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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 56
ANO DE 1954 4 DE DEZEMBRO
ASSEMBLEIA NACIONAL VI LEGISLATURA
SESSÃO N.º 56, EM 3 DE DEZEMBRO
Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.
Antes da ordem do dia. - O Sr. Presidente anunciou que recebem da Câmara, Corporativa a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1955.
Foi autorizado o Sr. Deputado Sá Carneiro a depor como testemunha num tribunal do Porto.
Ordem do dia. - Continuou o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Teófilo Duarte relativo ao caso da Índia.
Falaram os Srs. DeputadoS Pereira da Conceição, Sócrates da Costa, Pereira Viana, Carlos Manterá, Voz Monteiro, Urgel Horta e Botelho Moniz.
A Assembleia aprovou uma moção dos Srs. Deputados Teófilo Duarte e Dinis da Fonseca.
O Sr. Presidente declarou encerrada, a sessão às 18 horas e 55 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 15 horas e 50 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Américo Cortês Finto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Cortês Lobão.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
António dos Santos Carreto.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Herculano Amorim Ferreira.
João Ameal.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Maria Porto.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Sousa Machado.
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Jorge Botelho Moniz.
José Sarmento Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 64 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Enviado pela Presidência do Conselho, encontra-se na Mesa o parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1955. Vai baixar às Comissões de Finanças e de Economia desta Assembleia.
Está também na Mesa um oficio do 4.º juízo correccional da comarca do Porto a solicitar autorização para o Sr. Deputado José Gualberto de Sá Carneiro depor naquele tribunal, como testemunha, no dia 4 de Março do próximo ano.
Aquele Sr. Deputado informou a presidência de que não vê inconveniente algum em que seja concedida a mesma autorização.
Vou consultar a Assembleia sobre se concede a respectiva autorização.
Consultada a Assembleia, foi concedida.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão o assunto do aviso prévio apresentado pelo Sr. Deputado Teófilo Duarte.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pereira da Conceição.
O Sr. Pereira da Conceição: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: o espírito e a essência da vida militar bem pareciam dever, neste momento, dispensar-me de subir os degraus desta tribuna.
Na verdade, em todo o Mundo, a norma formativa do espírito do soldado é o amor e o zelo da sua própria pátria e a sua vida consubstancia-se apenas no serviço e na defesa da nação a que pertence.
O Estado sabe, pois, que conta com ele como espada firme, sempre pronta a defender-lhe a integridade moral, territorial e internacional, espada essa cuja lâmina é forjada na disciplina e no espírito de sacrifício com que é temperada a alma do soldado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para qualquer exército é, pois, ponto de honra os seus soldados alimentarem no coração a chama viva do ideal da pátria, que é a glória do seu sacrifício, a temperança dos seus martírios e o expoente da sua devoção.
Tais razões, somadas a austeridade própria da vida militar, justificariam, pois, o meu silêncio.
Mas este país tem uma longa história e, ligada a ela, anda a vida e a história do nosso exército, que é afinal a vida e a história do nosso povo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O exército deste país trabalhou, serviu e lutou durante quase quinhentos anos nas terras portuguesas da Índia. Por lá se escreveram páginas maravilhosas de devoção e de entusiasmo, as mais admiráveis da nossa história; por lá se embalaram sonhos e lendas de guerreiros enamorados da sua fé; por lá se embeberam de sangue generoso muitas terras e lugares; por lá se argamassaram, com ossadas de muitas gerações de soldados, os fundamentos duma terra bem portuguesa.
Depois de tantos anos de labutas e de canseiras, de bravura e de fé, de tão grande e dilatado amor das gentes e das terras, podem talar-se os campos, secar-se as fontes, desviar-se os rios, desmoronar-se os povoados que, creio bem, as terras e as águas revolvidos, as pedras destruídas e incineradas continuarão ainda a falar ao Mundo a mesma língua que Camões que ali usou, a contar a rectidão que Albuquerque ali provou e a ciciar o mesmo amor das gentes e das coisas com que S. Francisco Xavier ali orou.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Estas são as razões por que, já depois de tudo dito, depois da clara e elucidativa comunicação do ilustre Presidente do Conselho, depois das interpretações aqui feitas por alguns dos mais distintos membros desta douta Assembleia, e já na certeza em que cada português ficou de bem poder afirmar que «viu perfeitamente visto o lume vivo», me restam ainda a ânsia e o dever de, em pobres e modestas palavras, aqui depor o testemunho seguro da solidariedade natural e expressiva dos forças armadas no seu amor às gentes e às terras nossas de Goa, Damão e Dui.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Se por um lado, pois, n História me aponta uma obrigação, a consciência, por outro, impele-me a um dever. O dever de daqui saudar os nossos irmãos da Índia Portuguesa, que há tantos séculos amam a mesma pátria, falam a mesma língua e têm a mesma história, guardiões fiéis das melhores relíquias do nosso povo e que, na defesa do nosso património comum, deram já vidas e haveres, bem merecendo que daqui se lhes dirija a palavra expressiva de saudação e de apreço que a Pátria lhes dedica.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: não foi sem reconhecida e patente emoção que o povo português, espalhado por
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todos os cantos da Terra, sentiu e viveu os acontecimentos do chamado caso de Goa.
Em qualquer continente, em qualquer país, em qualquer província da Mãe-Pátria onde se encontrasse um português, a todos vibrou na alma a acção injustificada e o atropelo sofrido pela nossa soberania no Estado Português da índia.
Nesta cidade de Lisboa, desde sempre coração das terras de Portugal, onde sempre se sentiram vibrar as pulsações emotivas de todos os acontecimentos nacionais, assistimos ao espectáculo empolgante da perfeita unidade nacional na afirmação colectiva do nosso comum amor da Pátria.
Para esta Assembleia, que em si representa todos os povos da terra-mãe e que é a expressão mais viva da unidade portuguesa, tais factos merecem aqui uma palavra de reconhecida menção. E digo aqui porque precisamente nesta tribuna têm voz todos os povos dos quatro continentes por onde se dilata o património nacional, povos esses que são partes do mesmo corpo e alma da mesma alma, a todos a Pátria considerando como filhos iguais e de tal modo os tratando e estimando que apenas se lhe pode imputar o confundi-los de tal jeito que os não sabe distinguir na comum afeição que lhes devota.
E digo aqui porque no arco desta abóbada se encontram gravadas a ouro as armas e as províncias de Portugal, desde Aveiro até à índia, na mesma afirmação de perene e indestrutível unidade nacional, testemunho seguro da nossa fé e certeza inabalável da nossa pátria.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: em perigos audazes e aventuras desmedidas chegaram um dia por mar à índia os Portugueses. Levaram apenas consigo a ânsia civilizadora de desbravar os mundos ignorados, de colher novas que por lá trocariam no dilatar da cultura ocidental e europeia, embalados no amorável misticismo duma fé que lhes inebriava o coração.
Ali foram, pois, muitos homens: uns atraídos pela grandeza da Pátria, outros seduzidos pelo dilatar da fé, alguns ofuscados pela aventura. Entre alguns comerciantes, à índia levaram os Portugueses, sobretudo, os seus próprios estadistas, os seus rectos administradores, os seus ascetas, os seus santos e os seus poetas. Entre os seus operários e os seus soldados, entre os seus músicos e os seus escritores, entre os seus sábios e os seus fidalgos, foram também alguns concupiscentes e ambiciosos, como joio natural, mas que por lá feneceram, para ali só florirem os místicos, os sonhadores e os patriotas.
Consigo levaram a imprensa e a música ocidental; consigo levaram a arte de marear nos grandes oceanos, a rectidão da administração pública e o espírito equilibrado da justiça; consigo levaram a medicina e a botânica de Garcia de Orta, a cartografia e a navegação de Duarte Pacheco, a fundição e a gravura dos arsenais e das tercenas.
Por lá construíram muralhas para sua defesa, mas dentro destas ergueram as catedrais, as casas de imprensa, os lugares de ensino, as salas de justiça, os hospitais e até as Misericórdias com seu espírito humanitário e cristão e que ainda hoje atestam o alto sentido da fé portuguesa em ideais nobres e alevantados.
Não foram, pois, nem as armas, nem as munições, nem o temor, nem as represálias que consolidaram e mantiveram o Estado Português da índia por estes longos séculos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Outros povos, depois de nós, por lá apareceram. Mas a esses deixámos o comércio e os lucros, o dinheiro e as operações materiais.
A nossa sobrevivência depois do século XVII é apenas o produto de uma fé e de uma civilização expressas na bondade, na tolerância, na crença firme da dignidade humana, na ânsia constante de elevar o homem, sem destrinça de raça ou de religião.
São passados quase cinco séculos e os outros, os que depois chegaram, já partiram, sem terem deixado atrás de si uma obra espiritual com alicerces tão sólidos e tão profundos como aquela que os Portugueses ali devotadamente levaram a cabo. Retraídos num minúsculo território, de um interesse económico quase nulo, os Portugueses construíram nele, porém, a catedral de uma civilização, o templo de uma fé.
E catedrais e templos, sejam de que religião forem, devem ser respeitados, demais quando traduzem sinceridade, desinteresse, amor do próximo e das gentes, como no caso de Portugal.
«A Índia falará por nós» - dizia Afonso de Albuquerque.
A História fala por nós - bem podemos afirmar hoje.
De facto, é impossível apagar da História os nomes de Duarte Pacheco Pereira, de Afonso de Albuquerque, de S. Francisco Xavier e do próprio Camões.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As fortalezas, ainda que carcomidas e arruinadas, falarão sempre daqueles homens que «se mais filhos houvessem mais filhos dariam para nelas morrerem por Portugal».
Os templos e as catedrais afirmarão sempre uma fé de bondade irradiante sobre todas as almas.
As pontes, as estradas e as obras de arte recordarão sempre aqueles que, acima de tudo, punham o ideal sincero de servir o bem público e o interesse da comunidade, ainda que para tanto, se mais não houvera, tivessem de empenhar as próprias barbas.
De tal azo bem podemos provar que não representamos o domínio da força, mas antes, sim, e apenas, o domínio do sentimento e do espírito.
Somos dos que acreditam que a força não basta para subjugar ou destruir na alma de um povo cinco séculos de cultura e de espírito.
O rei de Portugal nunca se arrogou títulos ou direitos imperiais; a Índia nunca teve para nós jeito ou foros de colónia. Logo desde o princípio, Albuquerque estabeleceu e fomentou o cruzamento com os seus naturais, aos quais deu direitos de igualdade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por lá se fundou e criou em seguida um exército, com seus quadros de mando abertos a todos sem distinção, e nele ascenderam muitos dos naturais da Índia Portuguesa.
A Escola de Medicina de Goa, criada há cento e doze anos, traduz a continuidade da escola de Garcia de Orta e as suas aulas têm sido frequentadas por muitos milhares de portugueses da Índia, que ali têm ido buscar conhecimentos e ciência, com que depois em todo o Mundo ilustram a nossa cultura e o nosso espírito.
Na nossa vida pública, no nosso exército, em altas e importantes funções da administração da vida nacional temos topado sempre, e ainda hoje, com muitos dos nossos compatriotas nados e criados na Índia.
Tudo isto prova que a Índia Portuguesa não é nem foi jamais império ou colónia; a Índia, a nossa Índia, é, sim, para os Portugueses, um bocado da sua própria
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história, um bocado da sua própria pátria; é, enfim, um bocado da si mesmos.
Os Portugueses da Índia são, de há cinco séculos, elementos da nossa própria cultura e a sua devoção à Pátria neste momento é prova de uma comunidade intrínseca de valores espirituais que há que respeitar e admirar.
Os Portugueses, quer sejam europeus, africanos ou asiáticos, vibram nesta hora de fé, certos de que a ponderação e a calma dos grandes homens de Estado não faltarão para verem a verdade da Justiça antes de impelirem um povo nos caminhos da justiça da Verdade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Sr. Presidente: afirmava Renan, em seus Discursos e Conferências, a propósito da nação, as palavras seguintes, que são tidas ainda hoje em conceito magistral:
O elemento essencial da unidade nacional deve procurar-se na comunidade de tradições, de necessidades e de aspirações. A humanidade -diz-se- é formada por mais mortos do que vivos. A nação é formada também por mais mortos do que vivos. A recordação das batalhas travadas, dos triunfos obtidos e, sobretudo, das derrotas sofridas em comum contribui poderosamente para criar e precisar a solidariedade nacional. A comunidade de tradições desempenhou em todos os países um papel capital. E, nesse sentido, diz-se muito justamente que a nação é uma formação histórica.
Estas palavras de Renan traduzem a verdade tão indiscutível de que entre os indivíduos da mesma nação se estabelece uma interdependência muito forte, resultante, não só da sua vida em sociedade, mas ainda da comunidade de aspirações e de necessidades presentes, do sentimento do papel que os homens da mesma nação devem desempenhar em comum no Mundo, da necessidade de defender o mesmo património de ideias, de riquezas morais ou materiais.
E porque às forças armadas compete, na essência do próprio Estado, a função de defesa e manutenção da sua integridade moral e material, o mesmo é que a zelosa vigilância da sua soberania entre as nações, compreende-se que o militar deva ser, por natural formação, o defensor estrénuo do ideal da pátria e o servidor fiel da nação.
Por tudo isto, também, a sua formação e o seu temperamento andam naturalmente arredios dos problemas da política, que apenas lhe interessam em momentos muito extremos ou em circunstâncias muito graves. Esses momentos e essas circunstâncias são aqueles em que periga o futuro ou a segurança da nação, em que se despreza ou se ofende o brio e a dignidade da pátria.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O militar, afastado dos problemas mesquinhos e das questiúnculas políticas, quer manter-se alheio às paixões internas, senhor apenas do zelo e da dignidade da nação. O seu afastamento não significa alheamento ou esquecimento, mas sim tão-sòmente o desejo de intervir acima das paixões e servindo apenas e sempre o interesse da pátria.
Por tal motivo, é hábito nas fileiras militares os problemas nacionais serem estudados e meditados com a ânsia de os ver resolvidos, mas com desinteresse pelas discussões, por vezes apaixonadas e tumultuosas, que neles se enredam.
Se, porém, eles trazem perigo ou prejuízo à noção, o exército sente-se vibrar na calma austeridade dos seus princípios..
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Foram estas ideias que levaram um dia o notável jornalista português Moniz Barreto a escrever acerca dos militares:
Corações mesquinhos lançam-lhes em rosto o pão que comem, como se os cobres do pré pudessem pagar a liberdade e a vida! Publicistas de vista curta acham-nos caros de mais, como se alguma coisa houvesse mais cara que a servidão. Eles, porém, calados, continuam guardando a Nação do estrangeiro e de si mesma. Pelo preço da sua sujeição eles compram a liberdade para todos e a defendem da invasão estranha e do jugo das paixões.
É, pois, nos momentos graves, e só nestes, que o Exército se pronuncia, deixando até aí manobrar a diplomacia e a política.
A diplomacia, quando servida pela razão e pela justiça, ganha por vezes grandes batalhas. Uma altura chega, porém, segundo Foch diz na sua Conduta da Guerra, em que não resta mais do que pôr de parte a pena e pegar na espada, definindo assim que a acção militar não é mais do que a continuação da política por outros meios.
A humanidade inteira ama a vida pacífica, e os povos laboriosos e dedicados ao serviço da civilização, como o nosso, desejam ardentemente a paz. Todas as nossas tradições políticas assentam sobre a ordem interna e a harmonia universal. Desde há quatro séculos que não entramos em luta senão para defesa dos nossos povos e dos nossos territórios de aquém e de além-mar. E este exemplo de quatro séculos bem merece ser meditado, no seu contraste com as doutrinas de certos Estados jovens, que, amparados a princípios de «não violência», vão atropelando por esses mundos a integridade e a soberania alheias.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As ideias pacíficas que possuímos não traduzem mais do que o sincero desejo que temos de nos devotarmos à obra de civilização e de progresso a que nos entregámos em todos os territórios que estão à sombra da nossa bandeira.
Atente-se, porém, que se verifica fàcilmente na história destes quatro séculos a que me refiro que, se somos tão orgulhosos deste espírito pacífico que nos anima, não somos menos ciosos da independência e da soberania que possuímos, do respeito, que nos é devido pela nossa honra e dignidade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E sentimos, todos mós, Portugueses, que a honra e a dignidade se não medem nem pela riqueza, nem pelo poder, nem pelo império. Grandes ou pequenos, os povos, como os homens, devem atentar que a dignidade e o respeito sobrelevam a riqueza vil do opróbrio, mesmo para além dá morte.
Estas ideias tiveram-nas sempre bem excelsas as mulheres portuguesas de Diu nos cercos famosos que ali ocorreram e legaram-nas de seguro aos seus filhos e descendentes.
Na vida pacífica e activa, de muitas gerações de portugueses da Índia sempre brilharam firmes estes princípios.
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Por lá se dedicaram ao trabalho operoso e pacífico famílias das mais ilustres deste país, que lá se entroncaram numa permuta fecunda de sangue e de tradições.
O ilustre Chefe do Estado usa, ele próprio, um apelido que a, Índia Portuguesa bem conhece, porque tanto ele como seu pai ali demonstraram arreigado amor das gentes e profundo interesse pelas coisas portuguesas de Goa, Damão e Diu.
Ambos oficiais dos mais distintos do nosso exército, comprovam à saciedade que sempre este se tem dedicado generosamente, dando o melhor do seu esforço à causa e progresso da Índia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Na verdade, às forças armadas se devem, não só os heróis das lutas e os batalhadores dos cercos, mas também os vencedores pacíficos do trabalho laborioso, os obreiros devotados das estradas e dos caminhos de ferro, os infatigáveis cooperadores e amigos de todos os povos e gentes da região.
Podemos bem dizer que os Portugueses têm sido na Índia, desde sempre, um misto de trabalhadores e de soldados, amantes da paz, mas ciosos da dignidade nacional, aspirando ao sossego operoso do progresso, mas, vigilantes da integridade do valor histórico e cultural que construíram à custa do esforço de muitas gerações.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - À frente dos destinos daquela província encontrasse hoje a figura distinta e valorosa de soldado que é o Sr. General Paulo Bénard Guedes. O seu tacto, bom senso e equilíbrio, provados em circunstâncias difíceis, traduzem bem o espírito pacífico que nos é próprio; o seu trabalho operoso e infatigável nos domínios da administração pública prova-nos o espírito progressivo de que somos animados; mas a sua alma de militar esmalta-se do aprumo e da firmeza do soldado, já provados em campanhas pela Pátria.
A sua figura e o seu passado merecem a nossa admiração e a nossa confiança. A sua personalidade de militar assegura-nos a solidariedade expressiva do Exército à Nação inteira no chamado caso de Goa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A figura distinta de marinheiro e de português do ilustre titular da pasta do Ultramar exige também que seja aqui evocado neste momento, na perfeita e integral simbiose das forças armadas devotadas ao serviço da Nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Uma palavra oportuna nos merece também o notável apreço pela acção do Ministério dos Estrangeiros e do seu infatigável e inteligente Ministro.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Por fim vou terminar:
O caso de Goa está requerendo solução, que o Sr. Presidente do Conselho tão ponderada e magistralmente soube aqui vincular na sua comunicação.
Governo, Nação e Exército encontram-se solidários na defesa da dignidade e dos interesses pátrios. Já por lá, da parte da União Indiana, «se praticaram agressões, se abusou da força, se desconheceu o direito»- como muito bem afirmou o Sr. Presidente do Conselho.
O Governo continuará, como até aqui, senhor do zelo e ponderação que lhe reconhecemos, possuído da dignidade e do espírito pátrio em que o encontramos, a conduzir as difíceis relações que se apresentam.
Desejamos o reconhecimento pacífico e sincero da nossa soberania e dos nossos direitos.
Mas o caminho nosso está traçado e esse mostraram-no os portugueses que por lá servem a Pátria, definindo-o claramente no exemplo dos sacrifícios já sofridos pelas populações dos enclaves, na morte brava do subchefe Aniceto do Rosário e na resistência do tenente Marinho Falcão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Do que são os nossos deveres também o sabem do passado os que por lá estão e vivem no Estado Português da índia: trabalho operoso na paz, dignidade e valor em qualquer circunstância.
Sabem-no muito bem -e, pelo menos, tão bem como nós- o general governador, o comandante militar, o seu estado-maior, os seus oficiais e soldados e os portugueses de todas as raças e todos os credos que lá se encontram, que são agora os guardiões fiéis da nossa história e sobre cujos ombros repousa a honra e a dignidade da Pátria.
Mas sabem, também, que não estão sós. Com eles estão não só o Governo, a Assembleia e as forças armadas, mas também a Nação e os portugueses de todo o Mundo, com eles estão muitos séculos de história e junto deles rondam gerações de heróis e de soldados da Índia, como «Albuquerque terríbil, Castro forte e outros em quem poder não teve a morte».
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sócrates da Costa: - Sr. Presidente: ao fazer uso da palavra pela primeira vez nesta sessão legislativa, renovo os meus cumprimentos de sincera admiração e respeito por V. Ex.ª
Subo a esta tribuna para, em primeiro lugar, saudar o Governo pela forma como tem enfrentado os acontecimentos e conduzido a questão suscitada pela guerra fria que a União Indiana vem fazendo ao Estado Português da índia; em segundo lugar, para prestar o meu depoimento sobre o comportamento hostil e desumano do Governo daquela União e, finalmente, para dizer da minha justiça sobre dois dos três tipos de sugestões preconizadas sobre o caso de Goa e que o Sr. Presidente do Conselho analisou.
Quanto à forma como tem sido conduzida pelo Governo a questão suscitada pelo caso de Goa, parece-me que, depois da exposição feita pelo Sr. Presidente do Conselho, cujas palavras finais são a expressão da mais ardente fé patriótica, que infunde nova vida e novo vigor até às pedras das muralhas de Goa, Damão e Diu, ninguém, nesta Casa ou lá fora, poderá, estando de boa fé, pensar que possa haver outra e melhor.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Eis porque rendo as minhas homenagens ao Governo, destacando o Sr. Presidente do Conselho e os Srs. Ministros do Ultramar, dos Negócios Estrangeiros e da Defesa Nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Também cabe aqui uma palavra de reconhecimento ao Sr. Governador-Geral da Índia, que, serena e corajosamente, nos transes mais difíceis, defendeu
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as populações dos territórios que governa contra os golpes claros ou traiçoeiros da hidra da «não violência».
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -Isto dito, Sr. Presidente e Srs. Deputados, um relato sucinto de poucos factos do meu conhecimento pessoal, além daqueles que apontou o Sr. Presidente do Conselho, mostrará a VV. Ex.as que a chamada «não violência» é, como definiu o Sr. Presidente do Conselho, toda à casta de violências, exceptuada a guerra, declarada pêlos Governos e conduzida pêlos exércitos. Assim é. Um médico meu amigo pediu ao encarregado do Consulado da União Indiana em Goa licença para a mãe, doente, ir a Bombaim, porque precisava de ser urgentemente operada por um especialista daquela cidade.
Foi autorizada a ida da doente, mas recusada ao filho licença para a acompanhar, por ter feito, segundo lhe disseram, afirmações de fidelidade ao Estado Português. Cá está um acto da «não violência».
Por igual motivo recusa-se licença aos estudantes que, depois de concluído em Goa o sen curso, nos colégios reconhecidos pela Universidade de Bombaim, aí têm de se apresentar para o exame final.
Em certa ocasião, eram 10 horas da noite, vi no passeio junto do Consulado da União Indiana uma extensa e compacta bicha de gente. E então soube esta coisa espantosa: os que declaram que são indianos de nacionalidade obtêm licença imediatamente; os que declaram que a sua nacionalidade é portuguesa têm de ter passaporte, ao qual afinal se recusa o visto; e os que declaram que são goeses e de nacionalidade portuguesa esperam dias, semanas, e muitos, por fim, sofrem a humilhação de uma insolente recusa. A bicha era formada por pessoas que, ao cabo de porfiadas diligências, iam passar a noite, ali, naquela incómoda posição, para no dia seguinte tentarem de novo a sorte ... Isto também é «não violência».
Iguais actos de crueldade se praticam em relação às populações de Damão e Diu, e tudo em nome do pacifismo e da «não violência», para se provocar aí a revolta contra as autoridades e se dizer depois que se autodeterminaram no sentido da integração os que porventura se percam, estiolados pela fome. Eis o que depois do assassinato de Dadrá e Nagar Aveli constitui na fase actual o chamado caso de Goa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -As soluções preconizadas para ele, reduziu-as o Sr. Presidente do Conselho aos três tipos seguintes: negociações com a União Indiana.; resistência militar com empenhamento de todas os nossas possibilidades e as de aliados que conseguíssemos; total independência de Goa dentro de uma federação ou confederação portuguesa.
Só a dois destes três tipos - ao primeiro e ao último - me referirei, porque são os que me tocam directamente, na minha qualidade de goês.
Demonstrou irrefutàvelmente o Sr. Presidente do Conselho que quando se aceita a negociação, tal como a encara a União Indiana, segundo o texto da nota de Nova Deli de 27 de Fevereiro de 1950 e como se deduz dos textos posteriores -pois outra se não admite-, há uma coisa que está já aceite e assente e essa é a transmissão da soberania e a entrega das populações à generosidade do Sr. Pândita Nehru ou do seu Governo.
E faz o Sr. Presidente do Conselho este fulminante comentário, que não poda deixar de abrir ferida funda no coração de todos os bons portugueses: «Damos ou vendemos -pouco importa isso à gravidade do caso os Portugueses da Índia, as terras de Afonso de Albuquerque e da epopeia do Oriente, os santos das Igrejas, os mártires da Pátria. Por quanto? Por quanto?»
Sr. Presidente e Srs. Deputados: eu, que nasci português; que tenho o direito de portuguêsmente amar Goa, que é minha terra natal; que tenho tanto direito como V. Ex.ª para me envaidecer com a História de Portugal, também pergunto se haverá algum português que pense que eu nada valho e por isso posso ser dado de graça numa salva de prata de negociações ao Governo da União Indiana.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- E se valho alguma coisa, qual é o preço, por quanto me querem vender os que sugerem que, mediante negociações, eu seja entregue aos dirigentes daquela jovem nação?
Não haverá, Senhores, goês nenhum que se preze de o ser que assista complacente às negociações que qualquer Governo Português tente encetar pára se livrar das complicações criadas pelas desmedidas e injustas ambições imperialistas da União Indiana.
Por mim, revoltar-me-ia contra tal Governo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Será, porventura, diversa quanto aos resultados a sugestão da «total independência de Goa dentro de uma federação ou confederação portuguesa»?
É possível que, dadas certas condições, uma das quais é a existência da Coroa, como na Inglaterra, que dá coesão ao Commonwealth, num futuro longínquo se possa pôr o problema da revisão constitucional sugerida.
Mas perante as ambições da União Indiana e seu ideal imperialista, a ideia da independência total de Goa pode afagar certas vaidades, e só nisto é mais simpática que a sugestão das negociações. Mas no fundo não é mais nem menos do que o abandono de Goa à sua sorte, como se fosse, permitam-me a expressão, uma tigela quente.
Vozes: - Muito bem! .
O Orador:-Analisadas, embora sumariamente, as referidas sugestões para a solução do caso de Goa, por mim só vejo segurança e esperança no fortalecimento e actualização da linha tradicional da Administração e do Governo do Estado Português da Índia, em suma, na orientação seguida pelo Governo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Claro está que há necessidade de acelerar a conclusão das obras de fomento; que os funcionários delas encarregados exerçam uma espécie de sacerdócio; que se procure reduzir a emigração ou orientá-la para os territórios portugueses; que se facilite o exercício da medicina no ultramar aos médicos formados pela Escola Médica de Goa e aos sacerdotes de Goa o exercício da sua santa missão nos territórios portugueses.
Sr. Presidente: não posso concluir sem agradecer a todos os portugueses que deram, dentro e fora do País, a nós, Portugueses das Índias, inequívocas provas de solidariedade, na hora mais grave da nossa vida, com peregrinações a Fátima, orando nos templos e auxiliando materialmente as vítimas de Dadrá e Nagar Aveli.
Tive a honra de receber do Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa uma bandeira como garantia, futura dessa solidariedade e um guião de D. João de Castro com a divisa: «Resistir e vencer».
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Com a graça de Deus, com o auxilio de V. Ex.ª e sob o governo vigilante de Salazar, resistiremos e havemos de vencer.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pereira Viana: - Sr. Presidente: na quietação da vida portuguesa, a que já nos habituáramos, as ameaças contra os territórios sagrados do Estado da Índia vieram levantar uma onda de sobressalto, de emoção e até de legítima cólera, porque, como disse Salazar, vieram ferir com fundos golpes a própria carne da Nação.
Durante quatro séculos e meio alicerçou Portugal nesses padrões sagrados da sua missão universalista e evangelizadora uma obra de irradiação espiritual e de convivência, entre civilizações distantes que é motivo de orgulho não só para esta velha pátria europeia, como para todas as nações que partilham dos mesmos ideais de vida e de cultura.
E foi contra essa representação histórica de uma obra de séculos, contra o símbolo mais glorioso do nosso passado de nação ecuménica, que vieram precisamente levantar-se ameaças e criminosas tentativas de espoliação, como se de nada valessem, ante argumentos sofísticos de artificial unidade político-geográfica, todo o património imenso da acção portuguesa no Oriente e a própria dignidade das relações entre os povos.
A indignação vibrante que fez erguer o País inteiro numa manifestação de protesto e de resoluta vontade de resistência ao crime que se pretendia e pretende cometer foi o testemunho eloquente de que não se encontram adormecidos nem minorados os nobres sentimentos patrióticos do povo português.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: -E se desta dolorosa crise pode resultar ainda algum benefício, o maior será, certamente, o da prova de vitalidade e de fervor patriótico que ela fez ressurgir, demonstrando inequìvocamente que Portugal está hoje, como sempre, decidido a manter a intangibilidade do seu corpo nacional na metrópole e no ultramar.
Como português e como homem, e em face da repelente agressão e das insólitas ameaças contra a nossa soberania em Goa, invoco os feitos gloriosos dessa plêiade de navegadores e heróis que com o seu sangue generoso escreveram as páginas mais fulgurantes da História de Portugal, com seus nobres exemplos nos incutiram no espírito a noção revigorante da nacionalidade, com sua inflexível devoção aos interesses da Pátria nos radicaram bem fundo a mais perdurável lição de fé nos destinos da Nação, e com a sua acção perseverante e até sacrifício de suas vidas legaram aos vindouros uma herança que teremos de manter intacta até ao final dos séculos.
Como oficial da Armada posso afirmar perante V. Ex.ª e perante a Nação que a marinha de guerra sentiu profundamente e partilha o abalo moral, a indignação e o voluntarioso desígnio de não ceder perante quaisquer ameaças contra a secular presença de Portugal nos seus territórios da Península Indostânica.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - As mais gloriosas e mais nobres tradições da Marinha estão ligadas à história da índia Portuguesa; a sua missão nacional na salvaguarda e no prestígio das terras do ultramar reveste-se hoje da mesma grandeza e consciente responsabilidade que esmaltou de exemplos admiráveis a História de Portugal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E o seu desejo de enfrentar os acontecimentos, com meios modestos, sim, mas valorizados pela força moral e patriótica que é fonte inesgotável de heroísmo e garantia maior dos verdadeiros feitos, é hoje tão firme e entusiástico como nos momentos mais elevados em que a Pátria, em perigo, pediu o sacrifício dos seus filhos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Se a coragem indomável de Bartolomeu Dias e Vasco da Gama, na esforçada conquista dos roteiros que nos levaram à Índia, nos enche de reconfortante orgulho, se a acção fulgurante de D. Francisco de Almeida na batalha de Cananor nos faz estremecer de assombro perante o prodígio de tal bravura e saber, se a morte gloriosa de D. Lourenço de Almeida no desesperado combate de Chaul nos lega um exemplo insuperável de heroicidade e sacrifício, se a brilhante vitória da barra de Diu contra os Rumes, em que foi aniquilada a poderosa frota do sultão do Cairo, nos entusiasma de emoção e nos incute coragem para os grandes cometimentos e se tantos outros feitos admiráveis, que fizeram da epopeia portuguesa no oceano Índico um embrechado prodigioso de valentia, de fé e de sacrifícios heróicos, nos fazem transbordar a alma de contentamento por termos nascido portugueses, nos nossos dias, a nobre e arrogante atitude de Silva Nogueira perante a esquadra russa, na baía dos Tigres, a bravura do batalhão de Marinha nas campanhas do Sul de Angola e a épica defesa do paquete S. Miguel em águas dos Açores por um caça-minas que mais não era do que um velho barco de pesca dão-nos a certeza de que o sangue heróico e generoso dos nossos avós circula ainda nas veias dos homens do mar.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - A bravura de ontem mantem-se hoje e continuará amanhã firme e inabalável na convicção suprema de que a armada nacional está sempre pronta, na época actual, como em todos os séculos da História que a Nação viveu, para cumprir o seu dever, para lutar e morrer pela integridade o dignidade de Portugal de aquém e além-mar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Na índia Portuguesa, como em qualquer território onde flutui galhardamente a nossa bandeira, não estamos dispostos a alienar direitos, a abdicar da missão que o passado e o presente nos impõem, a desistir de uma herança em que se encorpora a própria essência da acção histórica de Portugal.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador: - Temos por nós a razão dos séculos, o direito internacional, a simpatia e compreensão das nações civilizadas, a honra da obra realizada entre os povos do Ocidente e do Oriente - e até o direito bem merecido ao reconhecimento daqueles que hoje contestam a legitimidade da nossa pacífica presença no Indostão.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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O Orador: - As minhas palavras são, portanto, Sr. Presidente, de inteiro aplauso à acção do Governo e de afirmação solene à Câmara de que a epopeia heróica de Carvalho Araújo se repetirá enquanto o coração bater no peito de um marinheiro português.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Em águas da Índia, como nas de África ou de qualquer outra parte do Mundo, onde seja chamada a servir, a marinha de guerra de Portugal defenderá sempre com o mesmo ardor, a mesma devoção e a mesma fé os bens sagrados da Pátria.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Carlos Mantero: - Sr. Presidente: vão decorridos cerca de cinco meses sobre o recrudescer da guerra fria na Índia Portuguesa, guerra sem tréguas que a União Indiana nos move, seguindo com desusada dureza as regras da escola de Moscóvia.
Contra o fantasma branco que persegue e conduz o Governo e certos partidos políticos da Índia levantámos por nós a consciência do mundo civilizado, deste Ocidente que é terra fértil do direito e da moral, encruzilhada de Roma e Nazaré.
A simpatia ostensiva e os apoios efectivos de numerosas chancelarias vieram dar prática demonstração à força do nosso direito, à razão da nossa política e à elevação da nossa moral.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Na sua comunicação a esta Assembleia expôs-nos o Sr. Presidente do Conselho os fundamentos da política do Governo com relação à Índia e traçou o quadro do estado actual da situação. Creio que todos os que tiveram o privilégio de ouvir ou de ler os palavras do Chefe do Governo hão-de convir que bem pouco resta a dizer no prosseguimento deste debate, tão alto S. Ex.ª levantou o caso português, na força dos argumentos, na dignidade das atitudes, na elevação moral dos conceitos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Se outros motivos não houvesse para dar ao Governo caloroso apoio na gestão da coisa pública, bastaria o extraordinário sucesso por ele alcançado na defesa do direito português na Índia para justificar a gratidão de todos nós, assegurando-lhe a solidariedade patriótica da Nação inteira.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O Governo, interpretando fielmente o pensamento e a vontade nacional, elevou tão alto o prestigio de Portugal no Mundo que já não é somente contra nós que se dirige a agressão indiana, mas contra o Ocidente. E a União Indiana não pede permitir-se entrar em conflito aberto, mesmo só no campo do direito, mesmo só no campo diplomático, com o mundo ocidental sem pôr em grave perigo aquele precário equilíbrio do influências em que assenta a sua difícil independência, ou sem atraiçoar a sua mística nacional, inspirada do frágil ideal da «não violência», que a justifica e condiciona.
Nunca vimos, por isso, a União Indiana alinhar com os Estados que têm feito frente à agressão. Entrincheirando-se atrás da fórmula da «não violência», não socorreu a Coreia nem os Estados invadidos da Indochina, não se juntou às potências que formaram barreira contra a agressão no Sudeste e no Sudoeste Asiático, julgando, talvez, assim, preservar-se ela própria da invasão ou do domínio estrangeiro, quer na sua forma violenta - a guerra - quer na sua forma aliciante - a subversão política-, esquecida de que a condição mínima dessa mesma segurança é precisamente o equilíbrio de forças na Ásia, equilíbrio que dificilmente se poderá manter sem ela.
Não creio que no fundo a União o ignore, mas agrado-lhe mais aparentar não perceber que a existência de fortes pontos de apoio espiritual ou estratégicos do Ocidente na Ásia constitui garantia suplementar da sua própria segurança. Uns e outros lhe são necessários, uns para contrabalançar a invasão das ideias e da influência que, partindo do norte, se espraiam por todo o Indostão, apesar do seu neutralismo, outros para mais poderosamente articular a própria resistência no dia em que o pacifismo tiver, afinal, sido submergido pela violência.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Como pode a Índia desprezar a amizade portuguesa, amizade consagrada em séculos de harmonia, amizade que tantas vezes correu em seu auxílio e nunca lhe foi pesada, como pode a Índia arriscar-se a perder com ela a simpatia dos amigos de Portugal, e são eles muitos e poderosos no Mundo, onde a comunidade portuguesa, só por si, ocupa territórios três vezes mais vastos e muito mais ricos do que os da União Indiana?! É risco que não pode correr sem enfraquecer irreparàvelmente a sua posição no Mundo num momento singularmente grave para ela.
A Índia, que não cessa de reclamar largos investimentos estrangeiros, cuja urgência se impõe, sob pena do declínio constante do nível de vida do seu povo, que o desequilíbrio persistente entre o aumento do produto nacional e o aumento da população determina, a Índia carece de elevar-se no conceito do Mundo pelo seu comportamento pacífico, ordeiro e legalista na vida interna e no convívio internacional, a Índia tem de dar contribuição activa para a paz, que é simultâneamente ausência de guerra e cooperação internacional no pensamento do Pândita Nehru; se quiser merecer a confiança dos que a podem auxiliar com a sua riqueza e capacidade técnica, sem fazerem correr com o auxílio que lhe levam graves riscos à sua independência.
Mas a União Indiana, que é já um Estado real, não é ainda uma nação. Precisa urgentemente de criar uma mística nacional, dando vida e forma a factores comuns de todas as raças e nacionalidades que a compõem, para assim ir formando no decorrer dos tempos a sua consciência nacional.
O mito do «usurpador» serve às mil maravilhas este propósito. Mas o mito precisa de ser alimentado para viver. Se o alimento lhe falta, o mito morre, e lá se vai um poderoso factor comum da coesão nacional. O mito terá, por isso, de sobreviver. O mito é como o ideal, que só é ideal enquanto se não atinge.
Em face desta União Indiana, nação ainda na sua génese, que encontramos nós? O velho Portugal, com uma consciência nacional de mais de oito séculos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As forças determinantes da nossa formação nacional aparecem através da História com uma fisionomia constante. Elas constituem os imperativos da Nação Portuguesa, condicionam a sua existência.
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Enquanto essas forças a impulsionarem a Nação existe com função própria.
São funções históricas da Nação Portuguesa propagar o Cristianismo, ocupar e povoar os territórios desabitados ou quase desabitados que descobrimos a caminho do sul (que é o pólo de atracção do povo português), expandindo neles a nossa civilização e (quando nas contingências da História convivemos ìntimamente com outras raças e civilizações) promovendo, despidos de preconceitos, a fusão das diversas raças.
A Madeira, os Açores, Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe eram ilhas desertas. No Brasil e na costa de África as populações nativas constituíam ténue rede de tribos selvagens e ferozmente rivais umas das outras.
Por toda a parte dos nossos territórios prosseguiu, através dos séculos, a nossa função povoadora e civilizadora. Transformámos regiões desérticas em populosos territórios, assimilámos populações selvagens, atraindo-as à nossa civilização, e, num lento, persistente e seguro processo de miscigenação, criámos raças neoportuguesas, em que o sangue lusitano constitui o factor comum que imprime carácter e unidade ao todo nacional.
