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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 55
ANO DE 1954 3 DE DEZEMBRO
ASSEMBLEIA NACIONAL VI LEGISLATURA
SESSÃO N.º 55, EM 2 DE DEZEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a senão às 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 54.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Pinto Barriga, para um requerimento; Urgel Horta, que se referiu, com louvores, ao movimento desportivo português e mencionou a inauguração, ontem levada a efeito, do estádio do Sport Lisboa e Benfica; Paulo Cancela de Abreu, para anunciar um aviso prévio sobre problemas ligados a vinicultura; Cortes Lobato, que insistiu pela remessa de determinados elementos que solicitara em Fevereiro passado ao Ministério das Finanças; Pinto Cardoso, que se referiu aos progressos da província da Quina e a projectada viagem do Chefe do Estado aquela provinda no próximo ano; Melo Machado, sobre os inconvenientes do excessivo plantio da vinha, e Sousa Rosal, para chamar a atenção do Governo sobre certas anomalias quanto a vencimentos do activo, pensões de reserva, reforma e invalides.
Ordem do dia. - O Sr. Deputado Teófilo Duarte realizou o seu aviso prévio sobre a presente situação no Estado da Índia.
Requerida a generalização do debate pelo Sr. Deputado Dinis da Fonseca, usaram da palavra este Sr. Deputado e o Sr. Deputado Carlos Moreira.
O Sr. Presidente declarou encenada a sessão às 19 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Fez-te a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Cortês Lobão.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
António dos Santos Carreto.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto Cancela de Abreu.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Baltasar Leite Rebelo de Sousa.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
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Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Sousa Machado.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José doa Santos Bessa.
José Sarmento Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Lius Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereiro.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 74 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 54.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Em vista de nenhum Sr. Deputado pedir a palavra, considero-o aprovado.
Tem a palavra para um requerimento o Sr. Deputado Pinto Barriga.
O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: mando para a Mesa o seguinte requerimento:
«Por não ter sido ainda recebida a documentação solicitada, ao abrigo do artigo 96.º da Constituição, ao Ministério da Economia e ao respectivo Instituto do Pão em 4 de Outubro do corrente ano, requerimento esse que junto por duplicado e que se dá aqui como reproduzido, venho, nos termos regimentais, instar pela remessa das informações com a urgência que o problema demanda.
Outrossim roqueiro, por esse mesmo departamento do Estado, a cópia dos seguintes relatórios ou estudos ou, ainda, inquéritos:
1.º Da comissão a quem foi confiado o exame do nosso regime cerealífero em 1954;
2.º Sobre a influência na qualidade dos trigos nacionais, quer devida a variáveis condições meteorológicas, quer próprias das variedades desse cereal empregado como semente, quer ainda das práticas culturais, e a consequente repercussão sobre o seu valor de panificação, verificado pêlos métodos de Pelshenke, de Kranz ou de qualquer outro que para tal fim tenha sido utilizado;
3.º Sobre o valor alimentar e energético do nosso pão em face do actual regime cerealífero;
4.º Sobre o aproveitamento na moagem e panificação dos chamados trigos de melhoramento;
5.º Sobre a renovação e actualização dos métodos e taxas de industrialização moageira e de panificação, de modo a não incitar, ou mesmo convidar, pela sua quase negativa produtividade económica, a fraudes repetidamente praticadas ;
6.º Discriminação dos actos de coordenação corporativa promovidos por esse Ministério para dar exacto cumprimento ao artigo 34.º da Constituição nas indústrias relacionadas com o pão, entre as quais avulta o reexame da liberalização de compra de farinhas pêlos industriais que as utilizam, de modo a estabelecer uma concorrência, não para aviltar preços, mas melhorar a qualidade do produto».
O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: levam-me as circunstâncias da hora que atravessamos a abordar, nesta tribuna, uma causa de alta finalidade e importância social: a causa do desporto e da educação física, de que fui em tempos praticante entusiasta e sempre indefectivel propagandista.
Hoje continuo acompanhando e seguindo com o mais vivo interesse o desenvolvimento sempre crescente que o movimento desportivo vem adquirindo no mundo inteiro, e acompanho-o muito especialmente no nosso país, onde em todos os sectores se faz sentir a sua poderosa acção.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O desporto é uma grande escola, baseada num ideal impregnado de beleza, na suprema aspiração de procurar atingir equilíbrio perfeito à nossa actividade funcional e orgânica.
É fonte de energias disciplinadoras, do corpo e do espírito, caudal de entusiasmos num justificado anseio de aperfeiçoamento físico e moral, condensador de aspirações duma mocidade sempre pronta a valorizar-se e a robustecer-se para engrandecimento e defesa da Pátria. E assim o tem compreendido o Governo da Nação, dedicando-lhe a atenção devida, bem integrado na finalidade de valorização dum património a que estão ligados sentimentos, os mais dignificantes, e ainda bens morais e espirituais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Portugal, que atravessa um período de notável progresso, de franco renascimento, filho da boa política sustentada e mantida pelo Governo, tem sentido no campo desportivo a sua acção potencializadora e protectora.
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O Governo, compreendendo a força vitalizante que o desporto encerra, como criadora de energia e saúde, disciplinadora do espirito na formação de um carácter individual e colectivo, tem dispensado ao desporto toda a protecção que este merece.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Os factos falam mais alto que as palavras, e é oportuno recordar neste instante e neste lugar as afirmações que o Sr. Presidente do Conselho fez em 1933, quando em manifestação calorosa os homens orientadores do desporto nacional lhe foram transmitir as conclusões do seu primeiro congresso:
Temos de reagir pela verdade da vida que é trabalho, que é sacrifício, que é luta, que é dor, mas que é também triunfo, glória, alegria, céu azul, almas lavadas e corações puros, e de dar aos Portugueses, pela disciplina da cultura física, o segredo de fazer duradora a sua mocidade em beneficio de Portugal. Eis porque muito bem compreendo o vosso sentir, as vossas aspirações, e porque creio tanto como no ressurgimento da nossa pátria pelas virtudes da vossa mocidade, que na realização metódica e certa das que me são agora presentes.
Sr. Presidente: nestas afirmações de tão autorizada e alta personalidade se encerra um vasto programa de actividade em favor do progresso material e moral da causa desportiva.
O Estado tem dado ao desporto, em todos os campos, tudo quanto lhe é necessário à sua propaganda e à sua expansão.
A criação de campos de jogos espalhados por todo o País e de estádios monumentais; o auxilio prestado aos clubes para melhoria das suas instalações; a criação de fundos especiais e subsídios destinados às agremiações que deles necessitem; a presença de atletas em campeonatos internacionais; o envio de delegados a congressos realizados em países estrangeiros; a instalação de centros de medicina desportiva; a actualização de princípios e criação de organismos regulamentadores e defensores da boa ética desportiva, como a Direcção-Geral dos Desportos e Saúde Escolar e o Instituto Nacional de Educação Física; a criação, com estatuto especial, da Mocidade Portuguesa, e tantas outras notáveis medidas tomadas em favor das novas gerações - esperança e futuro do Portugal de amanhã -, demonstram com eloquência e verdade a compreensão, a vontade e o esforço do Governo, que bem merece franco e sincero apoio da massa desportiva da Nação. E, fundamentando eloquentemente as minhas afirmações, medite-se na grandeza do sen significado futuro e presente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Lisboa, bela e progressiva capital do mundo português, foi ontem teatro de um acontecimento desportivo que não pode deixar de ser apreciado, como é de inteira justiça fazê-lo.
De norte a sul do Pais a inauguração do magnifico estádio do Sport Lisboa e Benfica dominou a alma do povo, numa eloquente manifestação de entusiasmo, associando-se à alegria daqueles que ao desporto têm dado ou ligado uma grande parcela da sua vida.
Não podem fechar-se os olhos às realidades do presente.
A inauguração do magnifico estádio do Benfica transcendeu os limites de uma manifestação clubista e regionalista, pelo interesse com que foi vivida.
O mesmo facto, deveras consolador, que é preciso anotar e não esquecer, se verificou já quando da inauguração do majestoso Estádio Nacional, do estádio do Futebol Clube do Porto e do Estádio 28 de Maio, de Braga, realizações que honram quem as efectivou e honram também a causa que lhes deu origem-a causa desportiva, profunda e eminentemente patriótica e nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Quem como nós durante largos anos tem acompanhado o desenvolvimento sempre crescente das actividades desportivas não pode deixar de experimentar um sentimento de ufania, de orgulho, ao exteriorizar perante a Assembleia Nacional o sen vivo aplauso pela obra realizada pelo Benfica, à custa de intenso labor, dominando todas as responsabilidades e vencendo todas as dificuldades.
É uma obra de sacrifício honrado em favor do ideal tão rigorosamente observado e cumprido, dentro do ecletismo de uma colectividade de tradições tão brilhantes!
O estádio que os homens do Benfica ergueram em Carnide, para glória e engrandecimento do grande clube, fica ali como padrão a atestar às gerações vindouras dos seus associados a fé, a energia e a vontade de quem tão devotadamente soube lutar e soube vencer.
E nesta hora de triunfo não posso deixar de lembrar o valioso apoio moral e material que os altos poderes do Estado e os seus organismos técnicos sempre têm dispensado aos anseios da população desportiva.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: foi brilhante a festa de ontem, a que presidiu o ilustre Chefe do Estado, assistido pelo Governo e com a presença de altas presonalidades da política, da ciência e das artes, e o povo humilde comungando no mesmo entusiasmo.
Portugal desportivo esteve em Carnide associado ao acto de verdadeira consagração a que o Benfica com real merecimento deu causa.
Sentiu-se a vibração e a fé dos grandes momentos.
A bandeira das quinas, orgulhosamente batida pelo vento e dourada pelo sol, na majestade e na grandeza do seu alto simbolismo, dominava o conjunto como afirmação solene da eternidade da Pátria e confiança depositada na mocidade de Portugal - esperança de hoje, certeza de amanhã.
E a cansa desportiva bem tem sabido honrá-la e dignificá-la.
Sr. Presidente: daqui, do alto da minha tribuna de Deputado, velho praticante e dirigente, saúdo o Benfica, apontando-o como exemplo que deve ser imitado e seguido, a bem da Nação.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: ao abrigo do artigo 49.º do Regimento, desejo ocupar-me, mediante aviso prévio, dos problemas do plantio da vinha, dos preços do mercado dos vinhos e da sua exportação, nomeadamente para o ultramar.
É grande o interesse do País por estes e outros assuntos relacionados com a vitivinicultura nacional e está cansando justificado alarme na lavoura das regiões onde a vinha constitui a cultura apropriada e tradicional o extraordinário incremento do plantio em regiões mais susceptíveis de outras culturas e onde o menor custo do granjeio e a maior produção por unidade permitem condições de concorrência insuportáveis para a lavoura onde
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o casto tem de ser forçosamente mais elevado e a produção unitária é mais escassa.
A exportação para o estrangeiro, cada vez mais dificultada pelo aumento geral da produção, pelos preços mais acessíveis e por maior proximidade dos mercados, não é de molde a trazer solução completa para o problema através do esgotamento do excedente de uma produção anual que já excede a dezena de milhões de hectolitros.
É certamente animador o grande incremento da exportação para as províncias ultramarinas, e especialmente para Angola, e não pode negar-se a sua benéfica influencia; mas ela está longe de atingir e nunca poderá constituir um volume tal que sequer absorva o alarmante aumento de produção que os novos plantios estão a originar.
Mas esta importante fonte de esgotamento pode tornar-se cada vez mais abundante e atingir mesmo grande relevância na concorrência com as bebidas cafreais, se o Governo a amparar, a impulsionar desde já, entre outras medidas, com a redução dos fretes marítimos e terrestres e dos encargos aduaneiros e estabelecer nos armazéns do destino e, quanto possível, junto do retalhista a fiscalização rigorosa da genuinidade do produto, fiscalização esta que, segundo informação oficial que requeri e me foi fornecida, não se faz.
É de considerar também a possibilidade da utilização de um sistema mais económico de embalagem ou acondicionamento no transporte dos vinhos para o ultramar.
São estes os aspectos que me proponho contemplar, em presença de alguns elementos que requeri e obtive através da Presidência da Assembleia, e tendo especialmente em vista abrir debate sobre um dos móis transcendentes assuntos que interessam à economia nacional.
Tenho dito.
O Sr. Cortês Lobão: - Sr. Presidente: na sessão do dia 25 de Fevereiro passado, como vem publicado no Diário das Sessões n." 37 requeri, pelo Ministério da Economia, várias informações.
Apesar da urgência não entraram até hoje na Assembleia Nacional os elementos pedidos.
Peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, o maior interesse para que me sejam fornecidos com urgência esses elementos.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Vou mandar insistir pela satisfação do requerimento de V. Ex.ª
O Sr. Pinto Cardoso: - Sr. Presidente: na última sessão legislativa não me foi possível, devido aos meus afazeres profissionais, intervir directamente nos trabalhos desta Assembleia.
Os mesmos motivos me levaram, por vezes, a incomodar V. Ex.ª, pedindo me relevasse a falta de assiduidade. V. Ex.ª, amavelmente, sempre me atendeu.
Contudo, não deixei de seguir, atentamente, tudo quanto nessa primeira sessão se realizou.
Sr. Presidente: é esta a primeira vez que tenho a honra de falar nesta Câmara.
Ao fazê-lo, quero começar por lembrar as justíssimas homenagens que tem sido prestadas a V. Ex.ª, às quais me associo com a sinceridade que sempre tenho posto em todas as coisas da minha vida e sem qualquer intuito de lisonja.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tinha já uma respeitosa consideração por V. Ex.ª, mas só no decorrer dos trabalhos desta Assembleia tive ocasião de, mais de perto, apreciar as suas qualidades e, Sr. Presidente, não sei que mais admirar, se a invulgar inteligência, se o aprumo moral e carácter integro, se a austeridade cheia de simpatia, se, ainda, a forma como em perfeito equilíbrio V. Ex.ª conjuga tantas qualidades e as põe ao serviço desta Casa. Faço votos, Sr. Presidente, para que Deus o conserve entre nós por muitos anos, para que continuemos a ter um bom amigo e, em toda a acepção da palavra, um bom conselheiro.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Permita-me V. Ex.ª que dirija também algumas palavras aos ilustres Sr s. Deputados.
Palavras de saudação e, com elas, a afirmação de quanto tenho apreciado e me têm sido úteis os ensinamentos colhidos através dos vossos discursos e intervenções. Faço-lhes os melhores cumprimentos e ofereço uma leal camaradagem e espírito de colaboração em tudo quanto seja para servir a nossa pátria. Para isso aqui estou.
Sr. Presidente: encontro-me neste lugar sem que para tal tenha feito qualquer diligência. Devo à Guiné, onde vivi quase uma dezena de anos, o honroso cargo que fui chamado a desempenhar. Recordo com saudade o tempo que ali permaneci e onde devotadamente trabalhei.
Lá deixei amigos que não esqueço e foram eles que me trouxeram perante V. Ex.ª
Em representação daquela província, aqui estou, não para defender os seus interesses, acautelados pelo seu hábil governador, e que nunca foram nem são esquecidos por outro, que foi seu governador ilustre, ali sempre lembrado e querido - o Sr. Ministro do Ultramar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Antes aqui estarei para contribuir e acompanhá-la no seu progresso, dedicar-lhe as melhores atenções, procurando continuar a servi-la. E a Guiné, Sr. Presidente e Srs. Deputados, tudo merece.
Ao falar da Guiné - portuguesa desde o século XV -, não posso deixar de evocar a figura do Infante de Sagres, a epopeia dos Descobrimentos, a acção de Nuno Tristão.
E não poderia ainda deixar de recordar e viver as páginas da sua brilhante história - os séculos de lutas sem tréguas, em clima traiçoeiro, nesse tempo, contra a força e astúcia dos indígenas, contra a falta de recursos e o interesse e carinho da metrópole.
Evoco no governador Honório Barreto, natural da Guiné, tenente-coronel, cavaleiro da Ordem da Torre e Espada e comendador da Ordem de Cristo, todos os heróis da ocupação, que, sem distinção de raças, com o seu patriotismo, valor e lealdade, conservaram aquela parcela do nosso território.
Cito a decisão de Ulysses Grant, fazendo prevalecer a justiça contra a ambição estrangeira, resolvendo a nosso favor o pleito de Bolama - cidade que era, ainda não há muitos anos, capital da província e vive há mais de dois lustros na esperança de melhores dias.
Curvo-me em homenagem aos heróis da pacificação, lembrando aqueles - e tantos foram - europeus, cabo-verdianos e guineenses - todos portugueses - que ilustraram seus nomes no serviço da Guiné e permitiram, finda a campanha de Bissau, levada a efeito em 1915 pelo glorioso capitão Teixeira Pinto, o estabelecimento das condições indispensáveis ao desenvolvimento político, social e económico daquela província.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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O Orador: - Na verdade, é desde então que a Guiné, embora com disponibilidades muito reduzidas e nem sempre com o devido amparo da metrópole, começa a melhorar o seu campo de acção, desbravando a selva, abrindo estradas, criando centros comerciais, captando o indígena.
Drenam-se pântanos, lançam-se as primeiras pontes. Novos centros urbanos vão aparecendo. Abrem-se escolas. O comércio e a agricultura prosperam e antevêem-se os factores que hão-de melhorar as possibilidades económicas.
Mas, embora o progresso se vá acentuando, o caminhar é ainda lento e só passados os efeitos da primeira guerra mundial a acção continuada dos seus governadores consegue dar-lhe rumo mais seguro.
Depois, com o conhecimento das riquezas que a província oferece e a necessidade de as aproveitar, o ritmo de progressão acelera-se, e, então, assiste-se nos últimos anos a coisa surpreendente: a Guiné sacode-se, agita-se e lança-se abertamente na recuperação do tempo perdido.
Mercê do apoio moral e material dispensado pelo Governo Central na grande obra de renovação encetada pelo Presidente do Conselho, Sr. Dr. Oliveira Salazar, a Guiné contagia-se e, na presença do Subsecretário de Estado engenheiro Sá Carneiro, representando o Governo da Nação, consegue, em comunhão com a Pátria, comemorar o seu meio milénio de existência com notável série de realizações, em tal quantidade e qualidade que facilmente se não esquecerão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E, entre tantas até agora realizadas, poder-se-ão citar: o aproveitamento e valorização de terrenos para a intensificação das culturas; o repovoamento florestal; a estancia de repouso e a mata em Varela; a assistência sanitária e as campanhas contra a doença do sono e de combate à ancilostomíase; a captação e distribuição de água em Bissau; o estabelecimento de fontes em grande número de povoações; a substituição dos motores e da rede eléctrica da capital e o apetrechamento eléctrico das sedes das circunscrições; o estudo e aprovação dos planos de urbanização; a gradual substituição das pontes de madeira; o melhoramento das vias de comunicação; a abertura de mais escolas e do Colégio-Liceu de Bissau; o alargamento da acção missionária; a construção de edifícios públicos e de iniciativa particular; as casas para funcionários; o asfaltamento das ruas e avenidas de Bissau; o aeroporto e a sua estrada de ligação, o estádio, a continuação da obra social e cultural, que são sem dúvida melhoramentos dignos da época em que vivemos.
Destaco a difícil execução da ponte de Ensalmá, ligando a ilha de Bissau ao continente africano, velha aspiração da província, preocupação e anseio de tantos e ilustres governadores.
Mas há mais ainda: a ponte-cais de Bissau, notável obra da engenharia portuguesa, solenemente inaugurada em 28 de Maio do corrente ano, pelo ilustre Subsecretário de Estado Prof. Raul Ventura, em representação do Governo Central, é, sob todos os aspectos, uma obra magnifica que se impõe e de larga projecção económica no futuro da Guiné.
A acção do então governador Sarmento Rodrigues, em boa hora continuada pelo governador Serrão, marca indiscutivelmente o início de um dos períodos áureos da história da Guiné, que, com a execução do seu plano de fomento, consegue não só a conclusão e o apetrechamento da ponte-cais de Bissau, como do seu aeroporto, que ficava em condições de poder ser aproveitado em ligações mais directas entre a metrópole e a província.
O mesmo plano considera ainda, além da continuação do aproveitamento para as culturas de grandes áreas de terreno, a construção de outros cais e novas pontes, a regularização e dragagem do rio Geba, a construção em Bafatá da ponte sobro o mesmo rio, obra que está em curso e que, devendo ficar concluída durante o próximo ano, constitui, pelas vantagens que traz à economia da província, mais um padrão de indiscutível valor.
O Plano de Fomento, atribuindo-lhe a importância de 78 000 contos, dá ensejo à Guiné de mais poder valorizar-se, continuando a afirmar-se em notável progresso, que se situa no mesmo plano do das suas irmãs ultramarinas. Nada lhes terá a invejar.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: perdoem-me V. Ex.ª este meu devaneio sobre as coisas da Guiné. É que tanto me lembro dela que quase me esqueci de que estava já abusando da benevolência de VV. Ex.ªs
E ainda não referi qual a razão por que pedi a palavra.
Li nos jornais da manhã do dia 10 de Julho - não tinham terminado ainda os ecos da triunfal viagem do Sr. Presidente da República a S. Tomé e Angola - o relato das declarações que na véspera haviam sido feitas à imprensa pelo Ministro do Ultramar.
Era dada a notícia da visita do supremo magistrado da Nação, no ano de 1955, à Guiné e a Cabo Verde.
A decisão do Sr. General Craveiro Lopes vem dizer-nos que S. Ex.ª mais uma vez se não poupa a fadigas e sacrifícios quando se trata de servir a Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A projectada viagem constituirá novo e alto serviço.
A viagem à Guiné e a Cabo Verde reveste-se de tão grande importância como a que S. Ex.ª realizou a S. Tomé e a Angola.
Na história da Guiné, o caso é único e tem importância excepcional.
Nunca a Guiné, nos seus mais de quinhentos anos de existência, teve a suprema honra que em breve vai ter: a de receber o mais alto magistrado da Nação, que ali terá ocasião de a conhecer de perto, auscultar a sua gente, verificar o seu progresso e avaliar as suas necessidades. Será o abraço da Mãe-Pátria, será a consagração à sua filha mais velha dos seus cinco séculos de lealdade e de patriotismo.
A Guiné não deixará de lhe dedicar o maior carinho e as mais elevadas atenções e afirmará a sua inabalável fé nos destinos da Pátria e o grande orgulho de ser portuguesa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A sua população juntar-se-á para manifestar a S. Ex.ª, de maneira iniludível, quanta gratidão enche os seus corações pela honra concedida, e não deixará ainda de exteriorizar o seu agradecimento ao Governo da Nação, ao Sr. Presidente do Conselho, ao Sr. Ministro do Ultramar, por tantas benesses recebidas.
Tal como eu, a Guiné apresenta a S. Ex.ª o Presidente da República, Sr. General Craveiro Lopes, as suas melhores homenagens e a expressão do maior reconhecimento por tão alto serviço que assim presta à Guiné e à nossa pátria.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: já o ano passado, numa intervenção que aqui fiz antes da ordem do dia me referi ao grande perigo de se continuarem a fazer plantações de vinha em larga escala e cujo resultado será virmos a cair dentro de três ou quatro anos numa assustadora crise de superprodução, a que não vejo como acudir.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não preciso pintar o caso com feias cores: basta verificar que duas colheitas apenas regulares foram suficientes para criar uma situação de alarme na viticultura, para a qual é indispensável encontrar rapidamente uma solução conveniente.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Esta preocupação exposta aqui por mim no ano passado não é só minha nem diz apenas respeito aos viticultores portugueses.
Nos últimos meses do Verão passado reuniu-se em Paris o Office International du Vin, na sua 34.ª sessão plenária, e são das conclusões dessa reunião os seguintes números:
No Mundo
"Ver tabela na Imagem"
Na Europa
"Ver tabela na Imagem"
Em presença destes números, o Office verifica: que no conjunto a produção cresce num ritmo mais acelerado do que o consumo, o que ocasiona em certos países uma situação crítica, que ameaça tornar-se rapidamente inextricável, e recomenda a interdição de aumentar a superfície actualmente plantada.
A Conferência da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (Roma, 1953) também recomendava:
A Conferência, reconhecendo a importância da viticultura, que constitui, sob certos climas, a única actividade agrícola possível ou rentável, chama a atenção dos diversos Estados membros paru a extensão excessiva da plantação da vinha em relação ao consumo mundial, que pode conduzir a uma situação susceptível de se agravar ràpidamente se se lhe não der pronto remédio.
Apoia as recomendações do Office, em particular as que preconizam parar o crescimento da plantação da vinha no Mundo e orientar a produção vitícola para a melhoria da qualidade, em prejuízo da quantidade, nomeadamente pela selecção de castas e adaptação ao solo e ao clima: melhoria da qualidade dos vinhos no comércio pela uniformização das definições qualitativas e dos métodos de análise.
Para podermos ajuizar da gravidade deste problema, diremos que nesse relatório se calcula em 40 000 000 hl os excedentes de vinho de todas as categorias.
Poucas pessoas, mesmo entre os viticultores se apercebem de que a situação vinícola no nosso país sofreu uma transformação radical. Em poucas palavras esclarecerei V. Ex.ª:
Assentava a situação vitícola do Pais num regime de equilíbrio sabiamente encontrado pelo talentoso estadista que foi o conselheiro João Franco.
Em contrapartida dos privilégios concedidos ao Douro - região demarcada, restrição de barra, etc.-, cabia ao Sul o fornecimento de aguardentes para o benefício do vinho do Porto. Com esta situação de equilíbrio se viveu até há poucos anos e através dela o Sul via escoar-se boa parte da sua produção, transformada em aguardente, que, com o vinho do Porto, saía do País.
Mesmo quando havia excesso de produção, esse excesso era facilmente absorvido e arrecadado e transformado em aguardente, que tinha aplicação certa e pouca capacidade de armazenagem exigia.
Depois da última guerra o Douro entrou em crise, por falta de mercados para o seu magnífico e reputado vinho, e este sábio equilíbrio rompeu-se, pois, tendo-se restringido drasticamente o benefício do vinho do Porto, adoptou aquela região a solução de queimar os seus vinhos não beneficiados, para utilizar a aguardente deles obtida no tratamento daqueles poucos que ainda beneficia.
Desse modo, deixou o Douro de receber as aguardentes do Sul, ao qual falta por tal motivo esse escoadouro seguro para os seus excessos de produção não absorvidos pelo consumo.
A Junta Nacional do Vinho, a quem cabe o encargo de resolver os problemas vitícolas do Sul, vê por este simples facto diminuída para um sétimo a sua capacidade de armazenagem, e isto porque terá de passar a guardar vinhos, e não aguardentes, que não teriam consumo ou colocação.
Esta situação do Douro, que, como vemos, não interessa apenas aquela região, mas a toda a viticultura e ao País, quer-me parecer que precisa de ser ponderada, proficientemente estudada, perante a necessidade de se procurar remédio eficaz.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Parece evidente que mudaram vários factores que condicionavam as suas possibilidades e que é de absoluta necessidade abrir caminho perante as dificuldades que se antepõem.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não parece conveniente cruzar os braços perante essas dificuldades ou esperar teimosamente que voltem as circunstâncias passadas - infelizmente passadas - e que determinaram uma orientação que talvez já se não adapte às novas condições de vida no Mundo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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O Orador: - Não é, porém, do problema do vinho do Porto que quero ocupar-me, para cujo estudo me faltam os conhecimentos necessários.
O Douro tem altos valores a quem pode ser confiado esse estudo, sem deixarem de o enquadrar no interesse nacional.
Interessa-me, sim, neste momento, ser aqui o porta-voz da ansiedade que reina na viticultura perante as perspectivas de preços da presente e futura colheitas.
Já disse a V. Ex.ª que duas colheitas seguidas, não excepcionais, mas simplesmente regulares, bastaram para dar lugar a uma situação preocupante. A viticultura vê-se perante a possibilidade de uma queda de preços que afectará seriamente a sua situação económica.
Não podemos esquecer-nos da extensão que tem no País a cultura da vinha, a sua pulverização, o enorme número de braços que ocupa, o que a torna um elemento social e económico de primeira grandeza.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para dar a V. Ex.ª uma ideia fotográfica, mas impressionante, da importância deste assunto basta lembrar que, apesar da nossa pequenez territorial, somos o quarto país produtor de vinhos na Europa. A Franca ocupa o primeiro lugar, com 56 milhões de hectolitros, a Itália o segundo, com 50 milhões, a Espanha o terceiro, com 23 milhões, e nós o quarto, com 11 milhões.
Suponho não ser preciso dizer mais nada para pôr em extraordinário relevo a importância excepcional deste assunto.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Uma queda excessiva de preços teria, pois, consequências de natureza social que se me afiguram graves e o desastre económico que daí adviria não se restringiria apenas aos viticultores, mas abrangeria toda a economia nacional.
A nossa indústria e o nosso comércio vivem na maioria do mercado interno. A queda de possibilidades económicas em tão extensa classe como a da viticultura a uma e a outro afectaria necessariamente.
Tem-se justificado a necessidade de baixar os preços dos vinhos para exportação.
Se fosse necessário efectivamente fazer baixar os preços dos vinhos na produção, até às possibilidades o concorrência com todos os dumpings, câmbios convenientes, etc., não há dúvida de que arruinaríamos sem remição toda a viticultura nacional e com ela a economia do País, sem talvez, sem certamente conseguirmos aquilo que desejamos.
Na verdade, de momento, o que exportamos para o estrangeiro não vai além de 10 por cento do que produzimos. E será legítimo sacrificar os restantes 90 por cento a esses escassos. 10 por cento?
Precisamos de ir aos mercados com armas iguais às dos nossos concorrentes, se não queremos ser irremediavelmente vencidos.
Não creio que seja impossível encontrar uma solução para este assunto, que interessa não só à classe dos viticultores, mas ao País inteiro.
A Junta Nacional do Vinho é o instrumento necessário para estudar as soluções possíveis e executá-las. Basta querer, efectivamente, solucionar este assunto e dar força ao organismo, em vez de o deixarmos anemiar progressivamente, como se fosse possível afirmar que tem sido inútil ou ineficaz a sua existência ou que o seu desaparecimento não seria, sem dúvida de qualquer espécie, uma calamidade para a viticultura o um tremendo erro de administração.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A Junta Nacional do Vinho, se foi, inicialmente, uma ideia da própria viticultura, a que o Estado Novo deu possibilidades e vida através da Federação dos Viticultores, a Junta, dizia eu, é obra integral do Estado Novo. E obra feliz e obra útil e obra grande!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Porque não há-de este mesmo Estado Novo, que ainda, felizmente, nos rege, reverte orgulhosamente na sua obra, assisti-la corajosamente, para que, atingindo o máximo das suas possibilidades, possa solucionar, inteligente e praticamente, um problema que interessa profundamente a economia nacional?
Eis, Sr. Presidente, o que a viticultura espera e quer, como demonstram as representações apresentadas pêlos grémios da lavoura das regiões do Oeste e Ribatejo, que, se são porventura ligeiramente díspares em outros
pontos, são plenamente concordantes no fortalecimento o organismo que as orienta. Oxalá, Sr. Presidente, estes desejos da viticultura encontrem acolhimento favorável junto do Governo, como o merecem a sua importância e o patriótico esforço que desenvolve, sem esquecer que, estando-se desde ontem em plena campanha para a compra de vinhos desta colheita, a viticultura ainda não tem uma palavra de orientação.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sousa Rosal: - Sr. Presidente: começo por apresentar as minhas saudações a V. Ex.ª Com a publicação dos Decretos-Leis n.ºs 39 842, 39 843 e 39 844 pensou o Governo, segundo se diz no relatório que os antecede, realizar um justo equilíbrio de todos os interesses e mostrar a expressão aberta da sua boa vontade.
Tão excelentes propósitos quão difíceis de executar e de serem entendidos!
Na verdade, para o caso, as dificuldades não foram superadas nem satisfeitos os desejos.
A melhoria de vencimentos concedida não resolveu nem ajudou a resolver qualquer problema dos servidores do Estado,...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ...tão minguada ela lhes chegou às mãos, depois de aplicada a nova taxa para a Caixa Geral de Aposentações.
O seu padrão de vida, bom ou mau, manteve-se no mesmo nível.
As esperanças que se punham no, ajustamento dos pequenos ordenados às exigências mínimas do conforto e sustento e de um aumento impressionante nos abonos de família e sua generalização não se confirmaram.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Também desta vez os inválidos por efeitos de guerra ou desastre em serviço não viram acarinhadas as suas aspirações.
São mais sensíveis os descontentamentos provocados pelas novas leis de vencimentos do que os contentamentos.
O Governo já deve estar inteirado do sucedido, por intermédio dos serviços públicos, e apto a decidir e a esclarecer, de modo que se atinjam os objectivos que
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assinalou: procurar estabelecer o justo equilíbrio de todos os interesses e mostrar a expressão aberta da sua boa vontade.
Para que assim seja necessita de toda a colaboração. Não será de mais a que desejo prestar-lhe trazendo a esta Assembleia os comentários que correm, para que se discutam e o Governo deles tome conhecimento e possa ajuizar da sua razão ou sem razão.
O diploma que provocou o maior número de comentários foi o Decreto-Lei n.° 39 843, que regula as pensões de aposentação, reforma, reserva e invalidez.
E a ele que me vou referir circunstanciadamente.
Nele foi mantido o princípio de há muito estabelecido de não considerar as classes inactivas e de reserva com direito à actualização das suas pensões conforme as exigências do custo de vida.
Argumenta-se, para o fazer, com razões de natureza jurídica, mas é fora de dúvida que essa argumentação é falha de fundamentos morais.
Vozes: — Muito bem !
O Orador: — O Estado contraiu para com os seus servidores obrigações que deve manter em todas as circunstâncias, « até ao fim, com a maior humanidade.
A contribuição que se exige, de 1/9 sobre as remunerações que influem no cálculo das pensões do aposentação, reforma è reserva, afigura-se demasiadamente pesada para pensões calculadas já com remunerações modestas.
E certo que o Estado auxilia fortemente a Caixa Geral de Aposentações para esta poder pagar às classes inactivas, mas também é certo que isso se deve à imprevidência do próprio Estado, que só muito tarde a instituiu.
Sendo réu nesta causa, arvora-se em juiz, impondo iim abaixamento do nível de vida por puro critério financeiro, o que em muitos casos leva a situações de vergonha, quando para o equilibrar se tem. de recorrer a lugares impróprios da posição social dos aposentados, reformados e da reserva, e de desespero quando não se encontram os lugares ou a idade -e u saúde não permitem procurá-los.
A tributação sobre as pensões dos aposentados e reformados não fica por aqui.
Depois de calculadas estas pensões com a fórmula regulamentar, são artificiosamente cortadas no valor correspondente à quota que por lei deixaram de descontar para a Caixa Geral de Aposentações.
Isto tem por fim manter por meios indirectos um desconto indevido, iludindo assim o espírito da lei.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Esta prática, que nuo se aceita bem porque não se percebe, faz-me lembrar uma outra idêntica, que se enquadra nas considerações que estou a fazer.
Ao abrigo da legislação que alterou em 1937 o regime da reforma e reserva, passaram a esta classe oficiais que foram dispensados do pagamento de quota para a Caixa Geral de Aposentações.
A mesma legislação fixou o limite máximo das pensões de reforma e reserva no vencimento de igual patente do activo.
Aconteceu que os oficiais que não eram obrigados a contribuir para a Caixa Geral de Aposentações ficaram a receber mais a importância que não descontavam para esta.
Superiormente foi depois determinado que as pensões dos oficiais, nestas condições fossem diminuídas, por se entender que o limite de vencimentos devia ser referido ao que ae recebe e não ao que se abona.
Como este preceito era nitidamente contrário à lei, um oficial requereu que lhe não fosse aplicado.
O requerimento foi indeferido e o oficial recorreu do despacho para o Supremo Tribunal Administrativo.
Por acórdão deste Tribunal foi julgado procedente o recurso e o Ministério do Exército deu-lhe cumprimento.
Até aqui tudo é correcto.
O que sucedeu depois é que o não é.
Alguns dos oficiais que estavam nas mesmas condições do recorrente, sabendo do acórdão, requereram lhes fosse aplicada a doutrina deste.
A Administração recebeu os requerimentos e meteu-os na gaveta, impedindo assim que os interessados pudessem recorrer em caso de indeferimento.
Este procedimento deu lugar a uma situação inconcebível.
Entre tantos oficiais que, à face do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, têm direito a receber por inteiro a pensão de reserva, só um a recebe.
Se a Administração não queria generalizar a doutrina do acórdão, dispunha do recurso de alterar a lei paru a ajeitar ao seu critério.
Tinha estes dois caminhos à sua disposição para seguir: um que se afigurava direito e o outro torto à face da lei. Mus sempre eram caminhos.
Resolveu, porém, seguir por um atalho, onde os prejudicados não podem andar nem defender-se. Temos, em conclusão, de dizer que o gesto não foi bonito e não se aceita com agrado.
Se o Governo conhecesse o caso em detalhe, certamente terminaria esta irritante desigualdade.
Vozes: — Muito bem !
O Orador: — Na linha das anotações que estava a fazer ao Decreto-Lei n.° 39 843, que interrompi para apontar esto deslize da Administração, estava a falar no caso da diminuição de pensões de aposentação e reforma, em contrário dos preceitos morais e princípios legais que levaram a estabelecer a fórmula para as calcular.
Este encargo seria melhor recebido e entendido se, em lugar deste artifício, fosse determinado que os aposentados e reformados continuassem a descontar para a Caixa Geral de Aposentações enquanto não se normalizasse a vida financeira desta.
Ao mesmo tempo que se tributam demasiadamente as pensões, cria-se outra dificuldade para a aposentação, reforma e reserva, pondo cada vez mais alto o limite de tempo de serviço para se adquirir a pensão máxima, isto é, conservar naquelas situações o vencimento que tinham nos quadros efectivos.
Ao princípio era de trinta anos, depois de trinta e seis e agora de quarenta. Já é esticar muito apenas numa geração, mesmo que esta viva na época das vitaminas e dos antibióticos!
Este limite, fixado indistintamente para funcionários civis e militares, revela mais uma vez o espírito de incompreensão que tem levado a colocá-los no mesmo plano de direitos, como se não fosse muito diferente o plano dos deveres.
Diferenças que se assinalam nas exigências do recrutamento, nas provas de acesso dentro da escala hierárquica, nos rigores da disciplina e da justiça, mas exigências do vestuário e do fardamento, na multiplicidade de funções e missões e na fluidez da residência.
Diferenças que ressaltam de maneira impressionante nas normas e condições do trabalho e na natureza, e alcance dos deveres que competem aos seus graduados.
Os militares não constituem uma casta nem desejam usufruir regalias em relação ao que correntemente é
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justo conceder ao funcionalismo civil. Mas não pode ser tido como regalia ou favor do Estado ou da Nação tudo o que se fizer para manter num ambiente próprio aqueles a quem se exige que sejam sempre aptos e estejam sempre prontos para servir a Noção, a colectividade e o bem público.
Isto sem qualquer espécie de limitação, quer em terra, quer no mar e no ar, de dia ou de noite, em todos os dias de semana e do ano, chova ou vente, ora aqui, ora acolá, em toda a parte do Império, no espaço que o rodeia e nas suas rota vitais, e agora em todo o Mundo, pela palavra dada nos compromissos internacionais, e isto nas circunstâncias mais difíceis, pesadas e perigosas, onde se joga a própria vida.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É por isto e para isto que nos dias de hoje uns tantos militares estão na Índia.
A acrescentar a estas considerações, que afloraram a propósito de se estabelecer o mesmo limite do tempo de serviço para funcionários civis e militares, para se chegar à pensão máxima de aposentação, reforma e reserva, há que ter em conta os limites de idade, que nas forças armadas obrigam a abandonar os quadros efectivos relativamente cedo.
O funcionário civil termina aos 70 anos a sua carreira nos quadros activos, desde que as condições físicas o permitam, gozando até lá de todos os benefícios inerentes à situação de efectividade, designadamente promoções e vencimentos.
O militar tem a sua carreira cortada, mesmo que esteja em boas condições físicas, em idades que variam com os postos que nelas se atingem.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Os oficiais podem ser atingidos pelo limite de idade e colocados na reserva desde os 42 anos aos 65.
Os sargentos são colocados directamente na reforma aos 60 anos.
Estes baixos limites de idade estabelecidos pura os oficiais e sargentos são os julgados convenientes para garantir, uma segura actuação nas suas funções de chefia e de guia de outros homens. Missões das mais difíceis e honrosas.
O Sr. Pereira da Conceição: - V. Ex.ª dá-me licença?
Um sargento, entrando nas fileiras militares aos 21 anos de idade, nunca chega a ter a sua reforma por inteiro com quarenta anos de serviço, visto que aos 60 anos de idade, automaticamente, a lei passa-o à situação de reforma.
O Orador: - São esses casos que impressionaram o meu espírito e que me levaram a fazer estas considerações.
Outro caso, que confirma o que V. Ex.ª disse: um oficial da Aeronáutica que entre aos 21 anos de idade só poderá receber a pensão máxima se atingir o posto de brigadeiro.
Não se julgue que se trata de uma mera preocupação nossa. Nos exércitos estrangeiros os limites de idade são fixados em nível mais baixo.
Esta situação desigual pede um desigual tratamento.
Os trinta e seis anos anteriormente estabelecidos não seriam de menos para os militares.
De outra maneira só chegarão a receber a pensão correspondente à totalidade do vencimento aqueles que têm a sorte de alcançar os altos postos das forças armadas.
A situação de reserva, para onde são empurrados por este motivo os oficiais antes dos 70 anos de idade, levanta outro problema, que nunca foi posto nem resolvido com clareza.
Confundem-se geralmente as situações de aposentação ou reforma com a de reserva.
A situação de reforma dos militares é a que corresponde à de aposentação dos funcionários civis.
Ambas estas são de inactividade e atingem-se aos 70 anos de idade.
A situação de reserva é privativa das instituições militares, e não admira que muitos a não entendam.
Os que a ela passam, por força das exigências do serviço militar, não ficam pertencendo às classes inactivas.
Podem em tempo de paz ser chamados a prestar serviço efectivo e em tempo de guerra são obrigados à prestação de todo o serviço militar compatível com o seu estado físico.
Continuam a ser pagos por verba inscrita no Orçamento Geral do Estado, e não pela Caixa Geral de Aposentações, a qual não exerce sobre eles qualquer jurisdição.
Ora acontece que a mesma disposição do Decreto-Lei n.º 39 843, orientado para a Caixa Geral de Aposentações e para os que vivem de pensões reguladas por jurisdição da sua competência, trata indistintamente de aposentados, reformados, inválidos e oficiais de reserva, colocando-os no mesmo pé de igualdade quanto à determinação das novas remunerações.
Desta forma se quebra o regime de vencimentos em vigor para os oficiais da reserva ao serviço, sem o substituir por outro qualquer.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Esta omissão parece que surpreendeu mesmo a Administração, que não teve resposta pronta paru satisfazer os esclarecimentos solicitados pelos serviços de contabilidade, a fim de calcularem o vencimento a pagar aos oficiais da reserva em serviço a partir de l de Outubro findo.
O caso foi resolvido por critérios diferentes, segundo inspiração dos vários departamentos, e ainda está no ar.
Pode acontecer que não se trate de uma omissão ocasional, mas sim de deliberado propósito de relegar para o anunciado diploma sobre gratificações a solução do assunto.
Não se tem como boa esta solução.
Restabelecer o regime que vigorava anteriormente, quer quanto a vencimentos, quer quanto à contagem de serviço para a melhoria de pensão, estava mais de harmonia com as obrigações e circunstâncias que caracterizam a situação de reserva.
Seria justo que o direito à melhoria das pensões de reserva abrangesse indistintamente os oficiais que se encontravam na reserva à data da nova legislação e os que depois passarem a ela e de modo que todos pudessem beneficiar das regalias concedidas para além dos trinta e seis anos de serviço e até aos quarenta, englobando nelas também os que já tinham completado os quarenta unos de serviço.
Isto pode dar lugar a que se diga que os vencimentos dos oficiais da reserva, mesmo em serviço activo, não devem ser equiparados aos oficiais do quadro permanente, atendendo a que são menos pesadas as suas obrigações.
A esta observação pode objectar-se que bem basta, para lhes dar uma situação de inferioridade em relação ao quadro permanente e ao funcionalismo civil, o facto do lhes ter sido fechada definitivamente a porta de
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acesso a postos superiores e, consequentemente, estabilizados os proventos.
De contrário, pode até suceder que, ao serem chamados simultâneamente para o serviço um oficial de reserva e um oficial miliciano da mesma patente, este aufira maiores vencimentos do que aquele, visto que a lei manda abonar-lhe os mesmos vencimentos do quadro permanente, originando assim mais unia injusta e des-moralizante situação de inferioridade aos oficiais da reserva.
Prova-se pelo que tenho dito que a situação de reserva não pode continuar a ser tratada por simples disposições dispersas por vários diplomas. Está a pedir a publicação de uma providência legislativa que defina os direitos e obrigações da classe de reserva, para seu melhor aproveitamento, criando nela também um escalão para sargentos, de modo a poderem acompanhar os oficiais nos direitos e obrigações, com as diferenças impostas pela hierarquia e funções, do que resultaria benefício para os sargentos e vantagem para o Exército.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Também seria bom facilitar aos sargentos a oportunidade de serem considerados servidores do Estado de nomeação vitalícia.
Não há qualquer explicação para os manter indefinidamente sob o regime de contrato.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Eles merecem este gesto de apreço - que, no fundo, não traz qualquer encargo novo para o Tesouro - pela maneira dedicada e leal como servem as instituições militares e os chefes, dando a estes uma colaboração que lhes tem facilitado o esforço para colocar o Exército no nível de eficiência em que se encontra, pronto a servir a Nação e a honrar o regime.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O Decreto-Lei n.º 39843 ainda solicita mais uma anotação.
Ao abrigo da sua letra, as remunerações que servem de base ao cálculo das pensões de aposentação e reforma podem ser acrescidas de outros abonos sobre os quais incidam descontos para a Caixa Geral de Aposentações.
Esta disposição da lei deve ser bem esclarecida, para em consequência dela poderem aproveitar todos os que durante certo tempo foram abonados de vencimentos para além dos da sua categoria por serviços especiais e por serviços inerentes à categoria e que tivessem sido sujeitos a desconto para a Caixa Geral de Aposentações, como sejam as gratificações.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não se vá, por deficiência de redacção ou por acanhada interpretação, abranger apenas um número limitado de casos, porventura só aqueles que vieram à mente de quem redigiu o respectivo articulado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Também é omissa essa disposição quanto às pensões de reserva, mas não o devia ser, dada a mesma origem e a sobreposição dos elementos que entram no cálculo das pensões de reforma e reserva.
Cria o Decreto-Lei n.º 39 843 novos direitos com esta disposição e ao mesmo tempo, por efeito de um outro parágrafo do mesmo artigo que lhe dá vida, faz cessar outros direitos adquiridos há muito tempo e bem fundamentados.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Dá-se a uns servidores do Estado o direito de prolongarem para além da sua permanência nos quadros do activo os vencimentos especiais que receberam para além da sua categoria, por via das pensões de aposentação, e reforma. A outros, aos militares, acaba-se com o direito que tinham de aumentar a contagem de tempo de serviço para a reserva ou reforma com percentagens concedidas por comissão de serviço prestado no ultramar e por risco de voo ao pessoal navegante da Aeronáutica, ofendendo-se assim o princípio generalizado que manda respeitar legal e moralmente os direitos adquiridos.
Às pensões de aposentação e reforma permite-se alcançar o vencimento máximo da respectiva escala, independentemente da categoria que os interessados tenham no seu quadro.
Para as pensões de reserva limita-se o seu quantitativo ao do vencimento da categoria do interessado nos quadros permanentes. E ainda mais: os militares que tenham sido abonados de vencimentos superiores aos da sua categoria, para colherem os frutos que por este facto lhes oferece a referida disposição de lei, têm de ir directamente para a reforma, já porque a lei também excluiu expressamente dessa vantagem os oficiais da reserva, já porque a limitação dos vencimentos com que os distingue o não permite.
Para as pensões de aposentação e reforma, diz o Decreto-Lei n.º 39 843 que o limite destas se situa na letra A. Quer dizer no vencimento máximo da escala de vencimentos.
Para as pensões de reserva nada diz, o que significa que se mantém só para ela o que estava determinado igualmente para as pensões de reforma e reserva.
Isto é, em nenhuma hipótese poderá permitir-se ultrapassar os vencimentos da efectividade que os interessados tinham quando da passagem a qualquer das duas situações. Como se pode concluir pelos apontamentos sugeridos pela leitura do Decreto-Lei n.º 39 843, deve haver certo desacerto entre o que se legislou e o que a prática aconselha, ou não estou na verdade da interpretação.
Para terminar, mais uma nota e um comentário a propósito.
Na última Ordem do Exército, 1.ª série, publica-se um decreto referente a serviços a prestar nas forças terrestres ultramarinas.
Neste diploma concede-se o direito de contar, para o efeito de reforma, o tempo de serviço nas forças terrestres ultramarinas, com o aumento que estiver consignado na lei. Quando se diz reforma deve querer dizer-se reforma e reserva. Mais um diploma legislativo que confunde as duas situações.
Na mesma Ordem, ao Exército, em páginas seguintes, nega-se esse direito, revogando o preceito da lei que o concedia, quando se diz que para efeito da forma de cálculo estabelecido para a pensão de reforma não intervirão os aumentos nos anos de serviço determinados pela aplicação de percentagens, exceptuadas as de campanha.
Isto de um mesmo documento oficial publicar dois diplomas, um reconhecendo determinados direitos e outro revogando a lei que se aponta, tem algum sabor a anedota. De certa maneira desperta-se um apetite e seguidamente nega-se o meio de o satisfazer.
Em conclusão: pode disser-se que o pensamento do Governo de promover com esta reforma de vencimentos
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um justo equilíbrio de todos os interesses não foi bem traduzido pelo redactor, dos decretos-leis. Nivelar funcionários civis e pessoal militar nas remunerações e nas condições com que se atinge a aposentação, reforma e reserva, não reconhecendo as condições peculiares de trabalho e as desta última situação, pode chamar-se um equilíbrio de interesses, mas não um justo equilíbrio de interesses.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E quanto ao desejo de manifestar uma aberta boa vontade, também se pode dizer que os decretos-leis não conseguiram exprimi-la suficientemente, apesar do valioso encargo que para o Tesouro resultou da sua aplicação.
Deve-se isto à dispersão por todos os servidores do Estado dos meios financeiros que foram mobilizados para tal, quando teria sido mais proveitoso e apreciado dirigi-los na sua totalidade para melhorar mais os pequenos ordenados e o abono de família.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O ponto fraco do problema dos vencimentos dos servidores do Estado continua a residir no critério que estabelece os vencimentos mínimos da escala de ordenados num nível abaixo das prementes necessidades da vida e não eleva substancialmente o abono de família nem reduz ao mesmo tempo as restrições a que está sujeito.
O abono de família deve ser mais Acarinhado, por ser elemento seguro para levar a bom termo as medidas de protecção à família estruturadas pelo regime, para dar vida e sentimento a doutrinas que inspiram a nossa política social.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - A ordem do dia é constituída pela efectivação do aviso prévio do Sr. Deputado Teófilo Duarte sobre a questão da Índia.
Tem a palavra o Sr. Deputado Teófilo Duarte.
O Sr. Teófilo Duarte: - Sr. Presidente: V. Ex.ª como quantos aqui se encontram, certamente compreende bem a preocupação com que subi a esta tribuna, depois da exposição do Sr. Presidente do Conselho, que, como de costume, esgotou o assunto. Limitar-me-ei, pois, a abordar o momentoso problema da nossa soberania no Estado da Índia, no seu aspecto genérico e pela seguinte ordem:
1.º Significado a darmos à apresentação de conceitos e a execução de um certo número de factos por parte do Governo da União Indiana. Quer dizer: possibilidades de guerra;
2.º Atitudes a escolher por nós perante tal eventualidade, como sejam: resistência militar, com todas as suas contingências, ou cedência dos nossos direitos, seguindo exemplos alheios. Quer dizer: forma de encarar aquele perigo;
3.º Deveres que nos são impostos pelo nosso direito e pela nossa tradição histórica, quer quanto às reivindicações formuladas, quer quanto a mudanças de orientação governativa. Quer dizer: medidas a adoptar para fazer face à ameaça.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Possibilidades de guerra.
A circunstância de estarem agora decorrendo factos da maior gravidade, que se vêm juntar a outros de marcada hostilidade, que de há tempos a esta parte a União Indiana vem praticando contra nós - e que não detalho porque isso foi feito na exposição que ouvimos há dias -, tal circunstância, digo, tornou imperioso e urgente o conhecimento por parte desta Assembleia da situação que eles vieram criar nas relações dos dois países. Por isso se anunciou este aviso prévio.
Informou-nos o Sr. Presidente do Conselho de que a União Indiana, tendo praticado agressões, abusado da sua força, realizado, enfim, actos que não se podem classificar, como quer o Sr. Nehru, de «não violência», mas sim de guerra, não pode continuar a desafiar indefinidamente a consciência do Mundo; e que, por conseguinte, ou revê a sua posição, corrige a sua política e desiste do seu intento de integrar os nossos territórios nos seus, ou então terá de fazer-nos a guerra, palavra dura, terrível, mas profundamente exacta.
Esta última solução, que o Chefe do Governo da União Indiana parece ter admitido no seu discurso de 26 de Agosto, no caso de nós não concordarmos com as negociações na base por ele posta - a da extinção da nossa soberania no Estado da Índia -, parece realmente inevitável, desde que cada uma das partes se mantenha irredutível nos seus pontos de vista já expostos: o da União Indiana, reclamando a integração, e o de Portugal, opondo-se a ela. É que a eternização da guerra fria, como também expôs o Sr. Presidente do Conselho, é uma hipótese pouco provável, uma vez verificado o fracasso do bloqueio.
Fará, pois, o Governo da União Indiana a revisão da sua posição, a que atrás aludi, encaminhando as coisas no sentido de regularizar as suas relações connosco, ou prosseguirá, paio contrário, na política até agora adoptada, acabando assim por criar um formal estado de guerra, com todas as suas consequências?
Não tem, possìvelmente, o Governo, e eu muito menos, elementos que nos levem a encarar como mais provável uma ou outra hipótese, e isto não obstante as afirmações do Sr. Nehru de que não recorrerá a meios violentos para a consecução do seu objectivo.
Mas o Governo Português, escarmentado com tantas contradições entre palavras e factos por parte da União, encarando com desassombro a questão, não só no seu estado actual, unas na sua projecção futura, põe desde já ao País a hipótese de a guarnição da nossa Índia ter de lutar não só no limite das suas possibilidades, mas ainda para além do impossível, batendo-se um português contra dez, ou mesmo contra mil inimigos, à semelhança do que ali sucedeu outrora.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quanto fica exposto, e que é um apanhado de frases textuais do discurso do Sr. Presidente do Conselho, não pode deixar de nos impressionar profundamente.
E que tudo quanto se tem passado já é de mais para ser considerado como simples modalidades daquilo a que modernamente se vem chamando «guerra fria».
A evolução por que tem passado a intervenção de diversos elementos políticos da União nos nossos negócios não deixa de ser curiosa, e merece ser ponderada, a fim de se poder conjecturar no que ela acabará.
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Meses antes da entrega da administração do Império das Índias, feita em 1947 pelos Ingleses aos naturais daquele território, um dos principais chefes de determinada facção política indiana, o Sr. Loya, permitiu-se a ousadia de ir a Goa fazer comícios a favor da integração do nosso território na futura União Indiana. Preso e posto na fronteira, anunciou, alto e bom som, que não tardaria a regressar, mas dessa vez à frente de milhares de voluntários indianos, que acabariam com o domínio português naquelas partes do continente asiático.
A essa ameaça respondi, quando Ministro das Colónias, que Portugal não abandonaria a Índia senão pela força, e só depois de correr muito sangue. Era isto o corolário resultante de disposições constitucionais e de declarações de ordem geral do Chefe do Governo. Marcou-se assim, por parte do Ministério das Colónias, uma orientação tendente a esclarecer os presumíveis agressores dos nossos pontos de vista e, ao mesmo tempo, assegurar aos nossos irmãos que ali viviam, apreensivos sobre as nossas intenções - depois dos exemplos de abandono da Holanda e da Inglaterra -, que não negociaríamos a sua entrega fosse com quem fosse.
VV. EX.ªs compreendem, pois, a grande satisfação com que ouvi as declarações do Sr. Presidente do Conselho, que tanto contrastam com certas hesitações de outros elementos a que adiante me referirei.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas continuemos.
O reforço da exígua guarnição militar da nossa índia com uns milhares de homens, levado a efeito a seguir àquelas minhas declarações, fez arrefecer o entusiasmo bélico do chefe político a que atrás aludi, restituiu a calma à população e fez com que durante três anos a vida do Estada da índia decorresse sem incidentes de maior. Visava aquele reforço militar a impedir que a erupção dos anunciados milhares de irregulares, recrutados mesmo entre a escória de Bombaim, nos infligisse o vexame de uma vergonhosa capitulação, que os escassos duzentos soldados goeses da guarnição certamente não poderiam impedir. E tal objectivo foi conseguido, como atrás ficou exposto.
Não tinha, porém, o Ministério, com a adopção da medida atrás mencionada, a estulta pretensão de resistir vitoriosamente a um ataque em força, promovido por tropas regulares, que, de resto, não se mostrava então provável, hipótese essa que só mais tarde foi encarada e deu origem a uma proposta para a adopção de novos medidas de defesa.
Decorreram alguns anos, e, como a anunciada marcha das hordas do Sr. Loya sobre Goa tinha bastantes riscos, contentaram-se alguns dos seus sequazes, enquadrados por forças de polícia, em fazê-la sobre os nossos enclaves de Dadrá e Nagar Aveli, depois de bem isolados estes por tropas, criando-nos assim uma situação de difícil saída. Difícil e delicada, o que faz com que o problema da reocupação continue em aberto e de solução coda vez mais complicada, à medida que elementos oficiais da União Indiana ali se vão instalando e expulsando quantos nos são fiéis.
E, como não é sem razão que a imaginação dos Orientais é considerada inesgotável em ardis e subtilezas, aí temos nós agora, de vez em quando, umas dezenas de pobres diabos esfomeados a atravessar a nossa fronteira, na intenção de nos enervar e de provocar medidas oficiais que justifiquem, melhor ou pior, uma intervenção das forças do seu país. O fiasco, porém, de tais entradas tem sido tão estrondoso e o sossego das nossas populações tão absoluto - facto este que é fundamental para a apreciação da nossa posição - que o Governo da União resolveu enveredar pelo caminho das violências e da prática de actos de pirataria - a expressão é do Sr. Presidente do Conselho -, só próprios de países inimigos, levando o seu desplante a denunciar ao Mundo o facto, que considera inadmissível e provocador, de estarmos reforçando a nossa guarnição.
Ele parece, assim, estar a encaminhar-se paia uma situação da guerra autêntica.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Como devemos encará-la?
A guerra! Acontecimento bem sério e de consequências bem graves, é ele! Espera-se, por isso, e ainda, que a inteligência do Sr. Nehru saiba medir bem o que ela representará para o seu país, principalmente no aspecto moral; para o nosso, e sabe-se lá se para todo o Mundo, e que, portanto, ele evitará ser o causador de calamidades imprevisíveis.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas se tal se não der e tivermos de a sofrer, aceitá-la-emos como último recurso, a que somos forçados, em defesa do nosso direito, que se estrutura em princípios universalmente aceites como regras da convivência internacional dos povos civilizados.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ela não nos acovardará. Portugal nasceu envolvido em guerras na Península com Mouros e Castelhanos; Portugal cresceu, sucedendo-lhe outro tanto em cinco continentes do Mundo, habitados por homens de todas as raças, de todas as cores, de todas as religiões; Portugal tem, enfim, uma história em que quase todas as suas páginas são ilustradas com clarões de glória, de epopeia, de sacrifícios sobre-humanos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E os maiores desses clarões brilharam na Índia, como certamente é do conhecimento do Sr. Nehru.
Portugal, pois, se considera a guerra como sendo uma grande tragédia humana a evitar, sempre que possível - e neste caso ele já deu mostras de extraordinário espírito de conciliação -, não o fará, como já o disse o Sr. Presidente do Conselho, sacrificando a sua honra e o seu direito, esteja S. Ex.ª o Pândita bem certo disso.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Posta a questão nos termos atrás indicados, entendo que deverá o Governo tomar as medidas necessárias paru que nos nossos homens que lá fora têm a peito defender a honra da bandeira sejam facultados a tempo os meios necessários para poderem cumprir o seu dever, e que presentemente me parecem escassos. Se não podemos ajudá-los com todos os disponibilidades inerentes a uma população de vinte milhões de portugueses - brancos e de cor, dispersos por quatro continentes - e isso por motivos facilmente compreensíveis -, é pelo menos indispensável que àqueles que lá estão e àqueles que ainda irão não falte nada do que lhes seja necessário.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O nosso melhor armamento e equipamento deve ser-lhes dado, pois, sem hesitações. Não de-
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senvolvo mais este aspecto da questão por razões que facilmente se compreendem.
É preciso, como diz o Sr. Presidente do Conselho, que, a dar-se a agressão, ela não possa ser efectivada tendo o ar de uma simples pseudo-acção policial, e eu acrescentarei que, se a União nos quiser expulsar da Índia, ela terá, devido aos meios de acção que ali acumularmos e à vontade enérgica de lhe resistirmos, de fazer-nos uma verdadeira guerra, com todas as consequências militares e diplomáticas decorrentes de tal situação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E preciso que o Mundo inteiro e em especial os organismos internacionais, com os quais temos compromissos relativos a vidas a sacrificar e dinheiros a despender, não sejam postos perante um facto consumado em dois ou três dias, quase sem tempo para o poderem apreciar; que eles não julguem que tudo decorreu sem percalços de maior, quase à boa paz, e apenas com o tradicional e platónico protesto. Não; é preciso que eles sejam postos em presença dum esforço heróico e duradouro, levado até ao limite máximo das forças dos nossos soldados, que na Índia representam quem está na posse dum direito indiscutível, e que, então, aqueles organismos assumam a responsabilidade da atitude que venham a tomar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A quase certeza duma vitória inimiga, no caso de não podermos contar com a solidariedade das organizações atrás mencionadas, não nos deve entibiar o ânimo e levar a abandonar o campo sem combate.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Inutilidade da resistência.
Mas poderá alegar-se: se o resultado final do prélio, no caso de estarmos sós, tem quase com certeza de nos ser desfavorável, em virtude da desproporção de recursos, porque aceitá-lo, sacrificando vidas e dinheiro? Porque não nos confessamos de antemão vencidos?
O argumento é de todos os tempos e de todos os povos, com a diferença, porém, de que ele é ou não aceite por estes, conforme o grau de virilidade, de consciência nacional, de noção da honra que possuem.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Na nossa história houve ocasiões em que ele se fez ouvir com as mesmas aparências de razão que agora, e os acontecimentos desmentiram vaticínios derrotistas. Na nossa história houve muitas situações mais graves que as de hoje, e em que o génio dos nossos chefes militares e o talento dos nossos diplomatas supriram a deficiência dos nossos recursos e fizeram com que o resultado final nos fosse favorável.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - De resto, a admitirem-se aqueles argumentos, só aparentemente razoáveis, os países pequenos que não contam com alianças deveriam prescindir do exércitos quando tivessem por vizinhos outros mais fortes. E, à face de tais raciocínios, nós deveríamos considerar loucuras, que não são para ser seguidas, os feitos mais brilhantes da nossa história e da de todos os países. Deveríamos banir do ensino ministrado a crianças e adultos o culto do heroísmo, da santidade, de tudo quanto transcende, enfim, o que é corrente e normal no
Mundo, para lhes incutir apenas o gosto pelo que é certo, pelo que é cómodo, pelo que não importa risco.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não; o herói, o santo e o génio são autênticas realidades, com influência decisiva nos meios em que vivem.
Por conseguinte, mesmo que amanhã Portugal se encontrasse sozinho na luta contra a União, não deveria deixar de resistir pela força das armas, correndo as contingências resultantes dos seguintes factores em presença, muitos dos quais aos são favoráveis: temperamento guerreiro dos dois povos, qualidades dos quadros militares, orgânica antiga, tradição, força moral e desproporção de efectivos e de meios materiais. E se, por fim, devido a estes dois últimos factores, ele tivesse de ceder, que só o fizesse depois de ter dado o esforço digno da sua história. E que há derrotas que valorizam mais os povos que certas vitórias.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Nos regimentos dos nossos reis para os capitães das suas fortalezas não se escrevia nunca que deveriam eles contar o número dos seus inimigos para saberem se deviam ou não resistir. A ordem era lutar até no último arrátel de pólvora e de pão; e quando, uma ou outra rara vez, isso não se cumpria, a cabeça do desobediente caía sob o cutelo do carrasco. Porque então as nossas elites sabiam mandar e as massas sabiam cumprir é que temos na nossa história a defesa de Diu, que valeu a António da Silveira a satisfação de ter o seu retraio, pintado por ordem de Francisco I, rei de França, na galeria das celebridades existentes no Palácio Real.
Pois bem! Se nós, Portugueses de hoje, somos os descendentes de tais heróis; se nos corre nas veias o seu sangue; se o esforço de regeneração nacional que vimos executando há vinte e cinco anos nos mostra que as virtudes da raça estão intactas, por termos um chefe e executores de grande classe, porque não olharmos com serenidade e firmeza as ameaças de inimigos que, por sua vez também, têm nas veias o mesmo sangue daqueles que há séculos foram vencidos por nós?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O exemplo alheio.
Mas se os Franceses obedeceram à imposição do Governo Indiano para abandonarem as suas feitorias, porque não faremos nós outro tanto?, dir-nos-ão ainda os mesmos homens prudentes, que consideram a resistência um sacrifício inútil e tolo. Se aquele país tem ali, como na Indochina, seguido na esteira da política de abdicação de Holandeses e Ingleses, porque não nos integramos nós também em tal movimento?
Mas é que o nosso caso é muito diferente! Nós não estamos perante um estado de espírito público goês favorável à integração na União Indiana; nós não estamos perante sublevações locais de enorme amplitude, reclamando a saída do país de Holandesses, Ingleses e Franceses, conforme os casos; na nossa Índia, como em nenhuma outra província portuguesa, não se observam quaisquer sintonias de independência ou desejos de integração nos territórios limítrofes por parte das suas populações. A cedermos, teria de ser perante estrangeiros ambiciosos e vorazes; a fazê-lo hoje, diante da União, não haveria razão para que não fizéssemos amanhã outro tanto perante a China; e depois perante a Indonésia; e em seguida, e ainda, perante quantos se viessem a lembrar de reivindicar a
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posse de Angola, de Moçambique e de todas os nossas demais províncias ultramarinas. A darmos o primeiro posso agora, porque não o repetirmos todas as vezes que se pusesse problema idêntico?
Não! Portugal não pode curvar-se, submisso, perante os apetites de quantos se lembrem de querer devorar qualquer porção do seu território; e nem mesmo nortear a sua política ultramarina pêlos conceitos de outros povos que não têm atrás de si, como ele, uma experiência colonizadora que lhe valeu o amor daqueles que civilizou. Portugal não precisou dos conselhos de estranhos quando se abalançou a descobrir novos mundos e a fundar um império; não será agora, que se trata de o conservar, que terá de seguir na sua esteira.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A nossa política histórica.
Hoje em dia todos os povos colonizadores se mostram dominados por um espírito de derrotismo, que os leva quase a envergonharem-se e a desculparem-se por terem exercido a função de chefia de raças atrasadas. «País colonialista» é um vitupério que está na ordem do dia e que aterra todos aqueles que julgam poderem ser alvos dele.
Pois bem! É preciso que Portugal, já que nenhum outro país o ousa fazer, clame à face do Mundo que a função colonizadora que vem sendo exercida por ele e por outros se justifica plenamente; que bem merece da humanidade e que, longe de os deslustrar, só os engrandece moralmente. E preciso que Portugal, em lugar de seguir a corrente geral, que tende a abandonar à sua sorte povos de civilização atrasada, reassuma o papel que teve no século XVI de chefe do movimento tendente a integrar tais povos na nossa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Nós, pelo menos, não deveremos ceder permite reivindicações pseudo-humanitárias e bastante equívocas, apresentadas por quem pretende, pura e simplesmente, aproveitar-se do esforço alheio. Para Portugal a função colonizadora está-lhe na massa do sangue; ela vem dos confins da sua história e constitui para ele motivo de orgulho.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Enquanto em plena Idade Média os países da Europa inteira consumiam as suas energias em lutas de campanário entre os seus pequenos senhores feudais, nós escapávamos a tal recorrendo ao nobre e grandioso derivativo do descobrimento de novos mundos e do seu povoamento; enquanto, mais tarde, em pleno Renascimento, os mesmos países se esgotavam em lutas sangrentas, a fim de aumentarem o seu território, por vezes com uns escassos quilómetros quadrados, nós mantínhamo-nos, em geral, alheios a alianças orientadas em sentido tão medíocre e íamos, mares em fora, construir um império ultramarino que foi o primeiro do seu tempo. Portugal visou sempre ao grande, ao nobre, ao transcendente, evitando esgotar-se em lutas mesquinhas. A sua política foi por isso sempre mais ultramarina que europeia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E quando, uniu ou mais vezes, essa directriz é posta de parte as consequências para nós são quase sempre desastrosas.
A história fornece-nos exemplos concludentes a tal respeito; basta-nos, porém, citar um dos mais recentes:
Na guerra de 1914, o excepcional vigor da resistência alemã na África; a deficiência de preparação militar dos aliados naquele teatro de operações; a nossa posição de vizinhança dos territórios inimigos e o facto de nos encontrarmos nos primeiros tempos do conflito com os nossos recursos militares intactos, tudo isso poderia ter contribuído para que, ao mesmo tempo que defendíamos o que era nosso, desempenhássemos um papel de grande relevo na condução da guerra naquela zona.
