O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 277

REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 65

ANO DE 1955 13 DE JANEIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VI LEGISLATURA

SESSÃO N.º 65, EM 12 DE JANEIRO

Presidente: Ex.mº. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mºs. Srs. :
Castão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 64
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Almeida Garret fez o elogio da ilha Terceira e associou-se ao pesar manifestado pela morte do antigo Deputado Froilano de Melo.
O Sr. Deputado Augusto Simões requereu vários elementos pelo Ministério das Obras Publicas.
O Sr. Deputado José Sarmento ocupou-se da crise dos vinhos do Douro.
O Sr. Deputado Santos da Cunha falou sobre a organização corporativa.

Ordem do dia. - O Sr. Deputado Amaral Neto efectivou o seu aviso prévio acerca da necessidade de modificar o Código da Estrada.
O Sr. Deputado Meto Machado requereu a generalização do debate, que foi concedida- pelo Sr. Presidente.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 18 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente : - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 40 minutos.

Fez-se a chamada, â qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Antão Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida Garrett.
António Bartolomeu Gromicho.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
António Russell de Sousa.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Baltasar Leite Rebelo de 'Sousa.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Eduardo Pereira Viana.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.

Página 278

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 65 278

João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João da Assunção da Cunha Valeu ca.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
Mário de Figueiredo.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Venâncio Augusto Deslaudes.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 64 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 64.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado pede a palavra sobre o Diário das Sessões, considero-o aprovado.
Vai ler-se o

Expediente

Exposição

Sr. Presidente da Assembleia Nacional.-Excelência. - A promulgação do Decreto-Lei n.º 39672, que contém o novo Código da Estrada, da mais alta importância para a indústria seguradora, impôs-nos o dever de. após estudo daquele importante diploma, virmos muito respeitosamente apresentar a V. Ex.ª as sugestões e alvitres constantes do parecer elaborado pela, comissão permanente do ramo «Automóveis e responsabilidade civil» deste Grémio:
1.º Quanto aos artigos 6.º o 35.º:

Sinais dos condutores

É tendência, natural de grande maioria dos condutores esquecerem-se de que se 50 por cento da sua segurança consistem em vigiar atentamente os obstáculos que se lhos apresentam pela frente, certamente, os restantes 50 por cento resultam da eliminação dos perigos que lhes podem surgir de veículos vindos da retaguarda ou que eles mesmos podem criar a esses veículos ao fazerem as manobras a que estes artigos se referem.
Por isso é que um condutor prudente e avisado terá um especial cuidado em que o seu espelho retrovisor lhe dê uma visão perfeita do que se passa na sua retaguarda.
Em Inglaterra e em muitos outros países em que estes assuntos têm sido estudados profundamente verifica-se que a grande maioria dos condutores não se limita ao uso do espelho retrovisor interior, mas adopta também espelhos retrovisores exteriores, por vexes sobre os dois guarda-lamas da frente. Em Portugal este assunto tem sido muito desenfado, e uma inspecção aos espelhos retrovisores, principalmente de veículos automóveis pesados revelaria, certamente, que os mesmos são insuficientíssimos, permitem ângulos mortos de visão e explicam a origem de muitos sinistros. Permite-se até que os veículos circulem nas vias públicas com a cortina do vidro anterior fechada ou com persianas de plástico, o que- torna absolutamente ineficaz o espelho retrovisor - sem que se exija, nestes casos, a existência de. pelo menos, um espelho retrovisor exterior.
Esta situação resulta das disposições do Código da Estrada anterior, que no seu artigo 10.º, estabelece que «sempre que qualquer veículo em marcha necessite de mudar de direcção ou parar, deverá o seu condutor fazer sinal aos veículos que vierem à retaguarda, para que estes diminuam o andamento», mostrando assim que incumbe, aos veículos que marcham na retaguarda parar ou diminuir o andamento - como se estes sempre o pudessem fazer! Esta circunstância é ainda agravada pelo facto de os instrutores de motoristas atribuírem à realização dos sinais uma importância primordial, criando nos condutores a ideia falsa do que para realizar as manobras repentinas que lhes convierem a lei unicamente exige a execução dos sinais estabelecidos.
Quantos milhares de vidas perdidas podemos atribuir à realização do manobras bruscas, mas para a justificação das quais os que as praticam podiam alegar o cumprimento das disposições do Código da Estrada, e quantos milhares de acidentes se poderiam ter evitado se na nossa lei houvesse uma disposição semelhante, à do Código da Estrada belga, que, no artigo que só refere a estas manobras, diz textualmente o seguinte: «L´usage du signal ne peut renverser en rien lês droits et obligatious qui découleut légitimemeut pour les usagers, notamment de leur positionn relative ou de leur allure»
É que a coisa mais importante, quando só quer fazer qualquer das manobras a que se refere este artigo, não é o sinal: é sim a verificação atenta se a manobra se pode realizar.
Ora a redacção deste artigo parece-nos que também não põe liem em evidência a forma como as manobras devem ser realizadas, e sinceramente tememos que, na sua aplicação prática, encontre muitos motoristas que, cumprindo á risca as suas disposições, sejam um dos maiores perigos para a circulação.
Por estas razões, parece-nos que o artigo em causa interpretaria melhor o pensamento do legislador e seria mais equitativo e eficaz se fosse redigido da seguinte forma:

«1. Quando pretender diminuir a sua velocidade, parar, mudar de direcção, iniciar uma ultrapassagem ou inverter o sentido de marcha o condutor do veículo é obrigado a:
Assegurar-se que não só da sua frente mas também da sua retaguarda não vem qualquer veículo ou veículos em condições de distância e velocidade que tornem perigosa a realização da manobra;
Executar com o braço ou com o adequado dispositivo mecânico ou luminoso o sinal regulamentar correspondente».

Página 279

13 DE JANEIRO DE 1955 279

2.º Quanto ao artigo 7.º:

Velocidade

2. Dado o rigor das disposições punitivas previstas neste código e também a preocupação que no mesmo se nota de facilitar o trânsito, parecem-nos perigosas e, em certos casos, fora das realidades da prática automobilística actual as alíneas a], b) e c) deste número.
Com efeito, fala-se neste número em «velocidade especialmente reduzida», e esta noção imporia a dificuldade de definir o que se entende por ela.
Da leitura do n.º .1 deve deduzir-se que o legislador entende por tal aquela que, atendendo às características do veículo, condições da via, etc., não crie perigo para a segurança das pessoas e das coisas, nem desordem ou entrave para o trânsito.
À luz desta noção, e analisando a alínea a), que se refere às descidas de forte inclina-lo, imaginemos o caso concreto dum condutor dum carro ligeiro que desce a auto-estrada, vindo do Estádio Nacional para Lisboa, para entrar na Ponte Engenheiro Duarte Pacheco - e escolhemos esta por ser uma das descidas de mais forte inclinação perto de Lisboa.
Esse condutor, porque é extremamente prudente e apesar de saber que no estado actual da mecânica são raríssimos os acidentes provocados nos carros ligeiros modernos por falta de travões - 3 por cento segundo as estatísticas francesas-, resolve tomar a precaução máxima que o código só obriga para os veículos pesados, exagerando-a até, pois engata s segunda velocidade quando o seu carro poderia realizar o mesmo trajecto, em sentido ascendente, em terceira velocidade.
Simplesmente, a segunda velocidade na grande maioria dos carros modernos atinge facilmente 6O a 70 km à hora e, por isso, esse condutor pode encontrar-se na desagradável situação de ser autuado por um agente de trânsito que entenda que esses 60 a 70 km por hora não são uma «velocidade especialmente reduzida».
E, no entanto, não há nenhum condutor experimentado que não afirme ser mais seguro fazer a aludida descida a 60 ou a 70 km por hora com o carro em segunda velocidade do que faze-la a 30 km à hora com o motor desligado ou com a velocidade desengatada.
E a verdade é que, interpretando rigorosamente as disposições da lei, o agente de trânsito está dentro da razão, pois, no número que estudamos, a lei equipara o caso da alínea atrás citada com o das alíneas c), d], f), g) e h), casos em que um condutor consciente reduzirá de facto a sua velocidade a uns 30 km à hora.
O mesmo que dissemos para a alínea a) se aplica para a alínea b) no que se refere às curvas e para a alínea c).
Com efeito, dada a largura das estradas actuais, se ambos os condutores dos carros que se cruzam numa curva, ou numa recta mantiverem normalmente a sua mão poderão perfeitamente fazê-lo a 70 km à hora sem haver qualquer perigo. No entanto será isso uma «velocidade, especialmente reduzida»?
Parece-me que o n.º 2 traduziria a verdadeira intenção do legislador se fosse redigido do seguinte modo:
«2. A velocidade. devo ser especialmente reduzida nos seguintes casos:
a) Cruzamentos nu entroncamento* de visibilidade reduzida, lombas de estrada, pontes, túneis e passagens de nível;
b) Junto das escolas, hospitais, creches e estabelecimentos similares, quando devidamente, sinalizados;
c) Num atravessamento das localidades e à aproximação de aglomerações de pessoas ou animais;
d) Em todos os locais de reduzida visibilidade;
e) Nos troços de via em mau estado de conservação, molhados ou enlameados ou que ofereçam precárias condições de aderência;
f) Nas passagens assinaladas nas faixas de rodagem para a travessia dos peões».

3.º Quanto ao artigo 11.º:

Mudança de direcção

A forma tradicional de se realizar a manobra do mudança de direcção para a esquerda, a única que apresenta dificuldade nos países em que o trânsito se faz pela direita, é a seguinte: o condutor aproxima-se primeiro da sua mão o mais possível e efectua 'depois a manobra para a esquerda procurando atravessar perpendicularmente à estrada em que seguia.
Porém, nos códigos da estrada modernos francês, belga e italiano verifica-se que essa forma de fazer a manobra foi abandonada e adopta-se a seguinte: o condutor, com a devida antecedência, aproxima-se do eixo da via o efectua a manobra tanto quanto possível em sentido perpendicular àquele em que seguiu.
Atendendo unicamente às condições de segurança em que a manobra deve ser feita, parece-nos indiscutível a superioridade do sistema tradicional.
Com efeito, o condutor que pretenda voltar à esquerda, mas que, de longe, começa lentamente a obliquar para se aproximar do eixo da estrada, não tem naturalmente a mesma concentração na manobra que espaçadamente vai fazendo do que o condutor que concentra toda a sua atenção num só momento: o atravessamento da estrada perpendicularmente ao eixo em que seguia.
Acresce ainda que a mudança de direcção pelo processo de aproximação ao eixo da estrada dificulta naturalmente as condições de trânsito.
Julgamos que seria de aconselhar um sistema misto, sistema que a longa prática tem aconselhado ao motorista prudente, que o aplica naturalmente e para sua defesa.
Poderia, assim, estabelecer-se o seguinte:

Os condutores de veículos ou animais que pretendam mudar de direcção devem:
Assegurar-se previamente queda realização da manobra que pretendem efectuar não resulta perigo ou embargo para o restante tráfego;
Aproximar-se com a devida antecedência da sua mão e abrandarem a velocidade;
No caso de mudança de direcção para a esquerda, efectuar a manobra tanto quanto possível em sentido perpendicular àquele em que seguiam;
Noa centros populacionais e nas estradas em que os veículos circulam a par no mesmo sentido, a manobra de mudar de direcção para a esquerda poderá ser feita aproximando-se o veículo com a devida antecedência do eixo da via o efectuando a manobra tanto quanto possível em sentido perpendicular àquele em que seguia. Nestes casos o condutor só poderá voltar à direita se já se encontrar na fila da direita e à esquerda se já se encontra na fila da esquerda.
4.º Quanto ao artigo 20.º:

Iluminação

4. Não se compreendo porque é que no terceiro parágrafo deste número não só exige para os veículos que tiverem um acidente e forem rebocados, quando não puderem acender as luzes da retaguarda com a sua

Página 280

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 65 280

instalação eléctrica normal, a colocação de uma luz vermelha de aviso.
Com efeito, é evidente que, ao abrigo desta disposição, a maioria dos carros rebocados depois de uni acidente transitarão criando perigo, pois que na maioria dos acidentes de certa gravidade a instalação eléctrica tem todas as probabilidades de ficar inútil usada.
Parece que não haveria dificuldade em que os carros rebocadores passassem a ter no seu equipamento normal - que nos carros modernos é já bastante completo - uma luz vermelha de emergência para colocarem na traseira dos carros rebocados.

5. A esta disposição acrescentaríamos n obrigatoriedade de os veículos durante o dia serem obrigados a assinalar os extremos da carga com a colocação de um sinal bem visível que permita distinguir facilmente, e em todas as condições, a extremidade dos objectos indivisíveis que. saiam fora da caixa de carga.