Assim sucedeu também na índia Portuguesa, onde criámos uma raça nossa, com carácter próprio, mais afim do português de que do indostânico, porque o contributo do nosso sangue e a influência da nossa cultura foram mais fortes do que os dos povos e das civilizações circundantes.
Como pode a Índia Portuguesa estar abrangida no conceito de «colonialismo»? Tratasse, acaso, de um território explorado em nosso proveito, na subordinação das produções e do trabalho humano aos interesses económicos da metrópole? Da sua exportação recebemos menos de l por cento e nas suas importações figuramos com 9 por cento apenas l. Os números falam por si.
Existe na Índia Portuguesa uma nação que anseie pela sua liberdade? Existe ali um povo dominado, um povo com um espírito nacional distinto do português?
Como? Se a Índia Portuguesa é parte de Portugal? Goa não está submetida à soberania de Portugal como se se tratasse de duas nações distintas - uma dominadora e outra dominada. Goa é uma província portuguesa, é Portugal, é a própria soberania portuguesa, de que faz parte integrante.
Se assim não fosse, se se tratasse de um povo dominado, a alternativa nem sequer se punha, porque aquilo que a União Indiana pretende não é a independência de Goa, Damão e Diu, mas sim a sua absorção.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A questão como foi posta pela União Indiana fica, portanto, relegada ao problema da transferência a seu favor da soberania do povo português na Índia.
Se o argumento «colonialista» não tem aplicação, então em que se funda a União Indiana? Se não pecámos por «colonialismo», então de que nos acusam? De usurpação! Nada menos que de «usurpação»! O direito nega-o, nega-o a história, nega-o Goa, nega-o Portugal, nega-o a consciência internacional.
Sucede, porém, que o próprio Sr. Nehru também o nega agora, ao reconhecer as características de povo ocidental aos Goeses. Ou esse ocidentalismo os integra na Nação Portuguesa, de que fazem parte há mais de quatro séculos, ou a sua diferenciação do todo português é tão marcada que deu vida a uma consciência nacional goesa, e, neste caso, não poderia a União Indiana absorvê-los sem se tornar ela própria gravemente culpada de colonialismo, ou, pior ainda, de «imperialismo», em cuja condenação fundou a sua independência.
Há por certo um equívoco na posição tomada pela União Indiana ao pretender a absorção da Índia Portuguesa. O Presidente do Conselho frisa-o na sua exposição. O Sr. Nehru anda meio caminho para reconhecê-lo quando afirma que Goa, nela sua ocidentalização, se diferencia da União e constitui uma unidade à parte.
Meus senhores: a União Indiana impôs o bloqueio à índia Portuguesa, bloqueio marítimo, comercial e financeiro, abrangendo as coisas e as pessoas. O bloqueio total vai transformando um sistema económico francamente liberal, como o da Índia Portuguesa, num sistema profundamente autárquico, que a carência de meios internacionais de pagamento vai progressivamente reforçar.
Mas os problemas económicos que esse bloqueio põe a Portugal não são problemas que Portugal não possa resolver muito à vontade.
O País, que é o conjunto dos territórios nacionais, pode bem com eles.
Assim terá sido a União Indiana a impor à índia Portuguesa o mais extravagante nacionalismo económico que pode conceber-se. Afastando-a dela e provocando o estreitamento das relações económicas com outros países e com os restantes territórios portugueses, num momento em que a concorrência internacional é muito viva, não fez senão o jogo dos seus competidores. A União Indiana condena-se a si própria na prática demonstração de que a violência de que agora usa contra nós sem provocação, e que ela própria condena no campo abstracto dos princípios, não serve a política nacional.
Na louca cavalgada da agressão, a União Indiana, perdendo o sentido das conveniências, leva ao patíbulo os seus próprios ideais.
Quem poderá jamais acreditar na sinceridade das suas doutrinas e da sua política? Quanto mais tempo persistir em negar-se a si própria mais caro será o preço da sua reabilitação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A União Indiana pôs um dilema, que ela própria formulou: negociações sobre a integração ou a guerra.
Um dilema é sempre uma proposição falsa. Um dilema denuncia falta de imaginação e uma tendência para a excessiva simplificação dos problemas.
Os problemas das sociedades humanas são poliédricos, têm muitos aspectos e podem ser resolvidos de muita maneira.
Não é persistindo em posições insustentáveis que se ganham batalhas. Não é negando a história, o direito e a realidade, negando tudo, que se tem razão.
A usurpação dos nossos territórios pela União Indiana ou a guerra são duas posições indefensáveis, duas posições em que a Grande Índia se não pode manter.
Sr. Presidente: não conheço nos últimos tempos acção diplomática conduzida com maior brilho e sucesso do que a acção empreendida pelo Governo Português em defesa da nossa província da Índia. Partindo de bem pouco, o Governo, forte do nosso direito e da nossa razão, articulou o sistema defensivo mais adequado às circunstâncias e, portanto, o mais eficaz. Conseguindo mover a favor de Portugal forças morais poderosas, o Governo quebrou a arrogância agressiva da União Indiana, fazendo-lhe compreender que o direito nem sempre é joguete nas mãos do mais forte.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
1 Médias de 1947-1951.
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O Orador: - As minhas últimas palavras são de incondicional apoio ao Governo na resistência à agressão, venha ela donde vier, tome ela a forma que tomar, firmes na vontade de lutar e de vencer, sem nunca perder a esperança, que é fé na razão de Portugal. Devemo-lo a nós próprios e ao Mundo.
O Governo soube com raro acume dar expressão positiva à vontade nacional numa das emergências mais difíceis da nossa história.
A Pátria agradecida aplaude.
Ainda o velho mundo europeu estava confinado à estreiteza do continente e já Portugal se alargava para além dos mares. A nossa feição marítima nunca a perdemos. É hoje a mesma que no século de Ceuta, que precedeu de cem anos o despertar da Europa para a vida dos grandes oceanos, onde fomos precursores e guias.
Não cessaremos de fazer compreender ao Mundo que assim é Portugal, nação dispersa pêlos mares, amálgama de raças e culturas diversas, que séculos de história comum fundiram no feixe luminoso das nossas ideias, sentimentos e tradições nacionais.
Território bendito da nossa Índia, que outro não conheço mau português, cúpula resplendente do Cristianismo a iluminar o céu da Ásia, padrão máximo dos descobrimentos, que abriram os caminhos da civilização aos povos recluídos do Oriente, símbolo da universalidade portuguesa, Índia, Goa eterna, eu te saúdo.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Vaz Monteiro: - Sr. Presidente: o nosso ilustre colega Teófilo Duarte realizou com acendrado patriotismo o seu aviso prévio sobre a usurpação e as inqualificáveis atitudes contra a soberania portuguesa no Estado da Índia e sobre a orientação política do Governo nesta grave conjuntura nacional.
Quero tributar ao Sr. Deputado Teófilo Duarte o meu aplauso pela realização do seu aviso prévio sobre a situação naquela nossa província ultramarina, pois deste modo todos nós mais largamente nos poderemos pronunciar sobre assunto de tanta importância para Portugal.
E de tal importância é o assunto que logo desde que o aviso prévio foi enunciado se ergueu por toda a parte um justificado interesse em conhecer como seria posto o problema na Assembleia Nacional e como iria ser apreciada a orientação política do Governo na defesa da nossa soberania naquela província ultramarina.
Os assuntos a debater sobre os acontecimentos do Estado da Índia são realmente de tão alta importância para a Nação que o Sr. Presidente da Assembleia Nacional imediatamente lhe reconheceu a maior urgência e por isso mesmo logo marcou a efectivação do aviso prévio para a ordem do dia da primeira sessão a seguir àquela em que foi enunciado.
Porém, o interesse público recrudesceu quando se soube que S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho viria, ele próprio, à Assembleia Nacional esclarecê-la e esclarecer o País acerca do caso da Índia Portuguesa.
O Sr. Presidente do Conselho, Prof. Oliveira Salazar, honrou-nos com a sua presença e prestigiou esta Assembleia vindo aqui expor liminarmente a posição do Governo perante os graves acontecimentos ocorridos nos territórios portugueses da Índia e traduzir com a sua impressionante clareza e exactidão o que anda no pensamento dos Portugueses sobre tão momentoso problema nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Pela palavra autorizada de V. Ex.ª Sr. Presidente, a Assembleia Nacional manifestou ao Sr. Presidente do Conselho a honra que sentimos com a sua presença e fez a afirmação da nossa solidariedade com a política firme, patriótica è esclarecida que tem conduzido, em ordem à defesa da integridade de Portugal.
Associo-me inteiramente a essas palavras de V. Ex.ª, dirigidas a quem tanto e tão altos serviços tem prestado à Pátria, nomeadamente no caso da Índia Portuguesa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O discurso de Salazar proferido na Assembleia Nacional em 30 de Novembro findo ficará para sempre memorável, pela profundidade a que levou a sua análise, pela expressão brilhante que lhe é própria, pela seriedade e valor da sua argumentação, pelo reconfortante patriotismo e confiança que nos inspirou.
Quem poderá agora, depois de tão extraordinária e brilhante exposição feita pelo Sr. Presidente do Conselho, sentir-se verdadeiramente encorajado para nesta Casa subir a esta tribuna e discutir e apreciar a situação da Índia Portuguesa ?
Depois da palavra de Salazar tornou-se difícil a situação de quem subir a esta tribuna; e, quanto a mim, multiplicaram-se as dificuldades, pelas minhas deficiências, e por isso só com muita benevolência poderei ser ouvido.
Foi preciso sentir o peito bater de protesto e indignação contra o assalto feito a mão armada aos territórios portugueses da Índia, com o apoio do Governo da União Indiana, para me decidir a pedir a palavra.
Mas, desde que me decidi e ousei subir a esta tribuna, tenho de dizer ao que venho e aquilo que sinto sobre esta grave conjuntura nacional.
Venho protestar contra a inqualificável pretensão do Primeiro-Ministro Sr. Nehru em querer anexar à União Indiana a província portuguesa da Índia; protestar contra o assalto a terras portuguesas, feito às vistas e com a cumplicidade de forças armadas daquela recente república, o que despertou repulsa em diversos países e em todos os portugueses; quero também manifestar o meu apoio ao Governo, que soube reagir como lhe cumpria, dentro dos meios ao seu alcance.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Igualmente desejo protestar contra o facto de os dirigentes da União Indiana se furtarem ao cumprimento de responsabilidades internacionais que assumiram e procurarem ainda estabelecer uma separação entre o mongolismo e a civilização ocidental. Quero ainda juntar o meu protesto ao de todos os portugueses e fazer algumas considerações tendentes a evidenciar que os Goeses têm revelado o seu amor à Pátria e que o problema da integração da Índia Portuguesa na União Indiana não foi levantado pela população daquela nossa província ultramarina; e, portanto, daqui se pode tirar a grande lição de patriotismo que os Portugueses deram ao Mundo e concluir que a unidade nacional é uma autêntica realidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E por último, Sr. Presidente, desejo considerar a atitude que o Governo tomou perante as obrigações que nos são impostas pela dignidade nacional. Sr. Presidente: o problema da integração não foi levantado pelos Goeses nem por outras populações do Estado da Índia. Este facto é do conhecimento geral,
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tanto dos nacionais como de estrangeiros. E desta base é que deverá partir quem quiser formular uma apreciação justa e imparcial da situação sobre os acontecimentos do Estado da Índia. Além de que a situação ficou inteiramente esclarecida em Portugal e no Mundo quando a União Indiana retirou de Lisboa a sua representação diplomática.
O Governo recusou-se à abertura de negociações para discutir e, muito menos, aceitar a entrega dos territórios e das populações do Estado da Índia. Honra lhe seja prestada.
O Governo de Nova Deli, por não conseguir obter os seus fins da pretendida integração na União Indiana daquela província portuguesa, resolveu encerrar a sua legação em Lisboa.
Não foi a população portuguesa do Estado da Índia quem levantou o problema da integração.
A origem do mal não se situa, pois, no território português. O mundo livre encontra-se completamente esclarecido sobre este assunto e sabe que os assaltos a Dadrá e Nagar Aveli se praticaram a coberto de forças de policia e do exército da União Indiana e contra a vontade das suas populações.
O território de Damão foi conquistado aos Abexins e aos Turcos pelo vice-rei D. Constantino de Bragança, no ano de 1559. Há, portanto, perto de quatro séculos que este distrito é terra portuguesa. E nela temos exercido a nossa acção de tal maneira que os cristãos de Damão se casam livremente entre si, sem atenderem à distinção de castas; as mulheres vivem dignificadas e erguidas à consideração que merecem como mães e como senhoras da sua casa, numa situação que é bem diferente daquela que outrora recomendava o Mababarata e que veio a ficar preceituada em certas leis rácicas; e, de uma maneira geral, a população diferencia-se do mundo indostânico pelos seus hábitos, pelo nível da sua instrução, pela paz social e pelo seu labor tranquilo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A aldeia de Dadrá, assim como as do praganã de Nagar Aveli, foram oferecidas a Portugal em 17 de Dezembro de 1779, pelo Tratado de Puném, onde ficaram estipuladas várias condições em regime de reciprocidade, que Portugal sempre respeitou.
Os Portugueses não levantariam mais fortificações e ficava-lhes proibido dar asilo a militares ou outros súbditos da corte de Puném que procurassem continuar ratonarias e confederações nas terras de Sarcar e por sua vez o Sarcar obrigava-se a não dar socorro nem quaisquer facilidades aos inimigos dos Portugueses.
É este tratado de recíproca amizade que a União Indiana acaba de violar com impudor e de maneira ignóbil.
O Tratado de 1779 está presentemente em pleno vigor e algumas das suas disposições foram mais tarde reguladas por convenções negociadas com a Inglaterra, como Estado soberano que era dos Maratas; portanto, cabe hoje à União Indiana, mesmo até como membro da Comunidade Britânica, dar inteiro cumprimento ao Tratado de Puném de 1779.
Mas o Sr. Nehru não só falta descaradamente às obrigações internacionais impostas pelo Tratado de Puném como também considera letra morta o artigo 2.º da Carta de S. Francisco.
A União Indiana faz parte da Organização das Nações Unidas. E aquele artigo 2.º impõe-lhe o dever, nas suas relações internacionais, de se abster «de recorrer à ameaça ou ao uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado ou a qualquer outra forma incompatível com os propósitos das Nações Unidas».
A jovem república da União Indiana desrespeita vergonhosamente os compromissos internacionais que assumiu.
A aldeia de Dadrá e as de Nagar Aveli foram assaltadas por bandoleiros com a evidente conivência das tropas regulares do Primeiro-Ministro Sr. Nehru, como é do conhecimento mundial. Sendo dever da União Indiana não prestar qualquer auxílio a inimigos de Portugal, como lhe cumpria pelo Tratado de Puném de 1779, não se contentou em ser indiferente, e antes facilitou, incitou e protegeu a entrada em Dadrá e Nagar Aveli a um bando de mercenários e alguns traidores.
Que garantias dá ao Mundo o Sr. Nehru no cumprimento de responsabilidades internacionais assumidas, na execução de tratados, entre si e outros países, que se encontram em pleno vigor?
Onde estão os princípios do Primeiro-Ministro da recente república indostânica relativamente à moral internacional?
A opinião internacional meditou já certamente sobre este atentado inqualificável contra aldeias portuguesas de gente indefesa, laboriosa e pacífica.
Não atribuo qualquer responsabilidade no banditismo cometido contra gente e territórios de Portugal ao povo indiano vizinho no nosso distrito de Damão.
Há provas recentes de simpatia, amizade e boa vizinhança reveladas pelo povo da União Indiana quando Dadrá e Nagar Aveli foram visitadas pelo Ministro do Ultramar, Sr. Comandante Sarmento Rodrigues. Nessa ocasião não se registou a mínima animadversão contra nós. Em Noroli procedeu-se, por ocasião da visita ministerial, à inauguração do monumento que recorda a passagem das terras de Nagar Aveli para o domínio português. A cerimónia foi muito concorrida e cheia de comovedora solenidade. Nada se registou ou deu indicio de mal-estar, tanto da população indo-portuguesa como do povo da União Indiana, que sempre manteve connosco as melhores relações de vizinhança.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O mal não partiu nem do povo da União Indiana nem da população indo-portuguesa.
A origem do atentado cruel e ignóbil reside, essencialmente, na posição falsa do Primeiro-Ministro da União Indiana, que, dizendo-se pacifista, foi apanhado nas malhas do comunismo de Moscovo e agora outra coisa já não é do que joguete do partido comunista da União Indiana.
Deste modo o Sr. Nehru levanta a bandeira do irredentismo asiático, abre caminho à penetração comunista e arrasta consigo negras nuvens para o futuro dos países de civilização ocidental.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A sua política externa constitui perigo para o Ocidente e anda envolvida na hipocrisia das forças subversivas do comunismo.
No dia em que assinou o armistício genebrino declara-se defensor da paz no Mundo. E, sem perda de tempo, ordena que tropas regulares da União Indiana abram trincheiras num cerco fechado a Dadrá e Nagar Aveli, permitindo e auxiliando o assalto de bandoleiros a aldeias portuguesas.
Nesta indigna duplicidade, o Sr. Nehru diz-se pacifista nas palavras por ele proferidas para o mundo exterior, mas dentro da União Indiana os seus actos denunciam-no como belicista.
Nehru segue os métodos comunistas, servindo-se da hipocrisia e recorrendo aos mais desumanos meios de
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pressão, desprezando acordos e convenções, não respeitando compromissos assumidos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - As deploráveis e confusas atitudes do Sr. Nehru assim o revelam à opinião pública internacional. Por um lado afirma não ter responsabilidades na invasão dos nossos territórios, e por outro ordena o isolamento completo de Dadrá e Nagar Aveli por forças de polícia e do exército e nega terminantemente a sua autorização para que tropas portuguesas ou simples agentes de autoridade atravessem o seu território para irem restabelecer a ordem naqueles territórios do nosso distrito de Damão.
E Nehru não desconhece o portuguesismo das populações do Estado da Índia. Sabe perfeitamente que os bandoleiros «libertadores», apesar de armados com material bélico e apoiados por forças armadas da União Indiana, foram recebidos pelos pacíficos Damanenses com a mais vigorosa reacção, até ao sacrifício da vida.
O Sr. Nehru tem conhecimento de que a população do Estado da Índia sempre revelou os mais inequívocos sentimentos de patriotismo.
Á sua primeira palavra de integração pronunciada no território indostânico, a resposta de milhares de indo-portugueses não se fez esperar.
No ano de 1947 - já lá vão decorridos sete anos -, quando o Sr. Nehru declarou pela primeira vez que a Índia Portuguesa haveria de pronunciar-se sobre a sua integração na República da União Indiana, cerca de vinte mil goeses responderam negativamente, com manifesta indignação por aquela ideia e com protestos da maior lealdade e amor a Portugal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Na cidade de Goa, com admirável e espontânea prontidão, reuniram-se então duas dezenas de milhares de goeses, os quais se concentraram em frente do Palácio do Hidalcão para manifestarem ao governador-geral, Dr. José Ferreira Bossa, a sua repulsa pela ideia de Nehru e o seu inquebrantável desejo de para sempre se manterem portugueses.
Ora, Sr. Presidente, esta espontânea e extraordinária manifestação pública, realizada há sete anos pela população de Goa, avisou certamente o Sr. Nehru dos sentimentos patrióticos da gente goesa e do seu inquebrantável desejo de continuar a ser portuguesa. Pois, Sr. Presidente, apesar desta séria advertência feita pela população goesa, o Sr. Nehru fechou os olhos e não desistiu do seu propósito usurpador de anexar à recente União Indiana a gente e os seculares territórios portugueses do Estado da Índia.
Nehru está no perfeito conhecimento do patriotismo dos portugueses da nossa província da Índia, mas não quer atender à indicação deste sentimento tantas vezes por eles revelado.
Ainda recentemente se obteve uma prova segura do arreigado patriotismo da nossa população indiana quando da visita ministerial ao Oriente em 1952, a que já me referi.
As afirmações solenes que então fizeram os naturais da Índia Portuguesa; a maneira carinhosa e de viva simpatia como receberam aquele ilustre representante do Governo; as demonstrações de contentamento e de lusitanismo dos luso-indianos de Goa, Damão e Diu foram tais que aos metropolitanos causaram desvanecimento e ao Sr. Nehru deveriam ter desfeito dúvidas, se algumas ainda tivesse, sobre o patriotismo daquelas populações portuguesas.
Portugal foi então aclamado entusiàsticamente, durante toda a visita ministerial ao Estado da Índia, por cristãos, hindus, muçulmanos, parses e cojás no mesmo entendimento de unidade nacional, sentindo-se todos orgulhosos da mesma cidadania, de serem todos igualmente portugueses sem distinção.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E a verdade é que a lusitanidade daquela província ultramarina nunca foi posta em dúvida pelos povos indostânicos. A nossa permanência em Goa, Damão e Diu, quer pelo cruzamento, quer pela obra civilizadora e cristã realizada durante séculos, criou uma fisionomia lusíada no povo que o diferencia completamente dos restantes povos indostânicos pela sua cultura e civilização.
É, pois, incompreensível a insistente e agressiva pretensão do Sr. Nehru e do seu Governo, tanto mais que já não estamos na época das extorsões de territórios e da anexação violenta de povos.
Nehru sabe perfeitamente que as populações do Estado da Índia são verdadeiramente portuguesas e delas não partiu a ideia da integração nem esse é o seu desejo. As populações da nossa secular província indiana sentem-se bem com a sua nacionalidade e com os reflexos da administração portuguesa, tendo horror aos flagelos da fome e da miséria que grassam em certas regiões e cidades da União Indiana. Haja em vista o estado famélico e miserável dos satiagrais que da União Indiana nos mandam como «libertadores» da nossa província; e, afinal, o que eles vêm fazer à terra portuguesa é libertar-se da fome que passam na União Indiana.
Risos.
O Sr. Nehru descobriu que os Goeses estão a ser escravizados pelo imperialismo português e precisam ser libertados de fora da União Indiana por estes miseráveis e esfomeados «libertadores».
Com esta miserável máscara procura ocultar os seus satânicos propósitos.
É preciso que se diga claramente quais são os seus verdadeiros propósitos, que se denunciam em toda a sua teimosa acção em querer anexar o território e a população daquela nossa província ultramarina.
O mundo ocidental há muito tempo já que se apercebeu da política feita pelo Sr. Nohru.
A sua intenção não é libertar Goa, pois o Estado da Índia vive há séculos na plenitude da sua liberdade.
Com a sua cortina de ramos de oliveira Nehru pretende outra finalidade muito diferente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O seu fito é separar o Oriente do Ocidente. A sua infernal obcecacão é evitar a penetração no subcontinente indostânico dos princípios humanitários e cristãos dos países do Ocidente.
O Sr. Nehru vive dominado por esta ideia, que é acalentada e insuflada pelo comunismo dos moscovitas. E fica perturbado com a existência e com a sobrevivência de Goa portuguesa, de Goa considerada como Roma do Oriente.
Não desconhece o Primeiro-Ministro da União Indiana, Sr. Nehru, o domínio espiritual que S. Francisco Xavier exerce em milhões de almas, tanto da Índia Portuguesa, como da União Indiana, pela fervorosa fé que o santo inspira.
Observa o resultado da nossa acção missionária e civilizadora e os progressos apostólicos na Índia, ao mesmo tempo que o comunismo lhe impõe guerra ao
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catolicismo, guerra sem tréguas à civilização cristã do Ocidente.
É isto que o perturba. É por isto que o Sr. Nehru não quer Goa ocidentalizada e cristã. Quer Goa orientalizada, indianizada e, se possível for, bolchevizada.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - A luta que ele nos move não é só contra Portugal. É contra o Ocidente. E nós não defendemos somente a integridade do nosso território e as populações portuguesas do Estado da Índia, o que, aliás, é nosso dever imposto pela Constituição Política e pelo nosso patriotismo; mas, Sr. Presidente, nós defendemos também o catolicismo, a nossa civilização cristã, a civilização ocidental.
E, além de outras razões que nos assistem, é também por este motivo que a consciência internacional reagiu a favor da causa portuguesa.
Portugal sempre foi paladino da fé cristã, e dando novos mundos ao Mundo muito contribuiu para se difundirem os princípios de humanidade e de civilização
do Ocidente.
O Mundo sabe que é incomparàvelmente maior a liberdade religiosa que desfrutam as populações portuguesas do Estado da Índia do que a liberdade existente na União Indiana.
Para bem da humanidade, é necessário e indispensável que o Oriente não fique separado do Ocidente. A compartimentação entre as duas concepções de vida, entre a Índia do Sr. Nehru e os países do Ocidente, não vem favorecer o propósito dos governos pacifistas, de verdadeira concórdia entre as nações e de salvaguarda dos valores espirituais e morais dos povos.
Goa, Damão e Diu, longe de se considerarem «borbulhas» que afectam a beleza do rosto da União Indiana, como julga Nehru, são sinais brilhantes que estabelecem o traço de união do Ocidente com o Oriente. São pequenas zonas de paz e harmonia social imbuídas do espírito ocidental, que deveriam merecer respeito e simpatia à vizinha União Indiana, se os propósitos do seu Governo fossem pacifistas e de respeito pelo valor espiritual e dignidade humana.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mais uma vez afirmo, Sr. Presidente, que nós não defendemos sòmente os nossos direitos, mas defendemos também a civilização ocidental, o humanismo cristão.
Eis porque o Governo de toda a parte tem recebido aplausos à sua atitude.
A atitude do Governo, Sr. Presidente, tem sido a melhor e a única. O País está esclarecido pelos magistrais discursos de Salazar e pelas notas oficiosas dos Ministros dos Negócios Estrangeiros, do Ultramar e da Defesa Nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A atitude do Governo está imposta, sobretudo, pelo respeito devido à Constituição Política e às exigências da dignidade nacional.
Não é de recente data que Goa se encontra integrada na Nação como parte inalienável de Portugal.
Pela Carta Régia de l de Março de 1518 o rei D. Manuel não só concedeu a Goa o titulo de «realenga» como a considerou parte integrante e inalienável da Coroa de Portugal, e ao mesmo tempo concedeu todos os direitos de Portugueses aos seus habitantes.
Há, pois, quatrocentos e trinta e seis anos que Goa é uma parcela integrante e inalienável de Portugal.
Como se poderia compreender que o Governo abandonasse os Goeses, os Portugueses da Índia, à desventura da anexação?
Depois de séculos de vida comum; depois de termos criado um carácter próprio, ocidental, ao povo goês; depois de o termos transformado e irmanado à nossa imagem; depois de o desnivelar dos restantes povos do subcontinente asiático de tal maneira que ficou integrado no seio da Nação, seria incompreensível que o Governo tomasse caminho diferente daquele que tomou.
Os Goeses são nossos irmãos; são Portugueses de alma e coração.
Temos o dever, a responsabilidade de os defender, de os acarinhar como verdadeiros Portugueses que são.
Há, pois, a reconhecer que o Governo agiu segundo a vontade da Nação e que Salazar uma vez mais, em situação difícil para o País, soube conduzir-se com tão notável clarividência que mais ainda fortaleceu a dignidade nacional.
E porque não devemos pôr de parte a hipótese da guerra, da invasão armada a todo o território de Goa, para o Sr. Nehru satisfazer o manifestado desejo de anexar à União Indiana aquela nossa província ultramarina, eu saúdo as forças armadas portuguesas que prestam serviço no Estado da Índia, que, dum momento para o outro, se poderão encontrar envolvidas em luta desigual pela diferença de número e pela distância à metrópole; e deste lugar lhes presto a justiça de manifestar a certeza que tenho de que, em caso de assalto armado a Goa, se manterão firmes, disciplinadas e prontas a bater-se até ao sacrifício para honrar o nome de Portugal, defendendo intransigentemente o valor da nossa epopeia na Índia e a sagrada integridade do território pátrio.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: ao terminar as minhas considerações quero exprimir à Assembleia Nacional que tenho confiança e fé em que ainda se há-de afastar a ameaça terrível que o Sr. Nehru faz pesar sobre a nossa civilização cristã e o nosso patriotismo e que tudo acabará prestando-se justiça à causa do nosso direito.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr.Urgel Horta: - Sr. Presidente: no espaço de tempo que mediou entre o primeiro período desta sessão legislativa e o segundo, que acaba de iniciar-se, ocorreram factos de notável importância e sucederam-se acontecimentos tão estranhos e tão graves que é obrigação, direito, atributo de função da Assembleia Nacional apreciá-los e vivê-los, julgando-os na sua essência política e histórica.
A natureza delicada desses gravíssimos acontecimentos leva-nos a considerá-los dignos da mais apurada atenção, merecedores de serem tratados e discutidos, assinalando-os com o realce de intensa gravidade que lhes é transmitida pela notável magnitude e acentuada projecção que tiveram e poderão vir a ter dentro do País e além-fronteiras, despertando, o interesse e a repulsa do Mundo inteiro, provocando um colectivo movimento de admiração, de amizade e de apoio que é de inteira justiça salientar e agradecer.
Louvor bem merecido é devido ao nosso ilustre colega capitão Teófilo Duarte, herói lendário da minha mocidade, um dos precursores do nacionalismo, antigo
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Ministro e colonialista ilustre, pelo aviso prévio que acaba de apresentar acerca dos acontecimentos da Índia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: a tranquilidade, a paz do nosso espírito, povo pacífico, defensor da solidariedade universal, foram profundamente, abaladas por esses notáveis acontecimentos, oferecendo-nos ocasião e latitude bastante para mais uma vez mostrar ao Mundo e aos nossos indignos adversários, de uma forma inequívoca, a homogeneidade e patriotismo do povo português, reafirmar a sua unidade política e moral e a sua sólida estrutura espiritual e nacionalista. Sob as mais contraditórias razões, baseadas num falso direito, à sombra de afrontosas reivindicações e de injustificadas preocupações defensivas, pretendeu-se e tentou-se roubar ao nosso património, que mais de quatro séculos de civilização alimentaram, uma parcela do Oriente distante, onde vivem nossos irmãos e para cuja defesa correu muito sangue de portugueses de outras eras. A memória dos que ali tombaram agora, em holocausto à Pátria, na defesa dos sagrados direitos de Portugal, rendo as minhas homenagens bem sinceras e bem sentidas, prestando o preito de maior admiração pelo seu patriotismo, demonstrado na qualidade de sentinelas vigilantes da dignidade da Nação, que honrosamente caíram no seu posto.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O seu sacrifício não foi, graças a Deus, inútil, e seja-me permitido fazer neste instante o bosquejo histórico que no Porto fiz, junto à estátua do Infante D. Henrique, encarnação de pensador, de soldado, de monje e de profeta audaz, austero, frio, iniciador da nossa epopeia marítima. No sacrifício do sangue derramado se enxertou de novo, para a posteridade; a alma lusitana; essa alma que em Afonso Henriques se transformou em espada vitoriosa: em Nun'Álvares heroicidade guerreira; amor e sacrifício voluntário no Infante Santo; estudo inteligente e profundo no Infante de Sagres; vela gloriosa, altiva, animada pela Cruz de Cristo em Gil Eanes, Bartolomeu Dias, Vasco da Gama, Álvares Cabral e tantos outros. Essa alma que em Egas Moniz foi símbolo de honra e lealdade, génio político e audácia em Afonso de Albuquerque, verbo incomparável em António Vieira, estro eloquente em Camões. A alma que vive e palpita em todos nós; a alma imorredoura que reside e pulsa, no coração de todos os portugueses de aquém e de além-mar.
Vivemos durante esse período de intensa emoção e de espanto, de dor e de tragédia, horas de incerteza, de mágoa, de sofrimento, mas aí encontramos também o conforto da certeza de uma unidade inquebrantável, de fervoroso patriotismo, do mais prestigioso conceito mundial, da mais sólida determinação de defender e honrar as nossas tradições históricas. E, mais uma vez, podemos aquilitar da grandeza do espírito, de profundo senso político, sob uma clara e sábia orientação que aos interesses da Nação soube transmitir, nos momentos mais difíceis, esse extraordinário homem de Estado que a Providência nos deu - Salazar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O Presidente do Conselho, com a consciência plena da gravidade do momento e da responsabilidade da sua acção, afirmou-se, como sempre, o estadista na posse plena das mais altas qualidades e méritos que, elevando-se às culminâncias da difícil arte de governar, escreveu uma brilhante página para a História de Portugal, prestigiado e ressurgido pelo valor da sua inteligência fecunda e criadora. E agora que tivemos a subida honra dê o ouvir em plena Assembleia Nacional - maravilhosa oração, verdadeiramente modelar, tão cristalina na forma como profunda nos conceitos expostos- sobre a Índia, nós, portugueses como ele, só temos de admirar, louvar e apoiar a acção desenvolvida pelo Governo.
A atitude assumida perante a criminosa agressão dos agentes da União Indiana, em colaboração com alguns traidores luso-indianos, é posta em relevo nas notas enviadas, redigidas com aquela clareza e compreensão, impregnadas de um espírito de séria lealdade e de firmeza, a que não faltam a calma e a serenidade, apanágio dos fortes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Nesta época de decadência moral, em que a política dos povos é conduzida de forma obscura, com uma mistura de hipocrisia e mentira, é para nós, Portugueses, motivo de supremo orgulho verificar que os nossos destinos são orientados e dirigidos com plena sinceridade, lealdade e franqueza.
A admirável exposição do Sr. Presidente do Conselho é evidente demonstração de facto tão dignificante e honroso para Portugal. Verdadeira política de inteligência, de coração e de verdade. Que o Mundo, tão arredado do bom caminho, tenha ouvido as suas palavras e que delas colha a lição que encerram, para tranquilidade de todas as consciências humanas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - As medidas tomadas para fazer face, dando resposta condigna, à agressão violenta, colocada dentro dos planos de absorção dos nossos inimigos, e a atitude a seguir em futuras e melindrosas conjunturas, de vigilância permanente, são firmemente apoiadas por nós, fortemente apoiadas pela alma do nosso povo, que nunca nega sacrifícios ou privações dos quais resulte a manutenção do prestígio e da integridade da Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A história da Índia é a história da epopeia grandiosa de Portugal. Ali chegámos há quatro séculos e ali nos mantemos muito por interesses morais e pouco, ou quase nada, por interesse material, que nada representa. A Índia, pode bem dizer-se, é valor negativo na economia da Nação.
Foi Salazar que nos revelou a grandeza do nosso património ultramarino, ressurgido da letargia em que mergulhava, e mostrando-nos Portugal como pátria livre, soberana, independente, brilhando intensamente pelos fulgores resplandecentes da Fé que o Céu acendeu em Fátima, sagrado altar do Mundo. Com as suas compreensivas, sublimes, profundamente objectivas orações de 12 de Abril e 10 de Agosto e de agora soube patentear ao Mundo que a Índia é Portugal! - parcela de uma pátria que vive no coração e na alma dos que nasceram, foram criados e educados à sombra da bandeira das quinas.
As suas orações despertaram nos Portugueses, se mais é possível, o sentimento de dignidade nacional, revestindo-se as suas palavras de uma autoridade que todo o Mundo lhe reconhece: «O Mundo Português, nascido e criado à custa do abnegado esforço de tantos heróis, é uma realidade viva, forte, e os nossos interesses são puramente morais; primeiro de Portugueses, em se-
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guida de homens do Ocidente. Lutamos por que, sem agravo para ninguém, Goa continue a ser o padrão dos descobridores portugueses e pequeno foco do espírito ocidental do Oriente, o qual, para se manter vivo, precisa estar ligado às origens como fio de água à nascente».
Sr. Presidente: e o patriotismo desses, indo-portugueses que aqui desempenham as mais variadas funções, tão portugueses nos seus deveres como nos seus direitos, bem eloquentemente foi demonstrado na mensagem que em 28 de Abril levaram ao Sr. Presidente do Conselho.
Demos à Índia civilização e cultura, deixando inconfundível marca da nossa acção em todos os cantos do Oriente, caldeados com o nosso sangue, regados pelas nossas lágrimas, continuado e engrandecido pelo esforço insuperável dos nossos navegadores, dos nossos soldados e dos nossos missionários.
Portugal decobriu, conquistou, mas, sobretudo, educou, evangelizou. A acção missionária e civilizadora de Portugal, a extensão do seu Padroado, tendo Goa como capital -a Roma do Oriente-, levaram luz onde só havia trevas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Existe na brilhante e completa exposição do Sr. Presidente do Conselho um capítulo que chamou muito especialmente a minha atenção. Porque não dizé-lo? - experimentei, na intimidade do meu ser, profundo desgosto na confirmação de factos que em parte eram já do meu conhecimento. Este meu sentimento é filho das minhas crenças, da minha educação religiosa, da minha formação católica; filho dos preceitos em que fui criado.
Trata-se da maneira como por certos elementos da Propaganda Fide tem sido encarado o problema do nosso Padroado, à luz de certas conveniências, que o meu espírito não pode aceitar, e contra as quais, como católico e como português, deixo aqui bem lavrado o meu sentimento de protesto. Que católicos pouco conhecedores dos princípios do Evangelho, e que pretendem acordar com o comunismo a mistura das leis da Igreja com os seus princípios, criando-se até uma subordinação aos princípios doutrinários do marxismo, estejam ao lado da União Indiana não é motivo para grande estranheza da minha parte.
Mas que elementos da Propaganda. Fide esqueçam que Portugal soube sempre usar a espada na defesa da Fé, pondo acima de todo o interesse material os interesses morais e espirituais dos povos que educou e cristianizou, ou que finjam esquecer essa alta e inigualável cruzada do nosso Padroado no Oriente, cuja acção nunca poderá ser apagada, é revoltante prova de ingratidão que não pode conceber-se. Quem, como nós, trabalhou, dentro do maior desinteresse e da maior espiritualidade em favor do crescimento do mundo católico não pode admitir, Sr. Presidente, conveniências políticas ou religiosas justificativas da absorção da Índia pela União Indiana. Esse facto e outros, que seria preciso evitar poderão levar a Índia a destino que tornará difícil, senão impossível, a conservação do Cristianismo que os Portugueses pregaram e difundiram por tão vastas regiões.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: Salazar restituiu aos portugueses a consciência da sua grandeza de povo que à causa da civilização e à humanidade deu todo o valor da sua actividade. Sem qualquer esforço, numa argumentação simples e clara, mas sólida e perfeita, ele demonstra, pelo direito, em que é mestre - e grande lição de direito internacional deu ao Mundo inteiro -, que a Índia é Portugal.
O direito permanece direito, mesmo que não haja força bastante para impô-lo ou que razões geográficas impeçam o seu uso em toda a plenitude; o dever permanece dever, mesmo quando cumpri-lo representa um sacrifício inútil, na escala corrente dos valores.
É sempre o mesmo, igual a si próprio, galvanizando as almas lusíadas e reacendendo a chama de patriotismo que Deus iluminou e purificou. E Portugal será eterno porque o Deus de Ourique, Fátima e o Apóstolo dos Índias, S. Francisco Xavier, velam por nós.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É preciso que afirmemos agora e sempre que Goa é relíquia sagrada da nossa epopeia, santuário a heroicidade do nosso crer. Goa é e será eternamente portuguesa, afirmava Afonso de Albuquerque, o grande capitão, homem de génio, fundador do nosso grande império, que com a sua larga visão pensou e realizou todos os problemas respeitantes à sua manutenção e à sua defesa. O mundo ocidental tem em Goa o seu sacrário de ideal comum, relíquia do génio que o formou e o génio é ocidental, é europeu.
O problema de Goa, que é o mesmo que dizer o problema da Índia Portuguesa, é um problema do mundo ocidental, da civilização cristã; problema dos povos que gozam ainda o benefício da liberdade, afirmou Plínio Salgado. Roubá-la a Portugal seria insulto dirigido ao mundo livre e à história da civilização.
«Esses territórios distantes são Portugal, onde habitam Portugueses com os mesmos direitos e os mesmos deveres dos que em Lisboa nasceram», disse-o Salazar.
E Salazar é a mais alta, mais nobre, mais digna expressão do pensamento ocidental, que ele encarna, com a fé do maior e mais ilustre português de hoje, como exuberantemente acaba de demonstrá-lo.
