, se há que fazer uma rubrica a este respeito, é apenas a de que esse novo traçado se faça com um sentido transversal das nossas redes ferroviárias existentes, que, em bom ou mau estado de circulação, prestam já o seu serviço económico próprio.
Também há que referir um ponto a que, salvo erro, não alude a proposta do Governo: a necessidade de proteger os traçados já construídos ou que venham a ser construídos naquelas zonas fortemente declivosas que constituem grave perigo para a circulação; principalmente as estradas do interior, que se desenvolvem através de regiões em que a sua protecção não dá garantias de se evitarem acidentes graves, precisam de ser melhor dotadas neste aspecto.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Desejo focar ainda outro aspecto a que alude também o parecer da Câmara Corporativa: o desgaste dos pavimentos existentes e do próprio material circulante.
Falando do desgaste dos pavimentos, poderei fazer considerações acerca do processo e da natureza da sua constituição, quer relativamente aos pavimentos que é preciso beneficiar on reconstruir, quer quanto àqueles que hão-de construir-se de novo.
Os processos clássicos de pavimentação são o asfalto e o paralelepípedo. O primeiro põe um problema que interessa à nossa balança comercial, porque essa matéria-prima é de importação e a sua aquisição representa sempre, necessariamente, uma salda de cambiais do Pais.

O Sr. Augusto Cancela de Abreu: - V. Ex.ª dá-me licença?
Simples esclarecimento, que, por certo, será agradável a V. Ex.ª ...

O Orador:- É para dizer que há em Angola essa matéria-prima ?

O Sr. Augusto Cancella de Abreu: - E para informar que está presentemente em estudo, creio que adiantado, no Laboratório Nacional de Engenharia Civil a possibilidade de utilizar os produtos de rocha asfáltica de Angola na pavimentação das estradas nacionais, tanto da metrópole como do ultramar.

O Orador:- Agradeço a V. Ex.ª a informação, que é muito grata a todos nós, pois poderemos fazer pavimentação com material nacional. Em todo o caso, a realidade é que ainda não pode ser utilizada a matéria-prima de Angola.
A importação, tanto da matéria-prima referida como da maquinaria necessária para o seu emprego, acarreta aspectos de determinada gravidade para o equilíbrio da balança comercial, mas não vejo que seja possível uma política de restrição à sua entrada em Portugal, visto as nações exportadoras serem precisamente aquelas que nos fornecem outros produtos, designadamente o petróleo. Seria ideal que pudéssemos fazer essas importações num regime de troca, e bastaria, para nosso desafogo, que os países de que importamos o petróleo nos adquirissem valor equivalente e proporcionado das nossas mercadorias de exportação.
O paralelepípedo, sendo um produto nacional, oferece, em relação ao asfalto, a grande vantagem de propor-

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16 DE MARÇO DE 1954 675

cionar uma plataforma de rodagem não só mais robusta como de maior segurança.
Pode objectar-se que o desgaste dos pneumáticos nos paralelepípedos é muitíssimo maior. Entretanto, se o desgaste dos pneumáticos é muitíssimo maior, por outro lado também há que considerar a duração do próprio pavimento : é que, enquanto o pavimento de asfalto - dizem DS serviços técnicos - tem uma duração de doze anos 301 boas condições de circulação, os pavimentos de paralelepípedos tom uma duração de quarenta e cinco a cinquenta anos, e nós temos ainda magnificas estradas abertas ao transito, no início da actividade da Junta Autónoma de Estradas, que são testemunho vivo de que é infinitamente maior a sua duração.
E parece-me que vistas as coisas neste plano, se encontra uma larga compensação do maior desgaste dos pneumáticos que o pavimento de paralelepípedos ocasiona.
Por outro lado, na indústria de exploração de pedreiras - e este facto interessa particularmente à economia social do Norte do País - emprega-se já, nas regiões do Norte, um número de operários que oscila entre 3 000 e 7 000, e daqui se infere quantas dezenas de milhares de pessoas tom a sua vida económica dependente do trabalho dos chefes de família que de canteiros ou pedreiros fizeram a sua profissão.
E não será de esquecer que neste momento se desenha já um enfraquecimento no ritmo da nossa construção civil, e portanto muitos dos que poderiam nela empregar-se deixarão de ter aí campo normal de acção do seu trabalho. Assim, tudo o que seja fazer a construção dos pavimentos à base das nossas pedreiras parece-me que será uma maneira de ligar o económico ao social, de que nunca andou desviado o Governo do Estado Novo.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador:-Por outro lado, nas obras necessárias a continuidade dos traçados julgo que deverão empregar-se as cantarias de preferencia no betão armado.
Ninguém pode de maneira nenhuma estabelecer um paralelo entre a beleza inconfundível das cantarias desta sala e a beleza discutível que ela teria se de cimento armado fosse. E, na verdade, bem se sente a diferença chocante entre as abóbadas de Alcobaça e da Batalha e as da Igreja de Nossa Senhora de Fátima, na Avenida de Berna.
O Estado tem também como missão social educar o gosto estético do povo, fomentar o desenvolvimento das artes e não esquecer que nos nossos castelos medievais encontramos pedras que têm ainda hoje viva e evidente a marca pessoal do operário que a lapidou e aí a colocou.
Ocorre-me lembrar um facto passado comigo há anos numa renovada visita ao Palácio Nacional de Queluz: domingo à tarde dispus-me a ir ver de novo o Palácio e quase simultaneamente chegou um senhor alquebrado já pelos anos, mas em cujos olhos havia cintilações de talento e no enrugado da fronte marcas profundas de educação e de cultura.
E para que, na verdade, os visitantes formassem um grupo mais heterogéneo, chegaram, transportados num magnifico automóvel, dois casais que, no decurso da visita, nos foi possível apurar serem opulentos mercadores da praça de Lisboa. E então aquela visita transformou-se num motivo de permanente curiosidade e interesse para mim, que tinha a resistência de nervos necessária para não me agastar com os dislates que continuamente estavam a ser praticados pelos componentes daqueles dois simpatiquissimos casais.
O senhor de idade, homem culto e inteligente, manifestou por várias vezes, por gestos, o seu enfado, porque os companheiros da visita se limitavam a folar grandeza e da opulência da Corte, proferindo frases ofensivas, para não dizer pornográficas, com relação à vida de reis e príncipes, parecendo que nada mais os interessava naquela visita ao Palácio do que saber se as camas onde se deitavam os antigos moradores tinham colchões de arame ou de sumaúma.
Mas, à medida que o cicerone ia conduzindo os visitantes e nos introduziu na Sala dos Espelhos, aqueles dois casais foram finalmente tocados pelo equilíbrio do linhas e pela grandeza arquitectónica da obra, e ao velhote intelectual que nos acompanhava disse então um daqueles ricos mercadores: Então, que lhe parece esta grandiosidade?».. E o velho português e culto companheiro dessa visita retorquiu: Parece-me que os reis foram uns grandes pródigos, mas deixaram para extasiarmos os olhos estes motivos de inconfundível beleza, ao passo que hoje temos para aí ... uma República de cimento armado».
Ora, já que, na verdade, a República poderá ganhar em vigor de expressão arquitectónica, eu pediria que não se esquecesse de imprimir nas novas pontes a marca inconfundível do trabalho dos nossos canteiros.
Quanto a desvios previstos e necessários para servirem o transito e para descongestionarem o mesmo trânsito, suponho que só há que louvar que se façam esses desvios.
Mas daqui apelo para o Governo e para a Junta Autónoma de Estradas no sentido de que esses desvios ou variantes sejam feitos apenas naqueles casos em que não afastem a grande circulação de motivos de evidente interesse paisagístico, de inconfundível beleza panorâmica ou arquitectónica ou dos conhecidos lugares da nossa evocação histórica.
Na verdade, considero quase criminoso que os novos desvios ou variantes das estradas afastem os viandantes da contemplação dessas evocações, onde melhor podem aprender a amar Portugal.
Julgo que o homem desta Lisboa lê melhor nas pedras do Castelo de S. Jorge do que nas frias páginas dos cronistos e dos historiadores a gesta heróica do Rei Fundador.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por igual razão eu pediria daqui que imediatamente se transferisse para a jurisdição da Junta Autónoma de Estradas aquele número restrito de traçados de estradas municipais que sirvam também esses lugares de interesse turístico, de educação histórica e de interesse arquitectónico.
Suponho que isso é uma maneira prática de realizar a defesa de um volumoso compartimento dos interesses históricos e culturais do País.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Postas estos considerações, apraz-me declarar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e à Câmara porque esta proposta só louvores merece que darei o meu voto à proposta em discussão e, com o mesmo apraximento, darei o meu voto a proposta de emenda formulada já por alguns Srs. Deputados à sua base III.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.

O debate continuará na sessão de amanhã.

Quero prevenir os SM. Deputados de que a seguir a esta proposta entrarão em discussão as Contas Gerais do Estado de 1952.

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676 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 42

Amanhã deve chegar a esta Assembleia o parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta relativa à indústria hoteleira, que só será publicado no Diário das Sessões a distribuir na quarta-feira. Portanto, antes de quinta-feira aquela proposta não deverá ser discutida, mas começará a sê-lo provavelmente nesse dia.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 Horas e 35 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

André Francisco Navarro.
António Bartolomeu Gromicho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Russell de Sousa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancella de Abreu.

Sn. Deputados que faltaram à sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Cruz.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Afonso Cid dos Santos.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Marques Teixeira.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Rui de Andrade.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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