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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES

N.º 47 ANO DE 1954 22 DE MARÇO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VI LEGISLATURA

SESSÃO N.º 47, EM 2O DE MARÇO

Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex. mos Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
Alberto Pacheco Jorge

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta, a sessão ás 16 horas.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 45.

Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente anunciou estarem na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das Comunicações em satisfação do requerimento do Sr. Deputado Pereira, da conceição. Varam entregue a esto Sr. Deputado.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Miguel Bastos, nobre problemas económico-sociais da cidade de Setúbal; Gil Santos, que chamou a atenção do Governo pura. questões ligadas ao Hospital-Faculdade de Lisboa; Magalhães e Couto, para se associar à sugestão, anteriormente apresentada, de se perpetuar a memória do conselheiro João Franco; Pinho Brandão, no sentido de serem certos obstáculos que dificultam a exportação de Santos da Cunha, sobre a necessidade de o Governo estabelecer doutrina quanto ao regime do expropriações nas obras de aproveitamento hidroeléctrico, e Urgel Horla que se referiu ao próximo centenário de Almeida Garrelt.

Ordem do dia. - Em primeira parle continuou a discussão na generalidade da proposta de lei sobre indústria hoteleira.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Marques Teixeira e Galiano Tavares.
Em segunda parte da ordem do dia prosseguiu a discussão do parecer sobre as Contas Gerais do listado referentes ao ano de 1952.
Usou da palavra o Sr. Deputado Vas Monteiro
O Sr. Presidente encerrou a sessão ás 19 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego
Alberto Henriques de Araújo
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Américo Cortês Pinto.
Antão Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Caetano Maria de Abreu Beirão.

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Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Afonso Cid dos Santos.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Luís Augusto das Neves.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José dos Santos Bessa.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Ricardo Vai Monteiro.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 72 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 16 liaras.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 45.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto nenhum Sr. Deputado pedir a palavra, considero-o aprovado, vai ler-se o

Expediente

Telegramas

Da Empresa Fabril de Máquinas Eléctricas, da Fábrica Lusitana de Tintas e Vernizes e de industriais de tapetes a pedir que sejam respeitados os princípios das Leis n.º 2002 e 2005 quanto á protecção da indústria nacional, a propósito da discussão da proposta de lei sobre o regime da indústria hoteleira.

Exposição

Lisboa, 19 de Março de 1954. - Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Excelência. - 1. Acaba de ser publicado o parecer da Câmara Corporativa n.º 6/VI, sobre a proposta de lei n.º 10, relativa á indústria hoteleira, acerca da qual a Assembleia Nacional irá em breve prenunciar-se.
Trata-se de diploma de muito interesse e oportunidade, que poderá influir poderosamente no estabelecimento de condições mais favoráveis ao incremento do afluxo de estrangeiros ao nosso país. As medidas que encerra só poderão, por consequência, merecer da parte desta Associação Industrial o mais rasgado aplauso.
Nd entanto, o diploma em referência inclui preceito que envolve até certa contradição com o programa que vem pôr em prática. Referimo-nos ao seu artigo 13.º estabelece um plano de isenções de direito aduaneiros em termos tais que - se merecesse a aprovação da Assembleia Nacional - iria simultaneamente generalizar um princípio perigoso, prejudicar injustamente importantes sectores do trabalho nacional e preparar situações futuras que poderão até assumir aspectos de desprestígio nacional.
Este é, pois, o objectivo restrito dos nossas considerações, que de modo algum visa o diploma um pormenor do seu articulado - e, deve dizer-se, um pormenor sem relevo no quadro de medidas propostas, embora da sua aplicação pudessem vir a resultar consequências prejudiciais pura o País.
2. Preceitua o artigo 13.º da proposta de lei em referência:

As empresas a que fie refere o artigo anterior beneficiarão da isenção de direitos aduaneiros emolumentos consulares para todos os apetrechos (móveis materiais, utensílios e aparelhos) destinados quer à construção e instalação de estabelecimentos futuros, quer a ampliação, adaptação renovação ou beneficiação de estabelecimentos existentes, desde que o respectivo projecto de obras ou melhoramentos seja aprovado pêlos serviços de turismo, se tais apetrechos não puderem ser adquiridos à indústria nacional em tempo útil, na qualidade exigida, ou se esta não puder oferecê-los a preço igual ou inferior aos dos mesmos artigos de procedência estrangeira despachados com o benefício da isenção, acrescido da percentagem de 15 por cento.
§ único. As isenções a que se refere este artigo serão concedidas verificadas que sejam, pela Inspecção Geral os Produtos Agrícolas e Industriais, as condições da lei s mediante caução dos direitos eventualmente devidos.

Fixa-se assim, rigidamente, em 15 por cento a margem de defesa concedida à indústria nacional e só desde que possa fornecer os apetrechos - móveis, materiais, utensílios e aparelhos - sem tempo útil e essa «na qualidade exigida».
Sempre que os produtos portugueses sejam oferecidos por preço superior, os estrangeiros beneficiarão ipso facto do privilégio da total isenção de direitos de importação.
Não se discute, antes se aceita expressamente, a existência na proposta de lei de um preceito que conceda isenções de direitos de importação a mercadorias destinadas dos novos hotéis ou à remodelação dos existentes.

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A intenção que ditou o artigo 13.º é por nós inteiramente compreendida e francamente louvada.

O que não podemos aceitar é a redacção do preceito, que poderia explicar-se numa sociedade ideal, em que comércio internacional se pautasse dos princípios de rígida espontaneidade dos condições de concorrência, mus de modo algum na Europa de hoje, verdadeiro campo de batalha de economias em luta, no qual entram as mais variadas armas de directo e indirecto apoio ás condições de penetração nos mercados. Esta situação não foi, decerto, considerada pela Câmara Corporativa quando foi elaborado e discutido o seu parecer.
3. Para rigorosa compreensão do problema, cumpre-nos esclarecer algumas afirmações do parecer da Cama rã Corporativa.
Diz-se, no n.º 31, in fine, que «a medida; no princípio que a inspira, tem, o efeito prático de nivelar aquela industrio com outras indústrias-base nacionais, as quais gozam de idêntica vantagem por força das suas leis fundamentais (Lei n.º 2002, de 26 de Novembro de 1.944, que promulgou a electrificação do País; Lei n.º 2005, de 14 de Março de 1945, que promulgou as bases a que devem obedecer o fomento e a reorganização industrial)».
Há na verdade um ponto de semelhança entre os diplomas referidos: a admissibilidade da isenção de direitos. Mas as condições em que essa isenção é promulgada são completamente diferentes!
Nas Leis n.º 2002 e 2005 a isenção é estabelecida quando as máquinas, utensílios e materiais não possam obter-se na indústria nacional em razoáveis condições de preço e qualidade ou dentro dos prazos previstos para a montagem».
Se a proposta de lei sobre a industria hoteleira contivesse uma isenção concebida nestes moldes, só merecia a nossa inteira aprovação. Mas, nos termos constantes do artigo 13.º, significa antepor em interesse económico e social o turismo à generalidade das indústrias, à electrificação, às maiores obras públicas de valorização do País ...
4. Faz-se depois do parecer da Câmara Corporativa uma extensa referência ao «regime especial» de protecção à indústria nacional.
A verdade, porém, é que, salvo o devido respeito, o problema põe-se em bases inteiramente diferentes. Quase seríamos tentados a dizer que a proposta implica antes um problema de protecção à indústria estrangeira ...
Efectivamente, a questão que se levanta não é a de as empresas hoteleiras serem obrigadas a preferir os produtos nacionais, mas a de lhes conceder o benefício da isenção dos normais direitos de importação, atendendo ou não ao nível das tosas estabelecidas pela pauta das alfândegas.
Diz-se no parecer que a orientação seguida na proposta corresponde à mais recente doutrina da Administração» e cita-se a propósito o § 3.º do artigo 5.º dó Decreto-Lei n.º 39173, aplicável ao projectado grande hotel de Lisboa, e a base XXI anexa ao Decreto-Lei n.º 38 246, de 9 de Maio de 1951, que fixa as bases do contrato entre o Estado e a - Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses para a substituição do arrendamento das linhas férreas do Estado e de todas as concessões existentes pela concessão única prevista na Lei n.º 2008.
Salvo o devido respeito, a informação não é inteiramente exacta. O artigo 1.º do Decreto n.º 38 348, de 27 de Julho de 1951, publicado pela pasta do Ultramar, mandou estender às isenções de direitos prescritas para os materiais utilizados em obras do Estado ou dos corpos e corporações administrativas, quer executadas por estes quer por mandatários», as disposições do artigo 3.º e seus parágrafos do Decreto n.º 37 817, de 11 de Maio de 1950.
E este preceito determina que as isenções só serão concedidas quando se verifique que tanto os materiais como os artefactos neles designados se não podem produzir ou adquirir na colónia em boas condições de preço e qualidade, ficando ainda a concessão de insenção para os de origem estrangeira, dependente da prova feita pelos interessados de que os mesmos não podem ser adquiridos na indústria nacional nas mencionadas condições».
Por consequência, não pode sequer admitir-se que o Governo haja tomado acerca do problema das isenções de direitos uma posição firme e que essa posição seja a que consta do artigo 13.ª da proposta. De modo algum. O que pode ó apontar-se vários critérios, e a Assembleia Nacional ter de decidir qual considera mais justo e mais consentâneo com o interesse do País.

5. Ninguém que esteja em contacto com os problemas económicos ignora as condições em que opera a concorrência internacional.
Além de os preços para exportação serem, em épocas normais, mais baixos do que os praticados nos mercados internos, os países industrializados da Europa estabeleceram unia rede de apoios e protecções às suas indústrias, dirigidos todos a valorizar as suas possibilidades de penetração nos mercados estrangeiros mais desejados. Além dos objectivos de defesa do trabalho, da estabilidade e até da segurança social, impulsionam esses países necessidades fundamentais de divisas, muitas vezes adquiridas mediante sacrifícios enormíssimos.
Para fixar uma ideia do que suo esses apoios u exportação - isenções de encargos fiscais e sociais, crédito a longo prazo, benefícios nos preços de matérias primas, dos fretes e dos seguros. prémios directos, etc.- basta dizer que a França dá às suas actividades de exportação auxílio que, de um modo gera], é, só por si, superior à margem de 15 por cento estabelecida na proposta!
Faz-se no parecer uma referência às nossas indústrias, destacando a da porcelana, que é hoje, na verdade, uma actividade de exportação.

Deve, no entanto, observar-se que, se na generalidade dos mercados a protecção pautai dos artigos de porcelana se fixasse em 15 por cento, não haveria qualquer dificuldade em fazer penetrar e defender largamente os nossos produtos.
Quer dizer, o problema que se põe não resulta das condições da indústria nacional; resulta, sim, das características do comércio internacional, que de modo algum podemos ignorar.
6. Disse-se no notável relatório que precedeu o Plano de Fomento que em cada ano mais 50 000 pessoas aparecem a pedir ocupação. Isto significa que em. cada uno se pagam -ou deverão pagar- mais cerca de 1500 contos diários de salários, ou seja, nos trezentos dias úteis, 450000 contos.

O esforço para assegurar ocupação regular a todos quantos vivem na terra portuguesa -e para lhes elevar o nível de vida- tem de resultar de um trabalho consciente de conjunto, diremos até de uma mentalidade nacional.
Temos de possuir um plano, um programa geral. O Governo ainda recentemente tomou, através do Conselho Económico, um conjunta de importantíssimas medidas que demonstram com toda a clareza estar plenamente possuidor desse plano, desse programa, e decidido a executá-lo.
Mas porventura a indústria hoteleira merecerá tratamento mais favorável do que o Estado, os corpos e corporações administrativas, as empresas concessioná

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rias de serviços públicos e aquelas em que o Estado teia participado?!...
Ao contrário do que se diz no parecer da Gamara Corporativa, não julgamos que no artigo 13.º da proposta o Governo tenha encontrado na melhor expressão da conveniência nacional». A simples leitura da mencionada resolução do Conselho Económico mostra bem o cuidado de pormenor posto na fixação das regras a observar nas aquisições de mercadorias e serviços e dá-nos á certeza de estar ali o pensamento do Governo.
A pauta das alfândegas é um instrumento elaborado cuidadosamente e actualizado por um corpo muito distinto de técnicos especializados, que estudam cada caso e propõem superiormente os direitos que julgam deverem ser fixados, após estudo de todos os factores que integram as condições económicas e técnicas de fabrico e venda das várias mercadorias.
Como pode, pois, deixar de considerar-se essa margem multiforme de defesa?
É oportuno recordar que as isenções estabelecidas para o Hotel Nova Avenida, o Reid's Palace Hotel e o Grande Hotel do Luso (Decretos-Leis n.º 27625, de 3 Abril de 1937, 29 096, de 31 dê Outubro de 1938, e 30 824, de 24 de Outubro de 1940) só seriam concedidas quando se trata de mercadorias que não sejam produzidas pela indústria nacional ou, tratando-se de mercadorias que a indústria nacional produza, o seu preço suja superior ao valor de análoga mercadoria estrangeira, despachada para consumo, acrescido de 10 por cento» (§ 2.º do artigo 92.º das instruções preliminares das pautas).
7. São muitos os meios susceptíveis de serem utilizados para apoio do turismo nacional e vários constam da proposta de lei em referência.
Mas o que pensarão os que nos visitarem quando encontrarem nos hotéis, além de materiais de construção estrangeiros, louças, roupas, vidros, talheres e móveis que não são fabricados em Portugal?! E o que pensarão aqueles que vierem ao nosso país precisamente para contratar a compra dessas mercadorias?! ...
O problema posto, além de grande importância material, envolve uma melindrosa questão moral que não pode ser ignorada. A indústria não precisa só de apoios materiais: precisa também de estímulos morais, de ambiente, de confiança que atraia capitais e suscite novos investimentos.
A Assembleia Nacional, ao pronunciar-se sobre o artigo 13.º da proposta de lei sobre a indústria hoteleira, não fixa apenas o pormenor de um diploma: toma posição perante uma das questões basilares da grei portuguesa - a industrialização.
Por esse motivo, permita V. Ex.ª, Sr. Presidente, que lhe - solicitemos o favor de mandar transmitir a nossa exposição aos ilustres Deputados à Assembleia Nacional, com a sugestão, que claramente nos permitimos formular, de ser adoptada para o diploma em debate a orientação já definida por esta Câmara, quanto às isenções do direitos aduaneiros, nas Leis n.º 2002 e 2005, respectivamente de electrificação e de fomento e reorganização industrial.
Deste modo se generalizaria e uniformizaria um critério de importância fundamental para as actividades produtoras nacionais e se manteria um justo equilíbrio dos grandes interesses a considerar no problema.
Aproveitamos o ensejo para reiterar a V. Ex.ª os protestos da nossa mais elevada admiração e estima e para nos subscrevermos

De V. Ex.ª Mt.º Att.º e Vnr., o Vice-Presidente da Direcção, Engenheiro Carlos Garcia Alves.

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa na elementos fornecidos pelo Ministério das Comunicações em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Pereira da Conceição na sessão de 14 de Janeiro último.
Vão ser entregues a este Sr. Deputado.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Miguel Bastos.

O Sr. Miguel Bastos: - Sr. Presidente: hesitei bastante e por largo tempo era trazer a esta Assembleia o assunto que poço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, licença para expor, Receei fosse tomado por parcial ou que se pudesse pensar que a paixão, dominando o real e objectivo, fosse aqui o motor das minhas palavras.
Por outro lado, temia-mo que o problema, por se referir a uma parte do todo nacional, não estivesse á altura desta Assembleia, donde se devem ver sempre os problemas no seu aspecto geral, despidos de interesses particulares ou de sectores, vividos única e exclusivamente no grande plano da Nação, á sombra de cujo interesse - e só à sua sombra - TIOS é verdadeiramente lícito determinar e decidir.
No entanto, porque as circunstâncias tomaram aspectos graves e porque nelas ocuparam posição difícil u vida e a segurança de mais de meia centena de milhares de portugueses, resolvi esquecer os minhas dúvidas e relegar para segundo plano as minhas hesitações.
Desejo, Sr. Presidente, chamar a atenção do Governo para o problema económico-social da cidade de Setúbal u fazer um apelo para que se proceda a trabalho sério, útil e profundo no sentido de se definirem por fornia concreta e real os caminhos a seguir, o trabalho a realizar.
Tal como já se tem feito noutros países, solicito do Governo que uma comissão de especialistas estude o grave problema que ali se criou por ura. rápido surto industrial, logo seguido pela decadência das suas duas industria base, problema que acarreta tantos sofrimentos àquela terra e tantas lágrimas à sua gente..

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Servindo-me do testemunho insuspeito de um alto dirigente do Instituto de Assistência à Família, posso dizer que estamos um face de uma situação não conhecida por nenhuma outra região do País.
Há que estudar as grandes possibilidades locais, para delas se extrair coordenadamente os recursos necessários pura se alterar a face económica da região, a fim de se sair da uma situação verdadeiramente insustentável.
Há que estabelecer regras nos movimentos demográficos, para que, salvando os que estão, evitem a vinda para aquela terra de gente de toda a parte e das mais variadas profissões.
Há que promover um aproveitamento inteligente e racional da esplêndida mão-de-obra disponível, completando o seu emprego em relação àquelas indústrias que só temporariamente a utilizam, e dar escoante à restante pela fixação de novas indústrias que se julgue deverem estabelecer-se naquela região, considerando que a instalação de novas indústrias ou o alargamento das que existem deve fazer-se não só com preocupações económicas mas também com o sentido de que se enquadrem na solução do problema, fundamental que nos aflige e que é essencialmente económico-social.
Há que rever os problemas ligados á assistência de forma que esta não perca o seu papel de acção suplementar aos agregados eventualmente enfraquecidos economicamente e não seja a sombra a que se possam acolher alguns como modo normal rio vida.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Sr. Presidente: há que coordenar e ajustar as assistências corporativa, pública e particular, de modo a tirar-se da sua acção o melhor e o mais útil rendimento.
Numa palavra: há que estudar as possibilidades económicas locais e o modo do seu rápido e inteligente aproveitamento de maneira que se resolva um problema que, empobrecendo o homem, está a empobrecer irremediavelmente a própria Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Em 1754 tinha Setúbal 12955 habitantes e em 1890, já com 30 anos de cidade, a sua população não excedia 16 986. Quer dizer: em 136 Anos a população desta cidade aumentou apenas de 4031 indivíduos. Até aqui a cidade vivia, na tranquilidade do tempo, da produção de sal, da pesca e da agricultura.
Surge a primeira fábrica de conservas de sardinhas cia azeite, e em 1900 verificamos já que a cidade contava com 21 819 habitantes. Enquanto tínhamos levado L36 anos n aumentar em 4031 a nossa população, em 10 anos batemos aquele inúmero, juntando na cidade, em tão pequeno período de tempo, mais 4833 almas.
Em 1910 temos já 40 fábricas e 30346 habitantes, nina os números não param mais. Em 1920 temos 130 fábricas e o censo deste ano dá para Setúbal a população de 37002 habitantes.
A indústria de conservas mostra os primeiros sinais de cansaço, resultante da hipertrofia que atingira. O número de fabricas começa a decrescer. As exportações altas continuam porém, e a população não pára de aumentar. Em 1930 a população de Setúbal tinha subido para 46342 habitantes.

No período de 1930 a 1940 acentua-se mais as dificuldades da indústria. Sente-se que esta declina nitidamente, a despeito dos seus progressos técnicos e da organização que lhe foi dada.
Nos primeiros cárneo anos deste período, ou seja de 1931 a 1935, ainda exportámos uma média anual de 16 0001 de conservas ou seja 41,6 por cento da exportação do País, mas de 1936 a 1940 a nossa anedia anual de exportação pouco excede 9000t, ou seja 20 porcento da exportação total portuguesa.
Junto a crise da conserva começa a grave crise da pesca, para a qual ainda hoje não se vislumbra remédio. Partimos de 1927 com uma média anual de pesca de 18116 t, número que vai sempre decrescendo. Em 1948 está-mos já em 69241 e o ano passado não passámos das 5186.

ão exagero dizendo que a indústria da pesca chegou em Setúbal ao estado declarado de ruína.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Em 1940 Setúbal tem 40-345 habitantes. A população desceu, mas a ilusória euforia da última guerra agravou o problema. (Em 1950 o número de habitantes de Setúbal fixa-se em 56081. De toda esta gente que aqui se concentrou alguma encontrou ocupação, ornas a maior parte não achou actividade regular onde empregar os braços; contudo todos foram ficando, e daqui começou uma vida de tragédia, que se vai arrastando dia a dia, que vai aumentado de agrura em cada hora que se vive, em cada momento que passa.
Estes fenómenos graves resultantes de intensos surtos industriais não são, de resto, únicos no caso de Setúbal. Todos os países que os sofreram lhes têm sentido os efeitos. Levaram a misérias sem conta - misérias materiais e morais - e cobriram de dificuldades muitos povos e muitos governos. Alguns escritores eminentes do século passado as descreveram dolorosamente.
Nada há, contudo, neste problema que não possa ser resolvido, ponto ú que se apliquem na sua resolução os métodos que as realidades aconselham e a experiência, doutros já demonstrou serem realizáveis que se viva com firmeza e largueza de coração a certeza de princípios de solidariedade cristã, que, 'sendo mino de vida, é igualmente realidade social de que não se pode fugir sem semear no Mundo muitas ruínas, muitos sofrimentos, muitas lágrimas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É certo que o Governo tem acorrido nos momentos mala graves com ajudas, que atempam, aqui e ali, aspectos mais salientes da permanente crise em que se debate aquela gente. Tão agudas são as circunstâncias que não só pode aguardar estudo profundo que traga soluções definitivas e de sentido totalmente
positivo. Penso mesmo que terá ainda por muito tempo e se recorrer a esta solução, preparando-se trabalhos especiais, com dotações especiais, para nos momentos mais críticos - aliás já bem definidos pela experiência- se acudir com o mínimo necessário aos que precisam de viver.

Aqui se deve uma palavra de gratidão aos Srs. Ministros do Interior e das Obras Públicas pela compreensão e sentido das realidades com que sempre têm ouvido os nossos pedidos e sempre têm sabido corresponder a uma necessidade que conhecem certa, e verdadeira.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tem, porém, de se ir mais longe, e deve-se ir. Sem se perder o valor das vidas que há que salvar e defender no próprio momento em que perigam - e há situações em que seria horrível diferir a acção para as conclusões dum estudo ou execução dum plano, temos realmente de pensar num plano devidamente estudado que resolva esta situação, análise caríssima para o País se pensai-mos que dela resulta n perda de muitas vidas e a necessidade, que todos os anos se repete, de enormes dispêndios de assistência meramente paliativa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O trabalho que ouso pedir ao Governo só por ele pode ser feito, pois abrange problemas que só ele pode realmente dominar. O próprio plano local poderá integrar-se em futuros planos regionais ou até num plano nacional, nada se perdendo pois do trabalho feito, com o qual, em verdade, vai beneficiar toda a Nação, pois que com o aumento do rendimento nacional todos lucramos.
Tenho gasto alguns anos já longos da minha vida a bater-me por estes problemas.
Sinto, porém, que muitos dos trabalhos feitos se poderão perder se a sua efectivação se não enquadrar na real resolução de um problema que, por ser muito grave e urgente, precisa de que para ele se encontre uma solução de conjunto.
Não bastará pura tanto o esforço de um ou de alguns; é preciso que o Governo, tomando conta a sério deste problema, se decida a dar-lhe uma solução definitiva, que poderá obrigar a execução escalonada, mas que, por constituir parte de um todo, há-de abrir no coração de todos nós uma grande e confortante esperanço, na certeza de que se está percorrendo um caminho, avançando para uma meta.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - O que tenho dito das grandes possibilidades da região de Setúbal - a zona franca do seu porto, a construção do canal Sado-Tejo, a urgência em se fixarem na península de Tróia as nossas instalações petroleiras, a citação feita das grandes indústrias que ali se podiam e deviam estabelecer, a possibilidade de se recuperarem ao Sado 400 ha a 450 ha de terra e fixar ali numerosíssimas famílias - são tudo contribuições, mas só contribuições, ajudas para o trabalho que peço ao Governo inicie com brevidade e urgência e que só ele pode e deve verdadeiramente enfrentar e realizar.
O Sr. Doutor Oliveira Salazar, ao fazer, em 1931, como Ministro das Finanças, um estudo profundo e brilhante sobre a indústria e o comércio de conservas de peixe, visitou, entre outras, a cidade de Setúbal.
Tiro desse admirável trabalho estas palavras:

Para pôr em execução estas ideias ou as que em definitivo venham a ser julgadas mais conducentes à consecução dos fins que se têm em vista há-de ser preciso usar da autoridade do Estado ...

E mais adiante acrescenta:

Sente-se que é precisa a colaboração de muitas inteligências, de muitas vontades, de vários serviços públicos, trabalhando num plano único para uma finalidade conhecida.