5.º Quanto ao artigo 30.º:

Iluminação (veículos automóveis)

3. Parece-nos que. para não poder vir a ser iludida na prática a intenção do legislador, se deveria pormenorizar, como o fez o novo 'Código da Estrada francês, que os reflectores deverão ser visíveis durante a noite a uma distância de 100 m quando sobre eles incidam os máximos dos outros veículos.
Parece-nos também que para os veículos automóveis pesados se deverá exigir que os seus reflectores sejam maiores do que os usados para os veículos ligeiros.
6.º Quanto ao artigo 56.º:

Responsabilidade dos condutores e proprietários de veículos e animais

1. Temos de referir o segundo período deste número, que, em contrário do que- fazia o Código da Estrada anterior, admite o princípio de que os indivíduos transportados gratuitamente têm direito a indemnização, só o não tendo se «forem vítimas de acidente devido a caso fortuito inerente ao funcionamento do veículo que os transportava».
Na prática da jurisprudência, já na vigência do Código da Estrada anterior, os tribunais estavam condenando os proprietários de veículos automóveis pesados e ligeiros a pagarem indemnizações a passageiros transportados gratuitamente, baseando-se, para isso. nas disposições do Código Civil, isto é, quando as vítimas do acidente ou os seus herdeiros podiam provar que o mesmo resultara da culpa do condutor por negligência, manobra arriscada ou infracção das leis reguladoras do trânsito.
Este é o sistema adoptado hoje em todos os países, onde há muito se reconhece aos passageiros transportados gratuitamente, mesmo em carros particulares, o direito a uma indemnização em caso de acidente.
Porém, o nosso código, estabelecendo o princípio geral desse direito no mesmo artigo em que se refere à responsabilidade causada por um veículo ou animal na via pública - responsabilidade objectiva ou sem culpa porque baseada na teoria do risco - e admitindo unicamente como excepção o caso fortuito inerente ao funcionamento Este facto tem uma importância extrema, porquanto em caso de. acidente é ao condutor que cabe o ónus da prova de que se deu um caso fortuito inerente ao funcionamento do veículo, quando, polo sistema que resultava da aplicação do Código Civil e, repetimos, é o adoptado nos tribunais estrangeiros, designadamente <_:m veículo='veículo' que='que' a='a' de='de' culpa='culpa' aos='aos' gratuitamente='gratuitamente' seus='seus' ou='ou' prova='prova' ónus='ónus' do='do' transportada='transportada' herdeiros.br='herdeiros.br' cabe='cabe' o='o' houve='houve' condutor='condutor' frança='frança' vítima='vítima' da='da'> A leitura cuidada das disposições do novo código e. n sua comparação com os códigos de estrada modernos dos outros países mostra-nos que, da parte do nosso legislador, Louvo a preocupação de seguir os princípios da recente legislação sobre o assunto.
Sendo assim, parece-nos que se evitariam muitas dúvidas de interpretação e, talvez, até muitas injustiças futuras se no segundo período do n.º l do artigo 56.º indicasse que a responsabilidade resultante de acidentes de que. fossem vítimas os pessoas transportadas gratuitamente estava subordinada às disposições dos artigos 2393.º e seguintes do Código Civil.
2. Cumpre-nos manifestar a nossa discordância com a solução adoptada pelo legislador do novo Código da Estrada no que diz respeito ao problema máximo da viação: a indemnização das vítimas dos acidentem.
l)e facto, o conhecimento do que se passa nos países com maior experiência nesta matéria mostra que n maior preocupação dos legisladores consiste em assegurar a toda u vítima do um acidente de viação a indemnização em condições, tanto quanto possível, justas.
Isto é, à política de se atender ao montante do cada indemnização isoladamente substitui-se a de se procurar, acima de tudo, criar as condições necessárias para que nenhuma vítima de acidente do viação deixasse da receber a sua indemnização.
Assim, quem tem seguido interessadamente o que se passa na legislação e jurisprudência estrangeira em matéria de responsabilidade civil verifica que hoje as coisas se passam de uma forma diversa do que se passavam há dez anos.
Então os tribunais atribuíam nos casos concretos indemnizações altíssimas, mas verificava-se muitas vexes que algumas vítimas do acidentes não eram indemnizadas por os seus causadores não terem seguro nem bens que pudessem assegurar essas indemnizações.
Hoje verifica-se que a primeira preocupação ó que. toda a vítima de um acidente de viação seja indemnizada e si) em segundo lugar surge o problema de determinar qual o quantitativo dessa indemnização.
Consideremos o primeiro aspecto: a garantia do recebimento de uma indemnização.
Na Suíça a obrigação de segurar os veículos automóveis contra os danos causados a terceiros está incluída na Lei Federal.
Na Inglaterra essa obrigatoriedade está expressa no Road Traffic Act.
Em França. e na Itália o seguro não é obrigatório, mas, para indemnizar as vítimas de acidentes causados por carros não seguros ou de proprietários que não dispõem de meios, existem, respectivamente, o Fonds de Garantic Automobile e o Fondo Nazionale de Garanzia.
Quanto a este aspecto, que é talvez hoje em dia o mais importante, o nosso Código da Estrada não pode deixar de se considerar desactualizado, pois não só não cria o seguro obrigatório, como não organiza qualquer fundo de garantia automóvel.
O legislador fez uma pequena referencia a este .grande problema nas considerações gerais do Decreto-Lei n.º 39 672, dizendo a propósito do seguro obrigatório o seguinte:
A conveniência da obrigatoriedade do seguro tão frequentemente requerida foi também encarada com particular cuidado. Todavia, surgiram

Página 281

13 DE JANEIRO DE 1055 281

razões de ordem económica insuperável pois a imposição de tal obrigatoriedade exigiria o estudo e a reorganização de toda a indústria de seguros.

Sobre, o Fundo Nacional de garantia Automóvel não se fala e dá-se mais a entender que se não se decreta o seguro obrigatório isso só deve a unia incapacidade para assumir tal encargo Já indústria de seguros.
Salvo o respeito devido pelo legislador, não podemos deixar de afirmar que a indústria nacional de seguros se encontra organizada de modo a pode adaptar-se facilmente ao encargo que para ela representaria o seguro obrigatório de automóveis. cumprindo a sua missão da mesma fornia, que pelos tribunais do trabalho, autoridades imparciais, tem sido muitas vezes reconhecida de exemplar, como de há muitos anos o vem fazendo paru o seguro obrigatório de acidentes de trabalho.
Com efeito, a indústria seguradora portuguesa, com desconhecimento, é certo, de grande parte da Nação e lambem de algumas entidades oficiais não, se encontra em nenhum aspecto inferiorizada em relação à indústria Seguradora dos países em que o seguro é obrigatório. tendo em atenção, é evidente o desenvolvimento económico do meio em que exerce a sua actividade.
O testemunho indiscutível e irrecusável deste facto dá-o, de resto, a própria indústria seguradora dos referidos países a Inglaterra, a Suíça e a França, que cada ano estabelecem mais Contactos com a nossa indústria seguradora e que à responsabilidade da mesma entregam confiadamente, em resseguro, responsabilidades muitas vezes superiores às que poderiam resultar dum seguro automóvel obrigatório.
De resto, não se compreende facilmente que sobre uma indústria que necessita de ser reorganizada para assumir o encargo do seguro obrigatório de automóvel se faça recair o encargo do seguro de responsabilidade civil ilimitada, o qual, mesmo só para parte do parque automóvel português, é, sem dúvida, mais pesado que o do seguro obrigatório de responsabilidade civil com uma limitação mesmo que elevada.
Quanto ao segundo aspecto, o montante da indemnização mostra-nos as opiniões expressas em artigos de revistas e jornais, em actas de congressos da especialidade e até na forma prudente e criteriosa como são fundamentadas as sentenças dos tribunais estrangeiros, que o tempo das indemnizações ilimitadas está ultrapassado.
Na verdade, nos tribunais ingleses e suíços, embora tenha existido de há muito na lei o princípio da responsabilidade civil ilimitada, nunca as indemnizações atingiram verbas extraordinárias como aconteceu em Itália e, principalmente, na França.
E, modernamente, mesmo nestes dois últimos países se tem considerado que o exagero das indemnizações é, muitas vezos, além de unia injustiça, um erro tão grande como o de se atribuir uma indemnização insuficiente.
E que na teoria do risco, ou, como também é conhecida, da responsabilidade sem culpa, não pode deixar de se ter presente que ha sempre uma possibilidade de injustiça que contraria o natural sentimento de equidade.
É o caso tão Frequente do acidente produzido por simples caso fortuito, sem culpa pois do condutor, que, mesmo no caso de o acidente se ter produzido por mera fatalidade, responderá pelos prejuízos causados.
Exactamente para se atenuar este inconveniente tem havido muito cuidado na atribuição das indemnizações e em muitos países o seu máximo está limitado.
De resto, o próprio legislador do Código da Estrada justifica esta doutrina quando no preâmbulo do decreto que aprova o código, ao justificar a admissão da responsabilidade civil ilimitada, diz ... «julgou-se que se o acidente provém de culpa do condutor ... já não se justifica qualquer limite à indemnização, que neste caso deve ser total ...».
Ora há casos em que o acidente resultará de um caso fortuito exterior ao funcionamento do veículo. Nào haverá, portanto, culpa e, apesar disso, o código prevê uma responsabilidade ilimitada.
A luz de todas estas considerações nau podemos deixar de considerar pouco justa a solução adoptada pelo nosso legislador no n.º 2 do artigo 50.º puis que:

Quanto ao primeiro ponto, a garantia da indemnização para todos - e é este. Repetimos, o problema fundamental da responsabilidade civil! - não fica resolvido;
Quanto ao segundo ponto, altera a limitarão da responsabilidade civil estabelecida no Código da Estrada anterior, o que se justifica, puis estava, de facto, desactualizada. Porém, em vez de fixar um limite superior justo e razoável, por exemplo, 500.000$. estabelece o conceito supostamente moderno da responsabilidade civil ilimitada.

Ora a verdade é que o conceito da responsabilidade civil ilimitada, além do ser contrário às correntes actuais, como atrás dissemos, terá de ser em Portugal antieconómico e ineficaz na prática.
Com efeito, duas hipóteses se podem verificar:

a) Ou os tribunais, elevando, embora, as condenações, se mantêm em limites razoáveis - indemnizações de 300.000$ a 500.000$ em casos de morte ou invalidez permanente -, e então o segurado está inutilmente a pagar um prémio que tem de ser elevadíssimo para a responsabilidade civil ilimitada e as companhias de seguros portugueses a terem de, anualmente, enviar para o estrangeiro, onde são forçadas a ressegurar as suas responsabilidades ilimitadas, centenas e centenas de contos, com evidente prejuízo da economia nacional;

b) Ou os tribunais portugueses se deixam contagiar, como aconteceu há anos em França a Itália, pela febre das indemnizações altíssimas e as companhias de seguros portuguesas, a quem os resseguradores estrangeiros deixarão de cobrir responsabilidades ilimitadas - como aconteceu com os resseguradores ingleses em relação à França -, ver-se-ão obrigadas a só aceitar os seguros até um limite determinado, por exemplo, 500.000$, e as sentenças que excederem essas importâncias terão, portanto, muito fracas possibilidades de se executarem.

Em conclusão diremos que:

Embora à indústria de seguros não conviesse, no estado actual de exploração deficitária do ramo «Automóveis», a obrigatoriedade do seguro, pensamos que o problema da responsabilidade civil resultante dos acidentes de viação só estará verdadeiramente resolvido no dia em que não for possível a qualquer pessoa estar sujeita a ser lesada na sua pessoa ou bens sem ter a garantia de que a reparação devida lhe será concedida.
Quanto ao limite da responsabilidade, propomos que seja estabelecido um só limite máximo para as indemnizações por responsabilidade civil

Página 282

282 DIÁRIO DAS SESSÕES N. 65

- limite, justo e de aplicação prática possível (300.000$) - e não se estabeleça o limite de 200.000$ para os acidentes resultantes de casos fortuitos, pois a distinção entre casos fortuitos inerentes e não inerentes ao funcionamento do veículo parece-nos ilógica, injusta o imoral, deixando-se no juiz a apreciação da forma como se deu o acidente e a graduação da indemnização a atribuir.

5. A redacção deste número já dá origem a dúvidas e a interpretações diferentes.
Para uns, o sistema preconizado é idêntico ao estabelecido no diploma anterior, pois refere-se a «proprietários dos veículos... causadores de acidentes». Ora, nos termos gerais do direito, só é causador de um acidente quem for responsável pelo desastre nos termos do Código da Estrada.
Esta interpretação é confirmada pela referência à responsabilidade das sociedades de seguros, que se refere expressamente ao «artigo seguinte» - 57.º - o qual, cita «as pessoas civilmente responsáveis». Isto significa por certo que os encargos hospitalares serão suportados pelo responsável do acidente.
Porém, segundo outros, este número estabelece um princípio novo no que diz respeito ao pagamento das despesas com o tratamento dos sinistrados em resultado dos acidentes de viação, princípio esse segundo o qual os proprietários de veículos ou animais são sempre responsáveis por aquelas despesas, quer tenham ou não efectiva responsabilidade no sinistro, tendo apenas o direito de regresso pelas ditas despesas contra os comprovados causadores do acidente.
Se assim é não podemos deixar de considerar o sistema altamente injusto, pois contraria ate o disposto no artigo 56.º, que admite como excepção à obrigatoriedade de indemnização os casos em que o acidente seja imputável ao terceiro ou resulte de força maior estranha ao funcionamento do veículo.
De facto, não existe qualquer fundamento jurídico ou moral para exigir dos proprietários dos veículos, ou das companhias de seguros, o pagamento efectivo dos encargos médicos e hospitalares sem que se prove, primeiro, que a responsabilidade de tais pagamentos lhes compete, nos termos e segundo os princípios do próprio Código da Estrada.
Os hospitais, os médicos e outras entidades têm sempre a possibilidade de receber dos verdadeiros responsáveis e pelas vias legais competentes as importâncias a que têm direito, mesmo quando os responsáveis sejam as próprias vítimas ou terceiros.
E quando, por insolvência dos responsáveis, seja impossível obter o pagamento não há nenhum princípio jurídico ou moral que possa justificar a exigência do mesmo a quem se reconheceu não ter qualquer responsabilidade no caso. Se o mesmo pagamento é considerado de assistência, parece que é aos hospitais que compete prestá-la, indemnizando-os o Estado das despesas em que incorrerem, visto que a assistência constitui encargo de todos e não somente dos que utilizam veículos e meios de transporte.
Não se compreende porque razão é que um indivíduo que distraidamente vai embater num candeeiro de iluminação pública, e se fere, pode ir aos hospitais receber tratamento sem pagar, se não tem meios para isso, e no caso de distraidamente ir embater num veículo, que podo até estar parado na via pública, já não tem direito a essa assistência gratuita.
Julgamos, por isso, que é de manter o sistema anterior, pois nele há, indiscutivelmente, um princípio de justiça que consiste em, através da possibilidade de contestação do devedor, se procurar determinar quem foi, de facto, o causador do acidente.
6. Concordamos com a inovação emitida neste número mas parece-nos que, para que dela se possam tirar todos os benefícios, seria de exigir, sempre que se possa identificar o presumível responsável pelos pagamentos, que os directores dos hospitais ou estabelecimentos similares, dependentes ou não de organismos do Estado, onde se recolham ou recebam tratamento quaisquer vítimas de acidentes de trânsito, deveriam também comunicar, dentro do mais curto prazo, a esse. presumível responsável pelo acidente a admissão do indivíduo sinistrado.
9. Adoptou-se neste número a recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, mas, em nossa opinião sem uma forte razão que a impusesse.
Em matéria de seguros torna-se necessário que as reclamações se apresentem dentro dum período que; permita a sua conveniente apreciação, sem que, contudo se imponha um prazo tão curto que iniba ou afecte o interessado na realização dos seus direitos.
Não pode abstrair-se da necessidade que o segurador sente do conhecimento exacto das responsabilidades que sobre si impendem.
Por outro lado, no aspecto processual, um prazo longo, como o do artigo 353.º do Código Civil, de vinte e de trinta anos, mas praticamente sempre de trinta anos fazendo com que desapareçam os elementos de prova acerca das condições em que se verificou a ocorrência inabilita que sobre ela se julgue, em condições de perfeita equidade.
Estes aspectos é que devem condicionar a regulamentação jurídica do instituto da prescrição no que respeita a indemnização por acidentes de transito.
Assim se reconheceu em França, onde a prescrição no dois anos (artigo 20.º da Lei de 0930)). na Bélgica. Onde a obrigação de indemnizar prescreve ao fim de três anos (artigo 32.º da Lei de 11 de Junho de 1874) e na Convenção de Varsóvia, que encerra princípios de certo paralelismo com o novo Código da Estrada e quino seu artigo 29.º estipula a prescrição de dois anos para a propositura de acções destinadas à efectivação da responsabilidade do transportador ou dos seus seguradores.
Se não se quer adoptar o prazo da Convenção de Varsóvia, julgamos que, pelo menos, nunca tal período de prescrição deve, sem afectar profundamente os direitos dos interessados, exceder cinco unos a contar da data do acidente de viação.
10. O problema de segurança do trânsito é um problema complexo que só podo ser resolvido com a participação e a responsabilidade de todos.
Não basta estabelecer normas de conduta e as respectivas disposições punitivas para os proprietários de veículos ou animais e para os peões. E necessário que também se estabeleça, como se faz na legislação de outros países, a responsabilidade civil e criminal, ainda que baseada no conceito de culpa, de outras entidades exercem actividades que de qualquer modo podem influenciar a segurança do trânsito.
Assim, por exemplo, a Junta Autónoma de Estradas, os empreiteiros de obras públicas e outras entidades oficiais ou particulares que tenham o dever de cuidar das vias públicas ou nas mesmas efectuem trabalhos - e que por negligencia ou culpa, não sinalizem devidamente esses trabalhos e provoquem assim acidentes - devem ser de direito e do farto efectivamente responsáveis.