Sr. Presidente: Portugal ressurgido deu com a sua atitude de serenidade, firmeza e prudência uma grande lição, não o intimidando violências ou ameaças, e denunciando ao Mundo esse repugnante acto de cobarde agressão realizado à sombra de uma campanha de insídias e de mentiras. A essas investidas criminosas, violentas e trágicas, em que o sangue dos heróicos soldados de hoje se misturou com a terra sagrada pelo sangue vertido por portugueses de outrora, responde o Mundo livre apoiando Portugal nos seus vibrantes protestos, nos seus direitos sagrados de soberania, reprovando a acção nefasta, criminosa, de quem esquece, viola e ultraja a história do povo que lhe deu alma, civilização, cultura e fé em Deus, que renegaram.
O Governo da Nação, firme nas atitudes tomadas, sente plenamente a confiança, o apoio sincero de todos os portugueses; e Salazar afirma «que o direito tem de prevalecer acima de todas as tiranias, de todas as violências, como amparo e salvaguarda do Mundo e como manancial da liberdade humana».
Sr. Presidente: o nosso esforço, a nossa vontade, o nosso ânimo são inquebrantáveis. Saberemos lutar para sabermos viver.
«Não somos porque fomos, nem viveremos só por termos vivido. Tivemos para bem desempenhar a nossa missão, e perante o Mundo afirmarmos o direito de cumpri-la».
Eis uma exortação de Salazar. Saibamos compreendê-la e segui-la, para honra da Pátria.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: nada mais oportuno que a iniciativa de Teófilo Duarte, antigo governador em terras do Oriente e antigo Ministro das Colónias, militar sans peur et sans reproche,. mestre de heroísmo na juventude e exemplo dinâmico de valor administrativo na maturidade da vida.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Nenhuma autoridade pessoal possuo para versar assuntos ultramarinos, porque conta pouco, para o efeito, o ano que vivi em províncias de além-mar.
Nenhuma autoridade possuiria se não fosse o instinto atávico comum à nossa grei. Na verdade, não haverá um só português de hoje que não descenda directamente dos capitães, soldados e marinheiros que deram novos mundos ao Mundo.
Por isso, ao contrário do que sucede na fábula, é o cordeiro português quem, na vida real, pode responder orgulhosamente ao lobo estrangeiro que arreganha a dentuça: «Se não fui eu, foi meu pai!».
Os feitos homéricos dos nossos maiores impõem-nos o dever de defendermos, pela palavra e pela acção pacífica ou, se indispensável, pela espada, pelos canhões e pelos carros de combate, a conservação dos padrões centenários que atestam as dádivas generosas dos Portugueses à civilização do Mundo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Posto isto, entremos sem mais demora na análise da questão apresentada à Assembleia Nacional na exposição admirável do Sr. Presidente do Conselho.
Dividirei o meu estudo em capítulos muito breves:
1.º Os argumentos e procedimentos da União Indiana;
2.º As soluções preconizadas para o caso de Goa;
3.º A atitude do Governo Português.
Quanto ao primeiro capítulo, a argumentação limita-se a amontoados de palavras, consubstanciadas em meia dúzia de slogans destinados a emocionar espíritos primitivos:
Goa, Damão e Diu são borbulhas na formosa e delicada face da Índia.
Goa é anacronismo histórico.
Goa, colónia europeia, constitui um espinho ma carne indiana.
A Índia para os indianos.
Goa, Damão e Diu poderão vir a ser bases americanas.
Os Portugueses devem seguir os bons exemplos britânico e francês, etc.
Com paciência evangélica Portugal tem rebatido um a um os pseudo-argumentos: pseudo-históricos, pseudo-geográficos, pseudo-económicos e pseudo-raciais. Devolvemo-los à origem: um desagregado caótico que, por ironia suprema, se cognominou a si próprio de União Indiana, faria melhor em atender as profundíssimas diferenciações históricas, geográficas, económicas e rácicas que desunem irremediàvelmente as suas parcelas.
Borbulhas e anacronismos históricos são as castas, os intocáveis e os párias em nação que, estando longe de atingir a maioridade democrática, pretende dar ao Mundo lições de democracia.
Dir-me-ão que estou a exceder-me, por não ser lícito intervir em negócios internos de nação estrangeira.
Responderei que a doutrina é excelente, mas que o Sr. Nehru, embora seu profeta teórico, me dá maus exemplos na prática . . .
Risos.
Na verdade, o Primeiro-Ministro da União Indiana é porta-voz - por enquanto apenas porta-voz - da mais bela e sublime das doutrinas: liberdade de os povos decidirem os seus destinos, não violência e pacifismo, tudo como fórmulas de atingir a aspiração suprema do homem: a fraternidade entre todas as nações, baseada na mais perfeita harmonia de relações culturais e económicas.
Se o Primeiro-Ministro da União Indiana for sincero na sua aspiração de comunidade internacional deverá concordar connosco na maneira de julgar o anacronismo histórico da velha Goa portuguesa:
Qual o significado de anacronismo? Em todas as línguas, e julgo que também nas centenas de línguas e dialectos da península indostânica, um único possível: «fora do seu tempo», fora do seu tempo presente, ou fora do seu tempo passado, ou fora do seu tempo futuro.
Quanto a Goa, Damão e Diu, tal qual sucedeu com os descobrimentos marítimos, Portugal foi, efectivamente, anacrónico. Mas anacrónico no melhor sentido, graças ao anacronismo magnífico dos pioneiros, que avançam sobre o tempo e constroem mais ràpidamente o futuro. Ainda os reis de Castela e Aragâo não haviam conseguido reconquistar aos mouros o reino de Granada, último reduto dos invasores; ainda os povoa do Norte da Europa mal sonhavam com novas rotas marítimos para mais larga comunhão entre os homens, já Bartolomeu Dias dobrara o cabo da Boa Esperança, para logo a seguir Vasco da Gama descobrir o caminho marítimo para a Índia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se o Sr. Nehru quer ser, com lógica e com justiça, o apóstolo contemporâneo e o profeta entusiasmado da comunidade entre nações, tem de aceitar com júbilo a acção dos Portugueses, seus precursores e seus exemplos, porque, através de mares nunca dantes navegados, abriram ao Mundo a rota do Oriente e com ela iniciaram a mais extraordinária revolução dos tempos modernos.
Se o Governo da União Indiana tem, realmente, os olhos postos na coexistência pacífica de todas as nações do Universo, deverá querer que Goa, Damão e Diu permaneçam como padrões milenários dessa coexistência. Não pertencem unicamente à história portuguesa. Atestam um dos maiores feitos da história do Mundo. São monumentos gloriosos ao próprio universalismo de relações que o Sr. Nehru diz preconizar.
A comunidade espiritual e material entre os povos, pura mais alto nível da vida mundial, acha-se vincularia em Goa, Damão e Diu. Em vez de borbulhas na face encantadora da Índia, em lugar de espinhos na carne martirizada dos Indianos, deverão continuar como símbolos da amizade e ligação entre o Oriente e o Ocidente que os Portugueses iniciaram.
Vamos com Deus, deveriam ser, até, padrões imorredouros da gratidão dos Indianos às hostes lusíadas que ajudaram a libertar a costa ocidental da Índia da opressão militar, religiosa, rácica e económica impostas pelas armadas e exércitos estrangeiros que ali encontrámos e desbaratámos.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - O nosso caso é totalmente diverso do de Britânicos e Franceses, que não possuíam tradição histórica universal a defender e a manter na Índia.
No entanto, se o Sr. Nehru e os seus partidos políticos não têm os olhos postos na expansão universal da sua doutrina; se miram amorosamente apenas um dos dois blocos em que o Mundo se divide; se julgam inútil
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qualquer traço de união com a Europa, a América e a civilização ocidental - então colocar-se-ão, cìnicamente, fora da doutrina universalista que dizem preconizar.
Tenhamos fé em que não sucederá assim. Nós descobrimos, para glória e proveito da humanidade, o caminho marítimo para a Índia. A meditação serena sobre os ensinamentos de Gandhi, conjugada a maior experiência política da jovem república, há-de prevalecer sobre os irrequietismos, as ilusões e os ilógicos entusiasmos imperalistas das primeiras horas de autogoverno.
E o Sr. Nehru virá a descobrir o caminho espiritual para a universalidade completa, para a liberdade verdadeira dos povos, para a civilização moderna, para o progresso em vez do retrocesso, para a luz em vez da sombra, isto é, para um Ocidente que não termine em Moscovo ou na Polónia, para um Oriente que não acabe na Sibéria, ou em Xangai e Porto Artur.
Senão?
Senão, sim! O sonho imperialista transformar-se-á em pesadelo. Em vez de império, da Índia será satélite. Em vez dos Turcos, dominarão ali Russos ou Chineses. Goa, Damão e Diu, mais do que pomos de discórdia entre duas nações, são actualmente instrumentos preciosos de ensaio e de medida.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Conforme a atitude que a União Indiana assumir, demonstrarão ao Mundo o caminho geral futuro que ela virá a tomar: rumo a Moscovo ou rumo à liberdade; satélite ou nação livre; universalista ou comunista; Gandhi ou Molotov.
Dos Portugueses pode dizer-se que, além de aprenderem história, aprenderam, principalmente, a construir a história. Pelo saber de experiência feito não somos atreitos ao pânico. Contra nós, nação minúscula, se esmagaram ou começaram a derruir-se os maiores sonhos imperialistas do Globo. De nós deve dizer-se, talvez com mais antiga propriedade, o mesmo que se aclama na Inglaterra: perdemos muitas batalhas, mas acabámos sempre por ganhar as guerras.
Ignoro se os governantes da União Indiana são supersticiosos. Acredite, porém, o Sr. Nehru: damos enguiço aos imperialistas. Vencem enquanto não nos tocam; acabam por cair quando nos ofendem. Não vale a pena citar épocas recuadas no tempo, quando encontramos à mão, na memória de todos, o exemplo de Napoleão, pseudo-aliado da Espanha nas três invasões de Portugal. Elas marcaram (apesar do Príncipe da Paz, pioneiro de pacifismo igual ao indiano, e de todos os horrores que sofremos) o declínio do Grande Corso.
Estava escrito. Estão muitas coisas escritas no Livro dos Destinos. Uma delas pode dizer-se que constitui o final imutável dos ditadores: «Não tenho inimigos; matei-os todos!». Depois de os inimigos internos estarem mortos, física ou politicamente, os regimes ditatoriais, como a França democratíssima do Terror e do Consulado, ou como o nefasto nazismo, aliado de Moscovo e precursor do racismo indiano, são arrastados, por nada mais terem que combater polìticamente dentro da Nação, a fazerem a guerra ao estrangeiro. Assim desviam as atenções dos seus governados, de maneira a que não se apercebam das maleitas do regime. Assim tentam adquirir ou readquirir prestígio.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A imprensa e a rádio da União Indiana tentam criar estado de espírito imperialista, de conquista e integração de mais territórios estrangeiros, para fazerem esquecer as misérias e defeitos da administração pública na União Indiana.
Depois de conquistados Goa, Damão e Diu, qual o senhor que segue? Chegaria a vez do Paquistão, em nome do espaço vital, da unidade geográfica e da lei da força.
Julgo ter demonstrado que o espírito universal da União Indiana deveria exemplificar-se respeitando os Portugueses, que abriram as portas do caminho marítimo para a Índia.
Entremos agora no capítulo segundo desta intervenção: as soluções preconizadas para o caso de Goa.
A este respeito tudo se acha dito pelo Presidente Salazar. Os aplausos unânimes e entusiásticos da Assembleia Nacional à exposição magistral que o Chefe do Governo aqui realizou não podem deixar dúvidas a tal respeito. E o voto que formularemos no final deste debate exprimirá, implícita ou explìcitamente, que:
a) As negociações com a União Indiana somente serão possíveis se não tiverem como base a renúncia, parcial ou integral, próxima ou remota, ao princípio indiscutível da continuidade da soberania portuguesa;
b) Estamos dispostos ao empenhamento militar de todas as nossas possibilidades razoáveis, mas sòmente se a União Indiana nos forçar à guerra;
c) Nem ao Estado da Índia Portuguesa, nem ao conjunto nacional, de aquém e de além-mar, interessam independências de parcelas ou desagregação de esforços.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Finalmente, o capítulo terceiro:
Em seguida à exposição do Sr. Presidente do Conselho, e em consequência do aviso prévio do Deputado Sr. Teófilo Duarte, pertence à Assembleia Nacional pronunciar-se sobre a atitude assumida pelo Governo Português durante o interregno parlamentar e sobre o caminho futuro.
Nada mais grato ao nosso sentimento lusíada que podermos proclamar ao Mundo: o Governo representa e interpreta o sentimento nacional e soube defender, digna e firmemente, em todos os pormenores e em todos os momentos, a honra e a segurança da Nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A americana, ficaríamos contentes com dizer «100 por cento bem». Em estilo académico, «20 valores». Mas a causa em debate faz vibrar intensamente as fibras mais íntimas da nossa carne; faz pulsar nobremente os glóbulos mais rubros do nosso sangue. As almas portuguesas têm de encontrar termos de louvor e de agradecimento mais adequados que as secas expressões numéricas ou os vulgares padrões de medida.
E, afinal, nenhuma poderemos adoptar, tão perfeita e tão bela, como estas palavras singelas: «O Governo soube ser português».
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Português na calma, na prudência e na inteligência de actuação. Português na dignidade superior com que apresentou ao Mundo as nossas razões. Português na decisão com que se apresentou para a luta armada, se ela nos for imposta.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Alguns espíritos mais impetuosos dirão que perdemos os enclaves de Dadrá e Nagar Aveli e
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ainda não reagimos militarmente para restabelecer o contacto com os territórios criminosamente usurpados. Outros classificarão de imprevidência a escassez verificada nesses dois pequenos enclaves de elementos de comunicação e de defesa.
Duas palavras rudes em resposta: Dadrá e Nagar Aveli foram males necessários. Males que vieram para bem. Males para a União Indiana, pois revelaram ao Mundo a perfídia da sua doutrina de pacifismo e não violência.
Borbulhas de origem suspeita na foce encantadora da Grande Índia. Espinhos, manchados de sangue e de lama, a desfearem para sempre uma política.
Dadrá e Nagar Aveli, isolados em território inimigo, cìnicamente bloqueados pela neutralidade, pelo pacifismo e pela não violência, não tinham defesa militar possível. A ingénua estratégia política da União Indiana a ninguém conseguiu enganar. Ao ferir-nos afrontosamente em Dadrá e Nagar Aveli, por meio de bandos armados de falsos voluntários, lavava as mãos como Pilatos e não se considerava agressora. Mas tentava-nos a reacção militar, que seria pretexto para nos atribuir as culpas da guerra. Em vez de cairmos no logro, apelámos para o direito internacional, e vimos colocarem-se a nosso lado grandes potências espirituais e materiais. Esclarecida a opinião internacional, ficou barrado, ao menos por algum tempo, o caminho ao invasor.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Depois de expostos os factos passados, Salazar veio dizer-nos aqui, com o realismo que constitui uma das razões da sua força, que não pode prever-se a evolução do infeliz caso da Índia:
A reflexão mais concentrada, a meditação mais profunda sobre os dados do problema, não me permitiram chegar a uma conclusão mesmo medianamente segura.
E, no entanto, tínhamos elementos para concluir, se as coisas devessem passar-se como o direito impõe, a razão aconselha e as normas de convivência internacional exigem.
Eis aqui, como realidade desoladora, a falta de confiança na aplicação das boas regras, quer do direito, quer da razão e da convivência internacional.
De um lado acha-se uma jovem república, forte de milhões de habitantes, frágil como agregado nacional e como exemplo de administração própria. Uma república que pretende adquirir as boas graças internacionais como fiel da balança entre o Ocidente e o Oriente, mas tenta afinal cortar as pontes de Goa, Damão e Diu, que a ligam a essa civilização. Proclama-se neutral e pacifista mesmo quando, pela calada da noite, deixa praticar actos de traição e pirataria. Afinal, é agente duplo, que trabalha em dois campos contrários, e a algum deles engana, com certeza.
Do outro lado encontra-se uma nação quase milenária, frágil em população, forte como agregado espiritual e como modelo de administração pública.
A União Indiana joga entre dois pratos da balança, e não se sabe de que lado porá os pesos falsificados. Portugal, ao contrário, como os seus reis de antanho, merece o título de fidelíssimo, não só à cristandade, mas também às suas alianças e amizades internacionais. Pioneiro na luta contra o comunismo; membro não irrequieto da Organização do Tratado do Atlântico Norte; aliado secular da Grã-Bretanha nas boas e nas más horas; fundador, com o Brasil, da comunidade entre pátrias irmãs; participante, com a Espanha, do bloco ibérico, filho do sangue derramado nas guerras contra os invasores da Península e alicerçado em legítimas aspirações comuns - Portugal pode apresentar ao Mundo credenciais seguras e pergaminhos honrados. Às nações portadoras da civilização ocidental perguntará com simplicidade:
Em quem confiais? Que escolha ides fazer?
Será necessário que Portugal reveja a sua política internacional?
Será preferível que, em vez de nos mostrarmos amigos e aliados firmes e desinteressados, façamos também namoro a Moscovo ou a Pequim?
Que ganhamos em participar da N. A. T. O., se a União Indiana pretende roubar-nos Goa, Damão e Diu, para que não venham a servir de bases americanas?
A resposta a esta série de perguntas talvez decida da sorte do Mundo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Entretanto, Salazar avisou-nos de que o Primeiro-Ministro da União Indiana, em discurso de 26 de Agosto último, só via a alternativa de negociar ou fazer a guerra. O seu conceito de negociação é o acordo sobre transferência de soberania, inaceitável para nós. Portanto, resta ao Sr. Nehru o caminho da guerra.
A tal respeito, Salazar definiu magnìficamente o que deverá ser a atitude portuguesa:
Em duas coisas essencialmente nos temos que apoiar, e delas não podemos desprender-nos: força e paciência. Força suficiente para que uma pseudo-acção policial não possa ser-nos imposta; paciência que não se altere com a impaciência inimiga e dure tanto, pelo menos, como a sua pertinácia. Para tanto, precisamos de não nos exceder no nosso próprio esforço, cuidando antes de o manter proporcionado à capacidade normal da Nação.
É norma de conduta prudente e segura. Aquela que merecerá o apoio geral dos Portugueses. Não abandonaremos o Estado da Índia Portuguesa. Sozinhos, para vergonha do Mundo, ou acompanhados, para glória da civilização ocidental, defendê-lo-emos por todos os meios no nosso alcance.
O caminho está marcado nas palavras magníficas com que Salazar terminou a sua exposição a esta Assembleia:
Se a União Indiana levar a guerra ao pequeno território, o que podem fazer as forças que ali se encontram ou vierem a ser concentradas? Bater-se, lutar, não no limite das possibilidades, mas para além do impossível. Devemos isso a nós próprios, a Goa, à civilização do Ocidente, ao Mundo, ainda que este se sorria compadecidamente de nós. Depois de afagar as pedras das fortalezas de Diu ou de Damão, orar na Igreja do Bom Jesus, abraçar os pés do Apóstolo das Índias, todo o Português pode combater até ao último extremo, contra dez ou contra mil, com a consciência de cumprir apenas um dever. Nem o caso seria novo nos anais da Índia.
Sr. Presidente: depois de manifestar confiança absoluta no Governo, quer quanto à actuação já desenvolvida, quer relativamente ao futuro, pronunciarei agora algumas palavras, também de confiança completa e justificada, dirigidas aos nossos irmãos, civis e militares, voluntários ou mobilizados, que a mil léguas de distância defendem Portugal nas terras sagradas do Indostão lusíada. Deus quis que, nesta hora gravíssima,
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os destinos do Estado da Índia Portuguesa estejam bem entregues. O seu governador-geral, o oficial da Torre e Espada general Bénard Guedes, é administrador experimentado e militar heróico, para quem a guerra não tem dificuldades nem segredos.
O seu comandante militar, o oficial da Torre e Espada e Medalha Militar de Espanha brigadeiro Augusto Pimenta, reúne em si o mais raro conjunto de qualidades, de saber, de calma, de segurança, inteligência e bravura.
Nas unidades suas subordinados encontramos um escol de oficiais, sargentos e praças, grande parte de voluntários, que saberão ser dignos de combater nas terras ilustradas pelos feitos titânicos de heróis universais.
Nunca em território algum foi tão grande a responsabilidade de tão poucos. Pesa sobre os ombros desses homens a herança imorredoura dos seus maiores. Terão de comparar-se com um Vasco da Gama, com um Afonso de Albuquerque, com D. João de Castro, com Duarte Pacheco, o herói sublime da defesa de Diu.
Os grandes capitães do Oriente, que nunca cederam, que nunca se pouparam aos sacrifícios máximos, estarão presentes na luta. As suas sombras eternas exigirão aos homens de hoje que cumpram a ordem do maior português do nosso tempo e lutem contra dez e vençam contra mil, repetindo o que está descrito nas páginas sacrossantas dos anais da Índia.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Tivemos a ilha de Timor ocupada pelos Japoneses, e foi um português de além-mar, o régulo D. Aleixo, quem mais alto levantou, perante o invasor, a bandeira verde-rubra. Fomos vítimas de ataque nocturno e traiçoeiro à minúscula aldeia de Dadrá, e foi um português de além-mar, Aniceto do Rosário, quem melhor soube sacrificar-se, morrendo, mas devagar.
D. Aleixo e Aniceto do Rosário bastam para desmentir todas as acusações de colonialismo. Afirmaram ao Universo com que orgulho se sentiam portugueses. Fizeram ainda mais do que isso: legaram-nos esta lição exemplar: vale mais uma Torre e Espada póstuma do que a vida com remorsos ou sem glória.
Vozes: - Muito bem, muito bem.!
O Orador: - Mas terá maior valor ainda saber vencer. A palavra de ordem está dita por quem de direito: «Bater-se, lutar, não no limite das possibilidades, mas para além do impossível».
Permitir-me-ei interpretá-la acrescentando que na própria lista das nossas possibilidades encontra-se a vitória.
Não há militares infelizes e militares com sorte.
Ser vencido ou vencer depende, principalmente, da fé, da confiança em nós próprios, da certeza no nosso direito.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mais do que «morte ou glória», o objectivo do soldado é a vitória final. Ela será tanto mais honrosa quanto maior for a desproporção do número. Nem esta nos pode assustar, porque para os Lusitanos sempre constituiu incentivo para maiores cometimentos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Daqui ouço os portugueses da Índia responderem a Salazar: «Havemos de vencer, mesmo para além do impossível, para que o nome de Portugal permaneça respeitado eternamente»
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Interrompo a sessão por alguns minutos.
Eram 18 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: - Não está mais nenhum orador inscrito para falar sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Teófilo Duarte.
O Sr. Teófilo Duarte: - Sr. Presidente: peço a palavra para mandar para a Mesa uma moção.
O Sr. Presidente: - Vou ler a moção acabada de chegar à Mesa e que os Srs. Deputados Teófilo Duarte e Joaquim Dinis da Fonseca subscrevem:
Moção
«A Assembleia Nacional, ouvida a comunicação que lhe fez o Presidente do Conselho e considerado o debate sobre o aviso prévio, resolve:
1.º Aprovar a política do Governo como foi conduzida e executada até agora;
2.º Aplaudir a orientação contida na comunicação do Presidente do Conselho - como a expressão adequada do pensamento desta Assembleia;
3.º Exprimir o seu reconhecimento aos portugueses da Índia pela fidelidade mantida, através de todos os sacrifícios, à Pátria Portuguesa;
4.º Congratular-se com o movimento de exaltação patriótica despertado pelo caso da Índia no País inteiro, e em especial nas forças armadas da Nação.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 3 de Dezembro de 1954.-Os Deputados: Teófilo Duarte - Joaquim Dinis da Fonseca».
O Sr. Presidente: - Se nenhum Sr. Deputado desejar fazer uso da palavra sobre a moção que acabo de ler, vou pô-la à votação.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que aprovam a moção fazem o favor de se levantar.
Fez-se a votação.
O Sr. Presidente: - A moção foi aprovada por unanimidade.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Antes de encerrar a sessão, quero dar à Câmara as perspectivas dos trabalhos que vão seguir-se.
Na ordem do dia da sessão de hoje figurava também a apreciação do tratado luso-brasileiro, apreciação
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essa que fará parte da ordem do dia da sessão de segunda-feira próxima.
Tenho de marcar sessão para a próxima segunda-feira porque suponho que a discussão do tratado luso-brasileiro levará duas sessões, a de segunda e a de terça-feira, e, sendo quarta-feira feriado, ficará depois o tempo restante para a apreciação da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1955, que tem de estar votada até ao dia 15.
Quero ainda comunicar à Assembleia que tenho em meu poder uma comunicação de S. Ex.ª o Sr. Presidente da República na qual expõe os motivos por que não foi ainda promulgado o decreto desta Assembleia sobre a indústria hoteleira, e pelos quais S. Ex.ª entende prudente proceder-se a novo exame do diploma e nova deliberação por parte da Assembleia.
Essas razões apresentadas pelo Sr. Presidente da República circunscrevem provàvelmente o debate sobre esse assunto ao artigo 14.º do decreto da Assembleia.
Penso submeter o assunto à consideração da Câmara na sessão de terça-feira, pois estou convencido de que o debate não será longo.
A próxima sessão será, pois, na segunda-feira, 6 do corrente, sendo a ordem do dia a apreciação do tratado de amizade luso-brasileiro.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 55 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Antão Santos da Cunha.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Cândido de Medeiros.
Baltasar Leite Rebelo de Sousa.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
José Dias de Araújo Correia.
José dos Santos Bessa.
Ricardo Malhou Durão.
Srs. Deputados que faltaram, à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Agnelo Ornelas do Rego.
Alberto Cruz.
Alberto Pacheco Jorge.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
António de Almeida Garrett.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Russell de Sousa.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
João Afonso Cid dos Santos.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Monterroso Carneiro.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Tito Castelo Bronco Arantes.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
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CÂMARA CORPORATIVA
VI LEGISLATURA
PARECER N.° 9/VI
Projecto de proposta de lei n.° 501
A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.° da Constituição, acerca do projecto de proposta de lei n.° 501, elaborado pelo Governo sobre a autorização das receitas e despesas para 1955, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Política e administração geral e Finanças e economia geral), à qual foi agregado o Digno Procurador Aires Francisco de Sousa, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:
I
Apreciação na generalidade
§ 1.º
O prazo para a elaboração do parecer
1. Nos termos do n.° 4 do artigo 91.° da Constituição, deve a Assembleia Nacional, até 15 de Dezembro de cada ano, promulgar a lei que autorize o Governo a cobrar as receitas do Estado e a pagar os despesas públicas na gerência futura.
O Decreto-Lei n.º 25 299, de 6 de Maio de 1935, no seu artigo 9.º fixa ao Governo a data de 25 de Novembro para a apresentação da proposta de lei de autorização de cobrança de receitas e pagamento de despesas.
Nos últimos anos o Sr. Ministro das Finanças tem apresentado sempre essa proposta antes de findo o prazo que a lei lhe concede.
Conhecendo-se a forma cuidada, mas necessàriamente lenta, de organização do processo do Orçamento, e sendo evidente que a proposta da Lei de Meios não pode o Ministro elaborá-la senão depois de possuir elementos que lhe permitam previsão segura sobre o fecho do Orçamento, justo é louvar o esforço que esta antecipação traduz e fácil é também compreender que não pode a Câmara Corporativa esperar, no futuro, prazos para a elaboração de seu parecer muito mais largos do que aquele que agora lhe é concedido.
E é pena, porque se quiser apresentar os seus pontos de vista em data que consinta a sua efectiva utilização pela Assembleia Nacional a Câmara não disporá de mais de quinze dias úteis - o que é pouco se considerarmos a extensão da matéria e o facto de a Lei de Meios dar entrada na Câmara Corporativa desacompanhada de elementos que permitam bem ajuizar do seu alcance e descortinar as tendências da conjuntura económica em que o Orçamento se executará. De facto, a parte maior do tempo disponível gastá-la-á a Câmara na recolha de elementos; pelos dedos fàcilmente contará, depois, as horas que lhe sobram para os alinhar e meditar.
Já que maior antecipação não é de esperar na apresentação da proposta de Lei de Meios, esta Câmara emite o voto de que o Sr. Ministro das Finanças lhe envie, ao mesmo tempo que a proposta de lei, aqueles elementos estatísticos e informações que costuma endereçar - e tão louvàvelmente - à Assembleia Nacional.
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§ 2.º
Notas sobre a conjuntura
Alguns Indicadores para um balanço económico de 1954
2. A organização do Orçamento Geral do Estado tem necessàriamente de assentar em determinada hipótese sobre a conjuntura económica e sua evolução no período a que se destina o Orçamento.
Porque essa hipótese não é do conhecimento da Câmara Corporativa, no momento em que tem de emitir parecer sobre a proposta da lei de autorização, parece-lhe indispensável alinhar os elementos disponíveis de modo a formar juízo, tão seguro quanto possível, sobre a situação e perspectivas da economia do País.
O tempo consentido à elaboração do parecer não permite que se tente um balanço económico nem que se faça larga prospecção dos mercados externos a que tão estreitamente estamos ligados.
Limitar-se-á, por isso, o parecer da Câmara Corporativa a arquivar alguns indicadores da situação económica nacional e geral; sobre eles procurará, depois, a título de conclusão, fazer algumas observações.
3. Ao avaliar-se a situação do País logo se é conduzido à busca das suas determinantes.
As notas sobre a conjuntura económica deviam talvez mesmo começar pelo exame dos factores da evolução.
Não o podemos fazer agora. Mas, antes de apresentar alguns elementos para o balanço, não queremos deixar de referir duas das determinantes que estão na base dos resultados obtidos: a conjuntura externa e a acção do Estado. A primeira, porque afirma a especial dependência económica em que estamos do resto do Mundo; a segunda porque lembra quanto a política do Governo, nomeadamente a política orçamental, influi no progresso do País.
Mantendo ainda um fraco grau de auto-suficiência económica, tendo sobretudo a compor a nossa exportação produtos para os quais o mercado nacional é, pràticamente, insignificante, o sinal da nossa prosperidade em muito depende hoje de acções e reacções que não podemos determinar nem dominar.
Diminuir o grau desta vulnerabilidade será um dos objectivos permanentes da nossa política económica.
4. Mas se a primeira determinante referida constitui factor de risco a ter presente em todos os cálculos, já a segunda - a acção do Estado - se traduz em factor de certeza, que, por isso mesmo, deve ser utilizado mais intensamente.
Pondo de lado, por universalmente reconhecidas, as condições gerais do progresso realizadas pelo Governo, apenas se deseja, agora, referir como determinantes da situação económica, que vai descrever-se, a assistência técnica à produção e o investimento.
O muito que se tem feito neste campo é a demonstração da obrigação que o Governo contraiu de fazer muito mais.
Agricultura, silvicultura e pesca
5. Quando se analisa a composição da nossa população activa logo se dá conta de que metade desta se emprega nos actividades agrícola, silvícola e piscatória.
Sabe-se, ao mesmo tempo, que a prosperidade ou a desgraça destas actividades depende, em elevado grau, da verificação de condições (climáticas e outras) que de todo escapam ao nosso domínio.
Além deste facto, já gravoso de si, há que referir também o baixo nível de rendimento dessas camadas populacionais, que contribuem apenas com 29,9 por cento para a formação do produto nacional bruto.
QUADRO I
(Ver quadro na imagem)
(a) Ao custo dos factores, preços correntes, em milhões de escudos.
(b) Números provisórios.
No mesmo período de tempo a contribuição da população ocupada nas indústrias extractiva e transformadora - fracção muito menor da população activa - foi-lhe sempre superior.
QUADRO II
(Ver quadro na imagem)
(a) Ao custo dos factores, preços correntes, em milhões de escudos.
(b) Números provisórios.
Fica apontado, de forma tão simples, um dos maiores problemas da economia portuguesa, problema que é fonte de preocupações de natureza social e origem do baixo rendimento nacional e das suas flutuações.
A melhor repartição da população activa e a melhoria das condições de produção agrícola (já que em nossas mãos não está mandarmos o sol para a eira e a chuva para o nabal) são, sem dúvida, objectivos situados na primeira linha das preocupações de quantos respondem pelo progresso do País.
6. A comparação entre os resultados do ano agrícola de 1952 e os de 1953 para aqueles produtos cujas estimativas das colheitas são publicadas pelo Instituto Nacional de Estatística mostra uma melhoria das produções da campanha de 1952-1953 relativamente à anterior quanto ao trigo, à cevada, à aveia, à batata de regadio, à fava e ao vinho. Em relação ao azeite, a campanha de 1953-1954 foi de safra, excedendo a de 1952-1953 em 132,9 por cento e a própria safra de 1951-1952 em 14,8 por cento.
Relativamente a 1954 o Instituto Nacional de Estatística deu a conhecer, até agora, os números provisórios das colheitas, em primeira estimativa, de cinco produtos e em segunda estimativa de nove.
Dos quinze produtos considerados ùnicamente seis apresentam colheitas mais favoráveis que as do ano agrícola transacto, devendo salientar-se, porém, que a do trigo é notável, pois representa um nível próximo do verificado no ano excepcional de 1934.
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QUADRO III
Algumas produções e estimativas agrícolas
(Ver quadro na imagem)
(a) Números definitivos.
(b) Informação da Junta Nacional do Azeite.
Fontes: Estatística agrícola de 1952; folhas do estado das culturas do Instituto Nacional de Estatística, 3.º Repartição.
Convenções:
*-Primeira estimativa.
**-Segunda estimativa.
Se, porém, se cotejarem as diversas produções agrícolas de 1954 com a média das do último decénio verifica-se pelo mapa n.° 4 que apenas em quatro produtos as colheitas de 1954 se situam num quantitativo inferior à respectiva média decenal.
No que respeita ao azeite, não pode esquecer-se que a produção de 1953-1954 foi de safra e constituiu o «máximo» de todas as campanhas nacionais.
QUADRO IV
(Ver quadro na imagem)
7. No sector florestal e no que respeita às extracções de resina e de cortiça a situação em 1954 foi de longe melhor do que em 1953, situando-se as suas produções em níveis superiores aos do ano de 1952.
QUADRO V
Extracções de cortiça e resina
(Unidades toneladas)
(Ver quadro na imagem)
(a) Estatística agrícola de 1952.
(b) Elementos fornecidos pela Junta Nacional da Cortiça e pela Junta Nacional dos Resinosos, sendo os referentes a 1954 estimativas.
8. Quanto à produção de lãs peladas e de tosquia, os resultados da campanha de 1954 não se afastaram dos obtidos nas de 1953 e de 1952, andando à volta das 10 300 t. É de frisar que a produção tem tendência a aumentar, o que se verificará se as condições climatéricas e as epizootias a que se encontram sujeitos os ovinos não o contrariarem.
9. A comparação entre as quantidades de pesca desembarcada no continente no ano de 1952 e no de 1953 mostra que neste último houve um acréscimo de 38 000 t em relação a 1952.
Se se destacar do total da pesca desembarcada no continente (cf. quadro VI) o atum (e similares] e a sardinha -elementos de primordial importância no conjunto - e se se observar as respectivas quantidades e valores, verifica-se, a par do aumento de tonelagem, uma apreciável baixa no rendimento monetário, a qual se cifrou em 63 000 contos.
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QUADRO VI
Pesca desembarcada no continente proveniente das águas marítimas e salobras
Nota. - Em 1952, segundo a estatística industrial; em 1953, elementos colhidos no Instituto Nacional de Estatística, sujeitos a rectificação.
No caso da sardinha desembarcada pelas artes inscritas no Grémio dos Armadores da Pesca da Sardinha, médio por tonelada desceu de 3.133$ para 2.500$
elativamente ao seu consumo - para fábricas de conserva e para consumo imediato - notou-se em ambos os casos uma posição sensivelmente estacionária.
QUADRO VII
Sardinha desembarcada pelas artes inscritas no Grémio dos Armadores da Pesca da Sardinha
(Ver quadro na imagem)
Nota. - Em 1952, elementos da estatística Industrial; em 1953, elementos colhidos no Instituto Nacional de Estatística, sujeitos a rectificação.
Do confronto das quantidades e valores da pesca realizada no período Janeiro-Junho de 1953 com os obtidos em idêntico período de 1954 ressalta a grande quebra de tonelagem havida - cerca de 11 000 t.
Sublinhe-se, no entanto, o facto de a pesca da sardinha, embora acusando uma ligeira quebra de ritmo, Ter excedido em valor os níveis atingidos no período Janeiro-Junho de 1953.
QUADRO VIII
Pesca desembarcada no continente proveniente das águas marítimas e salobras
(Ver quadro na imagem)
Nota. - Segundo o Boletim Mensal do Instituto Nacional de Estatística.
Limitando a análise à sardinha desembarcada pelas artes inscritas no Grémio dos Armadores da Pesca da Sardinha é possível alargar a observação ao período Janeiro-Setembro, e isso permite verificar uma maior actividade piscatória no decurso deste ano.
QUADRO IX
Sardinha desembarcada pelas artes inscritas no Grémio dos Armadores da Pesca da Sardinha
(Ver quadro na imagem)
A registar igualmente uma contracção no consumo imediato de sardinha, ao invés do que sucedeu na utilizada para o fabrico de conservas, que, quer em quantidade quer em valor (passou de 2.782$/t para 2.795$/t), ultrapassou o montante da empregada nos meses de Janeiro, a Setembro de 1953.
Produção Industrial.
10. Salientou-se já o facto de metade da população activa se dedicar à pesca e à agricultura e de não contribuir senão com cerca de 30 por cento para a formação do produto nacional bruto.
Ao apontar-se a função da indústria em Portugal não poderá deixar de ter-se em conta muito especial o que ela representa como condição daquele equilíbrio económico-social do País, que ainda estamos longe de
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realizar apesar do muito que nesse sentido temos andado.
Fonte da riqueza nacional, a indústria é ainda uma das condições de que depende a possibilidade de se fazerem na estrutura da produção agrícola aqueles ajustamentos que o quadro da formação do rendimento nacional mostra serem de uma necessidade imperiosa.
11. Embora ocupando já posição de relevo entre as fontes do produto nacional bruto, a nossa indústria não saiu ainda de uma fase inicial de desenvolvimento.
QUADRO I
(a) Ao culto dos factores, a preços correntes, em milhões de escudos.
A expansão industrial tem sido lenta, condicionada sobretudo pelo franco grau de investimentos privados e estabilidade do consumo interno. Estas duas circunstâncias, associadas às características dos mais importantes componentes daquela expansão, dão origem a que a produção industrial seja fortemente influenciada pela procura externa, cuja flexão entre 1952 e 1953 justifica a acentuada estabilidade verificada, especialmente nesses dois anos, no valor do produto da indústria manufactureira (quadro II).
QUADRO II
(Valor em milhões de escudos aos preços de 1951)
Podem traduzir-se as variações globais prováveis, comparando os períodos de 1952-1953 o 1953-1954, pelo quadro seguinte:
QUADRO III
Variações em valor
(Em milhões de escudos aos preços de 1951)
(Ver quadro na imagem)
Estes dados permitem-nos esperar que o ano corrente seja de expansão, em virtude do aumento de procura nos mercados externos e do maior investimento realizado no sector industrial.
Todavia, se se tiver em conta que os dados relativos à indústria manufactureira englobam os de construção, cujo volume da produção foi não só superior em 1953, relativamente a 1952, como manteve essa tendência no 1.° semestre do ano corrente, terá de concluir-se que a expansão da indústria manufactureira pròpriamente dita será muito limitada.
12. Para a posição final da indústria concorreram, como é óbvio, os mais diversos sectores em proporções e sentido muito diferentes.
Há, assim, que olhar mais de perto a evolução em alguns dos sectores significativos.
13. No grupo dos combustíveis sólidos o volume de extracção tende a decair.
A produção de antracite, que acusara entre 1952 e 1953 um aumento de 8 por cento, manteve-se estável no 1.° semestre deste ano e decaiu sensìvelmente no 3.° trimestre, relativamente a igual período do ano transacto. Quanto à lignite acentuou-se o decréscimo já verificado em 1953.