Estas palavras dizem perfeitamente o que pretendo se aplique ao problema que estou expondo. Não se pode ser nem mais claro nem mais preciso.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ao pedir o estudo de um conjunto de soluções para os problemas económico-sociais de Setúbal, que tomaram uma acuidade especialmente dolorosa, não me parece que possa objectar-se não ser oportuno o meu apelo ou que ele deveria ter sido feito na discussão do Plano de Fomento. E isto, Sr. Presidente, porque, por um lado, dos empreendimentos previstos no Plano de Fomento nenhum tem directa influência nos problemas económico-sociais de Setúbal - como eu e o meu ilustre colega Melo e Castro aqui referimos e salientámos - e, por outro lado, a gravidade destes problemas - como a imprensa tem referido, e até a imprensa de Lisboa, como ainda há dias o fez O Século - acentuou-se por forma a tornar inadiável, repito, o estudo à parte de um conjunto de medidas que possam enfrentar as enormes carências da grande população setubalense.
Não se protele, Sr. Presidente, o trabalho que se pede.
Às gerações vindouras, surpreendidas, admiradas, não compreenderão os motivos que levaram a não se utilizar tão grandes e evidentes possibilidades locais e preferimos gastar tanto dinheiro em socorros de emergência, que poderíamos ter transformado gradualmente, mas por forma efectiva e altamente educativa, na materialização daquela bela frase de Salazar:

... para cada braço uma enxada, paru cada família o seu lar, para cada boca o seu pão.

Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cid dos Santos: - Sr. Presidente: ao levantar, em aviso prévio, Q problema do Hospital-Faculdade de Lisboa baseei-me, na exposição que fiz à Assembleia, . em duas ideias que se me afiguraram indiscutíveis:

a) A importância excepcional da nova instituição no quadro geral da assistência hospitalar e do ensino da medicina em Portugal;
b) A necessidade imperiosamente urgente de resolver a tempo os erros e as lacunas existentes, que de outro modo irão comprometer a obra que está prestes a ser terminada.

Não deixa de ser curioso verificar que, uma vez posta a questão do Hospital-Faculdade isoladamente, logo ela foi por alguns diminuída na sua importância, sob o pretexto de que o Hospital-Faculdade constitui apenas um pormenor no quadro geral dos hospitais do País!
Será necessário dizer que uma obra que custou para cima de 400000 contos dificilmente poderá ser considerada como um pormenor, quando só ela existe neste momento e quando os outros hospitais ainda estão quase todos no papel?
Será necessário dizer que pareceria bem estranho começar por estudar o que se deve fazer de novo e passar ao lado de uma instituição tão importante e que levanta problemas que terão, fatalmente, a sua repercussão na orientação do quadro geral do País, sem a considerar devidamente?
Será necessário insistir em que, visto o estado adiantado dos trabalhos e a importância dos erros, das lacunas e da sua deficiente orientação, seria uma infantilidade querer tratá-la em conjunto com o que está por fazer?
A política justifica muita coisa, mas mesmo em política julgo que existem limites para o valor e utilidade do absurdo.

Ou a obra é de proporções reduzidas e não merece ser considerada em aviso prévio, e então não falemos móis na sua importância, ou ela representa realmente, como eu penso, ura primeiro e grande passo no campo do ensino da medicina e da organização hospitalar, e então não a diminuamos quando se trata de corrigir os erros que vão reduzir as suas possibilidades e a sua eficiência.
Quando verifiquei que passados vinte dias sobre o encerramento ila discussão do u viso prévio sobre o Hospital-Faculdade não havia qualquer indício, de que a matéria contida no aviso fora co n siderada, perante a urgência das situações expostas por mini ao longo da minha exposição, decidi chamar a atenção do Governo para o facto.
Por natureza, desejo, sempre que isso for possível, se breve e lacónico, e por isso a minha intervenção foi curta e não focou nenhum caso especial. Parece que. fiz mal e que me deveria ter explicado mais longamente quanto a razão da minha intervenção. Houve quem a considerasse oportuna e necessária. Mas houve também .quem a considerasse precipitada e mesmo um pouco impertinente. Entre aqueles que me dirigiram estas últimas críticas encontram-se alguns de cuja sinceridade e amizade não me é permitido duvidar. Isso revelou-me quanto é difícil colocar os espíritos mais bem intencionados dentro do âmbito de uma questão, de forma a permitir-lhes julgá-la no seu verdadeiro plano.
Sei que não fui precipitado. Não desejo ser impertinente. Não estou aqui para ser desagradável seja a quem for, nem para satisfazer qualquer capricho pessoal. Também mão vejo envolvido o meu amor-próprio a esta questão, e, se ele o estivesse, não permitiria que se revelasse. Estou aqui para aplicar os princípios que enunciei no Liceu Camões antes da minha eleição.
É evidente que esses princípios não podem ser por mim esquecidas, e não o serão. Entendo, portanto, que constitui para mim uma obrigação explicar melhor o

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que sei aos que forçosamente não podem conhecer a quês tilo como eu a conheço nem vê-la nas suas consequências como eu a vejo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Em tudo isto só posso fazer mal a mim mesmo, no desejo que tenho de ser bem compreendido. Se julgo ver os obstáculos que '.comprometem a obra o a forma de os dominar, seria da minha parte uma fraque/a e uma cobardia não insistir, como o estou fazendo, para que o 'Governo se convença da seriedade da situação.
Vejo que não me expliquei suficientemente no meu primeiro apelo ao Governo e que desta vez terei de ser, portanto, mais claro e mais explícito.
Quando se faz uma crítica aos defeitos de uma obra importante e é proposta uma solução para os corrigir; quando se insiste na urgência dessa solução; quando é afirmado que se essa solução .tardar pode já não encontrar uma possibilidade de aplicação, a não ser à custa da destruição ou da refundição completa de certos sectores da obra (obra material e obra de organização), só duas interpretações são possíveis para sobre elas se basear uma atitude:
a) Ou a crítica emitida é justa, impessoal e objectiva, e só há que actuar no sentido indicado e com a urgência pedida;
b) Ou a crítica é inconsistente, ou baseada num sentimento ad odium, ou deformada ou exagerada, e a atitude a tomar perante ela será a do seu repúdio.

E forçoso que sempre exista uma justa relação entre a curti ca, a sua qualidade e as consequências lógicas dela derivadas.

Vozes: - Muito bom!

O Orador: - O que desenvolvi no meu aviso prévio sobre o Hospital-Faculdade: de Lisboa foi a necessidade da criação de uma entidade orientadora, competente bem coordenada, com capacidade suficiente para manter constantemente uma visão de conjunto e, simultaneamente, encarar e solucionar os múltiplos problemas que se
Encontram por resolver ou para os quais é possível uma correcção. Para justificar esta necessidade, apontei os diversos aspectos das deficiências e erros que pude verificar e expliquei os seus fundamentos o melhor que pude.
Permito-me agora enumera-los de novo, sem explicações.
l) Falta de coordenação entro as instalações do Hospital-Faculdade e o quadro da Faculdade:
a) Especialidades com serviços novos:
Otorrinolaringologia;
urologia;
Psiquiatria;
Oftalmologia.

b) especialidades em serviços ampliados:
Neurologia;
Pediatria.

c) Serviços som dono:
Estomatologia;
Pediatria cirúrgica;
Cirurgia pulmonar.

d) Duplicações:
Psiquiatria;
Oftalmologia.

2) Impossibilidade de aceitar a criação, pelo Governo, de serviços novos não previstos sem a consulta, discussão e aquiescência prévia de qualquer entidade competente, particularmente do conselho da Faculdade de Medicina.
3) Necessidade de remodelação do quadro docente e médico da Faculdade.
4) Necessidade de remodelação do recrutamento do pessoal dos quadros da Faculdade.
5) Deficiência das instalações dos serviços administrativos da Faculdade e condenação do processo usado para as transferir das instalações previstas na planta original.
6) Insuficiência do espaço destinado à biblioteca central e o problema da sua ampliação indispensável.
7) O problema da falta de espaço para as bibliotecas privativas de certos serviços e institutos.
8) Insuficiência de instalações para os alunos, inexistência de cantina e refeitório; falta de alojamento para os estagiários.
9) Possibilidade de melhorar a disposição das. clínicas.
10) O problema do banco. Dispersão das suas dependências. Comunicações deficientes. Instalações insuficientes.
11) As deficiências das consultas externas dos serviços gerais. Necessidade de um centro de orientação para os doentes. Problema dos respectivos arquivos e laboratórios. A falta de espaço.
12) Falta de plano e de orientação para os serviços de análises clínicas.
13) Falta de depósito para os animais da cirurgia experimental.
14) Inexistência dos quadros do' pessoal das' secções de fotografia o desenho. Falta de técnico competente para os organizar.
15) Ausência, de ideias estabelecidas quanto à organização dos arquivos clínicos e administrativos. Falta do espaço para os arquivos centrais.
16) Exiguidade de espaço para os serviços administrativos do Hospital.
17) Insuficiência provável dos refeitórios para enfermeiras e pessoal menor.
18) Riscos relacionados com o uso do gás Cidla e .problemas relativos ao funcionamento das instalações.
19)Desconhecimento total dos orçamentos anuais previstos para a instituição e da sua viabilidade.
20) Inexistência dos quadros de médicos, enfermeiras, técnicos e serventuários.
21) Ausência de regras estabelecidas para o recrutamento dos quadros não docentes. Falta de garantia de critério na escolha do pessoal de enfermagem.
22) Ignorância no que diz respeito à criação da Escola de enfermagem adstrita ao Hospital e à construção de um lar de enfermeiras.
23) Inconvenientes da divisão da instituição por dois Ministérios.

Emfim, como causas gerais das dificuldades actuais.
24) Multiplicidade, dispersão e falta absoluta de coordenação e de senso na direcção e orientação actuais do obra.
25) Falia de qualidade e competência da comissão instaladora.

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Foi por tudo isto que preconizei a criação de uma comissão autónoma competente destinada a encarar e solucionar todos estes problemas e a levar a obra até no fim.
Há quase mês e meio que terminou o debute e que a questão foi posta nas mãos do Governo. Eu sei que o Governo tem outros problemas a resolver o que o Hospital-Faculdade constitui apenas unia parte muito pequena das preocupações que forçosamente só relacionam com a política geral do Pais. Isso não quer, todavia, dizer que o problema possa ser esquecido.
A situação agravou-se desde que terminou o debate sobro o aviso prévio porque a máquina existente continua a trabalhar.
Que eu saiba, apenas dois documentos recentes só ocuparam de alguns aspectos discutidos no aviso, e a elos me vou referir agora.
Chegou à Faculdade do Medicina um documento da comissão instaladora, com várias propostas e as respectivas soluções, no qual é pedida a opinião do conselho escolar sobre o assunto. As questões postas à consideração do conselho são as seguintes:

a) A criação de um centro de triagem para as consultas externas;
b) A criação de um serviço de fracturas (não referido no aviso prévio) e de um serviço de cirurgia maxilofacial;
c) A criação de uma central de enfermeiras {vestiário e sala de repouso);
d)A criação de um arquivo central clínico;
e) A criação de uma biblioteca central do Hospital separada da biblioteca central da Faculdade.

O vogal médico da comissão limitou-se, como de costume, a tomar conhecimento do documento que foi concebido e redigido pelos vogais não médicos.
Não posso explicar, por falta de tempo, os pormenores deste documento, mas posso dizer que, se exceptuarmos uma parte do que diz respeito à criação do centro de triagem para as consultas externas, nenhuma das propostas é aceitável tal como elas se encontram neste ofício mal redigido. Umas são simplesmente absurdas na forma como são apresentadas ou nas soluções propostas. Para outras torna-se impossível, seja a quem for, pronunciar-se conscientemente sobre elas, perante a falta de visão de conjunto dos problemas.
O documento constitui como que uma caricatura de algumas questões levantadas no aviso prévio, e o pedido para o conselho escolar se pronunciar sobre elas isoladamente tanto pode ser considerado uma ingenuidade como uma perfídia, para que o conselho escolar se encontre perante o dilema de aceitar o absurdo ou dar uma falsa impressão de desorientação e de discórdia rejeitando as propostas.
O outro documento, proveniente do Ministério do Interior, refere-se aos laboratórios. Embora estabeleça já um princípio, está longe ainda de resolver o problema, que vai ser agora de novo encarado pela comissão instaladora e pela comissão que se dedicou ao estudo da questão.
Tudo quanto está a suceder mais confirma a minha convicção de que a dispersão de comandos, a ausência de orientação geral, a falta de qualidade de alguns elementos activos e o manifesto desinteresse de outros, a falta total de visão de conjunto, o modo absurdo como são apresentados os problemas e se procede à sua solução, enfim o ambiente geral de azedume, resistência,, ressentimento e animosidade que tem envolvido, cada vez mais tudo quanto ao assunto se refere só conduzirá finalmente à neutralização do muito que este edifício tem de bom e a uma redução injustificável das suas possibilidades funcionais na assistência, na investigação e no ensino.
Que o Governo veja nau minhas palavras e na minha insistência ao o efeito de uma convicção profunda e de um desejo puro de ser útil ao meu país e à própria obra que o Governo encetou.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Magalhães e Couto.: - Sr. Presidente: circunstâncias pouco felizes para mim não me permitiram tomar conhecimento imediato da proposta ou sugestão dirigida a V. Ex.ª e a esta alta Câmara pelo ilustre Deputado Morais Alçada, na sessão de 17 do corrente, para que se perpetue no mármore ou no bronze, a colocar em apropriado local desta Casa, a memória do que foi notável homem público, estadista e parlamentar distintíssimo: o conselheiro João Franco Ferreira Pinto Castelo Branco.
Foi João Franco, como mais comummente era tratado pelos seus partidários e admiradores, durante muitos anos Deputado por Guimarães, conseguindo, pela sua grande influência na política de então, importantes melhoramentos para aquela terra, que, por isso mesmo e em sinal de reconhecimento, deu o seu nome ilustre a um dos melhores e mais característicos largos da cidade e ergueu mais tarde, por subscrição pública, já depois da morte do ilustre estadista) e no mesmo local, um artístico monumento, encimado pelo seu busto de bronze.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Sem quaisquer méritos, é certo, cabe-me a mim, nesta hora, ser também de algum modo o Deputado por Guimarães e intérprete dos sentimentos de carinho e gratidão com que sempre é lembrado ali o nome de João Franco. Por isso a proposta do ilustre Deputado Morais Alçada havia de ter por minha parte, desde logo, o mais caloroso apoio, e assim lho quero significar.

Vozes:-Muito bem I

O Orador:-E porque os grandes espíritos se pressentem, conhecem e encontram a distancias que não é possível prever, desejaria, para verificá-lo, que ficasse arquivada nos registos desta Câmara, pois penso que ainda o não está, a última carta política - creio ter sido a última - que encontrei nos jornais da época dirigida por João Franco a Salazar ao terminar a leitura do plano financeiro que acabava de ser anunciado ao Pais pelo grande Ministro das Finanças do Estado Novo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Foi assim a carta do conselheiro João Franco:

Lisboa, 6 de Março de 1929.-Exmo. Sr. Oliveira Salazar - Ministro das. Finanças. - Quem firma estas linhas não é já nada nem ninguém, sem possibilidade de jamais voltar a sê-lo.
É um velho de 74 unos, mais alquebrado ainda pela doença que pela idade, e que a tudo assiste e vê, quieto e calado.
Mas não se foi político por tantos anos e governante do País por não poucos também sem se contraírem hábitos, que formam uma segunda natureza. Um desses, e inveterado, é o de seguir com atenção

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e interesso os sucessos da vida pública, podendo e devendo dizer respeito, no presente ou no futuro, a filhos e netos que lhe luxem doce o viver.
Acabo de folhear o seu relatório financeiro e, chegado à conclusão, disse, convicto e unissonamente:
sursum corda. V. Ex.ª tem-se mostrado um homem raro, de sinceridade e valor, sendo o Ministro das Finanças de que Portugal carecia.
Não oculto o dizer-lho.
A cada um a sua mercê. Assim b pede a justiça e o quer Deus.
Nada ganhará V. Ex.ª em lho escrever, e eu também nada perco, mas sinto que me faz bem manifestar-lho.
Com toda a consideração e simpatia me subscrevo.
De V. Ex.ª M.to At.to o Vnd.
João Franco.

A esta carta Salazar respondeu, mas, infelizmente, João Franco não pôde tomar conhecimento dessa resposta, para seu consolo, pois havia já cerrado para sempre os olhos às grandezas e misérias do Mundo.

Dizia Salazar:

Lisboa, 30 de Março de 1929. - Ex.mo Sr. Conselheiro João Franco. - Tenho adiado escrever a V. Ex.ª, fugindo a qualquer banalidade indigna de V. Ex.ª e de mim, ao agradecer-lhe as palavras que teve a bondade de me dirigir. Comoveram-me tão profundamente que nada mais desejo sobre elas dizer senão isso mesmo.
Há pouco mais de vinte anos houve um político que levantou em Portugal um brado de reacção contra o descalabro da administração pública, o que o País na sua parte mais desinteressada o sã seguiu com mais do que carinho, com fé. Alguém, obscuro, muito na verdura dos anos, sentiu então o contágio dessa fé, e pergunta agora por que desígnio providencial recebe a carta de aplauso que então desejara escrever, se tivesse uma parcela da autoridade que V. Ex.ª tem.
Faço votos sinceríssimos pelas melhoras de V. Ex.ª e desejo-lhe do coração umas Páscoas felizes.
Com a mais alta consideração
De V. Ex.ª M.to At.to e M.to Grat.
António de Oliveira Salazar.

Os seus exemplos e as suas memórias serão sempre brilhantes raios de luz para todos nesta Casa. Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinho Brandão: - Sr. Presidente: na sessão desta Assembleia Nacional de 13 do Janeiro do corrente ano enviei para a Mesa, alem doutros, um requerimento em que solicitava que pelo Ministério da Economia me fossem fornecidos, com a possível urgência, elementos relativos à exportação de volfrâmio desde 1939 a 1953, com discriminação anual; ao preço médio anual desse produto durante b mesmo período; e aos preços do volfrâmio na ocasião em que sobre este produto foram lançadas taxas e sobretaxas de exportação; e ainda o parecer da Direcção-geral de Minas e Serviços Geológicos sobre o custo médio de produção do quilograma de volfrâmio no ano de 1953.
Os outros requerimentos que na mesma sessão apresentei eram relativos a elementos solicitados também através do mesmo Ministério e foram-me prontamente satisfeitos, motivo por que me apraz registar aqui esse facto, agradecendo-o ao Sr. Ministro da Economia.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Porém, os elementos relativos a volfrâmio, por mim solicitados pelo requerimento a que aludi, ainda me não foram fornecidos, certamente, Sr. Presidente, pela sua vastidão e pela natural dificuldade que a Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos porventura tenha em emitir parecer sobre o custo médio de produção de volfrâmio em 1953.
Mas porque, Sr. Presidente, era intenção minha fazer nesta casa, com base nos elementos que me fossem fornecidos pelo Ministério da Economia, uma intervenção a respeito da indústria extractiva de volfrâmio, especialmente na parte relativa às dificuldades com que essa indústria vinha exercendo-se por virtude da carga fiscal que pesa sobre a exportação desse produto, e porque a actual sessão legislativa desta Assembleia está a atingir o seu termo, vou fazer essa intervenção agora sem aqueles elementos e tão somente com os que consegui obter por mini próprio e que, apesar disso, reputo rigorosamente exactos.

Sr. Presidente: o assunto que me proponho tratar é, suponho, de grande relevo na economia da Nação e tem profundos reflexos sociais e económicos na vida de muitos portugueses. Por isso, já mereceu a atenção, na última legislatura, do então nosso ilustre colega nesta Assembleia, Sr. Dr. Avelino de Sonsa Campos, que em intervenção nesta Casa chamou para esse assunto à atenção do Sr. Ministro da Economia, possivelmente certo de que se estava a seguir neste campo uma errada política económica, que acabaria por conduzir à ruína a maior porte dos empresas concessionárias de minas de volfrâmio no País.
Alguma coisa se fez posteriormente à intervenção do ilustre Deputado, mas -não o bastante, Sr. Presidente, para impedir que algumas empresas concessionárias de jazigos de volfrâmio se vissem obrigadas a suspender a sua laboração por ser antieconómico e absolutamente ruinoso o exercício da respectiva indústria.
Sr. Presidente: o Decreto-Lei n.º 18 713, de 1 de Agosto de 1930, conhecido vulgarmente por Lei de Minas, preceituou expressamente no artigo 105.º que sobre as concessões mineiros, minérios e produtos do seu tratamento acessório não incidiria imposto ou taxa além dos consignados nesse decreto. Esta lei ainda hoje, nos seus princípios e linhas gerais, se encontra em vigor e é o diploma basilar de toda a indústria mineira do País.
Mas quais são, Sr. Presidente, os impostos ou taxas consignados nesta lei e com os quais os concessionários contavam tão somente quando requereram ao Estado as respectivas concessões?
Esses impostos eram essencialmente, como se deduz dos artigos 101.º e 102.º da citada Lei de Minas, os seguintes:
Para o Estado: um imposto fixo anual dependente da área da concessão e que para os depósitos mineiros de 1.º classe é de 5$ e para os de 2.ª e 3.ª classes de 2$50 por cada hectare de superfície; um imposto proporcional de 2 por cento sobre o valor do minério preparado para o mercado, valor este calculado à boca da mina;
Para os corpos administrativos: uma percentagem que não pode ir além de 25 por cento do imposto proporcional fixado. para o Estado, a pagar às câmaras. municipais dos concelhos em cuja área se situam as concessões; e outra percentagem que não pode exceder 5 por cento do mesmo imposto proporcional, a pagar às juntas de freguesia da área em que existam as concessões.