Julgamos que seria muito útil e justo que. neste número se fizesse uma referência estabelecendo em letra de lei a responsabilidade de tais entidades.

Página 283

13 DE JANEIRO DE 1955 283

7.º Quanto ao artigo 58.º:

Disposições gerais

Parece-nos de toda a conveniência que se torne obrigatória a averiguação imediata, em cada acidente de viação, do grau de álcool ingerido quer pelo motorista, quer pelo peão responsável.
Julga-se igualmente muito útil que os peões fiquem também sujeitos fortes punições criminais, caso se verifique existir estado de embriaguez.
8.º Quanto ao artigo 68.º:

Acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil

5. Consigna-se neste artigo um princípio que o legislador entendeu necessário estabelecer, e lamentamos que assim seja, pois, na verdade, esta disposição revela uma desconfiança em relação às entidades que intervêm na efectivação dos pedidos de responsabilidade civil, desconfiança que, pelo menos para algumas dessas entidades, é desprestigiante e altamente injusta.
Por outro lado, estando os casos de má fé previstos e perfeitamente regulados no artigo 465.º do Código de Processo Civil, não se compreende que seja necessário, ou útil sequer, repetir neste código as suas disposições.
Não pode deixar de merecer o nosso mais veemente
protesto o facto de se admitir, quanto às companhias e seguros, que elas procurem dificultar o exercício do direito dos ofendidos.
Admitir esse facto é injuriar uma indústria que vive do seu bom nome, do crédito e confiança que inspira ao público, e, ao mesmo tempo, pôr também em dúvida a acção de um organismo do Estado: a Inspecção-Geral de Crédito e Seguros, organismo que sempre tem cumprido exemplarmente a sua missão e que, por isso. deve merecer todo o respeito e consideração.
Verifica-se assim que, mais uma vez, neste código se revela o desconhecimento da verdadeira importância e da correcta forma de actuação das companhias de seguros.
Por fim, devemos fazer notar que o disposto neste número, além de inútil e por profundamente injusto para as companhias de seguros e Inspecção-Geral de Crédito e Seguros, não é de aplicação prática possível, quer em relação às companhias de seguros, quer a qualquer outro responsável, a não ser que se admita
- o que não é crível - que a partir de l de Janeiro de 1955 em Portugal qualquer pessoa a quem seja formulado um pedido de indemnização tenha de o aceitar para não correr o risco de ser condenado como litigante de má fé.
È certo que a lei fala em «meios legais ao seu alcance» como modo de a pessoa se certificar se uma indemnização que lhe pedem é ou não justa. A dificuldade está, porém, em que a lei não diz quais suo esses meios legais, porque, de facto, em muitos anos de liquidação de sinistros de viação nunca conseguimos descortinar outro meio legal para determinar se um pedido de indemnização é ou não justo -nos casos em que não é possível estabelecer, por meios parti cuia rés, um acordo equitativo - que não seja o recurso aos tribunais.
Inúmeros exemplos se poderiam apresentar para ilustrar esta afirmação, mas não parece necessário fazê-lo, dado o conhecimento gemi de tais casos.
É exactamente a delicadeza da posição das companhias de seguros nestes casas e a falta de qualquer «meio legal ao seu alcance» pura resolver estes problemas, a não ser o recurso aos tribunais, que tem sido a causa maior das incompreensões e apreciações injustas sobre a sua forma de actuação.
Esperamos ler mostrado qual é a verdadeira situação das companhias de seguros no problema dos acidentes de viação. Uma situação delicada em que, além do mais, tem de desempenhar um papel educativo, papel de que só à custa do uma perfeita honestidade de processos consegue desempenhar-se prestigiando o seu nome e o da indústria de seguros portuguesa.
Em conclusão de quanto dissemos, por ser desnecessário, injusto e não puder ter aplicação prática, permitimo-nos sugerir que; o n.º 5 do artigo 68.ª do novo Código da Estrada seja eliminado, uma vez que as hipóteses que prevê, se encontraram já perfeitamente reguladas no artigo 165.º do Código de Processo Civil e não há justificarão para criar sobre as mesmas disposições especiais para os casos de acidentes do viação.
9. Quanto ao artigo 69.ª:

Peritos e pareceres

1. Em, voz do termo «poderão» sugeríamos que se adoptasse a seguinte redacção:

1. Nos processos relativos a acidentes de transito ou de contravenção deverão os juizes requisitar sempre à Direcção-geral de Transportes Terrestres ...
Eis pois, o que sobre esta matéria se nos oferece representar a V. Ex.ª
Igual representação remetemos nesta data a Ex.ª o Sr. Ministro das Comunicações
A bem da Nação.

Grémio dos Seguradores. - O Presidente da Direcção, H. J. Quirino da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Garrett.

O Sr. Almeida Garrett: - Sr. Presidente: renovando a V. Ex.ª os devidos cumprimentos de admiração e respeito, peço licença pura aludir, em muito breves palavras, a dois factos ocorridos na primeira fase da actual sessão, à qual não pude assistir por ter ido participar nas comemorações do centenário de Almeida Garrett realizadas na ilha Terceira, como delegado da respectiva Comissão Nacional. Por motivo dessa ausência não tive a ventura do directamente ouvir os memoráveis discursos de S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho sobre o doloroso caso da índia e sobre o esperançoso Tratado de Amizade e Consulta Luso Brasileiro, que tão fundo calaram no meu coração de patriota, acima do tudo, que me prezo de ser. Mas tive a alegria de ver o entusiástico acolhimento que essas palavras tiveram nas longínquas paragens onde então mo encontrava.
E, aludindo a essa viagem, ficaria de mal com a minha consciência se publicamente, desta tribuna onde se fala à Nação, escondesse o magnífica impressão que me deixou a ilha Terceira, terra habitada por gente de elevada cultura, grandes qualidades de trabalho e entranhado patriotismo; terra onde Horescem excelentes instituições, como o Instituto Histórico, quo conseguiu organizar uma boa orquestra e que mantém dois dignos jornais diários, para só citar algumas das suas manifestações culturais; terra em que, merco de um sensato equilíbrio económico-social, pode dizer só que não há miséria, que todos vivem felizes, em sã modéstia de costumes, o isto apesar de uma densidade populacional muito superior à da grande maioria dos distritos do continente. Devemos ler orgulho em Portugal contar, para sua grandeza, com essa parcela distante, que lá longe, isolada no meio do Atlântico, tão nobremente manifesta as potentes virtualidades do nosso povo.

Vozes: - Muito bem!

Página 284

284 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 65

O Orador: - Sr. Presidente: ontem, o meu ilustro colega o professor Mendes Correia traçou eloquentemente o elogio de Froilano de Melo. Faço minhas as suas palavras de justo louvor a quem tanto honrou o nome de Portugal. Mas as razões da exaltação do valor das actividades cientificas de Froilano de Melo prendem-se tão Intimamente à valia da medicina que me parece oportuno deixar aqui registado o aplauso de um Deputado ao acto solene que, sob a honrosíssima presidência do venerado Chefe do Estado, a Ordem dos Médicos promoveu para consagrar o exercício da clinica, no que ela tem de mais meritório, pela dureza das condições em que é desempenhado, qual seja o da clinica rural.
Entre os vários aspectos de trabalho médico, são esses dois os de maior beleza; o do investigador, alheado do inundo, horas e horas, dias e dias, concentrado no seu gabinete ou laboratório, procurando aumentar o cabedal cientifico da humanidade; e o de médico prático, com alto sentido da missão que lhe compete, procurando utilizar os progressos da ciência na luta contra a morte, o com eles levando aos pobres enfermos o bálsamo da esperança, o alivio das suas dores físicas e morais, indiferente ao sacrifício da sua própria saúde.
A memória dos infatigáveis investigadores a cuja corte Froilano pertenceu e a dos que levam com estrita dignidade a árdua vida da clinica rural, por serem ambas gloriosas, ambas são dignas do preito da Nação.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte

Requerimento

«Com vista a esclarecer-me em intervenção que desejo fazer, roqueiro que, pelos competentes serviços do Ministério das Obras Públicas, me sejam fornecidos, com a possível urgência, os seguintes elementos:
1.º Montante, devidamente discriminado, das verbas destinadas nos últimos cinco anos - 1950 a 1954 - para:

a) Melhoramentos rurais;
b) Abastecimentos de água por fontanários;
c) Melhoramentos urbanos.

2.º Número anual de pedidos de comparticipação entrados em cada uma das repartições competentes dos distritos do continente e ilhas em igual período e para cada uma das citadas espécies, discriminando-se, nos pedidos destinados a melhoramentos rurais, os concernentes e vias de comunicação e os respeitantes a arruamentos;
3.º Número igualmente discriminado, por cada espécie de melhoramentos, por anos e por distritos, dos pedidos que foram atendidos, com a indicação das importâncias concedidas e das que foram efectivamente utilizadas e pagas em comparticipações; finalmente,
4.º Discriminação, pela mesma forma - por anos e por distritos -, dos melhoramentos efectuados em comparticipação, no tocante a melhoramentos urbanos, nas sedes dos distritos, nos concelhos e nas freguesias rurais.

O Sr. José Sarmento: - Sr. Presidente: há perto de um ano chamei a atenção do Governo e dos Srs. Deputados para a grave crise que assolava a região demarcada dos vinhos generosos do Douro.
Novamente aqui me encontro para o mesmo fim, pois à crise a que me referi nessa altura - exportação reduzida a cerca de metade do que era outrora - sobrepõe-se hoje uma outra, proveniente da queda muito acentuada dos preços dos vinhos do consumo, verificada em todo o País. Não é meu intento versar esta baixa, provocada, no meu entender, pelas plantações desenfreadas feitas ou legalizadas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 38 525, de 23 de Novembro de 1951. Esse problema vai ser, tenho a certeza, tratado com a maior proficiência o clareza pelo Sr. Deputado Dr. Paulo Cancella de Abreu no aviso prévio que apresentou.
Espero intervir se o debate se generalizar, e então tentarei focar o reflexo que a superabundância actual do vinho, avolumando-se de ano para ano, provoca numa região de pequena propriedade, em que a monocultura da vinha se encontra associada a uma fraca produtividade e a um granjeio extremamente dispendioso.
Sr. Presidente: nesta minha breve intervenção vou apontar alguns factos que reputo essenciais para a compreensão dos problemas da região demarcada dos vinhos generosos do Douro. Mas, antes de me referir a eles, quero patentear ao Governo, nas pessoas do Sr. Ministro da Economia e do Sr. Subsecretário de Estado da Agricultura, o quanto essa região está esperançada em que o Sr. Ministro tome a peito, a bem do interesse nacional, os problemas de produção e comércio do vinho do Porto. Desde já o Douro lhe agradece o ter-se debruçado sobre os seus problemas, como ficou provado com as visitas feitas à região e aos organismos que superintendem nu economia do vinho do Porto.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: a orientação que vou seguir nesta intervenção resulta da observação dos seguintes factos, que reputo fundamentais:

1.º Considero que, sendo hoje a produção mundial de vinho muito superior ao consumo, um dos problemas mais instantes da viticultura é a melhoria da qualidade por uma selecção conveniente de solos e copas;
2.º Que se deve favorecer o desvio das vinhas do todas as regiões inadequadas, que somente fornecem produtos de má qualidade ou produtos muito abundantes;
3.º Que o problema da exportação de vinhos - e dele excluo a exportação para as províncias ultramarinas - devo ser, debaixo do ponto de vista do interesse nacional, orientado no sentido de fomentar a exportação dos vinhos que, pelas suas características especiais e inconfundíveis, possam concorrer nos mercados internacionais;
4.º Que o aspecto social dos problemas supera, quase sempre, o aspecto económico. Por isso, a viticultura em certas regiões é, antes de tudo, um problema social, pois permitiu a colonização natural de regiões que, se não fosse a vinha, não estariam hoje habitadas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não é de mais insistir neste aspecto social; basta recordar os debates sobre colonização interna, tão vivamente sentidos por esta Assembleia. Todos temos presentes as dificuldades e despesas acarretadas por uma colonização forçada: escolha dos colonos, expropriações, elevadíssimas despesas com a mudança cultural, etc.
Passo agora a apontar alguns dos problemas mais prementes do Douro. Mas antes desejo fazer, se o Sr. Deputado Melo Machado mo permitir, um ligeiro reparo à sua última e oportuna intervenção sobre a crise geral da viticultura nacional.

Página 285

13 DE JANEIRO DE 1955 285

Começo por felicitar o Sr. Deputado por tão desassombradamente ter apontado o sombrio futuro quo espera a nossa viticultura, provocado pelo aumento de plantio em regiões nas quais nem o problema social o impunha, nem o problema da qualidade dos vinhos o justifica. Por isso, mais uma vez os meus sinceros apoiados pela oportuna intervenção de V. Ex.ª
Só não julgo apropriado ter V. Ex.ª usado o termo «privilégios» para designar alguns dos direitos reconhecidos pela legislação à região demarcada do Douro.
Sr. Presidente: a região demarcada do Douro não quer que lhe concedam privilégios! Pretende unicamente que lhe facultem os meios para poder viver e que lhe reconheçam o seu valor na economia nacional. Não se considera cumulada de privilégios por se lhe ter reconhecido o direito à vida.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Sr. Presidente: a região demarcada do Douro, onde se produz o inconfundível vinho do Porto, é, pela constituição do solo. clima, etc., uma região característica de vinhos de alta qualidade. Por isso merece, a bem do interesse nacional, ser amparada, para que possa desempenhar o papel que lhe compete na economia nacional. É norma há muito seguida pelos organismos que superintendem na região (Casa do Douro e Instituto do Vinho do Porto) favorecer os vinhos de elevada qualidade em detrimento de outros de menor categoria.
Esta política faz-se principalmente sentir através das concessões de novas plantações, das autorizações do benefício, dos preços fixados, etc.
Pena é que tão sábia política, plenamente de acordo com as directrizes preconizadas pelo Comité International do Vin. não soja seguida por todos os organismos responsáveis da viticultura. Infelizmente, parece-me até que em certas regiões se tem seguido uma política totalmente oposta.
Para exemplificar permito-me citar, com a devida vénia, as seguintes palavras de um dos nossos mais distintos economistas e antigo Deputado, o Sr. Prof. Dr. Diogo Pacheco de Amorim:

É o que se está a dar entre nós com a plantação da vinha, principalmente no Sul, onde há sítios em que o milheiro de videiras, plantadas como quem planta couves, dá doze e mais pipas de vinho.
Quem faz esse plantio está a ganhar, mas com prejuízo das regiões vinhateiras tradicionais.