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QUADRO IV
Extracção de Carvões
(Unidades toneladas)
(Ver quadro na imagem)
14. Os resultados observados no conjunto da indústria extractiva são influenciados pela diminuição do ritmo de extracção de alguns minérios.
Esta diminuição é devida quer à flexão de procura externa, quer a medidas do Governo, em boa hora tomadas, para defesa das reservas nacionais desses minérios.
Assim, a comparação das extracções dos principais minérios e minerais revela variações positivas entre os anos de 1952 e 1953, com excepção das pirites e volframite, e um decréscimo sensível no ano de 1954 para o conjunto.
QUADRO V Extracção de alguns minérios
(Unidades tonelada)
(Ver quadro na imagem)
Contràriamente ao que se passa com a cassiterite no ano de 1954, o volume da produção de estanho metal manteve a tendência crescente que se tem registado desde 1953.
Esta tendência não se verifica, infelizmente, nos demais produtos obtidos pelo tratamento de minérios - para estes os resultados são desfavoráveis no ano corrente.
15. A situação das diversas indústrias de transformação difere também sensìvelmente entre si.
16. No conjunto das indústrias alimentares, essencialmente destinadas ao mercado interno, o volume de produção, com raras excepções, aumentou entre os anos de 1952 e 1953. Em 1954 essa tendência mantém-se apenas para o açúcar refinado e as massas alimentícias, ao mesmo tempo que se aponta a recuperação da indústria de bolachas e biscoitos.
17. Quanto à produção de conservas de peixe, orientada sobretudo para os mercados externos, a situação difere entre as principais espécies: o volume de produção de conservas de sardinha, decrescente em 1953, relativamente ao ano anterior, teve uma recuperação nítida no 1.° semestre deste ano, observando-se simultâneamente uma variação oposta, nesses mesmos períodos, para os respectivos similares.
A produção de conservas de atum e similares, em 1953 maior do que em 1952, sofreu uma queda acentuada nos primeiros seis meses de 1954.
No conjunto, a indústria de conservas de peixe, embora se apresente com indicadores desfavoráveis no 1.º semestre do ano corrente, deve apresentar no final do ano melhoria sobre 1953. A pesca excepcional de sardinha, ùltimamente verificada, conduz-nos a esta previsão. Previsão tão mais optimista quanto é certo não estarem os centros conserveiros nossos concorrentes (Norte de África) a beneficiar de condições favoráveis, de pesca.
A nossa produção, boa em volume, deverá encontrar, por isso, mercado fácil e compensador.
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QUADRO VI
Indústrias alimentares
(Unidades tonelada)
(Ver quadro na imagem)
18. As indústrias de produtos florestais tiveram, no aspecto de produção, um acentuado retrocesso em 1953, exceptuando os aglomerados e granulados de cortiça.
Contudo, o confronto do 1.° semestre de 1954 com o de 1953 é favorável ao primeiro nos resinosos (+ 22 por cento para o pez e +30 por cento para a aguarrás) e à cortiça (+4 por cento), devendo salientar-se, porém, quanto a esta última, que as produções de prancha, refugo, quadros, rolhas e discos foram menores do que as do correspondente semestre do ano passado.
O penúltimo trimestre do ano corrente revela já uma tendência de recuperação no sector das produções de rolhas e de quadros.
Relativamente aos resinosos, se se compararem as produções por campanha, nota-se, todavia, a continuação do declínio produtivo, se bem que mais atenuado:
(Ver quadro na imagem)
QUADRO VII
Indústrias de produtos florestais
(Unidades tonelada)
(a) 1.º semestre
19. Pode dizer-se que as indústrias dos minerais não metálicos tiveram em 1953, de uma maneira geral, um ritmo de produção superior ao do ano de 1952.
Do cotejo das produções do 1.º semestre de 1953 com as do 1.° semestre de 1954 sobressaiu a variação ascensional do cimento.
QUADRO VIII
Indústrias dos minerais não metálicos
(Unidades tonelada)
(Ver quadro na imagem)
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76 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 56
20. A evolução das principais produções da indústria têxtil consta do quadro IX.
Dignos de nota são os aumentos registados na produção de fios e tecidos de têxteis artificiais, bem como na dos tecidos mistos de algodão.
A situação no 1.º semestre de 1954 melhorou, em relação ao aspecto produtivo, sobretudo no que respeita aos fios de têxteis artificiais, que, longe de consolidar-se, continuou a evolução no sentido do crescimento. Deve igualmente salientar-se a melhoria das produções dos tecidos de algodão e dos tecidos mistos de lã, bem como da dos fios de algodão.
Pela largueza do mercado nacional, pelas possibilidades oferecidas pelo mercado externo, pelo facto de dispormos de matéria-prima portuguesa o sector da indústria de algodão pode e deve vir a ocupar posição de excepcional relevância no quadro da riqueza nacional.
É este um dos sectores da indústria em que mais fácil e seguramente poderemos - se quisermos - passar a trabalhar na escala mundial.
QUADRO IX
Indústrias têxteis
(unidades tonelada)
(Ver quadro na imagem)
21. De entre as indústrias relacionadas com os serviços públicos sobressai sem dúvida a da electricidade.
Cotejando as produções de energia eléctrica de proveniência térmica de 1952 e 1953 evidencia-se o extraordinário aumento da que teve lugar durante este último ano.
A situação neste 1.° semestre modificou-se por completo, aumentando a produção hidroeléctrica em 44 por cento e diminuindo a termoeléctrica em 60 por cento (quadro X), mantendo-se essa tendência no período de Janeiro a Setembro (hidroeléctrica +71 por cento e térmica -74 por cento), relativamente a iguais períodos de 1953.
A energia armazenada nas albufeiras em fins de Julho de 1954 ultrapassava largamente a que havia no mesmo mês do ano passado, melhorando a situação um mês depois.
QUADRO X
Produção de energia eléctrica
(Ver quadro na imagem)
22. Durante o ano de 1953 aumentou a actividade da indústria de fundição (segunda fusão) em relação ao ferro e aço , acentuando-se essa tendência no 1.º semestre de 1954. Quando aos outros metais, o volume de produção em 1953 foi inferior ao do ano anterior, mas evidenciaram-se sinais de recuperação no 1.º semestre deste ano, com excepção do latão.
O fabrico de limas teve um ritmo de trabalho inferior, mas no de louças notou-se uma nítida recuperação.
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QUADRO XI
Indústria de transformação de metais
(Unidades tonelada)
(Ver quadro na imagem)
23. De forma geral, o quadro apresentado pela indústria de papel e artes correlativas não é desanìmador. Nos primeiros seis meses do corrente ano regista-se mesmo, de forma geral, uma notável melhoria.
QUADRO XII
Industria transformadora do papel e artes correlativas
(Unidades tonelada)
(Ver quadro na imagem)
24. O panorama patenteado pela indústria química revela volumes de produção decrescentes em 1953, relativamente a 1952, com raras excepções, e uma notável recuperação no primeiro semestre do corrente ano.
Circunstâncias dignas de referência são as variações registadas nas produções de sulfato de amónio, de margarina e de óleo de peixe. A primeira, condicionada por factores vários, foi sensìvelmente inferior em 1953 (-2 por cento aproximadamente), mas atingiu, no período de Janeiro a Agosto do corrente ano, um volume superior ao de qualquer dos anos de 1952 e 1953.
A produção de margarina atingiu um montante excepcional que se traduz no 1.º semestre deste ano por uma variação de +119 por cento, relativamente a igual período de 1953.
QUADRO XIII
Industria transformadora química
(Unidades tonelada)
(Ver quadro na imagem)
(a) 1.º semestro.
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25. Quanto às restantes indústrias de que se publicam informações estatísticas, os resultados são animadores, especialmente no ano que decorre.
Merece especial referência a indústria de refinação de petróleo, em que o montante atingido pelo volume de produção no 1.° semestre de 1954 é superior a 60 por cento da produção de todo o ano de 1952.
O Plano de Fomento nacional: provisões e realizações
26. Os investimentos do Estado em ordem ao progresso do País não se limitam ao investimento previsto no Plano de Fomento.
A par deste, o Orçamento do Estado continua a prever investimentos de monta nos mais diversos sectores. No parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei para 1954 este ponto foi largamente tratado.
Para medir o esforço do Estado no sector do investimento não pode pois ter-se em conta, apenas e só, o Plano de Fomento.
Todavia, por impossibilidade material e porque não se procura nestas notas fazer um balanço económico do País, mas apenas fornecer indicadores -e os mais significativos - para um balanço,. limitar-se-ão agora as informações ao Plano de Fomento, sem dúvida a mais clara e construtiva expressão de política do Estado no campo do fomento económico.
Seria, sem dúvida, este o problema que mais deveria preocupar a atenção da Câmara Corporativa e da Assembleia Nacional: a política a traçar para 1955 quanto às grandes despesas variáveis.
Neste capítulo não se darão, no entanto, as previsões do investimento - que o mesmo é dizer a previsão de execução do Plano - em 1955.
Para essa previsão apenas possuímos o projecto inicial do Plano, aliás amplamente discutido e conhecido. Mas, porque, até ao presente, não foi possível atingir a integral execução do planeado para 1953 e 1954, as previsões constantes do plano inicial para 1955 não têm neste momento interesse: outra será a realidade decidida pelo Conselho Económico quando proceder à revisão anual.
Limitar-nos-emos a dar conta do estado de execução do Plano, com base nas informações pronta e claramente fornecidas pelos serviços do Fundo de Fomento Nacional - organismo que nas suas mãos tem uma das mais belas e altas tarefas a que pode aspirar um serviço público.
27. Foi na sessão de 14 de Janeiro de 1953 que o Conselho Económico aprovou as previsões do desenvolvimento, anual do Plano de Fomento e pelas quais se assentaram, para o ano de 1953, investimentos no valor de 1713,5 milhares de contos, distribuídos pela agricultura, pela indústria, pelas comunicações e transportes e pelas escolas técnicas.
28. O investimento na agricultura para o ano de 1953, no montante de 174 000 contos, repartia-se pela hidráulica agrícola, pelo povoamento florestal e pela colonização interna, a que cabiam, respectivamente, 90 000, 54 000 e 30 000 contos. Estas verbas foram posteriormente alteradas, descendo a primeira para 64 546 contos e a terceira para 27 753, mantendo-se inalterável a segunda.
O programa de trabalhos no sector agrícola não teve integral execução: ficaram por investir 8816 contos no povoamento florestal e 10 000 na colonização interna.
29. Dos investimentos na indústria, cuja previsão para 1953 foi de l 179 000 contos, depois elevada para l 207 000 contos, a maior quota-parte pertencia à electricidade - 829 000 contos -, seguindo-se-lhe, por ordem decrescente, a refinação de petróleos, com 280 000 contos; a siderurgia, com 45 000; a celulose e o papel, com 28 000 (esta indústria não havia sido incluída na previsão inicial), e os adubos azotados, com 25 000 contos.
Não foi possível também na indústria realizar completamente o que estava previsto, notando-se quanto à electricidade uma diferença para menos de 27 853 contos e quanto à refinação de petróleos e aos adubos azotados uma baixa, em relação as dotações estabelecidas, respectivamente de 80 405 contos e 17 500 contos.
Na siderurgia, a que estavam destinados 45 000 contos, nada se investiu. A grandiosidade do empreendimento, embora há muito ponderado e objecto de um despacho orientador de 1949, impôs apesar disso cuidado exame das soluções já apontadas e a sua revisão em função de todos os elementos disponíveis.
Quanto à indústria de celulose e do papel, embora não se tivesse previsto qualquer investimento, há a registar uma aplicação de 28 000 contos.
30. Do investimento nas comunicações e transportes - 320 5000 contos na previsão e 440 085 após a revisão - cabiam aos portos 98 885 contos, 12 700 aos aeroportos, 75 000 aos caminhos de ferro, 28 500 à marinha mercante, 160 000 à aviação civil e 65 500 aos correios, telégrafos e telefones.
À semelhança do que sucedeu na agricultura e na indústria, nas comunicações e transportes a verba do Plano de. Fomento para o ano de 1953 não foi totalmente despendida, verificando-se a existência de saldos quanto aos portos (56 452 contos}, quanto à marinha mercante (-9421), quanto à aviação civil (-90 000 contos), não se tendo feito qualquer dispêndio nos caminhos de ferro.
31. A previsão do investimento para as escolas técnicas, no montante de 40 000 contos, teve efectivação completa.
O quadro seguinte permite comparar, por grandes grupos de investimentos, as previsões aprovadas em 14 de Janeiro de 1953 com as revisões e com as realizações até 31 de Dezembro do mesmo ano.
QUADRO I
Previsões, revisões e realizações dos investimentos do Pano de Fomento no ano de 1953
(Em milhares de, contos)
(Ver quadro na imagem)
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(Ver quadro na imagem)
32. A verba de 1713,5 milhares de contos a investir no ano de 1953, segundo a previsão de 14 de Janeiro de 1953, devia ser fornecida por diversas entidades financiadoras, contribuindo o Fundo de Fomento Nacional com 25,5 por cento do valor global do investimento previsto, ou seja a maior das comparticipações. Posteriormente, em revisão feita, fixaram-se o auto-financiamento e as instituições de previdência como as fontes cuja contribuição seria de maior vulto.
Exceptuando as instituições de crédito e entidades particulares, que excederam em 26 380 contos a verba estabelecida, todas as restantes fontes de financiamento ficaram, por não ter sido necessária uma maior utilização, nas suas contribuições, aquém do indicado na revisão, sendo as diferenças relativas às instituições de previdência e ao Orçamento Geral do Estado as mais notórias.
No quadro junto podem analisar-se melhor as diferenças entre as previsões dos financiamentos e as respectivas efectivações.
QUADRO II
Previsões e realizações do financiamento do Plano de Fomento durante o ano de 1963
(Em milhares de contos)
(Ver quadro na imagem)
33. Do que atrás foi exposto conclui-se terem ficado por investir 420 529 contos, aproximadamente metade dos quais no sector das comunicações e transportes.
34. Para o ano de 1954 os investimentos a realizar somavam 2 286 716 contos, dada a verba de l 709 700 contos, prevista em 14 de Janeiro de 1953, ter sofrido posteriormente uma modificação. Assim há um acréscimo de 577 016 contos relativamente ao inicialmente estabelecido, o que ultrapassa em 150 487 contos o volume de investimentos que ficaram por efectivar em 1953.
As notas que mais sobressaem no programa de 1954, em relação ao realizado em 1953, são o aumento de investimentos nas comunicações e transportes (455 085 contos) e na indústria (165 528 contos).
Com referência à previsão inicial, a revisão do programa de 1954 tem como factos mais importantes os aumentos dos valores consignados à indústria (sobretudo na refinação de petróleos) e às comunicações e transportes (nomeadamente nos correios, telégrafos e telefones).
O quadro seguinte dá uma ideia mais completa das previsões estabelecidas em 14 de Janeiro de 1953 para o programa de 1954 e das revisões que ùltimamente este sofreu.
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QUADRO III
Programa dos investimentos do Plano de Fomento a realizar durante o ano de 1954
(Em milhares de contos)
35. Se se analisarem as origens dos financiamentos do Plano de Fomento para 1954, observa-se, como nota saliente, que são as instituições de crédito e entidades particulares aquela fonte a que em mais larga medida se recorrerá para a cobertura dos trabalhos em curso.
O facto não é de estranhar, conhecida a maneira como ela correspondeu às solicitações financeiras das iniciativas do ano transacto enquadradas no Plano de Fomento nacional.
Em segundo e terceiro lugares seguem-se o Orçamento Geral do Estado e o autofinanciamento, fontes a que não se exigiu em 1953 todo o esforço previsto.
Relativamente ao Fundo de Fomento Nacional e às instituições de previdência, a revisão feita fixou uma quota de participação que, embora menor, não se afasta muito da previsão inicial.
QUADRO IV
Programa dos financiamentos do Plano de Fomento a realizar durante o ano de 1954
(Em milhares de contos)
(Ver quadro na imagem)
36. Ainda adentro do aspecto financeiro do Plano de Fomento há a destacar, quanto à natureza dos financiamentos - público, previdência e privado -, a alteração das suas percentagens aquando das revisões. Assim, no programa de 1953, a percentagem da participação dos financiamentos de origem privada subiu
de 32,2 por cento para 34,5 por cento; no programa de 1954, ainda em referência aos mesmos, a percentagem passou, após a revisão, de 32,6 por cento para 42,6 por cento, enquanto a quota da previdência descia de 20,6 por cento para 14,9 por cento e a do financiamento público baixava de 46,8 por cento para 42,5 por cento.
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Não pode deixar de salientar-se, por notável, a orientação que o conselho Económico pôde imprimir no tocante à posição relativa das fontes de financiamento- público, previdência e privado. Essa orientação é o começo da realização de uma das mais importantes finalidades do Plano - acordar no capital
Privado o gosto pelo investimento e adormecer a sua tão criticada tendência para o entesouramento. Verifica-se como a acção do Estado pode ser, neste aspecto,
QUADRO V
Origem dos financiamentos do Plano de Fomento de 1963-1964
(Em milhares de contos)
(ver quadro na imagem)
A execução do Plano de Fomento nacional em 1954
37. Sabido que o Plano de Fomento nacional não teve integral execução em 1953, por motivos de ordem vária (entre as quais se destacam a novidade da mecânica, a magnitude das tarefas a empreender e a complexidade de execução de certos planos técnicos), não se deve estranhar que o ritmo de trabalho previsto para 1954 fosse acrescido por realizações que em 1953 tinham apenas eido financiadas. Desta forma, a verba global de 2 286 716 contos a despender em 1954 de modo algum traduz, monetariamente, o volume do trabalho previsto, pois houve em 1953 financiamentos no valor de 174 434 contos para empreendimentos que só no presente ano tiveram começo.
38. Os dados de que dispomos permitem-nos já analisar a execução até 30 de Setembro do programa do Plano de Fomento para 1954.
Da comparação do investimento já realizado com o investimento revisto
verifica-se que os maiores verbas ainda a despender se situam nos sectores das comunicações e transportes e na indústria.
No sector das comunicações e transportes os atrasos mais manifestos localizam-se nos caminhos de ferro e nos correios, telégrafos e telefones.
No sector da indústria é na parte da electricidade que os investimentos acusam maior retardamento, pois tanto no que respeita à indústria de refinação de
petróleos como no que se refere à indústria da celulose e papel o programa de 1954 está integralmente realizado.
O quadro que segue permite acompanhar melhor o que se disse:
Investimentos do Plano de Fomento para 1984 e suas realizações até 30 de Setembro
(Em milhares de contos)
(ver quadro na imagem)
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39. Em relação à origem dos financiamentos observa-se que as maiores verbas que aguardam realização provêm do Orçamento Geral do Estado, das instituições de crédito e previdência e do autofinanciamento, sendo de frisar que a parte das empresas seguradoras não teve qualquer movimento.
Financiamentos ao Plano de Fomento a realizar durante 1954 e financiamentos executados até 30 de Setembro
(Em milhares de contos)
(ver tabela na imagem)
Se se agruparem os financiamentos consoante a sua origem - públicos, previdência e privados -, nota-se que a contribuição de origem privada para o total do realizado até 30 de Setembro orça por 50 por cento.
Ainda que se deva ter em conta, ao medir o alcance desta verificação, a circunstância de o retardamento de certos financiamentos se filiar, por vezes, na dilatação do prazo fixado para os estudos preliminares e o facto de os capitais da previdência só poderem ser investidos em certos empreendimentos, mesmo assim - é de sublinhar-se mais uma vez a maneira como o sector dos capitais privados tem reagido às exigências do Plano.
Origem dos financiamentos do Plano de Fomento em 1964 e respectiva utilização
(Em milhares de contos)
(ver quadro na imagem)
40.º Do que fica exposto resulta poder afirmar-se que as realizações do Plano de Fomento durante 1954 e até 30 de Setembro permitem a convicção de que, até final do ano, se não dará completa execução ao programa de 1954. Para tanto, haveria que proceder, nestes últimos três meses, a financiamentos no valor de 1295 958 contos (57 por cento do total) até 31 de Dezembro.
A balança de pagamentos
41. A composição da balança de pagamentos pode averiguar-se pelo exame do quadro seguinte:
Balança comercial :
(Em milhares de contos)
(ver quadro na imagem)
donde se conclui que a balança comercial contribui negativamente para a formação da balança de pagamentos, cujos superavits são obtidos por força do saldo de invisíveis (invisíveis correntes + operações de capital).
42. Pouco se pode dizer sobre as características e evolução da rubrica «Invisíveis», uma vez que, quanto à metrópole, se possuem dados comparáveis apenas a partir de 1949 e, no que respeita ao ultramar, os invisíveis são calculados por estimativa e aparecem na balança com uma posição quase constante e elevada - cerca de 600 mil contos.
E de registar, todavia, que a grande fonte de receitas invisíveis se situa nos países membros da União Europeia de Pagamentos.
Era diferente a situação antes da existência da União Europeia de Pagamentos: a grande massa das nossas receitas invisíveis provinha, então, de países não europeus.
O saldo de invisíveis com os países europeus membros da União, ao nível a que se tem situado nos últimos anos, deve constituir um facto novo.
Porque esse facto novo, em parte, será devido ao aproveitamento, por outros países membros, das facilidades que lhes são consentidas pelo próprio mecanismo da União, ao prever-se a evolução desta fonte de receitas não se deverá ser demasiado optimista.
43. A balança comercial da metrópole continua a ser sistematicamente negativa.
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Balança de comércio
(Em milhares de contos) - Valores «F. O. B.»
[Ver tabela na imagem]
A origem do déficit situa-se na zona da União Europeia de Pagamentos.
Corresponde isso ao sistema tradicional das nossas coordenadas de comércio, sistema que tem sido, aliás, favorecido, e muito bem, pela persistente política do Governo no sentido de canalizar para aquela zona a nossa linha de importação, única forma de absorvermos os saldos credores excessivos que, em determinado momento, aí acumulamos.
É de registar a tendência de inversão do sinal do nosso saldo comercial com a zona não europeia - onde se situa o mercado americano.
Se a possibilidade de saldos positivos com esta zona (que impõe liquidações em ouro) é, em grande parte, devida à bondade da nossa produção cerealífera nos últimos anos, para a formação desses saldos positivos em muito tem contribuído, também, a política de desvio das exportações para a zona dólar, seguida, com firmeza, pelo Conselho de Ministros para o Comércio Externo, e a recuperação da indústria europeia, nomeadamente a alemã.
É de referir, com certa apreensão, a tendência de quebra da nossa exportação metropolitana.
O facto reveste-se ainda de ma ir gravidade quando, no exame em pormenor, se conclui que essa quebra se verifica tanto em valores como em quantidades.
O problema - a que nos referiremos nas conclusões sobre a evolução da conjuntura - impõe urgente e vigorosa acção concertada entre os serviços do fomento de exportação e o comércio.
44. A balança comercial do ultramar com o estrangeiro apresenta características totalmente diferentes:
Balança de comércio
(Em milhares de contos)
[Ver tabela na imagem]
Saldos sistematicamente positivos em ambas as zonas, e com tendência para se avolumarem na zona «Outros» - ou seja a zona dólar.
Se considerarmos o intenso movimento de expansão que se verifica no ultramar, reconhecer-se-á como é significativa a quase estabilização em que se encontra a sua linha de importação directa do estrangeiro: como explicação do facto temos o aumento dos fornecimentos da metrópole às províncias ultramarinas.
O ultramar no equilíbrio da balança de pagamentos da zona escudo
45. O equilíbrio da balança de pagamentos da zona escudo obtinha-se graças aos invisíveis que cobriam os deficits das balanças de comércio da metrópole com o estrangeiro e do ultramar com o estrangeiro.
No interior da zona as relações entre a metrópole e o ultramar saldavam-se sempre em favor das províncias de além-mar.
46. Depois da guerra a situação alterou-se profundamente: o desenvolvimento dos territórios ultramarinos e o alargamento do seu poder de compra, consequência da alta dos preços dos seus produtos, determinaram um aumento considerável no volume do comércio externo do ultramar (importações + exportações).
Mas enquanto o aumento das importações se verificou sobretudo em relação à metrópole, determinando a formação de um saldo negativo persistente após 1942, as exportações ultramarinas cresceram mais acentuadamente para o estrangeiro, anulando o déficit verificado até então e determinando a formação de excedentes, os quais só nos anos de 1950 e 1951 atingiram em conjunto 1 300 000 contos.
47. Entretanto, a metrópole mantém a sua posição devedora na balança comercial com o estrangeiro e o ultramar, que em 1934 recebia apenas 12 por cento das exportações da metrópole, vê essa percentagem aumentar posteriormente de forma bem significativa:
Percentagens
1939 ....................... 13
1945 ....................... 24
1948 ....................... 28
1951 ....................... 23
1952 ....................... 26
1953 ....................... 27
1954 (Janeiro a Setembro)... 26
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48. Da análise dos dados estatísticos doa últimos anos conclui-se que após 1942 quase sempre se observa um excedente da metrópole sobre o ultramar, deste sobre o estrangeiro e do estrangeiro sobre a metrópole.
A formação deste triângulo de trocas, cm que o sentido do percurso - metrópole, ultramar, estrangeiro - é o das correntes positivas das balanças comerciais, apresenta o maior interesse.
Não se atinge ainda o - equilíbrio, que continua a ser obtido à custa dos invisíveis, mas surge já uma importante contribuição positiva de origem comercial para o equilíbrio da balança de pagamentos da zona escudo, que assim assentará em diferente e melhor estrutura.
49. Mas outro aspecto - e talvez o mais importante - da formação deste triângulo (por enquanto só nitidamente desenhado em tendência) é o da melhoria de posição relativa da metrópole entre os fornecedores do ultramar: dos dados estatísticos disponíveis conclui-se que de 1936 a 1953 o aumento das compras do
ultramar é de 1 para 6 no estrangeiro e de 1 para 10 na metrópole.
Reconhece-se que os aumentos de valores não traduzem a exacta expansão do comércio, por isso que são influenciados pelas flutuações dos preços.
No caso presente importa-nos sobretudo fixar a inversão dessa tendência do comércio ultramarino, que antes da - guerra era devedor ao estrangeiro e credor da metrópole e depois do conflito persiste em manter-se em posição diametralmente oposta.
É esta verificação o mais consolador sintoma que se descortina na evolução de comércio da zona do escudo, pelo que ele representa de possibilidade de alargamento do mercado nacional, condição base do desenvolvimento da nossa produção metropolitana.
A evolução dos termos de troca
50. O quadro seguinte permite-nos medir a evolução dos termos de troca, factor de tão grande importância para um país que, como Portugal, tão preso está no comércio internacional.
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(ver quadro na imagem)
Nota. - Fonte: dois volumes do Instituto Nacional de Estatística e Boletim Mensal do Instituto Nacional de Estatística.
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A evolução destes termos de troca tem-nos sido nitidamente favorável, muito especialmente no que respeita ao comércio com a zona dólar. Nesta evolução favorável está muito da explicação dos resultados da nossa balança comercial. E de admitir, no - entanto, que esta tendência se não acentue, sobretudo no que respeita no mercado americano, onde a procura nos últimos meses mostra sinais de compressão.
Moeda e crédito
Banco de Portugal
(ver quadro na imagem)
51. No fim de Outubro de 1954 o nível da emissão monetária total do Banco atingiu, pois, 19806 milhares de contos, ou sejam mais 1833 milhares que em igual data do ano precedente. O factor predominante deste aumento foi o saldo positivo da balança de pagamentos, representado na reserva de ouro e divisas estrangeiras cora o aumento de 1400 milhares de contos.
Pelo resumo da situação do nosso banco central verifica-se ainda que:
1.º A reserva de ouro e divisas estrangeiras representa 183,7 por cento da totalidade de notas em circulação e 94 por cento da soma de todas as responsabilidades à vista, isto é, toda a massa monetária emitida pelo banco, o que outorga à moeda nacional uma robustez pouco vulgar e permite encarar sem grandes apreensões a eventualidade de alguns deficits da balança de pagamentos produzidos péla aparelhamento económico do País;
2.º O nível das notas em circulação continua a evoluir moderadamente, de acordo com as necessidades do meio circulante motivadas pela evolução económica do País, porquanto o nível dos preços e dos salários diminutas oscilações sofreu. Deve notar-se que a importância de notas em circulação representa actualmente cerca de 51,2 por cento das outras responsabilidades à vista enquanto que em 1938 a proporção era de 213 por cento.
Bancos e caixas económicas
(ver quadro na imagem)
52. Com reservas de caixa alimentadas por meio dos saldos positivos da balança de pagamentos e sem terem, em, geral necessidade de recorrer ao crédito do banco central, os bancos e os caixas económicas puderam continuar a expandir o volume de crédito solicitado pela economia nacional, sem grande sacrifício do seu grau de liquidez imediata, o qual, medido pela proporção das reservas efectivas de caixa para os depósitos à ordem, é de 32 por cento para os bancos e de 39,7 por cento para as caixão económicas.
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Câmaras de compensação
(ver quadro na imagem)
53. É de assinalar o aumento da compensação em 1954. Deve notar-se que o progresso da compensação, além de indicar o alargamento do uso do cheque, significa também uma maior actividade das transacções.
Bolsas
(ver quadro na imagem)
54. A quantidade de títulos transaccionados nos primeiros nove meses de 1954 ultrapassou a de todo o ano de 1953 em cerca de 430 000 títulos. Se conjugarmos esta actividade das Bolsas com a alta das cotações - alta bastante substancial para a maioria dos grupos cie títulos de rendimento variável -, é lícito inferir-se que a procura supera a oferta. Esta disposição paxá o investimento constitui tendência que importa fixar c utilizar na intensificação orientada de empreendimentos económicos.
Finanças públicas
Realização (números provisórios)
(Em milhares de contos)
(ver quadro na imagem)
55. Verifica-se que nos primeiros nove meses de 1954 as receitas ordinárias excederam a soma das despesas ordinárias e extraordinárias em 793 milhares de coutos. Nota-se que já em igual período de 1953 se verificou excesso e que durante o resto do ano, por efeito de liquidações de fim de ano e outras operações, tal excesso desaparece, resultando que, praticamente, as receitas ordinárias estão a cobrir a soma das despesas ordinárias e extraordinárias.
Saldo da conta corrente do Tesouro no Banco do Portugal
(Em milhares de escudos))
(ver quadro na imagem)
(a) Valores calculados sobre os índices de preços por grasso do Instituto Nacional do Estatística. (Base - Junho, 1927 - 100).
56. Regista-se também o alto nível alcançado pelas disponibilidades do Tesouro no Banco de Portugal.
É de notar que nível de disponibilidades superior ao que se registou em 30 de Outubro de 1954 só se verificou, consecutivamente, de 1942 a 1946, inclusive.
Situa-se este período na conjuntura da guerra, que para nós se traduziu em período de engrandecimento de disponibilidades sem possibilidade de utilização uma vez que os centros de produção estrangeira não estavam em condições de nos abastecer. Além disso, nesse período, as características do meio circulante justificaram, ou impuseram mesmo, essa imobilização de disponibilidades por parte do Estado.
Nota-se, no entanto, que logo a partir de 1947 se entrou em período de grandes aplicações, devolvendo-se ao mercado os meios monetários que no período anterior foi necessário retirar-lhe.
De 1950 a 1954 as disponibilidades do Tesouro crescem incessantemente, e este crescimento não é imposto pela necessidade de manter-se a estabilidade financeira interna, nem favorece o clima de fomento económico em que o País vive.
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Preços
(ver quadro na imagem)
Nota. - Elementos fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística.
57. Os níveis dos preços têm-se mantido quase estabilizados, designadamente os dos preços no consumidor.
A descida em 1954 dos preços por grosso resulta exclusivamente de um dos grupos componentes do índice geral - o de bebidas -, cujo índice médio desceu de 143 em 1953 para 109 em 1954.
Tendências da conjuntura económica da Europa Ocidental
58. Apontadas algumas determinantes e vistos certos indicadores da situação da - economia do País, cabe agora fazer referência, ainda que necessariamente breve, à conjuntura - económica externa. Esta referência tem a maior importância: se sempre na economia de um país, seja ele qual for, se reflecte com maior ou menor intensidade o que se passa fora das suas fronteiras, para a economia portuguesa os movimentos externos têm valor decisivo. Somos um país dotado de fraco grau de auto-suficiência: do estrangeiro dependemos em muito do necessário à satisfação das nossas necessidades de consumo e ao aprovisionamento da indústria em
matérias-primas e equipamento; no estrangeiro também haveremos de colocar o grosso de muitas das nossas produções - metropolitanas - e ultramarinas - por isso que as possibilidades actuais de absorção pelo mercado nacional são pequenas e, em muitos casos, mesmo insignificantes. Acontece ainda termos disponibilidades de certos produtos e materiais que, se constituem sempre fonte de rendimento do País, em determinadas fases da política internacional se transformam em caudal de fácil e inesperada riqueza.
A nossa economia é, assim, particularmente sensível aos movimentos conjunturais externos.
59. A situação económica do bloco europeu, que constitui a zona de acção da Organização Europeia de Cooperação Económica (O. E. C. E.), melhorou substancialmente nos últimos dois anos, ultrapassando de longe os objectivos -então considerados audaciosos - que os países membros daquela Organização se haviam proposto em 1948.
O déficit da balança de pagamentos correntes da Europa Ocidental com a zona dólar foi ainda, no período de 1 de Julho de 1951 a 30 de Junho de 1952, da ordem dos 3,5 biliões de dólares ou 4 biliões, se não se tiverem em conta as despesas militares que naquele ano a América realizou na Europa.
Do Verão de 1952 ao Verão de 1954 esta situação alterou-se completamente: em 1952-1953 a balança de pagamentos correntes com a zona dólar atinge a posição de equilíbrio, só contarmos com as despesas militares da
_______________
1 Fontes: elementos estatísticos e trabalhos da O. E. C. E. (alguns dados estão ainda sujeitos à revisão resultante dos trabalhos em curso).
América que, naquele período, devem ter atingido cerca de 1 bilião de dólares.
Ao mesmo tempo quase todos os países encontram, embora com diverso grau de segurança, uma estabilidade financeira interna suficiente. As reservas de câmbio engrossam.
Em 1953 a produção agrícola da Europa foi superior em 20 por cento à produção de 1938, e, no que respeita à indústria, os níveis globais atingidos naquele ano situam-se 40 por cento acima do padrão de 1938.
No tocante ao comércio intra-europeu o seu volume era em 1953 superior em 50 por cento ao de 1938. Ao mesmo tempo, enquanto que as importações da América do Norte e do Centro se mantiveram aproximadamente iguais às de 1938, as exportações europeias para aquelas zonas atingem o índice 200, se àquele ano atribuirmos a base 100.
Pode dizer-se que, considerados no conjunto, os países da Europa Ocidental venceram a crise da guerra.
Foi isso devido a um esforço de cooperação internacional como não há memória de ter sido feito antes da instituição da O. E. C. E.
São estes resultados o fruto de virtudes próprias dos países europeus, acordadas te estimuladas pela ajuda material e técnica dos Estados Unidos.
Conhecida a situação presente, procuremos agora as tendências da sua evolução.
60. Não pode ignorar-se que, embora a ajuda Marshall haja terminado em
1952-1953, para a actual situação económico-financeira da Europa continuam a contribuir em muito as despesas militares que nela a América realiza.
Se estas despesas não são de classificar como ajuda, em certo sentido da palavra - por isso que, na sua maior parte, obrigam a uma contrapartida, em bens e serviços, fornecida pelos países europeus - não há dúvida de que elas se devem considerar recursos extraordinários e, por isso, temporários da Europa.
Dada a importância da posição relativa que estes recursos ocupam entre os factores que determinaram e sustentam a melhoria europeia, o primeiro problema que se põe, a quem deva descobrir os tendências da evolução próxima, é a determinação da permanência dos recursos extraordinários.
As informações de que dispomos permitem concluir, com relativa segurança, que estes recursos extraordinários, resultantes das despesas militares americanas na Europa, se manterão em alto nível nos próximos dois anos. E se daí em diante devem sofrer forte compressão, não desaparecerão completamente, porque são a consequência dos vínculos político-militares estabelecidos e cimentados entre a Europa e a América.
61. Ao mesmo tempo é hoje outro o potencial de produção da Europa, como muito maiores são as possibilidades de concorrência desta produção.
A primeira grande medida que, no plano de cooperação, os países da Europa Ocidental tomaram foi a libertação, em fases sucessivas, do comércio
intra-europeu e a criação simultânea, por ser condição de base, é um mecanismo de comunicação dos sistemas monetários nacionais - a União Europeia de Pagamentos. Declarou-se então como objectivo imediato a integração económica da Europa: um mercado único, vasto e estável, e a especialização das produções.
Não teve o movimento de integração o acolhimento franco que, sem dúvida, esperavam, pelo menos, os autores dos seus planos: Sticker, Petche e Pella. Contra a integração se levantaram, imponentes e passivas, aquelas muralhas que são uma das constantes da história da Europa.
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Mas, se não era de embarcar na aventura da integração económica, a inteligência mandava reconhecer a necessidade de produzir cada vez melhor e cada vez mais barato.
A liberalização do comércio intra-europeu, consentindo, de facto, que a indústria de cada país se organize em ordem a abastecer, não apenas o seu território nacional, mas o mercado europeu, por um lado, e, por outro, a imperiosa necessidade de ganhar dólares ou de vender nos mercados de terceiros países, produtores de matérias-primas de que a Europa não dispõe, permitiram e forçaram um movimento de melhoria da produtividade - sobretudo no campo industrial - que a alguns países lhes consente, já hoje, olharem de igual a igual a produção americana sua concorrente.
O esforço de governos e entidades privadas para a supressão de empresas marginais e constante melhoria de técnica de produção, se só nos países europeus mais desenvolvidos produziu já efeitos mensuráveis, é hoje em quase todos uma realidade que em breve remunerará - e de que forma! - o esforço e o capital nele investido.
O conhecimento deste facto é mais um dos factores em que assenta o prognóstico favorável ao progresso da economia europeia.
Muito há ainda a fazer: comparados, com base em 1938, os progressos da produtividade horária da mão-de-obra nos Estados Tinidos e na média dos países europeus estima-se que a melhoria nos Estados Tinidos é de cerca de 40 por cento, enquanto, considerada no seu conjunto, a Europa pouco melhorou de então para cá (este baixo nível médio é evidentemente provocado pelo peso dos países pouco desenvolvidos).
A mesma Europa tem, todavia, a encurtar-lhe a distância concorrencional que ainda a separa dos Estados Tinidos o facto de neste país terem progredido muito
mais as taxas de salários.
62. A estabilidade financeira, a melhoria das reservas, a acção dos Estados que conduzem ou estimulam o investimento no sentido dos sectores mais produtivos, aproveitando lição que se colhe no exame das alterações das correntes de comércio provocadas pela liberdade consentida às trocas intra-europeias, constituem expressões de saúde e são indicadoras de que a conjuntura económica da Europa tende não a manter-se na sua razoável situação presente, mas a melhorar.
63. E claro que, como ficou apontado, a situação actual resulta em parte de movimentos conjunturais. Esses movimentos, se nos dois últimos anos jogaram a nosso favor, podem de um momento para outro actuar «m sentido contrário.
64. Desejamos referir-nos, sobretudo, à evolução da procura mundial.
Nos dois - últimos - anos esta evolução foi nitidamente favorável à produção europeia.
Hoje - satisfeitas as necessidades extraordinárias de reconstrução e estabilizadas as despesas militares - é natural que comece a verificar-se e se acentue mesmo uma certa recessão na procura americana. E a balança comercial da Europa com os Estados Tinidos no 1.° semestre de 1954 é já prova disso, por quebra da exportação.
Os factores de progresso real que, atrás se apontaram, o muito que há ainda a fazer na Europa, em matéria do nível geral de vida e do nível da vida dos trabalhadores em especial, o esforço de desenvolvimento dos territórios ultramarinos, as possibilidades apresentadas pêlos mercados do resto do Mundo permitem encarar sem sobressalto essa tendência de diminuição da procura no mercado americano. Além de que uma certa baixa de preços provocada pela contracção dessa procura conduzirá a maiores possibilidades de aquisição dadas aos países que formam o Testo do Mundo.