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À data da publicação do citado Decreto n.º 18 713 (Lei de Minas), o volfrâmio vinha pagando, pelo artigo 43 da pauta de exportação, aprovada pelo Decreto n.º 17 823, de 31 de Dezembro de 1929, a insignificante taxa de $00(1467) por cada quilograma exportado, taxa esta que, por ser diminuta, não tinha qualquer espécie de relevo na exploração mineira. Talvez por isso mesmo, e apesar do preceito terminante do invocado artigo 102.º da Lei de Minas, que proibia que, além dos impostos ou taxas previstos nesta lei, incidissem outros, continuou a cobrar-se a taxa do artigo 43 da pauta de exportação sobre o volfrâmio exportado, taxa de valor, pode dizer-se, nulo ou quase .nulo, pois não chegava a ser de 1$50 por cada tonelada.
Conclui-se, Sr. Presidente, que o legislador de 1930, no interesse da economia da Nação, se norteou por um largo fomento das indústrias mineiras do País, vendo aí um vasto campo para a actividade dos portugueses.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O preço de exportação de cada quilograma de volfrâmio andava então à volta de 22$, sendo no ano de 1929 de 23$37(8) e no ano de 1930 de 19$48(6).
Durante a segunda grande guerra, o Governo alterou por várias vezes os direitos de exportação do volfrâmio, tendo, pelo Decreto-Lei n.º 31 558, de 8 de Outubro de 1941, introduzido na pauta de exportação o artigo 44-A (minério de volfrâmio em bruto ou tratado), cuja taxa seria fixada pelo Ministro das Finanças, ouvido o da Economia; e, por despacho daquele titular da mesma data, fixou-se para o artigo 44-A da pauta a taxa de 44$01 por cada quilograma, a qual, por despacho de 10 do mesmo mês, passou para 68$4G. Cotava-se então o volfrâmio a preços altíssimos, que chegaram a atingir 600$ por quilograma.
No decurso ainda da última glande guerra, mas quando esta já se inclinava francamente para o MMI termo, o Governo, servindo os altos interesses da Nação ligados ao tremendo conflito mundial, entendeu suspender a exploração, trânsito e exportação do minério de volfrâmio e fê-lo pelo Decreto-Lei n.º 33 707, de 12 de Julho de 1944, tendo-se mantido esta suspensão até 3 de Janeiro de 1946.
Nesta data, Sr. Presidente, é publicado o Decreto--Lai n.º 35 455, que levantou a mencionada suspensão, permitindo, consequentemente, a exploração, trânsito e exportação do volfrâmio. Poucos dias antes da publicação deste decreto, por despacho do Ministério das Finanças de 18 de Dezembro de 1940, tornou a taxa de exportação a ser o que era em 1930, ou seja de $00(1467) por cada quilograma de volfrâmio exportado.
Mas, Sr. Presidente, a respectiva indústria encontrava-se então completamente desorganizada e sem estímulo que lhe adviesse dum preço de venda compensador. A paralisação a que havia sido sujeita impunha a substituição ou reparação do respectivo equipamento e a reconquista dos mercados e das ligações comercial. Acrescia que o período em que se estava era imediatamente a seguir a uma grande guerra e nesses períodos verifica-se sempre a contracção dos mercados no que respeita a volfrâmio, pelo que a sua exploração se destina geralmente à formação de stocks e é exercida em grande parte por indivíduos que não são concessionários.
Por isso, desde 1946 até Junho de 1950 (início da guerra da Coreia), as cotações do volfrâmio soo baixíssimas, fora da normalidade. Estas cotações, pois, por aviltantes, não nos dão o preço normal do produto;
entendendo-se por este, como não pode deixar de ser, o custo de produção acrescido do lucro justo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas a guerra da Coreia traz como consequência a procura do volfrâmio, e este, por isso, sobe súbita e sensivelmente de cotação e atinge o preço de 150$, chegando até 174$ por cada quilograma.
Então o Governo, por despacho do Subsecretário de Estado do Comércio e Indústria de 1 de Fevereiro de 1951, criou uma sobretaxa, a cobrar com a concessão da licença de exportação, de 36$ por cada quilograma e determinou que essa sobretaxa se modificasse conforme os valores do volfrâmio.
Em 6 de Setembro do mesmo ano de 1951, por despacho do Ministério das Finanças, é substituída a taxa do artigo 44-A da pauta de exportação [que então era, como se disse, de $00(1467} por quilograma] pela. de 4$. E na mesma data, pela Portaria n.º 13 666, é substituída a sobretaxa de 36$ por quilograma por outra de igual valor, mas agora fixa e cobrada na alfândega, fixidez que, aliás, contrariava os preceitos do Decreto-Lei n.º 38 405, de 25 de Agosto de 1951, que autorizava o Ministro das Finanças a tributar ás sobrevalorizações das mercadorias predominantes na exportação, mediante o pagamento de sobretaxa aos direitos, os quais não poderão exceder o limite de 60 por cento da sobrevalorização.
Entretanto, Sr. Presidente, a cotação do volfrâmio começa a descer desde logo, descida que se agrava a partir de Dezembro de 19o2.
A manutenção, pois, da sobretaxa fixa de 36$ (acrescida, aliás, da taxa de 4$ do artigo 44-A da pauta de exportação) constitui uma autêntica violência, que nem sequer está em conformidade com os preceitos do Decreto-Lei n.º 38 405, pois aquela sobretaxa, dada a descida da cotação do volfrâmio, passa a atingir não só o custo da produção como até o próprio capital das respectivas empresas. Por isso, a violência fiscal neste aspecto atinge o inacreditável e é de molde a arruinar rapidamente a respectiva indústria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não são afinal, Sr. Presidente, tributadas as sobrevalorizações, que aliás já não existem: em nome delas, cobra-se iniquamente um imposto que absorve todo o lucro justo e parte do custo de produção do produto e, por isso, o próprio capital da empresa. Ora tal representa irremediavelmente a ruína completa da indústria mineira relativa a volfrâmio.
Aliás, o Governo, Sr. Presidente, embora tarde e a más horas, viu e reconheceu a injustiça da sobretaxa fixa. E então, pela Portaria n.º -14439, de 3 de Julho de 1953, a mencionada sobretaxa passa a ser variável e calculada pela fórmula S=0,45 (X-30$), na qual S representa o valor da. sobretaxa a liquidar por quilograma de volfrâmio, x o preço do quilograma desse minério e os 30$ representam naturalmente o custo normal de produção do produto por cada quilograma.
Mas ainda aqui, Sr. Presidente, o Governo, pelos Ministérios das Finanças e da Economia, cometeu um erro, de gravíssimas consequências para a vida económica das empresas concessionárias.
Com efeito, a fórmula expressa na citada Portaria n.º 14439 fixa o custo normal de produção do produto em 30$ por cada quilograma e isso não nos parece conforme à realidade económica.
Ignoramos, Sr. Presidente, de que elementos se socorreu o Governo para chegar aos 30$ da fórmula; não sabemos ainda se ele ouviu sobre o assunto a Direcção-geral

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de Minas, como entidade técnica mais indicada, pana o efeito.
Seja, porém, como for, na fixação do custo normal do produto é preciso contar com o custo de produção, tendo-se em vista os capitais investidos, com as crises a que a indústria está sujeita e que a levam a paralisações frequentes, com os encargos fiscais e com o justo lucro da exploração.
Pode um indivíduo qualquer, que não seja concessionário, mas que se dedique a exploração de volfrâmio, obter 1 kg deste minério pelo custo de 30$ ou até por custo mais baixo, porque fez lavra ambiciosa, escolheu o local de. exploração e não tem encargos fiscais e nem até as obrigações que a Lei de Minas impõe nos concessionários. Mas, duma maneira geral, e na maior parte das concessões mineiras do País (abre-se excepção para as chamadas Minas da Panasqueira, que são riquíssimas e reputadas das melhores do Mundo em produção de volfrâmio), as respectivas empresas, sujeitas a planos de lavra superiormente aprovados, a encargos fiscais e sociais e a múltiplas obrigações legais, não conseguem obter o volfrâmio ao custo de 30$ por quilograma.
Mas como encontrar, Sr. Presidente, o custo normal do produto?
É evidente que não se pode nem deve partir do preço de cotação imediatamente posterior à última grande guerra mundial para se encontrar a sobrevalorização. E do conhecimento geral que nos períodos posteriores às guerras o volfrâmio sofre notável e anormal depressão, ocasionada pelo desaparecimento rápido dos mercados. Ë por isso que o preço do volfrâmio no período que decorre entre 1946 e 1950, apesar da desvalorização da moeda e consequente aumento do custo da vida, é inferior ainda ao preço de 1929. Desprezamos, pois, esse período de preços anormalmente baixos e que por isso não serve para nos orientar.
Então como?
Sabemos, Sr. Presidente, que a cotação do quilograma de volfrâmio em 31 de Dezembro de 1929, data em que o Governo criou a taxa de $00(1467) para a sua exportação, era de 23$37(8). Ora, corrigindo este preço com os índices médios dos preços do comércio grossista, índices que nos são dados, em relação a 1929, pelo Boletim do banco de Portugal e, em relação a 1953, pelo boletim do Instituto Nacional de Estatística, temos para 1929 o índice médio de 103,9 e para 1953 o índice médio de 293,2. E procedendo-se assim, Sr. Presidente, o que nos parece inteiramente justo, obtemos o preço de 68$54 por quilograma como custo normal do produto.
Por isso se nos afigura necessário e justo que a fórmula expressa na Portaria n.º 14 439 seja substituída por estoutra: S=0,45 (x-68$50) E que, dadas as condições actuais da exploração, o volfrâmio apenas aparece sobrevalorizado para além do preço de 68$50 por quilograma.
Bem sei, Sr. Presidente, que, de momento, a fórmula expressa nessa portaria não prejudica a exploração mineira, porque actualmente a cotação internacional do volfrâmio não atinge os 30$ da nossa moeda; mas impõe-se que a fórmula soja modificada, já porque não traduz a realidade económica, já ainda porque impede que os interessados, na expectativa de uma alta de preços, que, aliás, se prevê para breve tempo, possam pensar em fechar contratos, pois, por essa formula, não lhes é sequer assegurado o custo normal do produto. E impõe-se ainda, Sr. Presidente, como medida necessária, justa e de largo interesse económico nacional e para que a indústria mineira de volfrâmio recomece imediatamente a sua actividade, que se suprima a taxa de exportação, de-4$ por quilograma, do artigo 44-A da respectiva pauta, criada por despacho do Ministro das Finanças de 6 de Setembro de 1951, voltando-se. à taxa imediatamente anterior, ou seja de $00(1467).
Uma parte das empresas concessionárias do País suspendeu a sua laboração e outra parte, por virtude das condições ruinosas em que trabalha, está prestes a suspender a sua actividade; e isto ocasiona, Sr. Presidente, o desemprego em massa de muitos milhares de operários que nessas empresas têm exercido a sua actividade, operários esses que se verão obrigados a emigrar para o estrangeiro, à procura de trabalho que não encontram no solo pátrio. Abre-se uma excepção para as chamadas Minas da Panasqueira, dadas as suas condições especialíssimas de riqueza, a que já fiz referência.
Isto, de resto, Sr. Presidente, não foi surpresa para ninguém; já em 11 de Março de 1953 o jornal inglês The Financial Times, que se dedica a assuntos económicos e financeiros, previu criteriosamente que os produtores de volfrâmio sujeitos a taxas de exportação seriam excluídos do mercado internacional.
E todavia, Sr. Presidente, como acentua o nosso ilustre colega nesta Câmara Si1. Deputado Araújo Correia no seu notável parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1952, torna-se absolutamente necessário não só manter os campos de actividade dos portugueses como abrir outros de novo, para evitar a assustadora onda emigratória da nossa gente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pois, Sr. Presidente, Portugal foi sempre considerado como um dos países do Mundo de maior produção de volfrâmio e a nossa vizinha Espanha nunca teve relevo no passado na produção deste minério; apesar disto, no 3.º trimestre de 1953 a Espanha exportou 1729t deste produto e Portugal apenas exportou 989t
Eis a que nos conduziu a errada política económica das excessivas taxas o sobretaxas lançadas sobro a exportação do volfrâmio!
Sr. Presidente: vou terminar estas considerações que entendi do meu dever fazer como Deputado. Expus com clareza, exactidão e franqueza, como o meu jeito, a que se possa no País quanto ao exercício da indústria extractiva do volfrâmio nus suas relações com a carga, fiscal que pesa sobre a exportação desse produto. Outro objectivo não tive que não fosse servir o País, ajudando a resolver um problema de largo alcance nacional e de profundos refluxos nu economia da Nação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Santos da Cunha: - Sr. Presidente: o nosso ilustre colega Sr. Deputado Elísio Pimenta, em duas brilhantes intervenções (sessões de 9 de Fevereiro e 9 de Março de 1954), tratou nesta Casa do problema das expropriações dos terrenos necessários para a construção das barragens do sistema hidroeléctrico do Cavado-Rabagão e, nomeadamente, do aproveitamento da Caniçada.
O assunto, pela sua evidente importância e pela maneira como foi tratado, mereceu à Câmara a melhor atenção e certos estamos de que o Governo o vai estudar e resolver em conformidade com os interesses gerais, do que o Estado é, naturalmente, guardião e garante.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Como é meu dever, tenho acompanhado com o merecido cuidado o desenrolar desta questão, e

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pensei que ainda podia ter alguma, utilidade que sobre ela fizesse daqui um breve, apontamento. Para tanto, pedi hoje a palavra a V. Ex.ª
Sr. Presidente: antes de mais, um esclarecimento.
Quando um Deputado, no uso das prerrogativas do seu cargo, aborda qualquer problema nacional ou regional, e para ele solicita a atenção ou providências governativas, fá-lo sempre com o alto objectivo de contribuir para o seu melhor estudo e resolução.
Deste modo, havemos de ter por injustificadas contrariedades ou melindres dos sectores ou entidades visados, a quem é legítimo pedir que não desvirtuem ou malsinem intenções rectas e claras, que, visando apenas o bem comum, deixam de fora das suas preocupações as pessoas - a algumas das quais se pode votar sincera consideração e amizade - que respondem, em determinada altura, pela actuação dos organismos que suo chamados a servi-lo.

Vozes: - Muito bom!

O Orador: - Sr. Presidente: enganam-se os que pensam que a bondade da acção do Estrado se pode aferir somente pelo acerto das linhas gerais da governação publica. Tal engano provém do esquecimento lamentável das realidades da vida de cada um.
Cada cidadão vive para o seu pequeno mundo, para os pequenos grandes problemas que constituem a sua vida quotidiana.
Raros são os que conseguem elevar-se à consideração dos problemas mais gerais, sacrificando a sua solução interesses imediatos próprios, reais e palpáveis. E, sendo assim, de nada vale, no terreno político, querermos viver uma vida de abstracções. Somos forçados a equacionar o resolver mesmo as questões pequeninas, que condicionam a vida e a felicidade, ou a morte e o sofrimento, de muitos portugueses.
Isto se refere, Sr. Presidente, para salientar quanto aos parece justificado que a Assembleia Nacional se detenha mais uns minutos sobre o problema - pequeno para alguns, mas grande para outros - das expropriações da Caniçada.
Sr. Presidente: dispenso-me do reeditar aqui a copiosa argumentação trazida ao debate pelos interessados, quer em exposições; quer em notas, publicadas na imprensa o no próprio Diário das Sessões. Todos temos ainda bem presente e não esquecemos o que ouvimos o Sr. Deputado Elísio Pimenta. -Mas, mau grado a largueza da -discussão, o processo não pode considerar-se findo. Cada qual se entrincheirou no seu reduto, e todos se julgam senhores da verdade.
O que terá permitido que une a outros se julguem na verdade e na razão?
A circunstância importantíssima de se haver partido de pontos de vista diferentes.
A expropriante reivindica para si uma correcta, e até generosa, aplicação da lei. Os expropriados, não se conformando com o resultado daquela aplicação, que não acautela devidamente o seus legítimos interesses, filiam os seus matas mais nos critérios de execução dos preceitos legais do que nos próprios princípios legislativos, só timidamente postos em causa.
Ora, Sr. Presidente, a questão da Caniçada e, com ela, todas as questões de expropriações que levam ao alagamento de grandes extensões de terreno e de povoações resultam directa e imediatamente do inadequado regime legal a que estão submetidas. Isto é que se torna preciso dizer, alto e bom som, para que todos o ouçam e o Governo, se quiser, o remedeie sem delongas.
O ilustre Deputado Elísio Pimenta - a quem ficamos a dever um largo e valioso contributo para o esclarecimento deste assunto - foi, a meu ver, perdoe-me
S. Ex.ª, excessivamente modesto nas suas reivindicações. É, certo que nas duas intervenções que foz aflora o problema maior do critério que presido às avaliações em casos desta natureza, mas colhe-se delas a impressão de que S. Ex.ª, e com ele os povos a quem concedeu o seu patrocínio parlamentar, se conformam com -as linhas gerais do sistema, pedindo apenas correcções, quase todas de natureza formal, que minorem gravames e prejuízos. Mas a solução tem de ser mais radical, e há-de implicar uma revisão do critério com base no qual as indemnizações são calculadas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Esbatida. a questão primacial da diferença de valor entre o que é expropriado, ou adquirido, e o que pode, com igual soma de escudos, vir a comprar-se noutra localidade, foram aqui focados, entre outras, os seguintes aspectos da questão:

a) Deslocação dos habitantes o suas dificuldades;
b) Parcelamento das propriedades e consequente quebra da unidade económica das explorações agrícolas;
c) Apropriação imediata, com destruição de elementos essenciais para a fixação do justo, valor;
d) Demoras o correlativos prejuízos na liquidação das indemnizações.

Mas merecem referência especial e detalhada, pelo menos, mais dois importantes aspectos:

a) A situação dos pobres e inválidos;
b) A diminuição das receitas da Câmara Municipal de Terras de Bouro, que vê desaparecer, sem contrapartida, parte substancial da matéria colectável.

O Sr. Elísio Pimenta: -Tem V. Ex.ª muita razão!

O Orador: - Até aqui o diagnóstico. E a terapêutica?
Sr. Presidente: o que se impõe antes de mais nada é o honesto e leal reconhecimento de que as expropriações da natureza daquelas que têm merecido a nossa atenção não podem fazer-se pela aplicação da lei geral.
Nestes casos o problema tem outras perspectivas, mais graves incidências, põe questões de outra índole, afecta interesses de ordem espiritual e moral, tudo a exigir uma disciplina especial.
A justiça não consiste em tratar igualmente o que é desigual, mas em dar solução própria ao que tem características próprias também.
Então todas as questões podem ser bem resolvidas.
As indemnizações não poderão ser calculadas, secamente, pelo valor económico da propriedade.
Haverá que incluir, no seu cálculo uma percentagem que corresponda aos prejuízos reais resultantes da deslocação.
Deverá acautelar-se a unidade económica e a rentabilidade da exploração agrícola, impondo-se à expropriante, nos casos necessários, a expropriação global, e determinar-se o pagamento prévio da indemnização, para que tudo se faça a tempo e horas e com a serenidade indispensável.

Vozes: - Muito bom!

O Orador: - Pelo que respeita aos pobres os inválidos, deveriam as empresas concessionárias tomar sobre si o encargo de pensões de auxílio e invalidez a favor

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de quem, para servir os interesses económicos daquelas, se vê privado do amparo material e moral dos seus vizinhos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quanto às receitas municipais, não se vê outro modo de resolver a questão senão fazendo recair sobre os concessionários a obrigação de pagar à Câmara a diferença apurada no montante que, em percentagem, lhe é devido nas contribuições.
Nesta orientação, seria possível resolver, com justiça e humanidade, todos os problemas que afligem as populações e os seus organismos tutelares das regiões inundadas.
Sr. Presidente: pressinto que no espírito da Assembleia se pode estar a desenhar este pensamento: é possível que o Sr. Deputado Elísio Pimenta tenha sido modesto nas suas reivindicações, mas não resta dúvida de que o orador está a incorrer no pecado inverso - exagerando no que propugna, perdido o justo equilíbrio, deixou-se dominar pela ambição.
Se alguém assim pensa, engana-se redondamente.
Vou procurar demonstrá-lo, de maneira breve, mas julgo que surpreendente.
E, para tanto, não preciso de invocar o que se fez ou faz lá fora, na Suíça, na França e na Áustria, conforme achegas já trazidas ao debate (Diária das Sessões n.º 38, de 10 de Março de 1904), o muito menos e preceptora do epistolar, com e musica» do Terceiro f/ornem, de certo conhecido democrata (República de 3 de Março de 1954), encantado com a ária do Tennessee, E. U. A., mas ignorante das realidades doutrinárias e legais da pátria portuguesa.
Basta-nos o Diário do Governo n.º 103, de 6 de Maio de 1938, no qual se publicou, pelo Ministério das Obras Públicas e Comunicações, o Decreto-Lei n.º 28 637.
Vejamos: à Companhia Eléctrica das Beiras foi concedido o aproveitamento hidroeléctrico do riu Pampilhosa.
A construção da barragem de Santa Luzia pôs naturalmente o problema das expropriações. A solução foi-lhe dada por aquele referido decreto-lei.
Vale a pena, Sr. Presidente, ler e meditar as passagens mais significativas do seu relatório:

O Decreto n.º 5 787-IIII (Lei das Aguas) dispõe, no seu artigo 53.º, que as indemnizações pela expropriação dos prédios particulares inutilizadas pela realização de um aproveitamento hidráulico serão liquidadas e pagas nos termos da lei do expropriações por utilidade pública.
Acontece, porém, que a albufeira criada pela barragem a construir um pouco a jusante da povoação de Vidual de Baixo afogará por completo esta povoação, bem como quase todos os terrenos de cultura que determinaram a fixação daquele aglomerado populacional, o qual terá de abandonar o local e talvez mesmo a região.
Trata-se, pois, de um caso especial, que não deve ser submetido por completo à regra geral das expropriações.

E mais adiante:

Há a notar que muitos proprietários que têm o seu lar constituído em Vidual de Baixo ficarão absolutamente desprovidos de recursos, tendo de ir estabelecer em outras terras as suas casas e os seus novos campos de actividade. Ora não é justo que lhes seja pago apenas o valor das propriedades que serão obrigados a ceder e o valor da casa que serão obrigados a abandonar. Cada proprietário
em tais condições tem evidentemente direito n obter nova casa com as comodidades da que deixou; e se esta for velha e mal construída, mas for suficiente para abrigar o proprietário e sua família durante a sua vicia, é evidente que deverá ser substituída por outra que, se não for encontrada já feita e usada, terá de ser construída, o que implicará um dispêndio superior ao valor da casa que foi obrigado a abandonar.

E a seguir:

Também a Câmara Municipal do concelho de Pampilhosa da Serra representou nu sentido de lhe ficarem assegurados os rendimentos que tem, provenientes das contribuições pagas pelos prédios que desaparecerão na submersão determinada pela albufeira, em virtude da importância da parte da matéria, colectável que assim desaparece e por o conselho ser pobre.

A terminar:

Ainda a Direcção-Geral da Assistência representou no sentido de não serem desprezados os inválidos e os pobres sem família ou com família provadamente sem recursos para os manter, e que, vivendo do auxílio dos habitantes do povoado, ficarão sem arrimo, uma vez desfeitos pela dispersão os laços de vizinhança que os unem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No respeito desta salutar orientação, estabeleceu-se, entre outras coisas também importantes, o seguinte:

Art. 2.º A cada propriedade rústica com o seu arvoredo, bem como a cada edifício aplicado a usos agrícolas ou industriais que deva ser expropriado, será fixado o valor a pagar pela Companhia Eléctrica das Beiras e a ele será adicionada uma percentagem suficiente para cobrir os lucros cessantes e danos emergentes relativos ao período que for considerado razoável para a transferência a actividade do proprietário e de sua família para outro local.

Art. 3.º A cada edifício ou habitação, com os seus logradouros, que deve ser expropriado será fixado o valor a pagar pela Companhia Eléctrica das Beiras e a ele será adicionada uma percentagem suficiente para cobrir as despesas da transferência do proprietário e de sua família para outro local suposto situado em qualquer freguesia rural do concelho de Pampilhosa da Serra ou dos concelhos limítrofes deste, os danos emergentes e a diferença necessária para ele adquirir ou realizar em tal local outra habitação com as comodidades sensivelmente iguais às da habitação expropriada.
......

Art. 6.º No caso de ter de ser feita a expropriado de mais de metade da área de todos os terrenos e cultura de um proprietário, poderá este exigir que lhe sejam expropriados pela Companhia Eléctrica das Beiras todos os prédios rústicos que possuir no perímetro hidráulico da concessão.

Art. 7.º O pagamento total do valor de todas as expropriações feitas a qualquer proprietário e das respectivas percentagens e diferenças previstas nos artigos 2.º e 3.º será feito doze meses antes do a Companhia Eléctrica das Beiras tomar conta dos respectivos edifícios, terrenos e arvoredos.

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O § único provê a hipótese da urgência da ocupação para trabalhos, «mas de mudo que o proprietário receba a importância da indemnização antes de sofrer os prejuízos».
O decreto manda depois (artigo 8.º) relacionar os velhos e os inválidos sem família ou com família em condições provadamente reduzidas para os manter, estabelecendo:

Art. 9.º Cada indivíduo nas condições do artigo 7.º ficará com direito a receber da Companhia Eléctrica das Beiras, até à morte ou aquisição de fortuna, um subsídio igual à do gasto por média de capitação no ano anterior com os inválidos e velhos mantidos pela assistência pública, acrescido de 50 por cento.

Quanto aos réditos camarários preceitua:

Art. 10.º A Companhia Eléctrica das Beiras ficará obrigada a pagar anualmente à Câmara Municipal do concelho de Pampilhosa da Serra, durante o período gratuito da concessão, a quantia equivalente ao valor das contribuições a que a mesma Câmara teria direito, devidas peleis edifícios, terrenos e arvoredos que vierem a ficar submersos ou inutilizados pelo aproveitamento hidroeléctrico do rio.
Sr. Presidente: este decreto-lei foi publicado, como disse, em 1938. Tenho bem presente que a sua leitura me impressionou - ao tempo jovem e licenciado em Direito, apaixonado pelos problemas sociais - vincada e muito agradavelmente.
Dezasseis anos decorridos, mantém-se íntegra a validade dos seus princípios e disposições.
O decreto-lei que ressuscitei das páginas poeirentas do Diário do Governo foi promulgado, naquele ano de 1938, pelo então Chefe do Estudo e sempre lembrado marechal Carmona e assinado, entre outros, pelo Doutor António de Oliveira Salazar, pelo malogrado Prof. Manuel Rodrigues e pelos Doutores Carneiro Pacheco, Costa Leite e Rafael Duque.
Ora o regime não mudou e por graça de Deus! - alguns homens são os mesmos.
Sr. Presidente: alguns receiam que se tenha perdido no afã dum mal compreendido progresso a justa noção do equilíbrio e, sobretudo, o respeito pelos altos ideais que inspiram u nossa Revolução, de profundo sentido social e cristão.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pela nossa parte, recusamo-nos a acreditar num retrocesso no plano espiritual do regime.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Por isso, e na impossibilidade, em razão do tempo, de apresentarmos um projecto de lei, e sem renunciarmos a esse direito, se até lá se não tomarem providências, apelamos para o Governo, e de modo especial para o seu eminente Chefe, no sentido de, com a urgência que o caso requer, se estabelecer, por diploma legal, a justa disciplina da matéria de expropriações nos aproveitamentos hidroeléctricos, sem esquecer o da Caniçada. E dizemos nos aproveitamentos hidroeléctricos, porquanto já nos chegam rumores da inquieta-lo que lavra na Beira Baixa por causa da barragem a ribeira do Alvito.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - As providências que se solicitam impõem-se por razões de justiça absoluta e de justiça relativa, a que, humanamente, todos somos mais sensíveis.
Se forem tomadas, como esperamos, poderá a Hidro-Eléctrica do Cávado fazer melhor e mais pertinente uso da sua apregoada generosidade, pois nos expropriados bastará, como cidadãos livres do um Justado livre, a justiça do seu Governo, a simples, mas dignificante, justiça legal.
Nem esmolas, nem favores.
Só a justiça que promana das ideias que informam a vida política portuguesa e impõem que um tecnicismo sem alma e sem. lei, para o qual não conta-valores morais e sociais, se subordine aos fins superiores e espirituais do homem e das suas comunidades naturais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ë essa justiça que se reclama do Estado, até para que não deixe perder, na feira dos interesses e das ambições, o autorizado - Salazar - qualificativo de «pessoa de bem».
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: permita-me algumas palavras que reflictam neste momento o meu estudo de espírito. Como sempre, sinto pesar nos ombros a responsabilidade inerente às minhas funções de Deputado pelo Porto, que tenho desempenhado com a serena certeza de em todos os momentos ter dado plena consciência aos meus sentimentos e aos anseios daqueles que me escolheram para os representar nesta Assembleia.
Aqui me encontro animado do firme propósito de bem servir, bem cooperar, não esquecendo os princípios, e pondo acima de todos os interesses - não os tenho pessoais - os interesses da Nação. E quando reivindico para o Porto aqueles direitos que lhe assistem, na satisfação das suas necessidades mais instantes, nas realizações que todos reconhecem como indispensáveis, na reforma e promulgação de leis que constituem base pura o seu engrandecimento material, intelectual e moral, nesse progresso de vida sã a que aspira a sua população, só tenho em mente tentar o maior prestígio para o Estado Novo, que, tendo realizado muito, tonto que não há palavras bastantes para o seu elogio, precisa realizar cada vez mais e melhor - a bem da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: o Porto orgulha-se da sua actividade comercial e industrial. Mas esse orgulho sente-o com grandeza nas artes, nas letras e nas ciências, pela projecção que alguns dos seus mais ilustres filhos têm alcançado em todos os ramos da sua actividade cultural e artística.
No ano que decorre propõe-se a Nação comemorar o centenário da morte de um portuense numa série de manifestações compatíveis com a sua elevada categoria mental, que tanto e tão bem soube engrandecer a pátria em que nascemos. Esse varão ilustre, Almeida Garrett, enquanto se falar e escrever a língua portuguesa será lido e relembrado sempre, porque ninguém soube trabalhar o idioma nacional com tanta beleza e com tão grande vibração como ele o fez, palpitando nas suas obras um sentimento de um portuguesismo

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tão vivo, de um nacionalismo tão marcado, que duo verdadeiro carácter a tudo quanto saiu do seu pensamento.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Foi o realizador de umas obras vastíssimas, de inspirarão genial, em todos os campos da sua cultura humanista, brilhando como astro de primeira grandeza na verdade e na humanidade dos sentimentos de sublimidade do seu alto espírito.
O Porto vai pagar a Almeida Garrett uma dívida de gratidão, erigindo-lhe uma estátua!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: paru que a projectada homenagem se revista daquele cunho verdadeiramente nacional, nomeou S. Ex.ª o Ministro da Educação Nacional uma grande comissão com o encargo de a efectivar, coordenando também aquela série de manifestações comemorativas a que se propõem outros organismos.
A essa comissão, constituída por destacadas personalidades, preside o ilustre homem de letras Sr. D. Júlio Dantas, cujo merecimento e cujo valor, tantas vezes demonstrado, saberá imprimir a essa homenagem àquele sentido de alta espiritualidade que lhe é devido.
Desse agregado fazem também parte o (Prof. António de Almeida Garrett, director da Faculdade de Medicina do Porto, nosso colega nesta Assembleia e sobrinho-bisneto do notável escritor, e ainda o jornalista distinto Mário Amaral, como representante da Associação dos Jornalistas da nossa cidade.
Estamos absolutamente convencidos de que essa homenagem centenária resultará brilhantíssima, bem o merecendo Almeida Garrett, que fervorosa e exuberantemente, dentro dum humanismo e dum nacionalismo sentido, cultivou as letras portuguesas..

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ele soube, pela palavra escrita e falada - na prosa e no verso, no romance ou no drama, na tribuna parlamentar e na tribuna da imprensa -, evidenciar e demonstrar o vigor e n complexidade da sua personalidade, possuidor dum espírito de requintada elegância.
A sua completa biografia está feita, e aqui, na Assembleia Nacional, na hora própria, será evocada e. apresentada em todas as suas múltiplas facetas de escritor notabilíssimo e consagrado pelos seus pares.
É Garrett folclorista, no seu Romanceiro, poetizando deliciosamente as tradições do povo, o Garrett poeta, ao seu Camões, onde revela toda a sua admiração, toda a sua ternura pelo culto do grande épico, cantor das nossas glórias; e na sua Dona Branca, onde atinge um sentimentalismo de infinita doçura.
O Garrett romancista do Arco de Santana, na sua verdade histórica, ou nas Viagens da Minha Terra, obra única da nossa terra, cheia de encantoa, viva, enternecedora e simples, livro em prosa, sendo poesia, dulcíssima da sua principal figura - Joaninha dos Olhos Verdes.
O Garrett dramaturgo, no seu Frei Luís de Sousa, obra-prima do nosso teatro, que todos os portugueses conhecem e louvam; no Alfageme de Santarém, onde vive a figura heróica, querida e admirada de todos os que vibram ao escutá-la na sua incomparável simplicidade e beleza, e que no Auto de Gil Vicente, evoca as suas notáveis figuras da época - aquele e Bernardim Ribeitro -, Garrett que criou o romantismo como e mensageiro do espírito europeu», no dizer de Ramalho Ortigão, afastando a nossa literatura dum classicismo bolorento e caduco. Garrett, jornalista e diplomata, bem merece ser lido e estudado, como incentivo a todos quantos queiram honrar e engrandecer Portugal no culto das letras.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: esta sala e as suas paredes parecem reter ainda o eco da sua voz, expondo a criticando as doutrinas e os conceitos políticos e sociais da época em que viveu.
E, posto que as doutrinas políticas expandidas ou difundidas por Garrett estejam ultrapassadas ao tempo, é justo evocar, no lugar onde foram defendidas, alguns dos seus mais brilhantes discursos, intervenções parlamentares, e muitas foram, que na beleza da palavra, no rigor da forma, na justeza do conceito, o definem como um dos maiores parlamentares do século passado.
A discussão em resposta ao Discurso da' Coroa, proferido na sessão da Câmara dos Deputados em 8 de Fevereiro de 1840, é uma magnífica peça de oratória parlamentar, digna do seu nome. Algumas das suas afirmações poder-se-iam até aplicar ao momento que atravessamos, e não posso fugir de relembrar os seus conceitos acerca da ordem. E dizia Garrett:

Cooperar é a nossa palavra sagrada; nós a defendemos e sustentamos; e o verbo da doutrina e da ordem que encarnou entre nós e que habitou connosco.
Grande é, com efeito, o poder dessas palavras, que, em si, resumem todo um sistema num universo de ideias e pensamentos: o dogma de toda uma crença. Tal é a ordem. Mágico chamaram a esse poder; santo lhe chamo eu, divino, omnipotente.

São palavras de um discurso proferido há cento e qual quatorze anos e poderiam ajustar-se à época em que vivemos.
E o erudito Dr. Teófilo Braga, referindo-se a discurso tão notável, fazia-lhe esta apreciação:

Considero-o o mais vigoroso e elegante discurso que até hoje tem sido pronunciado na tribuna portuguesa. Tem períodos que não envergonhariam Demóstenes ou Cícero e conceitos que os primeiros oradores da França ou da Inglaterra não desdenhariam de terem por seus.

Eram assim os seus discursos, rivalizando, na sua eloquência, com o famoso, tribuno José Estêvão de Magalhães.
Mas, Sr. Presidente, Garrett foi, como já disse, um grande reformador e um grande criador do teatro português, do teatro nacional, ao qual, agarrado a velharias dum passado distante, vivendo num estado de confrangedora decadência, insuflou novas energias, emprestando-lhe aquele vigor compatível com a sua missão cultural e educativa.
Foi o fundador do Conservatório, donde saíram gerações de actores, os mais ilustres, que souberam honrar a cena portuguesa. E nos seus dramas viveram altas figuras do passado, enobrecidas e honradas pela sua pena de ouro, no dizer de Passos Manuel, e donde brotaram as mais belas e encantadores páginas da dramatologia nacional.
Bem merece Garrett ser glorificado no seu principado da cultura portuguesa, a que ascendeu por direito conquistado, sempre iluminado pelos mais refulgentes clarões do seu génio romântico, criador da beleza que o imortalizou.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - E, prestando rasgada justiça, ao seu labor intelectual, a Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, aproveitando uma deliberação tomada em 1948 pela Câmara Municipal da presidência do Prof. Dinis de Pina e convencida de que uma estátua, embora sendo um padrão imorredouro, não é monumento suficiente para culminar a homenagem centenária que vai prestar-se a Garrett, prometeu envidar todos os esforços para tornar realidade uma sugestão que marcaria indelevelmente a era gurretiana: a construção de uni teatro municipal como preito de gratidão a quem tanto e tão bem soube elevar o nível do teatro português. Esse facto constituiria o mais importante número das comemorações centenárias daquela grande figura portuense. Bem merece dos Poderes Públicos ser ouvida essa petição, que a Gazeta Literária -, órgão da Associação dos Jornalistas, apresenta num dos seus últimos números.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Seria para nós motivo de duplo regozijo a efectivação de semelhante iniciativa. Homenagear-se-ia Almeida Garrett, dando inteira satisfação a um pedido formulado por uma entidade de tão elevado mérito, que tantos e tão notáveis serviços tem prestado à cultura portuguesa e à vida da Nação na missão que lhe é destinada. E não existe no Porto nenhuma instituição que tanto o haja dignificado na desinteressada actividade para seu engrandecimento.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E de inteira justiça lembrar também n benemérita agremiação - o Ateneu Comercial - que, na elevada compreensão da missão comemorativa do centenário do nascimento de Garrett, em 1899, teve a feliz Lembrança de querer perpetuar no bronze de uma estátua o glorioso e inconfundível escritor que o Porto teve como sen filho, perpetuidade para a qual trabalhou com notável carinho e interesse desde essa data.
E, apesar de todas as tentativas não terem conseguido o seu desiderato, justo é recordar o seu valioso esforço, projectando agora comem orações que serão incluídas nas comemorações nacionais inteiramente perfilhadas pela comissão nomeada pulo Sr. Ministro da Educação Nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E à Câmara Municipal da cidade caberá a honra de ser a entidade que mandou esculpir no bronze e no granito a estátua de Almeida Garrett, que, em frente à Domus Municipais, perpetuará o seu nome.
Não quero esquecer o velho clube Os Fenianos, que, na sua divisa «Pelo Porto», colaborará também na homenagem a Garrett.
Mas, Sr. Presidente, eu quero aqui lembrar que das comemorações centenárias realizadas mo Porto, homenageando outros vultos do passado, alguma coisa ficou mais que uma estátua.
Júlio Dinis, o imortal romancista da Família Inglesa, da Morgadinha dos Canaviais, das Pupilas Ao Senhor Reitor, que fizeram o encanto dos serões onde os nossos avós, se deliciaram na sua leitura simples e aliciante, deixou-nos ao seu centenário, além do busto, que se ergue no Largo da Escola Médica, uma grande obra iniciada com as migalhas sobrantes do custo desse busto: a Maternidade que tem o seu nome e a que o Prof. Alfredo Magalhães deu grande parte da BUO. vida, inteiramente dedicada h tareio de bem servir, enchendo a cidade com as realizações que o seu alto espírito concebeu e a sua vontade e a sua energia deram forma.
O centenário do poeta de Os Simples, da Oração à Luz e de tantas obras de incomparável beleza - Guerra Junqueiro - legou-nos, além do seu busto, a Casa-Museu Guerra Junqueiro, cheia de preciosidades adquiridas e coleccionadas durante largos anos, em peregrinação por Portugal e Espanha, e justo agradecimento merece por tal facto a Câmara Municipal do Porto.
Por que razão no centenário de Garrett não há-de o Porto gozar a supremo, alegria de ver colocar na Praça de Lisboa a primeira pedra do seu teatro municipal, como foi idealizado pela Câmara Municipal em 1948?
Admirável e oportuno empreendimento seria a execução dessa lembrança, que daria no Porto uma casa de espectáculos onde as actividades culturais e artísticas poderiam exercer a sua missão livre de encargos, solucionando-se definitivamente, assim, problemas que tanta dificuldade apresentam.
Seria, Sr. Presidente, essa a maior homenagem prestada pelo Porto e pela Nação a um dos maiores dos seus filhos. Daqui, desta tribuna, apoiamos semelhante iniciativa, chamando a atenção do Governo paira os nossos palavras, que só têm um significado: trabalhar a bem da Nação.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua o debate na generalidade sobre a proposta de lei relativa A indústria hoteleira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Teixeira.

O Sr. Marques Teixeira: - Sr. Presidente: ao subir a esta tribuna anima-me o propósito de que a intervenção que vou fazer seja breve no tempo e talvez restrita no seu conteúdo, sem quebra, todavia, da integridade e magnitude dos sérios motivos que a inspiram.
Sr. Presidente: no prosseguimento do caminho percorrido pela situação nos domínios do aproveitamento e valorização do turismo nacional a proposta de lei em discussão marca mais uma étape digna de todo o registo. Outra não pode ser a conclusão após a leitura do seu texto. Diga-se desde já que é de relevante - mérito e parecer a tal propósito emitido pela Câmara Corporativa, subscrito também pelo Digno Procurador Dr. Supico Pinto, como seu relator muito ilustro.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Reputo de todo o ponto impossível, Sr. Presidente, resolver duma só assentada o nosso caso lunático, tão complexo é e de tal modo depende e com se interfere uma imensa massa de problemas, que se reveste da mais diversa índole e toca questões respeitantes a múltiplos sectores da vida nacional.
Entretanto, no que não pode deixar de haver concordância geral é no que se refere à necessidade premente de bem se definir, em seus precisos termos, uma política do turismo. Mas, tanto como essa política, não é de menor importância que se forme e apareça também unia consciência turística. Comprova-se que os Poderes Públicos não estão desatentos e mantêm, agora coma

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sempre, a mais fina receptividade a tudo quanto se relaciona com o engrandecimento e o bom nome da Nação.
Permitam-me VV. Ex.ªs que lance mão da vulgarizada frase «homem da rua» para que, com base no seu específico sentido, exprima, pois, sentimentos de reconhecimento e de justiça a quem, renovadamente, todo o reconhecimento merece e faz jus à mais serena justiça.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: ainda quem não ignore que o Governo já enviou o projecto chamado Estatuto . de Turismo à Câmara Corporativa e que esta elaborara sobre ele o brilhante, o minucioso, o exaustivo parecer constante a p. 9-(171) do z volume dos Pareceres da Câmara Corporativa do ano de 1952 há-de seguramente e jubilosamente reconfortar-se com a ideia e a certeza de que o Governo de Salazar tem na ordem do dia das suas maiores preocupações a resolução total do nosso problema turístico, problema em relação ao qual o distinto Sr. Deputado Dr. Paulo Cancella de Abreu realizou nesta Assembleia um aviso prévio notabilíssimo, sem favor, em 8 de Março de 1950.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não lá dúvida de que o Governo satisfará esse desejo do País, que se sente não ser menos o seu próprio e grande desejo. Mas, segundo a locução popular, digo também que Roma e Pavia não se fizeram num dia e tenho para mim que o melhor processo do arrumar com eficiência as questões, as grandes questões, sobretudo, é ainda dar aceitação às razões de ordem prática, confirmatórias do valor do indicativo que se contém no consabido paulatim, sed formàter.
E depois que se aprove e convenientemente se regulamente a proposta de lei n.º 10 decerto se abrirão novas perspectivas da mais salutar e profunda repercussão no fomento e condicionalismo da vida turística nacional.
É usual dizer-se, Sr. Presidente, que Portugal possui, como poucos países do mundo, singulares requisitos para que, quando bem aproveitados e objecto de racional exploração, a indústria turística entre nós floresça, próprio e, em consequência, se desentranhe nos mais copiosos frutos.
Tal afirmativa é, com efeito, espelho e fiel retratação duma realidade magnífica, que, se já nos dá riqueza económica e socialmente apreciável e contribui, do mesmo passo, para a expansão do justo prestígio da nossa política, contém sobretudo um admirável filão de possibilidades em potencial, que deve ser explorado a preceito e posto a render por forma mais conveniente em benefício da colectividade.
A proposta de lei em discussão foca o caso concreto da indústria hoteleira, relativamente à qual institui um sistema proteccionista, através da criação de um regime quer de benefícios fiscais, quer de auxílios financeiros, e assinala propósitos impulsionadores, orientadores e fiscalizadores de actividades ligadas àquela indústria e, por isso mesmo, muito importantes no vasto campo da exploração do turismo.
Não lhe regateamos os mais francos aplausos.
Sr. Presidente: não virá fora de propósito reproduzir alguns dados estatísticos sobre o número de hotéis e estabelecimentos similares existentes em Portugal no ano de 1948:

Hotéis -179, assim classificados: 6 de luxo; 31 de 1.ª classe; 50 de 2.ª, e 92 de 3.ª, dispondo os das três primeiras categorias de 5 613 quartos e os da última de 3 321.
Pousadas - 9, com 60 quartos.
Estalagens - 23, com 202 quartos.
Pensões - 1 255 (até ao ano de 1952, exclusive).
Casas de hóspedes - 1 257 (idem).
Estabelecimentos similares - 1 257 (idem).

Tomando em linha de conta apenas os hotéis, pousadas, estalagens e pensões, verifica-se que era de 17 540 o número de camas disponíveis, quando, por exemplo, em relação à Holanda e à Grécia esse número subia para 80 475 e 29 310, respectivamente. Calcula-se que a indústria hoteleira ocupe mais de 25 000 pessoas, o que no capítulo da mão-de-obra utilizada tem o maior interesse e significado.
E quantos estrangeiros visitaram Portugal?
E por quantos foram demandadas outras nações da Europa?
Com referência ao mesmo ano de 1948 pode traçar-se este quadro comparativo:

Portugal ............... 54 166
Dinamarca .............. 70 000
Holanda ............... 204 000
Espanha ............... 175 000

Em relação ao País, e quanto aos anos de 1952 e 1953, sabe-se que o número de visitantes foi de 110 011 e 152 690, respectivamente.
Anotemos agora que o apuramento de receitas no já referido ano de 1948, tendo por fonte o turismo, nos dá a cifra de 217 000 contos, com um acréscimo - deve acentuar-se - de 23 000 contos no ano de 1950, importância esta que, entretanto, mais se foi avolumando em termos de, nos anos de 1951 e 1952, se traduzir, como resultado global, por 386000 e 440000 contos, respectivamente. Estes números têm a eloquência da sua própria expressão e prescindem de comentários.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: atuindo, porém, do plano nacional, e revertendo ao caso local de Viseu, mas inquestionavelmente, pelo menos, de efeitos de carácter regional, ofereço à consideração de VV. Ex.ªs os elementos seguintes:

Hotéis: só 1, e de 3.ª classe; número de camas, 47. - Pensões: 12, apenas com 1 de 1.ª, 1 de 2.ª, 9 de 3.ª classe ela classificar; número de camas, 249.

Mormente a partir do fim inglório do outrora tão conhecido e afamado Hotel dos Casimiros, o problema hoteleiro reveste-se presentemente de uma particular acuidade, que a ninguém passa despercebida, que todos sentem e deploram e constitui uma das mais vivas ansiedades, quer do elemento oficial, quer das forças vivas da cidade.
Os próprios jornais locais - que me lembre, a Política Nova - e os grandes órgãos da imprensa, uns e outros auscultadores da opinião pública e seus fiéis intérpretes, repetidas vezes se têm ocupado do problema com ardor e o mais perfeito senso das realidades.
Na verdade, ele justifica, pela natureza e extensão dos seus reflexos na vida do aglomerado citadino, a carinhosa atenção das entidades responsáveis e merece que à sua volta se polarizem a compreensão e o interesse das pessoas de boa vontade. E, pois, imperativo de uma unânime opinião esclarecida que se lhe procure prontamente, por esta ou aquela via, a solução adequada.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Q diploma em debate constituirá, quanto a mim, Sr. Presidente, um contributo precioso para que ela se viabilize dentro em breve, como ardentemente desejamos.
De resto, abundam em Viseu todos os títulos de uma cidade turística por excelência: dotada de uma situação de privilégio, exactamente localizada no coração da Beira, coração de Portugal; rica de condições naturais, em si mesma e no conjunto dos seus arredores, que têm o sortilégio de encantos inenarráveis; cidade onde o perfume do passado esvoaça por muitos dos seus típicos recantos e se topa a cada instante com lições de história que nos recordam datas grandes e belas do passado mais glorioso da Nação; verdadeiro escrínio de arte, onde as manifestações da beleza atingem o maior requinte, tendo a sua expressão mais alta no recheio do tão conhecido e justamente celebrado (Museu Grão Vasco, de projecção internacional, que contém uma notabilíssima teoria de obras artísticas, reputada, em valor, a terceira do património nacional; a Sé, tendo à ilharga o antigo Paço dos Bispos e o Seminário, notável pela vetustez, pela monumentalidade, com sobreposição de estilos, impregnada dum cunho de grande beleza, é bem o verdadeiro ex-líbris da cidade, destacando-se aos olhos do viajante no topo da colina em que foi implantada, como que a derramar, lá do alto, as bênçãos e graças de Deus sobre o burgo que se estende em derredor ...
E que dizer dos seus templos religiosos, alguns tão cheios de arte e carregados de história? Citemos também o Museu de Arte Sacra, a que o tesouro da Sé deu origem, de fundação recente, mas que encerra notáveis preciosidades muito apreciadas; mencionemos a Casa Museu-Biblioteca Almeida Moreira, que prima da mesma forma pelo bom gosto do seu arranjo e contém mimos de arte, cuja contemplação constitui o mais puro deleite do espirito; não esqueçamos a Cava de Viriato, que remonta ao tempo dos romanos, com as suas sombras acolhedoras.
E os monumentos que se espalham pela cidade?
Se os vários estádios da arquitectura têm em Viseu a sua mais expressiva representação, não escasseiam, todavia, exemplares perfeitos de construções quinhentistas, seiscentistas e do século XVIII, numa profusão de solares formosíssimos, a que os olhos, se prendem, enamorados das linhas da sua majestade e nobreza; porque o urbanismo não tem sido letra morta, mercê da acção do Estado e da autarquia local, rasgaram-se mais ruas, construíram-se bairros novos, desenharam-se praças com certo desafogo, por muitos lados há a frescura de jardins bem cuidados, e o retiro paradisíaco do Fontelo é respiradouro apetecido nos dias escaldantes do Verão.
A iniciativa particular, por seu turno, não tem afrouxado, de forma que edifícios novos ou renovados aformoseiam muitos arruamentos; da classe comercial se pode dizer, com justiça, que, pelo seu brio e sentido de progresso, tem colocado a cidade, na sua feição mercantil, ao nível das mais importantes do País; a casticidade de muitos costumes, notas folclóricas, o mais saboroso pitoresco, traços da lenda e poesia às mancheias, tudo isto ajuda a estruturar, caracteriza e torna aliciante a suo fisionomia; impressiona bem o ar de asseio, de arranjo, de compostura do ambiente citadino, e é motivo de elogio e de agrado geral a extinção completa do espectáculo chocante da mendicidade nas ruas.
Se múltiplas estradas, algumas de bons pavimentos, mas todas com perfeita sinalização e demarcação, correndo ao longo de regiões pletóricas de beleza, dão acesso fácil a Viseu, já tem de pedir-se - e confiadamente se pede - que as ligações pelo caminho de ferro venham a beneficiar, em curto prazo, de uma bem necessária e justificada melhoria.
Quero ainda, e em homenagem à verdade, proclamar e destacar as qualidades de fino trato, de cavalheirismo, de hospitalidade da boa gente viseense.
E por fim há fundamento seguro para fazer a asserção de que os forasteiros que demandam a capital da província da Beira Alta, utilizando os mais diversos meios de transporte, atingem já um número muito elevado.
Tudo quanto deixei dito, Sr. Presidente, conduz em linha recta a esta conclusão: Viseu detém, na verdade, xarás aptidões para ser um centro turístico de real valor.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Estamos esperançados em que as poucas lacunas que ainda se verificam, como obstáculo ao rendimento máximo do turismo local, não tardem a ser preenchidas, e espera-se que. da aprovação desta proposta de lei venham a aproveitar-se as altas vantagens que ela comporta.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quero e devo terminar, sem demora, Sr. Presidente, as minhas considerações - porquanto não esqueço que é precioso o pouco tempo de que a Câmara dispõe neste final da sua primeira sessão legislativa - exprimindo sentimentos de justiça e formulando um pedido: a justiça que é devida, ao Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo, na pessoa do seu muito ilustre director, pela solicitude dos cuidados e fervor de interesse postos na busca gradual de soluções possíveis para os mil e um problemas do turismo nacional; pelo estudo constante que lhes consagra; pelo activo de notáveis conquistas que não pode deixar de se lhe reconhecer; pelos elevados propósitos de mais e de melhor em que está verdadeiramente empenhado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pedido justificado, que se traduz na veemência do desejo de que, ao serem considerados os locais em que hão-de edificar-se as pousadas constantes do novo plano, mão seja olvidada Viseu, em cujas cercanias há, para tal efeito, sítios de eleição, pelas suas condições topográficas, pelas fáceis vias de comunicação que os servem e pelos regalos da paisagem, vasta e colorida, que lhes dão a mais encantadora moldura.
Queremos acreditar, Sr. Presidente, que o nosso apelo será ouvido, e Viseu, nunca insensível à justiça que lhe façam, como sempre, saberá agradecer.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Galiano Tavares: - Sr. Presidente: em 10 de Março de 1950, ao dar-se por concluído o aviso prévio do Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu sobre a crise do turismo em Portugal, a Assembleia Nacional aprovou a seguinte moção:
A Assembleia Nacional, consciente da importância do turismo sob os múltiplos aspectos moral, político, económico e financeiro, e reconhecendo que, sem embargo de algumas causas externas, a sua grave crise presente provém também de causas

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internas, susceptíveis umas de eliminação e outros de correcção, resolve:

1) Aplaudir as recentes providências do Governo no sentido de facilitar o trânsito e a permanência de estrangeiros em Portugal;
2) Emitir o voto de que o Governo prossiga na concessão das facilidades compatíveis com as razões de Estado e suprima, reduza e simplifique formalidades e encargos a que estão sujeitos os estrangeiros que transitam ou permanecem em
3) Emitir o voto de que, além da projectada reorganização dos serviços do turismo, se coordene a acção de todos os organismos e actividades relacionados com esta indústria, subordinando-os a uma orientação geral, e se tomem as providências conducentes ao seu desenvolvimento;
4) Emitir o voto de que, através de acordos e por quaisquer outros meios ao seu alcance, o Governo diligencie debelar uma crise que as condições naturais e políticas do País e o seu notável ressurgimento de nenhum modo justificam.