Sr. Presidente: possuindo o vinho do Porto características inconfundíveis, e sendo ainda largamente conhecido e apreciado nos mercados externos, ele pode vir a ser, como já foi o nosso maior valor de exportação, se, com sábias medidas de propaganda, se fomentar a sua expansão.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: a colonização da região onde se colhe o vinho do Porto deve-se atribuir exclusivamente à cultura da vinha. Foi ela que permitiu a fixação do homem à terra. Sem ela os montes do Douro reduzir-se-iam a espessos matagais, recobrindo as vertentes dos seus profundos vales. Através de gerações a vinha, cultivada em degraus nos flancos da montanha e em terrenos extremamente ingratos, imprimiu ao homem que a cultiva traços característicos, que são: independência, rudeza de sensibilidade e inquebrantável persistência,
Parece-me vir a propósito repetir as palavras proferidas pelo Sr. Dr. Mário Bernardes Pereira, que ilustram as características apontadas:

O hábito de viver em crises económicas criou no espirito duriense certa capacidade de adaptação, que lhe permite tolerar períodos de amargura sem manifestações de indisciplina social. Teve-as quando, mais do que o perigo da miséria, sentiu a afronta. Revoltou-se em 1915, quando pretenderam vencê-lo. Abriram os cofres, queimaram os documentos das contribuições. Não atacaram ninguém. Na Régua e em Santa Marta viu-se uma multidão famélica juntar todo o dinheiro das repartições e som falta de um vintém entregá-lo totalmente à autoridade.

Ao terminar esta citação, apresento ao seu autor - intemerato defensor dos direitos do Douro - as minhas homenagens de muito apreço e admiração.
Na região demarcada a propriedade encontra-se muito dividida. Cerca do 87 por cento dos viticultores colhem menos de dez pipas o 75 por cento menos de cinco. Pode-se dizer que não existo a grande propriedade. A divisão das terras, encarada unicamente do ponto do vista económico, foi além do que seria de aconselhar.
Não existe um problema social premente, mas sim um gravo problema económico, que não permite ao lavrador e ao trabalhador do Douro auferirem aquele mínimo indispensável que lhes permita viver sem roçar pela miséria. Nenhuma região vinhateira produz vinhos tão caros e nenhuma aufere monos com a cultura da vinha.
O que acabo de apontar por si só justifica o amparo a que esta região tem jus. Se lhe retirarem esse amparo, ela cairá forçosamente na miséria e anarquia social.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Sr. Presidente: apontadas a traços largos algumas facetas dos problemas do Douro, peço novamente ao Governo:

1) Que faculte os meios para se poder fazer, em grande escala, a propaganda do vinho do Porto nos mercados externos;
2) Que se continue, nos tratados e convénios internacionais, a ter em conta a posição do vinho do Porto como um dos nossos maiores valores de exportação;
3) Que em possíveis negociações com o Reino Unido se tenha sempre em vista a conveniência da redução de direitos que incidem sobre o vinho do Porto;
4) Enquanto a exportação não retomar o volume que atingiu no período que antecedeu a última guerra, continuar a dispensar ao Douro o auxílio que lhe é devido.

Sr. Presidente: antes de terminar, quero afirmar em nome da região, e bem alto, não só para que todos os Srs. Deputados aqui presentes me ouçam, mas também para que estas palavras sejam ouvidas em todos os recantos de Portugal, que se não fosse a organização corporativa do Douro há muito ele teria naufragado na miséria e anarquia social.
Por isso está eternamente grato ao Sr. Presidente do Conselho, que, com a organização corporativa, permitiu ao Sr. Eng. Sebastião Ramires criar o edifício em que hoje assenta o comércio e produção do vinho do Porto.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

Página 286

286 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 65

O Sr. Santos da Cunha: - Sr. Presidente: tenho o maior prazer, ao usar da palavra nesta sessão legislativa, em renovar a V. Ex.ª a expressão muito sincera do meu respeito e admiração.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Sr. Presidente: esta Câmara tem sido definida, amiudadas vezes e autorizadamente, como uma Assembleia política.
Tal afirmação é sem dúvida a que melhor caracteriza a sua posição no quadro constitucional e a que melhor corresponde à missão que o Pais nos confiou.
Tudo está em que saibamos manter-nos fiéis a essa natureza essencialmente política, para que possamos contar com o interesse e a confiança de quem nos elegeu.
É que, e ao contrário do que alguns pensam, a nossa actuação é acompanhada, e vigiada, por todos quantos, não tendo abdicado dos seus deveres cívicos, se debruçam interessadamente sobre a marcha das coisas públicas.
E se para alguns só contam os resultados, outros há que têm a consciência de que estes estão fundamentalmente dependentes, em extensão e eficiência, do sentido político - bom ou mau - das soluções encontradas para os problemas nacionais.
Sr. Presidente: com estes últimos, sou dos que não acreditam que as coisas aconteçam por acaso e muito menos aceito que o acaso seja determinante dos eventos políticos.
Não Os resultados da actuação governativa dependem sobretudo do que os elementos responsáveis querem e como o querem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por isso não basta querer, é preciso querer de certo modo.
A extraordinária obra da Revolução Nacional é certamente o feliz resultado duma vontade forte ao serviço da Nação, do querer da própria Nação.
Mas - e isso não o podemos esquecer - resultou, antes de mais, do sentido superior que foi mantido na condução dos negócios do Estado, da intransigente fidelidade quo se manteve aos postulados doutrinários, políticos e sociais do regime, que ao Pais asseguraram - por uma chefia sábia e firme - os frutos magníficos das suas virtualidades criadoras.
Quer dizer: o ressurgimento nacional, se o devemos ao devotado sacrifício de alguns homens, mais o devemos aos altos ideais que esses homens servem e defendem.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: ao anotarmos o natural relevo que os princípios políticos forçosamente tom na vida das instituições, quisemos fazer realçar quão importantes são também as nossas responsabilidades na defesa dos nossos princípios.
Eles terão de ser sempre, e em quaisquer circunstâncias, o nosso norte e o nosso guia.
Estamos convencidos de que caminhamos seguramente enquanto nos conformamos com eles; paramos, retrocedemos ou perdemo-nos por atalhos perigosos sempre que, tentados por aparentes facilidades de momento, nos esquecemos da fidelidade que lhes devemos.
Ora, Sr. Presidente, já não é a primeira vez que me faço eco nesta Casa da justificada inquietação com que alguns dos melhores servidores do regime acompanham a marcha perturbada do nosso corporativismo.
O problema, pela sua magnitude, não se compadece, para a sua análise, com uma fugaz intervenção antes da ordem do dia, Oxalá que entro os novos - isentos de desanimo e não tocados pela descrença - alguém se disponha a abordar a questão. Prestaria um alto serviço.
Os meus objectivos de hoje são, porém, mais limitados.
Sr. Presidente: no quadro geral da nossa organização corporativa, e decorridos mais de vinte anos sob a sua fundação, é natural que se tenham evidenciado deficiências e imperfeições.
Mas não basta reconhecê-las, é preciso remediá-las.
Sem qualquer erudição - que não tenho -, mas creio que com a ortodoxia doutrinária bastante, proponho-me abordar uma daquelas deficiências, que exige pronto remédio.
Doutrinariamente, o nosso corporativismo ó de associação. Na prática está, porém, muito longe de o ser.
Pouco associativismo e muito dirigismo, que se fosse bom ainda se aceitava, mas, porque é geralmente mau, se repudia e combate.
Diz-se que o povo português é, em nossos dias, bastante rebelde à vida associativa.
Assim parece ser, na verdade.
Mais um pecado do liberalismo.
No entanto, topamos uma vez ou outra com actividades ou interesses que, batidos pela adversidade, chegam a reconhecer vantagem em procurar protecção e abrigo em nossas instituições corporativas.
Temos aqui o fermento que poderia levedar a massa para um organismo realmente querido por aqueles que o hão-de constituir e dentro do qual se encontraria a auto direcção de que tanto se fala.
Com estas animadoras perspectivas, tudo devia correr pelo melhor. Mas não ó assim.
Sr. Presidente: sou do tempo em que, nos alvores da nossa organização corporativa, corríamos um distrito inteiro em busca duma ou outra boa vontade que quisesse tomar sobre si o pesado encargo de fundar e dirigir uma Ousa do Povo, um sindicato ou um grémio.
E a todos quantos se dispunham a colaborar ficávamos sempre muito agradecidos.
Eram pequenos luzeiros, deixados aqui e ali, que o nosso entusiasmo e a nossa fé anteviam já como labaredas a iluminar o caminho do futuro!
Os tempos mudaram. Perdeu-se o espirito de missão, que vivificava a inteligência e aquecia o coração dos novos.
Hoje anda-se de chapéu na mão para se obter do Estado a graça do um alvará de criação de qualquer daqueles organismos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não consigo compreender ...

E talvez seja melhor assim.
Sr. Presidente: no sistema legal da nossa organização económica há duas espécies de grémios: os chamados grémios obrigatórios, de iniciativa estadual (Decreto-Lei n.º 23049); os grémios facultativos, de iniciativa dos próprios interessados, como o seu nome indica (Decreto-Lei n.º 24 715).
Se nos situarmos no plano doutrinário do nosso corporativismo, fácil será reconhecer que os primeiros deveriam constituir a excepção e os segundos a regra.
Ao Estado, tão somente a função supletiva.
Diz-se no relatório do Decreto-Lei n.º 24 715, de 3 de Dezembro de 1934:

Tem-se afirmado repetidas vezes que o Governo não tem em vista absorver as actividades nacionais, nem quanto ao seu exercício nem quanto à sua direcção.

Página 287

13 DE JANEIRO DE 1955 287

Ressalvado o papel que o Estatuto do Trabalho Nacional lhe confere, tudo se orienta no sentido de preparar a auto direcção da economia por meio dos organismos corporativos, única fórmula susceptível de conservar o que se afigura essencial para dar àquela uma ordenação sã: a iniciativa privada, a concorrência legitima, a cooperação metódica e real das actividades organizadas, o Estado independente e forte para coordenar todos os interesses em ordem ao bem comum.

Nada custa aceitar que o Estado houvesse, nos impulsos iniciais, de exercitar com bastante frequência aquela função supletiva.
Mas ninguém pode achar bem que o Estado quase monopolize a iniciativa ou crie e mantenha condições que conduzem a esse monopólio.
Eu explico.
O regime dos dois tipos de grémio è inteiramente diferente.
Os obrigatórios, criados pelo Estado, tom os mais amplos poderes de natureza económica.
Os facultativos, os do corporativismo de associação, não tom poderes nenhuns.
Nestas condições, o que acontece é o seguinte:
As actividades que se mostram carecidas de disciplina económica só lhes resta o caminho de mendigar do Estado o favor de constituir o respectivo grémio obrigatório, já que com o grémio facultativo lhes é impossível alcançar os objectivos de defesa e disciplina que se propõem.
Dir-me-ão: e os regulamentos económicos que os grémios facultativos podem fazer aprovar pelo Governo?
Respondo imediatamente: decorridos vinte anos, e que eu saiba, nenhum grémio facultativo, que dependem do Ministério das Corporações, conseguiu ver aprovado um desses célebres regulamentos.
Logo, o processo legal revela-se ineficiente, não oferece garantias.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas o problema tem ainda um aspecto mais grave.
Talvez porque o Ministério da Economia se tenha mostrado sensível às criticas de intervencionismo exagerado por parto dos seus departamentos, promovendo a criação dos grémios obrigatórios, suspendeu-a praticamente.
Às actividades só resta o caminho do Ministério das Corporações, constituindo -hoje, com bastante compreensão e ajuda - o grémio facultativo.
Mas, como estes grémios não têm poderes de disciplina económica, e porque ninguém lhes admite ou aprova os respectivos regulamentos, segue-se que o grémio surge, para os agremiados, não como organismo tutelar dos seus legítimos interesses no quadro da vida económica nacional, mas só como antipático cobrador de jóias e quotas, sem a contrapartida de quaisquer beneficies.
Aos problemas que afligiam a actividade, e que o grémio é, afinal, impotente para resolver, vem juntar-se o problema novo da papelada e dos encargos.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Ora isto não pode continuar assim.
Deste prejudicial sistema estão a ser vitimas actividades da mais alta importância na vida económica do País, quer no sector industrial, quer no sector comercial.
Duas soluções, entre outras, são possíveis:
Ou se dão, por via legal, certos poderes de disciplina económica aos grémios facultativos, que dependem do Ministério das Corporações, ou o Ministério da Economia, em colaboração com aquele, encara a sério a aprovação e promulgação dos regulamentos que a lei prevê.
O que se passa, tocando a própria essência doutrinária do nosso corporativismo, anula esforços sérios de cooperação, nega o sentido de iniciativa e o espirito de responsabilidade quo deve informar a organização o compromete e «queima», no desalento e na improficuidade, a dedicação e sacrifício de muitos dirigentes.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Diria ainda que a urgência deste problema não se compadece com profundos, e por isso morosos, estudos de reforma da orgânica.
Um entendimento entre os dois Ministérios interessados pode dar uma solução imediata que elimine os inconvenientes apontados.
Para já, bastaria que se orientasse da melhor maneira o estudo dos regulamentos económicos o que estes não ficassem a dormir o sono das coisas inúteis nas gavetas de inoperantes burocratas.
Neste sentido apelo para os ilustras Ministros da Economia o das Corporações, destacadas figuras do regime, a cuja formação política não constitui o mais pequeno favor prestar rendida homenagem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: não soube - nem quis - vestir as minhas desataviadas palavras, que são apenas de confiante apelo, com a roupagem da lisonja ou do disfarce.
Pus claramente, com rudeza talvez, um problema que o Governo tom do solucionar, pela sua gravidade e importância e pelo quo devemos à verdade e seriedade das nossas instituições.
Alguém com autoridade dizia há pouco que, um matéria económica e social, parar é retroceder.
Talvez por isso já ouvimos falar de nova caminhada do nosso corporativismo.
É sempre tempo do a iniciar, ainda que sofrendo as incompreensões e correndo os perigos das arrancadas corajosas.
Apesar de todos os erros e desvios, apesar do desalento que tocou alguns e da desconfiança, ou talvez descrédito, que não soubemos evitar, ainda temos condições para vencer.
Mais que tudo, seria doloroso para os melhores servidores do regime que a nossa Revolução só diminuísse ou perdesse, não no fragor heróico das lutas que dignificam, mas no imobilismo, no apodrecimento cobarde das renúncias que comprometem.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bom, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Está na mesa um ofício do Sr. Presidente da câmara Corporativa a agradecer à Assembleia Nacional as provas de deferência prestados a propósito do 20.º aniversário daquela Câmara, que muitíssimo a sensibilizam.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Como a Câmara sabe a ordem do dia de hoje é constituída pelo aviso prévio do Sr. Deputado Amaral Neto sobre a necessidade de se modi-

Página 288

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 65 288

ficarem algumas das disposições do Código da Entrada.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Amaral Neto para efectivar o seu aviso prévio.

O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: tendo efectuado dois avisos prévios no decurso da primeira legislatura em que participei desta Assembleia, seguramente, ao terminar o último, eu desmentiria, sem hesitar, quem me profetizasse a iniciativa de mais algum, ainda que nem tomasse em conta a improbabilidade - para mim, então, fora de dúvida - de aqui voltar noutra legislatura.
É, com efeito, coisa de monta tomar a atenção de V. Ex.a, Sr. Presidente e Srs. Deputados, e despertar a do Governo com a proposta de um tema de debate que pressupõe, em regra, o pedido de conclusão da Assembleia; e à preocupação intelectual de igualar o alcance da iniciativa soma-se a breve trecho, quando são fracas ai posses. Como é o meu caso (não apoiados), e ainda que a matéria seja simples, a dúvida esmagadora de merecer sequer a vossa benevolência.
Eis me, todavia, a pedi-la de novo, e nem sei bem porquê: eu de outros Deputados, com mais capacidade e maior prestígio, tenho a certeza que se disporiam por igual a esta interpelação, e, em verdade, anima-mo, sobretudo, a esperança da sua companhia Que me tenham, no entanto, cedido a iniciativa é honra que não mereço e favor por que lhes protesto os meus agradecimentos, pois nem na força da convicção da necessitado e da urgência de muitas emendas ao novo Código da Estrada eu lhes levo vantagem.
Muitas emendas, na verdade! Mais em pontos de pormenor que em questões de fundo, porventura; mas quem quer que se debruçou sobro o código com a curiosidade e a sensibilidade de sujeito passivo potencial das suas inovações não pode ter deixado de aperceber-se com sobressaltos das muitas maneiras por que os seus interesses, as suas comodidades e até a sua liberdade podem vir a ser afectadas por disposições que. nem todas prometem melhorar o trânsito nas vias públicas tanto como ameaçam custar em despesas, em trabalhos ou em dissabores !

Vozes: - Muito bem!

() Orador: - Pode ao menos dizer-se que o diploma fonte de tantas apreensões surge em conjuntura que revele agravamento dos perigos do trânsito? Nem isto Saiu há poucos meses a lume o mais recente relatório da Direcção Geral de Transportes Terrestres; refere-se ao ano de 1951 e revela-nos que, enquanto no quinquénio com este findo o número de automóveis aumentou em 59 por cento e o de, condutores em 50 por cento, o número de acidentes, tanto pessoais como materiais, não aumentou senão em 12 por cento: força é reconhecê-lo, os condutores têm-se tornado mais cuidadosos, os peões mais cautos e os veículos menos perigosos.
Ou deveremos pensar que, feito o código principalmente para os automobilistas - não sei se devera dizer, contra os automobilistas ... - é afinal um sector minoritário da população o que vai sofrer-lhe as possíveis durezas? Bem sabeis que não; e é o momento do citar rapidamente uns números, os quase inevitáveis números, malvindos em discurso oral, mas sempre tão expressivos, que dêem a noção verdadeira do âmbito da sua aplicação.
Se não quebrou demais o ritmo dos acréscimos patenteados no relatório que acabo de citar, há-de estar a exceder a casa de 200 000 o número dos titulares de licenças de condução de automóveis; e igualmente por extrapolação de outros dados oficiais podemos calcular que estarão presentemente em serviço cerca de 610 000 veículos, no continente e nas ilhas, a saber:

Bicicletas ...................................... 32O 000
Veículos de tracção animal ...................... 155 000
Veículos automóveis:

Motociclos ...................................... 10 000
Automóveis ligeiros ............................. 100 000
Automóveis pesados:

De carga ........................................ 19 000
De passageiros o mistos ......................... 3 000
Tractores ....................................... 3 000
135 000
610 000

Em todas as vias públicas, desde o itinerário de grande turismo ao mais esburacado caminho vicinal, por costume ou por acaso, sobre estes (610 000 veículos, ã sua frente ou a par com eles. encontram-se a cada instante milhares e milhares de pessoas em contingências de caírem, por acuo ou por omissão, inocentes ou culposas, sob a alçada protectora ou punitiva dos preceitos do trânsito, que a toda a gente interessam, pois, visto poderem a qualquer tempo bulir-lhes com os corpos ou os bens.
Poucas medidas legislativas haverá mesmo que possam afectar assim de perto actividades quotidianas de tão numeroso, disseminado o diverso sector nacional como é o dos usuários das estradas e caminhos, a cuja conta, a um ou outro momento, ninguém deixa de pertencer.
E sendo, assim, universal o interesse do Código da Estrada e quase infindável o número e variedade das hipóteses de sua aplicação, que cada qual se figurará segundo as próprias noções dos casos e das coisas, não é de estranhar a insatisfação dos muitos - entre os quais me incluo - que não crêem suficientes ou bem ajustadas várias das suas disposições, sem aceitar que o que de bom já nele se contém baste para dispensar de o querer melhor, reclamando a emenda do que temos por inegavelmente mau ou só deficiente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Dúvidas não pode haver, todavia, de que no código estão aplicados os frutos de longo e meticuloso estudo, que sabemos ter levado anos na consideração da experiência própria e alheia, no joeirar de pareceres e informações, na afinação de doutrinas, no apurar das fórmulas, no sacrifício, enfim, ao honesto e sincero intento de produzir obra acertada e proveitosa; é grato e é justo reconhecer-lhe o merecimento de tantos esforços e o de muita matéria nova que produziram.

Vozes: -Muito bem !

O Orador: - Mas agora, que tudo é lei do País prestada de bom grado esta homenagem, que nada deve à cortesia e menos à caridade, imporia mas é tratar do aperfeiçoar do restante.
Mas, perguntar-se-á, como acontece haver ainda que pôr de parte um obra, sem dúvida cuidada, de incontestados peritos? Eu tenho que por força de males dou tempos, de que sofremos todos sem bem nos apercebermos, e por isto pouco defesos e inconscientes vítimas.
Sr. Presidente: certo pensador que tem ganho no Mundo latino larga audiência pela luminosidade dos seus conceitos ao mesmo tempo atraentes, profundos e singelos, convidado há pouco mais de ano a vir a Portugal, entre outros problemas chamou a nossa atenção para o irrealismo do mundo moderno.

Página 289

13 DE JANEIRO DE 1955 289

Gustavo Thibon pois é o seu nome, fez-nos ver como este irrealismo, esta falta de comunhão, de intercâmbio vital, entre o sujeito e o objecto, é talvez o mais grave mal da nossa época, em que assistimos ti exposição de opiniões que não têm relação com a realidade profunda das coisas.
E lembrou-nos como isto resulta inevitavelmente das condições la vida moderna, em que demasiado número de Homens estão colocados, feias suas funções, fora do contacto das realidades; a ausência de laços humanos, de responsabilidades pessoais, embora neles o Sentido do real vivem nas ideais puros porque as forcas das coisas, com as quais se não medem, nunca os contraditaram.
Gravem, verídicas palavras, que na sua humana sabedoria quadram tão bem até ao mundo da administração pública, apesar de dirigidas ao do pensamento. Falhos todos nós - quase todos!- da antiga cultura do ofício herdado com o saber infuso de gerações, chamados a conhecer a vida ,pelos simples canais da memória e do raciocínio sobre dados que as próprias exigências didácticas fazem esquematizar, e do mesmo modo a absorver as novidades que a cada passo se nos deparam, informados do Mundo pela síntese necessária do documento escrito, isolados dele por paredes de gabinetes o montanhas de papéis, acicatados pela urgência dos problemas e pela pressa das soluções, acaso desprendidos de consequências que não vemos ou nos não atingem, somos muitos, somos demais, os que temos de trabalhar 110 campo das ideias punis, medindo mal a força das coisas e aceitando pior a sua contradição.
É trabalhando no campo das ideias puras, ou filtradas pulas armaduras multíplices da burocracia, é apenas humano que legisladores e fazedores de regulamentos caiam por vezes numa espécie de perfeccionismo de escrivaninha e, seduzidos por encantadoras miragens, persigam ideias abstractas ou mal afeiçoadas à vida, ato aos últimos corolários, para constituírem primorosos edifícios intelectuais, completos e atinados nos mais extremos pormenores, que as realidades impiedosas e invencíveis não raro se comprazem em aluir a breve trecho. Tais, esquecendo que o óptimo é inimigo do bom, quanto mais se apuram mais se arriscam! Gizam outras vezes lindos quadros em que, como escreveu algures o grande e mordaz Camilo, a poesia se dá as mãos com a geometria linear; mas a forca das coisas não os poupa e borra-lhes também as pinturas!

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Como dizia recentemente o prof. Marcelo Caetano: mal do homem de estado que não consegue reproduzir no seu espírito, remi vigorosa nitidez, as condições reais do meio que governa, as necessidades e as aspirações dos governados e os resultados das medidas do governo. Mal dele e das suas obras.
Pois eu tenho, Sr. presente, que o nosso novo Código da Estrada sofreu seu tanto destes males, agravados pela época, e venho, como amigo, lembrar alguns remédios caseiros para lhe curar as mazelas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - isso que apelidei de perfeccionismo de escrivaninha, a que só o óptimo satisfaz - o suposto óptimo de curta concepção das coisas, de determinada conjuntura de circunstâncias, que o rodar dos tempos pode depressa modificar -, leva naturalmente a sem-cerimónias com a bolsa do público, chamado a pagar tudo o que de mais excelente ocorre aos perfeccionistas.
Esta sem-cerimónia transparece com frequência no código, em exigências que atingem desde a utilização e reclamento dos veículos ao equipamento das escolas de condutores, impondo de várias maneiras e a muitos títulos montagens de aparelhos a acessórios, substituições de material, reforma de instalações, quebras de aproveitamento, etc.
Dificílimo se torna um cômputo do peso de tantas incidências sobre a economia dos transportes automóveis, e não o é menos entender como o Ministério das Comunicações, apostado em arreliar meio inundo no que ele chama a defesa de certos ramos destes transportes, não obstante lhes aplica com perfeito à-vontade encargos que não podem deixar de sentir-se.
Dei-me, no entanto, ao trabalho de fazer algumas averiguações, e não devo poupar VV. Ex.ª na defesa da tese que já pus, a ouvirem mais uma enfiada de números.
Para o custo do equipamento de um camião só em placas, luzes e reflectores, compreendendo a segunda luz vermelha atrás, a chapa das velocidades permitidas e a luz respectiva, quatro reflectores de 55 mm de diâmetro - os de 110 mm, aparentemente mais do agrado da Polícia de Viação, encarecem logo o petrechal em cento e tantos escudos -, indicadores luminosos de mudança de direcção e a montagem de tudo, ouvi cotar preços entre 870$ e 1.200$, que me levaram a estimar a média de um conto por carro.
Note-se, porém, que isto não inclui o custo dum estranho, complicado, mirífico, gancho de reboque exigido, sob pena de multa de 100$, pelo n.º 3 do artigo 35.º Este intrigante acessório, que o regulamento especifica haver de ter mobilidade para todas as bandas, dispositivo de segurança, mola amortecedora e dimensões fixadas até ao décimo de milímetro, este ninguém sabe quanto custa, pela razão simples de ainda não se encontrar no mercado nem notícia de onde se possa mandar vir! Arbitrem-lhe VV. Ex.ª o preço que entenderem, mas digam-me se com isto tudo exagero avaliando o encargo do código, só para a camionagem
o apenas a estes títulos, na bagatela de 25 000 contos.
O mais modesto equipamento de reflectores e silvais luminosos de mudança de direcção para um automóvel ligeiro, só com dois «pisca-pisca» Literais, não se alcança por menos de 450$; se os «pisca-pisca» forem quatro, na frente e na retaguarda, vai a 680$, sempre preço económico; com braços sinaleiros nem procurei saber a quanto montaria. Creio não ser imprudente pensar que o encargo se imporá a pelo menos, uns 40 000 automóveis ligeiros: aqui temos outros 25 000 contos.
A este imediato brindezinho de 50 000 contos - calculados por baixo - a garagistas e vendedores de acessórios, que nem o solicitaram, mais, muito mais, há, porém, a somar.
São outra vez os camiões, com a sua capacidade de transporte de cargas leves reduzida em 20 a 35 por cento; são os 155 000 carros de tracção animal condenados, pela quebra até além de metade da carga permitida por centímetro de largura de aro de ferro, a passarem a trabalhar a meios fretes; são os centos de milhares de ciclistas e carreiros chamados a tirarem as suas cartas; são os automóveis das escolas de condução na maior parte tornados obsoletos; são ... Ponham VV. Ex.ª o mais que saibam ou possuiu avaliar: isto para mini já me basta!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Parafraseando o dístico famoso: não achais o quadro belo?
Pois bem, a economia do código é assim!
Produto de uma tecnocracia, que muito urge chamar a mais atenta consideração das realidades, a maior respeito dos interesses do público, só por causa dela se jus-

Página 290

290 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 65

tificaria o nosso exume e u pronta emenda do que efectivamente possamos reconhecer exagerado.
Mas oxalá fosse só isto!
Percorrido todo o conjunto normativo do código e dos seus suplementos, apreciadas, as disposições e figurados os seus efeitos, conhecidas umas primeiras consequências em casos já impressionantes, sem temor da pecha de subjectividade, encontro tanto motivo de discordância que outro remédio não me resta - perca embora mais a leveza da exposição - que tomar o articulado por guia e ir respigando nele a matéria de crítica. Tanta esta é, porém, que repetidamente terei de limitar-me a deixar para outros intervenientes, que espero venham ao debate, a tarefa de analisarem e apreciarem muitas questões de que não poderei dar senão simples apontamentos. De outro modo não perderíamos só na qualidade da crítica, perderíamos na extensão dela, por não bastar o tempo regimental; mesmo com todas as ampliações que a tolerância de V. Ex.ª, Sr. Presidente, viesse a consentir-me.
Naturalmente, ao referir-me ao código considero já não só o diploma em si como a sua errata de 24 de Novembro, aliás estimável testemunho de vontade de atender reclamações, e o regulamento, que amanhã completará ao mesmo tempo três semanas de idade oficial e duas no conhecimento do público, do raríssimo público que já pôde haver às mãos o exemplar do Diária do Governo. E, apesar de desejoso de furtar-me a todos os reparos secundários, não poderei a propósito deixar de anotar que, não havendo todavia ainda edição facilmente acessível do regulamento, segundo me disseram nesta última semana já em exames para condutores têm sido reprovados alguns candidatos inevitavelmente ignorantes das suas disposições, em especial sobre sinais de trânsito, cuja entrada em vigor, aliás, foi mister adiar através da rádio e da imprensa.
Ás determinações acerca da prioridade de passagem nos cruzamentos e entroncamentos de estradas são, pela ordem do articulado, das primeiras dignas de atenção. Dividem-se opiniões sobre o melhor critério, que no consenso talvez mais geral deve ser duplo, um dentro das aglomerações urbanas, outro fora delas, e então tomando em conta as hierarquias das estradas pela intensidade do seu trânsito.
Os nossos legisladores quiseram ser mais uniformes, cingindo-se a um critério absoluto, só exceptuado na hipótese, difícil aliás de apreciar a quem desconheça os caminhos, de entroncamentos sem seguimento. Temo as consequências de direitos tão absolutos, conferidos aos mesmos condutores cuja prudência o código tão repetidamente vai pelo diante pondo em dúvida!
Na segunda parte do n.º l do artigo 10.º há-de ter esquecido autorizar a ultrapassagem pela direita dos veículos que hajam anunciado viragens para u esquerda. Miuçalha sem dúvida, a omissão pode alguma vez custar 200$ a alguém; por isto a aponto, como aponto aos apaixonados da língua portuguesa - se ainda têm coragem de ler o nosso jornal oficial - o estranho conceito de sentido perpendicular que esmalta o texto do artigo 11.º
Dispõe o código, no seu artigo 14.º, sobre paragem e estacionamento, confundindo, despreocupado, as duas noções, para maiores trabalhos dos automobilistas, já decerto perplexos com o modo de medir as distâncias aos cruzamentos e entroncamentos. Contá-las-ão aos eixos das vias, aos bordos das faixas de rodagem, ou às tangência das curvas concordantes? Mistério que o tempo dilucidará com certeza.
O que não é mistério é o facto de o estacionamento de noite nas faixas de rodagem, fora das localidades, passar a custar 500$ de multa. Acho bem, aprovo plenamente, e não me comovem observações dos camionistas afeitos a viajarem de noite, com cajus horários pouco simpatizo, embora lhes reconheça o mérito de aliviarem o trânsito. A hipótese dum estacionamento involuntário, por avaria, por exemplo, ou em caso de urgência, em troço de bermas estreitas ou sem desvios, é, porém, sempre admissível, e espero que a devida ressalva venha a ser feita.
Uma coisa é estacionar, outra partir momentaneamente um veículo para receber ou largar passageiros; e nesta nossa congestionada Lisboa ruas ha em que só nas clareiras das paragens de eléctricos e de autocarros se encontra espaço para tanto. Que tão ligeiras como inocentes demoras sejam penalizadas com 50$ de cada vez - e já se emendou a mão, que de começo carregava com 200$ - parece-me, a menos de se procurar receita fácil e abundante, arbítrio escusado e inútil.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Já por ai temos tanta interdição que alguém fez notar, com espírito e propriedade, estar-se tornando mais lógico e menos dispendioso assinalar só. os locais de estacionamento permitido, pois tendem a ser os menos; o preceito que cito e reprovo só prestará pura piorar o que não precisa nada de ser agravado.
Poderemos hesitar em decidir quais o código fax por estorvar mais nas suas lidas, se os automobilistas de ligeiros, se os de carga; mas contra estes a alínea a) do n.º 2 do artigo 17.º marca uma bolada sem par, quando se disponham a fazer transportes de cargas leves.
De que se trata? Da proibirão de exceder, com a carga, o comprimento da caixa, mesmo com extensão do painel traseiro, salvo tratando-se de objectos indivisíveis.
E que significa, precisamente?
O transporte de cargas leves oferece-se com frequência fios camionistas e constitui para muitos o objecto de uma actividade especializada e regular ti que consagram os seus carros. Matos, ervas, palhas, cortiças, lã, pêlos, P outras matérias de indústria ou negócio, são os fretes quotidianos de muitos camiões; mas tudo são matérias de pouco peso, que nem em grandes volumes tomam toda a capacidade dos veículos.
E mormente desde que estes começaram a usar-se mais possantes, como convém à economia da sua exploração, parcela integrante da economia do País, entraram os transportadores de os aproveitar, arrumando as cargas em prolongamentos das caixas, pura a frente sobre armações preparadas das cabinas dos condutores, para trás sobre prolongamentos de vigas bem assentes nus estrados, as «rabeiras», que o peso da própria carga interior mantinha unires.
Assim se tirava o melhor proveito dos camiões, do elevado capital que representam e do combustível, etc., que gastam.
Agora o código desnecessariamente quer pôr termo a esta possibilidade; e eu digo que o faz desnecessariamente, porque noutro lugar vem fixado o conveniente limite dou comprimentos dos carros, e neste só se estabelece um estorvo a sua melhor utilização.
Tomemos, para exemplo, um camião mediano, de 6 t de carga útil, duma conhecida marca americana e modelo muito divulgado. A sua caixa mede 4,90 m de comprimento e tem a plataforma l m acima do acima. Pois que assim pode carregar em 3 m de altura útil, e na largura total de 2,45 m, fácil é achar que no prisma de máximo carregamento, dentro do comprimento da caixa, cabem 35 m. Suponhamos uma carga de cortiça, que precisará de estar bem enfardada para atingir a paridade de 190 kg por metro cúbico: o camião, de 6 t

Página 291

13 DE JANEIRO DE 1955 291

de capacidade, não poderá nestes condições transportar mais de 4,5 da mercadoria leve.
A perda de utilização é de 25 por cento ! Uma quarta parte do custo do veículo, do gasto de combustível, dos salários do pessoal, pura e simplesmente desperdiçados.
No entanto, com a antes usual dianteira sobre o camarim do motorista, e uma «rabeira» de 1 m apenas, o aproveitamento poderia sei total.
Sofreria muito o trânsito por isto?
O comprimento, fora a fora, do camião do meu exemplo é de 7,15 m; com a «rabeira» pouco excederia 8 m; e o limite aceite pelo código é de 10 m. À ampla margem autoriza-me a responder: não!
Noutras circunstâncias a perda, irá aluda além. Pessoa amiga acaba de enviar-me elucidativas fotografias de um camião de fardos de lã, carregado ao modo antigo, com prolongamentos para diante e para trás da caixa, ou segundo a lei nova. Vêem-se nelas vários aspectos do veículo nas duas arrumações; e outras mostram como ambas são indiferentes à comodidade do trânsito de terceiros. Permita-me V. Ex. 1 que as exiba.
Ora, duma das manearas o camião carrega 5200 kg; da outra, apenas 3480 kg. A perda é aqui de 34 por cento; num camião maior, o mesmo proprietário encontrou 93 por cento.
O tamanho do carro a que primeiro me reportei é, repito, dos mais divulgados, e pelas suas dimensões deveria ser dos mais protegidos. Os transportadores modestos, sem capital nem serviços para se abalançarem aos mastodontes de 10 t e 12 t, é o que preferem; tenho, pois o meu exemplo por bem típico. Mude-se só o que depende da natureza da mercadoria e o caso repete-se às centenas, se não milhares. Calcule-se pois o montante do desperdício imposto e de bens que tanto convém poupar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Dentro da incompreensivelmente moderada reacção que até agora se esboçou contra o código, esta é das disposições contra que há mais protestos; reclamaram dela, entre outros, os industriais de cortiça, aliás, a meu ver, com demasiada timidez no pedido das emendas, e os fabricantes de cal de Abrantes.
Estes meus quase vizinhos oferecem bom exemplo de até onde podem chegar os perniciosos efeitos da nova regra.
Exploram a sua modesta, mas utilíssima, indústria com base em dois recursos regionais: a pedra calcária que ali aflora e o mato das charnecas circunvizinhas, com que alimentam seus fornos. O mato vão eles mesmo roçá-lo, com o que beneficiam aquelas pobres terras, limpando-as regularmente; os proprietários dão-lho pelo benefício; e depois lá vai para os fornos que o combustível barato permite utilizar com economia, enquanto as lenhas encarecem e rareiam. Ganham lavradores e ganham os industriais, e já se calculou que são anualmente 12 000 t de mato de que aqueles poupam u roça e estes aproveitam o poder calorífico.
Desde, há dez dias, porém, mudaram as coisas de figura; de súbito o transporte do inato encareceu 25 por cento, pela redução da carga permitida aos camiões, e, sendo uma verba das maiores no fabrico da cal, os industriais vêem-se na contingência de terem de subir os preços dos seus produtos. Insisto, com que vantagem?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E assim por toda a parte e em inúmeras actividades, porque não é só o problema das cargas leves: é também o daquelas que não podem dividir-se à vontade. Muitas mercadorias, quais as lãs e as cortinas para exportação, em fardos de medidas padronizadas, ou as tábuas serradas para carpintaria no comprimento tradicional de doze palmos, tantissimas enfim, não podem, independentemente do seu peso, e mesmo sendo divisíveis, arrumar-se à vontade dentro dos limites das dimensões das caixas dos carros sem desperdício de espaço; outras, como vigas e ferros de construção, não cabem de todo dentro desses limites.
Há-de de cada vez ir-se pedir à Direcção-Geral dos Transportes Terrestres - se é que o n.º 7.º do artigo 19.º tem aplicação também ao n.º 1.º do artigo 17.º - licença para o transporte especial, aguardando semanas e semanas, enquanto pode perder-se o negócio ou deteriorar-se o material?
Dantes o remédio ora fácil: fazia-se o frete e juntava-se ao seu custo 50$ para a multa. Agora já sai mais caro e de qualquer modo o processo não é digno de consideração.
Tenho ouvido dizer que esta limitação do comprimento das cargas ao das caixas é por razão de ordem técnica, com vista a garantir a estabilidade do veículo segundo a calculou o construtor. Fraca me parece a razão, seja a carga pesada ou leve, e neste caso mais ainda, claro está; e repugna-me crer que algum técnico sensato se lhe prenda muito. Porque a esse é de seu estrito dever lembrar-se que ninguém constrói sem margem de segurança, que é o tributo das ciências exactas ao jogo das circunstâncias imprevistas, dos incidentes inevitáveis, das fraquezas indeterminadas, das peculiaridades ocasionais, das necessidades de momento, em suma, da infinita variedade das coisas ou dos acontecimentos que é a lei da própria vida. Pretender que um metro de balanço para trás em carrada de palha ou cortiça porá a estabilidade do veículo em perigo é fantasia que não pode germinar, tenho-o por seguro, em espírito com formação técnica séria. E demais, quem ouviu já falar de camião de palha ou mato que se empinasse pelo peso?
Não, nada vejo que explique ou justifique tão infeliz disposição. É de emendar, e com urgência.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Logo depois desta convém atentar na restrição ao transporte de pessoas fora dos assentos dos veículos, também penalizada a 200$ por cabeça. As máquinas agrícolas, e designadamente as de debulha, que se fazem acompanhar do numeroso pessoal dos mecânicos e alimentadores, transitam com frequência em trajectos longos, e é uso o pessoal seguir nelas, onde pode ajeitar-se. Até agora a Polícia do Trânsito, com bom senso, tem-no consentido, mas seria bom prover à hipótese de qualquer modo no Código, pois com tantas autoridades a fiscalizá-lo alguma pode esquecer a tolerância da Direcção-Geral dos Transportes, e até o facto de não estar em presença de verdadeiros veículos.
Despertou também as atenções do meio agrário o conjunto das medidas sobre as larguras dos aros metálicos das rodas dos veículos de tracção animal, que, todavia, não repetem senão as disposições da legislação anterior, velha de vinte e quatro anos já.
Menos notada, mas mais grave, é porém a restrição, ao limite de 80 kg por centímetro de largura desses aras. da pressão consentida sobre o solo.
Eram dantes 150 kg, número a que ainda adere o código francês, mais recente que o nosso, no seu artigo 140.º
A quebra é quase de meio por meio, mas significa na prática perda de dois terços na capacidade de carga.
Com efeito, a largura corrente dos aros das rodas de carros de bois e de muares, tirados a dois animais, orça já pelos 7 em da lei. Duas vezes 7 em vezes 80 kg