65. Ao imaginarem-se as perspectivas da economia europeia, a curto prazo, não c de minimizar a influência que nelas pode ter a convertibilidade geral das moedas.
O tema está na ordem do dia. Mas quem conhecer as dificuldades reais que o problema põe e quem não ignorar os métodos de acção dos países membros da
O. E. G. E. nos últimos anos será tentado a afirmar que a convertibilidade geral não encontrará uma solução imediata. Antes de um estado de (convertibilidade de direitos viveremos fases de «convertibilidade de facto», a título experimental e preparatório: são fases deste tipo a União Europeia de Pagamentos, a libertação progressiva das trocas, a abertura no Reino Unido de mercados mundiais de matérias-primas (com pagamento em esterlino) e a primeira fase de liberalização do comércio com a zona dólar que se avizinha.
Todo este progresso nos habitua e nos aproxima do clima da «convertibilidade de direitos, onde não seria perigoso entrar sem zona de transição.
No entanto, o problema está posto e, se para nós não apresentará impossibilidades de ordem cambial e financeira, terá reflexos, que não poderemos ignorar, na produção e no comércio.
A convertibilidade e mesmo a sua fase de preparação impõem que se passe a raciocinar e a planear em termos de comércio mundial - e produção mundial, e não, como até agora, em termos de produção e comércio europeus. Esta mudança é a resultante lógica da convertibilidade e a resultante legal do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (G. A. T. T.), a que pertencem todos os países europeus com a excepção de Portugal e da Suíça.
Até hoje tem sido possível fazer aceitar pela Organização do O. A. T. T. uma zona europeia - a da O. E. C. E. -, onde as preferências se podem estabelecer sem que, por isso, os países membros do G. A. T. T. reclamem, nos termos da sua convenção, o benefício dessas preferências.
À face do artigo 14.° do estatuto do O. A. T. T. esta situação é muito mais de facto do que de direito.
E os países membros do G. A. T. T., mas não participantes na O. E. C. E., pedem o reforço daquele artigo.
O assunto discute-se em Genebra no momento em que estas notas se escrevem.
Se a corrente que defende o reforço do artigo 14.º do estatuto do G. A. T. T. vencesse inteiramente, esta vitória teria, sem dúvida, influência prejudicial sobre o volume e as características actuais do comércio intra-europeu: é que parte dos países europeus não poderá estender a todo o Mundo as facilidades que hoje concede aos membros dessa organização - mais restrita e onde as necessidades e as aspirações são comuns - a O. E. C. E.
A agudeza do problema acentua-se em face da possível entrada do Japão para o
G. A. T. T.
Para nós este aspecto do problema tem real significado: importa estarmos atentos e prepararmo-nos para vencer uma concorrência ainda mais dura no próprio mercado europeu.
66. O último aspecto a focar é o das pautas aduaneiras.
Tem sido possível até hoje manter na prática o princípio de que a reciprocidade - base de todos os compromissos assumidos na O. E. C. E. - em mate -
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ria de liberalização de comércio se mede apenas e ao quanto a percentagem efectiva de liberalização das trocas. E, dentro desta prática, foi possível a muitos países cumprirem as obrigações de liberalização, aumentando as pautas de importação.
Os países que formam o «grupo das tarifas moderadas», se sempre reagiram, começaram a pôr agora, com todo o rigor, a tese de que a reciprocidade se não deve medir apenas e só pela percentagem do comércio libertado, mas sim entrando também em linha de conta com os níveis de protecção tarifária.
E concluem pela necessidade de fazer restrições às exportações dos países que mantêm tarifas em nível que anula as facilidades por eles concedidas em matéria de abolição das restrições quantitativas.
Esta posição é reforçada pêlos compromissos e pela política seguida nos
G. A. T. T.
O problema terá a sua evolução lenta, mas alguma coisa obterão os países de baixo nível proteccionista.
67. Ficam apontados alguns aspectos da conjuntura económica da Europa, a que nós estornos tão intimamente ligados.
E não se precisará de ser optimista para se afirmar que a Europa não vive já uma fase de economia de recuperação. Essa fase ultrapassou-a, criando sólidas condições para se lançar numa economia de conquista.
Conclusões
68. Ao ponderarmos o significado dos indicadores, para um balanço económico do País, e ao termos em conta a situação e perspectivas da economia europeia
- que tão decisiva influência exerce na nossa vida interna -, seremos levados a concluir que se mantêm e se reforçam as condições sem as quais o bom senso não consentiria que se preconizasse a possibilidade e a vantagem de se imprimir ritmo mais acelerado aos movimentos da economia de realização em que o País está empenhado.
Quando se referiram algumas determinantes da evolução da economia portuguesa, na impossibilidade de as mencionar a todas, houve a preocupação de fazer ressaltar o papel de primeira grandeza que o Estado tem desempenhado como factor do progresso económico do País e, consequentemente, as responsabilidades que lhe cabem e caberão no rumo, atraso ou avanço excessivo que a esse progresso for dado.
Se a iniciativa privada é matéria-prima, ao Estado cabe orientá-la, incutindo-lhe aspirações e dando-lhe a consciência das suas funções sociais.
É hoje assim um pouco em toda a parte e terá de ser muito em Portugal enquanto os capitais privados gostarem mais de arrancar para a grande empresa quando estimulados e orientados pelo Estado.
Se a conjuntura interna e externa é de expansão, se o Estado precisa de continuar a desempenhar as funções de motor e condutor da iniciativa privada, pensa a Câmara Corporativa que o orçamento para 1955 deve e pode traduzir, mais acentuadamente do que os anteriores, uma política financeira e económica conforme às reais possibilidades e necessidades do País.
Reconhecemos que somos, quanto a potencial económico, ainda uma pequena nação e que a sorte ou desgraça da nossa economia não interessa muito aos outros países. Se nos lançássemos, por isso, em empresa mal preparada ou de envergadura superior às nossas posses e se do feito nos saíssemos mal, não há dúvida de que
não deveríamos então contar, para vencermos o embaraço, com uma ajuda externa, tão larga e solícita como aquela que temos visto dar aos países onde, pela sua grandeza ou posição, uma crise interna é sempre também uma crise dos outros.
Defendemos, por isso, a tese de que o Estado tem de ser prudente. O problema estará em não ultrapassarmos aquele ponto para além do qual uma excessiva prudência poderá diminuir a velocidade possível e aconselhável do desenvolvimento económico do País.
Conhecem-se as margens de segurança que o Governo utiliza nos seus cálculos orçamentais; ao mesmo tempo não são integralmente mobilizadas as possibilidades de crédito; também a carga tributária está longe do atingir o seu ponto de saturação: mais uma margem de segurança!
Do parecer - desta Câmara sobre a proposta pura 1954 reproduz-se o quadro seguinte, onde se dá conta dos resultados da comparação das receitas e despesas do Estudo em 1938 e 1952, corrigidas pelo índice de preços por grosso.
(Valores em milhares de contos de 1982)
(ver quadro na imagem)
69. Ao fazer estas referências e ao salientar o significado dos demais indicadores que constam do capítulo sobre a conjuntura económica do País pode supor-se que se pretende negar - a verdade de uma política cujos resultados estão à vista.
Nunca o parecer da Câmara poderia ter por objectivo esconder a própria evidência.
Há, no entanto, um aspecto do nosso raciocínio que importa esclarecer: uma política pôde ser imutável nos seus objectivos e na sua verdade - e deverá sê-lo sempre que for a própria expressão do interesse do País.
Mas a verdade de uma política não se sustenta e a sua continuidade não se garante actuando de forma igual sobre situações diferentes.
O que há de imutável na política do Governo é a sua determinação de garantir, custe o que custe, a estabilidade financeira interna; a verdade da sua política está na justeza com que estabeleceu a hierarquia dos problemas nacionais e na fornia como os equacionou e resolveu em ordem ao máximo aproveitamento das possibilidades. A verdade está ainda na sua tese de que não deve o País viver empenhado ou, pelo menos, que não há-de dever senão aquilo que pode pagar.
Estes e outros princípios que não apontamos, porque todos os sabemos de cor, são, em nosso entender, aquilo que na política do Governo tem valor permanente.
A realização destes objectivos impôs, em determinado clima político, moral e económico, uma técnica de extrema segurança: então, a ordem e a estabilidade financeira sustentavam o progresso moral e económico do País.
Pela virtude do sistema as condições do meio alteraram-se profundamente: criou-se uma administração eficiente, cimentou-se a estabilidade financeira, fomentou-se o progresso económico do País, numa palavra, venceu-se a fase de recuperação moral e material iniciada em 1928.
Por isso hoje o progresso do País não se prende só à estabilidade financeira - é ele próprio um dos mais firmes pilares de sustentação dessa mesma estabilidade.
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Maior elogio se não pode fazer à eficiência da técnica adoptada para certa conjuntura política e económica.
Agora, que essa conjuntura político-económica interna foi dominada e transformada, todo o problema se reduz, não a discutir a política, mas a determinar em que medida a técnica da sua execução deve, também, ser ajustada por forma a garantir a permanente realização do seu objectivo: máximo progresso dentro da justa apreciação das possibilidades.
É dentro deste critério de continuidade que a Câmara defende a necessidade de o Estado investir mais e de reforçar os despesas de muitos dos seus serviços, sobretudo daqueles que a seu cargo têm a assistência técnica à produção e ao comércio, bem como a preparação de técnicos e de mão-de-obra especializada.
É de supor, por isso, que o Orçamento Geral do Estado para 1955 traduzirá com maior nitidez ainda o aproveitamento das condições favoráveis existentes e previsíveis no momento da sua elaboração.
70. A execução do Plano de Fomento não deverá atingir no fim de 1954 as previsões iniciais.
Compreende-se que na fase de arranque se tenham encontrado as maiores dificuldades, sobretudo no tocante à solução de problemas técnicos.
E de esperar, no entanto, que o próximo ano seja um verdadeiro ano de recuperação.
Não estamos em face de um puro «plano de industrialização», onde os resultados são sempre mais aparatosos e rápidos, mas de um «plano de estrutura», simultaneamente dirigido ao desenvolvimento paralelo da actividade agrícola e industrial, plano a que, pelas suas características, se não poderá exigir uma reprodutividade imediata. Daí mais um motivo a justificar o voto de que se ganhe o tempo perdido - sem que isto signifique o sacrifício da prudência à celeridade.
71. Também, pelos motivos apontados, não é ainda o momento de tentar medir os reflexos da execução do Plano de Fomento na economia nacional.
72. Se somos forçados a reconhecer o atraso na execução do Plano, somos também conduzidos à verificação, bem consoladora, de que esse atraso em nada é devido a dificuldades de financiamento. Pelo contrário, prova-se que as possibilidades de financiamento excedem as previsões do Plano.
73. A par do planeamento das indústrias de base e das obras e empreendimentos que importam por si e pelas condições que criam ao aparecimento ou utilização de novas fontes de riqueza, numa palavra, a margem do Plano de Fomento tal como entre nós foi entendido e concebido, há todo um quadro de indústria velha e de indústria nova e de indústria futura que se espera aparecerá no País - a complementar a existente. O Plano - por que teve como objectivo dominante calcular o investimento possível ou conveniente e determinar a hierarquia das necessidades a satisfazer em prazo certo - não cuidou de definir uma política geral de produção - nem tinha que o fazer um plano deste tipo.
Há assim massa considerável de investimento privado, que se deverá pulverizar por um sem-número de unidades industriais - existentes e a existir.
O Estado poderia tomar uma de duas atitudes quanto a este investimento: ou não lhe fixar rumo ou definir-lhe uma orientação, sem que por ela se diminuísse a força criadora da iniciativa privada.
A adoptar-se um ou outro dos sistemas, o objectivo seria sempre o mesmo: a realização do interesse nacional, que não coincide necessariamente com o
interesse de determinado sector de produção, mas que se situa antes no ponto de equilíbrio de todos os interesses parciais.
Em nome do interesse nacional ou para realização do bem comum, a um clima de inteira liberdade do investimento privado deveria corresponder um clima de muito baixa protecção desse investimento.
Só assim - só fazendo actuar a concorrência como factor de selecção - se forçaria o investimento a dirigir-se para os sectores mais produtivos e se imporia à produção a necessidade de contínuo aperfeiçoamento e embaratecimento.
Somente, reconhecidas as características das estruturas dos diversos países e o seu diferente potencial económico, a adopção de um sistema deste tipo provocaria as maiores perturbações imediatas e imporia perdas de riqueza, sem dúvida irrecuperáveis.
O Governo adoptou, por isso, e muito bem, a política da protecção razoável ao trabalho nacional.
No entanto, pelo simples facto dessa protecção automaticamente se criou para o Estado o direito - diremos mesmo o dever - de intervir no investimento privado, orientando-o para os sectores mais produtivos e impondo ao trabalho nacional obrigações de permanente aperfeiçoamento.
Isto é, se o Estado deve limitar a concorrência pelo que ela pode representar de factor contrário ao total aproveitamento das fontes de riqueza do País, deve ao mesmo tempo garantir - por obrigações impostas ao trabalho protegido e por sistema adequado de fiscalização e assistência - a realização de tudo quanto de útil se contém nessa concorrência: a constante melhoria técnica e económica da produção.
Daí a necessidade da intervenção do Estado.
Entre nós essa necessidade claramente se afirma na lei da reorganização industrial, a Lei n.° 3005, de Março de 1945.
Nesse diploma encontra-se definida com precisão notável a posição do Governo em matéria de desenvolvimento industrial - desenvolvimento que se procura tanto pela reorganização da indústria existente como pela conveniente orientação dos nossos investimentos.
A lei, na sua grande visão do interesse nacional, não se limita a equacionar o problema da indústria em função da metrópole.
Na sua base XXVIII determina que o Governo promoverá o desenvolvimento das indústrias na metrópole e no ultramar em obediência ao pensamento de coordenação c unidade que deve orientar as suas relações recíprocas.
E, antecipando-se ao movimento de cooperação internacional no sentido da substituição das políticas de espaços económicos fechados pela política de abertura de mercados comuns de vastas dimensões - movimento em que Portugal participa -, a Lei n.° 2005 determina na sua base V os limites de protecção:
O Governo assegurará, por meio da organização e de providências adequadas, a defesa das actividades económicas contra a concorrência ilegítima.
Os preços não deverão, porém, exceder os dos produtos similares estrangeiros, salvo o caso de dumping ou de irremovíveis condições de inferioridade, tais como o custo das matérias-primas c a exiguidade dos mercados.
Em execução do disposto na Lei n.° 2005 se criaram comissões reorganizadoras da indústria, que constituem mais uma afirmação da política do Governo em matéria de orientação de todo o investimento.
Como confirmação recente do mesmo pensamento, poder-se-á citar a revisão do regime do condicionamento industrial.
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O Decreto n.º 39 634, de 5 de Maio de 1904, embora com alcance limitado às indústrias especificadas no quadro I anexo a esse decreto e em relação a material determinado no anexo n, estabelece, no § único do seu artigo 2.°, que as autorizações para os modificações ou ampliações de equipamento devem, em regra, impor a montagem de maquinismos inteiramente novos e, quando se referirem a ampliações, exigir a melhoria geral de instalação existente e um grau aceitável de modernização do estabelecimento ampliado.
E no preâmbulo do mesmo decreto diz-se que se inicia a orientação de substituir gradualmente o regime de condicionamento pela exigência, para o exercício da actividade, de condições mínimos de técnica, higiene e segurança, fixada em regulamento, indicando-se já as modalidades ou fabricos que poderão transitar em breve para o regime de liberdade de iniciativa.
Verifica-se assim que, embora para sectores determinados e a título transitório, o Governo vinca a necessidade de intervir na orientação do investimento privado.
Solução limitada, porque dirigida apenas ao apetrechamento técnico de sectores certos da produção. Uma orientação segura do investimento imporá, além da consideração daquele aspecto técnico, amplo estudo - económico do sector em causa, a fim de, tidos em conta a situação do mercado e os demais factores, se determinar dimensão conveniente à unidade fabril. Sem esse estudo de natureza económica, essa unidade fabril poderá estar modernamente equipada e, mesmo assim, produzir em condições inadequadas às características e possibilidades do mercado a que se destina ou se deveria destinar.
Com o mesmo objectivo de orientação do investimento privado, o Sr. Ministro da Economia nomeou, por portaria de Dezembro do ano findo, a Comissão reorganizadora da Indústria Metalomecânica e, já no ano corrente, a Comissão Reorganizadora da Indústria de Lacticínios da Ilha da Madeira.
Acontece somente que, até hoje, não vieram a lume, nem - foi dada força legal aos trabalhos de qualquer das comissões reorganizadoras da indústria; - também ns disposições citadas, se traduzem orientação que se aplaude, enquanto não forem convenientemente regulamentadas e executadas, não são suficientes para que possa afirmar-se ter-se definido claramente uma orientação geral ao desenvolvimento da indústria e terem-se criado os serviços ou institutos de - orientação, aos quais empresas - e capital se possam dirigir para ouvirem conselho.
E, na prática, vai-se consentindo que ganhe novas raízes a ideia de que o Governo não deseja intervir efectivamente na orientação do investimento a realizar por fora do plano.
De facto, se os serviços se não dotam convenientemente e se diplomas orientadores não surgem, começará entre nós a tomar foros de cidade um sistema misto, que, aliás, já vem de longe, e cujas consequências se afiguram graves: por um lado a inteira liberdade em muitos sectores consentida à iniciativa privada; por outro, uma espécie de obrigação, para o Estado, de proteger, através das pautas de importação, dos tabelamentos de preços, e quando não de total proibição da entrada de produtos similares, o trabalho nacional, pelo simples facto de ser nacional.
Vai-se assim criando um peculiar conceito de liberdade que, no campo da economia, se traduz pelo direito, que muitos se arrogam, de investir o seu dinheiro com a precipitação que entenderem, e pelo dever, que ao Estado se atribui, de promover o necessário para remediar os males dessa precipitação, sem prejuízo para os precipitados.
Cómodo conceito este seria de liberdade sem responsabilidade; de iniciativa sem risco!
Mas, se os capitais privados são nacionais, portugueses também são os consumidores, sobre quem, ao fim e ao cabo, recamam as consequências deste conceito (não falando já na repercussão que ele teria, também, no sector da exportação).
Poder-se-iam apontar vários sectores da indústria nacional - como a têxtil de algodão, por exemplo - onde se verifica uma espantosa coexistência de unidades modelares o de empresas marginais. Esta coexistência só é possível mantendo um clima de preços determinado em função dos custos dessas empresas marginais.
Ao referir, no seu parecer, a necessidade de definição de uma política industrial capaz de conduzir o investimento para os sectores mais produtivos; capaz de impor às empresas, que reclamam a protecção, obrigações de progresso constante, sem o qual essa protecção não será concedida; capaz de promover, no mais curto prazo e com o mínimo de prejuízos iniciais, a reorganização da indústria existente, em ordem ao desaparecimento das empresas marginais, a Câmara Corporativa outro objectivo não tem que não seja o de incitar o Governo à rápida concretização de uma política que está a ser por ele ensaiada.
Se o capital souber que só será protegido quando demonstrar ter estudado técnica e economicamente os empreendimentos em que vai investir-se e quando der provas de que está disposto a promover a constante melhoria das condições de produção, então os indústrias surgirão, desde o seu nascimento, em condições que pagam a pena de protegê-la.
Sem dúvida que, para uma conveniente orientação do investimento, se impõe a criação, só possível com o auxílio do Estado de laboratórios e centros de estudo e informação técnica e económica, a que a indústria possa recorrer sempre e em condições compatíveis.
A palavra produtividade soa, por vezes, irritantemente a luxo de novo rico e está muito em voga. Terá talvez contra si tudo isso. Mas o que nela se contém é velho e é verdadeiro e é imperativo: produzir cada vez melhor e mais barato aquilo que o mercado está em condições de consumir.
A evolução da economia do Mundo impõe-nos, se não quisermos correr riscos graves, nomeadamente no tocante à nossa exportação, a melhoria da capacidade concorrencial do nosso trabalho.
Esta Câmara esclarece que não é contrária, antes favorece toda a protecção ao trabalho nacional, sempre que ela seja imposta pela necessidade de reorganização e readaptação da indústria existente, requerida em nome da natural fraqueza das empresas bem nascidas mas em formação, e ainda quando ditada pela limitação do mercado ou por desvantagem não anulável de outros factores em relação a países altamente industrializados.
Esta Câmara só é contrária à protecção quando ela se traduza em incentivo à ineficiência permanente.
74. Se devemos aspirar a que, pelo menos, certos e grandes sectores da nossa indústria se preparem para produzir com vista ao mercado internacional (e outros países em condições análogas o fazem com êxito), não há dúvida de que a existência de um mercado nacional suficientemente vasto é a melhor garantia de estabilidade oferecida à produção.
Ao apontar-se a evolução da nossa balança de comércio foi sublinhada, pelo seu particular interesse, a tendência, que parece ganhar nitidez, de um aumento dos fornecimentos da metrópole ao ultramar e, em consequência desses fornecimentos, a possibilidade de maio-
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res saldos favoráveis da balança de comércio do ultramar com o estrangeiro.
Se esta tendência persistir perderão interesse e serão mesmo errados quaisquer estudos que se façam ou projectos que se estabeleçam assentes na evolução da balança do comércio da metrópole com o estrangeiro, por um lado, e do ultramar com o estrangeiro, por outro lado.
O que haverá é uma realidade diferente e bem mais consoladora: uma só balança comercial de tipo triangular - metrópole-ultramar-estrangeiro.
Desde já importa que o comercio metropolitano se habitue a fornecer o ultramar, conhecendo cada vez melhor os seus gostos, as suas necessidades e a maneira de tratar. O que importa é que a indústria metropolitana se prepare para, sem prejuízo do consumidor ultramarino, permitir ao comércio substituir por nacionais muitos dos produtos estrangeiros que para as nossas províncias são enviados.
Haverá dificuldades e lutas de interesses; mas os números provam que o caminho está aberto a um grande e seguro alargamento do mercado oferecido à indústria metropolitana.
Seria conveniente que fossem feitos estudos no sentido de favorecer e fixar essa tendência, anulando todos os obstáculos que a ela se oponham, e que podem ter por origem os transportes, as características de produção, a propaganda comercial e a política aduaneira.
75. O escoamento de alguns excedentes da nossa produção metropolitana para o estrangeiro apresenta dificuldades e os volumes de exportação são hoje inferiores ao que foram já.
É certo que a actual composição dos nossos excedentes exportáveis precisa ser melhorada.
Mas não menos certo é também que muito da quebra ou do não desenvolvimento da nossa exportação se deve à deficiência da propaganda no estrangeiro, às características da produção e à técnica de comerciar.
É entre nós vulgar a ideia de ser função do comércio impor ao estrangeiro o consumo dos produtos no estado em que mais fácil nos é produzi-los, embalá-los e apresentá-los.
Teremos que mudar de mentalidade se quisermos vender o que não pudermos consumir em casa.
As campanhas, contínuas e intensas, de propaganda no estrangeiro são indispensáveis. Alguma coisa se tem feito nesse sentido. E muito mais ainda deve ser consentido ao Fundo de Fomento de Exportação que faça.
Mas para se fazer propaganda, com utilidade, é necessário dispor dos produtos anunciados em volumes comerciáveis, com a garantia de tipos constantes, embalados e preparados segundo o gosto ou, mesmo, o capricho do consumidor que os haja de pagar.
O fomento da exportação terá assim, em alguns sectores - as frutas e os vinhos, por exemplo -, de começar por uma acção intensa junto da produção; e terá, em todos os casos, de cuidar da criação de uma técnica de comerciar, nela se compreendendo os problemas da calibragem, embalagem e demais actos inerentes à apresentação do produto.
Isolados, não podem nem sabem o comércio e a produção resolver os problemas que se lhe apresentam.
Criou o Governo os organismos de coordenação económica e o Fundo de Fomento de
Exportação.
O muito que o Governo realizou já através destes serviços permite-nos a certeza de que certos aspectos desfavoráveis de exportação serão mudados desde que, definida firmemente uma política a prazo longo, o Governo utilize a enorme capacidade de acção da máquina que em boa hora montou.
76. Se fechamos com optimismo o capítulo sobre a evolução da economia europeia, com igual sensação de confiança se terminam estas notas sobre a conjuntura económica do País.
§ 3.º
A lei de autorização de cobrança dai receitas e pagamento das despesas
77. O artigo 91.° da Constituição fixa, no seu n.° 4.º, os limites da intervenção da Assembleia Nacional em matéria de Orçamento, quando estabelece que lhe compete «autorizar o Governo, até 15 de Dezembro de cada ano, a cobrar as receitas do Estado e a pagar as despesas públicas na gerência futura, definindo na respectiva lei de autorização os princípios a que deve ser subordinado o Orçamento, na parte dos despesas cujo quantitativo não é determinado em harmonia com as leis preexistentes.
78. Não paga a pena relembrar agora as causas que levaram à adopção deste sistema, tão diferente do regime constitucional que vigorou - e tão mal - antes de 1933.
Essas causas todos as conhecem, como ao alcance de todos estão, também, números e realidades, que permitem avaliar, sem risco de erro, o resultado da política orçamental (só esta agora interessa considerar) ao longo de vinte e tantos anos já vividos.
79. Mas se os resultados em si são indiscutíveis, não será já sem discussão que se poderá fixar a parte que desses resultados se deva levar a crédito do sistema estabelecido no n.° 4.° do artigo 91.º da Constituição.
Por nós, temos que o actual sistema da lei de autorização - assenta num pressuposto e tem - por certo que ele se verificará sempre: a clarividência do Governo que organiza o Orçamento.
Manda a verdade reconhecer que esta hipótese não deixou de verificar-se desde 1928. A ela, muito mais que ao mérito do mecanismo previsto no n.° 4.º do artigo 91.° da Constituição, se devem os ganhos do País neste quarto de século.
80. Para efeitos de discussão e votação pela Assembleia Nacional, a Constituição divide o sector das despesas em duas zonas e fixa para cada uma tratamento conforme à sua natureza: de um lado, as chamadas despesas certas - aquelas cujo quantitativo é determinado em harmonia com as leis preexistentes; de outro lado, as chamadas despesas variáveis - aquelas em que se traduz, ano a ano, a política económica, social, cultural, de defesa e segurança, numa palavra, aquelas despesas que são, a um tempo, factores de marcha e indicadores do sentido em que o Governo dirige o desenvolvimento moral e material da Noção.
81. As receitas e as despesas certas que se acantonam na primeira zona decidiu a Constituição afastá-los da discussão parlamentar no momento em que a Assembleia deve apreciar e votar o proposta de lei de autorização. E não se vê que melhor caminho pudesse ter sido trilhado: no curto espaço de tempo disponível para o estudo e votação do proposta de lei de autorização não teria a Assembleia nem justo interesse, nem tempo, nem serenidade, paro apreciar todos os anos o que se tem por automático e certo, e é o resultado da aplicação de leis preexistentes. De resto, não nas vésperas do fecho do orçamento e em função dele, mas ao longo do período de normal exercício das suas funções, a Assembleia Nacional poderá ter oportunidade de alterar essas leis «preexistentes», que dão origem às chamadas receitas e despesas certas.
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82. Já completamente diferente é o que se passa na zona das despesas variáveis, justamente porque elas não são a expressão fatal de leis preexistentes.
É a esta zona de despesas que, pela sua grandeza e pela repercussão que terá na vida do País, a Constituição limita o exame da Câmara Corporativa e as discussão e votação pela Assembleia Nacional.
83. O conteúdo da proposta de Lei de Meios deveria permitir a realização deste objectivo.
Acontece, porem, que, segundo a letra do n.° 4 do artigo n.º 91 da Constituição, àquela lei apenas cabe definir os princípios a que deve ser subordinado o orçamento, na parte das despesas cujo quantitativo não é determinado de harmonia com as leis preexistentes.
A experiência de vinte e duas propostas de leis de autorização demonstra que a simples enunciação dos princípios não basta para que a Câmara Corporativa e a Assembleia Nacional possam colaborar - utilmente e solidarizarem- e com o Governo na hierarquização das necessidades que as grandes despesas variáveis devem satisfazer.
Se no mecanismo do artigo n.º 91, n.º 4, da Constituição a votação da proposta de lei de autorização corresponde a um voto de confiança dado pela Assembleia ao Governo, manda a verdade dizer que sempre o Governo - e de que nobre e útil maneira! - soube corresponder a esse voto de confiança. Esta verificação não impede, todavia, de pensar que de uma mais íntima colaboração entre a Camará, a Assembleia e o Governo possa e deva resultar a possibilidade de se definir ainda melhor o critério de realização das despesas que, nos termos do n.° 4 do artigo n.º 91 da Constituição, não pode o Governo efectuar antes de terem, em princípio, sido aprovadas pela Assembleia Nacional.
84. Este problema foi focado em vários pareceres da Câmara Corporativa sobre a proposta de Lei de Meios, nomeadamente nos pareceres de 1948, 1949 e 1950.
Emitiu então a Camará o voto de que, em momento julgado oportuno, o actual sistema constitucional seja revisto por forma que a proposta de lei de autorização concretize a orientação que o Governo se proponha seguir em matéria dos chamadas despesas variáveis.
85. Independentemente desse voto de revisão do preceito constitucional, julgo-se que o Governo teria maneira de conhecer o pensamento da Câmara Corporativa e o da Assembleia Nacional sem que, todavia, os pontos de vista desta última se traduzissem em determinações revestidas da força da lei. Bastaria, para tanto, que, em relatório a acompanhar a proposta da Lei de Meios, o Governo fizesse o exame da conjuntura em que o orçamento foi organizado e das tendências daquela em que se executará, dando conhecimento das hipóteses de base com que trabalhou e expondo os motivos que o levam a adoptar certa política financeira e a determinar o volume e a hierarquia dos grandes despesas a realizar com o fomento económico, a cultura, a ordem e segurança, etc.
Assim, a par da finalidade actual da Lei de Meios - pura autorização para cobrar as receitas e pagar as despesa -, obteria o Governo, sem carácter vinculaste, o parecer da Câmara e o pensamento da Assembleia sobre a zona do Orçamento que hoje constitui um dos maiores centros de propulsão e de orientação da vida do País.
86. acontece que hoje o problema está simplificado com a existência do Plano de Fomento. Neste campo, bastaria apresentar as alterações que as circunstâncias, internas e externas, levam a introduzir-lhe, em cada ano, em ordem a que o Plano se não sobreponha u realidade, mas seja, momento a momento, a sua melhor e possível expressão.
Quanto ao mais - nunca o Governo se furtou a dar público conhecimento da forma como gere os negócios do Estado.
87. a Câmara é, assim, conduzida a pensar que, mesmo dentro do regime em vigor, se poderia encontrar fornia prática de tornar mais útil o seu parecer sobre a Lei de Meios: o problema, afinal de contas, reduz-se ao julgamento, pelo Governo, da vantagem de facultar no momento da elaboração do parecer elementos -que mais tarde divulgará.
& 4.º
A proporia de lei de autorização para 1955
88. Ao examinarmos as propostas de lei de autorização apresentadas nos últimos anos verificamos que essas propostas contêm disposições que dizem directa e imediatamente respeito à matéria e aos objectivos constitucionais da lei de autorização e disposições que era nada ou só indirectamente se ligam aos fins assinados àquela lei.
Na verdade, as disposições deste último tipo ou se relerem a matéria em que o Governo é já competente, por força do texto constitucional e das demais leis em vigor, ou enunciam simples programas de estudo ou de trabalho.
No primeiro caso não há que inseri-las no projecto de lei, dado que a Assembleia Nacional não tem que autorizar o Governo a fazer aquilo que ele já pode e deve fazer no normal exercício das suas atribuições de bom gestor administrativo e financeiro. No segundo caso, e para os objectivos da Lei de Meios que a Câmara vai examinar e a Assembleia Nacional discutir e votai -, o que interessa é a concretização da orientação que o Governo se propõe em matéria de receitas e despesas e não a notícia dos trabalhos preparatórios que ao Governo cabe realizar para com acerto definir e propor essa orientação.
Outras disposições deste tipo fixam obrigações cujo termo se situa fora do período de vigência da lei; daí, para não serem inúteis, a necessidade de as repetir em sucessivas propostas.
A Câmara entende que o conteúdo destas disposições interessa - e por vezes muito - quer na medida cm que dá a, conhecer a orientação que o Governo a si próprio se impõe, em determinados sectores da sua gestão administrativa, quer na medida em que revelam o andamento dos estudos preparatórios de medidas de interesse transcendental para a vida do País - a política fiscal, a política de crédito, por exemplo -, medidas que, essas sim, podem com propriedade constituir objecto da Lei de Meios.
Considera, no entanto, a Câmara que o conteúdo destas disposições melhor estaria, com o caracter de informação, em relatório da proposta de lei.
89. o equilíbrio do Orçamento e das Contas Públicas não resulta apenas de uma imposição constitucional. E uma verdade nascida e renascida vinte e sete vezes: como que se transformou em norma da consciência do País e em determinação do seu orgulho.
Esse equilíbrio deve ser construído por forma a não prejudicar desnecessariamente o dinamismo do Orçamento, mas, antes, a favorecê-lo.
90. a compressão de despesas continua ainda a ser característica dominante da presente proposta de lei.
Ressalta esse objectivo de várias disposições da proposta, nomeadamente dos artigos n.º 3, n.º 8 e n.º 12.
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Compreende-se e louva-se a constante preocupação que o Sr. Ministro das Finanças sente de bem utilizar os dinheiros públicos.
Mas este objectivo de poupança há que interpretá-lo utilmente.
Nas longas considerações que se fizeram a propósito da conjuntura económica salta, clara, a convicção em que se está de que o Estado, sem que por isso minimize o campo da iniciativa privada, precisa cada vez mais de intervir na orientação do progresso do País.
E essa intervenção e essa orientação não pode o Estado fazê-la e dá-la se não possuir serviços capazes de dominarem com segurança os problemas de complexidade crescente que se lhes apresentam.
Os serviços de assistência à lavoura e à indústria, os serviços económicos e os serviços de preparação de técnicos, por exemplo, precisam ser larga e particularmente dotados, por deles depender muito do êxito da política de fomento em que estamos empenhados.
Mantendo-se a conjuntura de boa cobrança de receitas, atingindo a posição da Tesouraria - no período anual que sempre lhe é mais desfavorável - altíssimo nível, parece que a preocupação dominante na proposta de lei deverá ser a mais alta eficiência e não o menor dispêndio dos serviços.
Desnecessário é dizei que se não defendem gastos supérfluos ou sumptuários: não se preconiza o esbanjamento. Sustenta-se que as condições permitem ao Governo procurar a mais alta eficiência dos serviços deu -, troo da - economia possível, em lugar de lhes impor que se resignem à eficiência possível dentro da mais drástica economia.
O Estado está em condições de economizar gastando mais.
O teor de algumas propostas de redução c controle das despesas dos serviços encontrará, sem dúvida, o melhor acolhimento em parte do público. Não se sabe, no entanto, se essa vantagem política não será anulada pêlos riscos que se correm fornecendo ao mesmo público elementos que, numa apreciação descuidada ou mal intencionada, lhe permitam apoiar erradas especulações sobre os gastos que a Administração tem consentido aos seus serviços.
Não se esqueça que estas propostas se transformam em determinações da Assembleia Nacional ao Governo, sobre matéria em que ele está habilitado a actuar, pela simples obrigação que assumiu de administrar bem.
91 a política de compressão de despesas é na presente proposta de lei, como, aliás, em anteriores, tornada extensiva, por forma expressa, aos organismos de coordenação económica e aos organismos corporativos (artigo n.º 13, único).
As duas organizações de coordenação económica e corporativa- e refere ainda o artigo n.º 8 da proposta, vedando-lhes o aumento de receita por criação ou agravamento de taxas sem expressa concordância do Ministro das Finanças, sob parecer da comissão criada no artigo n.º 7 da Lei n.° 2 059.
Nenhum reparo pode merecer o facto de se tornar extensivo aos organismos de coordenação económica o regime que for adoptado para os serviços públicos.
Embora a sua natureza jurídica não tenha, até hoje, sido bem definida, e, já agora, não é natural que venha a sê-lo antes de criadas as corporações, a verdade é que doutrina e jurisprudência são conformes em reconhecer - lhe a natureza de serviços públicos personalizados ou institutos públicos órgãos descantalizados da Administração para a gestão económica.
Têm estes organismos autonomia financeira e receitas próprias, constituídas por subsídios do Estado, por contribuição dos organismos corporativos ou actividades interessadas, por taxas cobradas pela própria alfândega, sobre a importação e a exportação de produtos, por multas e por quaisquer outros rendimentos legalmente autorizados.
Como os serviços do Estado, também estes organismos se acham sujeitos à prestação jurisdicional de contas e a regras idênticas às da contabilidade pública, na medida em que a sua natureza - o consinta (Decreto-Lei n.° 29, n.º 49, de 10 de Outubro de 1938).
Não levanta quaisquer dúvidas, portanto, a extensão a estes organismos dos regimes definidos pura os serviços públicos.
Não é tão clara a posição no que se refere os organismos corporativos, a quem cabe a representação dos interesses das várias categorias económicas e profissionais.
Os organismos corporativos puros - os chamados organismos facultativos -, esses, pelo menos, deveriam ter regime diferente.
A orientação de os englobar a todos para efeitos da sua sujeição aos regimes estabelecidos pura os serviços públicos, mão é de agora: vem de longe.
Não cabe, num parecer sobre a lei de autorização, apreciar as vantagens e os inconvenientes desta orientação. Apenas se regista, por ser ela um indicador da evolução que, também entre nós, parece virão a sofrer os princípios base da organização corporativa.
Mas, por isso que a fala em compressão e na proposto, de Lei de Meios se tratam problemas referentes os fontes de receita da organização de coordenação económica e corporativa, afigura-se-nos que será este parecer da Câmara Corporativa o lugar próprio para publicar pela primeira vez as contas da organização - contas que todos os anos são julgadas e apreciadas pelo Tribunal de Contos, no caso dos organismos de coordenação económica, e pelo Ministro da Economia, que as vê depois de apreciadas pêlos serviços da Comissão de Coordenação Económica, no coso dos organismos corporativos.
A apresentação das contas e os resumidos comentários que se fazem têm apenas por objectivo permitir, a quem quer que seja, aperceber-se do encargo que, para o conjunto das actividades económicas, representa u manutenção da organização, ou seja: permitir a noção aproximada do custo dos serviços prestados pêlos organismos.
Este conhecimento interessa para bem se - medir o alcance da disposição do artigo n.º 8 da proposta de lei em exame.
Até hoje a Câmara e a Assembleia Nacional de poucos elementos dispunham para além do quadro que nos últimos anos tem sido inserto no preâmbulo do Orçamento Geral do Estado, quadro que, não sendo acompanhado de notas explicativas, embora bem organizado, dificilmente permite a formação de juízo sobre o custo da organização.
92 nos mapas anexos N.º I a IV apresentam-se as receitas e despesas realizadas no ano de 1953 dos organismos de Coordenação económica e corporativos, conformidade com a classificação adoptada para os respectivos orçamentos no mapa n.° 11 do preâmbulo do Orçamento Geral do Estado (divisões A e B).
Os organismos de coordenação económica encontram-se totalmente representados nas relações elaboradas, salientando-se que, relativamente a doía dependentes do Ministério do Ultramar - Juntas de Exportação do Algodão e do Café -, alguns dos números referentes às despesas são provisórios, devido às condições espe -
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ciais em que estes organismos exercem a sua actividade no ultramar, mas pouco deverão afastar-se dos que venham a figurar nas respectivas contos de gerência.
Quanto aos a organismos corporativos, foram abrangidos apenas os dependentes do Ministério da Economia, exceptuados os grémios da lavoura.
Como se tem em vista o confronto entre as receitas e despesas que deverão considerar-se efectivas e as verbas que, por força das regras orçamentais em vigor, têm representação nos orçamentos, parecem, no entanto, suficientes os números rotativos aos organismos contemplados.