Não seria presunção, nem megalomania da nossa parte, pretendermos assumir a função que outros tiveram na coordenação das operações em que comparticipavam Ingleses, Sul-Africanos, Belgas e Portugueses; e isso justificado pela superioridade de efectivos que ali tivéssemos, pela dos nossos quadros e por uma longa prática de guerras africanas. Teríamos assim chegado ao final da luta, nós, em lugar de outrem, de posse de dois grandes territórios inimigos: o Tanganhica e o Sudoeste Alemão.
Bastaria, para isso, termos canalizado para ali o nosso principal esforço militar, em lugar de o fazermos para a Flandres, onde os nossos efectivos passavam despercebidos nos da massa gigantesca dos aliados.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Porque tal se não fez, o resultado foi que a nossa actuação deixou muito a desejar por toda a parte; que os reveses militares sofridos na Europa e nas duas costas africanas nos desprestigiaram ao máximo; e que daquele esforço enorme nada de benéfico resultou para o engrandecimento ou para o prestígio sequer da Nação.
Na luta de orientações em que se encontrou gravemente dividido o País naquela época - pró-Flandres ou pró-Africa (o que contribuiu em boa parte para gerar a revolução de Sidónio Pais) - venceu a primeira e as consequências foram as que atrás mencionámos. O critério colonial foi sacrificado ao europeu.
A sorte da guerra decidiu-se na Europa? Decerto. Os frutos da vitória distribuíram-se também ali? Ainda é certo; mas isso fez-se em harmonia com o relevo da acção de cada país combatente. E, por isso, a União Sul-Africana couberam aquelas duas colónias alemãs e a nós uns escassos quilómetros quadrados de areia com duas dúzias de palhotas . . . Quionga.
Faço votos por que amanhã, se o País se vir envolvido em qualquer conflito internacional, não se repita o que tantos consideraram um erro há quarenta anos; e que a nossa comparticipação em qualquer teatro europeu - forçosamente modesta e insignificante - não se faça à custa da que seja possível no ultramar, a qual poderá porventura ter um maior relevo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A existência permanente de fortes guarnições militares nas nossas províncias mais ameaçadas parece-me uma medida da maior prudência e vantagem, não só considerada no que respeita ao nosso interesse próprio como ao dos nossos aliados. Salvo melhor opinião, julgo que devemos ter os olhos voltados mais para o Extremo Oriente do que para os Pirenéus. O melhor das nossas tropas e do nosso material deverá estar lá, o não aqui, como agora sucede. O perigo para nós, lá, é real e actual, como o mostra o que se está passando na Índia, o que sucede periodicamente em Macau e os prenúncios que já houve em Timor.
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Não me refiro às nossas outras províncias ultramarinas, principalmente Angola e Moçambique, porque de momento a sua segurança não nos dá lugar a preocupações, o que não quer dizer que o seu caso não se possa vir a pôr um dia, pelo que há que tratar de fazer delas o grande depósito de reservas para a sua defesa própria e de todo o mundo português.
Não quero dizer, com quanto fica exposto, que não devemos pôr à disposição daqueles ao lado de quem nos bateremos os nossos recursos em bases, pontos de apoio, material e, inclusivamente, efectivos, mas isso sem sacrifício das nossas condições de segurança própria.
E a experiência mostra-nos que sempre isto foi compreendido e aceite pela nossa velha aliada, a Inglaterra, que ainda agora, e apesar da sua especialíssima posição perante a União Indiana, marcou uma atitude que lhe dá direito ao reconhecimento de todos nós.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - É que para ela os tratados de aliança, e até os simples compromissos, não são farrapos de papel que se rasgam quando convém.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E se dentro da organização de defesa dos povos livres, a que ela e nós pertencemos, há quem pense diferentemente, se julgue dispensado de se solidarizar connosco, agora que corremos perigo, e se limite a sorrir compadecidamente, como diz o Sr. Presidente do Conselho, do nosso arreganho, esse alguém, digo eu, pode estar certo de que a sua atitude não será esquecida pela Nação Portuguesa.
Como, nos dias de hoje, os interesses de todos os povos estão de tal maneira entrelaçados que os dos maiores muitas vezes são afectados gravemente pelas atitudes dos mais pequenos em casos de conflito, será bom que isso não esqueça aos poderosos. Estou certo de que o nosso Governo está tomando na devida conta tudo quanto se tem passado neste aspecto da solidariedade internacional, para na altura própria proceder em harmonia com o que for imposto também pelas nossas conveniências próprias, e ainda pelo sentimento com que venhamos a sair da crise por que estamos passando.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: muito haveria ainda que dizer sobre outros pontos focados pelo Sr. Presidente do Conselho, e em especial no que se refere ao Acto Colonial e ao Padroado. Mas porque, para mim, o aspecto principal do aviso prévio é o do nosso conflito com a União Indiana, limitar-me-ei a meia dúzia de palavras sobre aqueles dois assuntos.
A mágoa e o mal-estar que certas disposições do Acto Colonial provocaram na Índia, como referiu o Chefe do Governo, foram-se porém atenuando gradualmente, mercê da actuação dos órgãos da Administração e à medida que se modificava a situação, que provocara, lá como cá, a adopção de determinadas providências, umas de certo modo duras, e outras relativas à diminuição do predomínio de certos órgãos como os Conselhos de Governo, representativos mais da opinião pública do que de serviços puramente administrativos.
Tal mágoa, porém, não fez abrir brecha no patriotismo dos Goeses, como se tem verificado nesta crise, e estou certo de que se amanhã fosse plesbicitado o estatuto que está em elaboração em lugar de o ser a nossa soberania, fórmula esta que o Governo e nenhum de nós admite, estou certo, digo, de que toda a índia o votaria, mostrando assim ao inimigo e a alguns amigos que ela está connosco.
Oxalá, porém, que em caso tão delicado como o do dito estatuto não se vá cair numa situação extrema, de carácter oposto aquela de que se pretende sair.
Quanto à extinção do Padroado, julgo que não virá longe o dia em que os órgãos da Igreja que mais a reclamaram, em parte para serem agradáveis à União, mas esquecendo os nossos serviços, se arrependerão de tal. Parece-me ilusório o seu conceito de que tal atitude poderá modificar a directriz geral do movimento político da Nação Indiana na parte que lhes respeita, movimento este que tem como lema o fortalecimento da homogeneidade da dita nação e, consequentemente, o desaparecimento ou, pelo menos, o enfraquecimento da influência europeia, nas suas diversas modalidades: política, económica, cultural e religiosa. Ora a massa geral da população indiana é hindu, e não católica, do que resulta, a meu ver, que serão falazes as esperanças da Propaganda Fide!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Portugal, com a extinção do Padroado, deixa de ter a regalia de indicar à Santa Sé os nomes de prelados para certas dioceses da União e de ter lá uns centos de padres goeses a paroquiar? A mim, independentemente do aspecto sentimental, derivado duma tradição secular, não me impressionou isso grandemente, á parte a fórmula adoptada, e o mesmo se deu com um ou outro prelado dos interessados.
Acho até preferível que, em lugar de continuarmos a despender somas avultadas com a preparação de sacerdotes destinados a países alheios, e alguns deles até nossos inimigos, o façamos com a daqueles que encaminhemos para as nossas províncias ultramarinas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Estas sofrem de tantas necessidades neste aspecto e vêem-se de tal maneira obrigadas a recorrer a elementos estrangeiros que me parece que só teremos a ganhar com a modificação duma situação paradoxal, resultando muito embora de seculares compromissos, e que se traduz no seguinte: Portugal mandar parte dos seus filhos a evangelizar países estranhos e recorrer aos estrangeiros para evangelizar os seus.
A eficiência do movimento missionário e o prestígio do Ocidente vão sofrer com a nossa falta de colaboração, para já, na Índia e amanhã possivelmente na China, em Malaca, etc.? Isso é com a Propaganda Fide. Nós tentaremos resolver o nosso problema próprio; do resto não curamos, visto que assim o quiseram.
E agora vou terminar, sintetizando quanto expus: estamos em presença duma ameaça muito séria à nossa soberania. Mesmo na pior das hipóteses, isto é, na de nos vir a faltar o apoio externo que nos é devido, entendo que deveremos responder a força com a força, sem curarmos de seguir exemplos alheios, nem de nos desmoralizarmos com a inferioridade dos recursos. A nossa história mostra-nos que nem sempre este último factor é motivo de derrota.
Devemos, entretanto, facultar à guarnição da Índia os meios de ela poder fazer, pelo menos, uma defesa honrosa.
Não quero, porém, deixar esta tribuna sem agradecer ao Governo as explicações que trouxe à Assembleia e que já chegaram a todos os confins da Nação e do Mundo. Elas serviram para fortificar o moral de todos os bons portugueses, que sentiram que têm chufes à altura da sua história e das suas responsabilidades
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actuais; e para prevenir os estranhos de que estuo em presença da perspectiva de atitudes de grande gravidade, não só por parte da União, como de nós próprios.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não foi debalde que eu há pouco, como Deputado por Angola, ao transmitir ao Poder o vibrante protesto daquela província contra a agressão que sofremos na Índia, apelei para o Chefe da Nação e para o do Governo. Tanto o primeiro, que estremece o ultramar, por nele ter servido e nele se ter batido com uma galhardia tal que isso lhe valeu a nossa mais alta condecoração militar, como o segundo, que exprimiu pela primeira vez entre nós o conceito de que é da essência da Nação fazer colonização, eram as pessoas indicadas para fixarem a grande directriz da nossa atitude neste momento tão crítico.
Eles acabam de o fazer, e de uma maneira que não dá origem a dúvidas a inimigos ou amigos: fie formos atacados, bater-nos-emos, mesmo que seja um contra dez ou contra mil.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Dinis da Fonseca: - Sr. Presidente: requeiro a generalização do debate.
O Sr. Presidente: - Concedo a generalização do debate.
O Sr. Dinis da Fonseca: - Sr. Presidente: sendo esta a primeira vez que uso da palavra na presente sessão legislativa, dirijo a V. Ex.ª os meus cumprimentos.
Sr. Presidente: creio que todos devemos estar reconhecidos ao ilustre Deputado Sr. Capitão Teófilo Duarte por haver suscitado com o seu aviso prévio a esclarecedora e histórica comunicação trazida a esta Assembleia por S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por ela ficámos sabendo em que atmosfera se tem desenvolvido e continua a desenvolver-se o que podemos chamar a moderna cruzada da Índia.
Acabamos de ouvir o assunto versado nesta tribuna com a maior proficiência e com um brilho que eu não seria capaz de acompanhar; por isso limitarei as minhas considerações a ligeiros esclarecimentos sobre o capítulo da comunicação que S. Ex.ª intitulou Goa e o cristianismo na Ásia.
Suponho que ninguém se atreve a pôr em dúvida o valor da nossa epopeia na Índia nem as benéficas consequências que dela advieram para a causa da humanidade e da civilização cristã.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se pudessem fazê-lo, não faltaria talvez quem pretendesse anular os documentos que disso fazem prova, a começar pela bula Aequum reputamus, de Paulo III, de 3 de Novembro de 1534 -que acabou, portanto, de perfazer a linda idade de 420 anos -, pela qual foi erigida a diocese de Goa e a esta atribuído o senhorio espiritual de todos os territórios que se estendiam desde o cabo da Boa Esperança até à índia e até à China; e isto em reconhecimento dos serviços de evangelização já então prestados pelos nossos missionários!
E não creio que seja preciso forçar a história para que esta proclame termos ido à Índia para fazer cristandade e, mais do que isso, para defender a cristandade da Europa pelo enfraquecimento do poderio turco no Oriente, antecipando por essa forma o nosso contributo para a vitória de Lepanto, que, em 7 de Outubro de 1571, libertou a civilização cristã da terrível ameaça que sobre ela faziam impender as forças agarenas dominadoras do Mediterrâneo.
Pois também creio que a história dirá um dia que defendendo nesta hora a província de Goa não só cumprimos um dever patriótico como desempenhamos ao mesmo tempo uma missão a favor da civilização cristã.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Antecipando o nosso sacrificado contributo para a derrota das forças subversivas do comunismo, que não podemos, considerar menos virulentas e ameaçadoras para a sorte da Europa do que foram as do islamismo no século XVI.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Contra esta tese, em que o patriotismo e a religião se abraçam na nossa vocação histórica, como o têm feito ao longo dos oito séculos da nossa existência nacional, pretende suscitar-se uma dúvida e erguer-se o espectro de um angustioso conflito entre o dever patriótico e supostos interesses da marcha da humanidade e até dos interesses do apostolado cristão.
Poderemos exprimir nesta forma ainda mais saliente esse pretenso conflito: os interesses da humanidade e os da civilização cristã teriam reclamado a descoberta da Índia e a nossa fixação aí no século XVI, mas os mesmos interesses reclamariam agora a nossa cedência a ambição despótica e caprichosa do Sr. Nehru!
Este, em toda a sua agudeza, um dos aspectos que S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho pôs à, consideração da Assembleia e que esta, em meu entender, não podia escusar-se a esclarecer.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Perante a tentativa de anexação de Goa pelo governo do Sr. Nehru, todas as forças subversivas espalhadas pelo Mundo alinharam imediatamente ao seu lado.
Este facto, só por si, denuncia o objectivo final dessa espoliação; e, na verdade, quem atentar na planificação estratégica das mesmas forças, não terá dúvidas em reconhecer que o consórcio russo-chino-indo-soviético visa à bolchevização da Ásia. E, como a presença de Portugal em Goa é um obstáculo ao desenvolvimento integral desse plano, os tristes mercenários invasores da nossa província são apenas as guardas avançadas de Moscovo e a odiosa espoliação da Roma do Oriente dirige-se, afinal, contra a glória e a grandeza da Roma do Ocidente, que aquela ali representa. E porque assim é, a defesa intransigente feita pelo Governo Português visa não só os legítimos direitos da terra portuguesa, mas também a defesa do génio do Ocidente, da civilização, critã e dos seus valores espirituais.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E esta realidade que parecem contrariar certos elementos católicos denunciados pelo Sr. Presidente do Conselho como aliados ou simpatizantes das forças subversivas que tomaram imediatamente o partido do Sr. Nehru.
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Desses elementos apresentam-se uns como filiados na chamada corrente dos católicos progressistas e outros como elementos da Propaganda Fide.
Ora atrevo-me a dizer que a atitude dos primeiros prova a favor da minha tese e a dos segundos nada prova contra ela.
Os chamados católicos progressistas estão convencidos de que o comunismo é uma solução social imposta, como apregoa a dialéctica marxista, pelas determinantes da história, e, por isso, entendem que podem e devem admiti-la, no terreno económico e social, impondo-se à Igreja baptizá-la ou convertê-la no terreno religioso. De acordo com esta orientação, se a ideologia comunista, embora, antipatriótica e subversiva, reclama a anexação de Goa à índia, para efeitos da transformação catastrófica de que aguardam a nova época do Mundo, mostram-se de acordo com essa satisfação dada, como eles dizem, ao direito à libertação dos povos!
Mas estes; como disse, provam a favor da minha tese, enquanto sustentam que a espoliação de Goa tem ao seu lado todas as forças subversivas e as suas aliadas ou simpatizantes. Simplesmente, não podemos tornar à Igreja as culpas da atitude destes católicos progressistas, porque eles procedem contra a expressa desaprovação e instante recomendação de Pio XI, feita na encíclica Divini Redentoris (19 de Março de 1937), onde se lêem estas palavras:
Vigiai veneráveis irmãos porque os fiéis não se deixem enganar. O comunismo é intrinsecamente perverso e não se pode admitir colaboração com ele da parte dos que desejam salvar a civilização cristã, seja em que terreno for. Se alguns induzidos em erro cooperassem na vitória do comunismo no seu país, viriam a ser as primeiras vítimas do seu desvairamento; e quanto mais se distinguirem as regiões onde o comunismo conseguir penetrar, pela sua antiguidade, ou pela grandeza da sua civilização cristã, mais o ódio dos sem-Deus se mostrará devastador.
Da clareza destas palavras é pois lícito concluir que a atitude dos chamados católicos progressistas pode obedecer à lógica do seu desvairamento, mas é inteiramente oposta ao ensinamento da Igreja e é ainda esta e os seus conselhos que Portugal defende quando, patriótica e intransigentemente, toma a defesa de Goa contra as forças subversivas coligadas para a sua espoliação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mais estranha se nos afigura a atitude dos elementos ligados à Propaganda Eide.
Esta é organismo da Igreja, fundado em 1622, para dirigir a propagação do Evangelho em todas as partes do Mundo. Não desconhecemos nem ousaríamos deslustrar os serviços prestados por ele à causa do apostolado cristão. Compreendemos que nem a Igreja nem a própria Congregação da Propaganda podem ser responsáveis pela atitude de alguns elementos, felizmente poucos e sem cargos directivos, e que supomos vítimas cie lamentáveis esquecimentos ou de perigosas ilusões.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E lamentável que esses elementos tenham esquecido os serviços prestados pelas missões portuguesas no Oriente dois séculos antes de a Propaganda ter aparecido; é lamentável que tenham esquecido o texto do artigo 140.º da actual Constituição Portuguesa e o contributo que ele generosamente oferece à causa da evangelização, ou tenham caído na perigosa ilusão de que esse contributo seria facilmente substituído, ou poderia mesmo ser sacrificado nas aras de uma fementida promessa de maior liberdade religiosa concedida na Índia.
Em qualquer caso, injustiça feita à cansa dos nossos direitos, ou ilusão perigosa alimentada pela táctica soviética da mão estendida...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não desconhecemos que contra nós poderiam alegar-se os nossos velhos pecados, as nossas culpas de 1759, de 1834 e de 1911..., mas a esta alegação respondeu, antecipadamente, o Sr. Presidente do Conselho no seu discurso de 22 de Março de 1943, dirigido à União Nacional, onde se lê:
O povo português apreende por intuição notável o sentido profundo da transformação que se opera e tem, por natureza ou educação secular, o sentido de um destino nacional que nada tem que ver com a modéstia dos seus recursos e o baixo nível da sua instrução.
A Nação tem decididamente a vocação do heroísmo, do desinteresse, da acção civilizadora, da grandeza imperial, e enternece verificar que o simples povo não a perde, mesmo quando o escol dirigente parece atraiçoá-la.
Nestas palavras se encontra a justificação antecipada do patriótico comportamento da Nação Portuguesa em face do atentado cometido contra Goa; e ainda do valor da sua vocação civilizadora e apostólica, apesar de esta ter sido esquecida ou atraiçoada algumas vezes pelo seu escol dirigente.
É, no entanto, de justiça lembrar que fui testemunha, nesta mesma Casa, do público arrependimento de alguns dos responsáveis; depois de tomarem contacto com as realidades do nosso resplendor apostólico no Oriente, nobremente confessaram que nas terras asiáticas católico e português, mais do que sinónimos, são termos equivalentes.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Por isso todo o jacobinismo em terras portuguesas foi e será sempre profundamente desnacionalizador.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas porque português e católico são em terras do Oriente termos equivalentes, é ilusão perigosa supor que a luta travada nesta hora contra Portugal o não é igualmente, e como objectivo final, contra o catolicismo e contra a civilização cristã!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Esta ilusão encontra-se, aliás, prevenida pela clara doutrinação da Igreja.
Não aludirei à condenação da defesa duma injustiça coroada pelo êxito, que suponho expressamente contida na proposição 61 do Syllabus; mas encontro na famosa radiomensagem do Santo Padre Pio XII de 24 de Dezembro de 1951 estas palavras que claramente desaconselham envolver a autoridade da Igreja na defesa de parcialidades humanas:
Homens políticos e até algumas vezes homens da Igreja desejariam converter a Esposa de Cristo em sua aliada, ou em instrumento das suas combinações políticas, nacionais ou internacionais; não deixam com isso de fazer agravo à essência da Igreja
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e de causar prejuízo à sua própria vida; pretenderiam colocá-la no mesmo plano em que se debatem os conflitos temporais. E isto permanece verdadeiro, ainda quando tal procedimento possa invocar fins ou interesses legítimos em si mesmos.
E esclarecendo ainda mais o seu pensamento:
A Igreja não pode consentir em julgar segundo critérios exclusivamente políticos; não pode ligar os interesses da religião a orientações determinadas por fins puramente terrenos; não pode sujeitar-se ao perigo de haver razões fundadas para duvidar do seu carácter religioso; não pode esquecer em qualquer momento que a sua qualidade de representante de Deus sobre a Terra não lhe permite permanecer indiferente nem por um só instante entre o bem e o mal das coisas humanas.
Se isso lhe fosse pedido teria de recusar e os fiéis de um e outro partido deveriam, por virtude da sua fé e da sua esperança sobrenatural, compreender e respeitar uma tal atitude da sua parte.
Suponho estas palavras justo correctivo de quaisquer atitudes tendentes a justificar a espoliação de Goa alegando a causa da Igreja!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas, se preferirmos considerar estas atitudes inspiradas simplesmente por uma perigosa ilusão, elas nada provam contra a tese que tomei para tema das minhas considerações, e volto a enunciar em conclusão:
Fomos à índia no século XVI para fazer cristandade e defender a cristandade da Europa contra o poderio ameaçador do islamismo; ao fazer nesta hora a defesa intransigente e sacrificada das nossas províncias do Oriente não cumprimos apenas um grave dever patriótico, mas defendemos ainda os interesses da civilização cristã e os seus valores contra o despotismo ameaçador do comunismo soviético.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Bem sabemos que esta atitude permite ao Pândita Nehru acoimar-nos, no Parlamento indiano, de possuidores duma mentalidade medieval! Mas esta acusação, longe de ofender, pode talvez lisonjear os nossos brios.
É precisamente porque «nesta pequena faixa ocidental que a Europa se habituara a olhar com comiseração ou tédio fizemos o prodígio de reconstituir a Nação na sua feição tradicional - missionária e civilizadora, cavalheiresca e espiritualista (com espírito medieval se a expressão for mais do agrado do Sr. Nehru) - que muita vez tivemos ensejo de fazer ouvir nos sinédrios dos grandes a palavra justa, sem poder ser discutida a nossa autoridade moral».
E foi esta autoridade moral que ainda desta vez tornou possível não só fazer ouvir a nossa voz no Mundo, mas fazer reconhecer que, ao tomarmos a defesa intransigente da causa moral de Goa, nos constituímos mais uma vez em «factor positivo na defesa e na reconstrução da Europa e do Mundo, e, como tais, não podíamos ser afrontados, nem desprezados, nem sequer esquecidos».
A verdade é que, enquanto outros se preocupam, acima de tudo, com a conquista ou a defesa dos hinterlands comerciais, e a essa consideração subordinam as suas actividades diplomáticas, nós aliamos a defesa dos legítimos interesses de Goa à defesa dos superiores interesses da comunidade internacional; à defesa das normas da sua pacífica convivência; à defesa dos legítimos direitos de todos os povos, grandes e pequenos.
Por isso nos julgamos com autoridade para repetir àqueles que nos abandonassem às represálias da barbárie a velha sentença de Cícero: há duas formas de cometer injustiças: uma, praticando agravos; outra, deixando de socorrer as vítimas de injustas agressões.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E esta solidariedade moral entre os povos que a nossa resistência à política agressiva do Sr. Nehru visa a suscitar e com esta atitude servirmos ainda os interesses da civilização contra um regressivo e bárbaro despotismo que pretende impor como única lei a superioridade da força material.
E quero terminar, Sr. Presidente, recordando que faz agora precisamente um ano que nesta tribuna formulei o vaticínio de que íamos entrar numa época de engrandecimento e de glória, mas logo esclareci que a glória das nações só pode nascer para os vindouros impondo à geração presente novas responsabilidades e maiores sacrifícios!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Carlos Moreira: - Sr. Presidente: sendo esta a primeira vez que nesta sessão uso da palavra, quero reiterar a V. Ex.ª os meus cumprimentos e os protestos da minha mais elevada consideração.
Sr. Presidente: ao debruçar-me sobre o assunto que se está discutindo, trazido em hora própria a esta Assembleia pelo ilustre Deputado Teófilo Duarte, senti as hesitações naturais em face da magnitude da questão e da altura a que ela subiu no discurso do Sr. Presidente do Conselho.
Clareza, serenidade, convicção, firmeza e decisão, todas estas virtudes do estilo e da essência habilitam o País para o perfeito conhecimento do estado actual do magno problema da Índia.
A grei portuguesa, que não ignora o seu passado e tem o orgulho e o brio da sua história, ouviu certamente emocionada as palavras que lhe eram devidas; razão tinham os que souberam esperar, serena e confiantemente, o momento cuja oportunidade o espírito atento do Sr. Presidente do Conselho aguardava.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: nessa obra de singular e cristalina beleza -Imagem, da Vida Cristã - do grande clássico Frei Heitor Pinto encontra-se que «muitas coisas achamos escritas, feitas com tanto esforço e ousadia, que quase passam além da imaginação humana; as quais claramente manifestam um ânimo tão tranquilo e constante que nem com medo da morte, nem com alvoroço da vida, se aparta da firmeza da virtude».
A este estado de espírito nos havemos de conduzir todos: nem medo da morte, nem alvoroço da vida nos apartarão o ânimo da firmeza da virtude; virtude que também é, na sua etimologia latina, o valor e, assim, esforço e ousadia!
A União Indiana, ou talvez antes os que julgam conquistar a segurança da sua posição política naquele intrincado e confuso subcontinente asiático, alega e insiste ter direitos à integração dos nossos territórios da Índia e fá-lo, como se deduz do discurso aqui proferido
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pelo Sr. Presidente do Conselho, essencialmente com base na geografia e na autodeterminação dos povos.
Este o fim em vista: integrar os nossos territórios na Grande Índia.
O processo ou método para a integração, esse seria o da chamada «não violência».
Ora o conceito negativo da «não violência» pressupõe o conceito positivo da violência.
Que é a violência?
Tanto gramatical como juridicamente, violência traduz impetuosidade, veemência, muita força, coacção, irascibilidade.
Sendo assim, como podem interpretar-se os actos praticados ou consentidos pelo Governo da União Indiana, que se traduzem em:
Desrespeito das leis e dos tratados;
Violação das imposições do direito natural;
Desconhecimento dos deveres de humanidade;
Ausência de cooperação entre os povos?
Tais atitudes derivam, conforme é já do conhecimento publico e se confirma, com carácter e verdade iniludíveis, no discurso do Sr. Presidente do Conselho...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ...da invasão dos enclaves de Dadrá e de Nagar Aveli por bandos de indivíduos cidadãos da União Indiana e dela provenientes, armados e enquadrados por forças regulares da policia e até, ao que parece, por tropas da reserva;
Do cerco aos territórios de Damão com forças que excedem a simples fiscalização das fronteiras;
Da recusa sistemática, por parte da União Indiana, de autorização de passagem de agentes regulares portugueses para o restabelecimento da legítima autoridade portuguesa, violentamente esbulhada, e restabelecimento da ordem e da soberania; e tal recusa mantém-se não obstante verificar-se nos territórios de que fomos esbulhados «o caos na administração, a insegurança pública, o regime de terror, a miséria na vida privada».
Tais atitudes do União Indiana traduzem-se ainda:
No bloqueio ao trânsito de pessoas e de rendimentos;
Na prática de actos de abordagem, e mesmo de pirataria, contra barcos de pesca ou de comércio por barcos da serviços da União, ainda segundo afirma responsavelmente o nosso Governo;
Na propaganda acintosa, na invenção e deformação de factos que a imprensa da União Indiana, sem o mais elementar pudor, e possivelmente inspirada, ou pelo menos às soltas, põe a correr mundo.
Mas, meu Deus, que é isto tudo senão impetuosidade, veemência, coacção, irascibilidade, contra o dever de cooperação entre os povos livres e civilizados, contra o direito natural, contra o direito das gentes, contra a letra e o espírito dos pactos e dos tratados?
Que é tudo isto senão violência e só violência?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E à face do direito e da moral dos povos, que é isto tudo senão barbaria primitiva, regresso ao clã do homem cavernícola?
Que é tudo isto senão a vaga de retorno do instinto sobre a inteligência, do feiticismo e da casta sobre a moral do Evangelho do Oriente teosófico e do Nirvana niilista sobre o Ocidente cristão?
Este é que é o método da «não violência», tão do agrado e tão proclamado pelos homens responsáveis da União Indiana?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por isso o Sr. Presidente do Conselho conclui e com ele concluímos: «Numa palavra, a não violência compreende tudo ou é susceptível de tudo compreender, menos a guerra, declarada pelos governos e conduzida pelos exércitos».
Tal é o processo ou método, esse da «não violência», preconizado pela União Indiana para justificar a pretendida integração dos nossos territórios do velho Estado da Índia no corpo disforme e tentacular da chamada Grande Índia.
Sr. Presidente: visto e analisado o processo, passemos à parto substantiva, isto é, à definição e concretização dos pretensos e alegados direitos: a imposição geográfica e o princípio da chamada autodeterminação dos povos.
Ninguém, Sr. Presidente e Srs. Deputados, pela sólida formação e cultura do espírito e contacto permanente e devotadamente vivido com o problema, pode melhor nesta emergência apreciar, equacionar e resolver esse problema do que o Sr. Presidente do Conselho.
Aqui lhe ouvimos nós dizer, exemplificadamente, que nunca a geografia legitimou direitos soberanos e que, apesar da influência que os factores geográficos exercem na história da humanidade, são sempre os factos históricos, e não a configuração geográfica, que definem fronteiras, estabelecem direitos, impõem soberania.
A tese é tão clara e as suas razões são tão evidentes que não julgamos possa haver alguém que a contrarie com argumentos decisivos e nem sequer aceitáveis.
Nos quase cinco séculos que estamos na Índia, a obra de libertação dos povos submetidos e logo integrados no conceito da nossa palavra Império, a atracção e chamamento ao nosso convívio, à nossa cultura e processos de administração, no nosso conceito ocidental e cristão de respeito de prerrogativas e liberdades, à concepção universalista e católica da vida de relação dos homens e dos povos, em suma, ao aportuguesamento e à fusão na mesma grei e à segurança, prestígio e justiça dimanados do mesmo rei - tudo contribuiu para que tivesse plena efectivação e seguimento a obra concretizada nestas bem expressivas palavras de Afonso de Albuquerque para o rei:
Grande balanço e grande assento fez a Índia depois que Vossa Alteza ganhou Goa e Malaca.
Aonde não chegasse o argumento da geografia socorre-se o Primeiro-Ministro da União Indiana do argumento da hoje tão apregoada autodeterminação dos povos.
A tese não é mais feliz para satisfação das aspirações do Sr. Nehru do que a da geografia.
É evidente que a autodeterminação deve dizer respeito às populações do Estado da Índia Portuguesa, e não, certamente, às dos variados estados da União Indiana...
Onde viram os dirigentes dessa União manifestações coesas e inequívocas da parte da população do Estado Português da índia no sentido de uma determinação pela integração na União Indiana?
Não presenciaram, ao contrário, o que todo o Mundo tem visto, isto é, a firme decisão por parte daquelas populações de se manterem o que são e têm sido - portuguesas?
Ou quererá o Sr. Nehru que os intérpretes da autodeterminação dos povos da Índia Portuguesa sejam os cidadãos da União que invadem o seu território e põem a saque os seus bens?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Falharam, assim, aos responsáveis da União Indiana os argumentos da geografia e da autodeterminação do povo da Índia Portuguesa.
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Que lhes resta?
Reconsiderar e ou voltar atros ou ir para a última violência - a guerra. Mas a União Indiana está presa ao compromisso de tratados que a obrigam à abstenção do uso de meios violentos para solução de conflitos.
Como vai ela harmonizar as suas atitudes e actuação de violência, e destas a ultima ratio da violência - a guerra -, em face dos compromissos assumidos na Carta das Nações Unidas?
Reconsiderará?
Estará disposta a cessar as recusas às justas e lógicas solicitações do Governo de Portugal, recusas que, no dizer do seu egrégio Presidente, «são apenas filhas da obstinação e da presunção da força»?
Sr. Presidente: mais algumas considerações.
Em nossa casa só nós temos o direito - de que não abdicamos - de resolver os problemas que a nós e a Portugal dizem respeito».
É, como anotou o Sr. Presidente do Conselho, frase bem expressiva do mais estreme pensamento goês.
A este respeito o Governo assegura, certamente com o aplauso unânime desta Assembleia, que em breve há-de intensificar e desenvolver a colaboração de todos os valores de Goa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O Estado da Índia faz parte integrante da Nação Portuguesa, proclamada, à face da história e da lei constitucional, una e indivisível; não é, até por isso mesmo, uma colónia, nem um domínio mantido no Oriente por um Estado europeu: é um pedaço de Portugal na Ásia; Goa é, naquelas paragens, metrópole do nosso património comum de cultura, de leis, de processos de administração, de língua, de religião.
Na orla do Índico, que as nossas naus sulcaram antes de outras do Ocidente, o mar é português, e portugueses são os fortes, os templos e os homens que ali nasceram e têm contribuído para o renome lusíada.
É sede de portuguesismo e cabeça de cristandade, tão grande que até perdurou nas terras que as oscilações do tempo e da fortuna separaram da Pátria-Mãe, tão extensa era a terra, tão longas as distâncias e tão pouca a gente saída, não sem desfalque populacional, desta estreita faixa atlântica que é a pequena «casa lusitana».
Não pode esquecer-se a acção que lá desenvolvemos desde a nossa chegada à costa do Malabar, levando a cultura do Ocidente à Índia e depois à China e ao Japão.
Logo em 1512, el-rei D. Manuel enviava para Cochim ao vice-rei Afonso de Albuquerque livros para serem utilizados na primeira escola que se abria na Índia, por mão dos Portugueses; e el-rei D. João III prossegue na mesma política.
E é Diu, Damão, Baçaim, Chaul, Margão, Angediva, Cananor, Calicut, S. Tomé de Meliapor.
E são franciscanos, jesuítas, agostinhos, dominicanos. Verdadeiro fervet opus no ensino, na expansão da Língua e da Fé, instrumentos primaciais e operantes do chamamento à civilização do Ocidente.
E tão depressa e afanosamente se andou que cerca de uns escassos cinquenta anos após a chegada do primeiro vice-rei já a Companhia de Jesus abria em Goa a primeira Universidade do Oriente com a protecção de el-rei D. João III.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E são as tipografias que levam a famosa invenção de Gutemberg, com as naturais consequências de uma expansão cultural mais fácil e mais larga, como foi documentado pelo Dr. Américo Cortês Pinto em Da famosa caie da imprimissão.
E tanto mais poderíamos dizer em todo o vasto campo da acção humana!
Assim, repito e insisto, com o cruzamento do sangue, com o falar a mesma língua, com a adoração do mesmo Deus, a mesma cultura, os mesmos processos de administração, iguais hábitos de vida, se amalgamaram as gentes e se absorveu o território no mesmo todo nacional que é a Nação Portuguesa.
Hoje, em Goa, Damão e Diu não há indianos senão no sentido de que esses territórios estão situados na península do Indostão; há portugueses. Não são, pois, indianos sujeitos a Portugal; são portugueses que vivem e labutam na terra portuguesa da Índia.
E nesta incompreensão, verdadeira ou simulada, é que está o erro dos actuais dirigentes da União Indiana.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Em catolicidade, Goa é a Roma do Oriente, farol luminoso da doutrina de Cristo naquele mar proceloso e de negrumes de religiões, algumas delas monstruosas, de ritos que se entrechocam e de párias e castas que mutuamente se digladiam e esmagam.
Por isso, se a bandeira das quinas desaparecesse daquelas paragens ter-se-ia apagado esse farol de Fé e de Esperança, de Paz e de Vida, para volver às trevas em que no ponto de vista espiritual e cultural viviam aquelas gentes à chegada dos primeiros portugueses.
Se ó certo, e é bem certo, que a árvore se conhece pelo fruto, más árvores as que produzem estes frutos, que se traduzem numa visão desfigurada do conflito com a União Indiana, negando razão a Portugal e reconhecimento da acção benéfica do Padroado português do Oriente.
Clamorosa injustiça, que brada aos céus e que havia de nascer, como escalracho, na própria seara que vem semeando e criando há séculos os operários a quem o sacrifício e o martírio colocaram nos altares da cristandade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sempre receei estes progressismos modernos de feição político-religiosa que saúdam de mão estendida os inimigos da Fé e da civilização.
Tais árvores de raiz podre - quais frutos roídos de dentro pelas larvas do interesse, da vaidade e da hipocrisia.
Não é a árvore do interesse, da humildade e do sacrifício, da madeira do lenho do Calvário: é a árvore do pântano, cujas raízes mergulham na viscosidade complacente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quanto à atitude da Propaganda Fide, ela não podia causar grande estranheza a quem, como eu, mercê de funções desempenhadas há vinte anos em Moçambique, teve ensejo de observar e sentir directamente a sua acção. Ela foi, em certos casos, bem- diferente, na concepção e nos processos, da nossa tradição multissecular de país missionário e civilizador, e até perturbadora da unidade de orientação e acção da nossa política missionária.
E julgo não ser preciso concretizar ou adiantar mais neste momento. Sr. Presidente e Srs. Deputados: fiéis todos nós aos sacrifícios e às glórias do passado, digamos aos Portugueses e ao Mundo que inscreveremos em nossos guiões
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e bandeiras, para transmitir honrosamente às gerações vindouras, o lema que se contém nas palavras do Sr. Presidente do Conselho, lema em que se exprimem uma decisão e uma vontade que são de nós todos e que vêm das raízes da História: dos reis e do povo, dos heróis das navegações e dos cercos, dos colonizadores e dos missionários, dos mártires e dos santos. Não damos nem vendemos a Índia!
Vozes : - Muito bem!
O Orador : - Vou terminar.
Quisera fazê-lo com palavras dignas do assunto que nos prende e do momento histórico que estamos vivendo.
Poderia ir buscá-las às Décadas, de Barros, ou à Ásia, de Castanheda, às cartas ou aos comentários de Albuquerque ou às Lendas da Índia, do seu secretário Gaspar Correia.
Tantas fontes de exemplos que são epopeias de sacrifício e de glória, de honradez e de lealdade, de anseios pela elevação moral e material das gentes, em suma, de civilização e de cristandade.
Lembraria assim com justeza o que fomos e como nos comportámos; como a da à Índia mais parece, do que pura decisão dos homens, deliberado desígnio da Providência.
Já Afonso de Albuquerque, numa das suas cartas ao rei, escrevera:
Eu não duvidaria que a fé e confiança das coisas da Índia, que somente ficou a Vossa Alteza depois de tantas contrariedades e dúvidas de muitos corações, fosse especial graça de Deus. Ouso, Senhor, de escrever isto a Vossa Alteza porque vi a Índia além do Ganges e aquém e vejo como Nosso Senhor vos ajuda.
E noutra carta afirmava:
Porque vejo o feito da Índia levar um caminho como coisa endereçada por Deus.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: na Índia já correu também em tempos de hoje sangue português.
Lá se encontram dispostos a continuar a epopeia que principiou, vai para cinco séculos, civis e militares, capitães e soldados, que neste momento saúdo, melhor direi, que todos nós saudamos, com enternecida emoção patriótica!
Vozes : - Muito bem !
O Orador : - Se tiver de haver fragor de batalha, não haverá para eles e para a Nação inteira, que os acompanha, melhor incitamento ao heróico cumprimento do dever, com o desapego da própria vida, do que essas palavras com que o Sr. Presidente do Conselho fechou o seu memorável discurso, palavras em que a nossos olhos perpassa, redivivo e fulgurante, o sentimento que animou o primeiro rei em Ourique, o Condestável em Valverde, D. João de Castro em Goa, D. João de Mascarenhas em Diu, tantos e tantos que, em extremo e desmedido esforço de homens, encarnaram a alma da Pátria e criaram a velha epopeia.
Vozes: - Muito bem!
0 Orador: - Tais palavras são estas que perduram em nossos ouvidos:
Depois de afagar as pedras das fortalezas de Diu ou de Damão, orar na Igreja do Bom Jesus, abraçar os pés do apóstolo das Índias, todo o português
pode combater até ao último extremo, contra dez ou contra mil, com a consciência de cumprir apenas um dever. Nem o caso seria novo nos anais da Índia.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: é possível que alguns invocando pacifismos, mais ou menos suspeitos, com fingido amor da paz - evidentemente, a seu modo, nem que para tal dêem os passos necessários para deflagrar a sua guerra -, sim, é possível que alguns continuem a preconizar negociações com a União Indiana, mesmo com a aceitação do fim proposto ou reclamado de integração dos nossos territórios naquela União.
Essa atitude não a quer a Nação, não a quer nem a poderia querer o Governo.
Nós não a queremos!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E possível, pois, que desse campo, embora por certo muito limitado, se levante o burburinho do humanitarismo, do pacifismo, da repulsa da guerra, mesmo quando é o único meio possível de defender a vida e a liberdade da Pátria.
Outros, mais cautos ou amolentados, poderão desencadear o seu coro de lamentações, exteriorizando o seu humanitarismo, para encobrir fraquezas próprias, ou alheias.
Pois se isso acontecer, e assim for preciso, lembremos, em nome da Nação, que é toda a verdadeira grei portuguesa, a que não faltam os mortos que nos comandam, o conselho do Terribil em carta sua ao rei Venturoso:
Guardai-vos, Senhor, de conselhos de homens a quem a guerra, enfada.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão à hora regimental, com a mesma ordem do dia de hoje.
Espero que o debate do Sr. Deputado Teófilo Duarte seja concluído amanhã.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 10 minutos.
----------
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
João Afonso Cid dos Santos.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Ricardo Malhou Durão.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Cruz.
Alberto Pacheco Jorge.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
António de Almeida Garrett.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Júdice Bustorff da Silva.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Russell de Sousa.
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Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Gaspar Inácio Ferreira.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Maria Porto.
João Mendes da Costa Amoral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Monterroso Carneiro.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Tito Castelo Branco Arantes.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPBBHSA NACIONAL DB LISBOA