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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 44

ANO DE 1954 18 DE MARÇO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VI LEGISLATURA

SESSÃO N.º 44, EM 17 DEI MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos.

Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado com alterações o Diário das Sessões n.º 42.
O Sr. Deputado Camilo Mendonça falou sobre a comercialização do azeite.
O Sr. Deputado João Valença referiu-se ao caso da licença de estabelecimento comercial e industrial exigida, para os grémios da lavoura.
O Sr. Deputado Pereira da Conceição tratou dos problemas dos transportes, circulação e estacionamento de viaturas na cidade de Lisboa.
O Sr. Deputado Morais Alçada fez o elogio do conselheiro João Franco, cujo centenário passa em 1965.

Ordem do dia. - Concluiu-se a discussão na generalidade da proposta de lei relativa ao plano rodoviário.
Falaram os Srs. Deputados Amândio de Figueiredo e Melo Machado.
Na especialidade a referida proposta foi aprovada com a substituição da base III pelo texto sugerido pela Câmara Corporativa e perfilhado pela Comissão de Obras Públicas.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas.

Fez-te a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva. Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Américo Cortês Pinto.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
António dos Santos Carreto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Baltazar Leite Rebelo de Sousa.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.

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Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Gosta.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Gosta.
João Afonso Cid dos Santos.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Peneira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Urgel Abílio Horta:

O Sr. Presidente:- Estão presentes 86 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 42.

O Sr. Pereira da Conceição: - Solicito a V. Ex.ª que nesse Diário, a p. 667, col. 1.ª, 1. 10, onde se lê: «nessas condições às justas e correspondentes indemnizações», se rectifique para: «nessas condições às correspondentes indemnizações».

O Sr. Pereira de Melo: - Solicito também a V. Ex.ª as seguintes rectificações a esse Diário: a p. 673, col. 2.ª, 1. 65 a 67, no período que começa assim

«Refiro-me a que não é de tecer louvores à prática insistente dos serviços da Junta Autónoma de Estradas e ...», á conjunção e deve ser substituída pela conjunção que, e, mais adiante, nas 1. 68 e 69, onde se lê: «se permitir»; deve ler-se: «se permitem»; na p. 674, col. 1.ª, 1. 54, as palavras «e à conservação» devem ser eliminadas, porque alteram completamente o pensamento que se expõe.
Ainda a p. 674, col. 2.ª, 1. 56, onde se lê: «acarreta aspectos de determinada gravidade para o equilíbrio da balança comercial, mas não vejo que seja possível», deve ler-se: «mas vejo que será possível».
A p. 675, col. 1.ª, 1. 51, onde se lê: «a marca pessoal do operário que a lapidou e aí a colocou», deve ler-se: «a marca pessoal dos operários que as lapidaram e aí as colocaram».

O Sr. Presidente:- Visto mais ninguém pedir a palavra, considero este Diário aprovado com as rectificações apresentadas.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Do arcipreste e do clero do Arciprestado de Braga, do provedor da Misericórdia e do Ateneu Comercial da mesma cidade, da comissão executiva do Congresso Mariano Nacional, da Mesa da Confraria do Santeiro, do reitor e capelães do Seminário do Sameiro e da direcção do Patronato de Nossa Senhora da Torre a apoiarem as considerações do Sr. Deputado Alberto Cruz proferidas na sessão de ontem.
De presos da Cadeia de Alijo a apoiar o pedido de amnistia feito pelos senhoras católicas.

O Sr. Presidente:- Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério do Ultramar em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Sócrates da Costa na sessão de 9 do corrente, que vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Camilo Mendonça.

O Sr. Camilo Mendonça: - Sr. Presidente: depois das afirmações que o nosso ilustre colega engenheiro Amaral Neto aqui fez ontem, poderia limitar-me a dar-lhes o meu aplauso, a secundá-las.
O facto de ter vivido de perto as vicissitudes por que vem passando a comercialização do azeite, enquanto se trata de assegurar à lavoura o seu escoamento, oportuno e a preços convenientes, nas campanhas de safra e de garantir o regular abastecimento público, aos preços fixados, durante os anos de contra-safra, vicissitudes que desde o fim da guerra vêm a agravar-se, e a circunstancia de não desconhecer estar o problema mais na existência de uma organização do que no efectivo excesso de produção forcam-me a acrescentar mais algumas considerações, até porque sou mais optimista em matéria de equilíbrio entre produção e consumo de azeite.
Antes, não poderei deixar de, pela minha parte, reconhecer e expressamente afirmar que à decidida e enérgica intervenção da Junta Nacional do Azeite não se poupando dirigentes e funcionários a esforços e canseiras para superar a indiscutível insuficiência de meios materiais e humanos - se ficou a dever não ter o escoamento do azeite nesta campanha assumido graves aspectos, com sérios reflexos na economia da exploração agrícola, tão carecida de estabilidade.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador:- Certamente que sem a compreensão e decidido apoio doa Srs. Ministro da Economia e Subsecretário de Estado da Agricultara e sem a colaboração prestada pela banca particular não teria sido possível restabelecer a confiança e assegurar o escoamento nas condições em que pôde sê-lo, mas nem por isso seria justo deixar de acentuar o espirito de decisão, o esforço realizado, a vitória ao fim e ao cabo trabalhosamente conseguida pela Janta Nacional do Azeite nesta emergência.
Faço estas afirmações, presto esta justiça, tão seguro de que é devida, quanto me não são desconhecidas nem as naturais dificuldades do problema, nem a carência quase completa dos meios indispensáveis e, ainda, na medida em que sei não se ter até agora devido a este organismo obra ou serviço capaz de lhe dar relevância igual à atingida por outros na sua esfera de acção, nem susceptível de o provar como apto ao cumprimento da sua missão para além de uma existência mais ou menos burocrática, justificada mais pela importância da olivicultura e por simetrismo de organização do que propriamente pelos resultados da sua acção.
Não quer isto dizer que tudo tenha decorrido de forma impecável, sempre e em toda a parte se tenha evitado a especulação, não tenha havido maiores ou menores prejuízos e contratempos, mas tão-só que se atingiu o essencial, evitando-se o pânico, restabelecendo-se a confiança, até porque se agiu sem se dispor dos meios necessários, tendo de improvisar quase tudo, isto é, dentro de um condicionalismo em que o possível nunca era o óptimo e raro podia ser o bom.
Mas ... mas seria errado pensar que em nova safra, numa conjuntura semelhante & actual, o problema pudesse ainda ser remediado com muito boa vontade e firme decisão. Foi precisamente a última vez em que o problema podia ser resolvido assim, ser enfrentado por improvisação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Fiz em 1949 esta prevenção e espero que desta vez se não continuará a aguardar, para que se não chegue na provável safra extrema de 1957-1958 a uma situação irremediável.
Tem, pois, o Governo escassos anos para agir, dotar a Junta com os meios indispensáveis para enfrentar situações como estas. Se não o fizer, impenderá sobre a lavoura olívicola o previsível risco de um sério desastre, a menos que se confie a Divina Previdência a solução daquilo que está na alçada dos homens.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Não julgo, de resto, que o problema se revista de extraordinária complexidade, até porque não creio que se possa falar com verdade em crise de superprodução de azeite, polo menos enquanto perdurarem os actuais preços internacionais dos outros óleos vegetais comestíveis, enquanto se mantiver internamente o desfasamento de preços das gorduras animais, enquanto a nossa capitação de gorduras se não elevar substancialmente e o consumo continuar a desenvolver-se no ritmo presente.

O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª acha que as populações rurais estão realmente colocadas em condições de poderem absorver as gorduras a que se refere e que são
parte indispensável da sua alimentação?.

O Orador:- As populações rurais absorvem cada vez maior número de gorduras vegetais e cada vez menor numero de corduras animais, embora não atinjam ainda o nível desejável.

O Sr. Carlos Moreira: - E V. Ex.ª sabe porque se dá isso ?

O Orador:- É por uma questão de preços e nível de vida que uma política de poder de compra e elevação de condições de vida não deixa de melhorar e que o Governo não demorará, como espero, em promover e sustentar.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Carlos Moreira: - Congratulo-me por ter dado motivo às afirmações que V. Ex.ª acaba de fazer.

O Orador:- Mas, como ia dizendo ...
Poder-se-á falar, sim, de anos em que a produção excede o consumo, paralelamente a outros em que o não satisfaz. Poder-se-á falar, talvez, de um certo excedente no fim de cada período decenal, se a exportação não puder ser mantida no nível normal, nomeadamente para o Brasil.
O problema é, pelo menos em meu entender, mais de organização do mercado do que de qualquer outra natureza, conclusão a que levam todos os elementos de que disponho.
Torna-se, pois, indispensável e urgente que se equacione o problema da estabilização dos preços, sé defina o esquema da regularização do mercado e se dote o organismo de coordenação com os meios necessários, meios que são financeiros, humanos, técnicos e materiais.
Para isso bastará, enquanto é tempo, dedicar-lhe uma certa atenção, algum estudo completando o que, porventura, já tenha sido feito e, depois, rápida execução do programa traçado.
Entretanto, importa ir eliminando algumas anomalias e sobrevivências, que, nada justificando já, tudo aconselha se não demore a expurgar, e remediando alguns vícios que a situação de emergência pode ter imposto, mas cujos efeitos estão longe de terem sido inofensivos para o funcionamento normal do comércio armazenista.
Quero referir-me especialmente aos regimes de tabelamento de preços e de condicionamento da distribuição do azeite.
Com efeito, o regime de tabelamento dos preços de compra ao produtor, além de constituir um sistema que por hábito não funciona senão como limite acima do qual o produtor efectua as vendas no ano de contra-safra, e abaixo do qual o comerciante compra nos anos de safra, não tem justificação séria fora dos períodos marcadamente anormais - e, santo Deus!, a guerra já lá vai há quase dez anos - e tem o grave inconveniente de desaconselhar o lavrador a armazenar os produtos da sua exploração, uma vez que o preço não varia ao longo do ano.
Temos, assim, que este regime, forçando praticamente toda a gente - lavrador e comerciante - a transaccionar normalmente fora dos preços estabelecidos, é ainda responsável pela concentração da oferta na época da colheita e, portanto, elemento que intervém como perturbador das naturais dificuldades de escoamento de um produto que, pelo sen elevado valor unitário, força a avultada imobilização de capital.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Também o condicionamento da distribuição, estabelecido em período em que era porventura necessário, e, talvez, pelo processo mais simples no que respeita ao contrôle, mantendo-se em moldes e por tempo que dificilmente se justificam, tem conduzido à asfixia e sucessivo desaparecimento dos armazenistas das zonas produtoras, exactamente aqueles que exerciam uma função

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mais útil: a compra das pequenas partidas dispersas por muitos produtores.
Sei bem que, talvez por força dos condicionamentos do período de guerra, se gerou uma certa mentalidade para a qual toda a concorrência é inconveniente e procura, com a alegação de ser necessário evitar a concorrência desleal, suprimir toda e qualquer concorrência.
Não sou dos que tem especial ódio ao comércio ou inveja dos proventos que consiga auferir, nem filio na sua actividade a origem de todos os males e dificuldades da lavoura, antes reconheço a útil função que lhe cabe exercer, particularmente no caso dos armazenistas e exportadores de azeite, e folgarei em vô-lo em situação desafogada, na medida em que traduza a prosperidade geral da Nação.
Mas nem por isso posso deixar de acentuar o perigo dessa mentalidade e ver nesse caso orna aplicação concreta desse espirito, que é indispensável expurgar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - De facto não se compreenderá facilmente que aos armazenistas das zonas não produtoras seja normalmente reservado o direito de as abastecerem, ao mesmo tempo que se lhes concede o de adquirirem directamente o azeite ao lavrador, enquanto aos armazenistas das zonas produtoras só excepcionalmente se faculta a distribuição de azeito aos grandes centros consumidores. Pois, não obstante, é exactamente isso que ocorre há mais de dez anos e tem como reflexo a progressiva eliminação, ou, pelo menos, a paralisação, dos armazenistas das zonas redutoras, aos quais cabia uma missão cuja importância desnecessário encarecer.