Na verdade, é nos orçamentos desses organismos que encontraremos operações - adiante referidas - que não traduzem movimentos de réditos e encargos da organização, mas' que, por força do princípio da uni- versatilidade, têm necessariamente de ser levados no Orçamento, elevando os quantitativos globais orçados a valores enormes. Os orçamentos dos organismos cuja contas agora se apresentam -todos os organismos de coordenação e grande parte dos organismos corporativos- correspondem a n.º 95 por cento do valor total citado no mapa n.° II do preâmbulo do Orçamento Geral do Estado.
N.º 93. Dos mapas atrás indicados elaboraram-se os quadros I e II , que nos dão, em resumo, a seguinte expressão dos movimentos totais dos organismos representados:
Receitas .......... 5.100:449.864$00
Despesas .......... 4.976:923.700$00
Saldo .......... 123:526.164$00
QUADRO I
Receitas
(Ver quadro na imagem)
QUADRO II
Despesas
(Ver quadro na imagem)
Estes números não .permitem avaliar dos encargos realmente suportados pêlos organismos e do quantum das suas receitas efectivas no ano económico de 1953.
Na verdade, e em obediência ao princípio da universalidade orçamental, figuram nas verbas indicadas importâncias relativas a pagamentos e recebimentos sem repercussão integral na situação patrimonial própria dos organismos - «Operações de crédito», «Abastecimento e defesa económica», («Receitas consignadas» e
«Pagamentos por consignação de receitas»).
Ora os empréstimos contraídos, a realização de financiamentos e as restituições de uns e outros, a compra, venda e transformação de produtos para regularização do mercado, e as importâncias recebidas para entrega u outras entidades («Receitas consignados» e «Pagamentos por consignação de receitai»), não podem ser tomados como receitas e despesas efectivas dos organismos.
Nestas condições, elaborámos os quadros III e IV, onde dos totais globais das receitas e despesas, já referidos, deduzimos os quantitativos da natureza indicada.
QUADRO III
Organismos de coordena-lo económica
(Na sua total)
Receitas totais. ............... 1.101:830.749$00
Parcelas a retirar:
Operações de crédito . . ............... 397:155.041$00
Abastecimento e defesa económica. ...... 332:731.138$00
Receitas consignadas........................106:210.468$00
836:096.642$00
Receitas próprias ........................... 265:734.107$00
Despesas totais ........................................ 1.069:243.171$00
Parcelas a retirar:
Operações de crédito . .................. . 369:121.458$00
Abastecimento e defesa económica. ...... 373:481.501$00
Pagamentos por consigna-
ção de receitas . . . ................ 101:173.509$00 843:776.468$00
Despesas próprias ..................................... . 225:466.703$00
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QUADRO IV
Organismos corporativos
(Organismos dependentes do Ministério da Economia, com excepção dos grémios da lavoura)
Receitas totais ............... 3.998:619.115$00
Parcelas a retirar:
Operações de crédito .......... 1.209:478.342$00
Abastecimento e defesa económica. .................... 2.352:983.794$00
Receitas consignadas........... 230:110.771$00
3.792:572.907$00
Receitas próprias .............................. 206:046.208$00
Despesas totais ............................... 3.907:680.529$00
Parcelas a retirar:
Operações de crédito .......... 1.157:070.906$00
Abastecimento e defesa económica. .................... 2.342:788.072$00
Pagamentos por consignação de receitas ................... 227:509.935$00
3.727;373.913$00
Despesas próprias .............................. 180:306.616$00
Como resultado das rectificações temos:
Receitas próprias:
Organismos de coordenação
económica......................... 265:734.107$00
Organismos corporativos........... 206:046.208$00
471.730 315000
Despesas próprias:
Organismos de coordenação
económica......................... 225:466.703$00
Organismos corporativos........... 180:306.616$00
405.773 319$00
Diferença ....................................... 66:006.996$00
Esta diferença só aparentemente pode ser considerada um somatório de saldos de exercício, porquanto há que ter em conta a constituição -de fundos corporativos, de assistência e outros, com finalidades específicas determinadas nos diplomas orgânicos.
De notar ainda que a receita obtida está influenciada pela utilização de «saldos de gerências anteriores», mo total de 46:658.322$, muitas vezes aplicados em medida superior à necessária para equilibrar as receitas com as despesas.
O facto resulta de determinados organismos, que possuem «fundos» afectos a fins expressos, elaborarem orçamentos próprios para estes, dentro do orçamento geral, donde resultam apuramentos de saldos independentes.
94. Fica assim definido o custo da organização.
As verbas que ela movimenta - e que exprimem serviços prestados ao País ou, especificadamente, às actividades económicas que orientam- nem de longe dão ideia, mesmo assim, do enorme trabalho da organização, no fomento de produção e garantia da sua qualidade, na regularização do mercado e no fomento da exportação.
Mas o problema não está no custo da organização, suportado pelas actividades que dela se servem. O problema está em saber em que nível de despesa a organização poderá dar o seu mais alto rendimento. O encontro desse nível óptimo deverá ser a preocupação maior da comissão encarregada da revisão das receitas dos organismos de coordenação económica e corporativos.
Nada poderá, traduzir-se em maior encargo para as actividades económicas do que ir reduzindo, ano a ano, as possibilidades de acção dos organismos.
Nada poderia ser mais grave e erróneo, económica e politicamente, do que, por falsa ideia de poupança, reduzir esses organismos à situação de apenas disporem do suficiente para ... existirem.
Já outro problema é o de ao cabo de tantos anos de experiência ser necessário proceder a uma revisão dos organismos existentes, em ordem à fusão de uns e à possível criação de outros e em ordem também a uma melhor delimitação dos campos onde actuem as direcções-gerais do Ministério da Economia e os organismos de coordenação económica.
Mas não é aqui o lugar próprio para erguer o problema.
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98 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 56
MAPA I
Organismos de coordenação económica
Receitas
(Ver quadro na imagem)
(a) Inclui receitas próprios o de fundos.
(b) Inclui receitas cobradas na metrópole e no ultramar.
(c) Representam, em geral, com as correspondentes colunas da despesa, o movimento de utilização e amortização de empréstimos contraídos em entidades bancárias e destinados a operações reembolsareis de abastecimento e defeca dos mercados.
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MAPA II
Organismos de coordenação económica
Despesas
(a) Inclui despesas próprias e de fundos.
(b) Inclui o suplemento de vencimento.
(c) Representam, em geral, com as correspondentes colunas da receita, o movimento do utilização e amortização de empréstimos cont
(d) Inclui despesas realizadas na metrópole e no ultramar.
[Ver Tabela na Imagem]
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MAPA III
Organismos corporativos
Resultados
(Ver quadro na imagem)
(a) Inclui receitas próprias e de fundos corporativos.
(b) Representam, na sua quase totalidade, com as correspondentes colunas da despesa o movimento de utilização de empréstimos contraídos em entidades bancárias e destinados a operações reembolsáveis de abastecimento e defesa dos mercados ou de financiamentos às actividades produtoras.
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MAPA IV
Organismos corporativos
Despesas
[Ver Mapa na Imagem]
(a) Inclui despesas próprias e de fundos corporativos.
(b) Inclui suplementos e subsídios.
(c) Representam na sua quase totalidade, com as correspondentes colunas da receita, o movimento de utilização e amortização de empréstimos contraídos em entidades bancárias e destinados a operações reembolsáveis de abastecimento e defesa dos mercados ou de financiamentos às actividades produtoras
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II
Exame na especialidade
I
Autorização geral e equilíbrio financeiro
ARTIGO 1.º
95. O artigo 1.° da proposta de lei é a reprodução do artigo 1.° da lei de autorização para 1954:
E o Governo autorizado a arrecadar em 1955 as contribuições e impostos e demais rendimentos e recursos do Estado, de harmonia com os princípios e as leis aplicáveis, e a empregar o respectivo produto no pagamento das despesas legalmente inscritas no Orçamento Geral do Estado respeitante ao mesmo ano.
Tal como se encontra redigido, o preceito é o próprio cumprimento do disposto no artigo 91.°, n.° 4.°, da Constituição.
Não carece de elucidação nem merece reparos.
ARTIGO 2.º
96. O artigo 2.º da proposta é a exacta reprodução do artigo 2.° da Lei
n.° 2 067. Preceitua:
Durante o referido ano ficam igualmente autorizados os serviços autónomos e os que se regem por orçamentos cujas tabelas não estejam incluídas no Orçamento Geral do Estado a aplicar as receitas próprias no pagamento das suas despesas, umas e outras previamente inscritas em orçamentos devidamente aprovados e visados.
A sua actual redacção provém de uma proposta da Câmara Corporativa feita sobre o projecto de lei de meios para 1951.
Nada há a objectar quanto a esta disposição, que, aliás, tem sido discutida em vários pareceres da Câmara.
97. O exame do preceito pode, no entanto, levantar dúvidas quanto ao seu campo de aplicação.
Da história da disposição e do exame dos pareceres sobre ela emitidos parece resultar nunca ter sido intenção dos legisladores abranger, pelo disposto no
artigo 2.°, mais do que os serviços autónomos cujo orçamento é publicado na parte complementar do Orçamento Geral do Estado.
Também, ao falar-se em serviços autónomos, sempre se deve ter tido em mente uma classificação convencional daqueles serviços, que hoje abrange apenas o Fundo de Fomento Nacional, a Emissora Nacional de Radiodifusão, a Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, os Hospitais Civis de Lisboa, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, a Administração-Geral doa Correios, Telégrafos e Telefones, a Administração-Geral do Porto de Lisboa e a Administração dos Portos do Douro e Leixões, e não uma classificação resultante de um conceito -doutrinário de autonomia.
O objectivo da proposta de modificação feita pela Câmara Corporativa em 1950 foi o de estender a aplicação do preceito a todos os serviços com orçamento na parte complementar do Orçamento Geral do Estado, e não apenas aos correios, telégrafos e telefones e à Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, interpretação que constava do parecer da Câmara de 1949.
Na verdade, diz-se no parecer de 1950:
A interpretação que fazemos do artigo em análise é no sentido de a autorização abranger os serviços que se regem por orçamentos não incluídos na parte substancial do Orçamento Geral do Estado. Por isso sugerimos no final uma redacção para este artigo mais conforme com o pensamento que certamente o ditou.
O problema que se punha anteriormente e que se procurou agora resolver com a diferente redacção adoptada era o seguinte:
Sabe-se que os serviços autónomos, regra geral, não têm as suas receitas e despesas incluídas na parte substancial do Orçamento Geral do Estado. Os seus orçamentos constituem a chamada «parte complementar do Orçamento Geral».
Ora acontece que a nomenclatura ou classificação dos serviços autónomos se presta a confusões. Se é certo que as respectivas leis orgânicas claramente indicam a sua especial natureza, a verdade é que na prática nem sempre se tem verificado a necessária harmonia, neste particular, entre o mapa que habitualmente se anexa ao decreto orçamentei e que aos serviços autónomos se refere e a parte do orçamento subordinada ao título genérico «Desenvolvimento dos orçamentos das receitas e despesas dos serviços autónomos para o ano económico de ...».
Pretende-se agora que deixem de subsistir dúvidas quanto à extensão da autorização no tocante aos serviços autónomos nas condições atrás focadas. A inovação visa, evidentemente, à obtenção de uma completa harmonia no conteúdo orçamental, com observância das duas regras do artigo 63.° da Constituição: o orçamento deve conter a totalidade das receitas e despesas públicas - regra da universalidade; o orçamento deve ser um só, embora com uma parte substancial e outra complementar - regra da unidade.
No entanto, tal como se encontra redigido, o artigo 2.° parece abranger mais do que os serviços autónomos, acima referidos. Cabem nele estes e todos os serviços que se regem por orçamentos, aprovados ou visados, mas não incluídos no Orçamento Geral do Estado.
Dentro desta interpretação, a autorização a dar pela Assembleia Nacional, e, consequentemente, toda a disciplina ou limitação que, neste campo, venha a ser fixada aplicar-se-á automaticamente a todos os serviços que tenham orçamentos aprovados e visados.
98. A manter-se a actual redacção do artigo 2.º da proposta e a ser correcta a interpretação que dele fizemos, em face do disposto no artigo 63.º da Constituição:
O orçamento Geral do Estado para o continente e ilhas adjacentes é unitário, compreendendo a totalidade das receitas e despesas públicas, mesmo as dos serviços autónomos, de quem podem ser publicados à parte desenvolvimentos especiais.
fica-se na dúvida de saber se os orçamentos de todos os serviços abrangidos pela letra do artigo 2.° não deveriam constar do Orçamento Geral do Estado.
ARTIGO 3.º
99. O artigo 3.° da proposta reafirma o princípio do equilíbrio orçamental e habilita o Ministro das Finanças com os poderes necessários- à garantia desse equilíbrio. Nela se estabelece que:
Durante o ano de 1955 serão tomadas as medidas necessárias para garantir o equilíbrio das Contas
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Públicas e o regular provimento da Tesouraria, ficando o Ministro das Finanças autorizado a:
a) Providenciar, por determinação especial, de acordo com as exigências da economia pública, de forma a obter a compressão das despesas do Estado e das entidades e organismos por ele subsidiados e comparticipados;
b) Reduzir as excepções ao regime de duodécimos;
c) Restringir a concessão de fundos permanentes e o seu quantitativo;
d) Limitar as requisições por conta de verbas inscritas no orçamento dos serviços autónomos e com autonomia administrativa.
Nada tem de novo a actual disposição.
Perante as perspectivas da conjuntura e do desafogo da Tesouraria, parte do artigo 3.º só se justifica hoje a título de prudência.
Tal como em idêntica disposição do ano anterior, a alínea a) diz que fica o Ministro das Finanças autorizado a providenciar, por determinação especial, de acordo com as exigências da economia pública, de forma a obter a compressão das despesas do Estado e das entidades e organismos por ele subsidiados-e comparticipados.
100. Reconhecida a excepcional importância e repercussão que as despesas públicas [a alínea a) refere-se à totalidade das despesas que venham a ser inscritas no Orçamento] tem no nível da actividade económica do País, a compressão destas despesas não deve obedecer apenas às «exigências da economia pública», mas ter em couta as «exigências da economia nacional».
Se os interesses da economia pública, considerada em si mesma, podem, em determinado momento, não coincidir com os da economia nacional, já a realidade «interesses da economia nacional» necessariamente abrange os interesses de economia pública e os dos demais sectores da economia do País, sendo a sua expressão o ponto de equilíbrio de todos eles.
Por isso se propõe que em lugar de «exigências da economia pública» se escreva «exigências da economia nacional».
II
Política fiscal e política de crédito
ARTIGOS 4.º A 10.º
101. Neste capítulo há disposições de natureza e alcance diferentes: disposições que se referem a estudos em curso para a revisão da política fiscal e para a organização da conta do património (artigos 4.º, 8.º e 10.º) e disposições que fixam a política fiscal para o ano de 1955 (os restantes artigos, incluindo o 8.º).
ARTIGO 4.º
102. «Art. 4.º A Comissão de Estudo e Aperfeiçoamento do Direito Fiscal e a Comissão de Técnica Fiscal, instituídas, pelo Decreto-Lei n.º 38 438, de 25 de Setembro de 1951, devem intensificar os seus trabalhos, de modo a poder ser dada por finda a sua missão em 31 de Dezembro de 1956».
Esta redacção é diferente da da lei de autorização para 1904 (Lei n.º 2067), cuja redacção se mantém desde 1952 e é a seguinte:
Art. 4.º A Comissão de Estudo e Aperfeiçoamento do Direito Fiscal e a Comissão de Técnica Fiscal, instituídas pelo Decreto-Lei n.º 38 438, de 25 de Setembro de 1951, prosseguirão os seus estudos a fim de levar a efeito, no mais, curto prazo possível, a sistematização dos textos legais reguladores dos principais impostos, para inteira realização dos objectivos expressos nos artigos 5.º, 6.º e 7.º da Lei n.º 2045, de 23 de Dezembro de 1950.
Os citados artigos 5.º, 6.º e 7.º da Lei n.º 2045 (Lei de Meios para 1951) diziam:
Art. 5.º O Ministério das Finanças promoverá imediatamente, como base de ulterior reorganização tributária, a sistematização dos textos legais reguladores dos principais impostos vigentes. Nomeará em seguida comissões encarregadas de definir com brevidade os princípios gerais, proceder à sua regulamentação em um texto único para cada imposto e à correspondente simplificação dos processos administrativos de liquidação e cobrança.
Art. 6.º A orientação deste trabalho obedecerá ao seguinte:
a) Revisão de taxas, adicionais e encargos, designadamente das verbas do selo, englobando-os numa taxa única;
b) Possibilidade de aceitar declarações e reclamações dos interessados feitas por escrito ou verbalmente, devendo ser reduzidas a termo nas secções de finanças quando verbais;
c) Actualização de isenções;
d) Revisão e uniformização do regime das liquidações, bem como das penalidades fiscais e do processo da sua aplicação.
Art. 7.º Os trabalhos referidos nos artigos anteriores tenderão para um método de cobrança baseado num conhecimento único para todos os impostos de cada contribuinte, devendo igualmente uniformizar-se a sua divisão em prestações, prazos de pagamento e condições de relaxe.
103. A Câmara Corporativa, nos seus pareceres de 19-52, 1953 e 1954, referiu-se largamente aos objectivos das duas comissões, encarecendo o alto interesse que, para, a política fiscal do País e para a sua economia, têm os problemas em estudo.
Nada mais há a acrescentar sobre o interesse da reforma tributária.
E esse interesse justifica a ansiedade com que se aguardam os resultados dos trabalhos das duas comissões.
Essa ansiedade leva mesmo a pôr a questão de saber se não será possível utilizar os seus trabalhos à medida que estiverem prontos, em lugar de se aguardar a apresentação de toda a reforma em projecto 1.
1 Comissão de Estudo e Aperfeiçoamento ao Direito Fiscal. - Estudou-se a base da incidência da contribuição predial, da contribuição industrial, do imposto sobre a aplicação de capitais e do imposto profissional.
Nenhum dos estudos se pode considerar concluído, não tendo ainda carácter definitivo algumas soluções a que se chegou.
Está em via de conclusão o projecto do imposto sucessório e sisa, faltando apenas estudar e redigir o capítulo das «Disposições penais», depois do que será revisto todo o trabalho e redigido o respectivo relatório justificativo.
Comissão de Técnica Fiscal. - Estão elaborados os textos únicos, com a legislação em vigor, respeitantes aos seguintes impostos:
a) Sisa e imposto sobre as sucessões e doações;
b) Imposto profissional (empregados por conta de outrem e profissões liberais);
c) Imposto sobre a aplicação de capitais (secção A e secção B).
Estão também já elaborados pelos vogais da Comissão encarregados do respectivo trabalho, aguardando apenas a sua aprecia-
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Este método permitiria, aliás, diminuir a densidade e a correspondente falta de clareza dos artigos 5.°, 6.° e 7.° da actual proposta de lei.
Ao pôr-se a hipótese de utilização parcial e sucessiva, faz-se apenas um alvitre, por se compreender que às Comissões não será possível dar por definitivo o seu trabalho em determinado sector antes de dominarem com segurança a totalidade do problema.
Nada há, por isso, a objectar contra a disposição.
Regista-se a fixação de um limite para a apresentação dos trabalhos, limite que, aliás, excede o período de vigência da lei, e formula-se o voto de que ele não seja ultrapassado.
ARTIGOS 5.°, 6.°, 7.° E 9.°
104. Não se aguardassem as reformas tributárias, a cargo das Comissões referidas no artigo 4.º da presente proposta de lei, com a ansiedade que nasce do reconhecimento da necessidade de uma mais justa e adequada liquidação e repartição do imposto, e a forma como na proposta de lei de autorização aparece regulada a matéria fiscal bastaria, por si só, para se declararem do maior interesse os trabalhos daquelas Comissões e se insistir pelo seu termo no mais curto prazo.
E que, na verdade, as disposições sobre matéria fiscal vêm, de ano para ano, ganhando em complexidade e perdendo em clareza. É o que resulta dê frequentes remissões para Leis de Meios anteriores, decretos-leis e mesmo para decretos de natureza orçamental - o que se duvida seja de boa técnica.
105. Na lei de autorização para 1954, além dos casos particulares das taxas de rega e de contribuição predial a liquidar em determinada área beneficiada (artigo 7.°) e da protecção pauta! aos tabacos do ultramar (artigo 8.°) -disposições que desaparecem na proposta de lei em exame -, a matéria fiscal vem regulada numa única disposição: o artigo 5.° da Lei n.° 2 067, assim redigido:
Artigo 5.º Continuam em vigor no ano de 1954 as disposições contidas nos artigos 3.° a 7.° e 9.° da Lei n." 2038, de 28 de Dezembro de 1949, e artigo 7.° da Lei n.° 2050, de 27 de Dezembro de 1961.
106. Na proposta de lei de autorização para 1955, a mesma matéria fiscal aparece tratada em quatro disposições: os artigos 5.°, 6.°, 7.° e 9.°
Os actuais artigos 5.°, 6.° e 7.° reproduzem, com algumas alterações, a matéria tratada no artigo 5.° da Lei n.° 2067, matéria essa que, em anos sucessivos, esta Câmara ponderou, discutiu e esclareceu.
Matéria nova surge apenas no artigo 9.º da proposta de lei quanto às taxas da sisa.
Averiguado que a matéria do artigo 5.° da lei de autorização para 1954 (Lei n.° 2067) se encontra agora repartida por três artigos, vejamos o método adoptado nessa distribuição.
107. No artigo 5.° trata-se de um só problema - o da contribuição predial -, imposto que, aliás, não
_____________
ção por parto da Comissão; os textos únicos das seguintes contribuições:
1) Contribuição industrial;
2) Contribuição predial.
Além destes trabalhos procedeu também a Comissão a elaboração de um novo projecto de texto único da sisa e imposto sobre as sucessões e doações, com sovas disposições, que foi entregue à Comissão de Estudo e Aperfeiçoamento do Direito Fiscal.
fica completamente regulado neste artigo: à contribuição predial se refere também o artigo 7.°
O método seguido no artigo 5.º foi o da transcrição pura e simples do artigo 3.º da Lei n.º 2 038, disposição que de resto se mantém em vigor desde a lei n.º 20231, de 27 de Dezembro de 1948.
n." 2031, de 27 de Dezembro de 1948.
108. O artigo 6.° contempla também uma só figura de imposto - imposto sobre as sucessões e doações ; não esgota o assunto, tal como o artigo 5.° o não fizera para a contribuição predial rústica; diferentemente, porém, do método seguido no preceito anterior, este artigo não transcreve a disposição da lei, mas remete para ela o artigo 5.° da Lei n.° 2038, de 28 de Dezembro de 1949 l.
109. O artigo 7.°, sem dúvida o mais complexo da presente proposta de lei, não trata, ao contrário dos dois preceitos anteriores, de um só, mas de todos os impostos directos contemplados nesta proposta.
Como método segue o de remissão para disposições de diplomas anteriores. Nele se consigna que:
O valor dos prédios rústicos e urbanos para efeitos da liquidação da sisa e do imposto sobre as sucessões e doações; os adicionais discriminados nos n.ºs 1.º e 3.° do artigo 6.° do Decreto n.º 35 423, de 29 de Dezembro de 1945; o adicional sobre as colectas da contribuição predial rústica que incidam sobre prédios cujo rendimento colectável resulte de avaliação anterior a 1 de Janeiro de 1940; os limites de isenção do imposto profissional dos empregados por conta de outrem; as taxas constantes da tabela mencionada no n.° 2, do artigo 61.° do Decreto n.° 16 731,. de 13 de Abril de 1929, e o adicionamento ao imposto complementar nos casos de acumulações ficarão sujeitos, no ano de 1955, ao preceituado nos artigos 6.° a 9.° da Lei n.° 2038, de 28 de Dezembro de 1949, 7.° da Lei n.º 2050, de 27 de Dezembro de 1951, e 8.° do Decreto n.° 38 586, de 29 de Dezembro de 1951.
Para melhor entendimento deste preceito parece conveniente desdobrá-lo nas suas quatro partes, transcrevendo as disposições legais para quê remete.
1.ª PARTE
110. «O valor dos prédios rústicos e urbanos para efeitos da liquidação da sisa. e do imposto sobre as sucessões e doações ... ficarão sujeitos, no ano de 1955, ao preceituado (no artigo 6.° e seus parágrafos) da Lei n.° 2038, de 28 de Dezembro de 1949 ...».
2.º PARTE
111. «...os adicionais discriminados nos n.° s 1.° e 3.º do artigo 6.° do Decreto n.° 35 423, de 29 de Dezembro de 1945; o adicional sobre as colectas da contribuição predial rústica que incidem sobre prédios cujo rendi-
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1 Lei n.º 2088, artigo 5.°; Decreto n.° 10069, de 20 de Junho de 1981,- artigo 5.º; Lei n.º 2022, de 22 de Maio de 1947. artigos 1.° e 2.°; Decreto n.º 86404, de 5 de Setembro de 1047, artigo 1.º e seu § 1.°
2 Lei n.° 2088, artigo 6.° e seus §§ 1.º, 2.° e 8.°; Decreto-Lei n.º 26151, de 19 de Dezembro de 1985, artigo 4.° e seus §§ 1.°, 2.º,. 8.° e 4.°; Decreto-Lei n.° 25851, de 14 de Setembro de 1985, artigos 2.°' e 6.°; Decreto n.º 9040, de 9 de Agosto de 1923, artigo 89.°; Decreto-Lei n.º 81668, de 22 de Novembro de 1941, artigo 6.° e seu § único; Decreto-Lei n.° 81600, de 6 de Setembro de 1041, artigo. 6.° e seus §§ 1.? e 2.°; Regulamento de 28 de Dezembro de 1899, artigo 19.°; Decreto com força de lei de 24 de Maio de 1911, artigo 7.º.
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mento colectável resulte de avaliação anterior a l de Janeiro de 1940 . . . ficarão sujeitos no ano de 1955 ao preceituado (no artigo 7.º e seu § único) da Lei n.° 2038, de 28 de Dezembro de 1949 . . .» .
8.º PARTE
112. «... os limites de isenção do imposto profissional dos empregados por conta de outrem; as taxas constantes da tabela mencionada no n.° 2.º do artigo 61.° do Decreto n.° 16 731, de 13 de Abril de 1929 ... ficarão sujeitos no ano de 1955 ao preceituado (nos artigos 8.° e 9.°) da Lei n.° 2038, de 28 de Dezembro de 1949, e artigo 7.° da Lei n.° 2050, de 27 de Dezembro de 1951 ...».
4.º PARTE
113. «... e o adicionamento ao imposto complementar nos casos de acumulações
... (ficará sujeito), no ano de 1955, ao preceituado ... (no artigo 8.° do Decreto n.° 38 586, de 29 de Dezembro de 1951 3.
114. Examinado o artigo 7.°, pode afirmar-se não visar a disposição qualquer agravamento dos impostos nela considerados.
E porque é a reprodução de preceitos anteriores, largamente examinados nos pareceres da Câmara sobre as propostas de lei de autorização, nada mais há a fazer agora do que confirmar esses pareceres.
O exame deste artigo 7.°, tal como agora se apresenta redigido, cria, no entanto, uma dúvida como impute se reconheça uma omissão, voluntária ou não, que altera as taxas do imposto sucessório.
115. Na terceira parte do artigo propõe-se que:
... os limites de isenção do imposto profissional dos empregados por conta de outrem; as taxas constantes da tabela mencionada no n.° 2.° do artigo 61.° do Decreto n.° 16 731 . . . ficarão sujeitos, no ano de 1955, ao preceituado nos artigos (8.° e 9.°) da Lei n.° 2038 ... e artigo 7.° da Lei n.° 2050.
Desta redacção resulta que deixará de se aplicar o imposto profissional de empregados por conta de outrem aos indivíduos considerados nos §§ 1.° è 2.° do artigo 9.° da Lei n.° 2038.
Na verdade, esta terceira parte do artigo apenas refere:
a) As taxas contantes da tabela mencionada no n.º 2.° do artigo 61.° do Decreto n.º 16 731, de 13 de Abril de 1929 - taxas aumentadas em 50 por cento pelo corpo do artigo 9.° da Lei n.° 2038;
b) Os limites do imposto profissional dos empregados por conta de outrem, fixados no artigo 7.º da Lei n.° 2050, que substitui o disposto no artigo 8. da Lei n.° 2038 - razão por que não há lugar à citação deste artigo.
Diferente é a disposição correspondente da Lei n.° 2067 - o seu artigo 5.° -, que, de resto, se limita a reproduzir neste capítulo os preceitos das três leis anteriores: continuam em vigor nó ano de 1954 as disposições contidas nos artigos 3.° a 7.° e 9.° da Lei
1 Lei n.º 2088, artigo 7.º e § único; Decreto n.° 85428, de 29 de Dezembro de 1945, artigo 6.°, n.° 1 e 8; Decreto com forca de lei n.º 14806, dó 10 de Outubro de 1927, artigos 1.º e 2.°, alíneas a) e b).
Lei n.º 2088, artigo 9.° e §§ 1.° e 2.°; Lei n.º 2050, artigo 7.º
Decreto n.° 38586, artigo 8.°
n.° 2038, de 28 de Dezembro de 1949, e artigo 7.° da Lei n.° 2050, de 27 de Dezembro de 1951.
Ao declarar-se em vigor o artigo 9.° da Lei n.° 2038 automaticamente ficavam obrigados ao pagamento do imposto profissional dos empregados por conta de outrem os indivíduos mencionados nos parágrafos daquele artigo 9.º
116. A dúvida está em saber se a alteração constante da proposta em exame é intencional ou resulta apenas de um lapso de redacção, lapso que, de resto, se verifica já neste preceito, quando se faz desnecessária referência ao artigo 8.° de Lei n.° 2038.
Esta Câmara nunca opôs reparo à doutrina da Lei n.° 2067 e leis anteriores, doutrina que, de resto, deu origem a larga discussão na Assembleia Nacional e que por esta acabou cor ser fixada nos precisos termos em que consta das leis da autorização anterior.
Em face da história da disposição e considerando que a Comissão de Estudo e Aperfeiçoamento do Direito Fiscal e a Comissão de Técnica Fiscal estão a preparar a reforma tributária, não parece oportuna qualquer modificação do sistema até agora vigente.
117. Segundo o disposto no artigo 5.° da Lei n.° 2067 e nos preceitos correspondentes das leis anteriores, que mantiveram sempre o artigo 4.º da Lei n.° 2038, as taxas da tabela do imposto sobre as sucessões e doações aplicadas às transmissões entre cônjuges passaram a aplicar-se às transmissões entre irmãos e vice-versa.
118. A proposta da lei para 1955, omitindo a referência ao artigo 4.° da Lei n.° 2038, repõe em vigor a doutrina anterior a 1950. Isto é, volta-se ao sistema do Decreto n.° 19 969, de 29 de Junho de 1931.
119. Não se conhecem os motivos em que se funda a alteração agora proposta.
A doutrina que vigora desde 1950 - artigo 4.º da Lei n.° 2038 - foi de iniciativa da Assembleia Nacional e teve por objecto a concordância entre as disposições fiscais e a ordem de sucessão deferida pela lei civil.
Não vê a Câmara motivos que levem a alterar o regime preconizado pela Assembleia Nacional, antes o apoia, propondo o regresso à disposição do artigo 4.° da Lei n.º 2038, enquanto esta disposição não constar, como convém, de diploma próprio.
120. A quarta parte do artigo 7.°, sem curar agora do aspecto que respeita à reposição em vigor de um preceito de um decreto orçamental, contém matéria que merece, ainda, algumas observações.
Propõe-se que se autorize o Governo a agravar o adicionamento ao imposto complementar sobre os rendimentos provenientes de acumulações a que se refere a alínea b) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.° 37 771, de 28 de Fevereiro de 1950.
São os seguintes os antecedentes da disposição:
A proposta da Lei de Meios para 1952 (Lei n.° 2050) incluíra as seguintes normas:
Art. 6.° O Governo procederá até 30 de Abril de 1952 à revisão de regime legal de acumulações e incompatibilidades, e, enquanto este não entrar em vigor, fica autorizado a alterar o adicionamento ao imposto complementar, a que se refere a alínea b) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.° 37 771, de 28 dê Fevereiro de 1950, sobre as acumulações de mais de um cargo público ou particular, ou do exercício de profissão liberal acumulado com qualquer dos mesmos cargos desde que os rendimentos excedam 240 contos anuais.
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§ único. Da revisão do adicionamento não poderá resultar aumento das taxas vigentes superior a dez unidades.
Estes preceitos foram objecto de crítica no parecer desta Câmara (Pareceres, ano de 1951, vol. II, pp. 340 a 358), que propôs a sua supressão. Mas a Assembleia Nacional, após larga discussão, aprovou-os, com ligeira mudança na redacção (supressão da palavra «acumulado», em itálico).
No que respeita à primeira parte daquele artigo 6.°, o prazo estabelecido para a revisão do regime legal de acumulações e incompatibilidades foi prorrogado de 30 de Abril para 30 de Junho pelo Decreto-Lei n.° 38 738, de 2 de Maio de 1952.
Posteriormente, porém, nenhum outro diploma alargou o prazo para a conclusão do aludido estudo nem as Leis de 'Meios tornaram a referir-se ao assunto.
O recente diploma sobre a alteração dos vencimentos (Decreto-Lei n.° 39 842, de 7 de Outubro findo) preceitua, nos artigos 4.º e 5.°, que, até 1 de Janeiro do próximo ano, o Governo fará a revisão das remunerações percebidas por cargos exercidos em regime de acumulação autorizada nos termos do - artigo 25.° do Decreto-Lei n.° 26 115. E o Decreto-Lei n.° 39 843, daquela mesma data, estabelece normas mais completas e precisas sobre o exercício de cargos pêlos aposentados e reformados e a acumulação de pensões de reserva com quaisquer abonos na actividade.
O assunto, todavia, - não parece - poder considerar-se esgotado com as medidas decretadas.
Quanto à segunda parte do artigo 6.° da Lei n.° 2050:
O decreto orçamental para 1952, Decreto n.° 38 586, de 29 de Dezembro de 1951, veio pôr em execução a autorização conferida por aquela lei, estabelecendo novas taxas de adicionamento ao imposto complementar paia os rendimentos anuais superiores a 240 contos.
No capítulo de «Disposições especiais», as Leis de Meios para 1953 e 1954 -(respectivamente, artigos 22.º e 28.°) repuseram, simplesmente, em vigor aquele preceito do Decreto n.° 38 586.
121. De tudo isto se conclui:
a) Que a autorização de agravamento foi, inicialmente, dada ao Governo, por certo prazo, nunca superior ao da vigência da própria Lei n.° 2050 e pressupondo a revisão do regime legal das acumulações e incompatibilidades que deveria estar feita até 30 de Abril de 1952, limite alargado para o dia 30 de Junho do mesmo ano, pelo Decreto-Lei n.° 38 738;
b) As leis de autorização para 1953 e 1954, no capítulo «Disposições especiais», mantiveram em vigor este agravamento;
c) Na proposta de lei para 1955 a autorização de agravamento é dada no artigo 7.°, dentro do capítulo «Política fiscal e política de crédito», solução inegavelmente preferível.
122. No seu parecer sobre a lei de autorização para 1952 a Câmara Corporativa estudou largamente o problema, considerando-o tanto no aspecto da produtividade como no da justiça fiscal.
Nada agora parece necessário acrescentar, visto esperar-se que as comissões encarregadas da reforma tributária ponderem suficientemente o assunto.
123. Tendo em consideração os problemas que suscita a actual redacção dada ao artigo 7.° da proposta de lei; reconhecendo que no parecer desta Câmara e, julga-se, também na intenção do Governo, não se visam na proposta cara 1955 alterações em matéria dos impostos abrangidos no artigo 5.° da Lei n.° 2067, a Câmara propõe que, em lugar dos Artigos 5.°, 6.º e 7.º da presente proposta, se volto ao sistema da Lei n.° 2067, regulando num só artigo toda a matéria que agora se distribui por três - sem vantagens de método e em prejuízo de clareza. O artigo único agora proposto é a reprodução do artigo 5.° da Lei n.° 2067.
124. Para regular a matéria constante da quarta parte do artigo 7.° da presente proposta de lei - agravamento do adicional ao imposto complementar sobre os rendimentos provenientes de acumulações -, matéria que na Lei n.° 2067 se encontrava regulada em «Disposições especiais», sugere a Câmara um novo artigo, que passaria a ser o artigo 6.º da lei de autorização e cuja redacção se propõe em lugar próprio das conclusões do presente parecer.
ARTIGO 8.º
125. O artigo 8.º da proposta de lei refere-se às taxas e outras receitas cobradas pela organização de coordenação económica e corporativa, bem como pêlos serviços do Estado cujos créditos não são escriturados em receita geral do Estado. Mantém o princípio, estabelecido já em leis anteriores, desde a Lei n.° 2019, de 28 de Dezembro de 1946, de sujeitar a criação ou agravamento daquelas receitas a autorização prévia do Ministro das Finanças e fixa um prazo para a comissão encarregada da sua revisão apresentar o resultado dos respectivos trabalhos.
A referida comissão teve origem nas seguintes disposições da Lei n.° 2059, de 29 de Dezembro de 1952:
Art. 6.° Os serviços do Estado e os organismos corporativos ou de coordenação económica não poderão criar nem - agravar taxas ou receitas de idêntica natureza, não escrituradas em receita geral do Estado, sem expressa concordância do Ministro das Finanças, não podendo também manter, sem confirmação, para além de 30 de Junho de 1953, a cobrança das existentes.
Art. 7.° Os serviços a que se refere o artigo anterior enviarão ao Ministério das Finanças, até ao fim de Fevereiro de 1953, notas discriminadas das taxas e receitas nesse artigo mencionadas, com indicação da disposição legal em que se fundam e do rendimento que produziram nos últimos três anos. Uma comissão nomeada pêlos Ministros das Finanças, Ultramar, Economia e Corporações será encarregada de estudar e propor, até à data indicada na parte final do artigo 6.°, a uniformização e simplificação do regime de taxas e contribuições especiais destinadas àqueles serviços.
O prazo marcado naquele artigo 6.° - 30 de Junho de 1953 - foi prorrogado até 30 de Junho de 1954 pelo Decreto-Lei n.° 39 276, de 16 de Julho de 1953.
O artigo 6.° da Lei n.° 2067, de 28 de Dezembro de 1953, veio em seguida estabelecer:
Enquanto não estiverem concluídos os estudos de que foi encarregada a comissão referida no artigo 7.° da Lei n.° 2059, de 29 de Dezembro de 1952, fica vedado aos serviços do Estado e aos organismos corporativos ou de coordenação económica criar ou agravar taxas ou receitas de idêntica natureza não escrituradas em receita geral do Estado, sem expressa concordância do Ministro das Finanças sobre parecer da aludida comissão.
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110 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 56
Esta disposição foi interpretada como prorrogando automaticamente o prazo do referido Decreto-Lei n.º 39 276.
Estabelece-se agora, como limite para a duração dos trabalhos, a data de 30 de Outubro de 1955.
126. No parecer sobre a Lei n.° 2059 teve esta Câmara ocasião, de salientar a complexidade de uma tarefa de tal natureza. Por isso, e tendo em atenção as razões que adiante se apontam, não parece excessivo o curto adiamento que se propõe no final deste parecer.
127. Do interesse que o estudo indicado merece a esta Câmara já anteriores comentários às propostas de leis de meios deram concretos relatos.
O problema das finanças dos organismos de coordenação económica e corporativos tem sempre sugerido à Câmara especial cuidado. Foi em consequência de um alvitre constante do parecer sobre a lei para o ano de 1949 que a Assembleia Nacional adoptou o princípio da representação, no preâmbulo do Orçamento Geral do Estado, dos orçamentos dos referidos organismos.
Na primeira parte do presente parecer referiram-se elementos que permitem localizar com certo rigor o problema do montante das receitas da organização.