Página 292

292 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 65

por centímetro dão 1120 kg; e como o peso destes curros linda por 620 kg. segundo me dei ao cuidado de verificar, restam-lhes 500 kg pura a carga.
Considerando que usavam correntemente carregar 1500 kg, a perda é como já disse: de 1500 para 500 kg somente!
E se fizéssemos mais umas coutas?
Que sejam estes veículos 100 000 em todo o País; e 100$ valor das suas jeiras; e não mais que trinta dias por ano (estimativa decerto modesta) os do seu trabalho em fretes, na média individual; teremos anualmente o valor de 300 000 contos em jeiras de fretes.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Pois é deste que dois terços se querem deitar fora.
Sem dúvida, .resta uma solução, como desenfreadamente fez notar a nota oficiosa, de 29 de Novembro: pôr rodados de pneumáticos.
Para tanto foi expressamente concedida a dilação transitória da regra por um ano.
Graças! Mas enquanto não se esgotassem ou encarecessem os velhos rodados de automóvel - e havia de ser depressa, a ir-se para esta solução - o encargo por carro não poderia estimar-se em menos de 2.700$.
Decerto menor quo a desvalorização do frete; quantos o suportariam, porém?
Invocou-se a este respeito a necessidade de protegei-os dispendiosos pavimentos das estradas nacionais.
Não sei se os Franceses a sentem também, se não; mas adiante.
É facto que no Verão as camadas betuminosas amolecem e os rodados estreitos as sulcam visivelmente. Vemo-las, porém, exibir do mesmo modo as esculturas de muitos pneumáticos e até as pegadas dos transeuntes, pelo que o mal não será só dos aros metálicos.
Custando à economia nacional o que custará 11 a redução da capacidade de carga, parece que o assunto deve se ainda revisto.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O artigo 39.º do Código consagra-se todo inteiro ao trânsito de gados.
Se me fosse dado a escolher, de todo o Código, um único tema de crítica, se me fosse perguntada uma única fonte de discordâncias, eu singularizaria sem hesitar esta e VV. Ex.ª podem, pois, somar-lhe aos defeitos mais o de ter provocado principalmente a maçada que lhes estou dando. (Não apoiados).
Todavia, não houve talvez uni só automobilista que, como tal e em princípio, lhe não concedesse a sua simpatia, e a muitos desinteressados de vida rural, só preocupados com as suas comodidades e as suas velocidades, ainda intriga que se lhe censurem as disposições.
Porque ninguém há na verdade, que ao encontrar na estrada um rebanho numeroso se não aborreça com o empecilho; eu próprio - Deus me perdoe e o Ministério das Comunicações me não ouça! - tenho largado muita praguazita contra manadas de ovelhas ou bois que no meio de belas rectas me têm feito levar pé ao travão.
Mas desde fins de Maio que passei a fazer exame de consciência e observação dos factos. Percorro regularmente uns 300 km por semana - não muito, não pouco, talvez mais que a média - em zonas de grande pecuária, e nestes meses tenho-me dedicado a atentar no número de rebanhos encontrados e nas demoras a que obrigaram.
É exercício que recomendo a qualquer, se ainda é tempo, e dificilmente deixará do conduzir a um pouco mais de paciência para com gados itinerantes e seus pastores. Na verdade, que cada qual utente em quantos rebanhos encontra, e quanto tempo lhe fazem perder, parado ou em velocidade reduzida; e estou que só excepcionalmente manterá ainda acrimónia contra o trânsito de animais em grupo.
Um minuto, que passa depressa, parece eternidade de paragem a quem vá de carreira; mas sessenta segundos são tempo que dá para muito pastor arrumar o seu rebanho e deixar caminho livre aos automobilistas.
Repito a VV. Ex.ª e a toda a gente: experimentem, registem; sinceramente creio que hão-de reconhecer reconhecer em tão curto lapso o tempo bastante para ultrapassar muitos dos rebanhos que encontrarem, e hão-de, sobre isto, verificar que esses não se lhes deparam a todo o momento.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Eis, pelo menos, o que concluí da minha própria observação: centos e centos do quilómetros sem encontrar um rebanho ou manada; raras as detenções que excedem um ou dois minutos.
Pudesse eu dizer o mesmo dos cruzamentos ferroviários e das tilas de camiões lentos que a todo o passo se formam, ou dos surdos que não ouvem os pedidos de passagem!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Afigura-se-me - não pensei de início em ir anotando -, afigura-se-me que nestes sete musas perdi mais tempo atrás ou por causa de formações de veículos militares - dos sacrossantos veículos militares, para os quais o código é todo facilidade e paciência, ou resignação (e não sei porque, em tempo de paz, não hão-de obedecer à lei geral) - do que por causa de gados nas estradas.
O mesmo vale para certa passagem de nível de muito meu respeito, que fecho aos dez, vinte, quarenta minutos de cada vez; e até para uma só tarde de grande futebol, em que em escassos 50 km deparei som recuas do autocarros gigantes, que numerei até vinte e quatro. apinhados de desportistas entusiásticos e ciosos do seu caminho.
Não, meus senhores, os gados - elementos de subsistência de todos nós, meio de vida de muita gente - não têm como objectos de actividade economia, menos direitos que outros antes ou coisas a utilizar as vias públicas, segundo as necessidades da sua exploração e a sua natureza, nem nelas são maiores empecos que muito outro género de usuário.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Começar por eles ó descongestionar das estradas é pois arbitrariedade violenta; é tendência que só se justificará se, logicamente, continuar pela sucessiva proibição de todas as classes do mais trânsito, até chegar à perfeição extrema de ter os caminhos desimpedidos, porque vazios.
E o que se legislou é, praticamente, proibição, tão mal se conforma com as realidades.
Já s isto irei; entretanto quero insistir na inevitabilidade do trânsito de gados nas estradas, portanto na necessidade da correlativa reforma da Lei.
Em primeiro lugar, o código aplica-se a todas as vias públicas, nunca é de mais lembrar: o que estabelece vale desde a auto-estrada ao último caminho vicinal. Um ponto.

Página 293

13 DE JANEIRO DE 1955 293

Em segundo lugar, sendo os gados naturalmente automotores, todo o transporte artificial é fonte de despesas e pode ser erro económico, que só fortes razoes imporão.
Terreiro ponto: o nosso país leni a orograma que bem só conhece. Nas zonas montanhosas, ou apenas acidentadas é nos vales, mais ferieis, que se faz o melhor da exploração agrícola; o aproveitamento da terra é ali intenso o apurado, só escapando, por natureza, os caminhos públicos que lá houverem. Também a propriedade ó em geral dividida, muitos agricultores exploram diversas parcelas, e os seus gados, paru irem lá aproveitar restolhos ou regalar-se nas ervas, têm de transitar pelas estradas. Isto sucede tanto no Ribatejo onde as propriedades são grandes, mas nem por isso menos dispersas, e os rebanhos numerosos, como nas altas serras, onde o trânsito dos gados, se não é feito em comum, já obedece aos bucólicos requisitos do código.
Noutras áreas pode não ser forçoso o recurso ao caminho público, qualquer que seja, para passar quotidianamente de pastagem em pastagem ou destas para os estábulos aí com que disparamos é com deslocações sazonais, verdadeiras transumâncias, mas do mesmo modo os gados, sem caminhos privativos, forçosamente hão-de seguir os de uso público. Todavia, nem para estas viagens maus espadadas convém o recurso ao transporte por carros, onde os animais se acomodam mal e, seguindo invariavelmente de pé, despertos e atentos à estranheza, do acontecimento, com os movimentos e vibrações magoam-se, estropiam-se, de encontro uns aos outros e à caixa do veículo; ou o transporte se faz com folgas de espaço e cuidados de acomodação que para rebanhos grandes o tornam economicamente proibitivo e mal praticável, ou tem de ser ao modo natural.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Isto quanto ao trânsito de gados em regime de pastorícia em exploração - milhões de cabeças às quais o código, o seu relator e o seu comentador oficioso não deram nem uma linha de consideração.
Quanto aos demais, os que fazem as ultimas viagens pura feiras ou matadouros, convenho em que nalguns percursos de estradas de grande tráfego - muito poucos, porém - é tempo de condicionar a sua circulação; mas lia que fazê-lo cuidadosamente. A desvalorização brusca que sofreria todo o gado, por repercussão do débito do custo do novo transporte, que os marchantes não deixarão de lançar aos maduro, e até o modo do seu arrendamento em muitas regiões, são factores a tomar em cautelosa conta.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Noutra oportunidade voltarei a este aspecto, se necessário; por ora, quero mas é haver-me ainda com o texto legal.
Se há trechos a que se apliquem certas considerações do meu exórdio, como é claro que penso, a nenhum outro tanto se ajustam, pois as pretensas regra, condicionadoras do trânsito de gados formam uma construção lógica, bem concebida e pormenoriza da somente, das oito, cinco, pelo menos, são inexequíveis por alheias às realidades.
Dividem os rebanhos e manadas, abstringem os agrupamentos a números de condutores, que desorganizam e encarecem a pastorícia, ignoram a natureza animal; e tocam o ridículo na esquisitice das manducais ou na impropriedade da terminologia.

Dividem os rebanhos, que querem sigam assim divididos e calmos a 100 m uns dos outros, e ao lê-las ocorre-me irresistivelmente ao espírito o episódio conhecido - eu já supunha-o conhecido - dos carneiros do Panúrgio.
recordei a historieta, para proveito dos que parecem ignorantes do seu ensinamento.
Panúrgio, herói da obra de Rabelais e encarnação eterna da malícia folgazã e do cinismo atraente, seguia viagem num barco que transportava também o marchante Dindenault, levando an mercado um rebanho de carneiros. É este até, um exemplo clássico da cabotagem aplicada ao transporte, de gados.
Por qualquer motivo, o marchante ofendeu Panúrgio, e o ladino, bem conhecedor, ele, do espírito de gregariedade dos carneiros, que fez para vingar-se - Comprou ao negociante, sem lhe despertar suspeitas, o melhor dos seus animais, e logo zás!, ferrou com ele pela horda fora. Bernardo e balindo, o animal caiu ao mar, e todos os outros carneiros lhe precipitaram atrás, segundo a natureza da sua espécie, que é a de se seguirem cegamente contra todos Os obstáculos. Dindenault, o seu maioral (era um rebanho só com um maioral, conforme o uso e a razão ...) e os ajudas atiram-se-lhes atrás, na esperança de salvarem alguns bichos, mas homens e animais todos se afogaram bem depressa, para lição perene do como soem ser os ovinos.
Pois bem! Esqueceu esta lição aos redactores do código, que parecem teimar no convencimento de que se, pode pegar num rebanho de duzentas, trezentas, quatrocentas ou mais ovelhas, como muitíssimos há, dividi-lo e fazê-lo seguir em grupos afastados!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Decerto, o reconhecimento do engano vem-se fazendo, lento mas seguro O decreto de 24 de Novembro já elevou o limito do número de cabeças por grupo e um ofício posterior, para certo grémio da lavoura, esclareceu que se contarão as crias no número das mães. Assim se chegará, talvez, ao modos mas não será indispensável legislar de novo, abertamente, para prevenir erros ou abusos de interpretação.
Para efeitos de trânsito nas estradas, cada rebanho, manada, vara ou recua, forçado a dividir-se, tem de multiplicar o número dos seus condutores. E passada a estrada, que vão fazer estes? Questão omissa, mas cuja importância ressalta do seu simples enunciado, ninguém aceitará que se resolva deixando como peso morto sobre a pecuária o encargo permanente desses suplentes, só úteis de tempo a tempo.
Quando sejam mais de dois os condutores, quer o código que vá um à frente e outro atrás, cada qual com sua bandeira vermelha, se for dia, como a assinalar perigo grave, com prenúncio que nem à dinamite é requerido. Não sei se a disposição na sua própria fornia não será perigosa; o gosto pelas bandeiras vermelhas é decerto novidade, e não tem inquietado pouca gente: talvez se ofereçam amadores para desfraldar estas! Mas o simples facto da sua exibição, nestes tempos de incremento das doenças cardíacas, pode causar danos aos assustadiços, e de qualquer modo ;i exigência do anúncio é ... curiosa. Pensar-se-á: fujam, que aí vêm lobos! Mas não, não são, são apenas mansas vitelas.
Risos.
Sr. Presidente: outro requinte normativo é o do pré-aviso de vinte e quatro horas para o trânsito de gado bravo pelas localidades. Aviso a quem, como; Do porta em porta, ao regedor, por edital, pela rádio? não se sabe, não imagino; mas receio que lá no meu Ribatejo onde uma entrada de touros é motivo de festa, a prevenção resulta contraproducente, de quando em vez. E tico a interrogar-me se não haverá de lacto metempsicose, e se não se terá metido 110 corpo deste legislador a alma

Página 294

294 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 65

duma velha dama lisboeta que, recebida para férias no melhor quarto do andar nobre da casa de certa vila da minha província, ainda perguntava, receosa, se ali não havia risco de virem touros!
Risos.
Em conclusão: de qualquer modo que se encare o artigo, este já famoso 39.º, ele apresenta-se-nos mal concebido o pior formulado. É quase todo de reformar profundamente.
Antes de ir adiante, não posso furtar-me a fazer paru VV. Ex.as o confronto do recente Código da Estrada francês com o nosso, pois o paralelo parece-me em si mesmo eloquente.
A França é, como bem se sabe, uma das pátrias, ao mesmo tempo, do automobilismo e das boas estradas, que lá têm porventura a mais antiga tradição e a mais longa história nas idades modernas. Ali encontrou o escocês Mac-Adam acolhimento para o seu sistema de pavimentos firmes, quando toda a Europa ainda viajava, a bem dizer, sòmente a cavalo; um território francês se fizeram as primeiras experiências de alcatroamneto; e a fama das suas estradas, excelentes em piso e desenho, continua nos nossos dias a não desmerecer de tão brilhante passado. No fundo das suas salas de estudo, quando um construtor inglês ou americano remata o projecto de novo carro rápido e confortável, baptiza-o de seu modelo continental; o continente em que pensa é, porém, a Europa, e nesta vê as estradas da França - essas longas rectas bordejadas de plátanos armados em altura, cujos intermináveis renques já de si sugerem distância e suscitam desejos de a vencer depressa.
Depois a França é território de turismo, de turismo de luxo, egoísta, cioso das suas comodidades: do turismo de pessoas que só pensam em vencer entre a manha e a noite, com o intervalo apenas do almoço em estalagem de fama, as centenas de quilómetros que separam da capital os grandes centros de recreio e de vilegiatura.
E a França tem proporcionalmente a nós o quádruplo dos automóveis, seja na razão da área, seja na da população.
Pois bem! Promulgou já depois de nós o seu último Código da Estrada; decretado em 10 de Julho de 1954, é acaso o mais moderno do Mundo.
E que estabelece ele quanto a rebanhos e animais isolados ou em grupo?
Isto sòmente:

Art. 221.º A condução de rebanhos ou de animais isolados ou em grupo circulando numa estrada deve ser assegurada de modo tal que estes nau constituam estorvo para a circulação pública e que o seu cruzamento ou ultrapassagem possa efectuar-se em condições satisfatórias.
Art. 222.º Os condutores de rebanhos ou de animais isolados ou em grupo devem desde o pôr do sol, fora das povoações, levar uma lanterna de modo muito visível, em particular detrás. Esta prescrição não se aplica aos condutores de animais circulando pelos caminhos rurais, com exclusão, todavia, daqueles destes caminhos que, interessando à circulação geral, tenham sido designados e levados ao conhecimento do público por decisão do prefeito. Não se aplica tão-pouco aos cavaleiros.
Ari. 223.º Os prefeitos determinam em cada ano as condições especiais a observar pelos rebanhos transumantes, a fim de empecerem o menos possível a circulação pública, e nomeadamente os itinerários que devem seguir estes rebanhos.
Art. 224.º Sem prejuízo das disposições do Código Penal acerca de animais malfazejos ou ferozes, e proibido deixar vaguear nas entradas qualquer animal e deixar nelas abandonados animais de tiro, de carga ou de sela.

E é tudo.
Os comentários ocorrem fáceis, mas quem quiser que os faça para si.
Quando anunciei este aviso prévio concretizei quatro fundamentos da minha discordância, dizendo, aliás, não serem os únicos; e agora reparo que, levando a fala adiantada, ainda não retomei um deles - o que se refere ao trânsito das máquinas agrícolas.
A este título, com efeito, também entre os interessados o código veio levantar alarmes e suscitar protestos de muitos que o vêem criar ou confirmar dificuldades irritantes, quando não prejudiciais, sem aparências de vantagens compensadoras.
Aceitando na generalidade a disposição que restringe a 14 m o comprimento máximo dos conjuntos de tractor e reboques, objecta-se, por exemplo, que os trens de debulha ficarão privados de circularem como era costume.
Realmente, os trens de debulha que titulam de eira em eira exercendo legítima indústria compreendem a máquina debulhadora, o fagulheiro, a prensa de enfardar palha e a máquina motora; e com a introdução dos tractores agrícolas de rodados pneumáticos generalizou-se a prática, cómoda e sobretudo económica, de os adoptar no mesmo tempo como motores e como rebocadores dos conjuntos. Nestes casos, porém, o comprimento máximo de 14 m é excedido, e a lavoura pediu, pois, que nos meses próprios à sua laboração e deslocação, ou seja de Maio a Novembro, a regra fosso exceptuada pura eles, a fim de evitar duplicações de caminhadas. Penso que não será difícil reconhecer a razão disto; e deixo, portanto, a sugestão para o rol das reformas necessárias.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nunca se entendeu o merecimento do preceito, já velho aliás de quatro anos, que fixa em 50 km o raio de capacidade - chamemos-lhe assim - dos condutores de tractores agrícolas. Desde o local de recolha os indivíduos habilitados com a carta respectiva podem guiar os tractores em percursos até 50 km; atingido o termo destes, cessa de reconhecer-se-lhe a capacidade de guiarem. Ainda todos se perguntam porquê esta esquisitice, e eis que o código a confirma, como se fosse medida boa ou útil. Quem é capaz de guiar 50 km porque não guia 100 ou mais?
A maioria das empresas agrícolas isto é indiferente, mas são ainda assim em número apreciável as que se dividem por propriedades distantes entre si mais do que o tal limite, e não é curial que de umas para outras se não possam fazer transportes com o material e o pessoal lá disponíveis.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ainda se empregam um muitas lavouras, e continuarão em uso, os tractores de nisto contínuo, máquinas sólidas e possantes, insuperáveis para certos serviços.
Por vezes carecem de utilizar caminhos públicos - e, se forem entradas de terra, sem inconveniente o farão - para se dirigirem aos locais de trabalho.
Alterando a prática anterior, quer o código que as licenças para tais deslocações passem a depender da Direcção-Geral de Transportes Terrestres, que há-de ouvir a Junta Autónoma de Estradas ou a câmara municipal interessada. Argumenta-se que se trata de um caso de policia de trânsito, portanto só da superinten-

Página 295

13 DE JANEIRO DE 1955 295

dência da Direcção-Geral. Nada haveria a opor se não fosse a espera, certamente grande, que pressupõe a demora do seu despacho, para mais com aquelas audiências prévias. Estará tudo muito bem; mas é lá de aceitar que a execução de uma lavoura de ensejo ou outro serviço de pressa espere assim semanas e semanas, como se sabe, pelo paralelo de outro expediente que há-de certamente ser?
Não, a autorização tem de voltar a ser solicitada directamente às entidades que superintendem na conservação dos caminhos, como se fazia antes, com satisfação geral.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nem se argumente em contrário com a divisão das competências, porque o n.º 3 do artigo 39.º mostra que ela não é invariável.
Para deixar de vez o sector agrícola - que me é o mais chegado - sem todavia nem no seu âmbito esgotar a lista dos reparos, quero referir-me às cartas que passam a ser exigidas aos condutores de veículos de tracção animal.
Aceito-as, não sem forte repugnância, mas aceito-as, se efectivamente se tornarem em meio de impor mais largo conhecimento e respeito das regras de trânsito, e não redundarem só em fontes de fugaz receita dos municípios.
Mas há dois aspectos a considerar. Não se justificará - e isso não aceito sem protesto que aqui deixo - dispensar delas os condutores de carros de bois. Exigi-las para os demais e isentar estes é discriminação incompreensível. Os bois, mais lentos, não se meterão tão fáceis em embaraços, convenho; mas por isto mesmo se safarão dos que sobrevenham menos lestos que os cavalos, muares, ou burros.
Reclamo, pois, a igualdade, na obrigação ou na isenção, para os condutores dos veículos de todas as espécies de tracção animal.
E requeiro que a multa por condução sem carta seja, em especial na primeira infracção, muito reduzida. Porque nada ocorrerá mais naturalmente do que, faltando o condutor encartado, entregar em caso de urgência ou de impedimento um carro agrícola ao primeiro homem que apareça a jeito: nos campos, qualquer sabe tomar conta disso. Mas não será justo penalizar com 50$, mais do que o preço de dois jornais do trabalhador, o exercício da condução nestas emergências. Que a primeira e a segunda faltas tenham multas moderadas, como as que se aplicam aos peões, para servirem de aviso, e não de castigo, será condição essencial para as disposições sobre os condutores de veículos de tracção animal se poderem considerar aceitáveis.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Vejo que o tempo me está fugindo e sinto que do mesmo modo a paciência de VV.- Ex.aa Assuntos dos mais palpitantes fora do domínio a que me tenho consagrado vai-me ser forçoso confiá-los à generalização do debate e ao talento de quem saberá versá-los com mais conhecimento e habilidade.
Porém, para confirmar a minha tese de que nas exigências em todos os sectores o código ultrapassa os limites do razoável, ainda quero ocupar-me da instrução de condutores de automóveis.
Até aqui vigorava um princípio muito simples o que parece ter dado resultados aceitáveis, visto que, como mostrei logo de entrada, o número de condutores aumenta e o dos acidentes diminui.
Quem tivesse carta ensinava quem não soubesse, a seu modo e à conveniência de ambos, que no exame lá se apurava se um e a outra satisfaziam; e parece que na generalidade iam servindo.
Mas agora ... oh! Agora ...
Vai ser necessária licença para ensinar, licença para aprender e até - pasmai, senhores! - licença para os automóveis servirem para aprender.
Que não serve qualquer. A capacidade de conduzir deixou de depender só das boas condições físicas, do conhecimento dos preceitos, da instrução técnica, da prática das manobras. Tudo é necessário, mas de nada vale se não for adquirido na instrução e demonstrado no exame em automóvel que não tenha o mínimo do 2,35 m de distância entre eixos e lotação de cinco lugares, nem um de menos.
Em consequência, já certa escola de condução, das mais populares de Lisboa, com um activo de largos milhares de motoristas formados pelo seu ensino, e com vinte e um automóveis para ministrar esse ensino, acaba do saber que nada menos de dezassete destes ficam condenados para a sua actividade pelas últimas disposições regulamentares. Uma simples bagatela para quem não olha a despesas ... alheias.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Algures prescreve o código que nas localidades onde existirem escolas de condução não podem instrutores isolados exercer tal actividade por conta própria. Homens que têm feito vida neste ofício, e só por essa Lisboa além haverá dezenas ou centenas, são de repente condenados a mudar de vida, se não arranjarem capitalistas para lhes financiarem a organização de escolas suas, ou persistirem apenas em continuar vida independente.
E assim por diante.
Não vale a pena perguntar mais: porquê isto, porquê tais outros encargos, porquê a complicação do coisas simples e correntias, porquê a proibição de actividades legítimas e inofensivas. Não vale; aqui dentro ninguém me responderia; de fora, receio que não me convencessem.
Sr. Presidente: vou terminar sem ter podido deter-me, como requereriam, sobre quantidade do disposições, umas susceptíveis de graves e porventura não previstas consequências, outras sujeitas a interpretações divergentes ou perigosas, certas, enfim, sòmente importunas, sem vantagem justificativa; e mal me restando o tempo para registar omissões que conviria fossem reparadas.
Seja-me lícito ao menos enumerá-las, segundo resultaram das minhas leituras.
À frente de tudo, a pouca consideração pelas situações criadas o pelo material em serviço e, depois:

1) As excepções feitas para os veículos militares, dispensados de quase todos os constrangimentos impostos aos civis, o que direi, mais uma - vez, parecer-me de duvidosa razão em tempo de paz;
2) A ausência de tolerâncias para as dimensões, designadamente a largura, de cargas que possam alastrar sob o aperto de cordas ou com as vibrações do transporte;
3) O excesso da multa de 1.000$ pela falta da licença a que se refere o n.º 7 do artigo 19.º do código, quando a urgência não seja compatível com a inevitável demora dessa licença, dependente de serviços cuja sobrecarga de expediente é conhecida e só poderá acrescer;
4) A falta no artigo 28.º da ressalva a que se refere o n.º 4 do artigo 27.º;

Página 296

296 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 65

5) O excesso da exigência da declaração de reconstrução, que se reflectirá no valor comercial dos veículos, e as correlativas dificuldades, em casos hoje em dia tão banais como a substituição de motores;
6) Paralelamente, o da proibição de mudar de combústível, inserida, no regulamento;
7) A vantagem de eliminar a referência a animais no penúltimo parágrafo do n.º 2 do artigo 30.º do código;
8) A discutível vantagem da placa - mais um acessório a adquirir e uma luz a instalar - indicadora, dos limites de velocidade, na retaguarda dos automóveis pesados;
9) O já admirado e certamente caro gancho para tracção do reboques, nos mesmos ditos veículos;
10) A boa razão de que, para os carros agrícolas, lanternas e reflectores só sejam exigíveis de noite, pois até os últimos convêm poupar às vicissitudes de um serviço duríssimo;
11) A justiça de, no § 3.º do n.º 6 do artigo 40.º, acrescentar também a isenção do benefício do tratamento médico, para os peões vítimas de acidentes por seu descuido;
12) O benefício de clareza se nos n.ºs 1 e 3 do artigo 45.º se substituísse o termo «propriedades» pelo de «empresas»;
13) A necessidade de esclarecer se o diploma de exame primário da 4.ª classe é também exigível, como consta estar sucedendo, para a troca de cartas a profissionais;
14) As demais dificuldades, pelo menos os trabalhos, dos condutores profissionais para obterem reconhecimento da qualidade;
15) A boa razão de se acrescer, ao prazo de validade da licença de aprendizagem, mais o da espera pelo exame, para ser mantido o treino;
16) A óbvia falta de excepção, pura os condutores de sexo feminino, da exigência do boletim militar para a admissão a exame;
17) Segundo alguns clínicos, a pouca propriedade de certas disposições regulamentares sobre inspecções médico-sanitárias ;
18) A falta da validação das curtas de motociclista para a condução de velocípedes;
19) Todas as complexíssimas questões da responsabilidade de condutores e peões, cadastro daqueles, apreensões de cartas, inibições de conduzir e outras para tratar das quais confesso falta da indispensável cultura jurídica;
20) A ainda imperfeita redacção das obrigações de socorro a sinistrados, para prevenir riscos bem conhecidos;
21) A falta de previsões adequadas sobre a responsabilidade para com os amadores de «boleias»;
22) A desarmonia entre si de algumas disposições que nas matérias são congéneres.

Sr. Presidente: li, penso que atento, o Código da Estrada de 20 de Maio último e os seus complementos. A par de muita disposição boa, que não está em causa, encontrei as que vim referindo, de fundo ou de pormenor, que tenho por carecidas de reforma. Procurarei dar a V. Ex.ª e à Assembleia noção de como estas são impraticáveis, imiteis, prejudiciais ou simplesmente incómodas ou dispendiosas. Se não o consegui, terei, pelo menos, aberto caminho a quem pode e saberá fazê-lo.
E, quando esteja feito, ficará demonstrado que o código tal qual está não convém ao País e não serve aos seus objectivos, nem ao prestígio do Governo que o promulgou.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Há, pois, que emendá-lo, e quanto antes.
Confio em que o Governo o quererá fazer; senão, que disso nos encarreguemos nós.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Paiva Brandão: - V. Ex.ª Sr. Presidente, dá-me licença que peça um esclarecimento ao Sr. Deputado Amaral Neto?

O Sr. Presidente: - Faz favor.

O Sr. Paiva Brandão: - V. Ex.ª, Sr. Deputado Amaral Neto, pode dizer-me qual é a disposição do código respeitante a viaturas militares com a qual não concorda?

O Orador:- V. Ex.ª poderia pôr a pergunta no plural, uma vez que no código só podem encontrar, pelo menos, sete excepções.
Vou citá-las.

Leu.

O Sr. Paiva Brandão: - Desejava apenas dizer que o exercício do comando de uma coluna militar não pode estar condicionado ao facto de essa coluna se partir em parcelas. A homogeneidade das colunas militares tem de manter-se, e daí que o código se refira a elas.
Quando se dá a uma coluna militar corta missão, estabelece-se um horário que tem de ser rígido, sobretudo se pensarmos que no tempo de paz tudo que se faz, com o organismo militar será o espelho daquilo que se deverá operar em tempo de guerra.
Parece-me que em relação às colunas militares terá de haver uma disposição especial.

O Sr. Pereira da Conceição: - A não ser que se vede o trânsito nas estradas, como sucede na Alemanha, na França, nos Estados Unidos e noutros países.

O Orador: - Compreendo a posição e a intenção do VV. Ex.as, mas espero que me façam a justiça de pensar que não aludiria a esses casos se se tratasse apenas de colunas militares: um soldado ciclista é uma coluna militar?

O Sr. Paiva Brandão: - Mas eu referi-me apenas às colunas militares. Só sobre estas é que pus o problema, por ser o mais importante, e para as quais não pode deixar de haver restrições, que não luram tomadas em consideração por V. Ex.ª

O Orador: - Creio ter esclarecido V. Ex.ª sobre as isenções referidas no código, das quais apenas uma, de entre as sete que referi, se aplica a comboios militares.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Melo Machado: - Requeiro a generalizarão do debate.

O Sr. Presidente: - Concedo a generalização do debate, que continuará na sessão do amanhã, constituindo a sua ordem do dia.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 5 minutos.

Página 297

13 DE JANEIRO DE 1955 297

Documento enviado para a Mesa no decorrer da sessão:

Requerimento

Carecendo, com a maior urgência, das informações que pedi ao Ministério ria Economia na sessão de 15 de Dezembro último e, posteriormente, em 27 do mencionado mês, requeiro que aquelas informações me sejam enviadas com a maior brevidade.

Lisboa e Sala das Sessões, 12 de Janeiro de 1955. - O Deputado, Paulo Cancella de Abreu.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Pinto de Meireles Barriga.
Carlos Mantero Belard.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Herculano Amorim Ferreira.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Sousa Machado.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancella de Abreu.
Tito Castelo Branco Arantes.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António dos Santos Carreto.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Gaspar Inácio Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Afonso Cid dos Santos.
João Maria Porto.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Mana de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Urgel Abílio Horta.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Página 298

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×