O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª está a enunciar mal, e marcou até um período longo de dez anos em que esses males vêm sucedendo. E é lógico perguntar-se se, seguindo-se há tantos anos um regime de economia corporativa tendente a obviar a esses males, não seria conveniente que tal regime fosse modificado, uma vez que parece que com ele se está a passar o que é costume suceder numa economia liberal.

O Orador:- Se bem entendi a observação de V. Ex.ª, o problema põe-se em saber se o que se está passando e conforme com os princípios da organização corporativa, ou se as anomalias que o condicionamento estabeleceu, porventura por motivos imperiosos, não podem já ser superadas, regressando-se à normalidade, à flexibilidade.

O Sr. Carlos Borges: - E qual é essa flexibilidade? É os armazenistas, quando há fartura do produto, adquirirem-no por preços baixos?

O Orador:- No decurso das considerações que vinha fazendo não sustentei tal, antes pelo contrário, e ao falar agora em flexibilidade não quero significar compra por preço aviltante, nem especulação, mas apenas que não se pretende um sistema rígido, burocrático;

O Sr. Carlos Borges: - Por isso perguntei a V. Ex.ª como entendia essa flexibilidade.

O Orador:- Eu não pudera concluir o meu pensamento, que era este: regressar-se à flexibilidade dentro da segurança, de acordo com as conveniências e necessidades da vida económica e da concorrência nos limites salutares. E, continuando ...
Dessa paralisação ou desaparecimento surge, porém, uma infindável série de pequenos casos difíceis de resolver pela intervenção do organismo de coordenação, mas que, além de criarem mal-estar, representam, geralmente, situações a que importa sobremaneira atender, por se referirem, em regra, a pequenos produtores com precárias condições de resistência.
Pelas considerações que fiz julgo dever o problema da organização do mercado basear-se na colaboração do comércio grossista e exportador, ao qual naturalmente caberá armazenar uma boa parte dos excedentes no ano de safra, nos financiamentos à produção, na intervenção directa no mercado do organismo de coordenação a preço remunerador, garantindo-o por compra efectiva, para o que carece de uma rede de armazéns e dos necessários meios financeiros.
Quer dizer: impõe-se adoptar um esquema de intervenção maleável, sem deixar de ser eficaz, em que o valor-qualidude e o valor-utilidade possam naturalmente ter a devida compensação e em que a compra efectiva pela Junta, sem ser um objectivo, deverá ser, embora com aspecto supletivo, previsivelmente indispensável.
Dentro desta orientação, o anúncio do fim do tabelamento da compra não só não causaria receios nem apreensões e lavoura, como seria recebido como legítima compensação por todos quantos não deixam de ter como objectivo a atingir a melhoria da qualidade e compreendem não ser esta definida só, ou até fundamentalmente, pelos graus ou décimos de acidez ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Desde que se defina claramente a política a seguir, se não demore em dotar a Junta com os necessários armazéns e os indispensáveis meios financeiros e se não descure o problema da exportação, julgo que não serão de recear nem boas colheitas nem excedentes de produção.
Não se deixe, porém, que o espírito de comodidade assente arraiais na nossa praça, tanto do ponto de vista do comércio, suprimindo toda a concorrência, como da lavoura, pretendendo desfazer-se imediatamente de toda a produção, mas defenda-se o produtor da insegurança e assegure-se ao comerciante que o lucro advenha apenas do exercício efectivo de uma função útil à colectividade.
Por mim, espero que, depois do aviso que a campanha decorrente constituiu, não tenha, volvidos dois anos, de voltar a usar da palavra - não, talvez, já para insistir neste ponto, mas para lamentar males maiores.
Estando todos os dados a merco dos homens, nem se compreenderia que descresse da pronta solução do problema, embora não possa deixar de frisar que, pela experiência da vida, talvez não fosse levado a pensar assim.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. João Valença: - Sr. Presidente: na minhas primeiras palavra são para V. Ex.ª, para o cumprimentar e saudar.
Gostosamente o faço, pela alta consideração que V. Ex.ª me merece e pelo elevado apreço em que tenho as suas qualidades de inteligência e de carácter.
Peço, pois, a V. Ex.ª aceite as homenagens do meu profundo respeito, as minhas mais cordiais e efusivas saudações e os protestos da minha muita estima e consideração.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Aos Srs. Deputados, meus ilustres colegas, apresento os mais afectuosos cumprimentos e o testemunho sincero de uma franca e leal colaboração.

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Sr. Presidente: o assunto que me proponho tratar não é de grande transcendência, nem de larga projecção nacional. Interessa, porém, ao prestígio da justiça e à inteligência da lei.
Trato-se de uma discutida condição do exercício da actividade económica dos grémios da lavoura, qual seja a de saber se lhes são aplicáveis as disposições que prescrevem a obrigatoriedade da licença de estabelecimento comercial e industrial.
Preceitua o artigo 710.º do Código Administrativo que:

A licença de estabelecimento comercial ou industrial é devida pelas empresas singulares ou colectivas ou suas sucursais, filiais, agências, delegações, correspondências ou estabelecimentos que exerçam qualquer ramo de comércio ou de indústria na circunscrição municipal.
§ único. Para os efeitos do disposto neste artigo considera-se comércio ou indústria toda a actividade sobre que incida contribuição industrial ou imposto de natureza especial que a substitua.

Ao abrigo deste preceito têm, Sr. Presidente, os nossos tribunais proferido as decisões mais contraditórias, pois que, enquanto uns, como as Relações de Coimbra e do Porto, têm unanimemente julgado que aqueles grémios não estão sujeitos à referida licença, outros, como a Relação de Lisboa, vêm decidindo pela necessidade da mesma.
E sucede até que neste douto Tribunal não existe uniformidade dos julgados, pois, dentro dele, os próprios magistrados divergem quanto à sua solução.
A tanta incerteza e hesitação, Sr. Presidente, se chegou neste domínio que no mesmo volume do Boletim, do Ministério da Justiça se contêm arastes perfeitamente opostos e antagónicos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, esta divergência vem de longe, de há mais de dez anos, e encontra-se abundantemente comprovada em todas as nossas revistas de direito..
A própria doutrina, Sr. Presidente, está também dividida a este respeito, como facilmente se verifica pela leitura da Remita do Direito Fiscal e da Revista do» Tribunais.
Ora, não havendo recurso para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões proferidas nesta matéria, não é possível pôr termo por via judicial àquela divergência, fixando-se em assento um critério uniforme da aplicação da lei.

O Sr. Pereira de Melo: - Quero apenas objectar ao Sr. Deputado João Valença que ainda bem que se não pode tirar assento, porque os grémios teriam de passar a pagar licença ...

O Orador: - Não estou aqui a pôr o problema de quem deve pagar; chamo apenas a atenção do Governo para a necessidade de, por via legislativa, resolver o problema posto.

O Sr. Pereira de Melo: - Tem V. Ex.ª muito razão.

O Orador: - Por isso mesmo, Sr. Presidente, vêm os tribunais insistentemente chamando a atenção para a necessidade de uma providência legislativa que definitivamente ponha cobro u disparidade dos julgados e solucione de vez o problema em discussão.
Até a própria Direcção-Geral de Administração Política e Civil, como se verifica do seu Anuário (42.º), sugere que, em face das decisões judiciais proferidas, o problema seja resolvido por via legal.
E realmente, Sr. Presidente, a necessidade desta solução é tanto mais imperiosa quanto é certo que deparamos com esta situação lamentável:
Por um lado, aquela Direcção-Geral manda que sejam levantados sempre autos de transgressão aos grémios da lavoura quando, no prazo legal, não solicitem a competente licença de estabelecimento comercial e industrial, e ainda que absolvidos nos tribunais, pelo mesmo facto, nos anos anteriores;
Por outro lado, a Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas entende que os grémios da lavoura estão isentos da aludida licença e que não tem suporte legal a sua exigência, verifica-se assim que não há unidade de pensamento dentro da própria Administração Pública, com manifesta quebra do seu prestigio, pois chegam os seus órgãos a entrar em conflito, quando postos em face da questão em debate.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas não é só, Sr. Presidente, o prestígio da Administração Central que está em jogo, o das próprias câmaras municipais, que, levantando os autos, em obediência a instruções superiores, os vêem julgados incertamente: ora subsistentes, ora insubsistentes, consoante as decisões instáveis dos tribunais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E se é desprestigiante para a administração central e local, não deixa também de ser lesivo dos interesses dos grémios, que, para se defenderem nos respectivos processos, são obrigados e compelidos a grandes e avultadas despesas.
Mas, mais do que isso, importa considerar a situação verdadeiramente aberrante com que, na realidade, deparamos.
Em face das decisões contraditórias dos tribunais, há grémios da lavoura que pagam a licença de estabelecimento comercial e industrial e outros há que vêm sendo sistematicamente isentos dela.
Ora, sendo certo que só uma destas soluções pode ser a legal e a justa, manifesto é que a outra constitui fatalmente uma injustiça, a que urge imediatamente pôr termo.
De resto, Sr. Presidente, a discordância dos julgados exprime uma nociva incerteza do direito, que, além de geradora de insegurança social, em nada prestigia os tribunais, que se dignificam pela uniformidade das suas decisões e não pela disparidade dos seus arestos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Chamo, portanto, a atenção do Governo para este assunto, na certeza de que ponderará criteriosamente as circunstâncias aqui expostas, de molde a definir em diploma legal a posição dos grémios da lavoura quanto à questionada licença.
E fico confiante na solução que há-de dar-lhe: por certo a mais justa e inteiramente de acordo com os superiores interesses nacionais, pondo fim a uma situação que fere o prestígio do direito, compromete a actuação do Poder Judicial e embaraça o próprio exercício da actividade da Administração.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

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O Sr. Pereira da Conceição: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: em 14 de Janeiro findo anunciei nesta Assembleia o propósito de aqui tratar dos problemas relativos a transportes, circulação (nas duas modalidades de viação e trânsito) e estacionamento de viaturas na cidade de Lisboa, particularmente mas suas áreas mais densas.
Formulei então o desejo de equacionar o problema das grandes penetrantes e circularas da cidade, existentes ou projectadas, com o desenvolvimento urbano e comercial, mas coordenando-o com os problemas da defesa civil a atentar em caso de guerra ou de grave calamidade pública.
Finalmente, demonstrei vontade de o fazer com base no aumento populacional, na necessidade de transporte, cada vez mais premente, em função desse aumento de população e nos consequentes pejamentos da circulação daí resultantes, tendo em vista, para tudo, as lições colhidas nas grandes cidades europeias.
Dirigi naquela data à digna Mesa desta Assembleia requerimento, a satisfazer pelos vários Ministérios, solicitando dados da Câmara Municipal de Lisboa, da Companhia Carris de Ferro de Lisboa, do Instituto Nacional de Estatística e do Ministério das Comunicações (Direcção-Geral dos Serviços de Viação).
V. Ex.ª honrou-me, Sr. Presidente, com a afirmação de que o requerimento seguiria imediatamente para o Sr. Presidente do Conselho.
E tanto a presteza correspondeu à afirmação que, decorridos apenas quinze dias, a Câmara Municipal, valendo-se dos seus organismos competentes, satisfazia o que lhe fora solicitado.
Estes factos são, como tal, motivo de satisfação para esta Assembleia e julgo-me, portanto, no dever justificado de agradecer aqui a S. Ex.ª o Presidente do Conselho o deferimento rápido da pretensão. À Câmara Municipal de Lisboa manifesto apreço pelo eficiente funcionamento dos seus serviços, que prontamente prestam todos os esclarecimentos e informações que lhes são solicitados, o que denota, mão só perfeita organização desses serviços, como ainda boa vontade colaborante em tudo o que nesta Assembleia se pretende estudar e tratar com vista ao interesse geral da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Lamento, porém, não poder fazer a mesma afirmação quanto aos restantes órgãos da Administração Pública nos quais o meu requerimento se tornava extensivo. São passados dois longos meses e o rápido despacho de S. Ex.ª o Presidente do Conselho foi-se, pouco a pouco, amortecendo ma burocratização dos serviços do Estado.
Avizinhando-se o encerramento dos actividades parlamentaras, e não sendo do meu amimo falecer-me no prometido, tive para tanto de buscar outras fontes de estudo que permitissem informar-me do juízo dos mestres e da ciência dos técnicos, indispensáveis no conhecimento a quem queixa tratar no geral de tão momentoso problema.
Relevem-me as autoridades se, à míngua do que lhes solicitei e não obtive, me vejo impelido a escusá-lo, atirando-me algumas vezes paxá p raciocínio próprio e paru a observação pessoal, alicerçados em outras vias, não tão oficiosas como os desejadas dos organismos competentes.
Por tais motivos tive de pôr dobrado zelo na escolha dos fontes de que me servi; mas, se alguma coisa houver a corrigir, espero agora quo os serviços públicos não deixarão de acorrer pressurosos às (rectificações necessárias, para sossego da consciência colectiva e desafronta da bem merecida segurança que o sou nome impõe.
Postas estas considerações indispensáveis, esclareço que, st fim de melhor orientar a análise dos factos de que vou tratar, dividi o problema nos seguintes números:

1.º Coordenação dos transportes;
2.ª Circulação arterial, trânsito e estacionamento;
3.º Problemas ligados e defesa civil;
4.º Conclusões.

1.º COORDENAÇÃO DOS TRANSPORTES: - Os modernos transportes utilizados nas grandes cidades suo hoje, além do automóvel, os meios colectivos, como o eléctrico, o trolley-carro, o autocarro e o metropolitano.
Cada urbe, com a sua topografia peculiar, a sua urbanização própria e o seu crescimento, em fase mais ou menos acentuada, exige estudo adequado, que conduz naturalmente à adopção das soluções que melhor satisfarão às suas necessidades.
O desenvolvimento do tráfego urbano acentua-se, porém, mais intensamente em função do crescimento populacional - factor imperativo, que convém por isso analisar em primeiro lugar.
Pelo estudo estatístico de Lisboa verifica-se que, tendo a cidade atingido já os 900 000 habitantes, terá dentro de seis anos 1000 000 e atingirá em 1970 1200 000.
O crescimento da cidade tem sido vertiginoso, quer em população, quer em extensão, e já na nossa vida de há poucos anos assistimos ao facto da duplicação espantosa da sua área e da sua gente.
Daqui as zonas centrais terem-se transformado em zonas comerciais de vida duma intensíssima e de fraca vida habitacional (tal como o centro de todas as grandes cidades); as zonas periféricas terem-se adensado em regiões habitacionais e os arrabaldes terem sido ganhos pela área citadina.
Lisboa ultrapassou as velhas portas e está hoje em Algés, em Benfica e em Braço de Prata, como há trinta anos estava em Belém, em Palhavã ou no Beato. Deste modo as distâncias entre as zonas habitacionais e os locais de trabalho aumentaram e exigem imperativamente transportes rápidos, económicos e eficientes, que possibilitem a vida e o trabalho da grande mansa populacional.
Do aumento desta necessidade de viajar resulta que, se em 1940 se efectuava o transporte anual de 140 milhões de passageiros e em 1950 o de 300 milhões, em 1960 exigir-se-ão cerda de 400 milhões e em 1970 o de mais de 500 milhões.
Cada habitante de Lisboa está hoje fazendo cerca de 300 viagens por ano; em 1960 fará, pelo menos, 400 e em 1970 atingirá cerca de 500. Com tais exigências, o sistema actual de eléctricos e autocarros será insuficiente e o pejamento de transportes, a continuar o sistema actual, tornar-se-á problema gravoso, impossível de solucionar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Na verdade, de manhã, afluem da periferia para o centro e refluem, à noite, do centro para a periferia milhares de pessoas, com horas de intensidade menos violenta, mas ainda apreciável, nu altura das refeições e no início da vida nocturna.
O pejamento urbano é acrescido pelo afluxo dos arredores, que se regista a partir duma zona que vai de Cascais a Sintra, de Mafra a Vila Franca e do Barreiro a Almada.
Por um lado, pois, exigência de transportes rápidos e eficientes; por outro, com esses transportes, aumento

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da necessidade de viajar, originando, tudo isto somado, uma gama de veículos de vária espécie, que peja e satura a circulação e paralisa o tráfego, se não houver coordenação e equilíbrio no sistema.
Hoje a velocidade é dos problemas mais predominantes no meio de transporte para que ele tenha rendimento e seja, cómodo e eficaz. Na verdade, o comboio eléctrico Algés-Cais do Sodré permite, a quem mora em Algés, deslocar-se em dez minutos ao centro, correspondendo a viver na Graça e utilizar o eléctrico ou a viver no Saldanha e utilizar o autocarro.
A velocidade vence, pois, as distâncias; e, se as distâncias aumentam com a extensão da cidade, o problema não pode ser encarado senão com transportes rápidos e com grande capacidade de débito.
Por outro lado, um sistema único de transportes não satisfaz, porque cada qual tem vantagens e inconvenientes, e o problema está na justa coordenação de todos eles.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se entregarmos o caso apenas a rede de superfície, isto é, aos eléctricos e aos autocarros, estes, só por si, originam problemas de tráfego incomportáveis.
Os nossos eléctricos - dos melhores do Mundo, no seu asseio impecável, na sua comodidade e no dedicado trabalho do pessoal que os maneja -, representando um meio de transporte barato, são, no entretanto, inevitavelmente morosos, devido às suas escassas possibilidades de velocidade.
Por outro lado, o sistema de carril, impedindo o escoamento de veículos de maior velocidade, peja o trânsito e dificulta este.
Quem o não terá sentido, na Baixa, todos os dias, entoe as 18 e as 20 horas?
As melhores recuas de trânsito, a mais aplicada boa vontade dos polícias sinaleiros, os mais esforçados estudos do pessoal dirigente da Carris, dos engenheiros da Câmara e dos oficiais da Polícia de Trânsito esgotam-se contra as muralhas inevitáveis dum pejamento que se não pode vencer.
Todas as grandes cidades do Mundo se têm visto imperiosamente obrigadas, nas zonas centrais, pelo menos, a abandonar este sistema.
Assim, sucedeu em Roma, em Madrid, em Viena de Áustria, que os relegaram para a periferia. Extinguiram-nos completamente Paris e Londres, e isto só para citar cidades nas quais se pode observar o que afirmo.
Chega-me agora, porém, a notícia de que o mesmo caminho seguiram Dublim, a capital- da Irlanda, e também Belfast, cidade na qual se realizou o último serviço de carros eléctricos em 27 de Fevereiro findo, pondo assim termo a quase cinquenta anos de útil serviço de tal meio de transporte colectivo.
Mesmo nas grandes cidades, como Milão, onde o sistema de eléctricos ainda se mantém, apesar de evoluído para um tipo de viatura chamada P. F. C., com muito maior capacidade de transporte e, sobretudo, com maior velocidade do que os nossos - ainda que, em boa justiça, os nossos sejam muito mais simpáticos pela sua comodidade e asseio -, repito, apesar de o P. P. C. ter muito maior rendimento de transporte, ele está sendo batido, inevitavelmente, pelos outros meios de transporte colectivo.
O trolley-carro, não utilizando o carril, mas sujeito às linhas de energia eléctrica, aos quais se liga, não melhora grandemente o problema, pela sujeição imperiosa a que se subordina.
O autocarro mostra-se, em compensação, o meio de transporte flexível, capaz de contributo poderosamente para a solução do problema.
Tem ainda o inconveniente do pejamento ou engarrafamento das vias arteriais de trânsito; porém, a sua flexibilidade permite-lhe desviar o trajecto com facilidade relativa.
Em compensação, o metropolitano assegura um trânsito rápido e de grande rendimento, sem pejamentos ou problemas de transito, entre os pontos estáticos que serve.
Está, felizmente, estudado o problema para Lisboa, com toda a objectividade, bom senso e profundidade.
A solução apresenta a natural, útil e indispensável coordenação entre os transportes de superfície e o metropolitano. O emprego do metropolitano em linhas directas, entre as zonas de maior densidade habitacional e o centro, estabelece uma rede fixa, completada, à superfície, com uma rede móvel de autocarros» ligando as vias arteriais desse mesmo centro, e uma rede complementar de eléctricos, ligando a periferia com as entradas exteriores da cidade.
Prevê-se, com justeza, o desaparecimento do carril de todo o centro da cidade, a partir da circular Santos-Rato-Rotunda-Graça-Santa Apolónia.
Todos os projectos e estudos estão feitos neste sentido, devidamente aprovados e em condições de execução.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Simplesmente estava previsto que no ano de 1955 se iniciasse já a exploração da primeira linha do metropolitano, mas, por dificuldades várias, nem a construção foi ainda começada. Mesmo que todas as dificuldades se removam, são necessários três anos para que se inicie a exploração, e, entretanto ..., Lisboa está pejada, na sua parte central, das 18 às 20 horas de todos os dias ... e o problema agrava-se, por mais que se estude a circulação à superfície.
Em conclusão:
O aumento da densidade populacional, do número de passageiros transportados e do número de viagens anuais por habitante demonstram:

a) A insuficiência da rede de superfície para, por si só, satisfazer às necessidades de transporte dos habitantes de Lisboa;
b) A indispensável necessidade do metropolitano e a sua urgente construção e entrada em exploração;
c) O aproveitamento da coordenação de transportes, a que obedeceu o projecto da sua construção, estabelecendo assim a acção complementar com a rede de superfície;
d) A substituição mais rápida possível do eléctrico pelo autocarro na zona central da cidade, eliminando o carril e descongestionando, desta maneira, as correntes de tráfego urbano nas vias arteriais da Baixa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Agora o 2.º ponto:

2.º CIRCULAÇÃO ARTERIAL, TRÂNSITO E ESTACIONAMENTO. - Para efeitos de circulação arterial da cidade, estão estudadas, pela Câmara Municipal de Lisboa, quatro grandes radiais e quatro circulares.
As radicais são:

A marginal de Algés a Cascais;
O eixo da Rotunda, com seus quatro ramos, a saber: auto-estrada, ramal, de Queluz-Sintra, ramal de Benfica-Sintra e ramal do Lumiar-Torres Vedras;
A longitudinal Almirante Reis-Areeiro-Aeroporto-Vila Franca;
A marginal do Poço do Bispo.

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As circulares podem resumir-se a duas:

Avenida de Ceuta-Avenida de Berna-Areeiro-Xabregas; Algés-Circunvalação-Aeroporto-Olivais.

As radiais estão já construídas e com a circulação estudada e aproveitada; as circulares estão ainda em projecto ou início de construção.
Para a sua execução peço o empenho natural e urgente da Câmara Municipal de Lisboa; à qual tributo aqui o meu apreço pelo cuidadoso estudo do assunto que já efectivou.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Dado que os engarrafamentos da parte central da cidade têm origem no tráfego que a atravessa, sem nela ter origem ou destino, a aceleração da construção das circulares previstas e estudadas contribuirá poderosamente para auxiliar o descongestionamento da Baixa.
Vou agora referir-me, em particular, aos problemas de estacionamento e trânsito.
O estacionamento de veículos nas grandes cidades é factor muito importante, especialmente no que se refere ao automóvel, meio de condução cada vez mais generalizado e, portanto, de cada vez mais característico interesse público.
O seu parqueamento nas zonas centrais conduz, por isso, a uma luta surda entre os municípios e os automobilistas e o seu estacionamento acaba sempre por implicar medidas progressivamente proibitivas, impostas pelas necessidades do tráfego, mas que nem sempre são compreendidas nem, por vezes, compreensíveis.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O problema, a meu ver, não se resolve tanto pela repressão como pela compreensão, dado que aquela origina sempre incompreensões, discussões e até mesmo inevitáveis repulsas.
Nas grandes cidades, como Londres, o estacionamento é absolutamente proibido nas vias arteriais, mas permitido nas ruas secundárias.
O desencorajamento do estacionamento é obtido indirectamente pelo desencorajamento do emprego do automóvel no centro da cidade.
Na verdade, os transportes colectivos, mais baratos, mais rápidos, menos incómodos e, sobretudo, mais práticos, levam o automobilista a evitar a condução labiríntica no centro, deixando o seu automóvel nos parques periféricos da cidade.
A impossibilidade de estacionamento nas arteriais e a facilidade dos transportes colectivos levam a abandonar, de livre vontade, a condução dos particulares. For outro lado, o barateamento dos transportes colectivos, a sua fácil utilização e o alto coeficiente de rendimento em tempo evitam o parqueamento para os citadinos que até aí utilizavam o automóvel como meio de condução para o emprego.
Com estes processos indirectos desaparecem, automática e voluntariamente, os pejamentos nos parques centrais, sem necessidade de cercear a liberdade de utilização do automóvel.
Em Lisboa, um comité de transito, composto de um delegado do Automóvel Clube de Portugal, de um oficial da Polícia de Trânsito e de um engenheiro especializado da Câmara Municipal de Lisboa, devia funcionar permanentemente, para rever e actualizar o problema do estacionamento, entre nós demasiadamente proibitivo nuns pontos e escasso noutros. Evoluindo constantemente os problemas de trânsito, este comité teria assim trabalho permanente de actualização possível, resolvendo, com bom senso e justiça, todos os problemas, que até os próprios munícipes poderiam pôr à sua apreciação.
Funcionaria, de tal modo, como um «comité paritário», a bem do trânsito, dos automobilistas e da lei.
Por outro lado, é questão verificada nas grandes cidades que, quanto mais diminui o automóvel particular, mais necessário se torna o taxímetro. As suas funções não podem ser preenchidas por qualquer outro meio de transporte colectivo, sobretudo na flexibilidade, rapidez e possibilidade de transporte de volumes ligeiros de mão.
Não vê, pois, este meio diminuídos o seu interesse e utilização com a criação de novos tipos de transporte colectivo.
O seu parqueamento é que, sendo de interesse público, merece a atenção e carinho especial e próprio, feito naturalmente em preferência sobre o do automóvel particular. £ evidente, porém, que, num estudo específico do problema, um e outro se não prejudicarão, e antes, sim, não se deixará de atender à utilidade pública do táxi.
Os problemas da circulação facilitam-se ainda com:

a) Eliminação dos gargalos de trânsito;
b) Circulação cuidada;
c) Sinalização apropriada.

A eliminação dos gargalos de trânsito tem de ser objecto de estudos, demolições e correcções nos arruamentos.
A Câmara tem procurado fazê-la, com vantagem, nalguns pontos, como seja em S. Pedro de Alcântara, junto ao elevador da Glória, e na Rua de S. Bento, este último há longo tempo por terminar, numa solução que urge arrumar definitivamente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O problema crucial do Largo de D. João da Câmara, junto ao Rossio, - é que se mantém com toda a agudeza, e para sua solução outras medidas adequadas se impõem, às quais mais adiante nos referiremos.
A circulação cuidada obriga à eliminação tanto quanto possível dos cruzamentos e sua substituição pela circulação em rotunda, hoje tão frequentemente utilizada nas grandes capitais europeias.
Esta obriga à eliminação das voltas para a esquerda, em Londres tão acentuada com o dístico quase permanente das grandes arteriais: No left turn.
Por outro lado, a paragem nas arteriais é quase proibida ou, pelo menos, restrita e limitada a tempo curto, para o que em vários locais se encontra o habitual: No stop.
As arteriais contêm um único sentido de tráfego, com estacionamento completamente proibido e com paragens limitadas a pequenos períodos de tempo.
Se utilizarmos estes processos nas nossas Ruas do Ouro e Augusta e lhes tivermos arrancado os canis, obteremos um caudal de trânsito quase duplo ou actual.
Quanto à sinalização, compete aqui destacar, antes de mais nada, a acção dos nossos polícias sinaleiros.
Sem a rigidez da polícia londrina ou o aspecto marcial da polícia madrilena, o sinaleiro lisboeta orienta o trânsito com a simpatia de quem conduz e obtendo uma disciplina automaticamente compreendida e aceite por quem tem de lhe obedecer.

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Esta opinião é tanto mais insuspeita quanto é certo ser ela apenas a apreciação de muitos estrangeiros que nos visitam, dos quais a tenho ouvido pessoalmente.
Apesar disto, a sinalização tem nas grandes capitais de recorrer em muitos pontos à sinalização automática, que se mostra particularmente útil quando bem montada e bem estudada.
Para isso, deve conduzir ao mínimo de paragens e que estas sejam também de duração mínima.
Ora isto não é o caso, por exemplo, da sinalização automática da nossa Avenida da Liberdade..

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Cito, a propósito, que na Via Nazionale, em Roma - uma das grandes artérias citadinas -, os sinais automáticos, abertos no início, permitem o trânsito livre até final a uma coluna auto de uns 50 m, lançada à velocidade normal de 20 a 30 km/h.
Entre nós, verifica-se na Avenida da Liberdade que o automóvel-testa, ao qual se abre o sinal na via descendente, em frente da transversal de Alexandre Herculano, encontra por vezes, logo a seguir, o trânsito fechado na transversal de Barata Salgueiro.
Substituindo os cruzamentos por movimentos circulares na Rotunda, contraindo passagens subterrâneas para peões, eliminando as linhas dos eléctricos, é possível obter um tráfego permanente.
Se, porém, se puder obter o trânsito de sentido único, como na Via Nazionale, conseguir-se-á um caudal de muito maior rendimento.
Os dois cruzamentos tão próximos, com movimentos nos dois sentidos, conduzem, inevitavelmente, a espaços de movimento desencontrados ou muito curtos, o que redunda em prejuízo no rendimento do tráfego.
Os túneis rodoviários, evitando os cruzamentos e canalizando o trânsito, conduzem a soluções de sinalização mínima e da maior capacidade de débito, permitindo a ligação entre artérias importantes servidas pelo mesmo pólo, mas evitando este. E o caso do projectado túnel do Corpo Santo aos Restauradores, permitindo a ligação da marginal de Cascais à radial da Avenida da Liberdade, sem pejamento da Baixa. Bem assim se diz do resto do troço do túnel projectado dos Restauradores a Martim (Moniz e deste ao Campo das Cebolas. Este túnel entrelaça todas as grandes radiais da Baixa e descongestiona o trânsito desta. A sua construção impõe-se, não só por motivos de circulação, como vemos, mas ainda por motivos de outra ordem, que a seguir enunciaremos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Guardámos propositadamente para final o trânsito de peões.
Ao irrequieto temperamento dos portugueses e ao seu horror nato a tudo que é disciplina e organização que não sejam animosamente aceites e compreendidas se devem aquelas estranhas correntes nos cantos do Rossio.
Aquelas vedações para impedirem a passagem de peões fazem-nos corar de pejo quando nos lembramos de que só com aquilo se consegue resolver entre nós um problema que a disciplina voluntária deveria dispensar.
O trânsito de peões está entre nós, pelo nosso feitio natural de oposição a tudo, francamente mau e bastará ver a desenvoltura com que toda a gente atravessa as ruas do Baixa a qualquer hora de maior trânsito de veículos, em qualquer ponto e em todos os sentidos, cara nos convencermos desta verdade. Apenas nas esquinas do Teatro Nacional e nas passagens do lado sul do Rossio se consegue já uma passagem de peões aceitável.
Não se estranhará muito a tendência irreprimível de certos portugueses para contrariar as disposições legais da Polícia se contar a V. Ex.ª que já uma vez observei, em pleno Rossio, uma senhora a atravessar desenvolta na frente de um guarda, transgredindo as regras elementares do trânsito e levando na mão, em ar de triunfo, os 2f50 da multa correspondente!
Julgo que neste aspecto o nosso atraso só pode ser vencido, não pela repressão, mas sim pelo estudo de uma circulação apropriada, aliada a um trabalho de catequese e convencimento, numa campanha de conquista da boa vontade do público, que sei não ser impossível de obter.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A nossa gente tem qualidades; o que é preciso é sabê-la conquistar.
Feito isto, o hábito gerará por si automaticamente a desejada ordem, e apenas os recalcitrantes desordeiros - e esses são sempre entre nós um número ínfimo - ficarão sob a alçada da lei.
Peca-se, em certos pontos, aos portugueses que sejam polícias de si próprios e isso, com regras claras e simples, talvez ajude a resolver com eficácia e simplicidade os problemas, por vezes complexos e difíceis, que surgem à nossa Polícia de Segurança Pública.
Devo dizer que, para simplificar este problema, urge que a Câmara Municipal de Lisboa inicie a construção das passagens subterrâneas, que já previu e estudou, nos cantos transversais do Rossio. Os peões terão com isso facilitado o seu trânsito, como exige hoje a vida citadina, e os veículos verão assim o seu tráfego contínuo.
De tal modo todos ganharão.
Por isso se impõe, com muita urgência, a sua construção, de resto prevista oiti execução antes do próprio metropolitano, sendo de estranhar que não tivesse já sido começada.
E a solução fácil e expedita da Puerta del Sol, em Madrid.
Para o caso chamamos, pois, a atenção da Câmara Municipal.

3.º PROBLEMAS LIGADOS À DEFESA CIVIL. - Já pouco resta a dizer; apenas ligar ideias de urbanização, circulação e trânsito à defesa civil da cidade - o que até aqui não tem sido objecto de preocupação.
A vida das populações em caso de grave calamidade pública (como terremotos, grandes incêndios, explosões, etc.) ou em caso de guerra (bombardeamentos) exige hoje cuidados especiais, estudados e previstos desde o tempo de paz.
Não se pode exigir a um país de recursos financeiros modestos que imobilize milhões para a construção de abrigos para a protecção da sua população civil; mas podem e devem fomentar-se as obras úteis em tempo normal e que amanhã poderão ser utilizadas em caso de guerra.
Londres serviu-se francamente do seu metropolitano, no período mais agudo dos bombardeamentos que sofreu, para refúgio da sua população civil.
Durante um dos numerosos raids que a martirizaram, 300 000 pessoais se refugiaram nos seus túneis e corredores subterrâneos, chegando a paralisar por completo o tráfego.
Dormia-se nos cais, nas escadas e nos corredores. Algumas pessoais de idade chegaram mesmo a viver lá. Apesar disso e de muitas outras medidas tomadas, cerca de 100 000 pessoas furam vítimas dos bombardeamentos ou dos incêndios.

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O metropolitano que se projecta entre nós só um ou noutro ponto tem profundidade aceitável para esse fim. Mas os túneis rodoviários estudados entre Santos, Restauradores, Martim Moniz e Campo das Cebolas solucionam, em grande parte, este problema em relação à Baixa.
A sua construção impõe-se, não só pela sua aplicação, em tempo de paz, como ainda pelo seu emprego em tempo de calamidade ou de guerra.
O Estado, que não pode construir abrigos, pelo empate de capital morto que representam, deverá comparticipar na construção destes túneis, pela dupla utilidade que oferecem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tudo o que seja fomentar a construção de garagens e parques subterrâneos, como se está fazendo, presentemente, em Londres e em Paris, deve ser ajudado, porque são obras duplamente úteis e rendáveis.
De tal modo contribuiremos para a defesa das populações com a construção de obras impossíveis de improvisar, à última hora, em tempo de guerra.
Com o fim de facilitar a circulação, em caso de terremotos, incêndios ou bombardeamentos, permitindo o acesso de socorros e o movimento das colunas de evacuação de feridos, convém também estabelecer nas radiais e circulares trânsito de sentido único, duplicando-as, sempre que possível, com outros trajectos paralelos, para as correntes de sentido inverso.
Só assim também ô problema da desobstrução das grandes arteriais, sobrecarregadas com as ruínas dos prédios, permitirá uma acção de recuperação mais rápida.
Para estes assuntos me permito chamar a particular atenção dos organismos públicos competentes, certo de que a sua cooperação nos problemas da defesa civil é indispensável para bem da população citadina.

4.º CONCLUSÕES.- Vou terminar pedindo à Assembleia me indulte do enfado que lhe dei.

Vozes: - Não apoiado!

O Orador: - Antes, porém, desejo sintetizar a minha intervenção em solicitação clara que ouso levantar aqui até aos Poderes Públicos, para bem da capital e da sua população, numa aspiração de bem servir esta linda cidade,-, à qual o ilustre poeta da minha terra chamou:

Bainha do Ocidente, envolta em sedas, vaidosa do seu trono de verdura, de bosques, de jardins e de alamedas, rica de jóias, ouro e formosura.

Em tais termos solicito:

1.º Ao Governo da Nação, o seu melhor interesse para solucionar os problemas da coordenação dos transportes da cidade, acelerando o início e construção do metropolitano de Lisboa;
2.º À Câmara Municipal, a prossecução infatigável da sua obra, tomando a peito a execução das medidas já previstas ou estudadas sobre circulação, trânsito e estacionamento, coordenando-as com os problemas da defesa civil e tendo em atenção as observações gerais que forem objecto desta intervenção;
3.º Às prestimosas Polícias de Trânsito e de Segurança Pública, que dêem a sua melhor cooperação na campanha de boa vontade que preconizo para o público;
4.º Ao Ministério das Comunicações, que dê uma colaboração eficaz e atenta a estes assuntos, orientando, pelos seus organismos, as grandes cidades do País, paru que os problemas do viação e trânsito urbano sejam encarados no seu duplo aspecto de tempo de paz e de tempo de guerra, procurando assim servir o País e a população.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Morais Alçada: - Sr. Presidente: no dia 14 de Fevereiro do ano de 1855 nasceu na quietação recolhida da aldeia do Alcaide, concelho do fundão e distrito de (Castelo Branco, aquele que viria a chamar-se João Franco Ferreira Pinto Castelo Branco, aquele que mais tarde havia de tornar-se conhecido aia vida pública portuguesa e comunicar-se depois a história política nacional, através da dignidade do exemplo, que foi timbre de toda a sua vida, com o nome de João Franco.
Completar-se-á, deste modo, no próximo ano o primeiro centenário do seu nascimento!
Afigura-se-me, Sr. Presidente, que esta data mereceria ser assinalada pelas atenções desta Câmara, de que, de resto, ele foi denodado e brilhantíssimo ornamento, traduzindo-se aqui em homenagem condigna a sua memória, não só suficientemente expressiva da gratidão que ainda hoje toma em cheio tantos corações portugueses, pelo que a sua acção simbolizou nos anseios do resgate colectivo, mas também como passo significativo a derramar frutos de imitação nessa gente mais nova, que agora desponta para a vida, embora sem saber nem calcular, nem presumir sequer, ao vê-la assim arrumada e próspera, em que golpes sucessivos de luta, por vezes ingente, de perseverança, de coragem pronta e de dedicação sem limites ao interesse nacional, foram amassados estes dias calmos de regeneração, que hoje lhe proporcionamos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A consciência nacional Sr. Presidente, só ganha em cada vez conhecer melhor a vida daqueles grandes homens que sobre o adensarem os páginas da História constituem, pela riqueza que emprestam ao património moral do País, uma orientação, um guia e um estilo da vida!
E creio que à memória do conselheiro João Franco não se pode negar hoje a marca desse destino superior e glorioso! Foi personificação reunida de lealdade devotada, de firmeza de carácter, de rija (persistência do métodos, de abnegação e de sacrifício por ideais de altura!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Esta simples sugestão de homenagem, Br. Presidente, que encarecidamente peço e entrego ao alto patrocínio de V. Ex.ª e aos cuidados desta Câmara, é ditada por aquele mesmo interesse geral e comum que há anos o nosso querido e distinto colega Sr. Dr. Cancella de Abreu tão bem, soube destacar nesta Casa, solicitando a V. Ex.ª e ao Governo que se perpetuasse no bronze ou no mármore, a erguer na Sala dos Passos Perdidos, a memória de dois outros vultos parlamentares e políticos do mesmo modo ilustres como o que hoje se invoca.
Todos nós vimos satisfeito esse desejo - ia a dizer esse imperativo - e espero confiadamente que, pelo

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mesmo critério e medida de justiço, a minha sugestão seja considerada.
Ela, na realidade, valerá pela pessoa a quem se dedica, e nesta roda de tão ilustres parlamentares, alguns dos quais comparticipantes e, por isso, testemunhas qualificadas dos factos vivos que abriram esse creio de luz numa noite caliginosa, da vibração de alma posta nessa arrancada cívica da nossa historia política a que se chamou «franquismo», quase chega a ser impertinência que seja eu a tentar aduzir duas considerações justificativas do pedido.
Esses meus colegas, no entanto, que me perdoem, porque, quando outra autoridade me faltasse - e falta -, amparar-me-ia ao facto de também ter recebido no seio do meu espírito o selo do reconhecimento do valor - dessa cruzada de coragem e de vontade renovadora através do ambiente familiar em que fui criado, através das lições paternas, tantas vezes - e com que compreensível emoção o recordo - entremeadas de uma lágrima incontida a debruçar-se de mágoa e de saudade sobre o túmulo de um grande rei, de El-Rei D. Carlos, que era a imagem viva, a identificação perfeita desta nação de oito séculos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nesta Câmara, Sr. Presidente, revelou o conselheiro João Franco, através de intervenções brilhantes, em que sobrepujava o vigor da inteligência, o amor patriótico e o forte temperamento que o havia de indicar para as grandes batalhas da Nação contra as forças dissolventes e desagregadoras, os remédios, a terapêutica adequada, que aqueles erros, que de longe vinham, instantemente reclamavam.
Chamado ao Poder, demonstrou aqui, no seio desta sala, o espírito elevado que o animava ao falar claro ao País, proclamando a necessidade de ser banida dos quadros do Governo a falsa conveniência das mentiras com que a Nação se poderia ver surpreendida e restabelecendo, em vez dela, o desassombro da linguagem a que mais tarde havia de chamar-se «a política da verdade».
Incendiaram-se com isso, bem o sei, ódios mateiros contra as instituições vigentes, mas o cesto é que eles sempre viriam, fosse qual fosse a razoo ou o pretexto. E o curioso é que essas malquerenças partiam precisamente daqueles ciclos que mais responsabilidades tinham no avolumar das situações criticadas.
Ainda aqui, nesta Casa, não o atemorizaram, nem os ataques pessoais, nem aã calúnias, nem as ironias, nem os sintomas de facciosismo, porque a tudo fez frente, com rasgo esclarecido; e sempre com aquela presença imperturbáveis que só possuem os homens seguros do bom. caminho que trilham, alimentou, sem dúvida, a esperança de que as paixões e os interesses pessoais e partidários haviam de dominar-se por modo próprio, através do reconhecimento doutros interesses mau fortes, que aqueles deviam antepor-se, por colidirem com a sanidade governativa do País.

Vozes:- Muito bem!

O Orador: - O orgulho ou a cegueira dos homens, porém, mão deixaram que, de um modo geral, se operasse essa espécie de decantação da consciência cívica dessa Câmara, e cada um dos partidos continuou a referver & costumada unilateralidade de critério, na sede de aprovarem apenas o que deles próprios viesse.
Sr. Presidente: numa afirmação de respeito pelo sentido útil dessa Câmara, quis sempre o conselheiro João Franco governar com as suas portas abertas, e, como expressão da coerência do seu pensamento a tal respeito, ninguém melhor que El-Rei D. Carlos estaria em condições de o reconhecer quando escreveu:

Quanto às tuas afirmações, provaste à saciedade que as quiseste seguir; deste uma sessão parlamentar nunca vista, mas chegaste ao fim, como chegaram todos aqueles que estuo de sangue-frio, e não levados por mesquinhas considerações pessoais ou partidárias, convencido de que não era dali que poderia vir o restabelecimento da disciplina social nem o renascimento do nosso país.

Deveres de obediência a quem de mais alto mandava, por ser espelho das conveniências da Nação, pois era o rei, não lhe permitiram confiar, de certa altura em diante, na tarefa construtiva dessa Câmara, mas também isso não admira porque ela, ao tempo degenerara da sua missão, transformando-se em tablado onde, nas rigorosas e ajustadas palavras de El-Rei, com discussões de mera política, interessará os amadores de escândalos vários, esses, sim, mas não fará com que a parte sensata e trabalhadora do País se desinteresse por completo daquilo que para nada lhe servirá».
Sr. Presidente: pela limitação do tempo regimental, têm de ser sucintas e abreviadas as minhas considerações, mas, com a devida vénia, não resisto à meditação de mais este apontamento.
Do programa de administração do governo do conselheiro João Franco destacam-se estes quatro pontos, que transcrevo dum livro:

1.º Não se pedir mais nada ao País sem se assegurar de modo real a ordem na Administração Pública;
2.º Não se poder agravar impostos de consumo;
3.º Qualquer remodelação fiscal ir-se-ia procurar a riqueza e não ao trabalho;
4.º Cadastramento novo para a contribuição predial.

E, como é sabido, a ironia truculenta e adiposa do tempo chamou um dia ao conselheiro João Franco, com laivos de troça, o Messias I
Pois, Sr. Presidente, quando cotejamos os quatro princípios orientadores a que atrás me refiro (ordem na Administração, isenção fiscal de bens de consumo, economia do trabalho e cadastro da propriedade), com aquelas linhas mestras de pensamento, embora mais desenvolvidas, mercê das quais foi possível, ao cabo de vinte e cinco anos de disciplina política, proclamarmos e ver proclamados por estrangeiros o nosso ressurgimento, não sei se, realmente, não devamos atribuir àquela ironia os Messias!» o disfarce de um sentimento sério que se agitasse no subconsciente do seu autor, uma espécie de dissidência propositada entre a objectividade da cura que a Nação reclamava e as conveniências pessoais de uma acção apartada daquela.
Não sei, nem isso importa agora. O que sei é que, analisada desde esse tempo a prospecção da História, o caso, se alguma graça tem, é para o encararmos em sentido menos vulgar, qual seja o de precisamente levantarmos graças a Deus por ter inspirado dois homens diferentes no mesmo afã de salvar Portugal.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- E desejaríamos ainda acrescentar: Nesta carta particular que o punho inquieto do conselheiro João Franco traçou em Fevereiro - de 1928 - tinha eu apenas 18 anos ! - e dirigiu a alguém que

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ele muito considerava e honrava com a sua particular estima lê-se este passo, com que a termina:

Mas deixemos essas visões do passado e do que teria sido o presente! Contentemo-nos, os que temos filhos p idade já como a minha, em criar-lhes do imaginação um melhor futuro, para não se morrer de desespero de terra e céu.

Pois, Sr. Presidente, os da minha geração, cuido eu, aceitaram este embalar de imaginação e, porque imaginar é muitas vezes criar condições de acção, suponho ainda que gratidão especial, por este lado, é de manter à memória daquele homem extraordinário que tinha os olhos - esses olhos que haviam de fechar-se daí a um ano, alquebrados pela idade e pelo desgaste das lutas- postos na geração que anda hoje entre os 40 e tal anos, confiando nela, apelando para ela!
E julgo que nós, os dessa geração, não atraiçoámos essa chama de fé de quem tanta autoridade tinha para a atear!
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão a proposta de lei sobre o plano rodoviário. Tem a palavra o Sr. Deputado Amândio de Figueiredo.

O Sr. Amândio de Figueiredo: - Sr. Presidente: falando pela primeira vez nesta Câmara, dirijo a V. Ex.ª as minhas saudações e respeitosos cumprimentos.
Vem V. Ex.ª sendo eleito há várias legislaturas Presidente desta Assembleia e tem-se desempenhado de tão difícil como espinhoso cargo com tanto aprumo inteligência e dignidade que o impuseram ao respeito e gratidão de todos os portugueses, que se sentem honrados pelo prestígio alcançado por esta Assembleia, que o deve em grande parte à forma como V. Ex.ª orienta os seus trabalhos. As justas homenagens que aqui lhe têm sido prestadas associo as minhas, modestas mas sinceras, com os protestos da maior admiração.
Bem haja, Sr. Presidente, por ao serviço da Nação colocar as altas e nobres virtudes morais e intelectuais que exornam a pessoa ilustre de V. Ex.ª

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- A VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, apresento os meus cordiais e respeitosos cumprimentos.
A proposta de lei que define o novo plano de financiamento da Junta Autónoma de Estradas, remetida pelo Governo a esta Assembleia, merece o melhor e mais entusiástico aplauso.
Traz-nos a certeza de que vão prosseguir em ritmo mais intenso as obras de beneficiação e ampliação da rede rodoviária nacional e que as nossas estradas vão ser dotados com os condições de segurança que as exigências do tráfego moderno impõem, tornando mais fácil e económico o transporte de pessoas e mercadorias.
O trabalho já realizado pela Junta Autónoma desde a sua criação constitui penhor seguro do que é justo esperar da sua capacidade realizadora e elevada competência técnica.
A importância e a extensão da obra executada, bem patente aos olhos de todos, pois se estende a todo o continente e ilhas adjacentes, são evidente demonstração do que se afirmo.
Nela se gostaram, nos vinte anos que decorreram de 1932 a 1952, segundo elementos colhidos no bem elaborado e elucidativo relatório do Ministério das Obras Públicas publicado em 1958, cerca de 3 400 000 contos, o que dá a média anual de 170 000 contos, verba considerada hoje insuficiente para ocorrer às necessidades de conservação e beneficiação da rede actual.
É certo que os gastos nos primeiros catorze anos foram inferiores e a sua média anual não foi além de 120 000 contos, sendo por consequência mais largamente compensados os últimos seis.
Estes, no entanto, suportaram o peso dos avultados despesas feitas com a construção dos pontes monumentais de Vila Franca, Alcântara e Entre-os-Rios e outras, que, apesar de serem de menos importância, não deixaram, contudo, de pesar nas despesas da Junta e de restringir, consequentemente, os gastos com a reparação e ampliação do rede.
De tudo isto resultou encontrarem-se com acentuado desgaste grandes extensões da faixa de rolagem das nossas estradas e a quebra ou mesmo paralisação dós trabalhos em obras novas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- A presente proposta vem dar solução a este problema e permite antever em futuro próximo, pelo aumento e beneficiação do novo sistema rodoviário} o desenvolvimento e valorização dos vastas regiões do Pois ainda hoje isoladas por falta de meios de comunicação, onde vivem, como aqui foi já afirmado, cerca de 1000 000 de portugueses.
O sistema rodoviário nacional teve início em 1852, com a criação do Ministério dos Obras Públicas, pois nesta data existiam em todo o continente apenas 218 km de estradas.
Dez anos depois foi promulgado um notável diploma, que estabeleceu a classificação das estradas em três ordens: reais, distritais e municipais.
Em cada uma destas ordens havia duos classificações, conforme a importância do estrada e a largura que se lhe atribula. Nesse mesmo diploma fazia-se a distinção dos estrados reais em directas e transversais e classificavam-se as restantes.
Foi também estabelecido o regime, de financiamento a este notável plano pela forma seguinte: as estrados reais eram construídas pelo Estado, sendo as restantes comparticipadas, as distritais com 50 por cento e as municipais com 30.
Nesse diploma legal eram também fixadas as larguras das faixas de rolagem e doa bermas.
E com estas sábias disposições se lançaram as bases do nosso primeiro sistema rodoviário, que bem merece o nosso louvor e gratidão para os seus autores, pois possibilitou a construção rápida de grande número de estrados, que tiveram a maior projecção no desenvolvimento económico de vastíssimas zonas do Pais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Este empreendimento é tonto mais digno de admiração se se atender a que foi realizado numa época em que apenas existiam veículos de tracção animal e o que, apesar disso, as estradas foram construídas com tal largueza que ainda hoje suportam, em grande parte, o peso e volume do tráfego actual.
Nos primeiros quinze anos após a criação do Ministério dos Obras Públicas construíram-se 3 108 km de estradas roais e nos quinze seguintes este número subia para 7 707 km, sendo 4 625 km de 1.ª ordem e 3 082 km

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de 2.ª Esclarece-se, no entanto, que em 1886 as estradas de 2.º ordem passaram a constituir encargo do Estado, só assim se explicando a extensão construída neste período em estradas de 2.ª ordem, quando no primeiro não nos aparece um único quilómetro. Das municipais, nestes trinta anos, construíram-se apenas 194 km.
Pode considerar-se este um período áureo da história do Ministério das Obras Públicas, em que os superiores interesses nacionais foram, como agora, olhados com o maior carinho e interesse e devidamente equacionados e resolvidos.
A crise financeira que o País atravessou em 1891 determinou a restrição de trabalhos, e em 1906 a situação era a seguinte: estradas de 1.ª ordem, 6 044 km; de 2.ª ordem, 5075 km; municipais, 3 802km. É evidente o desenvolvimento qne atingia a rede municipal neste último período, o que prova que a situação dos municípios era mais desafogada então do que hoje.
Em 1916 a situação é sensivelmente a mesma: 6 210 km de estradas de 1.ª ordem e 5187 km de estradas de 2.ª ordem. E este largo período de verdadeira estagnação continuou até ao advento da Revolução Nacional.
Desde logo foi preocupação do Governo resolver o problema das estradas e, para lhe ser dada a solução conveniente, foi criada a Junta Autónoma de Estradas e dotada com as verbas necessárias para fazer face à situação em que se encontravam as nossas estradas, que, com tanto esforço e devoção, os governos da segunda metade de século XIX legaram à Nação e que a incúria e o desleixo dos do primeiro quartel deste século deixaram cair no mais completo abandono e ruína.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Este abandono deixou chegar as estradas, cuja extensão em 1926 andava por 12 000 km, a estado tão deplorável de conservação que era praticamente impossível o trânsito de viaturas automóveis.
Foi esta a herança recebida, e passados vinte e cinco anos o Governo do Estado Novo apresenta ao País 5 000 km de estradas novas e notavelmente beneficiada toda a rede nacional. E esta fase de intenso labor foi realizada não só no sentido das necessidades de trânsito, mas também no do embelezamento das estradas, contribuindo assim para maior desenvolvimento do turismo em Portugal.
Muito falta fazer para atingirmos o nível julgado razoável para as actuais condições de vida dos povos. Assim o entendeu o Governo, e para lhe dor a solução conveniente acaba de remeter a esta Assembleia a presente proposta de lei, que estabelece o plano de financiamento da obra a realizar pela Junta Autónoma do Estradas durante os quinze anos que decorrem desde 1956 a 1970 e fixa as dotações para cada um dos seguintes capítulos:
Alargamento e pavimentação de estradas importantes, 4000 km; pavimentação de estradas secundárias, 5 000 km; construção de estradas, incluindo pontes, 1800 km; supressão de 100 passagens de nível e substituição de 100 pontes.
Verifica-se certa unanimidade nesta Assembleia quanto às verbas atribuídas neste plano para pavimentação de estradas secundárias, para supressão de passagens de nível e para substituição de pontes, outro tanto não acontecendo quanto às dotações atribuídas para construções novas e para alargamentos.
Estou completamente de acordo com a opinião, aqui manifestada e largamente defendida, com argumentos irrefutáveis, pelo ilustre Deputado Camilo de Mendonça, quanto à exígua dotação para construções novas, que ter prioridade na presente proposta.
Não se compreende, de facto, que ao fim de um plano de financiamento para quinze anos, dez anos depois da aprovação por esta Assembleia de um plano rodoviário, ainda fique por construir grande parte do então previsto, o que quer dizer que grandes áreas do País, passados vinte e cinco anos, que representam uma geração, não terão a sua estrada, e isso constitui motivo de atraso no desenvolvimento económico de uma grande parte da população portuguesa.
Portanto, não concordo com a restrição feita em obras novas em beneficio das consignadas a alargamentos e beneficiações. A este respeito ocorre-me informar VV. Ex.ªs de que, ao iniciar-se tal orientação no distrito de Vila Real, distrito que tenho a honra de representar nesta Assembleia, com o alargamento da estrada do Marão, houve grande reacção da população local, que não aceitou que se alargasse o que estava bem e deixasse por fazer o que faz falta.
Não se compreende, de facto, que as estradas com boas condições para satisfazer as exigências actuais do tráfego sejam alargadas, em prejuízo da construção das que estão previstas, e que irão servir aglomerados populacionais de regular importância, contribuindo para o seu desenvolvimento económico.
Embora o assunto que vou referir rapidamente não esteja em causa, não quero deixar de chamar a atenção do Governo para a situação de manifesta inferioridade em que se encontra a província de Trás-os-Montes.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Na província de Trás-os-Montes a extensão das estradas era em 1940 de 3,5 km por 1000 habitantes, enquanto que no resto do País era de 12,5 km. Julgo que estes números, dada a pequena extensão de obras novas realizadas de então para cá, se manterão, o que não está certo.

O Sr. Manuel Vaz: - Se V. Ex.ª me dá licença, é bastante elucidativo aquele número.

O Orador:- Não se entende que nesta província também se dó prioridade ao alargamento das estradas e se abandonem os planos previstos para a construção de novas estradas. Parece-me que uma boa regulamentação de trânsito permitiria quo o sistema existente aguentasse as necessidades do tráfego durante vários anos, e, depois de completado o plano rodoviário de 1945, proceder-se-ia ao alargamento.

Vozes:- Muito bem!

O Orador:- E, para terminar estas minhas breves considerações, declaro que voto com entusiasmo a proposta, pedindo, no entanto, que seja revista esta questão de maneira que, na impossibilidade de ser reforçada a verba para novas construções, se restrinja a dos alargamentos em benefício daquela.
E termino apresentando as minhas homenagens ao Sr. Ministro das Obras Publicas pelo muito que o País lhe deve. A todos os seus colaboradores, que constituem um verdadeiro escol nacional e que vêm realizando à face da terra portuguesa empreendimentos do maior alcance e beleza, que dia a dia vão transformando a fisionomia da nossa pátria, quero também apresentar as minhas homenagens pelo que contribuem para deixar bom marcada sobre a nossa terra a hora alta do nosso ressurgimento.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

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O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: desculpem-me VV. Ex.ªs vir ainda à tribuna ocupar por alguns minutos a vossa atenção.
Se nos tivéssemos cingido a matéria da proposta que temos estado a apreciar, esta discussão não teria eido certamente tão interessante como o foi, porque, na verdade, sobre a proposta apenas teríamos propriamente que discutir donde vinham as verbas que lhe eram destinadas, a isso todos o sabem.
Depois disso poderíamos discutir a sua distribuição, e isso fizemos.
Efectivamente têm aparecido alguns critérios sobre a distribuição das verbas que constam desta proposta. Entendem uns que está bem, mas entendem outros que é pena que se vá gastar tanto dinheiro em alargar o pavimentar estradas que se supõem estar ainda boas, em detrimento de construções que se afigura há muito serem absolutamente indispensáveis.

O Sr. Camilo Mendonça: - V. Ex.ª dá-me licença?
Era só para precisar um ponto.
Se as disponibilidades chegam para tudo, toda a gente terá o maior prazer em que se realize tudo o que for necessário, mas, se não chegam, haverá que estabelecer uma criteriosa ordem de prioridades.

O Orador: - Lembrarei a VV. Ex.ªs que em 1927, pouco depois do advento desta Situação, não tínhamos, nesse tempo, a fantasia de desejar a construção de novas estradas. O que pedíamos ansiosamente era que, ao menos, se tapassem os buracos que havia pelas estradas, a fim de podermos passar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Podemos neste momento discutir, com vivacidade e entusiasmo, se se há-de melhorar p que está feito ou se deveremos construir ainda mais, e esta dualidade de critérios mostra o abismo que separa as duas épocas.
Os critérios são absolutamente discutíveis, mas suponho que não é muito arriscado dizer-se que não será de desejar construir-se muito mais do que. aquilo que seja absolutamente indispensável, e este é o critério da proposta.
VV. Ex.ªs hão-de entender esta maneira de ver se pensarem como desejaríamos que em cada um dos nossos concelhos as estradas municipais estivessem todas elas bem reparadas e capazes de serem utilizadas antes de pensarmos em construções novas.
Foi o Sr. Dr. Antunes Guimarães, sempre saudosamente recordado nesta Assembleia pelas suas qualidades e merecimentos (apoiados), quem adoptou no nosso país, sendo de alguma maneira precursor deste sistema, a ideia de fazer pagar a quem utiliza a estrada a sua conservação.
Foi S. Ex.ª que estabeleceu este tributo pago através da gasolina, graças ao qual podemos fazer face aos encargos deste plano e estou bem certo de que ainda sobejará dinheiro.
E se todos nós, os que viemos a esta tribuna, estivemos um poucochinho ao lado da proposta, permita-se-me também fazer um apontamento, que julgo indispensável e que talvez não lhe seja tão favorável como parece.
Se é certo que se se entende, e bem, que devem ser os donos dos veículos que circulam na estrada quem deve pagar a sua construção e conservação, a verdade é que existiu um diploma - o Decreto n.º 17 813 - que substituiu o antigo imposto de trânsito que as câmaras municipais recebiam por uma compensação que era efectivamente decalcada neste sistema, e que estava assim fixada: 100$ por cada motocicleta, 300$ por cada automóvel ligeiro e 500$ por cada camião.
Eram estas as quantias que as câmaras municipais tinham de receber em compensação do imposto de trânsito que havia desaparecido.
O princípio parece realmente justo, porque quanto mais trânsito houvesse mais receberiam as câmaras, visto que maior seria o desgaste das estradas. Simplesmente, a breve trecho, estas importâncias passaram, respectivamente, para 75$, 200$ e 350$.

O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª dá-me licença?

V. Ex.ª sabe muito bem, não ignoro que V. Ex.ª tem disso conhecimento, como o assunto foi posto, mas seria bom recordar que uma das razões alegadas para a referida redução foi a de que as câmaras estavam a receber mais do que era natural que recebessem como compensação do desaparecimento do imposto de trânsito.

O Orador: - Mas não se ficou por aqui, porque veio um outro diploma que reduziu as referidas taxas para 60$, 150$ e 300$ e foi ainda publicado um outro diploma estabelecendo uma nova redução, a qual deu em resultado que as mesmas taxas passassem para 50$, 160$ e 290$.
E não suponham VV. Ex.ªs que terminou aqui a odisseia das câmaras nesse capítulo.
O que por fim sucedeu este facto inverosímil: estabeleceu-se uma verba fixa como compensação às câmaras e daí resulta que quanto mais automóveis existirem menos as câmaras recebem.
O princípio é o de que o automóvel deve pagar o desgaste que produz. E, se isso é verdade para o Estado, implicitamente devo sê-lo para as câmaras municipais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não me parece bem que se tenha chegado a esta solução, quando sabemos que só o imposto sobre a gasolina, sem termos em conta aquilo que se cobra sobre o gasóleo, sobre o petróleo, sobre os pneus, sobre os óleos, etc., é muito importante e que as câmaras estejam reduzidas, a uma verba fixa, sistema contrário ao princípio estabelecido e que tem este significado para as câmaras municipais de ser - procuro um termo tão suave quanto possível -, pelo menos, desprimoroso, porque não é compreensível que, à medida que aumenta o movimento das estradas e das viaturas, as câmaras municipais continuem com uma verba fixa.

O Sr. Augusto Simões: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Tenha a bondade.

O Sr. Augusto Simões: - Era apenas para vincar que essa verba fixa, que não reconhece os indiscutíveis direitos das câmaras municipais, serve o princípio consignado no § único do último decreto sobre a matéria, que é, salvo erro, de 1941, em que fie consigna o princípio do «rateio», que vem sendo aplicado matematicamente todos os anos, com evidente prejuízo dos municípios.
A meu ver, é (necessário - e será útil - ou revogar tais princípios ou, pelo menos, actualizar essa regulamentação.

O Orador: - Muito obrigado a V. Ex.ª
A mim, parece-me que o assunto está a ser considerado nas instâncias superiores, pois é evidente que sem boas estradas municipais não pode haver boa circulação dentro do País, porque, de é certo que o Estado tem as grandes artérias, as câmaras municipais têm aã pequenas, que conduzem às grandes todo o movimento.

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Estou convencido, Sr. Presidente, de que este assunto está sendo cuidadosamente estudado nas instâncias superiores, repito, porque, se assim não fosse, havíamos de pensar que não se estende ao problema na sua grande generalidade, e essa injustiça não a quero eu cometer.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para remate da discussão deste interessante assunto não há senão que louvor, não há senão que nos congratularmos por esta diferença, que eu quis frisar no princípio das minhas considerações, entre 1927, em que apenas nos limitávamos a aspirar que tapassem os buracos das estradas, e isto que hoje fazemos, em face de uma medida que nos enche de júbilo, por podermos estar ainda aqui a discutir se é indispensável construir mais ou melhorar as estradas já existentes.
Em todo caso, devemos ficar tranquilos, porque, na medida em que se considera a construção, já aqui foi dito por voz mais autorizada do que a minha - a do Sr. Eng. Daniel Barbosa - que o assunto não deixará de ser considerado em todos os pequenos pormenores.
Referindo-me agora às considerações do Sr. Deputado Camilo Mendonça, direi que tenho a certeza, pelo conhecimento dos factos e pelo espírito com que trabalha a Junta Autónoma de Estradas, de que, se não a compelirem a sair do caminho traçado, não deixará de atender a todas as coisas necessárias e indispensáveis. Por consequência, tudo aquilo que é indispensável e se depara aos nossos olhos como conveniente não deixará de ser considerado.

O Sr. Camilo Mendonça: - V. Ex.ª dá-me licença?
Não está em causa a competência técnica dos serviços da Junta Autónoma de Estradas. Ponho a questão num outro pé.
É que o problema, antes de ser técnico, é económico, é social. Na elaboração de qualquer plano de acção esses dois aspectos devem estar sempre presentes, e, se algum houver que sacrificar-se, seja o preciosismo técnico, e não o objectivo económico e social.

O Orador: - V. Ex.ª compreende que uma entidade a quem se entregou este problema tão grande, tão complicado e tão delicado de construir as estradas do País e que nele se tem empenhado por forma tão brilhante não pode, de maneira nenhuma, deixar de estar atenta a todas essas circunstâncias.
Tenho aqui presente um inquérito ao movimento das estradas, inquérito que, sem dúvida, traduz um cuidado económico, porque efectivamente é mais necessária a estrada que tem mais movimento do que aquela que tem menos.

O Sr. Camilo Mendonça: - Isso para as já existentes ...

O Orador: - Quanto as construções, devo dizer que elas por agora não poderão alterar o plano em relação ao que está estabelecido.

O Sr. Camilo Mendonça: - Nem isso se pretende.

O Orador: - Acho que se deve pretender, porque um plano rodoviário deve ser revisto de dez em dez anos ou de quinze em quinze anos, porque às vezes as condições modificam-se, pois aquilo que não era preciso hoje poderá ser preciso amanhã.
Quero ainda responder a uma observação aqui feita pelo nosso colega Dr. Vasco Mourão à forma como se fez o inquérito ao movimento das estradas.

Se é certo que b principal trabalho pesou sobre a dedicação e o cuidado do pessoal cantoneiro, ele foi feito em perfeita colaboração dos serviços centrais e dos serviços externos e com o dedicado auxílio da Direcção-Geral dos Serviços de Viação, pelos postos da Polícia de Trânsito, conforme se lê no preâmbulo da Estatística de Trânsito, publicada pela Junta Autónoma de Estradas.
Este inquérito, muito bem feito e muito minucioso, certamente pode prestar a V. Ex.ª - e presta à respectiva repartição - as indicações necessárias.
Vamos, pois, terminar este debate com a consoladora certeza de que as nossas estradas, que tiveram ultimamente um período de grande preocupação para as pessoas que as utilizam e, sobretudo, para aqueles a cuja responsabilidade estavam, vão ficar perfeitas e capazes de satisfazer a nossa economia.
Suponho que nada será mais grato à nossa alma de portugueses do que saber que neste ramo a nossa administração vai ser absolutamente impecável.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Dou, pois, mais uma vez o meu voto a esta proposta de lei e estou certo de que a Assembleia também lhe vai dar o seu voto na especialidade, tanto mais que há apenas uma alteração, referente à base m, em que a Comissão de Obras Publicas adoptou a emenda proposta pela Câmara Corporativa.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente:-Não está mais nenhum orador inscrito para a discussão na generalidade e durante ela não foi levantada qualquer questão que impeça a anã discussão na especialidade. Considero pois aprovada na generalidade esta proposta de lei.
Vai passar-se à discussão na especialidade.
Vai ler-se a base I.

Foi lida.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente:-Visto nenhum Sr. Deputado desejar fazer uso da palavra, vai passar-se à votação. Vai votar-se a base I da proposta de lei.

Submetida à votação, foi aprovada.

Q Sr. Presidente que vai ser lida.

Foi lida.

- Passo agora à discussão da base II,

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à discussão da base III.
Sobre esta base há na Mesa uma proposta da pua substituição pela sugestão formulada pela Camará Corporativa no seu parecer, que vão ser lidos.

Foram lidas.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

Pausa.

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O Sr. Presidente:-Como nenhum Sr. Deputado pede a palavra, vai votar-se.

Submetida à votação, foi aprovada a proposta de substituição da base III.

O Sr. Presidente: - Está condoída a discussão e votação na especialidade desta proposta de lei.
A próxima sessão será amanhã, à hora regimental, tendo por ordem do dia a apreciação das Contas Gerais do Estado e das da Janta do Crédito Público relativas ao ano de 1952.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Agnelo Orneias do Rego.
André Francisco Navarro.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
João Cerveira Pinto.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Ricardo Malhou Durão.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Antão Santos da Cunha.
António Calheiros Lopes.
António Russell de Sousa.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
João Maria Porto.
José Gualbérto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Tito Castelo Branco Arantes.
Venâncio Augusto Deslandes.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

Documentos mandadas publicar no "Diário das Sessões" por despachos do Sr. Presidente:

Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia Nacional.- Por disposição legal a minha situação de Deputado é incompatível com o exercício das minhas funções oficiais
normais.
Resulta desta disposição que me é vedado assistir oficialmente às reuniões do conselho escolar da Faculdade de Medicina e discutir com plenos direitos as diversas questões nele levantadas.
Ora encontram-se neste momento em discussão várias questões que interessam directamente e vitalmente à cátedra de que sou proprietário e que não podem ser orientadas sem a minha participação na matéria.
Peço por isso a V. Ex.ª que, atendendo ao que ficou exposto, me seja concedida a autorização para assistir ao conselho da Faculdade nas condições correspondentes ao exercício normal das minhas actividades escolares, o que em nada virá interferir com a minha actividade na Assembleia Nacional.
A bem da Nação.
João Afonso Cid dou Santos.

Sr. Presidente: o Sr. Deputado João Afonso Cid dos Santos, alegando na sua carta de 24 de Fevereiro último que a sua situação de Deputado é incompatível com o exercício das suas funções oficiais, e que, portanto, lhe é vedado assistir oficialmente às reuniões do conselho escolar da Faculdade de Medicina, pede autorização para assistir às sessões do mesmo conselho nas condições correspondentes ao exercício normal das nuas actividades escolares, visto encontrarem-se em discussão várias questões que interessam directamente à cátedra de que é proprietário.
Ouvida a Comissão de Legislação e Redacção, de harmonia com o despacho de V. Ex.ª da mesma data, omite a Comissão o seguinte parecer:
O artigo 90.º da Constituição estabelece no seu n.º 2.º o preceito, de que importa perda de mandato para os membros da Assembleia Nacional exercerem os seus respectivos cargos durante o funcionamento efectivo da mesma Assembleia se forem funcionários públicos, civis ou militares.
Este princípio acha-se estabelecido com carácter absoluto, pois a Constituição não admite, em relação no n.º 2.º, quaisquer excepções, ao contrário do que sucede em relação ao n.º 1.º do mesmo artigo.
Nestas circunstâncias, a questão reduz-se a saber se a assistência e comparticipação nos trabalhos do conselho escolar da Faculdade de Medicina, de que é professor aquele Sr. Deputado, importam ou não o exercício do respectivo cargo.
Ora o Decreto n.º 19 678, de l de Maio de 1931, que aprovou o Regulamento da Faculdade de Medicina de Lisboa, dispõe no seu artigo 1.º e § 1.º que o governo cia Faculdade pertence ao respectivo conselho escolar e que este é constituído por todos os professores catedráticos.
Por outro l a rio, dispõe o artigo 48.º, alínea e), do mesmo regulamento que compete aos professores catedráticos fazerem parte do conselho escolar e desempenharem os cargos para que sejam nomeados.
Finalmente,, os §§ 1.º e 6.º do artigo 3.º dispõem que para as sessões do conselho são convocados todos os professores catedráticos em efectivo serviço e que a comparência ás sessões é obrigatória, preferindo a qualquer outro serviço académico que se realizar à mesma hora.
Em face destes preceitos expressos, é pois fora de dúvida que a assistência às sessões do conselho escolar e a comparticipação nos seus trabalhos importam o exercício de uma actividade que, necessariamente, faz parte do exercício normal das funções de professor. E, porque assim é, tais actos não podem deixar de considerar-se abrangidos pelo n.º 2.º do artigo 90.º da Constituição.
Nestes termos, nem ã Assembleia Nacional pode conceder a autorização pedida - por nenhuma disposição constitucional o permitir - nem aquele Sr. Deputado poderá tomar parte nas sessões do conselho escolar da sua Faculdade sem incorrer na sanção estabelecida no corpo do referido artigo 90.º da Constituição.
(Lisboa e Sala das Sessões da Comissão de Legislação e Redacção, 9 de Março de 1954 - O Presidente da Comissão de Legislação e Redacção, Mário de Figueiredo.

Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Apresento a V. Ex.ª os meus respeitos. Tenho a honra de formular uma pergunta à alta autoridade e critério de V. Ex.ª
Sou professor catedrático universitário, como V. Ex.ª sabe. Do elenco das funções de professor catedrático, além da regência da respectiva cadeira, fazem parte atribuições complementares, que formam o complexo

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da sua função. Entre elas a assistência aos conselhos escolares e aos júris de exame e doutoramentos, . funções essas que exigem uma certa continuidade de exercícios, cuja interrupção poderia prejudicar a cadência pedagógica e funcional dessas atribuições. No Instituto e Universidade a que pertenço vão brevemente realizar-se sessões do conselho escolar, preparatórias de concursos e doutoramentos. Estabelece o artigo 90.º e § 2.º da Constituição a perda de mandato para os Deputados que exercerem os seus respectivos cargos durante o funcionamento efectivo da Assembleia Nacional. A assistência e a intervenção nas sessões do conselho escolar e aos júris de exames e de concursos durante o funcionamento efectivo da Assembleia poderão fazer incorrer o Deputado na sanção prevista nesse artigo?
Agradecendo antecipadamente a V. Ex.ª o alto obséquio de uma resposta, subscrevo este respeitosamente.
A bem da Nação.

Lisboa, 25 de Fevereiro de 1954. - O Deputado, António Pinto de Meireles Barriga.

Sr. Presidente. - Pela sua carta de 25 de Fevereiro último o Sr. Deputado António Pinto de Meireles Barriga, alegando ser professor catedrático universitário, pergunta se, em face do artigo 90.º, n.º 2.º, da Constituição, "a assistência e a intervenção nas sessões do conselho escolar e dos júris de exames e 'de concursos, durante o funcionamento efectivo da Assembleia", importará ou não perda de mandato.
De acordo com o despacho de V. Ex.ª da mesma data, foi ouvida a Comissão de Legislação e Redacção, que emite o seguinte parecer:
O artigo 90.º, n.º 2.º, da Constituição estabelece, sem excepções, o preceito de que importa perda de mandato paia os membros da Assembleia Nacional exercerem os seus respectivos cargos durante o funcionamento efectivo da mesma Assembleia, se forem funcionários públicos, civis ou militares.
Tudo se resume, pois, em averiguar se a assistência às sessões do conselho escolar e a participação nos seus trabalhos, bem como a participação na constituição doa júris de exames; e de concursos, importam ou não o exercício do respectivo corgo de professor.
Ora o Decreto n.º lá 717, de 27 de Julho de 1930, que aprovou o Estatuto da Instrução Universitária, aplicável ao Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, de que é professor aquele Sr. Deputado, dispõe, no artigo 12.º, § 1.º, que o governo dos Faculdades pertence aos [respectivos conselhos escolares e directores, sendo aqueles constituídos pelos respectivos professores catedráticos em exercício.
Por outro lado, o Decreto n.º 20 440, de 27 de Outubro de 1931, que aprovou o Regulamento do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, dispõe, no seu artigo 72.º, n.ºs 4.º e 5.º, que compete aos professores catedráticos e extraordinários fazer parte dos júris dos exames e 'assistir às sessões do conselho escolar, estabelecendo ainda o artigo 84." que para haver sessão deste conselho é preciso que esteja presente a maioria dos professores em exercício.
Dispõe (finalmente o artigo 85.º do mesmo regulamento que o professor que faltar à sessão é obrigado n justificar a falta perante o director.
Em face destes preceitos expressos, não pode, pois, deixar de concluir-se que a assistência às sessões do conselho escolar e a comparticipação nos seus trabalhos, bem como a participação na constituição dos júris de exames, importam o exercício de uma actividade que, necessariamente, faz parte do exercício efectivo e normal das funções de professor.
Tendo tais actos de ser assim considerados, também não poderá aquele Sr. Deputado tomar parte nas sessões do conselho escolar do Instituto de que é professor, nem fazer parte dos seus júris de exames, sem incorrer na sanção estabelecida no corpo do artigo 90.º da Constituição Política.
Quanto à participação na constituição dos júris de concursos:
O Decreto n.º 18 560, de 4 de Julho de 1930, aplicável ao Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, ao providenciar sobre a constituição dos júris de concursos .para professores catedráticos e auxiliares das Faculdades Universitárias, assim como para os doutoramentos, dispõe no seu artigo 1.º que, quando houver falta de professores nas respectivas Faculdades e nas Faculdades congéneres para a constituição de tais guris, poderão estes ser completados por indivíduos de reconhecida competência, mediante proposta das mesmas Faculdades e nomeação do Ministro da Educação Nacional.
Podem, portanto, ser até pessoas estranhas aos quadros das Faculdades.
Por outro lado, o Decreto-Lei n.º 37 350, de 24 de Março de 1949 - que permite ao Ministro da Educação Nacional determinar a abertura de concursos perante a direcção-geral do Ensino Superior e das Belas-Artes para professores agregados, extraordinários ou catedráticos das Faculdades ou escolas e institutos superiores-, dispõe, no artigo 2.º, que o Ministro tem a faculdade de nomear os respectivos júris, estabelecendo o artigo 3.º, § 3.º, que para os completar pode o Ministro recorrer às individualidades referidas no artigo 1.º 'do Decreto n.º 18 560, de 4 ao Julho de 1930.
Nestas circunstâncias, o exercício das funções de membro do júri, por nomeação ministerial, não deverá entender-se como correspondendo ou fazendo parte do exercício normal do cargo de professor, não dando, portanto, lugar à perda do mandato por aplicação do n.º 2.º do artigo 9.º da Constituição.
Lisboa e Sala das Sessões da 'Comissão de Legislação e Redacção, 11 de Março de 1954. - O Presidente da Comissão de Legislação e Redacção, Mário de Figueiredo.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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