128. Alguns reparos merece, porém, o artigo 8.º da proposta de lei, quanto à forma como se encontra redigido.
Diz-se nele que até 30 de Outubro de 1955, em que deverão estar concluídos os estudos de que foi encarregada a Comissão referida no artigo 7.° da Lei n.° 2059, . . . fica vedado aos serviços do Estado e aos organismos corporativos ou de coordenação económica criar - ou agravar taxas ou receitas de idêntica natureza não escrituradas em receita geral do Estado sem expressa concordância do Ministro das Finanças sobre parecer da aludida Comissão».
Deste modo, a data fixada para a apresentação dos estudos marca também o limite para a aplicação de todo o preceito.
No último trimestre do ano deixaria de ser exigível a concordância do Ministro das - Finanças para a criação ou agravamento de receitas - a menos que um diploma com força de lei regularizasse o assunto ao aprovar-se as conclusões da Comissão. Mas este aspecto, o do instrumento legal da aprovação dessas conclusões, não parece encontrar-se bem esclarecido nos artigos 6.° e 7.° da Lei n.° 2059, atrás transcritos, se tivermos em conta o regime legal a que têm estado sujeitas as receitas dos organismos.
Propõe-se, em consequência, nova redacção para o artigo, modificando-se ainda alguns outros pormenores de somenos importância.
ARTIGO 9.º
129. E nova a matéria constante do artigo 9.° da proposta de lei para 1955 e vias as taxas de sua sobre a transmissão de imobiliários por título oneroso.
130. Pedidos esclarecimentos ao Ministério das Finanças, a Direcção-Geral competente informou que o novo preceito não visa uma maior cobrança de receitas na transmissão, a título oneroso, de bens imobiliários, mas apenas uma melhoria - na técnica de liquidação do imposto de asa, melhoria que é resultante directa dos esforços que, nesse sentido, de há muitos anos se têm feito.
Na verdade, a partir da vigência a do Decreto n.º 16 731, de 13 de Abril de 1929, a taxa da sisa sobre a transmissão de imobiliários por - título oneroso passou a ser de 12 por cento artigo 97.º do citado decreto -, sem distinção entre os bens rústicos e urbanos, - por se reconhecer então que, apurados e corrigidos 09 valores nos termos do artigo 108.º do mesmo diploma, a taxa estabelecida onerava igualmente os prédios de uma e outra natureza.
Entretanto, porém, efectua-se a avaliação geral da propriedade urbana em cumprimento do disposto no artigo 17.º do decreto em referência, organiza-se a nova matriz predial de harmonia com o Decreto-Lei n.° 25 502, de 14 de Junho de 1935, e eleva-se para 20 - artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 26151, de 19 de Dezembro de 1935 o factor 15 com que era determinado o Valor dos prédios urbanos, cessando as demais correcções impostas pelo mencionado artigo 108.° do Decreto n.° 16 731. Ao mesmo tempo baixa-se de 12 para 8 por cento a taxa da sisa referente a estes prédios - artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 26 151.
Esta redução surge como consequência do aumento de valor da propriedade urbana, cujo rendimento, tendo subido de 1935 para 1936, não só assegura a arrecadação do mesmo imposto através de uma taxa menos gravosa, como também facilita a mobilização da mesma propriedade e contribui para a progressividade do próprio imposto.
De facto, feita a revalorização da propriedade urbana por meio da avaliação geral a que se procedeu e da elevação do factor 15 para 20, estava naturalmente indicada a redução da taxa de sisa, que veio a ser estabelecida pelo artigo 6.º do Decreto-Lei n.° 26 151 e que é lógico corolário da política de actualização da matéria tributável, levada a efeito por intermédio do Decreto-Lei a.9 25 502.
A revalorização da propriedade rústica também já se iniciou com a implantação do regime cadastral, mas por enquanto em proporções tão modestas que não tem reflexos apreciáveis no cômputo geral dos rendimentos colectáveis.
Compreende-se, assim, que a taxa da sisa referente à transmissão da propriedade rústica não tenha acompanhado a da transmissão de prédios urbanos.
É certo que a partir da Lei de Meios n.° 2019, de 28 de Dezembro de 1946, se tem procurado atenuar os efeitos fiscais da baixa estimativa dos valores da propriedade rústica do imposto de sisa, mediante a aplicação de factores de correcção, mas certo é também que as correcções previstas estão ainda longe de elevar os valores matriciais ao nível dos que regem a circulação onerosa da mesma propriedade.
Com efeito, informa ainda o director-geral das Contribuições e Impostos, organizada a estatística das transmissões por título oneroso de prédios rústicos de valor superior a 2000 contos efectuadas no decurso do triénio 1951-1953, verificou-se que em 1951 foi de 9300 contos o valor incidente da sisa e de 24 700 contos o correspondente valor declarado; e que em 1952 e em 1 1953 os dois valores ascenderam, respectivamente, a 10 800 e 36 700 contos e a 43 000 e 117 600 contos.
Vê-se, pois, que nos três anos em referência o valor para a incidência da sisa proveniente do rendimento matricial devidamente corrigido representa pouco mau do que uma terça parte ido valor venal. Nestas circunstâncias, as novas taxas estabelecidas no artigo 9.º do projecto de proposta de lei de meios para 1955 e para os prédios rústicos parece terem plena justificação e revelarem-se moderadas, por isso que conduzem a resultados que ficam muito aquém da tributação que resultaria da aplicação das taxas em vigor aos valores venais verificados.
Nota-se que, segundo o preceito do artigo 9.°, só os prédios de maior ,valor são objecto de agravamento, agravamento, que, aliás, é demasiado baixo para actuar
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4 DE DEZEMBRO DE 1954 111
indirectamente como instrumento de integral actualização dos valores.
Na verdade, considerando que são raras as transmissões de prédios rústicos de valor superior a 2000 contos (em 1951, 1952 e 1953 transmitiram-se, respectivamente, 6, 8 e 30 prédios) e que - a média das novas taxas não deve computar-se em mais de 6 por - cento, por serem verdadeiramente excepcionais as transmissões de valor igual ou superior a 5000 contos, e considerando ainda os valores transmitidos no ano de 1951, teremos:
Sisa liquidada no regime actual com referência ao ano de 1951 e ao valor matricial apurado:
9:300.000$00 x 12
__________________ = 1:116.000$00
100
Sisa que se liquidará segundo o disposto no artigo 9.º do projecto de proposta da Lei de Meios para 1955:
9.300.000$00x(12+6)
___________________ = 1:674.000$00
100
Confrontando, pois, a importância do imposto obtida através do valor matricial, segundo a taxa simples ou agravada, nota-se um aumento igual ao que resultaria da actualização do valor dê 9300 contos para 13 950 contos, visto que
13:950.000$00x12
_________________ = 1:674.000$00
100
Cotejando ainda esta verba - 13 950 contos - com a do valor por que realmente se efectuaram as transmissões de prédios rústicos em 1951 - 24 700 contos - nota-se também que se pretende actualizar apenas em cerca de metade o valor incidente da sisa.
Já quanto à propriedade urbana é muito diferente a situação no que respeita a disparidade entre os valores de venda e à valorização matricial.
Também não se pode ignorar que o agravamento das taxas de sisa nos prédios rústicos se repercutirá, naturalmente, nas dos prédios urbanos, dada a interdependência em que umas estão das outras.
Compreende-se, por isso, o diferente tratamento dado na proposta às taxas sobre as transacções, a título oneroso, de prédios rústicos e de prédios urbanos.
Quanto a estes as taxas são muito inferiores às dos prédios rústicos e os escalões de valor dobrado, indo, assim, atingir apenas os prédios urbanos de grande valor e de pequena mobilização - tão pequena que podem ter-se corto pouco vulgares os próprios casos compreendidos no primeiro escalão - 5000 a 10 000 contos.
De resto, se numa ou noutra transmissão houver fundamento para considerar excessivo o seu valor, o lesado tem as possibilidades de defesa que lhe são dadas pelo artigo 20.º do Regulamento de 23 de Dezembro de 1899, que lhe permite contestar o valor, e pelo disposto no § 4.º do artigo. 12.º do Decreto-Lei n.° 31 500, de 5 de Setembro de 1941, que prevê a redução do factor de valorização de 20 até ao mínimo de 15.
Deixando de lado a afirmação incidental de que a baixa de 12 para 8 por cento da taxa de sisa referente a prédios rústicos, operada pelo artigo 6.º do
Decreto-Lei n.° 26 151, de 19 de Dezembro de 1935, contribuiu, além do mais, para a progressividade do propino imposto, quando certamente se queria dizer para o aumento do seu rendimento, tem esta - Câmara de reconhecer não serem convincentes aã razões que o Ministério oferece para justificar o preceito -proposto.
Substancialmente, e em primeiro lugar, segundo parece, tratar-se-ia, com a disposição em causa, de conseguir, por meio de um novo factor de correcção, elevar os valores matriciais ao nível dos que regem de facto a circulação onerosa da propriedade imobiliária.
Tal razão, porém, levaria em linha recta à instituição de factores de correcção para todas os transmissões, e não apenas para - as de valor elevado. Não se nos mostra, de resto, de modo nenhum, que a disparidade entre os valores efectivos e os valores matriciais - seja superior nas transmissões de - grandes propriedades à que tem lugar nas transmissões mais modestas.
Em segundo lugar, os próprios números fornecidos, aliás prontamente, .pelo Ministério patenteiam-nos que a medida de agravamento não tem alcance prático de considerar. É o Ministério, na verdade, que reconhece que as transmissões de prédios rústicos de valor superior a 2000 contos são raras e que, do mesmo modo, são pouco vulgares os casos de transmissões de prédios urbanos de valor igual ou superior a 5000 contos. Por outro lado, reconhece que entre o imposto arrecadado com base no valor matricial de acordo com as correcções em vigor e o imposto que se arrecadaria tendo já em conta o factor de correcção agora proposto a diferença para mais não tem relevo: é mínima.
Se as razões justificativas não são convincentes, como: se acaba de ver, não há outras em que o preceito se possa apoiar. Só encontramos razões que aconselham a sua supressão.
Na verdade, e para principiar, o que se propõe é uma forma de imposto progressivo. Ora o imposto progressivo, segundo a doutrina, só se compreende como imposto pessoal, isto é, como imposto que toma em conta a fortuna, a situação de bem-estar do contribuinte, que nos é dada pelo seu rendimento global. No presente caso a taxa progressiva do imposto não tem em consideração a situação dos compradores, resultando injusta do ponto de vista da justiça tributária.
Mas há mais:
A taxa progressiva da sisa vai traduzir-se em diminuição do valor das grandes propriedades, visto que amortizando-se a sisa no valor dos bens, as grandes propriedades sofrerão uma baixa de valor mais que proporcional a que sofrem as pequenas.
Se o intuito do Governo é de ordem social, isto é, se o que se visa a contrariar a concentração de - grandes propriedades, rústicas ou urbanas, nas mãos aos grandes potentados económicos há-de reconhecer-se que o meio é inadequado: quem fundamentalmente paga a sisa são os vendedores, e que o não fossem, o agravamento não é, nem de longe, de ordem a deter as pretensões dos compradores de tal capacidade financeira.
Pelo que especialmente toca às transmissões de prédios rústicos, a fraude sempre seria, de resto, facílima: bastaria aos adquirentes comprar as grandes propriedades por fracções.
Quanto à propriedade rústica, a medida fiscal propugnada mostra-se, pois, facilmente iludível. Não assim quanto à grande propriedade urbana, mas aí a providência proposta poderia ter o efeito de contrariar o desenvolvimento da construção. Na verdade, actualmente, a primeira transmissão dos prédios urbanos goza de redução de taxa de sisa, precisamente para facilitar a construção. Se se - eleva o imposto de sisa, sendo este pago pelo vendedor (construtor), não há dúvida de que este é desencorajado na - sua propensão para investir capitais em grandes construções - em muitos casos as construções desejáveis, do ponto de vista económico.
Por tudo isto, à Câmara afigurasse que o melhor caminho será suprimir o artigo 9.º Se a disposição tem quaisquer objectivos sociais, a Câmara não os conhece; mas, ao procurá-los, não encontrou nenhum que tal preceito pudesse plenamente alcançar.
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112 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 66
ARTIGO 10.º
131. Este artigo divide-se, nitidamente, em duas partes.
Na primeira parte diz-se que:
O Governo continuará a intensificar os trabalhos relativos à organização e actualização da conta do património, como elemento preparatório da determinação do capital nacional ...
132. Esta redacção corresponde à do artigo 9.º da proposta para o ano de 1954 e à do artigo 8.° da proposta para o ano de 1953.
A única diferença está em que nesta última se considerava a conta de património como elemento imprescindível para a determinação do capital nacional e, nos dois últimos anos, se passou a julgar a mesma apenas como elemento preparatório para idêntico efeito.
133. A Câmara, nos pareceres dos três últimos anos, revelou já as dificuldades práticas de dar cumprimento a esta disposição, aliás de transcendente importância para o conhecimento da composição e evolução da fortuna do Estado.
Afigura-se-nos, portanto, despropositado referir de novo aqui as considerações então produzidas.
134. Desde a publicação da notável Lei de 20 de Março de 1907 que constitui justa pretensão inserir nas Contas Gerais, do Estado um balanço patrimonial representativo da totalidade dos valores activos e passivos do Estado e que seja ao mesmo tempo um índice da sua gestão financeira e patrimonial.
A disposição constante do artigo 5.° daquela diploma era já a verificação da insuficiência do sistema orçamental, para representar e dar a conhecer a evolução da fortuna pública e a forma da sua composição.
135. Posteriormente, o Decreto-Lei n.° 27 223, de 21 de Novembro de 1936, que deu nova estrutura à Conta Geral do Estado, reafirmou também o principio de que deveria conter, a partir do ano económico de 1936, ao balanço entre os valores activos e passivos do Estado» (§ 1.º do artigo !).
A publicação deste balanço - para que não seja apenas um arrolamento insípido de bens e valores - exigia necessariamente a adopção de um esquema de contabilidade pública financeiro-patrimonial que desse a conhecer, em qualquer momento, a situação da fortuna do Estado e permitisse, por comparação, analisar as alterações da mesma durante determinado período contabilístico.
136. Infelizmente, a complexidade e morosidade do sistema e a insuficiência de meios ao dispor para a sua execução não têm permitido mais do que avaliações periódicas dos bens de domínio público e privado pertencentes ao Estado, a última das quais se referiu a 31 de Dezembro de 1948.
137. Recentemente, porém, e em face da reconhecida importância dada aos estudos do rendimento nacional e do capital nacional, as propostas de lei de autorização de receitas e despesas têm reafirmado novo interesse pela organização e actualização da conta do património.
De facto, sendo o conhecimento do capital nacional elemento indispensável para o estudo da riqueza nacional, torna-se imprescindível não só determinar aquele capital, como ainda as percentagens que ao Estado e ao sector privado cabem.
E, se para a determinação da riqueza privada não existe outro recurso que não seja o da sua avaliação por processos estatísticos indirectos, parece ser possível rodear essa dificuldade no que respeita ao património público: para tanto, haverá que ter-se o cuidado de manter, devidamente actualizado, um sistema conveniente de contabilização que registe, a partir da inventário, em determinada data o que da execução orçamental se não perdeu, ficando a engrandecer o património da Nação, ou o que ao mesmo deverá ser abatido - por perda, inutilização ou simples, amortização.
138. Considera-se a redacção do artigo 8.° da proposta referente ao ano de 1952 (convertida na Lei n.° 2059) como preferível à usada no projecto de lei para o ano de 1955 - aliás já idêntica u utilizada nas leis para 1953 e 1954.
Não se nos afigura que a organização e actualização da conta do património do Estado seja um elemento reparatório da determinação do capital nacional.
De facto, sendo o capital nacional formado pelo conjunto das fortunas dos sectores público e privado, a determinação daquela mão serve de preparação à determinação desta. Cremos mesmo que os métodos de avaliação de uma e outra serão necessariamente diferentes.
Reconhece-se, porém, imprescindível o conhecimento da fortuna do Estado, para o cálculo do capital nacional, pois, sendo aquele uma das parcelas deste, a ignorância do seu montante tornaria inúteis os esforços feitos para a sua determinação.
Afigura-se-nos, pois, mais consentâneo com a realidade afirmar-se que a - organização e actualização da conta do património é elemento imprescindível (ou indispensável) para a determinação do capital nacional.
Propõe-se assim, de novo, a redacção velha do artigo 8.° da proposta de lei para 1953.
139. Na segunda parte do artigo estabelece-se que: «a Direcção-Geral da Fazenda Pública apresentará os estudos era ordem a definir as condições em que podem ser prestadas as garantias que impliquem responsabilidade total ou solidária do Estado».
Esta disposição mantém-se inalterada na sua forma c lia sua pouca clareza nas leis Aos últimos anos.
Esclarece-se nos pareceres anteriores da Câmara que o preceito visa a uma medida de ordem interna no próprio Ministério das Finanças, de maneira a habilitar a tesouraria a um conhecimento pontual e perfeito das responsabilidades por aval assumidas total ou solidariamente pelo Estado».
Nada há a opor a esta segunda parte.
Nota-se, apenas, não se ver motivo para que a matéria do artigo 10.° da proposta conste das leis de autorização.
Os anos vão correndo e, em breve, a disposição invocará direitos à posse de um lugar na Lei de Meios.
Mas, a manter-se a disposição, deverá evitar-se, na sua segunda parte, a referência directa a um serviço: a norma será antes dirigida ao Governo.
III
Eficiência das despesas e dos serviços
ARTIGO 11.º
140. O presente artigo 11.º acha a sua correspondência no artigo 10.° da lei anterior, cuja redacção era a seguinte: «O Governo, dentro dos princípios definidos no Decreto n.º 38 503, de 12 de Novembro de 1951, e por intermédio da Comissão Central de Inquérito e Estudo da Eficiência dos Serviços Públicos, fará prosse-
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4 DE DEZEMBRO DE 1954 113
guir os trabalhos necessários à adopção de métodos que permitam obter o maior rendimento com o menor dispêndios.
141. Em cumprimento do preceituado no artigo 12.° da Lei de Autorização n.° 2045, de 23 de Dezembro de 1950 - «O Governo promoverá os estudos necessários à adopção nos serviços públicos de métodos que permitam obter melhor rendimento com o menor dispêndio» -, foi publicado o Decreto-Lei n.º 38 503, de 12 de Novembro de 1951, que criou, no Ministério das Finanças, uma Comissão Central de Inquérito e Estado da Eficiência dos Serviços Públicos, com a principal missão (artigo 6.°) de «averiguar e estudar os factores de que depende a produtividade daqueles serviços e propor as medidas que tendam a aumentá-la».
A lei de autorização para o ano seguinte, Lei n.° 2050, de 27 de Dezembro de 1951, convida, no artigo 10.°, o Governo a prosseguir nesses estudos, dos quais este, aliás, já encarregava a citada Comissão.
A Lei de Meios para 1953 repete o convite ao Governo para prosseguir os estudos por intermédio da Comissão nomeada, preceito este a transitar, inalterado, para a lei de autorização do ano passado, Lei n.º 2067, artigo 10.°, e que acima se deixou transcrito.
142. O artigo 11.° do presente projecto difere dos anteriores em o Governo demitir de si, como órgão responsável, que até agora era, dos estudos em causo, a apreciação das recomendações da Comissão por ele criada, transferindo para esta poderes de decisão e estabelecendo, em consequência, uma especial e directa hierarquia funcional entre ela e a Direcção-Geral da Contabilidade Pública, executora de suas recomendações e dos seus projectos. Isto o que resulta do cotejo da letra do preceito com a dos artigos correspondentes em leis de autorização anteriores.
143. De harmonia com a doutrina expendida a propósito do precedente artigo deste projecto, pensa esta Câmara que melhor será conservar-se a redacção do ano passado.
ARTIGO 12.º
144. Corresponde ao artigo 11.° da Lei de Meios para 1954, preceito que vinha da Lei n.° 2050, de 27 de Dezembro de 1951, e que dispunha como segue:
Durante o ano de 1954, além da rigorosa economia a que são obrigados os serviços públicos na utilização das suas verbas, principalmente na realização de despesas de consumo corrente ou de carácter sumptuário, o Governo continuará a providenciar no sentido de:
a) Limitar ao indispensável as compras no estrangeiro;
b) Dar cumprimento ao preceituado no artigo 59.° da terceira das Cartas de Lei de 9 de Setembro de 1908, podendo o Ministro das Finanças, em casos especiais, autorizar a publicação ou impressão das obras previstas naquele artigo;
c) Diminuir o número das publicações oficiais e o seu custo;
d) Reduzir ao mínimo possível as despesas com o pessoal fora do País.
§ único. As disposições anteriores aplicar-se-ão a todos os serviços do Estado, autónomos ou não, bem como aos organismos corporativos e de coordenação económica.
Eliminaram-se, pois, as alíneas a) e b) do passado ano; deu-se nova redacção na alínea V) ao que se dispunha na antiga alínea c); restringiu-se o campo de aplicação da alínea d) na presente redacção da alínea a).
145. Vê esta Câmara com satisfação ter-se dado cumprimento ao voto que emitiu no parecer sobre a lei de autorização para 1954, no sentido de se eliminarem as alíneas a) e 6) do seu artigo 11.°, por regularem matéria já abrangida em leis do País.
146. A diferente redacção dada pela alínea b) ao preceito da alínea c) do citado artigo não lhe altera o espírito, expressando, contudo, por forma mais feliz a orientação a seguir na actividade editorial do Estado.
Já se não propõe, como anteriormente, a diminuição pura e simples de publicações oficiais.
Pretende-se ainda uma diminuição, mas por «condensação»; segue-se preconizando restrições, mas só de a edições luxuosas que não obedeçam a finalidades artísticas ou comemorativas».
Sem embargo de esta Câmara aprovar a nova redacção do preceito, continua convencida, como há um ano, «não carecer a norma de passar à Lei de Meios, por entrar nas condições basilares de uma boa gerência».
147. Finalmente, na alínea a) deste artigo 12.º propõe-se ao Governo que providencie no sentido de «reduzir ao mínimo indispensável as despesas fora do País com missões oficiais», e não com todo o «pessoal fora do País», como o fazia o correspondente artigo 11.°, alínea c), da lei de autorização anterior.
Assim se torna à redacção da Lei n.° 2045, de 23 de Dezembro de 1950, acrescentando-se, porém, como matéria nova toda a segunda parte da alínea, ou seja a obrigação que de certa maneira impenderá sobre as missões de justificarem a sua actividade.
A disposição, porque é nova, e pelo que determina, merece comentário.
148. Já na apreciação sobre a generalidade se referiu o problema dos gastos dos serviços e se apontou a interpretação de rigorosa economia que parece melhor se adaptar às reais necessidades da Administração e às possibilidades do Tesouro.
A seguir-se o critério de manter na Lei de Meios disposições deste tipo, só há agora que fazer observações quanto à forma como o preceito está redigido.
Diz-se na alínea a) do artigo 12.° do projecto da proposta de lei n.° 501:
a) Reduzir ao mínimo indispensável as despesas fora do País com missões oficiais, as quais ficam obrigadas à apresentação de relatórios sobre os trabalhos e à demonstração da coincidência dos seus fins com os objectivos da política nacional.
Esta alínea dirige-se:
1) Ao Governo, mandando-o reduzir ao mínimo indispensável as despesas fora do País com missões oficiais;
2) As missões oficiais, obrigando-as à apresentação de relatórios sobre os trabalhos e à demonstração da coincidência dos seus fins com os objectivos da política nacional.
149. Pouco há a dizer quanto à obrigação a impor ao Governo e referida em 1), por isso que é o próprio Governo que propõe lhe seja imposta essa obrigação.
Aqueles que, pelas funções que desempenham, são forçados e trabalhar continuamente em organismos in-
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ternacionais podem, afirmar que, nessas reuniões, a representação portuguesa é sempre a mais pequena.
Este facto não o saberá o público e, se já pensar o contrário, mais seguro ficará da verdade da sua ideia quando tomar conhecimento da disposição da alínea a) do artigo 12.º
Acontece mesmo que, pela exiguidade dessa representação, os delegados portugueses, além de tratarem dos assuntos de sua especialidade, se vêem fatalmente arrastados para a discussão de problemas que não são chi sua especialidade, por falta dos competentes técnicos portugueses, que ficaram em Portugal para não engrossar a missão.
Sempre que isso acontece procuram as missões defender como podem - e em geral bem - os interesses do País, moa não há dúvida de que fariam, perante o resto do mundo ali representado, muito melhor prova do nível de administração portuguesa se os delegados não fossem forçados a cobrir campos de discussão onde, por maior que seja a sua boa vontade, necessariamente deixarão perceber não serem os melhores mestres do ofício.
O trabalho das delegações portuguesas em organismos internacionais, além de oportunidade de preparação de funcionários - pelos contactos que lhes permite e pelo esforço de preparação que lhes exige para se não sentirem inferiores aos seus colegas estrangeiros -, deve ser considerado como uma das melhores formas de propaganda - do País: a demonstração da eficiência da administração, através do alto nível dos seus servidores.
Este aspecto do prestígio de Portugal não deverá nunca ser esquecido, e deverá primar sobre a preocupação de economia, quando esta palavra se toma no sentido de poupança imediata - nem sempre a sua mais verdadeira e útil acepção.
Há ainda a salientar o risco político que se corre de deixar supor, a quantos ignorem ou queiram ignorar que a proposta é da iniciativa do próprio Governo, que neste preceito fica formulada uma censura - feita pela Assembleia Nacional à Administração.
150. A segunda parte da alínea a) do artigo 12.°, pelas razões que a seguir se desenvolvem, parece de não incluir na lei de autorização.
Nela se diz que as missões oficiais fora do País «ficam obrigadas à apresentação de relatórios sobre os trabalhos e à demonstração da coincidência dos seus fins com os objectivos da política nacional».
Mesmo já hoje e sem qualquer preceito legal que expressamente o imponha, é de supor que as missões oficiais regressadas do estrangeiro dão imediato conhecimento dos seus trabalhos ao Ministro que as enviou fora do País.
Nem outro procedimento lhes seria ditado pelo brio pessoal e profissional dos seus componentes nem consentido pelo zelo do Ministro responsável.
Talvez que nem todos os relatos dos trabalhos sejam reduzidos a escrito; parte será feita por exposição verbal. Não se esqueça, porém, que os laços de cooperação internacional que dia a dia se apertam e os compromissos daí resultantes fazem com que muitos dos problemas internos se discutam normalmente à roda de mesas internacionais.
Este carácter de normalidade obriga muitos funcionários a considerarem que a sua mesa de trabalho tanto está no País como fora dele.
Quando regressam, há que dar andamento aos papéis que aguardam solução (por vezes dependente do que no estrangeiro se resolveu) e pôr o Ministro responsável ao corrente do que se passa.
Um relatório escrito nem sempre, nestes casos, traduzirá a forma mais eficiente a mais económica de trabalho.
Não se exige, de resto, a um funcionário que, no exercício normal das suas funções e para o bom desempenho delas, se desloque dentro do País a apresentação de um relatório escrito. Uma ida ao estrangeiro é hoje tão necessária, tão normal, como aquela.
Afigura-se, por isso, inconveniente e antieconómico estabelecer, com carácter de generalidade, a obrigação de relatórios escritos, que, as mais das vezes, quando forem apresentados estarão ultrapassados.
151. Besta a «demonstração (pelas mesmas missões oficiais) da coincidência dos seus fins com os objectivos da política nacional».
Não se crê que a qualquer missão, designada para ir ao estrangeiro, se possa impor semelhante obrigação.
Não são as missões ou os delegados que resolvem atravessar a fronteira. E o Governo quem decide a oportunidade da presença do País em determinada reunião internacional e quem escolhe os seus representantes.
Ao Governo, e só a ele, cabe a responsabilidade da decisão. Aos delegados cabe-lhes, as mais das vezes, cumprir uma ordem de serviço. E não têm de saber, nem os Ministros são forçados a informá-los, de todas as razões de ordem política -nem sempre aparentes - que conduzem o Governo em determinado sentido.
ARTIGO 18.º
152. O artigo 13.° trata do cadastro geométrico da propriedade rústica, na metrópole, e divide-se em duas partes: na primeira parte determina que durante o ano de 1955 a Direcção-geral das - Contribuições e Impostos e o Instituto Geográfico e Cadastral apresentem ao Governo uma proposta que conduza à completa realização do cadastro no prazo máximo de doze anos; na segunda parte foca-se o problema da conservação do mesmo cadastro « prevê-se a criação dos serviços técnicos administrativos necessários a essa conservação.
153. É do reconhecimento geral a importância do cadastro geométrico da propriedade rústica, como documentário da riqueza do País e instrumentos, não necessariamente de maiores créditos fiscais, mas de melhor justiça fiscal.
Também muitas vezes se tem reconhecido a lentidão dos trabalhos do cadastro.
E por isso de louvar o disposto na primeira parte do artigo, onde, pela primeira vez, se vê a fixação de um prazo certo para a completa realização do cadastro geométrico.
154. A segunda parte trata ria conservação do cadastro e da criação dos serviços necessários a essa conservação.
Já a Lei n.° 2038, de 28 de Dezembro de 1949 (§ único do artigo 13.°), autorizava o Governo a estabelecer o sistema de conservação do cadastro geométrico.
Pela sua evidência, não carece ser esclarecida a necessidade de permanente actualização do cadastro geométrico: ela é a própria condição da sua utilidade.
Nada, portanto, há a observar em desfavor da criação de serviços necessários.
155. O artigo merece apenas um reparo, que aliás já foi feito quando se examinaram os artigos 10.° e 11.°: a disposição dirige-se directamente a serviços, e não ao Governo.
A alteração de forma que esta Câmara propõe ao artigo 13.º é ditada apenas por esse reparo.
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IV
Política de valorização humana
ARTIGO 14.º
156. Poucas disposições haverá em qualquer lei, de tão denso significado, com tão profunda ressonância em nossos corações, como aquelas que, sob este título, as leis de autorização possam inserir.
A valorização humana é, na verdade, o escopo primacial da acção política, o um dominante a que tudo se deverá subordinar numa sociedade vivificada pelo espírito cristão.
Projectam-se para 1955 providências todas elas dirigidas à saúde do corpo, todas elas sem dúvida indispensáveis, bem-vindas, poucas certamente para as nossas ambições.
O ano passado, lado a lado aos cuidados com o corpo - comparticipações nos encargos e sustentação dos serviços de protecção à maternidade e primeira infância -, contemplavam-se cuidados com o espírito: a instrução primária, a Campanha Nacional de Educação de Adultos.
Dos resultados obtidos já com o benemérito Plano de Educação Popular não. há que falar. A eloquência dos números que em seguida se apresentam torna supérfluo qualquer comentário.
QUADRO I (a)
Ensino primário a educação supletiva de adultos
População com mais de 7 anos; alunos inscritos; lugares docentes; exames
(Ver quadro na imagem)
(a) Como não é possível saber o número de escolas regimentais o dos respectivos inscritos nos anos de 1900-1910 e 1925-1926, também não se lhes faz referencia nos demais anos constantes do quadro. Esclarece-se, no entanto, que o número de inscritos nessas escolas foi de 23 266 em 1948-1949 e de 17 064 em 1951-1952. Em 1952-1953 esse número era de 17 606 e de cursos, pela primeira vez apurado neste ano, foi de 621. Em 1953-1954 esses dados foram de 21 033 e 714, respectivamente.
(b) Neste número inclui-se 13 759 alunos das escolas móveis, que também se dedicavam ao ensino de adultos, não sendo possível fazer a discriminação entre estes e as crianças.
(c) Ignora-se o número de alunos inscritos no ensino particular, quer em 1909-1910, quer em 1925-1926. De qualquer maneira presume-se que, a não estar esse número englobado no total, tenha sido muito pequeno.
(d) Porque no regime do ensino em vigor em 1925-1926 não se efectuavam exames na 3ª classe, os elementos respeitantes à aprovação são de 1927-1928.
(e) Não é possível distinguir os exames de crianças ou de adultos, mas pode assegurar-se que o número destes últimos foi muito reduzido.
(f) O número de cursos de educação de adultos de 1953-1954 abrange os criados ao abrigo dos artigos 17º e 18º do Decreto-Lei nº38 968 (5 524) e os do regime de Campanha (11 700).
(*) Dados provisórios do serviço de estatística da Direcção-Geral do Ensino Primário e segundo informação da Campanha Nacional de Educação de Adultos.
Anote-se, pois, que o aumento verificado nas inscrições nos últimos três anos subiu, relativamente às crianças e em valor absoluto, de 134 761 unidades e em valor relativo 20 por cento, e relativamente aos adultos, respectivamente, de 251 381 unidades e 931 por cento.
Quadro II
Cursos de educação de adultos(regime normal e permanente) e Campanha Nacional de Educação de Adultos(cursos em regime livre e transitório)
Alunos inscritos nos cursos - Exames
(Ver quadro na imagem)
Notas
1) Nos números referentes a 1951-1952 incluem-se 621 cursos de escolas regimentais a 17 064 alunos nelas inscritos. Nos números de 1952-1953 e 1953-1954 inserem-se, respectivamente, 621 e 714 cursos de escolas regimentais e 17606 e 21033 alunos inscritos nessas mesmas escolas.
2) Com excepção dos elementos respeitantes a 1953-1954, colhidos pela Direcção-Geral do Ensino Primário, os dados constantes do mapa são fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística. Os números do 1953-1954 são provisórios.
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Só um apontamento sobre o mapa, outro à margem dele:
O número de cursos alcançado em 1903-1954 (17 224) representa, em média, a criação de 48 cursos por dia lectivo, desde 1951-1952.
Muitos destes cursos foram já encerrados . . . em virtude de os seus alunos já haverem feito o exame de instrução primaria.
157. Não se tem limitado a Campanha Nacional de Educação de Adultos, e muito bem, à intensificação do combate ao analfabetismo. Paralelamente, e em complemento da educação de base, tem executado um largo plano educacional, fornecendo aos iletrados em recuperação noções de educação moral, cívica, familiar, sanitária e outras que contribuem para os tornar valores activos na colectividade nacional.
Ainda há pouco, em relatório apresentado à UNESCO, enumerava a Campanha os vários meios de que se havia servido: a rádio, as discotecas circulantes, o cinema, o teatro móvel percorrendo todo o País, bibliotecas das escolas primárias, itenerantes e central da Campanha, o jornal A Campanha, com uma tiragem de 80 000 exemplares, publicações de cultura e de educação gratuitamente distribuídos às dezenas de milhares, missões culturais, exposições itenerantes, visitas a museus e monumentos . . .
Que prossiga em extensão e, já agora, em profundidade é o voto da Câmara Corporativa.
158. Besta dizer que, tal como em 1903, as despesas com ti campanha contra o analfabetismo se mantiveram, em 1954, em nível muito baixo: dos 40:000.000$ atribuídos despenderam-se, de Janeiro a Setembro, 6:734.478$40.
159. Mas, para além deste aspecto de instrução popular generalizada, fundamental, apesar de tudo restrito, largo quinhão no cultivo do espírito há ainda a pedir ao poder público, na defesa do património moral da gente portuguesa, mais do que nunca ameaçado por estranhas ideias tão suas inimigas.
A Câmara desejaria que a política de valorização humana se não circunscrevesse, nesta lei, a medidas assistenciais «às doenças reumatismais e cardiovasculares e à criação c manutenção de centros ou serviços de recuperação e terapêutica ocupacional de paraplégicos, traumatizados e outros doentes».
Mesmo neste programa assistencial à doença, talvez ainda pudesse caber este ano uma referência à diabetes, considerada hoje entre as doenças sociais de maior interesse em todos os países e de cuja assistência foi Portugal paladino ao fundar em 13 de Maio de 1926 a primeira associação protectora de diabéticos na Europa.
Acrescente-se que já em 1938 mereceu a diabetes, da parte do Sr. Presidente do Conselho, ao tempo Ministro das Finanças, uma inscrição especial no orçamento.
160. Quanto ao programa assistencial propriamente estabelecido pelo artigo em causa, ele só pode merecer aprovação. Trata-se na verdade de doenças flagelos que só os cuidados do Poder alcançarão debelar.
A justificação do artigo acha-se feita com o seu simples enunciado; vale a pena, no entanto, a título de esclarecimento, juntar algum comentário.
161. O problema médico-social dos reumatismos tem ganho nos últimos anos uma importância excepcional, sobretudo, como é natural, nos países onde o flagelo é mais violento.
Em Genebra, em Agosto de 1953, e durante o VIII Congresso Internacional de Reumatologia, o próprio Presidente da Confederação Helvética nos revela no seu país a alarmante cifra de 70 000 a 80 000 inválidos pelo reumatismo, e na mesma ocasião o Prof. Bõni da Rheumaklinik, de Zurique, informava que o reumatismo custa ao povo suíço, anualmente, 430 000 000 de francos, enquanto a tuberculose não lhe custa mais de 100 000 000.
Na Holanda, em Outubro do ano corrente, efectuou-se uma reunião no Parlamento da Haia, convocada e presidida pelo Dr. Kortenhorst, para informar a imprensa da campanha para aumentar o número de leitos e outros recursos indispensáveis aos reumatizantes.
Nessa sessão o Secretário de Estado para a Saúde Pública anunciou que o Governo, consciente da sua responsabilidade, propunha para o ano de 1955 a quantia de 900 000 florins destinados à luta contra essa doença, que, disse, «mina a força do povo e é, relativamente à invalidez, o inimigo social n.° l».
A importância social dos reumatismos advém, na verdade, da sua grande frequência e da longa duração dos seus períodos de invalidez. Nos países onde os seguros em caso de doença estão já organizados verificou-se que o reumatismo fazia perder mais dias de trabalho e pagar mais gravosas indemnizações que a tuberculose e o cancro.
Em Portugal a relativa amenidade do clima poderia parecer um obstáculo de importância ao desenvolvimento da doença. Acontece, porém, que a predominância de outros factores etiológicos - osteoartroses, espondilartroses, nevrites ciáticas, braquialgias, lombalgias, etc. - a torna sumamente grave.
Não teremos tantos reumatizantes como os Suecos, ou os Ingleses, nem os prejuízos causados pêlos reumatismos serão duplos dos da tuberculose. Contudo, temos razões para afirmar que a gravidade do problema médico-social dos reumatismos entre nós não é inferior à da tuberculose ou à do cancro. Os inquéritos médico-sociais em curso, promovidos pelo Instituto de Reumatologia, e as observações minuciosas dos primeiros 6000 reumatizantes portugueses (efectuados nos serviços do Instituto de Reumatologia, na consulta reumatológica do Hospital Escolar e no Centro de Estudos Reumatológicos do Hospital Rainha D. Leonor) permitem-nos prever com certa segurança, e sem exagero, os números seguintes:
10 por cento da população portuguesa queixa-se, com razão ou sem ela, de reumatismo;
240 000 portugueses da metrópole (cerca de 3 por cento da população sofrem realmente de reumatismo (formas ligeiras, médias e graves);
80 000 portugueses (um terço dos 240 000 e cerca de l por cento da população) sofrem de formas médias e graves de reumatismo, que precisam de cuidados médicos e prejudicam o trabalho em maior ou menor grau;
24 000 portugueses, um décimo dos 240 000 e cerca de 0,3 por cento da população) sofrem de formas de reumatismo suficientemente importantes para serem tratadas em regime de internato (domiciliário ou hospitalar). O internamento reduz o tempo de tratamento e o número de inválidos definitivos.
Em Portugal há seguramente alguns milhares de inválidos definitivos por causa do reumatismo. Este número aumenta na medida da falta de diagnósticos precisos e precoces e de tratamentos adequados e persistentes.
162. A assistência médico-social aos cardíacos é matéria já legislada em grande número de países.
Já em 1950 o Prof. João Porto entendia ser a altura de o assunto merecer a atenção por parte dos Poderes Públicos, preconizando a inclusão legal da» doenças do coração entre as doenças sociais, a título igual àquele
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por que na base VII da Lei n.° 1998 (Estatuto de Assistência) se inclui o cancro, o sezonismo, a tuberculose, etc.
E num livro publicado em 1946 - Os Doentes do Coração, sob o Aspecto Médico-Social - o mesmo ilustre professor expôs um conjunto de conclusões-bases de onde o legislador poderá extrair elementos proveitosos para um programa de assistência nacional aos cardíacos.