A proposta de lei n.º 10, dimanada da Presidência do Conselho, tem como principal objectivo resolvei- o problema hoteleiro. Com efeito, sem bons hotéis não é possível haver turismo. Mas esta proposta aparece simultaneamente com a proposta do plano rodoviário, que eu considero harmónica e intimamente solucionados entre si. Se, por um lado, se procura proteger a indústria hoteleira, pelo outro esboça-se um plano de construção de novas estradas (1 800 km), alargamento e pavimentação de outras (4 000 km) ou só e apenas pavimentação de algumas secundárias (5 000 km), supressão de passagens de nível. (100) e substituição de pontes antigas (100).
O plano de financiamento da Junta Autónoma de Estradas para o período de 1956 a 1970 atingirá 6 milhões de contos.
Sente-se e vê-se o propósito útil de ligar o problema das comunicações fáceis e cómodas com a instalação de novos hotéis, pensões e hospedarias ou, ainda, com pousadas e estalagens, sem deixar de considerar outros modalidades com carácter típico ou regional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há aqui, nitidamente, um critério de coordenação e de apoio a um conceito de natureza regional que se respeita e tenta valorizar. Na verdade, é de fazer esta pergunta: haverá nacionalismo sem regionalismo? Do Boletim da Casa das Beiras editado em Maio de 1937 extraio este conceito:

Na base dum são nacionalismo é o regionalismo alicerce e trave mestra em que deve assentar toda a armadura do espírito nacionalista. Criar-se em cada região bem caracterizada a sua mística própria, ligar cada região provincial pelas características da raça, da história ou da tradição comum - os fenómenos primeiros e mais antigos da sua coesão moral - sem atenção à geologia e capacidade das terias, que não são acidente diferencial no primeiro estabelecimento dos povos ou tribos numa região de um país; fortificar e valorizar essas diferenciações por acto expresso e orientador do próprio Estado, no plano apenas dos fenómenos morais e históricos na Nação, é abrir os horizontes claros duma indestrutível formação de civismo, que não vem das suspeitas fontes da política, mias da aspiração local de cada região ou província integrada no bem comum e num acto ideal de progresso da Nação.
A primeira educação cívica de um povo não deve começar nem exercer-se no quadro das organizações políticas do Estado, de que a organização administrativa faz parte. O que importa na base de toda a organização nacionalista é a educação moral e histórica do povo, o seu amor à terra e à tradição.

Dizia Silva Teles, referindo-se por exemplo ao Alentejo, que os homens dali se distinguem pela fala arrastada e monótona - a charneca ondulada a projectar-se na voz humana -, classificando a raça semito-árabe como independente e altiva. A melancolia da estepe lhe teria imprimido este carácter, que se revela até, como escreveu António Arroio, na expressão dos seus grupos corais de uma harmonia horizontal, expoente melódico da própria paisagem.
Mas ainda mesmo nesta vasta província existem distinções porque, se o Sul domina a profundidade do silêncio, e daí os coros lentos e graves, no Norte aparece já a canção com laivos de certa alacridade e satirismo.
O homem do pelico, da samarra e dos safões não é o mesmo de zona para zona, ainda porque a própria índole de cultura tem sobre os povos influências diferentes.
O homem da planície não se assemelha ao homem da terra alta.
Na nossa unidade há, por isso, notáveis peculiaridades que o estrangeiro culto aprecia e se não cansa de fixar, quer pela contemplação, quer até pela recolha espontânea através da fotografia.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E estes foram, em síntese, as razões que me levaram então a considerar infeliz a integração das comissões de turismo nas câmaras municipais. As comissões de turismo são, com efeito, por esse país fora organismos absolutamente inertes, reduzidos a triste missão de dar pareceres ou ajudar com os seus rendimentos as respectivas câmaras.
A autonomia das comissões de iniciativa - autonomia vigiada é evidente - só poderia ser útil. No cômputo de muitas coisas belas e novas há um saldo apreciável a favor dessas comissões cadaverizadas ou tolhidas de procedimentos no domínio de verdadeiras e úteis iniciativas que perderam o auxílio da comparticipação.
Compete-lhes zelar, é certo, pelo folclore, pela etnografia e artesanato, por certos valores espirituais, preservando-os do espírito modernista, nivelador e descaracterizante, por ser essencialmente comercial. Não é o culto do exótico ou do pitoresco. E antes o estudo sério e meticuloso de utensílios e construções, tipos e ornatos, costumes e práticos, que estão ligados, como então disse, à vista psíquica das populações e que revelam o génio do povo, o seu delicioso e ingénuo poder criador.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E não abundam, antes escasseiam, os museus onde figurem os inúmeros utensílios, produtos da imaginação do povo, profundamente reveladores da sua alma, do seu espírito, com integração no próprio folclore, a que não posso deixar de, mais uma vez, associar, evocando-o, o nome, entre outros, de António Tomás Pires.

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Sr. Presidente: considero a proposta de lei em apreciação do mais relevante alcance, porque representa na verdade, e indiscutivelmente, um apoio ao fomento turístico.
Com raríssimas excepções, os hotéis em Portugal têm vida difícil, e se, efectivamente, em determinadas circunstâncias, são insuficientes até quanto ao número, e particularmente em Lisboa, sempre que há um afluxo de estrangeiros, a verdade é que, normalmente, os hotéis não registam uma permanência de turistas que lhes proporcione vida desafogada, isto é, lucro compensador.
Grande número de cidades e atraentes regiões do País não podem propiciar nem instalações nem serviço e apresentação convenientes. E os portugueses que os frequentam e não regateiam os preços no estrangeiro são os primeiros, sem nome de um ardente snobismo, a fazer a propaganda ostensiva das suas deficiências perante os de fora!
São, quiçá sem o saberem, os ignorados «Byrons» dos poor paltry slaves - do cosmopolitismo hodierno de estrutura essencialmente económica -, para quem o verdadeiro turismo consiste afinal no «qualquer coisa plage» ou na delida e ridícula «Palm Beach» !
Razão tinha Mr. Arthur Haulot, presidente da Comissão Europeia de Turismo, quando proclamava:
Os doutores do moderno turismo deixam-se, por seu lado, fascinar pelo que, na sua própria linguagem, chamam a ânfra-estrutura económica das viagens. Os seus sonhos estão cheios de estatísticas de estrangeiros, de números consideráveis relativo ao rendimento dos hotéis, à capacidade de acomodação e à rentabilidade das vias de comunicação. Vêem no turismo uma operação de contabilidade pública, um e fenómeno económico», uma constante das permutas internacionais. Por muito que desgoste aquelas doutas personalidades, não conhecemos ninguém que se lance a viajar na esperança de contribuir para o equilíbrio económico do país visitado, para o bem-estar da populações em condições precárias ou para o progresso financeiro do hoteleiro beneficiado.
O turista, pelo contrário, assemelha-se flagrantemente ao homem médio e sedentário, mergulhado num sólido egoísmo e que obedece aos impulsos doa seus interesses, para determinar os seus actos e os seus gostos. Decerto o equipamento técnico dos meios de transporte e de hospedagem, a política de bom acolhimento, o arranjo e alinhamento dos lugares turísticos e sua conservação, a organização de acontecimentos sensacionais», tudo isso e mil outras coisas fazem parte do turismo. Só por este preço um país pode intervir na concorrência internacional e extrair o justo lucro no movimento mundial. Mas reduzir o turismo apenas a termos económicos ê substituir o principio religioso pela liturgia, a poesia pela métrica, a arte de escrever pelo abecedário.
O turismo, a menos que se torne a arte de movimentar rebanhos, deve continuar a ser o fruto da fantasia, do gosto pessoal da descoberta, o produto de uma aspiração individual, livre e isenta dos excessos do calculismo. A ciência económica nunca determinará a vontade dos homens, a atracção do Sol, a beleza de um pórtico ou de uma coluna, a alacridade de um lugar balsâmico, o sabor de uma linguagem nova, de um costume diferente, de um canto belo.
Tal é, na sua expressão moral e superior, o turismo do homem culto. A par deste há, porém, o outro n que alude M. Haulot: o turismo dos rubíer neckers, que
deixam na sua esteira, além de algum lucro, o travo da insipidez. O espírito da proposta corresponde ao imperativo do brio nacional perante a deplorável situação de grande número de hotéis portugueses.
Os dados essenciais do problema do turismo nacional gravitam em torno de três princípios fundamentais:

1) As comunicações no tríplice aspecto - ar, carril e estrada;
2) Hotéis, pousadas e restaurantes;
3) Facilidades alfandegárias e de vistos.

Quanto ao n.º 1), é indubitável o progresso obtido mós transportes de caminho de feno. Os horários cumprem-se como não era frequente; a urbanidade e cortesia dos funcionários em contacto com o passageiro é notória e está sendo reconhecida e apreciada; a C. P. dispõe, além disso, de equipamento moderno e até de luxo em certas - as principais - linhas.
Relativamente ao transporte por via aérea, há que insistir pela inclusão da linha para a América do Norte com escala nos Açores no quadro das linhas aéreas portuguesas a instalar em primeira urgência, paralelamente com a do Brasil. Tem forte significado político e, do ponto de vista económico, são de considerar os factores que militam em seu favor.
Até do ponto de vista puramente técnico parece existir conveniência na abertura de um serviço regular para a América do Norte.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Esta. linha, no parecer dos técnicos, deveria ser colocada em pé de igualdade com as discriminadas no caderno de encargos do Decreto-Lei n.º 38 444, de 29 de Setembro de 1951.
Dificilmente se compreende como poderá uma empresa de transporte aéreo satisfazer cabalmente os interesses portugueses desde que o seu capital seja inferior a 200 000 contos.
Igualmente convinha corrigir a verba destinada a Moçambique, no sentido de se construir na Beira um aeroporto de igual categoria do de Lourenço Marques, bem como o Aeroporto do Algarve, de indiscutível importância internacional como alternante do de Lisboa, e iniciar uma carreira de ida e volta por semana para o Rio de Janeiro e Nova Iorque, bem como outra, igualmente semanal, de ida e volta para Lourenço Marques.

Já aqui o disse e agora o repito:

Dos 78084 hóspedes registados nos hotéis e pensões em 1949, 7324 residiam no Brasil e 13540 nos Estados Unidos da América.
Descontando os 3534 que se hospedaram no Aeroporto de Santa Maria, ainda fica um excedente apreciável em favor dos Estados Unidos da América.

No capítulo e Correio o movimento foi o seguinte:

Brasil:

Cartas:

Expedidas ......... 189000
Recebidas ......... 137000

Postais:

Expedidos ......... 31 600
Recebidos ......... 5000

Jornais:

Expedidos.. ........ 351200
Recebidos ......... 260200.

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Impressos:

Expedidos ..................... 64 400
Recebidos ..................... 113 500

Estados Unidos da América:

Cartas:

Expedidos ..................... 189 000
Recebidos ..................... 308 000

Postais:

Expedidos ..................... 76 800
Recebidos ..................... 15 900

Jornais:

Expedidos ..................... 115 500
Recebidos ..................... 952 800

Impressos:

Expedidos ..................... 58 900
Recebidos ................... 1 738 200

Se analisarmos alguns números referentes ao nosso comércio externo em 1950 verifica-se:

Contos
Total de importações .......... 7 878 850
Total de exportações .......... 5 333 703

Discriminado:

Com a Alemanha:

Importações .............. 297 644
Exportações .............. 194 743

Com o Brasil:

Importações .............. 143 191
Exportações .............. 171 760

Com os Estados Unidos da América:

Importações .............. 1 235 005
Exportações .............. 690 150

Com a França:

Importações .............. 397 419
Exportações .............. 256 024

Com a Inglaterra:

Importações .............. 1 352 871
Exportações .............. 925 250

Com a Espanha:

Importações .............. 67 889
Exportações .............. 87 672

Relativamente á estrada, Portugal tem presentemente empresas de camionagem que nos honram, e, por isso mesmo, com justas razões para serem bem tratadas.
No domínio das actividades transportadoras há alguma coisa a fiscalizar para corrigir. Aos transportes colectivos de passageiros não nos parece que seja aconselhável impor limitações, quer quanto a certas estradas, quer ainda quanto à coordenação de horários entre carreiras, embora de concessionários diferentes.
Em relação ao n.º 2 - hotéis, pousadas e restaurantes -, a proposta sujeita à apreciação da Assembleia Nacional oferece auxílio e apoio, que não podemos deixar de encarecer pelo que efectivamente representam.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao n.º 3 - facilidades alfandegárias e de vistos -, impõe-se, pois tenho como possíveis tais facilidades, sobretudo no transporte por carril, desde que o serviço se inicie no percurso interfronteiras.
Não desejo terminar, Sr. Presidente, sem me referir ao prazo estabelecido de cinco anos para a concessão das facilidades mencionadas no texto da proposta. O auxílio e apoio deverão ser concedidos sempre que a instituição seja considerada de valor turístico.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se á Segunda parte da ordem do dia: continuação do debate sobre as Contas Gerais do estado e da Junta do Crédito Público referentes ao ano de 1952.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vaz Monteiro.

O Sr. Vaz Monteiro: - Sr. Presidente: mais um ano de Contas Gerais do estado que se apresentam equilibradas, com pontualidade e clareza.
É esta a base em que fundamentalmente assenta a administração do estado Novo e que mais a caracteriza e distingue da administração pública do passado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - mais um novo parecer exaustivo da nossa Comissão das Contas Públicas e novo relatório e declaração geral do Tribunal de Contas sobre as contas do Estado.
Estes dois documentos fundamentais da fiscalização financeira e vida administrativa do estado, que se destinam ao esclarecimento da Assembleia Nacional, acabam por concluir que foi perfeita e correcta a gerência governamental no ano económico de 1952.
Infelizmente não foi ainda possível cumprir-se, em relação ao ano de 1952, o preceito constitucional que manda submeter à nossa apreciação, em conjunto com as da metrópole, as contas de exercício e de gerência das províncias ultramarinas.
Não vale a pena voltar a insistir neste assunto, como fiz no ano passado, pois sei que providências legislativas estão a ser tomadas para evitar que as contas do ultramar deixem de ser incluídas no parecer da nossa Comissão das Contas Públicas, antecipando a remessa dessas contas ao Ministério.
Porém, Sr. Presidente, embora as contas ultramarinas não figurem no parecer, por não terem sido enviadas a tempo à Assembleia Nacional, e, por consequência, não tenham a esclarecê-las o Sr. Engenheiro Araújo Correia, com toda a sua demonstrada competência, e os ilustres e competentes vogais da Comissão, encarreguei-me de as trazer ao conhecimento da Assembleia Nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Irei fazer breve análise das contas das províncias ultramarinas relativas ao ano económico de 1952, fazer ligeiros apontamentos sobre assuntos de interesse geral, onde os números, a legislação ou os factos apontados ponham esses assuntos em evidência.
Certamente que terei de manifestar concordância ou discordância, conforme os casos, aplaudir algumas vezes e também chamar a atenção de quem de direito para aquilo que me parece merecer reparo.
Será ousadia minha abalançar-me a este trabalho, mas espero que a Assembleia Nacional saberá desculpar as minhas faltas e insuficiências.

Vozes: - Não apoiado!

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794 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 47

O Orador:- Começarei, Sr. Presidente, por apresentar o resultado final da conta de exercício de 1952 de cada província ultramarina:

Cabo Verde:

Receitas cobradas .... 42:052.077$86
Despesas pagas ..... 37:437.991070
Saldo positivo 4:614.086$16

Guiné :

Receitas cobradas .... 116:387.862$97.
Despesas pagas .... . 111:736.599$14
Saldo positivo 4:651.263083

S. Tomé e Príncipe:

Receitas cobradas .... 63:682.365$97
Despesas pagas .... 52:394.131$45
Saldo positivo 11:288.234052

Angola:

Receitas cobradas..... 1.685:350.668,20
Despesas pagas .... . 1.291:211.858,80
Saldo positivo 394:138.809,40

Moçambique:

Receitas cobradas. .... 2.060:591.466$75
Despesas pagas .... . 1.647:966.001$57
Saldo positivo 412:625.465018

índia:

Receitas cobradas. .... 24.959:014-13-11
Despesas pagas .... . 18.630:497-10-05
Saldo positivo 6.328:517-03-06

Macau:

Receitas cobradas..... $ 21:976.839,86
Despesas pagas. .... . $ 19:801.374,78
Saldo positivo $ 2:175.465,08

Timor:

Receitas cobradas. .... $ 12:288.603,47
Despesas pagas..... . $ 9:871.417,98
Saldo positivo $ 2:417.185,49

É realmente consolador verificar que nas oito províncias ultramarinas se cumpriram os preceitos da contabilidade pública e se apresentaram as contas do ano de 1952 devidamente equilibradas, com saldos positivos, e elaboradas com clareza, regularidade e pontualidade.
Apraz-me testemunhar neste lugar que os serviços de Fazenda, quer do Ministério quer das províncias ultramarinas, cumprem zelosamente as suas funções, mantendo o serviço em dia e contribuindo assim para a boa administração das finanças ultramarinas.
Hoje ó fácil conhecer a vida financeira de cada província ultramarina, indagar da sua administração e do que mais possa convir ao seu interesse e ao bem comum da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Vou, pois, fazer a análise sumária que prometi ao iniciar as minhas considerações.
Indiquei já o resultado das contas d.e exercício de todas as províncias ultramarinas; referir-me-ei agora mais demoradamente a cada uma delas.
Cabo verdade. - Primeiramente referir-me-ei às contas dos serviços autónomos desta província.
E desde já devo dizer que nas minhas considerações dou esta prioridade aos serviços autónomos, não só pela sua extraordinária importância na vida administrativa de algumas províncias, como terei ocasião de expor à Assembleia Nacional, mas, sobretudo, com o fim de chamar a atenção para a necessidade que há de estabelecer a verificação e fiscalização das contas dos organismos autónomos nas províncias onde não existir.
Não se compreende que numa província ultramarina as contas de certos organismos autónomos sejam submetidas ao seu conselho fiscal ou ao tribunal administrativo da província e só depois remetidas ao Ministério do Ultramar e noutras províncias se proceda diferentemente, remetendo ao Ministério as contas dos organismos autónomos sem a verificação de um conselho fiscal ou sem o necessário e útil julgamento do respectivo tribunal administrativo.
Começarei, então, por me referir aos serviços autónomos de Cabo Verde.
Nesta província ultramarina os serviços dos CTT tom orçamento privativo, por terem autonomia administrativa e financeira. O seu orçamento está integrado no orçamento geral da província, onde foram inscritas as receitas e despesas daqueles serviços para o exercício de 1952, as quais figuram também na conta de exercício em parcelas iguais no débito e no crédito, para se não alterar a posição final da conta geral da província.
Os serviços dos CTT da província durante o exercício de 1952 satisfizeram os seus encargos e ainda obtiveram o saldo positivo de 254.456049.
Porém, a comissão administrativa do lugre-motor Senhor das Areias, que também tem autonomia administrativa e financeira, não arrecadou bastante para cobrir encargos, pelo que o Governo da província teve de a socorrer com um subsídio extraordinário na importância de 147.655062.
Nesta província está constituído o fundo de reserva que foi criado em todas as províncias ultramarinas pela alínea 6) do artigo 76.º do Decreto n.º 17 881, de 11 de Janeiro de 1930.
Cabo Verde é das poucas províncias ultramarinas que demonstram na administração das finanças ter espírito de previdência e respeito por aquela disposição legal.
Devo dizer à Assembleia Nacional que o mencionado Decreto n.º 17 881, de 1930, é muito conhecido por todos aqueles que se interessam pela administração das finanças do ultramar.
Tanto a integração dos orçamentos privativos no orçamento geral da província, e como consequência figurarem as receitas cobradas e as despesas pagas pêlos organismos autónomos nas contas de exercício, sem influenciarem no sen resultado, visto obedecerem ao regime Se consignação, como a criação do fundo de reserva são determinações impostas pelo referido Decreto n.º 17 881.
Este é dádiva de Salazar às províncias ultramarinas. Foi neste célebre decreto que se assentou a orçamentologia ultramarina do Estado Novo. Nele reside a origem fundamental do progresso ultramarino que hoje orgulhosamente verificamos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Mas voltemos ao fundo de reserva de Cabo Verde.

Este f o lido da província, na sua quase totalidade, está representado por papéis de crédito do Estado Português, constituindo depósito na sede do Banco Nacional Ultramarino, em Lisboa, na importância de 695.126077.

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Está representado o fundo por pequena importância, mas, em todo o caso, indica-nos qual o caminho a seguir, sobretudo numa província sujeita constantemente a crises graves.
A situação da tesouraria é relativamente boa, pois a província de Cabo Verde, em 31 de Dezembro de 1952, dispunha do seguinte numerário:

Na caixa do Tesouro na província 1:744.075$07
Nos doze recebedorias da província 2:061.727$72
Na caixa do Tesouro em Lisboa, a cargo do Banco Nacional Ultramarino .......... 2:023.720$61
Total ..... . 5:829.523$40

Não é satisfatória a posição de Cabo Verde relativamente às suas dividas passivas, que atingem a elevada importância de 6O 000 contos, assim discriminados:

Ao Banco Nacional Ultramarino (Decreto n.º 36133) .....6:259.071$95
Ao Banco Nacional Ultramarino (empréstimo gratuito) .....68.600$00
A Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência (Decreto n.º36780) .........47:408.746$50
Ao Ministério das Finanças pelo pagamento em Dezembro de 1952, na qualidade de avalista, da primeira anuidade de amortização do empréstimo de 50 000 contos (Decreto n.º 36 780) ..... 2:591.253$50
Ao Fundo de Fomento Nacional (Decreto n.º 38 257) .....280.415$50
Saldo negativo (contra a Fazenda) de diversas contas de operações de tesouraria ........4:352.934$88
Total......60:961.022$23

A primeira anuidade de amortização do empréstimo de 50000 contos contraído na Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, e que importava em 2:591.253450, foi vencida em Dezembro de 1952, e, como a província não estivesse em condições de a satisfazer, teve de ser liquidada pelo Ministério das Finanças, na qualidade de avalista.
Daqui se poderá aduzir qual seja a situação das finanças da província de Cabo Verde.
Tem as contas de exercício equilibradas, mas a situação da sua tesouraria não lhe permite satisfazer os encargos das dívidas que contraiu.
Vejamos agora a posição do comércio externo e da balança comercial ou de pagamentos.
É consecutivamente deficitária a balança comercial de Cabo Verde a partir de 1942, e nos anos de 1951 e 1952 apresenta os seguintes valores e saldos negativos:

A balança comercial melhorou, embora pouco, de 1951 para 1952.
Na sua exportação continuam a ter predomínio os óleos combustíveis fornecidos à navegação, a purgueira, o carvão de pedra, o peixe em conserva e o café, como se poderá verificar no seguinte quadro:

[VER TABELE NA IMEGEM]

Sobre a valorização do arquipélago de Cabo Verde já nesta VI Legislatura da Assembleia Nacional tivemos oportunidade de ouvir a palavra autorizada do nosso ilustre colega Sr. Dr. Duarte Silva, pronunciando-se no sentido de se debelarem as causas perturbadoras do ambiente cultural das ilhas, combatendo a erosão, arborizando o promovendo a execução das obras do Plano de Fomento relativas aos melhoramentos hidroagrícolas, pecuários e florestais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Cabo Verde é uma província de bom clima para o homem; mas a raridade das chuvas e a violência dos ventos não favorecem a terra e a sua agricultura.
O repovoamento florestal é considerado pelos técnicos e pelo Governo como a maior obra a realizar no arquipélago de Cabo Verde.
Por ser empreendimento muito dispendioso a realizar , em todo o arquipélago, esta a seguir-se o sistema de criar pequenas florestas climáticas em determinadas regiões.
Vem de longe o interesse do Governo e dos governadores da província pela arborização de Cabo Verde.
Pelo menos que eu saiba, uma missão da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aqricolas do Ministério da Economia já esteve, há alguns anos, na província, e nova missão foi recentemente nomeada para o mesmo serviço.
O arquipélago foi encontrado certamente arborizado! e a sua vegetação espontânea e primitiva denuncia-se pela abundância da purgueira e pela existência da tamar-gueíra, conhecida também por pinheiro das Canárias ou tarrafe, de onde derivou o nome do Tarrafal.
E desde longos anos se atribuem ao negócio rendoso da lenha e do carvão vegetal, à voracidade de numerosos rebanhos de cabras e à falta de polícia rural as consequências maléficas da desarborização. Certo é que ó arvoredo foi completamente devastado, e a rearborização constitui hoje o mais importante problema de Cabo Verde.
As atenções da Administração continuam a voltar-se para o grande porto do Cabo Verde, por isso mesmo denominado Porto Grande de S. Vicente, e para a rearborização, que se considera indispensável à regularidade das chuvas e ao desenvolvimento agrícola, e talvez se tenha descurado o auxilio devido à extracção e ao emprego de pozolanas, que existem em todas as ilhas do arquipélago.
Se nos tivéssemos encaminhado no sentido de se empregar na construção civil a pozolana numa percentagem com cimento, é provável quê já hoje se encon-

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trasse em plena explorarão esta riqueza cabo-verdiana e se tivesse melhorado a economia da zona extractiva.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Haja em vista o que aconteceu à região da cidade italiana de Pozuoli, de onde a pozolana tirou o nome.
Presentemente, em Cabo Verde é pouco mais do que simbólica a extracção que se faz na ilha de Santo Antão, onde a pozolana se encontra com maior pureza do que nas restantes ilhas do arquipélago.

GUINÉ. - Nesta província ultramarina há quatro serviços autónomos: Administração dos Correios Telégrafos e Telefones, Administração do Cais do Pijiguiti, Comissão de Caga e Fundo de Fomento e Assistência.
Os dois primeiros são serviços financeiramente independentes da Fazenda e os dois restantes são serviços financeiramente dependentes da Fazenda.
Porém, todos estes serviços autónomos cio Estado se subordinam ao estabelecido no artigo 22.º do Decreto n.º 17 881, de 11 de Janeiro de 1930, pelo qual as receitas previstas e as despesas fixadas figuram no orçamento da receita e na tabela de despesa do orçamento geral da província sem lhes alterar o significado, e consequentemente as receitas cobradas e as despesas pagas pelos mesmos serviços têm de ser integradas nas contas da província, mas também sem lhes alterar o resultado, porque as receitas são iguais às despesas.

A conta do ano de 1952 dos CTT acusa o seguinte resultado:

Receita cobrada ................. 4:705.226$48
Despesa paga .................... 4:648.673$46 56:553$02

Parte dos saldos de exercícios anteriores:

Em inscrição orçamental ................... 188.800$00
Em orçamentos suplementares ............... 173.052$70 361.852$70
Saldo positivo do exercido 418.400:372

Temos de concluir que o saldo real do exercício foi apenas de 56.553$02 e que com os saldos dos exercícios anteriores se elevou para 418.405$72.
Porém, se tivermos em consideração que os CTT receberam pelo orçamento geral da província o. subsídio de 2 000 contos e pelo orçamento do Fundo de Fomento e Assistência 130 contos, o déficit da exploração dos CTT em 1952 foi de 2:073.446$98.
Mesmo que se considere a despesa feita de 1 200 contos cora a aquisição de um grupo emissor de 5 kW, ainda fica muito elevado o déficit, pelo que as despesas dos CTT na Guiné requerem cuidado especial.
A conta da Administração do Cais do Pijiguiti apresenta o seguinte resultado:

Receita cobrada ................ 2:182.870$80
Despesa paga ................... 2:007.633$65 175.237$15

Parte dos saldos dos exercícios anteriores ... 165.000$00

Saldo positivo do exercício 340.237$15

O saldo real do exercício foi de 175.237$15.
Calcula-se que a utilização da nova ponte cais de Bissau, que foi inaugurada em 28 de Maio de 1953, de lugar a que os lucros de exploração sejam muito mais elevados, e assim convirá que seja, pois é muito pesado o encargo que resultou para a província da construção da ponte e do seu apetrechamento.
A conta da Comissão de Caça deu este resultado final:

Receita cobrada .......... 53.420$00
Despesa paga ............. 49.686$90
Saldo ...... 3.733$10

A Comissão de Caça foi criada pelo Diploma Legislativo n.º 1 420, de 7 de Julho de 1948; tem autonomia administrativa e, portanto, tem orçamento privativo, nas não arrecada as suas receitas, pois é dependente financeiramente da Fazenda. Presta contas da sua administração ao Tribunal Administrativo.
Friso esta disposição de lei, com a qual concordo, porque há organismos autónomos, como já disse, que, sem prévia fiscalização, remetem as suas contas ao Ministério, e é indispensável que nas províncias ultramarinas se fiscalizem as contas daqueles organismos.
A conta do Fundo de Fomento e Assistência acusa o seguinte saldo real:

Receita cobrada ......... 10:597.077$28
Despesa paga .......... 7:527.353$29
Saldo ........ 3:069.723$99

O Fundo de Fomento e Assistência foi criado pelo Decreto n.º 38 552 de 7 de Dezembro de 1951, é gerido por um conselho administrativo, com autonomia administrativa e financeira, e presta contas da sua administração ao Tribunal Administrativo da província. Não arrecada directamente as suas receitas, que são entregues nos cofres da Fazenda como receitas consignadas.
Nesta província não se fez qualquer integração no fundo de reserva criado pela alínea a) do artigo 76.º do Decreto n.º 17881, de 11 de Janeiro de 1930, e destinado a movimentar e aplicar os saldos das contas de exercício, tendo em vista o disposto no artigo 31.º do Decreto n.º 28941, de 31 de Maio de 1934, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto n.º 24376, de 17 de Agosto de 1934.
Os saldos das contas de exercício que anualmente se vão apurando e figuram na conta "Saldos de exercícios anteriores" têm sido aplicados em despesas extraordinárias de fomento económico e outras de carácter urgente, desde que se não possa recorrer às disponibilidades orçamentais.
A situação da tesouraria da Guiné em 31 de Dezembro de 1952, em comparação com a do ano anterior, foi a seguinte:

[Ver Quadro na Imagem].

A melhoria, da situação da tesouraria da Guiné em 1952, em comparação com a de 1951, foi devida ao facto de ter sido posta em circulação no ano de 1952 moeda metálica no valor de 36212 contos.

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22 DE MARÇO DE 1964

A província da Guiné tem de suportar pesado encargo com juros e amortizações dos seguintes empréstimos:

De 40000 contos no Banco Nacional Ultramarino (Decreto n.º 36857, de 5 de Maio de 1948):

Capital ..........35:821.272$70
Juros.............10:895.814$10 46:717.086$80

e 191.403$70 no Fundo de Fomento Nacional (Decreto n.º 38257, de 18 de Maio de 1951):

Capital .............. 173.250$10
Juros................ 13.272$20 186.792$30

De 4 000 contos no Fundo de Fomento Nacional (Decreto n.º 38 315, de 23 de Junho de 1951):

Capital .... 4:000.000$00

Juros..........276.688$00 4:274.688$00
Total..............51:178.567$10

Estes encargos pesam muito na posição financeira da província e terão de ser liquidados principalmente à custa dos saldos que anualmente se forem obtendo na conta do exercício.

Depois de encerradas as contas veio a ter-se conhecimento de que ainda se encontrava por contabilizar despesa própria paga na metrópole relativa aos exercícios de 1911-1912 a 1929-1930, no montante de 16:276.860$67,o que bem alterar a situação financeira da província.
Certamente que os 16276 contos serão liquidados pelo lucro da amoedação determinada pelo Decreto n.º 38585, de 7 de Dezembro de 1951.
Passemos agora uma rápida vista pela situação económica da província.
O comércio externo é caracterizado pelo excesso do valor da exportação sobre o da importação, e portanto é favorável a sua balança comercial.
A Guiné exporta amendoim em casca, amendoim descascado, arroz descascado, borracha, cocorote, couros de bovídeos, óleo de palma e madeira serrada, em todos e para combustível (lenha).
E já sabido que a economia desta província assenta principalmente na actividade agrícola e Pecuária.
Quanto à actividade Pecuária, a estação reprodutora de Bissorã tem distribuído reprodutores da espécie porcina e tem-se procurado o melhoramento das aves de capoeira.
O melhoramento do gado bovino não se poderá desenvolver sem a utilização de tanques carracicidas, pelo menos nas circunscrições civis de Bafatá, Gabu, Catió e Fulacunda, onde mais abunda esta espécie de gado, visto ser a carraça que mais baixas produz no gado bovino.
Quanto à actividade agrícola, pode dizer-se que está quase limitada à cultura da mancarra ou amendoim e do arroz.
Este cereal constitui a base da alimentação dos nativos e tem ultimamente levantado um problema sério na sua distribuição. É inteiramente compreensível que deverão ser permitidos o fabrico e a venda arroz descascado a pilão enquanto o descasque mecanizado não fornecer arroz bastante para o consumo interno da população.
O problema do amendoim da Guiné tem merecido ao Governo especial interesse, mas está longe de boa solução.

O Sr. Ministro do Ultramar, no Verão de 1951, encarregou uma missão chefiada por um professor do Instituto Superior de Agronomia de estudar os prejuízos causados pelos insectos ao amendoim importado da Guiné e de estudar também os meios de combate.
É realmente indispensável, Sr. Presidente, o expurgo do produto retido nos armazéns do porto de Lisboa; mas é igualmente indispensável cuidar do amendoim armazenado por toda a província da Guiné nos cercos e armazéns dos centros comerciais e dos portos de embarque.

Vozes: - Muito bem!

O. Orador: - Nestes locais a mancarra é atacada por fungos e insectos e, principalmente, pelo insecto conhecido por o bicho preto da mancarra.
Por motivo da cultura do amendoim, armazenagem, descasque, etc., e a convite do Governo, foi à Guiné, em Setembro e Outubro de 1952, uma missão de estudo da Organização Económica de Cooperação Externa (O.E.C.E), composta por um técnico americano, como chefe da missão, e observadores dos países europeus interessados na cultura do amendoim nos territórios da África Ocidental ao norte do equador.
A missão observou a cultura feita pelos indígenas, a armazenagem e exportação, o descasque e industrialização do amendoim. E creio ter sugerido certos melhoramentos na produção, por meio de selecções de sementes, e ter concluído que se podia e deveria aumentar a produção tanto do amendoim como do arroz, substituindo a cultura extensiva pela intensiva, depois de estudos a fazer sobre o emprego de linhas seleccionadas, sementeiras densas, desinfecções de sementes e emprego de adubos.
Creio, Sr. Presidente, que a estas sugestões outras se poderiam acrescentar, sem que à Guiné se levassem novidades sobre o assunto, tais como: rever anualmente o tabelamento. dos preços dos produtos de exportação, para não dar lugar a que estes se escoem clandestinamente para o vizinho território francês; obrigar o indígena produtor à cuidadosa escolha da semente que terá de entregar no celeiro da sua circunscrição administrativa; evitar os celeiros de querintim, que pouco protegem, e evitar também que a semente fique exposta ao sol, para não se esterilizar; realizar obras de enxugo e recuperação de bolandas, para aumentar a produção.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não quero ainda deixar de me referir ao problema do corte de madeiras nas concessões florestais.
As florestas da Guiné, por terem óptima madeira, estão bastante desbastadas, donde resulta haver dois problemas que requerem solução imediata: a modificação do actual regime de concessões florestais e o repovoamento das florestas da província.

S. TOMÉ E PRÍNCIPE. - Nesta província não há serviços autónomos.
Os fechos das contas de exercício acusam saldos positivos a partir do ano económico de 1933-1934.
Devo esclarecer a Assembleia Nacional de que no fim do ano de 1933 a dívida da província aos diversos depósitos excedia 2 000 contos.

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798 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 47

As dívidas da província de S. Tomé e Príncipe tinham aumentado assustadoramente, tendo-se perdido o crédito.
A situação calamitosa das finanças a que se deixara chegar a província, onde, naquela data, não havia nem contas nem numerário, provocou então sérias preocupações ao Governo, que se viu obrigado a retirar à província a sua autonomia administrativa e financeira, pelo artigo 45.º do Decreto n.º 25 306, de 9 de Maio de 1933.
De tais situações angustiosas não nos deveríamos esquecer para se avaliar da obra que nas duas últimas décadas se tem realizado em prol do bem comum e, sobretudo, para se evitar a todo o custo que se repitam os erros do passado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A situado financeira, e da tesouraria de S. Tomé e Príncipe é hoje bem diferente daquela que teve ao perder a sua autonomia.
Quando terminou a gestão de 1952 a província dispunha, da elevada importância de 22 169 contos, proveniente de saldos acumulados de exercícios findos.
E destes saldos já se tem pago parte de despesas respeitantes à execução do plano de fomento da província e deles ainda terão certamente de sair importâncias com o mesmo fim.
Nesta província não há quaisquer encargos de dívidas ou empréstimos a amortizar.
A constituir o fundo de reserva de S. Tomé e Príncipe existe depositado em S. Tomé, por operações de tesouraria no Banco Nacional Ultramarino, como caixa do Tesouro, a importância de 459.463 $39, que já existia em 1951; portanto em 1952 não se realizou operação alguma por conta deste fundo.
A situação da tesouraria apresentou-se desafogada, pois em 31 de Dezembro de 1952 acusava 51:544.974$35 na província e 365.596$50 em Lisboa.
A balança comercial desta província apresenta-se invariavelmente com saldos favoráveis. Em 1947 e em 1948 os saldos chegavam a atingir importâncias superiores ao valor da importação.
Para a Assembleia Nacional apreciar a tonelagem e o valor dos principais produtos da exportação no ano de 1952, a que nos estamos a referir, em comparação com o ano anterior, vou apresentar o seguinte mapa:

[Ver Mapa na Imagem]

O cacau continua a ser o principal produto de exportação, em tonelagem e valor.
O óleo de baleia e cachalote apenas se exportou em 1951, porque foi suspensa a actividade da pesca.
Representa uma indústria de alto valor, como se vê pelo valor do óleo exportado, e portanto capaz de impulsionar a actividade económica da província.
Convém prestar mais alguns esclarecimentos à Assembleia Nacional sobre este importante assunto.
No relatório anual de 1935 do governador de S. Tomé e Príncipe revelou-se o valor da indústria da pesca da baleia em consequência de um baleeiro norueguês ser então apreendido a pescar nas águas jurisdicionais da província.
Formou-se depois a Empresa Colonial de Adubos e. Baleias, que principiou em 1937 a trabalhar na pesca de baleias, sendo o óleo fabricado num navio-fábrica.
Durante a campanha desse ano foram pescadas 111 baleias, que produziram 1 079 t de óleo.
Esta indústria esteve paralisada até 1951, sendo então concedida a exploração por dez anos à firma Eduardo Guedes, Lda., que montou as actuais instalações -edifícios, grupos geradores eléctricos, grupos de autoclaves, plano inclinado, guindastes - num terreno junto a Vila das Neves, fazendo-se um investimento de capital que se julga ser aproximadamente de 50 000 contos.
A campanha da pesca nesse ano rendeu cerca de 600 baleias e 52 cachalotes, que produziram, respectivamente, 3 470 t e 127 t de óleo.
Apesar de o valor fiscal ser de 21 675 contos, como no quadro se indica, o rendimento bruto desta campanha deve ter atingido o elevado montante de 38 000 contos.
Os serviços aduaneiros cobraram 2300 contos, que deram entrada nos cofres- do Estado, esperando-se resolução definitiva sobre a isenção relativa à importação de mercadorias e à exportação dos óleos produzidos.
É indústria que merece ser auxiliada, pelo volume do capital investido e pelo impulso que dará à economia da província.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: a mão-de-obra continua a ser na província ultramarina de S. Tomé e Príncipe o problema angustioso da agricultura.
Apesar de tanto se fazer sentir a falta de trabalhadores agrícolas, ainda se mantém suspenso o recrutamento na província de Angola.
Para se fazer ideia do declínio sofrido pela agricultura de S. Tomé e Príncipe bastará informar que há vinte anos havia s érea de 28 000 trabalhadores contratados e hoje há apenas 14 000.
Esta falta de mão-de-obra, que se vai acentuando cada vez mais, constitui uma das grandes razões para se entrar decididamente, embora traga pesadíssimos encargos à agricultura, na constituição moderna dos «terreiros industriais», isto é, na mecanização do fabrico do óleo de palma, na secagem e estandardização dos produtos.
Como já tive ocasião de informar a Assembleia Nacional numa intervenção anterior, em S. Tomé e Príncipe não há viabilidade de se economizar mão-de-obra. nos trabalhos das plantações, substituindo o trabalhador pela máquina. Devido à densa arborização e" ao acidentado do terreno não se pode recorrer ao emprego de máquinas nos amanhos culturais.

ANGOLA. - Seguindo a mesma ordem que venho trazendo sobre as contas das províncias ultramarinas, vou começar por me referir aos serviços autónomos com os seus orçamentos privativos.
Na província de Angola há cinco serviços autónomos, que organizam as suas contas de exercício em termos semelhantes à conta geral da povíncia e depois as remetem ao Ministério do Ultramar.
Antes de mencionar esses organimos e as suas receitas, seja-me permitido, Sr. Presidente, que mu refira ao facto de não haver na província de Angola um serviço oficial encarregado de examinar as contas desses organismos autónomos antes de serem remetidas ao Ministério.
É uma falta que se regista com a recta intenção de que virá a ser reparada pelo Governo na primeira oportunidade.

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Nada se sugere que não esteja já a ser executado noutras províncias ultramarinas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tive ocasião de dizer que na Guiné há dois serviços autónomos independentes financeiramente da Fazenda, porque, pela sua própria natureza -CTT e Cais do Pijiguiti -, têm de cobrar as suas receitas; e há outros dois organismos -Comissão de Caça e Fundo de Fomento e Assistência - que não arrecadam directamente as suas receitas, porquanto elas são entregues nos cofres da Fazenda como receitas consignadas.
A receita prevista e a despesa anual destes organismos autónomos e dependentes financeiramente da Fazenda prestam as suas contas ao Tribunal Administrativo da província.
Porque se não haverá de proceder igualmente com os organismos autónomos da província de Angola?
Aqui se deixa a sugestão, que parece ser de aceitar.
Para a Assembleia Nacional fazer ideia do montante das receitas cobradas pelos cinco organismos autónomos da província de Angola (não incluindo as corporações municipais e administrativas) vou apresentar o seguinte mapa:

(ver tabela na imagem)

Sr. Presidente: estes 224 000 contos das referidas organizações industrializadas de Angola são administrados sem haver um poder coordenador que ajuste e corrija deficiências de natureza financeira.
Volto a repetir, Sr. Presidente, que as contas deveriam ser tomadas e apreciadas devidamente pelo Tribunal Administrativo antes de serem remetidas ao Ministério do Ultramar.
Oxalá que este Tribunal ou outro organismo local competente venha a ser encarregado de fiscalizar a actividade financeira dos serviços autónomos da província.
Mas, Sr. Presidente, além destes serviços autónomos, ainda devo mencionai o Fundo de Fomento de Angola, sob a gerência de uma comissão administrativa, cujo presidente é o Sr. Governador-Geral.
Durante o ano de 1952, este Fundo utilizou receitas consignadas pelo orçamento geral da província e além destas ainda utilizou outros verbas provenientes da abertura de créditos especiais, como se poderá ver neste mapa:

(ver tabela na imagem)

É evidente que estes números fazem ressaltar à simples vista a enorme diferença que existe entre as receitas que foram consignadas no orçamento geral e o montante dos créditos especiais que se abriram; isto é, trata-se uma disparidade flagrante entre a dotação e o seu reforço.
Seria mais aceitável que a dotação de 200 600 contos fosse reforçada com 85 000 contos do que se poderá compreender o inverso.
Isto são críticas sem valor, que se ouvem a quem está fora do assunto e apenas vê a crueza daqueles números.
E também se critica, igualmente sem fundamento, que o orçamento suplementar do Fundo de Fomento, com o reforço de 250 COO contos, teria sido extemporâneo, pois se fez no fim do ano de 1952, e portanto sem tempo para a sua utilização.
Porque o assunto é dos mais importantes da vida pública de Angola, peço licença para tomar alguns minutos à Assembleia Nacional no esclarecimento do caso.
Quem se der ao cuidado de examinar as contas da C. A. F. F. A., nome pelo qual é conhecida a Comissão Administrativa do Fundo de Fomento de Angola, poderá ver que o seu orçamento continha a receita ordinária de 85 000 contos, como já indiquei, mas o saldo da gerência anterior era de 167:455.070,96, e os excessos das receitas cobradas e entradas no orçamento geral da província nos anos de 1950 e 1951 eram de 54:069.442,18; portanto as receitas da C. A. F. F. A. em 1952 importavam em 307:424.513,14, antes do reforço dos 250 600 contos, como se poderá verificar:

Saldo da gerência anterior ............ 167:455.070,96
Receita ordinária ..................... 85:000.000,00
Excesso de receita cobrada em
1950-1951 ............................. 54:969.443.18 307:424.513,14
Créditos especiais .................... 250:600.000,00
Total ................................. 558:064.513,14

Quer dizer: a C. A. F. F. A. dispôs de 307 000 contos antes do reforço e na totalidade teve à sua disposição a elevada soma de 558 000 contos.
Quanto ao facto de só no final do ano ser feito o reforço com a abertura dos créditos especiais, quero tombem prestar um esclarecimento à Assembleia Nacional, para se não censurar aquilo que censura não merece.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Como VV. Ex.as sabem, o período do exercício nas províncias ultramarinas prolonga-se por seis meses até 30 de Junho do ano seguinte.
Só depois desta data a Fazenda poderá efectuar as contas, que levam seu tempo, para saber do quantitativo dos respectivos saldos disponíveis.
Depois desta simples explicação se compreenderá o motivo sério pelo qual o primeiro orçamento suplementar da C. A. F. F. A. só foi publicado no Boletim Oficial de Angola n.º 42, 1.ª série, de 15 de Outubro de 1952.
Necessário se torna seguidamente trazer ao conhecimento da Assembleia Nacional o destino que a C. A. F. F. A. deu a tão elevada quantia. Devo dizer que, dos 508 000 contos, gastou 452 000 e entregou na Fazenda 106 000.
Mas a C. A. F. F. A. tem tido uma actuação tão útil e prestimosa que dignifica a nossa administração ultramarina.
Convém lembrar donde provém.
A sua origem veio do Fundo de Fomento de Angola, criado por decreto de Agosto de 1938.
Seguidamente foi publicada a portaria ministerial, deu poderes legais à
de 29 de Outubro de 1945, que à Comissão Administrativa do Fundo de Fomento de Angola e fixou superiormente o plano de trabalhos, avaliados em 300 000 contos, para o período de cinco anos.

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Este plano abrangia obras e serviços destinados à produção e desenvolvimento da energia eléctrica, à defesa da saúde e bem-estar da população europeia e indígena, às comunicações e transportes, ao fomento agrícola, pecuário, florestal e mineiro.
No final do quinquénio de 1945 a 1950 os recursos do Fundo de Fomento de Angola tinham atingido o montante de 727 651 contos.
A referida portaria ministerial veio dar realmente um impulso galvanizador ao interesse público de Angola em todos os sectores da vida económica e social da província.
No fim dos seus cinco anos de existência e actividade legal deu lugar ao Decreto n.º 38332, de 5 de Julho de 1951, para haver continuidade na execução do plano quinquenal.
Ora, Sr. Presidente, para se continuar o plano de trabalhos que fora traçado por este decreto reforçou-se o orçamento da G. A. F. F. A. com a abertura de três créditos especiais, na importância total, já indicada, de 250600 contos.
Seria agora curioso transcrever do orçamento suplementar da C. A. F. F. A. as obras, os serviços, as aquisições de material e os estudos com as respectivas dotações orçamentais.
Para não fatigar mais a Assembleia limitar-me-ei simplesmente a indicar parte do que foi dotado:
Aproveitamento hidroeléctrico do rio Donde nas Mabubas e do rio Catumbela no Biópio; estudos e aproveitamentos hidroeléctricos e de hidráulica agrícola dos rios Cuanza, Bengo, Cunene e outros rios de Angola; material circulante e de via do caminho de ferro de Moçâmedes; Aeroportos de Luanda e de Vila Luso; pontes-cais de Noqui e de Cabinda; apetrechamento dos portos de Luanda e do Lobito: aquisição de material marítimo e de dragagem; Laboratório Central de Patologia Veterinária; reconhecimento geológico-mineiro; instalação de reservas de criação de gado; estradas e pontes; estudos, .projectos e realizações de obras de colonização.
Por este enunciado se vê o sentido da orientação administrativa de Angola e que as obras, os melhoramentos e ns estudos que obtiveram dotações no orçamento da C. A. F. F. A. devem, na verdade, ser considerados de incontestável oportunidade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Pelo que ouvimos na sessão de 15 do corrente ao nosso ilustre colega Sr. Engenheiro Monterroso Carneiro relativamente às estradas da província de Angola, conclui-se que há a maior oportunidade para todos os esforços financeiros.
Tanto muitas das estradas sem classificação e já antigas, que servem pequenos aglomerados, onde colonos se conservam em pequenas granjas agrícolas e casas comerciais, como os estradas classificadas que ligam grandes centros populacionais entre si e estes aos caminhos de ferro e aos portos de embarque, por onde se faz a drenagem dos produtos da província, necessitam imperiosamente que lhes acudam.
Com excepção da pequena quilometragem de estradas que o Sr. Deputado Monterroso Carneiro citou, todas ns outras, por serem de terra, só permitem o trânsito durante a estação seca do ano, depois de serem beneficiadas.
Só temos de lamentar que a importância das receitas do orçamento da C. A. F. F. A. não possa ser ainda mais avultada para atender com a largueza necessária a toda a rede rodoviária de Angola.
Sr. Presidente: não foi ainda constituído na província de Angola o fundo de reserva determinado pela alínea b) do artigo 76.º do Decreto n.º 17 881, de 11 de Janeiro de 1930.
É possível que haja razoes, e até muito aceitáveis, mas que eu não conheço, para não estar constituído o fundo de reserva.
Certo, porém, é que aquela disposição de lei, julgada de efeitos tão salutares, ainda não foi cumprida na província de Angola.
A posição da divida pública da província e relativa ao dia 31 de Dezembro de 1952 era a seguinte:

Dívida ao Tesouro da metrópole ................. 842:228.872$61
Divida à Caixa Geral de Depósitos .............. 186:195.341$10
Dívida à Companhia dos Diamantes de Angola ..... 121:180.813$64
Divida à Companhia das Águas de Luanda ......... 1:440.000$00
Divida ao Fundo de Fomento Nacional ............ 11:847.976$20

Dívida ao Banco de Angola:

Em escudos ..................................... 5:000.000$00
Em angolares ................................... 17:255.712,13
Total .......................................... 1.185:148.715$68

Como o valor da divida em 31 de Dezembro de 1901 era de 1.197:985.522$24, e em 1952 passou a ser de 1.185:148.715$68, resultou que foi diminuída neste ano da importância apreciável de 12:836.806$56.
E temos de notar que esta diminuição no valor da dívida diz apenas respeito às amortizações dos capitais emprestados, pois a província pagou mais os juros vencidos além dos 12 834 contos de capital amortizado.
Perguntar-se-á por que razão a província de Angola, com dividas num montante superior a l milhão de contos, apenas tem o encargo de 12 836 contos em 1952 para amortização do capital emprestado.
A razão está em que os 842 000 contos constituem dívida consolidada e a juro muito baixo.
A metrópole muito tem feito pelo ultramar e especialmente pela província de Angola!
A importância total dos empréstimos concedidos pela metrópole à província de Angola aio tempo da má administração das finanças, devido à reconhecida impossibilidade do seu pagamento, teve de se transformar em dívida consolidada.
Sr. Presidente: a consolidação das grandes dívidas da província de Angola ao Tesouro da metrópole é obra administrativa do Estado Novo, de que muita gente já se esqueceu.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E, ainda que a dívida seja muito vultosa, temos de reconhecer que a província conta com sólida situação financeira e de tesouraria para satisfazer, além das grandes despesas da sua crescente actividade renovadora, todos os encargos da dívida.
Era então desafogada a posição da tesouraria em 31 de Dezembro de 1952,. que, depois de satisfazer os seus pagamentos, ainda dispunha de ang. 713:092.265,95, assim discriminados:

Nas tesourarias ................................. 617:421.825,65
Nas recebedorias ................................ 83:400.283,00
Em Lisboa, no Banco de Angola ................... 12:270.157,30
713:092,265,95

E esta posição melhorou em relação à do ano anterior.
Em 31 de Dezembro de 1951 os fundos da Fazenda de Angola comportavam-se em ang. 600:967.366,81. No

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ano de 1952, a que nos estamos a referir, houve portanto um encaixe superior de ang. 112:124.899,14.
Assim se vá a solidez da tesouraria da província de Angola na data referida.
É a consistência da situação das suas finanças é devida sobretudo ao equilíbrio dos orçamentos e das contas.
A conta do exercício de 1952 deu à província de Angola o seu 21.º saldo positivo desde o ano económico de 1931-1932.
O ressurgimento financeiro de Angola foi iniciado a partir daquele ano. É obra do Estado Novo.
Apoiados.
Nesse ano económico a conta de exercício acusou o saldo positivo de 358 contos. A conta de 1952 apresenta o saldo de 394 000 contos.
Ao verificar estes saldos não posso deixar de citar o nome do Prof. Dr. Armando Monteiro, para revelar, gratidão e prestar justiça à, sua obra de Ministro das Colónias.
Salazar teve neste Ministro, sem desprimor pana outros, um colaborador valoroso, de alta envergadura e muita competência, que soube vencer grandes dificuldades e preparar o actual progresso que hoje orgulhosamente verificamos no território das províncias ultramarinas.
O ultramar, que recebeu com alguma rudeza e sem grande fé o rigor das medidas financeiras postas em prática por aquele Ministro, rende-lhe hoje as suas homenagens e manifesta-se agradecido.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A laboriosa s patriota população do ultramar seguiu o exemplo de S. Tomé: quis ver para crer.
Sr. Presidente: em Angola, desde o ano económico de 1931-1932 até 1952 os saldos totalizaram mais de 2 000 000 de coutos; e só os resultados das contas nos últimos cinco anos, de 1948 a 1952, atingiram o elevado montante de l 293 936 contos.
Em presença do que deixo dito podemos crer que o futuro da vida financeira de Angola não apresenta indícios que possam causar apreensões.
Vejamos como a situação do comércio externo lhe corresponde.
A situação da balança comercial ou de pagamentos tem-se há muito tempo manifestado favorável.
No seguinte mapa, indicativo da tonelagem e do valor dos dois anos que antecederam o de 19o2, melhor se apreciará o valor do comércio externo da província e a situação da balança comercial:

(ver tabela na imagem)

Neste quadro verifica-se que os valores e a tonelagem da importação têm vindo a aumentar de ano para ano; porém, de 1951 para 1952 vê-se que houve uma quebra tanto na tonelagem como nos valores da exportação.
Ora, Sr. Presidente, esta quebra foi devida à baixa da cotação do óleo de palma e do sisal e à diminuição das quantidades exportadas em cerca de 17 000 t de café e 45 000 t de milho.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, felizmente que o café ultrapassou em 1953 as quantidades exportadas.
A exportação do café em 1953 já subiu de 23 863 t a mais do que no ano de 1952; s o seu valor também subiu para l 882 000 contos, isto é, 744 345 contos a mais do que em 1952.
Sr. Presidente: a província de Angola é a terra dos diamantes e do manganês, e também produz café, sisal, algodão, açúcar, tabaco, oleaginosas, milho, arroz e feijão; mas Angola enriquece e progride principalmente com o café, com o seu "ouro verde", que muito tem contribuído para o intenso progresso e desenvolvimento da província.
Antes de encerrar estas modestas considerações relativas à grande província de Angola, convém frisar, Sr. Presidente, que a riqueza angolana do café é proveniente da produção europeia e da indígena e que a quantidade de café exportado da produção europeia vai além do dobro da indígena.
É consolador registar o esforço enorme do colono europeu nas derrubas e ocupação do mato para aumentar a área das plantações do café; e é altamente dignificante para a nossa obra civilizadora no ultramar reconhecer que os agricultores nativos das zonas do café vivem com bastante desafogo e alto nível de vida.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-MOÇAMBIQUE.-Ao iniciar as minhas considerações sobre as contas gerais das províncias ultramarinas eu indiquei o seguinte resultado da conta de exercício da província de Moçambique relativa ao ano de 1952:

Receitas contabilizadas ....................... 2.060:591.466$75
Despesas contabilizados ....................... 1.647:966.001$57
Saldo positivo ........ 412:625.465$18

Devo esclarecer a Assembleia Nacional de que nestas importâncias contabilizadas se encontram incluídas as receitas e despesas pertencentes aos serviços autónomos. E o somatório das contas dos oito serviços autónomos da província de Moçambique acusam o seguinte resultado:

Receitas contabilizadas ....................... 858:896.739$12
Despesas contabilizadas ....................... 686:735.942$05
Saldo positivo ........ 172:160.797$07

Portanto, chegamos a esta conclusão satisfatória: quer a conta de exercício da província de Moçambique, quer as contas dos seus serviços autónomos, satisfazem inteiramente ao preceito constitucional da exigência do equilíbrio.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Para elucidação da Assembleia Nacional eu vou apresentar um quadro no qual se indicam os serviços autónomos com a sua cobrança realizada e os seus pagamentos efectuados no ano económico de 1952:

[Ver tabela na imagem]

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Neste quadro se v6 o equilíbrio das contas dos oito serviços autónomos da província. Nele se destaca a Administração dos Portos, Caminhos de Ferro e Transportes, pelo elevado montante das suas receitas e despesas.
Já nesta legislatura da Assembleia Nacional tive oportunidade de me referir à actividade desenvolvida por este serviço autónomo da província de Moçambique. Ao tratar-se das suas contas desejo trazer ao conhecimento da Assembleia o resultado do sen exercício no ano de 1952, que foi positivo e no valor de 128:332.606$80, como se vê no quadro; e, além disso, desejo também apresentar o montante de empréstimos e suprimentos, que em 1952 atingiu 915:098.887$07 e foi concedido pelo Governo da província àquela administração autónoma:

Do empréstimo feito pelo Ministério das Finanças ao Governo da província (Decreto-Lei n.º 36448)........................ 452:913.904$43
De suprimentos do Governo da província, conta A ...................................... 362:363.370$64
Do suprimentos do Governo da província, conta B ....................................... 52:136.000$00
De financiamento feito pela E. C. A. .......... 47:685.612$00 915.098.887$07
À Caixa Económica Postal. ..................... 2:848.961$00

Ao seu Fundo de Renovação, de suprimentos
ao seu Fundo do Melhoramentos .................. 4:343.500$00
922:291.348$07

Da Fazenda da província a Administração dos Portos, Caminhos de Ferro e Transportes recebeu 915:098.887$07, estando incluídos nesta importância os empréstimos da E. C. A. de 730 000 dólares e 4 250 000 florins holandeses, recebidos até 31 de Dezembro de 1952.
Para a Assembleia Nacional avaliar só dos encargos dos empréstimos e suprimentos que a Administração dos Portos, Caminhos de Ferro e Transportas tem de suportar, vou indicar o montante das amortizações que fez no decurso do ano de 1952:

Decreto-Lei n.º 36 446 .......................... 9:724.331$85
Conta B ......................................... 19:071.756$35
Financiamento pela E. C. A....................... 5:767.438$00
34:563.526$20

Ao iniciar as minhas considerações sobre as contas das províncias ultramarinas fiz referência à necessária fiscalização e verificação das contas dos organismos autónomos antes de serem remetidas ao Ministério do Ultramar.
Está agora naturalmente indicado que depois de me ter referido ao resultado das contas de tão importante organismo autónomo da província de Moçambique eu diga duas palavras da sua autonomia e fiscalização financeira.
A autonomia de que dispõe a Administração dos Portos, Caminhos de Ferro e Transportes de Moçambique já lhe foi concedida em 1906, pelo Decreto do 20 de Setembro desse ano e pelas Portarias-Ministeriais n.º 1109, de 29 de Março de 1919, e n.ºs 202 e 208, respectivamente de 18 e de 31 de Outubro de 1925.
O seu orçamento privativo começou por ser aprovado pelo governador-geral da província, mas presentemente é submetido à aprovação do Ministro do Ultramar.
Quanto à fiscalização deste organismo autónomo de Moçambique, como dos serviços dos portos e caminhos de ferro de Angola, ela está inteiramente assegurada, sem se recorrer ao julgamento do Tribunal de Contas, como sucede com outros organismos e noutras províncias que eu já tive ocasião de indicar.
A fiscalização dos portos e caminhos de ferro das duas grandes províncias ultramarinas está confiada a um conselho fiscal, presidido por um juiz do Tribunal da Relação, e na composição do conselho entram o adjunto do director de Fazenda e um técnico contabilista. E devo fazer notar que as contas dos portos e caminhos de ferro de Angola e Moçambique são remetidas ao Ministério só depois de verificadas pelo respectivo conselho fiscal.
Sr. Presidente: na província de Moçambique não está constituído o fundo de reserva que foi criado em todas as províncias de além-mar pela alínea V) do artigo 76.º do Decreto n.º 17 881, de 11 de Janeiro de 1930.
Vou considerar seguidamente as dívidas da província provenientes de empréstimos, e que, portanto, não constam do balancete de operações de tesouraria, mas são movimentadas através do orçamento geral.
Em 31 de Dezembro de 1952 a importância dos empréstimos recebidos era de 658:513.179$21, assim discriminada:

Do Ministério das Finanças
(Decreto-Lei n.º 36 446) ...................... 588:658.164$60
Do Banco Nacional Ultramarino ................. 6:655.951$71
Do Fundo de Fomento Nacional
(para a nova central termoeléctrica
de Lourenço Marques) .......................... 14:815.860$70
Da Matual Security Agency (para
um cais de minério no porto da Beira) ......... 19:396.500$00
28:289.112$00
Do Fundo de Fomento Nacional (para
reapetrechamento dos serviços
meteorológicos)................................ 697:590$20
658:513.179$21

Esta dívida é relativamente de montante pouco elevado; mas, Sr. Presidente, porque é constituída por capital amortizável, constitui pesado encargo para a província de Moçambique.

mbora esteja a analisar as contas da província em relação ao ano de 1952, eu posso apresentar elementos relativos a 1953, que traduzem o valor da dívida e do encargo anual:
Contos
Dívida de Moçambique em 1953 ................... 699 426
Encargo anual desta dívida ..................... 50 420

Como se vê, o encargo anual da dívida é pesadíssimo.

Vou apresentar o montante da dívida da província do Angola e do respectivo encargo no ano de 1953, porque será interessante estabelecer o confronto das dívidas entre as duas maiores províncias ultramarinas:
Contos

Divida de Angola em 1953 ........................ 1 176 560
Encargo anual desta divida....................... 32 131

Por mais estranho que este confronto se apresente, de ser muito menor o encargo na província de Angola, onde é muito superior o montante da dívida, a realidade é a que os números acusam.
A causa desta divergência reside no facto de Moçambique só ter dividas amortizáveis, ao passo que Angola tem uma divida consolidada na quantia de 841 288 contos.
Todos nos devemos lembrar das dividas astronómicas de Angola e da conclusão a que se chegara: impossibilidade de a província pagar as suas dividas à metrópole.
Foi uma herança pesada que o Estado Novo recebeu.
Só havia uma solução: consolidar a divida.
Mas continuemos a análise às contas da província de Moçambique.

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A situação da tesouraria ara a seguinte em 31 de Dezembro de 1952:

(ver tabela na imagem)

Como em 31 de Dezembro de 1951 a província de Moçambique dispunha de £ 114:506-13-00 e 501:081.063$81, resulta que em 1952 a situação da tesouraria melhorou de 161803 contos e 23813 libras.
Vou seguidamente passar à análise sumária do comércio externo da província e da sua balança comercial, que se mantém desfavorável.
Para melhor se apreciar esta situação, apresentarei a balança comercial dos últimos cinco anos, a partir de 1952, que acusa um déficit do 3 805 978 contos:

(ver tabela na imagem)

Sob este aspecto da balança comercial é bem diferente a situação das duas grandes províncias de Angola e Moçambique.
Em Moçambique a balança comercial mantém-se muito desfavorável, apesar do esforço verificado em alimentar a produção, como se pode verificar neste quadro:

(ver tabela na imagem)

Verifica-se aumento na tonelagem e no valor da exportação das mercadorias, mas o chá subiu pouco no peso e diminuiu muito no valor, o sisal diminuiu na tonelagem e no valor.
De todas as actividades agrícolas da província de Moçambique destaca-se o algodão, que ocupa o primeiro lugar no valor das exportações.
O algodão ocupa em Moçambique uma posição semelhante à do café na província de Angola. E do mesmo modo em Moçambique o indígena produtor de algodão subiu muito no seu nível de vida.
A exportação do algodão de Moçambique em 1952 foi de 30 137 t de rama, no valor de 412 696 contos; e as compras de algodão em caroço aos indígenas atingiram 93 721 t, no valor de 222 606 contos.
E em 1953 subiu a tonelagem e, consequentemente, o valor.
Cabe aqui uma referência à Junta de Exportação do Algodão, criada pelo Decreto n.º 28697, de 25 de Maio de 1938, pelo grande desenvolvimento que a cultura e exportação deste produto atingiu na província de Moçambique.
Porém, Sr. Presidente, pelo quadro que apresento verifica-se que de 1951 para 1952 se agravou a balança de pagamentos da província de Moçambique, aumentando o seu déficit em mais de 45000 contos.
No entanto a província de Moçambique dispõe de divisas com as receitas dos portos e caminhos de feno, no tráfego com o exterior e com as que provêm do fornecimento da mão-de-obra aos países vizinhos.
Sr. Presidente: a província de Moçambique, para zelar pelos seus interesses, terá de assentar a sua economia na agricultura, no aproveitamento de todas as suas riquezas, no tráfego com o exterior, no emprego ria mão-de-obra nativa e, portanto, terá de se libertar do fornecimento de braços as minas do Rand, tentar reduzir, como for aconselhável, a emigração clandestina para Transval e facilitar a intensificação do tráfego.
É de louvar o que ultimamente se tem feito na província tendo em vista a fixação dos nativos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E, quanto ao aumento do tráfego, devo informar a Assembleia Nacional de que nesse sentido a Administração dos Portos, Caminhos de Ferro e Transportes se tem interessado notavelmente pelo desevolvimento do porto da Beira, pela construção do novo cais para minério e pelo aumento do material circulante e de tracção, a tal ponto que os caminhos de ferro da Rodésia já não têm capacidade para dar escoamento ao tráfego português.
Está aberto à navegação de longo curso o porto de Nacala, não distando do ancoradouro à terra mais de 30 m.
A execução das obras deste porto foi anunciada em Fevereiro do ano corrente e recebida com entusiasmo pela população moçambicana e especialmente pela da região do Niassa.
Ao porto de Nacala está reservado largo futuro como um dos principais centros de comércio e tráfego da província de Moçambique. E a sua importância comercial subirá muito quando se construir o porto sobre o lago Niassa, que, segundo consta, já está projectado.
As obras integradas no plano de fomento do aproveitamento hidroeléctrico do Movene, da construção do Caminho de Perro do Limpopo e da sua grande ponte-açude para irrigação do vale encontram-se em fase adiantada.
Os estudos sobre o aproveitamento do Movene estão concluídos.
A via do caminho de ferro já está assente até à distância de 90 km para além do rio Limpopo e o pessoal encontra-se instalado no Pafuri, junto da fronteira da Rodésia do Sul.

O Sr. Pereira Jardim: - V. Ex.a dá-me licença?
Como suponho que V. Ex.a tenha terminado as suas considerações sobre a fiscalização administrativa dos caminhos de ferro de Moçambique, desejava fazer uma pergunta:
Quais as conclusões que tira dessa apontada ausência ou deficiência de fiscalização?
Entende que deve ser modificada?

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804 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 47

O Orador: - Não, senhor; não entendo.
Há organismos em Angola que não têm fiscalização e verificação das suas coutas de exercício, nem um conselho fiscal, nem as contas são submetidas ao tribunal administrativo da província.
Mas há os organismos dos portos e caminhos de ferro, quer de Angola, quer de Moçambique, que têm esse conselho fiscal, constituído por um juiz, presidente, pelo adjunto do director de finanças e por um técnico contabilista.
Eu é que pergunto porque é que há organismos que têm uma fiscalização feita na província e outros onde essa fiscalização se não exerce antes de as coutas serem remetidas ao Ministério do Ultramar.
É indispensável que se legisle para que todas as contas que actualmente são remetidas ao Ministério venham ajustadas e verificadas por organismos competentes.
Mas nus administrações dos portos e caminhos de ferro, tanto de Angola como de Moçambique, existe ajustamento e verificação das contas antes de serem remetidas ao Ministério. E a sua administração é exemplar.

O Sr. Pereira Jardim: - É que eu desejava sublinhar esse ponto: nos caminhos de ferro de Moçambique, quer n fiscalização, quer a actividade administrativa, suponho que são um modelo que só ganhava em ser seguido.

O Orador: - Exactamente.

Sr. Presidente: a rede rodoviária da província tem motivado justos reparos pelo estado deplorável em que se encontra, quando o movimento tende a aumentar consideràvelmente.
Mas no orçamento do ano corrente foram inscritas despesas de milhares de contos para obras a realizar nos estradas da província e; além disso, está elaborado um plano de estradas do qual consta: uma estrada que constituirá a coluna dorsal da província, partindo da fronteira com o Natal; em Catuano, irá terminar em Quionga na margem direita do rio Rovuma, passando por Lourenço Marques, Inhambane, Beira, Quelimane, Nampula e Porto Amélia.
Esta estrada é indispensável à actividade da província. Será grande e extraordinário melhoramento público.
No estado actual da rede rodoviária de Moçambique não é fácil ir do Norte ao Sul da província sem ter de utilizar estradas dos territórios vizinhos.
Se muito nos convém a ligação internacional rodoviária, certo é que não podemos dispensar as ligações internas próprias da província.
Mas, Sr. Presidente, a uma circunstância muito especial teremos de atender no traçado dessa estrada, que irá atravessar longitudinalmente de norte a sul a província de Moçambique.
Como se sabe os terrenos de leste, mais próximos da costa, são em grande parte de aluvião. Alagam-se frequentemente, prejudicando a estabilidade e segurança das obras de arte, das pontes.
Está, portanto, naturalmente indicado deslocar o traçado da estrada longitudinal mais para poente, para a montanha, para terreno mais firme.
Eis uma advertência que muito conviria ser atendida por quem de direito.
Sr. Presidente: no plano de estradas de Moçambique foram consideradas com particular cuidado, como convém aos interesses da província, as ligações internacionais.
Procurou-se que ficasse assegurada a ligação com os territórios vizinhos por meio das estradas seguintes: Beira-Rodésia do Sul; Tete-Rodésia do Sul; Tete-Niassalândia e Quelimane-Niassalândia.
E creio que não foi considerada a construção de qualquer estrada de ligação do Niassa com a Niassalândia, porque uma estrada já passa perto do posto administrativo de Mandimba, junto à fronteira com aquele território inglês.
Assim vai caminhando seguramente a administração de Moçambique, no sentido mais conveniente aos superiores interesses nacionais e da província.
No entanto, é convicção de muita gente que o território da província tem grande riqueza mineral, sobretudo no distrito de Tete, onde existe ouro, chumbo, urânio e carvão, que, convenientemente explorados, dariam à província de Moçambique o mais extraordinário impulso ao seu progresso e desenvolvimento.
As regiões mais valiosas em vestígios auríferos e carboníferos ficam situadas ao norte do paralelo 22, em Tete e na Beira, onde se fazem já valiosas explorações.
Não admira, pois, haver quem alimente a esperança de o futuro da província de Moçambique residir nas suas possibilidades mineiras.
É grande também a riqueza dos cursos de água da província, e a um deles, ao rio Revué, nos seus aspectos hidroeléctrico e hidroagrícola, se referiu o nosso ilustre colega Sr. Engenheiro Pereira Jardim na sessão de 9 do corrente.
Ultimamente muito se tem falado nas condições naturais que as margens do rio Revué apresentam para aqueles fins, e nesse sentido parece que já se fizeram alguns estudos preliminares.
Embora o estudo hidrológico da bacia dos rios e da natureza geológica das suas margens demande muito tempo e despesas e requeira técnicos especializados, estou certo de que ao Revué também chegará a sua vez, depois do Limpopo e do Movene, assim como virá o dia do aproveitamento do Zambeze, que é o grande rio que mais possibilidades oferece ao progresso da província de Moçambique.

O Sr. Pereira Jardim: - No que diz respeito à presumível riqueza mineira que V. Ex.a referiu, e muito bem, interessa sublinhar que em Moçambique não ficaram esquecidas no Plano de Fomento; esse aspecto foi considerado. Nesse aspecto que foi considerado suponho que o Governo marcou uma directriz que se orienta no sentido de vivo interesse para a economia da província. Foram adjudicados os estudos de prospecção mineira a uma empresa americana e só temos de lamentar que esses técnicos estrangeiros, infelizmente, estejam a realizar trabalho deficiente, ao contrário do que era legítimo esperar, e temos de afirmar que os serviços dê fomento mineiro de Moçambique, dentro da exiguidade dos seus recursos, trabalharam, nessa matéria, muito melhor.
E pensávamos nós, embora ingenuamente, que os americanos nos viriam ajudar ...

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado Pereira Jardim, pelas suas informações.

ÍNDIA. - Começarei por me referir nos serviços com autonomia financeira no Estado da índia e cujos orçamentos privativos se encontram integrados no Orçamento Geral do Estado.
Na índia existem três serviços autónomos: os correios, telégrafos e telefones, a navegação da índia e a Provedoria da Assistência Pública.
Como já tive ocasião de dizer, nos termos dos disposto no artigo 22.º do Decreto n.º 17 881, de 11 de Janeiro

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de 1930, os orçamentos privativos dos serviços autónomos integram-se no Orçamento Geral e as importâncias das receitas e das despesas figuram na conta de exercício da província, mas não alteram o seu resultado, porque obedecem ao regime de consignação.
Vou indicar no quadro seguinte qual foi a cobrança das receitas consignadas em 1952 a estes organismos autónomos:

(ver tabela na imagem)

Devo informar que os serviços autónomos do Estado da índia arrecadaram estas receitas em 1952, que foram superiores às respectivas previsões, o que denota bom sintoma.
Dos três serviços só a Provedoria da Assistência Pública recebeu subsídio pelo orçamento geral da província. O subsídio concedido foi de 64 732 rupias.
Sr. Presidente: na índia Portuguesa há numerosas obras de assistência. Pela conta de receitas e despesas próprias, em 1952, da Provedoria da Assistência Pública vê-se que foram distribuídos subsídios a duas dezenas de obras de assistência: ao Dispensário Anti-tuberculoso da Virgem Peregrina de Santa Inês; ao Asilo de Nossa Senhora dos Milagres, de Mapuçá, ao Asilo de Assistência aos Indigentes e à Infância Desvalida de Goa; à Obra Social do Patriarcado das índias Orientais; à Assistência Materno-Infantil; à Assistência aos Tuberculosos da índia Portuguesa; à Campanha Antituberculosa da Provedoria; ao Asilo de Alienados, de Chimbel; à assistência geral no distrito de Damão; à assistência geral do distrito de Diu; à Obra Social do Swani de Partagale; à Leprosaria Central de Macasana; à Santa Casa da Misericórdia de Goa; ao Hospício do Sagrado Coração de Maria, de Margão; à Obra Social da Classe Muçulmana; quatro bolsas de estudo para estudantes pobres de Goa; aos estabelecimentos e organizações de assistência do distrito de Goa; a Obra de Mendicidade para Indigentes Ambulantes; duas bolsas de estudo a estudantes pobres do curso superior na metrópole.
Por aqui se vê, Sr. Presidente, a luta que se trava na terra lusitana da índia contra a doença e contra a miséria.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Se no Estado da índia, na índia Portuguesa, não se notam os trágicos e pavorosos cortejos de famintos e de mendigos que abundam no território vizinho da União Indiana, alguma razão haverá que tem impedido essas cenas confrangedoras e dramáticas que se observam nas ruas das cidades da recente república hindu.
É a acção civilizadora e fundamentalmente cristã de Portugal, que é exercida em todo o território nacional de aquém e de além-mar.
É a virtude tão portuguesa da caridade cristã que realiza a obra de assistência e alivia a humanidade na doença, na invalidez, no infortúnio, na miséria.
Deus permita que no Estado da índia nunca se assista às cenas lancinantes de bandos de pedintes, sem pão, sem agasalho, sem leito, que os viajantes contam ter visto nas cidades da União Indiana.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: a situação da tesouraria do Estado da índia é desafogada e em 1952 apresentava-se melhorada, relativamente é mesma data - 31 de Dezembro - de 1951 -, na importância de 8 537 000 rupias.
Isto se verifica pela existência dos saldos em dinheiro:

Milhares
De
rupias

1951 ........................................... 2 828
1952 ........................................... 11 365
Para mais em 1952.................... 8 537

Melhorou também em 1052 a situação do movimento das cambiais adquiridas pelo Estado, passando do saldo credor de rup. 754:671-14-03 para o saldo devedor de rup. 123-15-09; isto é: o valor das cambiais adquiridas entrou totalmente nos cofres da Fazenda, deixando a seu favor unia diferença cambial de rup. 123-15-09.
Passando a examinar a relação por epígrafes, das operações de tesouraria efectuadas no ano de 1952, figura em primeiro lugar a rubrica "Abastecimento de géneros alimentícios", com o seguinte movimento:

Entrada ....................................... 8.338:685-03-03
Saída ......................................... 5.377:314-05-09
Credores ...................................... 3.527:616-04-11

Este resultado demonstra que a venda de géneros que se efectuou em 1952 fez entrar nessa rubrica o numerário que excedeu a saída em mais de 3 milhões de rupias.
É mais um índice a manifestar o desafogo da tesouraria no final da gerência de 1952.
Sr. Presidente: será conveniente que eu informe que de início a comissão encarregada de administrar o abastecimento de géneros alimentícios estendia a sua acção a vários géneros alimentícios; porém, hoje apenas se limita ao arroz e ao açúcar.
Não se julgue que por este sistema de abastecimento de géneros alimentícios se efectuem directamente vendas ao público, como do seu nome se poderá supor.
Os géneros vendem-se e distribuem-se pelo comércio.
O sistema montou-se no Estado da índia numa ocasião de emergência, porque então havia açambarcamento, preços exagerados, má distribuição e, consequentemente, faltavam géneros alimentícios para o consumo da população da província.
Este estado de emergência fez criar uma comissão encarregada dos serviços de regular a importação, a distribuição e o tabelamento de preços de vários géneros alimentícios.
Estes serviços têm-se ido apagando à medida que a situação se tem normalizado, e hoje estão, circunscritos, como já disse, ao arroz e ao açúcar.
É natural que durante a execução destes serviços tenha havido erros e defeitos resultantes do homem, mas não do sistema de emergência de que se lançou mão.
Feito o devido balanço, parece que no resultado final se apura que o "Abastecimento de géneros alimentícios" prestou um serviço útil ao consumidor.
Quanto ao fundo de reserva, apenas poderei dizer que foi esgotado para aproveitamento em contrapartida de créditos e ainda não voltou a ser reconstituído.
As dívidas do Estado reduzem-se à pequena importância de 96.256$, contraída no Fundo de Fomento Nacional e amortizável em dez prestações semestrais de 10.437$ 40 cada, ao juro de 3 por cento.
O empréstimo gratuito de rup. 649:284-15-08 do Banco Nacional Ultramarino é amortizável em 5 de Agosto de 1959.

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Foi sempre deficitária a posição da balança comercial do Estado da índia. Em 1926 a importação era avaliada em 5 685 000 rupias e a exportação em 1663 000, sendo, portanto, o saldo negativo de 4 milhões de rupias.
Hoje o saldo negativo é cerca de quinze vezes mais, o que não admira; mas a diferença entro os valores do importação e do exportação não é tão sensível; até se apresenta com tendência a diminuir a partir de 1950, como se poderá ver neste quadro:
E nesse sentido foi publicado o Decreto n.º 39 553, de 4 do corrente mês. Vejamos o mapa da importação:

(ver tabela na imagem)

Esta melhoria na balança comercial é devida principalmente ao aumento do valor das exportações de ferro e manganês e à diminuição nas mercadorias importadas, sobretudo arroz, como se verifica nos dois mapas que seguem.
Vejamos o mapa da exportação:

(ver tabela na imagem)

Neste mapa, relativo à exportação, verifica-se um aumento extraordinário de minério exportado.
De 1951 para 1952 a quantidade de ferro exportado aumentou de 280 610 t para 464 596 t e o manganês exportado aumentou de 61 874 t para 137 464 t.
O nosso ilustre colega Sr. Dr. Sócrates da Costa, na sessão de 9 do corrente, fez nesta Assembleia alusão ao grande desenvolvimento que tomara a indústria mineira no Estado da índia, indicando a tonelagem e o valor do minério exportado em 1951.
Pelos elementos que colhi referentes ao ano de 1952 vê-se que o trabalho nas minas aumentou ainda mais.
O aumento da extracção do minério de ferro e de manganês é de tal grandeza que produziu no Estado da índia um verdadeiro êxodo de braços que abandonaram a agricultura para se ocuparem mais lucrativamente nos trabalhos das minas.
Como este fenómeno teve reflexos na vida económica e social da província, o Sr. Governador-Geral, inteiramente apoiado pelo Conselho do Governo, propôs ao Sr. Ministro do Ultramar a criação do Fundo Económico, destinado principalmente a ser utilizado em empreendimentos de fomento agrícola e obras de assistência social e custeado, entre outras receitas, por incidência sobre o valor dos minérios exportados.
E nesse sentido foi publicado o Decreto n.º 39 553, de 4 do corrente mês.
Vejamos o mapa da importação:

(ver tabela na imagem)

Neste mapa verifica-se ser o arroz a mercadoria importada em maior quantidade e de maior valor; e, portanto, a que mais pesa desfavoravelmente na balança comercial do Estado da índia.
Sr. Presidente: quando foi submetido à nossa apreciação o Plano de Fomento tive oportunidade de dizer à Assembleia Nacional que o Estado da índia tinha o seu conhecido problema de a produção do arroz ser inferior ao consumo, e por isso se via na dura necessidade de importar cerca de um terço da produção local.
E com as obras hidroagrícolas dos canais de Parodá e de Candcapar se eliminaria parte do déficit cerealífero em dezenas de milhares de candis.
Sr. Presidente: o mapa que apresento da importação do Estado da índia traduz o que está a acontecer, e se previa, em consequência das variadas obras de irrigação que naquele Estado se têm realizado ultimamente.
Aumentou a produção do arroz, principal alimento da população.
E, Sr. Presidente, com as facilidades que o Decreto n.º 39 553, de 4 de Março de 1954, concede às obras de represamento de águas, reconstrução e reparação de valados e arroteamento de terrenos, empréstimos .para beneficiação em prédios de particulares e de comunidades destinados à cultura do arroz, somente temos a esperar que de ano para ano vá diminuindo o déficit cerealífero.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Este decreto de 4 do corrente mês, nas duas alíneas do § único do artigo 3.º, relativas ao fomento agrícola e mineiro, traduz o verdadeiro plano de acção administrativa daquela nossa província ultramarina.
Tenho fé em que o Fundo Económico será para o Estado da índia, guardadas as devidas proporções, como a C. A. F. F. A. tem sido para o progresso da grande província de Angola.
Oxalá assim venha a suceder.

MACAU. - Nesta província há um organismo autónomo constituído pelos serviços dos correios, telégrafos e telefones.
Para 1952 fora prevista para este organismo autónomo a receita de $ 1:947.310,00 e apenas se cobrou $ 1:896.227,71.

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O resultado da cobrança dos CTT em 1952 foi, portanto, inferior à previsão na quantia de $ 51.082,29. Este foi motivado principalmente pela diminuição no rendimento radioeléctrico, em consequência do menor movimento comercial que se registou em 1952.
A conta dos CTT fechou com um saldo positivo de f 412.305,53, porque se utilizou parte dos saldos de anos findos para contrapartida dos orçamentos suplementares:

Receitas cobradas ............................. $ 1:896.227,71
Contrapartida de saldos anteriores ............ $ 635.689,15
Soma ........................... $ 2:531.916,86
Despesas pagas................................. $ 2:119.611,33
Saldo positivo ................................ $ 412.805,63

A posição do fundo de reserva em 31 de Dezembro de 1952 acusava o montante de $ 9:181.098,79, assim constituído:

(ver tabela na imagem)

De 1951 para 1952 registou-se um aumento de $ 293.468,36, que foi proveniente de juros dos títulos da dívida pública portuguesa e de rendas dos prédios urbanos.
A província de Macau há muitos anos que dá o grande exemplo da constituição do seu fundo de reserva. E curioso é notar que tem restaurado e apetrechado os serviços públicos e realizado obras de fomento sem recorrer ao fundo de reserva.
Como dívida pública apenas há a mencionar o pequeno financiamento de 91.535$30, feito pelo Fundo de Fomento Nacional, a que se refere o Decreto-Lei n.º 38 257, de 18 de Maio de 1951, e destinado a aquisição de material para os serviços meteorológicos da província.
A balança comercial de Macau acusou sempre saldo deficitário; não admira, pois, que em 1952 o facto se repetisse.
Neste ano, apesar de não haver na província nem serviços aduaneiros nem repartição própria de serviços estatísticos, pode-se apreciar o comércio externo pelos elementos estatísticos e indicações fornecidas pelos serviços económicos, que se podem agrupar nas três alíneas seguintes:

a) Por motivo da situação actual no Extremo Oriente o movimento da importação e da exportação fez-se quase exclusivamente por intermédio de Hong-Kong;
b) Diminuiu consideravelmente em 1952 o movimento das medidas restritivas impostas pelos países exportadores;
c) A exportação no ano de 1952 diminuiu cerca de 5Q por cento, devido ao controle exercido na reexportação das matérias-primas e máquinas.

Convém esclarecer a Assembleia Nacional sobre as características do comércio externo de Macau, para melhor se compreender a sua economia.
A província vive do que importa da metrópole e dos países do Ocidente, para depois exportar para a China para o Oriente.
Ainda há poucos dias o nosso ilustre colega Pacheco Jorge, no seu brilhante discurso, nos disse que Macau era o entreposto do Ocidente com o Oriente.
Na verdade, Sr. Presidente, a vida económica de Macau assenta na sua posição de entreposto.
Enquanto a metrópole e as outras províncias ultramarinas, para melhorarem a situação da sua economia, procuram diminuir a importação, a província de Macau esforça-se por adquirir matérias-primas e máquinas para as vender à China.
Se a Macau muito mais fosse permitido importar do Ocidente, mais aumentaria a exportação para o Oriente.
Mas, Sr. Presidente, a situação internacional, em que angustiosamente o Mundo se debate, exige que se exerça controle, pelas respectivas agências consulares, para não abastecer a China comunista.
E, por sua vez, a China, que sempre forneceu Macau de arroz e açúcar por meio de divisas, passou ao regime de troca directa, mercadoria por mercadoria, desde que, a partir de 1950, se estendeu o regime comunista à zona chinesa junto à fronteira de Macau.
Exposta assim, ligeiramente, esta situação, melhor se poderá apreciar o que nos dizem os números do movimento comercial externo de Macau.

o seguinte quadro apresento os valores da importação e da exportação nos anos de 1951 e 1952:

(ver tabela na imagem)

Estes valores não revelam sintomas que agradem muito, mas também não vale a pena ter grandes preocupações, tanto mais que esta posição pode mudar de um momento para o outro.

Não está nas nossas mãos melhorar a situação internacional, embora nesse sentido o Governo de Portugal tenha contribuído com boa parte.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O que devemos é continuar com o mesmo zelo na economia das finanças, o que está inteiramente ao nosso alcance. E assim é que Macau pode dispor de elevada quantia proveniente de exercícios findos.
A posição dos saldos de exercícios findos no termo do período complementar do exercício de 1952, isto é, em 30 de Junho de 1953, era de $ 10:626.980,29.
Esta boa posição financeira é confirmada pela tesouraria.
A situação da tesouraria em 31 de Dezembro de 1951 e de 1952 era, respectivamente, de $ 7:548.781,00 e de $ 5:724.748,82, isto é, houve uma diferença para menos, em 1952, na importância de $ 1:824.032,18, mas em todo o caso manteve-se desafogada a situação da tesouraria.
Quero ainda referir-me à existência dos fundos que a província de Macau tem na metrópole, para melhor se ficar a conhecer a situação da sua tesouraria.
Em 31 de Dezembro de 1951 esta existência era de $ 318.545,70 e em 1952 tinha subido para $ 4:788.126,54, por motivo que adiante explicarei.
Vê-se, pois, Sr. Presidente, pelo que acabo de expor sobre as contas de Macau, que se deve considerar firme

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n situação da sua tesouraria e que, portanto, se poderá executar, sem haver dificuldades, a 1.ª fase do Plano de Fomento, que já foi iniciada.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: vou ainda referir-me ao problema que se levantou em Macau com as novas moedas postas em circulação.
Se faço referências a este problema é devido à influência que se exerce na situação das finanças públicas e na economia da província.
Macau transferiu, em 1952, para a metrópole a elevada quantia de 30 000 contos, para satisfazer as despesas de cunhagem da moeda divisionária, por determinação do Decreto n.º 38607, de 19 de Janeiro de 1952.
Foram cunhadas moedas de bronze de 5 e de 10 avos, de cuproníquel de 50 avos e de prata de l e de 5 patacas.
Estas moedas metálicas foram destinadas à substituição das cédulas que circulavam em Macau, no valor nominal de 50, 20, 5 e l avos.
Sendo postas a circular as novas moeda s, reconheceu-se que a população chinesa só com muita dificuldade as aceitava, sobretudo as moedas de l e de 5 patacas, por serem de reduzido tamanho, fraco peso e toque inferior as patacas que circulavam na província.
Não se vê, Sr. Presidente, que seja fácil aumentar a circulação das novas patacas com o ritmo que seria para desejar.

O Sr. Pacheco Jorge: - V. Ex.ª dá-me licença que lhe dê um esclarecimento?

O Orador:- Tenha a bondade.

O Sr. Pacheco Jorge: - Até 1939 circulavam em Macau, por tolerância, moedas de prata de origem chinesa, moedas de prata de Hong-Kong e a mexicana, todas denominadas l pataca, que tinham o peso de cerca de 27 g e o toque de 900 por mil aproximadamente. Depois, com a guerra, foram essas moedas recolhidas.
As moedas de prata cunhadas ao abrigo do Decreto n.º 38 607, por V. Ex.ª referido, têm o toque de 720 por mil e o peso de 3 g, no que se refere à moeda de l pataca.
Pode ver-se a reacção psicológica que essa diferença provocaria entre a população, principalmente chinesa, que ainda se não tinha esquecido das antigas moedas de prata. Além disso, há uma grande disparidade entre o valor facial e o valor intrínseco da moeda de prata cunhada. Como exemplo cito a moeda de 5 patacas, de prata, que até então nunca existiu naquelas paragens, designadamente em Hong-Kong e no Sul da China, cujo valor intrínseco é muito reduzido e está em desproporção com o poder de compra em papel-moeda de 5 patacas, que permite a compra de 37 g de prata fina, ao passo que a moeda metálica contém apenas 10,8 g da prata fina. Daí a resistência da população em aceitar esta moeda.

O Orador: - Muito obrigado pelos esclarecimentos de V.Ex.ª

TIMOR. - Não há nesta província ultramarina serviços autónomos em regime de exploração industrial.
Também não está constituído na província de Timor o sen fundo de reserva.

A dívida pública em 31 de Dezembro de 1952 atingia a importância de $ 5:102.080,43, assim discriminada:

(ver tabela na imagem)

Estas dívidas mantêm-se.
Com a invasão de Timor pagou Portugal por alto preço, em vidas e dinheiro, a insensatez e a desmedida ambição dos homens.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Timor ainda hoje sangra das feridas e da cura.
Das vidas, bastará citar os nomes do engenheiro Canto, de quem ainda há poucos dias foi honrada a memória, e do nativo e heróico D. Aleixo.
Dos dinheiros que a metrópole gastou para salvar aquela longínqua província, pela rubrica "Importâncias pagas pelo Governo da metrópole referentes à reocupação, à reconstrução e à reconstituição de Timor, fala a frieza destes números:
Contos
1945 ........................................... 15 425
1946 ........................................... 80 365
1947 ........................................... 40 662
1948 ........................................... 25 661
1949 ........................................... 20 371
1950 ........................................... 15 000
1951 ........................................... 15 000
1952 ........................................... 12 000
224 484

Até 1951 a metrópole despendeu) sem reembolso, para salvar o martirizado Timor a importância de 212 484 contos.
Em 1952 a metrópole cedeu a Timor a importância reembolsável de 12 000 contos para a execução do plano de fomento da província.
212 484 contos, sem reembolso, gastos pela metrópole em Timor!
Em que teria sido gasta too elevada importância?
Nas despesas militares de reocupação e no fornecimento de mantimentos e de materiais de construção destinados à instalação provisória dos funcionários e dos serviços depois da reocupação.
Sr. Presidente: analisemos agora o resultado das contas de exercício da província.

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Elas têm dado resultados positivos, e a conta de 1952 acusa o saldo de 2:417.185,49. Mas, Sr. Presidente, é preciso esclarecer que Timor para equilibrar os seus orçamentos precisou de subsídios, que lhe foram concedidos por outras províncias ultramarinas, nas seguintes importâncias:

1951 .......................................... $ 2:054.870,66
1952 .......................................... $ 1:040.000,00
1953 .......................................... $ 800.000,00

Como se vê, à medida que Timor se vai reconstituindo, necessita cada vez de menor subsídio; e supõe-se que a partir de 1955, a província já possa viver dos seus próprios recursos.
A sua reconstituição é um facto registado no movimento do seu comércio externo.

(ver tabela na imagem)

O saldo negativo da balança de pagamentos tem vindo a decrescer anualmente. O valor da importação mantém-se, mas a exportação tem aumentado de volume e de valor.
Os principais produtos de exportação - café (Arábica, Libéria e Robusta), copra e borracha - figuram com as seguintes quantidades e valores em 1950, 1951 e 1952:

(ver tabela na imagem)

A reconstituição de Timor é difícil, mas faz-se, embora lentamente.
A situação da tesouraria em 31 de Dezembro de 1952 (metal e notas) computava-se em $ 4:605.186,61.
Pelos índices que acabei de apontar é de presumir que a província dentro de alguns anos possa viver por si, que o equilíbrio da balança de pagamentos se restabeleça, que se liquidem pesados encargos do passado, e a prosperidade de Timor evidenciar-se-á então mais acentuadamente.
E tanto mais será de presumir que assim sucederá se atendermos ao notável esforço da administração pública desenvolvido ultimamente em Timor, conforme nos deu conhecimento da sua recente observação directa o nosso ilustre colega Sr. Prof. Dr. António de Almeida.
Vou terminar -e já não é sem tempo- a minha análise sumária, muito superficial, as contas de exercício das oito províncias ultramarinas.
A V. Ex.a, Sr. .Presidente, agradeço Ter-me concedido estar no uso da palavra para além do tempo regimental.
Também agradeço a V. Ex.a, Sr. Engenheiro Jorge Jardim, as suas considerações e a preciosa indicação de que o fomento mineiro de Moçambique está incluído no Plano de Fomento.
A V. Ex.a, Sr. Dr. Pacheco Jorge, agradeço o esclarecimento que nos prestou sobre o problema da nova moeda posta a circular em Macau.
E a VV. Ex.as, Srs. Deputados, agradeço a atenção com que me escutaram e peço desculpa da minha falta de clareza e, sobretudo, da minha insuficiência em matéria tão importante e até delicada.
Não apoiados.
Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
A próxima é na segunda-feira, à hora regimental, com a mesma ordem do dia da de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

André Francisco Navarro.
António Calheiros Lopes.
António Camacho Teixeira de Sousa.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Ricardo Malhou Durão.
Tito Castelo Branco Arantes.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Alberto Cruz.
António Bartolomeu Gromicho.
António Rodrigues.
António Russell de Sousa.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Baltasar Leite Rebelo de Sousa.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Sousa Machado.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Sarmento Vasconcelos e Castro.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Trigueiros Sampaio.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Página 810

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