163. Refere-se finalmente o artigo à «criação e manutenção de centros ou serviços de recuperação e terapêutica ocupacional de paraplégicos, traumatizados e outros doentes».
A medida, não obstante a sua autonomia, é, de certo modo, complementar da assistência proposta às doenças atrás referidas.
Na verdade, entre as doenças crónicas que com mais frequência lançam o homem na invalidez contam-se os reumatismos e as doenças cardiovasculares, só elas responsáveis por 'maior número de inábeis do que a tuberculose, as doenças do foro neurológico e os acidentes.
O número de inválidos provindos de todas estas sinistras fontes, em lugar de diminuir, tende hoje a aumentar, e paradoxalmente, na medida dos próprios benefícios que o homem ultimamente tem recebido da ciência médica, que ao alcançar-lhe uma maior duração de vida paralelamente ocasiona o aumento das doenças crónicas e das respectivas incapacidades físicas.
O progresso que a medicina física tem conhecido nos últimos dez anos tem aí grande parte da sua justificação.
Aproveitar-lhe desde já esse progresso será um passo de importância capital na reabilitação dos inválidos, como muito bem se refere na informação que nos foi fornecida pelo Sr. Médico-Chefe do serviço de fisioterapia do Instituto Português de Reumatologia e que, em parte, a seguir se transcreve:
A medicina física é de importância capital na reabilitação porque permite restaurar as duas qualidades fundamentais do aparelho locomotor: o movimento e a força. Graças aos métodos por ela empregados e aos correspondentes progressos com ela obtidos no doente, a reabilitação pode seguir-se-lhe com êxito.
Sabe-se que leis compensatórias da natureza realizam ajustamentos nas aptidões dos indivíduos fisicamente diminuídos: Assim, por exemplo, a perda de um dos sentidos conduz a uma maior acuidade dos restantes. Mas tais aptidões compensatórias não são automáticas. Carecem de experiência e de exercício, habilmente orientados.
A reabilitação ou terceira fase da medicina, no dizer do Prof. Howard A. Rusk (New-York University), terceira após o diagnóstico e terapêutica específica, tende precisamente a recuperar os incapacitados no mais alto grau possível da sua utilidade física, social, profissional e económica.
A reabilitação médica constitui esta parte da terapêutica que emprega os métodos médicos, psicológicos, educacionais e sociológicos com o fim de restituir ao doente, funcionalmente diminuído, o máximo de independência proporcionada às suas deficiências.
A experiência demonstrou que onde um adequado e completo serviço de medicina física e reabilitação se encontra em actividade pelo menos trás importantes benefícios dele resultam:
1.° Diminuição dos dias de hospitalização;
2.° Redução apreciável das sequelas dos acidentes ou da doença;
3.º Raridade das readmissões.
São frisantes os resultados obtidos com o programa de medicina física e reabilitação efectuado num dos hospitais norte-americanos da Veterans Administration. De 130 doentes crónicos hospitalizados, muitos dos quais não saíam do leito havia dez anos, após nove meses de medicina física e reabilitação, 25 deixaram o hospital e foram empregados, 40 tiveram alta para as suas casas, aptos a realizar trabalhos leves, e, dos restantes, 30 continuaram q tratamento de reabilitação, porém já em regime ambulatório, e 25 podiam efectuar alguns dos cuidados pessoais de prática diária. Com excepção de 10, todos os restantes deste grupo revelaram valiosa e permanente melhoria do seu estado. Ora com uma expectativa de cinco anos para estes doentes e um gasto por doente e por dia de hospitalização superior a 12 dólares, a sua reabilitação poupou ao Governo e eventualmente ao contribuinte a soma de l 125 000 dólares.
A experiência da Federal Office of Vocational Rehabilitation demonstrou também como a reabilitação é economicamente compensadora. No decurso de 1944, 43 997 pessoas foram submetidas a um programa de reabilitação. Deste grupo, 22 nunca tinham conseguido qualquer emprego e 90 por cento estavam desempregadas à data do início da sua reabilitação. O salário médio anual após a reabilitação foi de 1768 dólares, ao passo que antes era de 148 dólares, custando a reabilitação por cada caso apenas 293 dólares. (Annual Report of the Federal Security Agency, Office of Vocational Reabialitation, 1946, sect. 2).
E em 1947 as 44 000 pessoas reabilitadas passaram a receber anualmente mais de 70 000 000 de dólares, dos quais restituíram ao Governo Federal, só para pagamento de impostos (cujo produto não entraria no Tesouro se os doentes não tivessem sido recuperados) a soma de 5 000 000 de dólares. A média de idade dos indivíduos reabilitados regulava pêlos 31 anos. Se um só destes indivíduos pagasse durante 85 por cento da sua vida provável, pagaria 10 dólares em impostos por cada dólar que o Governo Federal tivesse despendido com a sua reabilitação (Press release on the Preliminary Year-End Report of the Office of the Vocational Rehabilitation, Julho 6, 1948).
Pelas razões apontadas, nomeadamente pelas indiscutíveis vantagens que no campo social e económico a reabilitação proporciona, está sendo hoje acarinhada pêlos Governos de inúmeros países e largamente subsidiada, de modo particular nos Estados Unidos, na Inglaterra e na Suécia.
Vale a pena este esforço dos poderes públicos, não só por ser economicamente compensador para as nações que a ele se abalançam, mas também por simples dever e humanidade, das mais belas repercussões de ordem moral e social, quer no indivíduo directamente beneficiado, quer no agregado familiar e na colectividade de que participa.
164. O interesse que a esta Câmara mereceram as disposições constantes do artigo 14.° e as informações valiosas que sobre elas recolheu levam-na a sugerir algumas alterações ao artigo, no sentido de alargar, pela inclusão da diabetes, o programa assistencial a doença, e de melhor explicitar o generoso pensamento do Governo no que à reabilitação de inválidos se refere.
Investimentos públicos
ARTIGO 15.º
165. O artigo 15.° da proposta de lei é a rigorosa reprodução dos artigos 20.° e 21.° da Lei n.º 2067.
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Estabelece-se no artigo l5.° que serão inscritas no Orçamento Geral do Estado, em despesa extraordinária dos diversos Ministérios:
a) As importâncias necessárias para satisfazer em 1955 os encargos que ao Estado cabem na execução do Plano de Fomento;
b) As verbas destinadas à realização de obras, melhoramentos públicos e aquisições, autorizadas por leis especiais, e não incluídas no Plano de Fomento, regulando os respectivos investimentos de modo a dar primazia aos empreendimentos e trabalhos em curso.
166. No que respeita à aplicação dos dinheiros públicos seria, sem dúvida, este capítulo da lei de autorização «Investimentos públicos» aquele que maior lugar deveria ocupar no parecer da Câmara.
Na verdade, sob este título de «Investimentos, públicos» - que poderia também conter os disposições referentes à política rural - se engloba todo o pensamento, presente e distante, do Governo e toda a acção imediata que ele se propõe para efectivo concretização do rumo definido ao progresso do Paia.
Neste capítulo se acantona a grande parte das despesas variáveis a que nos referimos ao apreciar, na generalidade, a estrutura da proposta de lei de autorização, tal como resulta do artigo 91.º, n,0 4.°, da Constituição.
Acontece; porém, que, no clima constitucional em que é estruturada, a proposta de lei, no seu capítulo sobre «Investimentos públicos» (artigo 15.°) não fornece elementos de exame e ponderação.
O artigo limita-se:
a) A estabelecer que os- investimentos públicos se inscreverão como despesa extraordinária dos diversos Ministérios;
b) A fixar um princípio; e um só, de orientação dos investimentos: primazia dada aos empreendimentos e trabalhos em curso
Não parece que as matérias referidas em a) e b) mereçam discussão, e por uso dentro do objectivo que o artigo 15.° se propõe nada há a opor a esse artigo.
167. Duos são as grandes zonas dos investimentos para efeitos orçamentais: investimentos dentro do Plano e investimentos por fora do Plano.
168. Quanto à primeira -investimentos dentro do Plano - pode dizer-se que a Assembleia Nacional e a Câmara Corporativa possuem hoje elementos que lhes permitem conhecer a orientação que o Governo se propõe fixar no Orçamento.
Na verdade, dispõe-se do Plano de Fomento e, portanto, dos investimentos previstos para 1955.
E este Plano um indicador notável e constitui, por isso, em matéria de conteúdo da lei de autorização, iam progresso que não seria justo minimizar.
Acontece, porém - e outra coisa seria difícil deixar de acontecer -, que mós primeiros- anos- -a fase de arranque - não será possível realizar as previsões do Plano. Esta verificação impõe se conclua que, por esse facto, a sua execução em 1955 não corresponderá ao previsto de início, mas antes àquilo que o Conselho Económico decidir, tendo em vista a execução efectiva, por um lado, e as possibilidades reais, por outro.
Nestas condições, não interessa, para esclarecimento do artigo 15.° da presente proposta, fazer de novo referencia- ao Plano inicial. Só interessaria a sua revisão - que ainda não está disponível.
Ao contrário, estão ao nosso dispor, precisos e actualizados, todos os dados, sobre a execução e financiamento do Plano até Setembro do ano corrente.
Esses elementos, do maior interesse, constam entre os «indicadores para um balanço económico», que fixámos e estudámos quando, na apreciação na generalidade, se tentou indicar a evolução da conjuntura económica.
169. No que respeita à segunda zona dos investimentos públicos - investimentos por fora do Plano - poucos elementos se possuem, a não ser os que resultam do conhecimento das obras em curso.
Na verdade, o volume dos investimentos nesta zona dependerá:
a) Da posição relativa que o Conselho Económico fixar ao Orçamento Geral, do Estado como fonte de financiamento do Plano;
b) Da política do Governo, nomeadamente da sua táctica em matéria de margens de segurança.
Nenhuns dados se possuem sobre estas hipóteses de base.
170. A Câmara, ponderados os indicadores da conjuntura económica e as perspectivas da sua evolução, a curto prazo reconhece a posição favorável em que o País se encontra - para continuar mais activamente ainda - na política de conquista da riqueza moral e material em que estamos empenhados.
Se essa situação favorável em tão grande parte é devida à inteligência e prudência da Administração, não se duvida de que a mesma Administração encontrará no Orçamento de 1955 o equilíbrio entre a prudência necessária e o dinamismo possível.
ARTIGO 16.º
171. O artigo 13.° da Lei n.° 2038, de 28 de Dezembro de 1949, que anualmente vinha a ser reposto em vigor por simples disposições especiais dos leis de autorização, dividia-se em duas partes, agora integralmente transcritas em artigos independentes.
A primeira parte corresponde, a este artigo 16.° do projecto em análise.
Nele se prevê a despesa que o Instituto Geográfico e Cadastral realizará com levantamentos topográficos e avaliações, em cumprimento do Decreto-Lei n.° 31 975, de 20 de Abril de 1952, ou seja aquele decreto que articulou as actividades, do Instituto com as da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, em ordem a permitir ao Ministro das Finanças utilizar os elementos do cadastro geométrico da propriedade rústica para a liquidação da contribuição predial e dos impostos sobre as sucessões e doações e sisa.
Trata-se formalmente de uma «simples regularização de escrita na mecânica dos pagamentos», conforme muito bem se disse no parecer desta Câmara sobre a Lei n.º 2038; substancialmente, da manutenção de um serviço de larga projecção na economia nacional e na justiça fiscal.
VI
Política rural
ARTIGOS 17.°, 18.° E 10.º
172. Igual capítulo da Lei de Meios anterior continha dois artigos; abrange este ano três.
Só o último é novo sob a epígrafe, não na lei, que à sua matéria se referia precisamente a segunda parte
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do corpo do artigo 13.º da Lei n.° 2038, atrás referido, que o artigo 28." da última lei de autorização repunha simplesmente em vigor.
173. Refere-se o artigo 17.º aos auxílios financeiros destinados a promover a melhoria das condições de vida nos aglomerados rurais.
A importância económico-social da disposição é evidente num país como p nosso, onde a maior parte da poulação ainda vive da terra.
Não se pode naturalmente fiar destes auxílios a solução do problema rural português - nem o artigo assina tais objectivos nem o Estado pode suprir o muito que na matéria do artigo deverá caber aos municípios e, em certos casos, sobretudo à actividade particular.
Mas o que não há dúvida é que os auxílios financeiros propostos virão em socorro de muita necessidade, serão fonte de muita riqueza e factor relevante naquele bem-estar que a própria justiça social já hoje exige se dê à boa gente do campo português
174. Estabelece o artigo uma ordem de precedência nos fins para que os auxílios são concedidos, ordem que deverá ser respeitada na medida do possível:
a) Abastecimento de águas, electrificação e saneamento ;
b) Estradas e caminhos;
c) Construções para fins assistenciais ou para instalação de serviços:
d) Melhorias agrícolas, designadamente obras de rega, defesa ribeirinha e enxugo;
e) Povoamento florestal.
Corresponde esta ordem à redacção aprovada ó ano passado pela Assembleia Nacional, em substituição da que constava do projecto de proposta e vinha da Lei n.º 2050 - as actuais alíneas d) e e) precedendo as alíneas b) e c).
175. Nada tem a Câmara a opor a nova redacção do projecto, como nada tinha a opor à antiga. A disposição que manda respeitar «quanto possível» a ordem de precedência tem suficiente maleabilidade para permitir a aplicação dos auxílios na medida das verdadeiras necessidades locais.
176. O artigo 18.° repete a disposição do artigo 24.º da Lei de Meios anterior, onde pela primeira vez veio inserta:
Art. 18.° As verbas destinadas a melhoramentos rurais não são susceptíveis de transferência.
Tal como-o ano passado, não parece a esta Câmara que o artigo mereça inclusão em alei de autorização», pois, «constituindo a dotação em causa sempre um artigo orçamental, a sua movimentação obriga à publicação de um diploma no Diário do Governo, forçosamente referendado pêlo Ministro das Finanças (artigo 37.º do Decreto n.° 18 381 - reforma da contabilidade)».
177. Trata o artigo 19.° da dotação, indispensável à satisfação das importâncias devidas àquelas Casas, nos termos do Decreto-Lei n.° 30 710, de 29 de Agosto de 1940 (e não Decreto-Lei n.° 30.719, como por erro tipográfico se imprimiu).
Este decreto, que deu nova organização às Casas do Povo, determinou no seu artigo 12.° e § 2.° que o Estado concorresse pára o fundo comum das mesmas Casas com a dotação de 5.000$ por cada casa que se constituísse.
Esta dotação de 5.000$, embora destinada a diferente fim, vem já do Decreto-Lei n.° 23 051, de 23 de Setembro de 1933, que criou as Casa do Povo.
Aí se estabelecia a dotação em favor- de um fundo permanente de mutualidade por cada mutualidade que as Casas organizassem e, mais tarde, também por cada instituição ou caixa de previdência que fundassem (Decreto-Lei n.° 23 951, de 2 de Junho de 1934).
A importância acumulada destas dotações foi, pelo citado decreto reformador, mandada reverter para o Fundo Comum das Casas do Povo, do mesmo modo que em favor dele passaria a ser concedida a antiga dotação, mas agora por cada Casa do Povo que se Constituísse.
A inclusão da matéria constante do artigo 19.° na lei de autorização só se justifica pela conveniência de se atribuir à despesa a natureza de extraordinária.
178. Nada tem a Câmara Corporativa a opor ao preceito. Pelo contrário, louvará tudo quanto se faça no sentido de fomentar o aparecimento de novas Casas do Povo - criação genuína do corporativismo, português. E, nesta ordem de ideias, sugere que, ao menos se proceda à actualização das dotações. Os 5.000$ já em 1933 constituíam modesto incentivo à sua criação. Hoje terão interesse meramente simbólico.
A actualização da verba não terá repercussão mensurável no agravamento das despesas; mas essa actualização- será uma afirmação - e - como tal valiosa - do firme propósito que não pode perder-se de fazer viver, em todos os cantos do País, o pensamento que informou a criação das Casas do Povo- grande esperança; ainda não realidade, mas ainda esperança...
VII
Racionalização de encargos nos serviços autónomos com receitas próprias o fundos espaciais
ARTIGO 20.°
«Continua o Governo autorizado a proceder à disciplina dos fundos especiais existentes e à sua concentração para o efeito de melhorar e aplicar as respectivas disponibilidades ao fomento da riqueza.
§ único. Enquanto não for promulgada a reforma resultante dos trabalhos a que alude este artigo, a gestão administrativa e financeira dos citados fundos continuará subordinada às regras 1.º a 4.° do •§ 1.° do artigo 19.º da Lei n.º 2045, de 23 de Dezembro de 1950, igualmente aplicáveis aos serviços autónomos e aos dotados de simples autonomia administrativa».
179. A disposição proposta é, em substância, idêntica à do preceito correspondente da lei de autorização para 1954, que, com ligeiras alterações à matéria constante do actual artigo 20.°, se mantém nas leis de meios desde 1950.
Sobre o problema se tem pronunciado largamente a Câmara Corporativa nos seus pareceres anuais, nomeadamente no parecer sobre a lei de autorização para 1951, onde se escreveu:
Em nosso parecer, existirá um fundo especial sempre que o (Estudo atribua ou consinta que determinados rendimentos públicos sejam arrecadados directamente por alguma entidade, para o fim de por ela - e só por ela - serem despendidos em aplicações destinadas a preencher certo objectivo. Deste modo, entendemos que não serão apenas fundos especiais aqueles que forem intitulados como tal, mas também todos os demais desde que se encontrem nas condições atrás definidas.
Se se analisar o anexo em que agrupámos os fundos especiais, concluir-se-á que a criação de uns
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obedeceu a uma finalidade económica; que outros surgiram por necessidades de momento; que muitos pretendem atingir um fim social ou humanitário. Por outro lado, a nua administração, a prestação de contas, a sua subordinação revestem as mais heterogéneas características: há os que são administrados directamente pelo Estado; outros gozam de gestão autónoma; finalmente, os colónias, às autarquias locais, aos organismos corporativos e de coordenação económica e até às próprias entidades particulares foi entregue o governo de outros.
Paralelamente, se há fundos discriminados na parte substancial do Orçamento Geral do Estado, há também os que só vêm na parte complementar do mesmo orçamento; há os que têm os seus orçamentos sujeitos a apreciação do Ministério das Finanças; há os que não estão sujeitos a essa formalidade; há os que constam de orçamentos camarários, e há os que são insertos nos orçamentos das colónias.
No tocante à prestação de contas, pode dizer-se que a mesma também reveste as formas mais variadas. Encontra-se de tudo, desde o paralelismo com os serviços públicos abrangidos na Conta Geral do Estado até ao regime da prestação directa aos Ministros, ao Tribunal de Contas, a Direcções-Gerais dos Ministérios, a tribunais administrativos das colónias.
Quanto à subordinação, fundos há que são dependentes de Direcções-Gerais, o que quer dizer que não têm vida autónoma. Mas outros são autónomos e alguns integram-se mesmo em serviços autónomos, assim como em serviços com autonomia administrativa.
Visto o exposto, razão de sobra tem o Sr. Ministro das Finanças para querer estudar o regime legal e a situação financeira dos fundos especiais, com o anunciado objectivo que consta do referido artigo 18.° da proposta.
O projecto é vasto e do maior interesse. Será com certeza possível extinguir alguns fundos e juntar outros, mas haverá sempre necessidade de manter os que, dada a natureza especial das suas receitas ou os fins a que se destinam, visem um propósito inatingível por processo diferente. Na verdade, não se vá maneira prática de trazer às regras gerais da contabilidade pública a realização, por exemplo, de despesas com compensações de preços de géneros e mercadorias para defesa do consumidor, ou para desenvolvimento da exportação, ou para fomento de certas indústrias, quando é certo que estas operações estão fora, dada a sua própria natureza, da normal acção da máquina burocrática do Estado e só são possíveis por força de encargos quase sempre suportados pélas próprias actividades beneficiadas. E este, de resto, o pensamento do Sr. Ministro das Finanças, conforme resulta da letra do corpo do artigo 18.°
Pelos Decretos n.° 5519, 13 872, 14 908 e 15 465, respectivamente de 8 de Maio de 1919, l de Julho de 1927, 18 de Janeiro de 1928 e 14 de Maio do mesmo ano, o Governo procurou regular o regime dos fundos especiais. Reconhece-se, no entanto, que outras medidas devem ser tomadas, e o corpo do artigo, tal como se encontra redigido, permite ao Governo adoptar as que se afiguram mais evidentes à Câmara Corporativa e que são as que dizem respeito à uniformização das regras de funcionamento e de fiscalização dos fundos especiais. E os que presentemente não vão à parte substancial do Orçamento Geral do Estado deviam constar -pensas-se - no preâmbulo do mesmo. Esta prática contribuiria para se ter uma visão panorâmica sobre os encargos tributários e corresponderia, afinal, ao que se teve em vista com o artigo 1.º da reforma orçamental de 1928 (Decreto n.° 15 465) ao dizer-se que o «Orçamento do Estado, como expressão geral das receitas e despesas públicas, compreenderá, além das receitas e despesas do Estado, os elementos necessários à apreciação da situação financeira das autarquias locais e das colónias».
180. A Câmara confirma, mais uma vez, aquele parecer.
E, pela inegável importância dos fundos, julga de salientar a necessidade de os seus orçamentos serem incluídos no preâmbulo do Orçamento Geral do Estado, sempre que não devam constar do próprio Orçamento.
E, para terminar: é esta a quinta vez que o Governo pede, em proposta da lei de meios, autorização para disciplinar os fundos especiais; a Gamara Corporativa formula o voto de quê durante o ano corrente essa autorização seja efectivamente utilizada.
A esta Câmara parece-lhe, porém, de suprimir, por inútil, na disposição do corpo do artigo, a palavra existentes».
ARTIGO 21.º
181. A redacção da presente proposta é a transcrição do artigo 26.° da Lei n.° 2067.
No parecer sobre a proposta daquela lei (pp. 217 e seguintes dos pareceres da Câmara Corporativa em 1954) esclarece-se plenamente o alcance do preceito a que a Câmara deu a sua concordância, que agora se confirma.
VIII
Compromissos internacionais de ordem militar
ARTIGO 22.º
182. O artigo 22.° da proposta de lei difere do preceito que lhe corresponde na Lei n.° 2067 - o artigo 27.°-, assim redigido:
As verbas extraordinárias destinadas a satisfazer as necessidades de defesa militar, de harmonia com os compromissos tomados internacionalmente, serão inscritas globalmente no Orçamento Geriu do Estado, obedecendo ao que se estabeleceu no artigo 25.º e seu § único da Lei n.° 2050, de 27 de Dezembro de 1951, podendo ser reforçada a verba inscrita para 1954 com a importância destinada ao mesmo fim e não despendida durante o ano de 1953.
Nada há a dizer sobre a matéria do artigo 22.°, em exame, que não tenha sido dato a propósito dos preceitos correspondentes das três leia anteriores: estamos em face de compromissos assumidos pelo Governo no quadro da organização do Pacto do Atlântico Norte.
183. Besta apenas esclarecer os motivos que impuseram a redacção do artigo 22.° da proposta.
De início previu-se que a despesa de 1500 milhares de contos resultante desses compromissos se deveria realizar em três anos.
Ao findar desse período de três anos reconhece-se não ter sido possível efectuar, dentro dele, a totalidade da despesa prevista, e, porque o compromisso militar subsiste, há que prever em 1955, a continuação do regime iniciado com a Lei n.º 2050.
Temos, assim e apenas, uma dilação no tempo de execução de um compromisso assumido.
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184. Na redacção do artigo emprega-se duas vezes o termo «remanescente», o que, na primeira leitura, pode criar confusão. A mecânica do preceito é, todavia, clara e não pode mesmo ser outra: no momento em que se fecha o Orçamento para 1955 há um remanescente conhecido - a diferença entre o compromisso total assumido e aquilo que foi efectivamente gasto em 1952 e 1953, acrescido da importância orçada para 1954 - e há ainda um remanescente desconhecido ou incerto - a diferença entre o orçado para 1954 e aquilo que efectivamente se gastar neste ano. Este segundo remanescente só será conhecido ao certo «m 14 de Fevereiro de 1955, razão por que no artigo 22.° desde já se prevê o reforço da verba correspondente ao remanescente ainda conhecido com a verba Em que vier a traduzir-se o remanescente agora incerto.
Nada há a objectar contra a disposição.
Disposições especiais
ARTIGO 28.º
185. Dispõe que continuem em vigor os artigos 24.º e 26.° da Lei n.º 2038, de 28 de Dezembro de 1949.
Anota-se, relativamente ao preceito correspondente do ano passado, o artigo 28.°, que se deixou de fazer a remissão para o artigo 23.° daquela lei e para o artigo 8.°, do Decreto n.° 38 586, de 29 de Dezembro de
186. De novo só há a referir que este ano se enuncia no preceito a matéria de que tratam as disposições para que remete.
E, assim, diz-se:
São aplicáveis no ano de 1955 as disposições dos artigos 14.º e 16.° da Lei n.° 2038, de 28 de Dezembro de 1949, relativas a funcionários consulares que residam em casas arrendadas pelo Estado e às construções referidas na base VIII da Lei n.° 1971, de 16 de Junho de 1938.
O artigo 14.°, aqui referido, não oferece especial comentário depois das considerações já feitas em pareceres anteriores, nomeadamente o parecer da Lei de Meios de 1952, e que a seguir se transcreve:
O artigo 14.º da Lei n.° 2038 (reprodução do artigo 16.° da Lei n.° 2031 e que, segundo a proposta, continuará ainda a vigorar) constitui remédio de emergência para uma situação angustiosa injustamente criada a alguns agentes consulares.
Segundo o artigo 119.° do Regulamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros, posto em vigor pelo Decreto n.° 29 970, de 13 de Outubro de 1939, se os compartimentos da casa onde funciona um consulado permitirem a boa instalação da chancelaria e, além disso, a condigna residência do cônsul, será esta consentida, mediante o encargo de uma parte da renda, que não será inferior a metade da renda global. Ora acontece que em vários países, particularmente no Oriente, mercê de circunstâncias económicas e sociais anormais, a participação na renda da casa exigida nos termos do artigo citado trazia com frequência aos cônsules dificuldades insolúveis de vida.
Pelo artigo 13.° da proposta (23.° da actual) deixa de haver nesse caso a limitação referida. Quer dizer: nos países de situação anormal os cônsules poderão residir no consulado, segundo o que se encontra disposto, mas sem obrigação de terem de pagar pelo menos metade da renda.
E, como já foi acentuado, uma medida de humano pendor.
187. Ao contrário do precedente artigo, já a maneira como o artigo 16.º da Lei n.° 2038 é reposto em vigor exige comentário autónomo.
Recorda-se que o artigo 23.° da proposta, preceito em análise, manda aplicar no ano de 1955 as disposições dos artigos 14.° e 16.° da Lei n.° 2038, relativos a certos funcionários consulares e as construções referidas na base em da lei do povoamento florestal.
A correspondência do artigo 14.° com a matéria que se lhe assinala não levantou problemas, pois, efectivamente, o artigo de outra matéria não cura.
Mas o artigo 16.° não trata unicamente de construções.
Diz ele:
As construções referidas na alínea c) da base VIII da Lei n.° 1971, de 15 de Junho de 1938 (construções de caminhos, sedes de administração, casas de guarda, postos de vigia, montagem da rede telefónica, obras de correcção torrencial ou quaisquer outras, em baldios a arborizar), poderão constar de projectos especiais, ainda que não tenham de preceder os trabalhos de arborização (ao contrário da referida base VIII, que dispunha só poderem constar de projectos especiais as construções que tivessem de preceder os referidos trabalhos de arborização).
E diz mais, em § único, o mesmo artigo 16.°:
Enquanto se não dispuser de cartas na escala fixada na mencionada base VIII (l : 5000), podem os projectos de arborização de serras e dunas ser elaborados sobre as cartas da região na maior escala em que estejam publicadas.
Repor em vigor a disposição do artigo 16.° da Lei n.° 2038 na parte relativa às construções referidas na base VIII da lei do povoamento florestal, como na presente proposta de lei se faz, será, evidentemente, excluir pára o ano que vem a aplicabilidade do § único do citado artigo 16.°, atrás transcrito.
E então todos os projectos a que este parágrafo se refere cairão na obrigatoriedade de ser elaborados sobre uma planta da escala de l : 5000, conforme o estabelecido na regra da base VIII.
Simplesmente ... a exigência é incomportável, visto não existirem ainda plantas de tal grandeza - as maiores acham-se levantadas na escala de l : 25 000.
188. Esta Câmara propõe a alteração da redacção do artigo 23.°, de modo a abranger o § único do artigo 16.° da Lei n.° 2038; e mais lembra que pela sexta vez o preceito reaparece em lei de meios.
ARTIGO 24.º
189. O artigo 24.° e último deste projecto de proposta de lei de autorização preceitua, tal como o ano passado o artigo 29.°, que:
O regime administrativo previsto no Decreto-Lei n.° 31 286, de 28 de Maio de 1941, é extensivo às verbas inscritas no Orçamento Geral do Estado com destino à manutenção de forças militares extraordinárias no ultramar e à protecção de refugiados.
O decreto-lei a que o preceito se refere determina que ca classificação e realização de despesas em conta
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das verbas de «diversos encargos resultantes da guerra» (legislava-se em 1941) seriam reguladas por instruções emanadas dos Ministérios respectivos, com a aprovação do Ministro das Finanças».
190. Nada tem a Câmara a opor ao artigo, antes continua louvando o cuidado que houve em determinar intervenção na matéria, do Ministro mais qualificado para fazer valer o essencial das boas regras financeiras.
III
Conclusões
191. A Câmara Corporativa, tendo em atenção as considerações gerais e especiais reproduzidas no decorrer deste parecer, entende ser de aprovar a proposta do Governo, com as seguintes alterações:
a) Suprimir o artigo 9.°, a parte final da alínea a) do artigo 12.° e a parte final do artigo 23.p;
b) Alterar e dar nova redacção aos artigos 3.°, 8.°, 10.°, 11.°, 13.°, 14.° e 20.°;
c) Articular autonomamente a última citação do artigo 7.°;
d) Reunir numa só disposição os artigos 5.° e 6.°, e o artigo 7.° na parte não abrangida na alínea anterior.
Projecto de proposta, de lei n.° 501,
segundo a redacção sugerida pela Gamara Corporativa
I
Autorização geral e equilíbrio financeiro
Artigo 1.º É o Governo autorizado a arrecadar em 1955 as contribuições e impostos e demais rendimentos e recursos do Estado, de harmonia com os princípios e as leis aplicáveis, e a empregar o respectivo produto no pagamento, dos despesas legalmente inscritas no Orçamemto-Geral do Estado respeitante ao mesmo ano.
Art. 2.° Durante o referido ano ficam igualmente autorizados os serviços autónomos e os que se regem por orçamentos cujas tabelas não estejam incluídas no Orçamento Geral do Estado a aplicar as receitas próprias no pagamento das suas despesas, umas e outras previamente inscritas em orçamentos devidamente aprovados e visados
Art. 3.° Durante o ano de 1955 serão tomadas as medidas necessárias para garantir o equilíbrio das contas públicas e o regular provimento da tesouraria, ficando o Ministro das Finanças autorizado a:
a) Providenciar por determinação especial, de acordo com exigências da economia nacional, de forma a obter a compressão das despesas do Estado e das entidades e organismos por ele subsidiados e comparticipados;
b) Reduzir as excepções ao regime de duodécimos;
c) Restringir a concessão de fundos permanentes e o seu quantitativo;
d) Limitar as requisições por conta de verbas inscritas no orçamento dos serviços- autónomos e com autonomia administrativa.
II
Política fiscal e política de crédito
Art. 4.° A Comissão de Estudo e Aperfeiçoamento do Direito Fiscal e a Comissão de Técnica Fiscal, instituídas pelo Decreto-Lei n.° 38 438, de 25 de Setembro
de 1901, devem intensificar os seus trabalhos de modo a poder ser dada por finda a sua missão em 31 de Dezembro de 1956.
Art. 5.° Continuam em vigor no ano de 1955 as disposições contidas nos artigos 3.º a 7.º e 9.º da Lei n.º 2038, de 28 de Dezembro de 1949, e o artigo 7.º da Lei n.º 2050, de 27 de Dezembro de 1951.
Art. 6.° O Governo prosseguirá a, revisão do regime legal de acumulação e incompatibilidades e, enquanto este não entrar em vigor, fica autorizado a manter as seguintes taxas de adicionamento ao imposto complementar sobre remunerações referidas no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 37 771, de 28 de Fevereiro de 1950:
a) 19 por cento sobre as importâncias superiores a 240:000$ e não excedendo 450.000$;
b) 20 por cento sobre as importâncias superiores a 450.000$;
Art. 7.° Durante o ano de 1955, em que deverão estar concluídos os estudos de que foi encarregada a comissão referida no artigo 7.° da Lei n.° 2059, de 29 de Dezembro de 1952, fica vedado aos serviços do Estado, e aos organismos de coordenação económica ou corporativos, criar ou agravar taxas e outras contribuições especiais não escrituradas em receita geral do Estado, sem expressa concordância do Ministro das Finanças, sobre parecer da aludida comissão.
Art. 8.º O Governo continuará a intensificar os trabalhos relativos à organização e actualização da conta de património, como elemento indispensável da determinação do capital nacional, e efectuará os estudos em ordem a definir as condições em que podem ser prestadas as garantias que impliquem responsabilidade total ou solidária do Estado.
III
Eficiência das despesas e dos serviços
Art. 9.° O Governo tomará as medidas necessárias à adopção, nos serviços, de métodos que permitam obter o melhor rendimento com o menor dispêndio, de harmonia com os estudos e propostas da Comissão Central de Inquérito e Estudo da Eficiência dos Serviços Públicos.
Art. 10.° Durante o ano de 1955, além da rigorosa economia a que são obrigados os serviços públicos na utilização das suas verbas, «principalmente na realização de despesas de carácter sumptuário», o Governo continuará a providenciai no sentido de:
a) Reduzir ao indispensável as despesas fora do Pais com missões oficiais;
b) Condensar o número de publicações oficinas, restringir as edições luxuosas que não obedeçam a finalidades artísticas ou comemorativas e procurar obter maior economia no custo de impressão.
§ único. Estas disposições aplicar-se-ão a todos os serviços do Estado, autónomos ou não, bem como aos organismos de coordenação económica e corporativos.
Art. 11.° Durante o ano de 1955, o Governo providenciará no sentido de se definirem as bases de realização, no prazo máximo de doze anos, do cadastro geométrico da propriedade rústica do continente e ilhas adjacentes, e bem assim do sistema de conservação do mesmo cadastro em ordem à criação dos serviços técnicos e administrativos indispensáveis, na medida do desenvolvimento das matrizes cadastrais.
IV
Política de valorização humana
Art. 12.° No ano de 1955 inscrever-se-ão verbas destinadas ao desenvolvimento de um programa assistencial às doenças reumatismais, cardiovasculares e à dia-
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betes, à criação e manutenção de um centro hospitalar destinado ao estudo, tratamento sistemático, recuperação e terapêutica ocupacional dos indivíduos deficientes motores, paralisias, malformações congénitas ou segue-las dos traumatismos, que servirá de base à criação futura de um serviço de confecção, de próteses e aparelhos artificiais e de um centro de escolha e ensino de novas profissões.
V
Investimentos públicos
Art. 13.° Serão inscritas no Orçamento Geral do Estado, em despesa extraordinária dos diversos Ministérios, as importâncias necessárias para satisfazer em 1955 os encargos que ao Estado cabem na execução do Plano de Fomento e as verbas destinadas à realização de obras, melhoramentos públicos e aquisições autorizados por leis especiais e não incluídos no Plano de Fomento, regulando os respectivos investimentos de modo a dar primazia aos empreendimentos e trabalhos em curso.
Art. 14.° O Governo inscreverá, como despesa extraordinária em 1955, as verbas necessárias para pagar no Instituto Geográfico e Cadastral as despesas com 03 levantamentos topográficos e avaliações a que se refere o Decreto-Lei n.° 31 975, de 20 de Abril de 1942.
VI
Política rural
Art. 15.° Os auxílios financeiros destinados a promover a melhoria das condições de vida nos aglomerados rurais, quer sejam prestados por força de verbas inscritas no Orçamento Geral do Estado, quer sob a forma de subsídios ou financiamentos de qualquer natureza, devem destinar-se aos fins estabelecidos nas alíneas seguintes, respeitando quanto possível a sua ordem de precedência:
a) Abastecimento de águas, electrificação e saneamento ;
b) Estradas e caminhos;
c) Construções para fins assistenciais ou para instalação de serviços;
d) Melhorias agrícolas, designadamente obras de rega, defesa ribeirinha e enxugo;
e) Povoamento florestal.
§ único. Nas comparticipações pelo Fundo de Desemprego observar-se-á, na medida aplicável, a ordem de precedência aqui referida.
Art. 16.° As verbas destinadas a melhoramentos rurais não são susceptíveis de transferência.
Art. 17.° O Governo inscreverá, como despesa extraordinária, a dotação indispensável à satisfação das importâncias devidas às Casas do Povo, nos termos do Decreto-Lei n.° 30 710, de 29 de Agosto de 1940.
VII
Racionalização de encargos nos serviços autónomos com receitas próprias e fundos especiais
Art. 18.° Continua o Governo autorizado a proceder à disciplina e concentração dos fundos especiais, para o efeito de melhorar e aplicar as respectivas disponibilidades ao fomento da riqueza.
§ único. Enquanto não for promulgada a reforma resultante dos trabalhos a que alude este artigo, a gestão administrativa e financeira dos citados fundos continuará subordinada às regras 1.ª a 4.ª do § 1.° do artigo 19.º da Lei n.º 2045, de 23 de Dezembro de 1950, igualmente aplicáveis aos serviços autónomos e aos dotados de simples autonomia administrativa.
Art. 20.° O Governo providenciará também no sentido de prosseguirem no ano de 1955 os estudos necessários para permitir maior disciplina na atribuição de receitas próprias, com o objectivo de restringir a sua afectação e limitar o poder de aplicação por parte dos serviços.
VIII
Compromissos internacionais de ordem militar
Art. 21.° O remanescente do montante fixado de harmonia com os compromissos tomados internacionalmente para satisfazer as necessidades de defesa militar será inscrito globalmente no Orçamento Geral do Estado, obedecendo ao que se estabeleceu no artigo 25.º e seu § único da Lei n.° 2050, de 27 de Dezembro de 1951, podendo ser reforçada a verba inscrita para 1955 com a importância destinada ao mesmo fim e não despendida durante o ano de 1954.
IX
Disposições especiais
Art. 22.° São aplicáveis no ano de 1955 as disposições dos artigos 14.º e 16.º da Lei n.º 2038, de 28 de Dezembro de 1949.
Art. 23.º O regime administrativo previsto no Decreto-Lei n.° 31 286, de 28 de Maio de 1941, é extensivo às verbas inscritas no Orçamento Geral do Estado com destino à manutenção de forças militares extraordinárias no ultramar e à protecção de refugiados.
Palácio de S. Bento, 3Q de Novembro de 1954.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Afonso Rodrigues Queira.
Guilherme Praga da Cruz.
Luís Supico Pinto.
Manuel Duarte Gomes da Silva.
António Carlos de Sousa.
Rafael da Silva Neves Duque.
Aires Francisco de Sousa (lastimo que no parecer não pudesse ter sido tratado o problema da onoresidade do imposto profissional das profissões liberais, cujos taxas foram aumentadas 50 por cento desde 1949.
Para a classe médica, cujo rendimento global diminuí cada vez mais, enquanto o número de profissionais cresce de ano para ano, o imposto está-se tornando excessivamente gravoso.
O aumento deste reflecte-se no imposto complementar, visto que os rendimentos colectáveis, base , deste imposto, são calculados multiplicando por 15 o imposto profissional corrigido com o agravamento de 50 por cento, e não o distribuído sem esse agravamento, conforme foi esclarecido por despacho ministerial.
Enquanto o imposto liquidado da contribuição predial aumentou 63 por cento de 1936 para 1953, o imposto profissional cobrado no País à classe médica aumentou no mesmo período 282 por cento. Creio que a situação merece ser ponderada).
José Gonçalo Correia de Oliveira, relator.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA