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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 68

ANO DE 1955 19 DE JANEIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VI LEGISLATURA

SESSÃO N.º 66, EM 18 DE JANEIRO

Presidente: Ex.mº Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mos Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues

SUMARIO:-O Presidente declarou aberta a acessão as 16 horas.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.º 66 e 67 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.

Para os efeitos do disposto do § 3.º do artigo 109.º da Constituição o Sr. Presidente informou entrar na Mesa o Diário do Governo n.º11, de 14 do corrente, inserindo no Decreto-Lei n."40031.
Usaram da palavra, os Srs.. Debutados Urgel Horta, acerca, da crise vinícola do Douro; António de Almeida, sobre problemas de assistência, e Ricardo Durão, que se referiu ao caso do não internamento de uma doente, em risco grave, num estabelecimento hospitalar.

Ordem do dia. - Continuou o debate sobre o aviso prévio efectuado pelo .Sr. Deputado Amaral Neto.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Cortês Lobão, Baltasar Rebelo de Sousa, Sousa Machado e Bartolomeu Gromicho.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão ás 18 horas.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 00 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs., Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Aurélio Pereira da Conceição.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
António dos .Santos Carreto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Baltasar Leite Rebelo de Sousa.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Herculano Amorim Ferreira.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Cerveira Pinto.

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João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim de Sousa Machado.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Lute de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 62 Sra. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente:-Estão em reclamação os n.º 66 e 67 do Diário das Sessões.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado pede a palavra sobre os referidos números do Diário das Sessões, considero-os aprovados.
Vai ler-se o

Expediente
Telegramas

Do Grémio da Lavoura de Évora a apoiar as considerações do Sr. Deputado Amaral Neto sobre o novo Código da Estrada.
Da Casa do Concelho de Gouveia a apoiar as considerações do Sr. Deputado António Rodrigues quanto à criação urgente na serra da Estrela de uma estação de fomento pecuário.
Dos Grémios do Comércio de Vila Nova de Famalicão, Vila Real e Guimarães, Grémio dos Comerciantes de Tecidos do Porto, Grémio dos Comerciantes de Ourivesaria do Norte e Grémio dos Comerciantes de Ferro, Ferragens e Cutelarias do Porto a apoiar as considerações do Sr. Deputado Antão Santos da Cunha proferidas na sessão de 12 do corrente mês.

O Sr. Presidente: -Enviado pela Presidência do Conselho, para efeitos do disposto do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, encontra-se na Mesa o Diário do Governo n.º 11, l.ª série, de 14 do corrente, que insere o Decreto-Lei n.º 40031.
Tem a palavra o Sr. Deputado Urgel Horta.

O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: era intento nosso abordar a crise grave que a região do Douro atravessa, crise que não é periódica, visto ser constante, logo após a intervenção feita pelo nosso ilustre colega Sr. Melo Machado, personalidade que tão honestamente, com tanta dignidade, tem marcado o lugar de alto relevo que ocupa na Assembleia Nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Mas o anúncio do aviso prévio, feito em seguida, sobre a crise vitivinícola pelo Sr. Dr. Paulo Cancela de Abreu, voz autorizada, sempre escutada e ouvida com a mais delicada atenção e o mais justificado respeito, obrigou-nos a adiar a nossa antiga resolução.
Um conjunto de circunstancias ocasionais leva-nos agora a antecipar as considerações que pretendíamos fazer, considerações de ordem e natureza genéricas, despidas de números e de estatísticas, ao alcance de todos quantos vivem e sentem a crise do Douro.
Sr. Presidente: quando na sessão legislativa de 15 de Dezembro passado, na altura em que, por notícias dos jornais, tomámos conhecimento da comissão nomeada pelo Sr. Ministro da Economia com o encargo de estudar todas as questões relacionadas com o plantio da vinha e avaliar do reflexo que este possa ter nas perturbações verificadas no comércio de vinhos, levantei a minha voz, disse ter visto com estranheza e satisfação semelhante acto. E pedi não se aguardassem os resultados dessa laboriosa missão para serem tomadas medidas que reputava urgentes na solução de problemas de momento, que não se compadeciam com delongas e cujo atraso ou retardamento acarretaria graves prejuízos à economia particular e, consequentemente, à economia nacional. E, pelas noticias dos jornais de hoje, parece ter-se ouvido o nosso apelo.
De norte a sul do Pais vem sendo agitado o problema vitivinícola, e essa agitação é filha da sua gravidade. É necessário que a intervenção do Governo se foça sentir, pois só ele tem conhecimento, poder e autoridade para actuar. E mal vai ao enfermo quando, apesar do diagnóstico estabelecido, a intervenção se demora ou se adia, ou quando, perante diagnóstico tardio, se cruzam os braços em atitude de descrença e desanimo, aguardando-se o milagre ...
Há que agir, em todas as circunstâncias, com serenidade e firmeza, e então o milagre opera-se sob o domínio da Providência, que nos manda usar dos meios com que generosamente nos dotou para lutarmos e para vencermos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: o Douro vive horas bem amargas da sua existência, subindo o sen calvário, na desgraça da sua miséria. O Douro, no orgulho da triste sorte que o persegue, não necessita que lhe dêem ou lhe emprestem prestigio.
O prestigio de que desfruta no Mundo o vinho do Porto foi-lhe conferido pela Natureza, e, posto que à sua volta se levantem tempestades, ele, resignadamente, na sua pobreza e na sua amargura, trabalha, luta, confia em si próprio, desculpando aqueles e amparando até a quem faz sombra nas suas desmedidas ambições.
Os homens que no Douro encontraram o maior facto da riqueza nacional, desde o marquês de Pombal ao conselheiro João Franco, que lutaram antes e depois deles em seu favor e da sua riqueza, no espírito de. quais sempre brilhou o orgulhoso sentimento de um nacionalismo e um patriotismo que muita gente não sabe compreender, devem sentir-se bem recompensados por haverem sabido cumprir o seu dever.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Sr. Presidente: em Fevereiro passado abordei na Assembleia Nacional o problema da crise do Douro, que o mesmo é dizer da crise vinícola nacional, tão intimamente ligada e confundida com a crise de exportação do vinho do Porto. Trata-se de assunto extremamente delicado e profundamente complexo, a que o Governo vem dedicando a melhor da sua atenção, debruçando-se constantemente sobre o seu estudo.
As crises sucessivas que a região do Douro atravessa reflectem-se tão profundamente na economia da Nação que é de absoluta necessidade resolver muitos e variados problemas em íntima ligação com o comércio e a exportação dos vinhos generosos da região demarcada do Douro.
O vinho do Porto é produto que só uma região no Mundo goza o condão de produzir. Nenhum outro se lhe compara. Tudo quanto se faça para o afastar dos tipos clássicos, de tradição secular, modificando-o, para o transformar em tipos diferentes, porta aberta à falsificação, será acto de traição à terra que o dá, ao Mundo que o consome e aprecia, e ato àqueles que vivem do seu reconhecido prestigio comercial.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Não existe razão que tal possa justificar, visto ser produto que, pelas suas qualidades intrínsecas e pelas suas características inigualáveis, se tornou célebre e bem conhecido.
Naquelas abruptas e alcantiladas escarpas do Douro, nas suas bravas encostas, o homem, vergado ao peso de esforçado labor, desbravou a terra, onde nenhuma outra colheita é possível, e plantou, com a maior dificuldade e dispêndio, vinhedos, que produzem vinhos licorosos incomparáveis e inimitáveis.
Ali a terra possui caracteres distintos na sua constituição geológica, no seu grau pluviométrico, fornecedor da humidade, na necessária irradiação solar, no conjunto de condições climatéricas onde a videira faz o seu desenvolvimento, criando riqueza que tem de ser mantida e protegida e & qual está ligado o bem-estar de alguns milhões do portugueses. E o sistema corporativo bem o tem compreendido até este momento.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-O Governo do Estado Novo não tem faltado com a sua assistência, a sua boa vontade, o seu esforço, para dar solução ao grave problema de que nos estamos ocupando e a que, por vezes, circunstâncias estranhas, de que todo o Mundo sofre, têm trazido dificuldades.
A maioria das nações, vivendo horas de amarga incerteza, empobrecidas na sua economia, defraudadas nas suas riquezas, defendem-se da importação de produtos que não julgam essenciais à vida, e, desta forma, as negociações para o estabelecimento de acordos comerciais não são empresa fácil.
Nós temos gozado posição de privilégio, graças ao homem que Deus nos enviou com a missão do governar este pais, valorizando-o em todos os campos da sua actividade, elevando o seu potencial económico, na criação e no aproveitamento da riqueza pública, restituindo-lhe a grandeza do passado e o prestigio de que presentemente goza.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Para defesa do vinho do Porto, dentro da organização corporativa a que o País tanto beneficio deve, criou-se a Casa do Douro, a Federação dos Viticultores do Douro, o Grémio dos Exportadores e o Instituto do Vinho do Porto, que, com o entreposto de Gaia. formam no seu conjunto a estrutura orientadora, e coordenadora de todos os problemas respeitantes à produção e ao comércio do vinho da região demarcada do Douro.
Organização dispendiosa, que tem trabalhado segundo o critério delineado, bom diferentemente do dos seus dirigentes; dentro de um condicionalismo apertado, num intervencionismo do Estado, com tendência para uma política de absorção, como afirmou o director do Instituto, na conferência comemorativa do 21." aniversário, referindo-se amargamente ao cerceamento de liberdades que em tempos lhe haviam sido outorgadas.
Mas seja como for, e sejam ou não justificadas essas queixas, o certo é que há necessidade de se rever e alterar em parte o sistema criado, dando-lhe simplicidade e carácter, vivendo-se e sentindo-se os problemas cuja solução está no seu objectivo.
É necessário que o espirito burocrático de certas organizações se não afaste do sentido comercial, visto residir na actividade do comércio de vinhos a soma quase total do êxito que a exportação encerra e contém. E no aumento da exportação reside a solução da crise que assoberba o Douro, repercutindo-se com todas as suas funestas consequências na economia do Pais.
A burocracia é inimiga do progresso, e simplificar e facilitar é missão que compete aos organismos corporativos, coordenadores de todas as actividades. Existe uma interligação entre os problemas da lavoura ultimamente estudados com o mais vivo empenho, e, sendo o vinho um dos maiores valores a pesar na economia, esse valor tem de ser defendido, por leis corajosas e justas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não quero embrenhar-me nos problemas gerais da nossa lavoura, na valorização dos produtos de cultura mais necessários à vida, no conjunto de medidas cuja adopção é necessária para resolver a crise grave que a nossa agricultura atravessa.
Isso levar-nos-ia muito longo nas considerações a fazer em favor de regiões que têm as suas culturas tradicionais, culturas que têm de ser defendidas e continuadas. E estes problemas genéricos estão profundamente ligados a outros de natureza social, confundindo-se na sua essência, mas dissociados na sua aparência, visto que o nível excessivamente baixo - nível de miséria - em que vivem os nossos trabalhadores dos campos precisa de modificar-se, elevando-se os salários, para que possam levar aos seus lares o conforto, a saúde e a alegria, de que estão tão carecidos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -O trabalhador rural, o trabalhador do Douro vive momentos aflitivos, com remuneração tão insuficiente para a sua vida, calvário de miséria e de dor, sem pão, sem agasalho, sem poder criar com saúde e fartos os seus filhos. K a acção social que lhe é atribuída por lei, dentro da organização corporativa do Douro, é tão reduzida, tão insuficiente que pouco ou nada representa.
Há que encarar este problema, visto que a saúde do operário é património da região, valorizado pela melhoria das suas más condições económicas. Urge protegê-lo, colocando-o em condições convenientes, para si e para a família, amparando-o na doença, na invalidez e na velhice. Mas todas estas questões, do tão magna importância, estão na dependência da valorização do produto - o vinho -, consumindo-o e exportando-o.

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Não me cansarei de afirmar que na exportação reside a solução de muitos e variados problemas sociais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-As dificuldades crescem e o antídoto para lhes dar cura tem de nascer do contributo forte do nosso esforço, da nossa vontade.
Os mercados tradicionais do nosso vinho do Porto precisam de elevar-se, progredindo no volume das suas transacções. É necessário reconquistar mercados que perdemos, e só com a adopção de medidas salutares se poderá alcançar tal desiderato. Temos na organização corporativa, que assenta nos melhores princípios, a indicação do caminho a seguir. Impõe-se que esse complexo maquinismo, regulador do nosso comércio de vinhos, produza rendimento proporcional ao sen custo. É necessário que os elementos dirigentes da produção e do comércio dos vinhos do Porto exerçam a sua função com os olhos fixos nos altos interesses do Pais, e a esses interesses estão ligados os do Douro.
As anomalias, as incompreensões e os interesses mal compreendidos só redundam em prejuízo total. O lavrador e o comerciante têm de ser acarinhados, e da harmonia entre estes elementos resultará uma soma de benefícios bem palpáveis.
Problemas como os da litragem, os da distribuição de benefícios e outros não poderão ser esquecidos. E, quando se cometem erros, corrigem-se ou castigam-se. Ninguém mais que o pequeno e médio lavrador necessita de amparo e auxilio.
O aspecto social da crise do Douro é grave, e seria absolutamente catastrófico, ante a insuficiência da exportação, se a organização corporativa não fosse realidade indestrutível.
O problema das aguardentes é outro grande problema a atender na diminuição do custo do vinho, agravado por exagerado preço desta. Assim, o vinho do Porto vê-se encarecido por uma série de acréscimos de impostos, tornando-o caro e dificultando portanto o seu consumo.
Dentro e fora do Pais é preciso dar-lhe venda mais larga. O comerciante e o exportador de vinho do Porto precisam de adquirir uma certa liberdade de acção, para poderem agir em defesa dos seus interesses, fazendo concorrência a outros países produtores, e os seus interesses resultam de uma maior e melhor exportação.
Sabemos que tem de submeter-se, dentro da lei, a certo condicionalismo, certas restrições na independência da sua acção; mas não se levem ao exagero essas restrições e esse condicionalismo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Atenda-se à baixa na exportação.
O número de pipas a beneficiar foi este ano de 30000, o que não dá margem a lucros, de que necessita, para satisfazer os seus encargos.
Revejam-se todos os problemas que são causa de embaraço à expansão da sua actividade, dentro de critério largo, amplo, porque dificultar é prejudicar a expansão do produto. E o Douro deve muito ao comércio exportador. E necessário exportar mais.
O contingente destinado à beneficiação é muito reduzido, e reduzido, portanto, é o valor representativo do vinho a exportar. Vinho de alto preço ou de preço baixo é problema muito debatido, mas o vinho do Porto não pode valorizar-se excessivamente, como muitos pretendem, o que dificultaria o seu comércio perante a concorrência de outros países.
O valor depende, como em tudo, das leis da oferta e da procura, e, posto que o Governo tenha sempre mostrado a melhor vontade na solução do problema do Douro, deve dizer-se que as dificuldades se mostram por vezes insuperáveis.
O facto está, infelizmente, na dependência dos países que são compradores do nosso vinho.
A Inglaterra, a França e a Bélgica, além de outros, continuam sendo os nossos melhores consumidores, como se verifica consultando as estatísticas. A Inglaterra mantém em vigor os pesados direitos, direitos quase proibitivos, que lançou durante a guerra como defesa da sua economia. É na redução de direitos tão pesados que reside grande parte do êxito da nossa exportação.
Conseguir alivio pautai deve ser tarefa a exigir dos nossos representantes no Reino Unido - velho amigo, a que nos prendem vínculos de uma aliança secular.
A França, vivendo num apertado regime de contingentes, mas apreciadora do nosso Porto, revela, através dos seus agentes comerciais e do seu publico, o desejo de ver aumentada a quantidade de vinho importado.
Não deve descurar-se o aumento desses contingentes, num regime de trocas que seria de resultados positivos. Sabemos que se trabalha para o estabelecimento de tratados comerciais assentes em novas e duradouras bases, onde o vinho do Porto terá o lugar que lhe é devido.
Os Estados Unidos da América, hoje a mais poderosa nação do Mundo, mantêm connosco as melhores e mais constantes relações. Entendemos ser campo donde poderemos tirar o melhor proveito, tentando a entrada dos nossos vinhos nos seus mercados. Um tratado de comércio onde a garantia de marcas fosse estabelecida, evitando a confusão com os vinhos da Califórnia, seria base de solução e valorização do nosso vinho do Porto. Estamos convencidos de que o Governo não necessita que lhe seja lembrado este facto.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -E o Brasil, a que estamos tão Intimamente ligados, quer por interesses morais quer por interesses materiais ?
A exportação para as nossas províncias ultramarinas seria uma tentativa merecedora de certa consideração, desde o momento que as dificuldades que o nosso comércio tem de vencer fossem ultrapassadas.
Para tal, é necessário trabalhar com muita tenacidade, acarinhando os mercados que possuímos e tentando criar outros.
Mas o vinho do Porto exige, como todos os produtos, uma propaganda intensa e bem orientada. E tudo quanto se faça neste campo é de grande proveito. Não é difícil lançar um produto quando possui qualidades reais a impô-lo.
Mas a sua propaganda mão está ao alcance daqueles que não possuam uma preparação, um tacto e um sentido comercial para a saber fazer. A sua movimentação é dispendiosa, visto que são necessários meios, disponibilidades e recursos para a realizar.
Na propaganda reside grande parte do segredo dos triunfos comerciais, e o vinho do Porto, grande valor económico da Nação, é bem merecedor da sua prática.
Às Casas de Portugal, onde as haja, e aos nossos adidos comerciais junto das embaixadas e consulados pode ser cometido semelhante encurto. Ao Grémio dos Exportadores pode entregar-se ainda essa propaganda, concedendo-lhe o devido auxilio. Mas existe em Portugal um organismo -o Secretariado Nacional da Informação - que se tem afirmado brilhantemente na sua inteligente e bem reconhecida actividade.
Nenhum organismo em melhores condições para desempenho de tão importante missão. Já há meses, neste lugar, lembrei tal facto, convencido como estou da utili-

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dade dos seus serviços, que poderiam ser aproveitados em missão de tanta responsabilidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: a crise do Douro é motivo que não se esgota numa intervenção ligeira como a que acabo do fazer.
O seu agravamento sente-o bem a economia da Nação. A crise constante de que sofre repercute-se na crise vinícola nacional, embora haja de considerar-se o vinho do Porto sob um aspecto diferente e superior à crise de outras regiões.

ão pode nem deve tentar-se alterar o lugar de superioridade que mantém e que representa como valor positivo da nossa balança comercial. Não se confondam objectivos realizados e demonstrados com ambições num futuro incerto. O problema do Douro é um problema inteiramente nacional. É o problema básico da nossa crise vinhateira. E dar ao Douro - zona absolutamente caracterizada e privilegiada- todo o auxílio de que carece para vencer as suas dificuldades é o que nós pedimos ao Governo, convencidos de que ele nos ouvirá e atenderá.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Sr. Presidente: as minhas palavras, reflexo do meu sentir e do meu pensar, são grito de alarme em favor da sacrificada e desgraçada região do Douro.
Dessa crise só resultam prejuízos para a economia da Nação, que sempre teve no vinho do Porto auxiliar reconhecidamente poderoso. Haja compreensão, boa vontade, desinteresse e coragem para encarar de frente o problema.
Não se adultere a verdade dos factos, ao sabor de conveniências e egoísmos. Procuremos, por tudo e acima de tudo, ser justos e ser humanos, olhando o problema sob todos os aspectos e dedicando ao suciai a importância de que se reveste.
Por mim, continuo a confiar no Governo que nos dirige e na sábia orientação que lhe imprime o Sr. Presidente do Conselho.
E confiar no Sr. Presidente do Conselho é ter a certeza de que o problema terá a solução mais conveniente, mais própria, mais em harmonia, com os altos interesses nacionais.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. António de Almeida: - Sr. Presidente: acerca do artigo 14.º da proposta de Lei de Meios de 1955, a Câmara Corporativa fez considerações valiosas o furam pronunciados nesta. Casa discursos brilhantes, cujo eco se ouviu em todo o Portugal, tomo bem o patenteiam os relatos da imprensa, nomeadamente de O Século, que ao assunto dedicou quatro interessantes artigos de fundo.
De acordo com o mencionado preceito legal, no ano corrente serão inscritas 110 orçamento «verbas destinadas ao desenvolvimento de um programa assistencial às doenças reumatismais e cardiovasculares e a criação e manutenção de centros ou serviços de recuperação e terapêutica ocupacional de paraplégicos, traumatizados e outros doentes».
Tudo o que se faça no sentido da valorização integral do homem merece louvor entusiástico e apoio incondicional. A esta magna questão têm os Governo» de Salazar dado a maior atenção e carinho; e é de inteira justiça relembrar a acção levada a efeito neste sector pelos Ministros do Interior do Estado Novo, mormente o T)r. Mário Pais de Sousa, engenheiro Cancela, de Abreu e coronel Botelho Moniz, e subsecretário de Estado Dr. Dinis da Fonseca, com quem a assistência social, médica e hospitalar no nosso país se estruturou e estendeu enormemente, e que se intensificaria ainda mais com o Dr. Trigo de Negreiros, primeiro como Subsecretário de listado da Assistência Social u depois como Ministro do Interior, agora tão diligentemente coadjuvado pelo Subsecretário de Estado Dr. Melo e Castro.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: desde a assistência medica e hospitalar às crianças e aos adultos, e em especial aos leprosos, aos doentes mentais, aos tuberculosos, etc., quanto digno de encómio não se tem realizado no nosso tempo, quantas centenas de milhares de contos não se despenderam e continuam a despender neste nobre e belo labor! A Leprosaria Rovisco Pais, os hospitais escolares e tantos outros padrões visíveis da obra assistencial portuguesa representam símbolos magníficos da época de engrandecimento material e espiritual em que vivemos.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Mas é evidente que;, tendo-se partido quase do zero neste complexo problema, cuja resolução impõe pesadíssimos encargos, estamos longe de considerar concluída a nossa organização assistencial, pois que, como é próprio da sua essência e o exigem as imperiosas necessidades da vida moderna, não será fácil atingir tão cedo a sua plenitude e perfeição; por isso, é porque Revolução continua, devemos confiar no interesse crescente que o Governo dispensa ao assunto, aguardando serenamente o aparecimento de novos organismos assistenciais a par da melhoria progressiva dos já existentes.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: entre as nossas mais operosas instituições terapêuticas e de recuperação social, merecem relevo particular o Instituto Português de Reumatologia - criado pelo Dr. Trigo de Negreiras, quando Subsecretário de Estado da Assistência Social - e os centros de cardiologia: um em Coimbra e três em Lisboa - o primeiro instalado nos Hospitais da Universidade e dirigido pelo Prof. Dr. João Porto, o segundo dependente da Junta de Província da Estremadura, sob a direcção do Dr. Mendonça Santos, o terceiro do Instituto Nacional de Assistência aos Tuberculosos (ambos fundados - por aquele ilustre homem público) e o último subsidiado pelo Instituto de Alta Cultura, criado pelo Prof. Dr. Pires de Lima e anexo à Faculdade de Medicina da capital, dirigido pelo Prof. Dr. Eduardo Coelho.
Ao Instituto de. Reumatologia referiu-se o nosso ilustre colega Dr. Cortês Pinto, enalteceu os serviços que este organismo presta já e prestará mais no futuro aos muitos milhares de pacientes de reumatismo que há na metrópole; a causa dos doentes do coração foi advogada por outro ilustre colega, o Prof. Dr. João Porto, que concluiu por - propor a criação de um instituto nacional de assistência aos cardíacos - sedutora sugestão que um dia virá a ser exemplificada praticamente, assim como outras aspirações, iniciativas e projectos, em estudo ou ideados pelo Governo, logo que o consintam

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as possibilidades financeiras da Nação e a generosidade particular.
Ao afirmar a minha profunda simpatia por tais empreendimentos mais não faço do que respeitar princípios que calorosamente, defendi nesta Assembleia na sessão de 1 de Abril de 1948 - há perto de sete anos, portanto -, baseado em informações fidedignas e nos elementos estatísticos extraídos do Armário Demográfico de 1946 os quais não diferem sensivelmente dos dados congéneres invocados pelo Prof. João Porto.
Congratulo-me, pois, por reconhecer que não só muitos dos conceitos que expus estão convertidos em realidade objectiva, mas também por verificar que a respectiva, concretização ultrapassou por vezes o programa então enunciado.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Sr. Presidente: como nossa data declarei, há doenças congénitas do coração e da aorta que vitimam sempre dentro de um determinado período de tempo, assim como existem outras moléstias provocadas pelo reumatismo cardíaco que, se não matam na fase aguda, incapacitam posteriormente seus portadores para o trabalho, acabando fatalmente por levá-los à sepultura, com maior ou menor brevidade, e sempre no meio de grandes sofrimentos morais e físicos.
Felizmente há uma dezena de anos que semelhantes cardiopatias são operadas por técnicos idóneos, curando-se quando descobertas e tratadas precocemente; para isso, a medicina já possui métodos especiais fie diagnóstico e equipas de clínicos, das quais nunca deixam de fazer parte o analista, o radiologista, o electrocardiologista e o cirurgião.
Muito me apraz saudar efusivamente, deste lugar todos quantos ministram assistência aos cardíacos portugueses, e particularmente o grupo de especialistas que trabalha no Centro de Cirurgia Cardiovascular de Lisboa.

Vozes: - Muito bem !

O Orador:-Sr. Presidente: a equipa médico-cirúrgica, cardiovascular e o seu sucessor, o Centro de Cirurgia Cardiovascular de Lisboa, vêm desenvolvendo incansavelmente benemérita actividade desde Fevereiro de 1953, sob o desvelado patrocínio dos Drs. Trigo de Negreiros e Melo e Castro, nas dependências do Centro de Cirurgia Torácica da Zona Sul do Instituto Nacional de Assistência aos Tuberculosos, no Sanatório D. Carlos I.
Os excelentes resultados obtidos determinaram uma indomável afluência de doentes- de 22 operados em 1953 passou-se para 85 no ano seguinte, achando-se actualmente regista-los mais de 1000 enfermos na consulta externa, sobre os quais se realizaram cerca de 7000 observações, 10000 electrocardiogramas e fonocardiogramas, 1200 radiografias, 80 cateterismos das cavidades cardíacas e dos grandes vasos pulmonares, com os respectivos doseamentos dos gases no sangue, etc.
Até agora foram operados 83 doentes com aperto mitral, dos quais 64 tiveram recuperação total, 14 recuperação parcial, 4 sem resultado, falecendo apenas l, números expressivos e que, comparados com os dos melhores centros de cardiologia do estrangeiro, constituem motivo de legítimo orgulho para Portugal; igualmente notável foi o êxito conseguido nas cardiopatias congénitas de 10 pacientes de doença-azul, 7 encontram-se completamente sãos.
Ora, Sr. Presidente, todo este movimento médico-cirurgico se fez à custa do denodado esforço e extrema dedicação de quatro médicos voluntários e de uma enfermeira e com a colaboração a franca e incondicional da equipa cirúrgica do Centro de Cirurgia Torneira da Zona Sul do Instituto Nacional de Assistência aos Tuberculosos, havendo-se gasto somente 250 contos em 1954, 122 dos quais se destinaram á aquisição de aparelhagem indispensável.

Vozes : - Muito nem !

O Orador: - Pena é que as instalações deste último organismo apenas para a cirurgia da tuberculose) permitam que o Centro de Cirurgia Cardiovascular se utilize do referido bloco operatório; com dependências privativas
- para operações e alojamento dos doentes - , quantas centenas destes não seriam totalmente recuperados pela cirurgia, entre os 40 000 portugueses (0,5 por cento da nossa população metropolitana) que se calcula sofrerem de cardiopatia reumática! Esta doença acometendo de preferência os jovens, encurta-lhes a vida extraordinariamente, não a deixando ir, em regra, além dos 30 a 35 anos.

Presentemente, mais de 50 enfermos - estudados. preparados e com indicação operatória absoluta - aguardam vaga de internamento, perante a dor moral daqueles que dispõem de 1 só dia semanal para tratá-los convenientemente! Só quem haja entrado numa consulta de cardiocirurgia, confundindo-se com os pacientes, sentirá devidamente a ansiedade dramática que ali reina: a esperança no rosto de muitos, haurindo as palavras de fé optimismo triunfante dos que já foram assistidos e curados, em contraste com o profundo desânimo e a angústia de tantos outros, cuja chegada tardia os colocou em situação desesperada, irremediavelmente condenados á morte!
IImpressionam as palavras de agradecimento dos operados, renascidos para a vida cheios de alegria, endereçados aos seus salvadores, como comovem até às lagrimas as expressões aflitivas dos doentes que apelam para eles sem poderem ser socorridos, por falta de lugar na sala de operações ou na enfermaria ou ainda pelo adiantado estado evolutivo da sua afecção!
Sr. Presidente.: as cardiopatias entre nos revelam-se um verdadeiro flagelo social, não menos grave do que os da tuberculose das neoplasias e do reumatismo; eis porque só há razão - para aplaudir o Governo por fortalecer a luta contra as doenças do coração, cabendo ao ilustre Ministro das Finanças as melhores homenagens por haver consignado, na lei orçamental do ano corrente, disposições que visam a enfrentar decisivamente tão útil e meritória empresa de valorização humana.

Tenho dito.

Vozes : - Muito bem , muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Ricardo Durão: - Sr. Presidente.: pedi a palavra porque julgo oportuna a minha intervenção num assunto palpitante. O caso é doloroso e em poucas palavras só reluta: uma pobre mulher, no último período de gravidez, morreu a caminho do hospital, depois do lhe terem sido recusados os devidos socorros numa maternidade, onde segundo se afirma, foi previamente observada.
Todos os jornais de Lisboa publicaram a notícia, o muitos deles com pormenores e protestos. Procedendo assim, nesta triste ocorrência, a imprensa exerceu livremente os seus direitos, e não fez mais que a sua obrigação. Pela minha parte como Deputado, ao vincar aquele facto nesta Assembleia, pronunciando-me. aliás, sobre os dados informativos que os jornais me facultaram e impressionaram toda a gente, não é por dema-

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gogia nem por política que o faço-é simplesmente por dever de humanidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Perante uma mulher que se estorcia no mais cruciante dos sofrimentos fecharam-se inexorávelmente as portas da maternidade, sob a alegação insólita de que não havia uma cama vaga!
Mas. Sr. Presidente, diante de uma mãe que agoniza, todas as portas de abrem, todos os brados se estendem, todas as camas se improvisam. Diante de uma mãe que agoniza há sempre leis superiores á lei.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A notícia foi largamente difundida no dia seguinte e, apesar de ser domingo, o Sr. Subsecretário de Estado da Assistência ordenou imediatamente que se procedesse a rigoroso inquérito. Bem haja, pela sua reacção rápida e pronta, enérgica e humana. É assim, correndo espontaneamente ao encontro da opinião sem esquivas e sem delongas, que poderemos esclarecer os cegos e desarmar os mal-intencionados.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nós estamos aqui, Sr. Presidente, para criticar os actos do Governo, sem nos afastarmos, é claro, da intenção construtiva, servindo-lhe de colaboração, e não de estorvo; estamos aqui para defender uma. doutrina e uma moral; pura discutir, para analisar, até paru combater. Mas estamos aqui também para manifestar o nosso louvor a quem o merecer. E o Sr. Subsecretário de Estudo da Assistência, nosso colega nesta Câmara, espírito firmemente orientado no verdadeiro sentido revolucionário, provou mais uma vez quão longe estamos dos ominosos tempos em que «havia muitas revoluções e nenhuma Revolução».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Será escusado lembrar a V. Ex.ª a que preciosa fonte fui beber este conceito com que encerro as minhas considerações.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio efectuado pelo Sr. Deputado Amaral Neto. Tem a palavra, o Sr. Deputado Cortês Lobão.

O Sr. Cortês Lobão: - Sr. Presidente: por ser a primeira vez que falo da tribuna nesta sessão legislativa desejo primeiro saudar V. Ex.ª, o prestigioso Presidente, o bom conselheiro desta Assembleia.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: li com atenção e interesse o Código da Estrada de 20 de Maio, que motivou o aviso prévio do nosso colega engenheiro Amaral Neto.
Da sua leitura resultou para mim a certeza de que o Governo quis melhorar o existente. Presto aqui homenagem ao Governo e, em especial, ao Sr. Ministro das
Comunicações e ao directo colaborador neste assunto, o director-geral dos Transportes Terrestres.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -Houve a intenção de ordenar muita legislação dispersa, dar cumprimento a acordos internacionais e, muito principalmente, dar satisfação a uma aspiração pública: disciplinar o trânsito nas estradas, de forma a diminuir as possibilidades a quem se serve normalmente delas de ser chocado ou atropelado pelo primeiro louco ou aventureiro que com desprezo absoluto pela vida do semelhante, muitas vezes transforma uma estrada em pista de corrida.
E também ao mesmo tempo facultam-lhe os meios du evitar que ele próprio seja o causador de desastres.
Está, porém, todo o código em condições de corresponder às realidades do nosso meio?
Muito já aqui foi dito, foram apontadas faltas, dificuldades, perigos e abusos a que pode prestar-se a actual redacção do código.
Também entendo que deve ser melhorado, limando-lhe algumas arestas, para puder entrar em execução sem atritos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Foi pena que, antes de ser publicado, não tivesse passado pela Câmara Corporativa, donde certamente sairia beneficiado.
A meu ver, enferma, pelo menos, de dois inales: primeiro, falta de clareza; segundo, falta de adaptação às realidades.

O Sr. Melo Machado: - Do que ele não tem falta é de multas ...

Risos.

O Orador: - Lembremo-nos de que, pelo artigo 2º, a fiscalização do seu cumprimento incumbe à Direcção-Geral de Transportes Terrestres, à Polícia de Segurança Pública, às polícias municipais, à Guarda Nacional Republicana, à Junta Autónoma de Estradas e aos fiscais municipais.
Com tanta e tão variada gente a fiscalizar, se não for claro na sua interpretação, isso dará margem a uma infinidade de critérios, que, até serem esclarecidos por quem de direito, pelo menos causarão demoras e prejuízos, além de tudo o mais.
Já vários colegas fizeram a sua análise com grande competência e soma de conhecimentos.
Não seria, eu, com a fraca argumentação de que disponho, que poderia alterar a opinião já formada. As minhas considerações apenas serão um reforço ao que já está dito e se as venho fazer é porque reconheço que devo tomar posição num assunto de tanta importância.
A minha rápida intervenção vai limitar-se à análise dos problemas que melhor conheço, e com os quais estou em contacto directo, e agora vejo sofrerem profundas alterações: 03 problemas que se ligam à exploração da terra.
Aqui, estou convencido de que o cumprimento rigoroso de certas medidas impostas pelo código deve levar, em certas regiões do Sul do País, à paralisação numa época do ano de algumas actividades agrícolas.
Sr. Presidente: ao entrar na rápida análise do código, na parte referente às explorações agrícolas, eu encaro primeiro esse grande conjunto de alfaias, indispensáveis a qualquer exploração das terras e tão intimamente ligadas entre si que a falta de uma delas

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é o suficiente, muitas vezes, puni impedir o funcionamento do todo, com grave prejuízo para a economia da exploração. Deixando o Problema dos gados para o fim das minhas considerações, vou analisar o que se irá passar com a vária aparelhagem, como sejam: o carro, o tractor, a charrua, a grade, a debulhadora, o reboque, etc., perante as disposições do código.
Todo este material tem de transitar de propriedade para propriedade, de courela, para courela, de monte para monte, e deste para a povoação próxima, onde o proprietário tem o celeiro, a adega, o lagar, a oficina de reparação e recolha.
Da povoação ou do monte tem uma parte deste material de ir à estação do caminho de ferro próxima levar os produtos exportáveis da sua colheita e trazer possivelmente os adubos indispensáveis.
E evidente que todo este material, todo este trem de lavoura, quando precisar de circular, terá acidentalmente de atravessar ou de transitar pela estrada nacional, pela camarária ou por caminho vicinal.
Este trânsito, esta passagem, quase sempre em curtos trajectos, muitas vezes simples atravessamentos, é agora sobrecarregado com uma série de exigências que na prática torna, em alguns casos, impossível a circulação da máquina e, em outros, atrasa no tempo a sua presença no local do trabalho.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não se trata de automóveis, de autocarros de passageiros ou camiões de carga, que são os veículos permanentes das estradas.
Não peço inteira liberdade para os veículos da lavoura que passam acidentalmente pelas estradas, mas um mínimo indispensável de exigências que lhes permita continuar o trabalho que lhes é exigido.
Entre liberdade absoluta e as dificuldades que hoje se apresentam vai uma grande diferença.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Entrando na análise do seu articulado, fixa o artigo 19.º, n.1º, os limites de dimensões dos veículos, e, quando trata do conjunto de veículo tractor com reboque, fixa-lhe o limite máximo de 14 m no comprimento.
Um trem normal de debulha deve ter aproximadamente 18 m (tractor, debulhadora, fagulheiro, prensa de enfardar e carro do pessoal) e não cabe, portanto, dentro dente número. Deverá o proprietário recorrer ao n.º 7.º do mesmo artigo, que diz: «Poderá o Ministro das Comunicações autorizar o trânsito com dimensões diferentes, mediante requerimento, com parecer favorável da Junta Autónoma de Estradas ou das câmaras municipais».
Às debulhadouras, como sabemos, têm numa época do ano, de Junho a Setembro, um trabalho intenso, e para isso têm de se deslocar de eira para eira, umas próximas, outras longe. Sabendo nós que não pode haver perdas de tempo, além das necessárias para a sua deslocação, pergunto: terá o proprietário de pedir autorização de cada vez que vem à estrada e esperar o deferimento, mais ou menos demorado, com prejuízo do tempo, agravado com a despesa do pessoal que nelas trabalha ?
Parece-me mais justo manter o que até hoje se fazia nas delegações distritais da Junta Autónoma de Estradas.
Diz o mesmo artigo ]9.º, no seu n.º 2.º, que trata de veículos de tracção animal: «Os cubos das rodas fios veículos de tracção animal poderão todavia sobressair até ao limite de 20 em sobre as faces laterais».
O que se entende por faces laterais num carro de lavoura atentejano? Será a face exterior dos limões ou dos tendais, que estão mais salientes? A redacção não esclarece.
0s tractores de rasto contínuo, tão necessários à lavoura alentejana para os alqueives de Verão e Primavera, e mesmo para ;is debulhas, quando o dono da exploração agrícola não pode ter mais de um para (N dois serviços (In alqueire e debulha, deslocam-se igualmente de uma para outra propriedade. Terão igualmente de aguardar a autorização, visto que a sua posição é igual à das debulhadoras e portanto, com os mesmos inconvenientes? Sugiro a mesma solução para estas máquinas.
Pelo artigo 37.º, n.º 7.º, «todos os veículos de tracção animal devem estar providos de um travão, que deve actuar sobre cada uma das rodas».
O que se passa hoje no Baixo Alentejo com os carros sem travões? Os carros de tracção animal da região dos barros do distrito de Beja têm muitas vezes de ser puxados por duas e até mais parelhas para poderem tirar dum caminho uma carrada de azeitona, de lenha ou qualquer outra carga durante o Inverno e mesmo na Primavera, porque o barro, aderindo às rodas, trava-as de tal forma que deixam de rodar e passam a ser arrastadas.
Como se poderá adaptar a um carro nestas condições mais um travão?
Já foi dito pelo nosso colega Dr. Trigueiros Sampaio que, reconhecida a impossibilidade de cumprir o código para o concelho de Beja, foi mandada suspender a colocação dos travões. Se isso se confirmar, peço ao Governo que alargue a todo o distrito essa ordem, porque tudo ele tem as mesmas dificuldades.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O artigo :39.º trata de trânsito dos animais agrupados pela estrada e não permite rebanhos com mais de 100 ovelhas e um condutor por cada 50 cabeças.
Foi posta já a dúvida, que eu também ponho, se num rebanho de ovelhas afilhadas os borregos são coutados, o que reduzirá para 50 o número de ovelhas.
São frequentes no Baixo Alentejo rebanhos de !300, 600 e 800 cabeças.
Sei quanto é difícil deslocar um rebanho de ovelhas afilhadas de uma para outra pastagem.
Avalio o que será a dificuldade de fraccionar o rebanho afilhado em dois ou três lotes e o tempo que levará; porque os borregos só as mães os conhecem, só elas os separam, e até os encontrarem correm de um para outro rebanho.
Julgo que seria mais prático não limitar o número de cabeças, mas exigir um número de condutores suficiente para poder afastar o gado da faixa da estrada onde os veículos têm de passar.
Quanto ao aviso com bandeiras tem a vantagem de prevenir o condutor do veículo de que se aproxima de um rebanho.
O fraccionamento dos rebanhos na estrada até complica mais o trânsito.
O condutor do automóvel perderá menos tempo afrouxando, ou parando mesmo, à passagem de um rebanho que venha bem guardado do que repetindo duas ou três vezes o afrouxamento ou mesmo a paragem aos 100 m.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O artigo 54.º trata das licenças de condução de veículos de tracção animal ou de velocípedes.

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Acerca dos velocípedes, apelo para o Governo para que acelere a construção de pistas próprias para as bicicletas nas estradas de maior trânsito, pois como condutor de automóvel, embora reconhecendo na bicicleta um meio de transporte indispensável para o operário, considero-a um dos maiores flagelos da entrada pelos desastres que ocasiona.
Sr. Presidente: quanto aos condutores de tracção animal, estabelece o n.º I que as licenças para a condução de veículos de tracção animal serão passadas, a requerimento do interessado, pela Câmara municipal, mediante prova, prática de condução e um interrogatório sobre regras o sinais de trânsito.
Vejamos primeiramente o que se tem passado até agora com os condutores em transportes particulares ao serviço das casas agrícolas do Baixo Alentejo.
O normal dos contratos para condutores de carros de parelha é serem feitos por ano, por mês ou, mesmo sem contrato, a dias, segundo acordo verbal.
Como os preços dos salários variam nas várias épocas do ano é corrente um condutor abandonar o lugar, por ter encontrado outro muitas vezes diferente, mas de maior salário.
Isto passa-se com frequência. O lugar que foi abandonado tem de ser ocupado por outro homem que mais competente pareça para o lugar de condutor, entre os que estão ao serviço da casa agrícola.
Isto tem de. ser assim porque, o carro não pode parar; a parelha tem de fazer a sementeira, transportar o adubo, carregar a lenha e tantos outros serviços que a exploração exige. Pode também suceder o condutor adoecer ou por qualquer outro motivo não comparecer três, quatro ou mais dias. Terá igualmente de ser substituído nesses dias.
Isto faz-se porque é prático, porque ó económico, porque é o único meio viável em qualquer casa de lavoura alentejana.
Agora, segundo o código, é tirada a licença de condução pedida pelo interessado, que tem de aprender as regras e sinais do trânsito-ele que muitas vezes é analfabeto ou apenas junta as letras, mas que é um bom condutor; ele que passa a vida circulando de monte para monte ou para a povoarão e só acidentalmente irá à estrada com o carro que lhe esta distribuído.
Se o homem por qualquer motivo sai da casa agrícola ou muda de serviço, fica um carro, uma parelha parada, durante um número incerto de dias, até só encontrar outro condutor encartado que substitua o que saiu.
Isto não é prático e acarreta graves prejuízos à economia da lavoura.

Vozes: - Muito bom!

O Orador: - Como resolver esta dificuldade?
Mantendo a exigência do código não encontro solução.
Sr. Presidente: foram estas breves objecções que, numa rápida leitura do código, chamaram a minha atenção.
Analisei o melhor que me pareceu e na parte que melhor conheço o código um vigor. Todas as objecções feitas tiveram como fim único colaborar com o Governo e ajudar a esclarecer as dúvidas que se apresentam na sua execução.
Reconheceu o Governo ter chegado o momento de fazer uma revisão às condições do trânsito.
Havia muita coisa certa; outra, porém, tinha de ser adaptada, às exigências do momento.
Do estudo feito resultou o actual código. Mas há dificuldades na sua execução, tem arestas a limar, e estou certo de que serão estudadas.
Confio, como sempre no Governo, que tem como nós, todo o interesse que o código possa ser executado.
Disse.

Vozes : - Muito bom, muito bom !
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Rebelo de Sousa: - Sr. Presidente: ao iniciar as brevíssimas considerações que entendi dever fazer sobre o assunto em debate quero, antes do mais, salientar o interesse de que, incontestavelmente, o novo código se reveste, dado que urgia reunir num único diploma a vária e dispersa legislação existente, actualizando-a consoante as necessidades, e salientar ainda a intenção nele revelada, que se traduziu num trabalho forçosamente complexo e sujeito às mais diferentes críticas. Pena foi, efectivamente, que elas não pudessem levantar-se pelas vias naturais de estudo e colaboração que o Governo tinha ao seu dispor.

Vozes : - Muito bera !

O Orador: - Quero ainda dirigir as minhas homenagens ao ilustre autor do aviso prévio, que, uma. vez mais. patenteou nesta í Já sã as suas raras qualidades na competência, no desassombro e na elegância com que versou o problema.

Vozes: - Muito bom, muito bom!

O Orador: - Nesta altura do debate parece não haver já escaninho do código que não tivesse merecido comentários e por essa razão e para evitar a V. Ex.ª a enfadonha repetição de assuntos - ainda que alguns pudessem analisar-se de diferentes pontos de vista - , não me demorarei na consideração de pontos que me merecem o maior interesse, como, por exemplo, aqueles que tocam com a vida agrícola- da região que aqui represento e que, de resto, foram proficientemente focados entre outros oradores, pelo nosso ilustre colega Nunes Mexia.
Acrescentarei, no entanto, algumas poucas palavras acerca das inspecções médico-sanitárias previstas na lei.
Na verdade, como afirmou o nosso colega Amaral Noto, alguns clínicos fizeram reparos a «certas disposições regulamentares a este respeito».
Com efeito, parece que um dos objectivos fundamentais do código consiste na ordem e segurança do trânsito, na redução dos acidentes. E por demais óbvia e acertada esta finalidade, que as realidades impõem e a opinião pública, de que a imprensa tanta vez se fez eco, tem reclamado. O facto de os acidentes não terem aumentado na mesma proporção em que aumentaram o numero de veículos e de condutores não invalida o especial interesse da questão.
Ora, estamos crentes de que, mais do que quaisquer sanções, por pesadas que sejam, está num exame médico-sanitário aprofundado a principal forma de prevenir os acidentes, pelo menos aqueles - e são a maioria - ligados ao condutor.
Já aqui foi dito pelo nosso ilustre colega Trigueiros Sampaio não estarem, em muitos casos, as subdelegações de saúde em condições de oferecerem a garantia de um exame médico com suficiente rigor, por carência, dos indispensáveis requisitos em instalações, em material em especialização do pessoal.
Assim, se analisarmos as instruções a observar, conforme o artigo 40.º do regulamento do código, quanto aos motivos de reprovação, veremos que na bem elaborada lista avultam situações em que o subdelegado,

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normalmente e segundo um critério aceitável, se não encontra apto a pronunciar-se, como as da alínea c) «todas as doenças, afecções ou estado neuropsiquiátricos que se traduzam pela redução apreciável do nível mental ou de algum modo impliquem diminuição da eficiência ou segurança da condução»; muitas das da alínea f) «perturbações notáveis do senso cromático e luminoso, o estrabismo, o nistagmo, a diplopia, a hemaralopia, os olhos afacos, a perda de visão de um dos olhos, u ausência de visão binocular, a redução pronunciada da visão em profundidade ou do campo visual binocular, designadamente quando este abranja um ângulo inferior a 150º na horizontal»; outras da alínea i) «estados vertiginosos contínuos ou paroxísticos, qualquer que seja a sua origem» ...
Estes são alguns dos motivos de reprovação que podem transitar para julgamento da junta, em caso de dúvida, mas que podem também passar completamente desapercebidos, ficando os candidatos apurados apesar de incapazes.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Não tem o subdelegado meios para apurar casos frustes de epilepsia, ausências, várias deficiências de visão atrás referidas na alínea f), etc.
Quando as apure ou delas suspeite, pode enviar o candidato à junta médica; mas, se isso não acontece, e é natural, ele é aprovado, com manifesto prejuízo da segurança da viação.
Tudo indica, pois, ser preferível a primitiva disposição do artigo 50.º do código, que mandava efectuar os exame» nas delegações de saúde, se queremos obter deles o almejado objectivo.
Mas este problema levanta outro, desde que queiramos vê-lo em toda a sua profundidade e lias desejáveis repercussões.
Assente a ideia de que assume a maior relevância tudo quanto se refira à redução dos acidentes de viação e de que o exame médico tem neste aspecto primacial valor, deveremos assinalar que ele não basta, mesmo realizado, como se defendeu, nas delegações. O seu complemento obrigatório é o exame psicotécnico. Só os dois em conjunto nos oferecem a garantia de uma selecção, a um tempo científica e eficaz.
Vários autores afirmam, com base em experiências sérias, que a redução dos acidentes, quando ao exame médico se acrescenta o psicotécnico, atinge cerca de 50 por cento. Com efeito, só este último nos garante a eliminação dos candidatos sem o mínimo de possibilidades sensoriais e psicomotrizes; dos indivíduos com personalidade imatura ou impulsiva, responsáveis pelos chamados «acidentes não acidentais», a que se refere a psicossomática; como permite também nos casos de fronteira, a admitir, que se capacitem das suas deficiências e limitações e possam assim compensá-las.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Este exame, deveria, portanto, ser obrigatório; mas na impossibilidade, por razões várias e compreensíveis, de se proceder deste modo, parece que deveria impor-se, mima primeira fase aos motoristas profissionais, como sucede lia vizinha Espanha. E nem se diga que o nosso estabelecimento público» referido no código tem dificuldade em satisfazer essa disposição, pois cremos que estará habilitado a cumprir a exigência, com os meios que a lei lhe faculta e, nomeadamente, agora que tais exames são sujeitos a pagamento, conforme se estabelece no n.º 5 do artigo 50º o que inclusivamente lhe pode facilitar o estabelecimento de delegações em vários pontos do País, com vantagens que se repercutirão, mesmo fora do campo que estamos a considerar, em todos os sectores da orientação profissional, bem carecida de expansão.
Sr. Presidente: não desejava finalizar esta pequena intervenção sem lembrar - já que não fugimos ao pormenor e para tudo referir - o problema criado com a admissão a exame dos indivíduos que necessitam de adaptações nos veículos, por força das tolerâncias permitidas na lei, pois se julga necessário, a bem ainda da segurança do trânsito, que o ensino e as provas de condução se efectuem de tal forma que nos dêem a certeza de uma habilitação capaz nas precisas condições em que virá a exercer-se.
Eis alguns reparos sugeridos no capítulo dos exames médico-sanitário e que trazemos a esta tribuna, respondendo à chamada do nosso colega Amaral Neto, com o único fito de os lembrar tambem na revisão que, porventura, o Governo entenda dever efectuar, na sequência do voto com que, seguramente, culminará esta discussão.
Disse.

Vozes:'-Muito bem, muito bem!
O orador foi muita cumprimentado.

O Sr. Sousa Machado: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: usando da palavra pela primeira vez neste segundo período da VI Legislatura da Assembleia Nacional, cumpro o elementar dever de apresentar a V. Ex.º, Sr. Presidente, os meus respeitosos cumprimentos, a que alio o preito da minha mais sincera admiração.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ao intervir na discussão do problema levantado pelo aviso prévio do ilustre Deputado Sr. Engenheiro Amaral Neto. que com tanta elevação e brilho fez o seu desenvolvimento, começo por afirmar a minha incondicional adesão aos seus pontos de vista e aprovar, sem reservas, as conclusões a que chegou. Ao Sr. Deputado Melo Machado agradeço o seu oportuno requerimento para generalização do debate, pelo que o mesmo pode trazer de esclarecimento ao assunto.
Sr. Presidente: longe de mim está a ideia de apreciar na generalidade o Código da Estrada que entrou em vigor no começo do corrente ano, pois que para tanto me falta a competência e, mesmo, seria descabido que o fizesse depois de, sobre ele e nos seus diversos aspectos, se terem pronunciado nesta Assembleia pessoas de tão reconhecido mérito e saber.
Um capítulo, porém, mereceu a minha atenção, e não será de estranhar, porque infelizmente me encontro em especial posição para o sentir e apreciar.
Quero referir-me ao capítulo «Instruções para exames de aptidão física para condutores de automóveis».
Na instrução 4.º, alínea A), deste capítulo lê-se o seguinte:
Redução da acuidade auditiva até 65/90 (acúmetro de Foy) - equivalente aproximadamente à voz ciciada a 3 m - em ambos os ouvidos ou até 65/90 num, com outro normal 90/90).
Não devem ser considerados na apreciação da acuidade auditiva os aparelhos de prótese, dado o estado presente do seu desenvolvimento.

Ao fazer a crítica desta instrução, permitam VV. Ex.ª que comece por lhes dar uma ideia do que é o acúmetro de Foy, aparelho que tive dificuldade em descobrir, mas, por fim, encontrei em uns serviços oficiais da especialidade de otorrinolaringologia.
Trata-se de um aparelho rudimentaríssimo, que há um quarto de século talvez tivesse tido algum mereci-

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monto, mas que hoje, quando muito, poderá ter o mérito de marcar o início da era em que a, ciência de audiometria se iniciou, instrumento que em presença dos modernos audiómetros de sensibilidade extraordinária, poderá valer como preciosidade para figurar em qualquer museu ou arquivo histórico da especialidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não posso, pois, admitir que se tivesse sido chamado para se pronunciar sobre matéria de tal vulto qualquer médico especialista em otorrinolaringologista e sou levado a crer que só por desconhecimento do desenvolvimento que nestes últimos anos tem tido a ciência e a técnica audiometria se pode conceber que pessoas responsáveis indicassem um aparelho há muito posto de parte para avaliar a acuidade auditiva de qualquer indivíduo e neguem, pura e simplesmente, os efeitos e possibilidades dos actuais aparelhos de prótese na correcção da surdez.
Ao legislar-se que «não devem ser considerados na apreciação da acuidade auditiva aparelhos de prótese, dado o estado .presente do seu desenvolvimento», temos de concluir:

].º Que o estado presente An desenvolvimento dos aparelhos de prótese, segundo o conceito de quem propôs esta disposição, se refere a um presente em que fez época o acúmetro de Foy- talvez há vinte e cinco anos;
2.º Que temos um diploma legal que nem sequer admite a possibilidade do desenvolvimento científico ou técnico do tratamento dos insuficientes de audição.

Ora bem! Quanto á primeira parte, elevo afirmar a VV. Ex.ª que o primeiro aparelho de prótese que adquiri foi em 1937, em Paris, e a sua evolução de então até hoje tem sido tão extraordinária que não há pontos de contacto entre aquele e os que hoje a técnica nos fornece, nem quanto à concepção nem quanto à eficiência. Apesar disso, em 1937, nos exames a que me submeti, quer em Portugal, quer no estrangeiro, nem sequer suspeitei da existência do a cúmetro de Foy, há muito então ultrapassado.
Quanto ao segundo ponto, não posso conceber a redacção de uma «instrução» legal (tanto mais que não é de admitir que se trate de disposição transitória) em que se nega a possibilidade de progresso na ciência e na técnica da prótese auditiva, de modo a poder debelar uma tão triste deficiência física, recuperando para a vida, e nomeadamente para a prática de condução de automóveis, os deficientes de audição.
Não obstante, isto é lei, e lei em vigor, a partir de l deste mês.
De resto, e para melhor ilustrar os meus reparos, devo informar V. Ex.ª de que em Junho de 1950 recebi da Direcção Geral dos Serviços de Viação um ofício em que sou notificado para comparecer na Delegação de Saúde de. Lisboa, para. ser submetido a junta médica, por se suscitarem dúvidas quanto á minha capacidade física 'para a condução de veículos automóveis. A minha carta fora-me apreendida a 7 de Maio.
Submetido ao exame da referida Junta em 4 de Julho, entendeu a Direcção-Geral de Saúde que eu devia ser submetido a exame psicotécnico no Instituto de Orientarão Profissional.
Desta sorte, dirigi-me àquele Instituto, onde me submeteram a múltiplas provas e testes para avaliar das minhas faculdades reactivas e psíquicas?, num exame que levou uns quatro dias a cerca de três horas seguidas por sessão.
Devo esclarecer, em abono da verdade, que, apesar da dureza, das provas a 4110 me sujeitaram, fiquei encantado com os serviços do Instituto de Orientação Profissional, e de modo muito particular com todo o pessoal, que suavizou a dureza das provas com o carinho, a atenção e as deferência* que me dispensou. A justiça, manda que destaque dois nomes: um o do Ex.1"" Sr. Dr. Fernando da Costa Cabral, então director interino, outro o do Dr. Curvelo, que lastimosamente a morte já levou, quando tanto havia a esperar das suas extraordinárias faculdades de inteligência e trabalho.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Vencido este calvário, volto u ser notificado pela Direcção-Geral dos Serviços de Viação, por indicação da Direcção-Geral de Saúde (possivelmente esta inspirada pelo Instituto de Orientação Profissional), de que era necessário que eu fosse submetido a uma prova prática de condução para se pronunciar sobre a minha capacidade para conduzir veículos automóveis.
Efectivamente, em 27 de Março de 1951 prestei a referida prova prática nas ruas de Lisboa.
Acompanhavam-me um engenheiro, representando a Direcção-Geral dos Serviços de Viação, e dois médicos, uni como representante da Direcção-Geral de Saúde e o outro do Instituto de Orientação Profissional.
Não posso dizer que o exame me fosse favorável- já então estava interdito o uso de sinais acústicos em Lisboa -, porque houve o cuidado de mobilizar não sei se um se dois automóveis, que buzinavam quando eu menos esperava e de qualquer lado imprevisto.

omo resultado de toda esta odisseia vi-me, ao fim de um ano e três dias, de novo na posse da minha carta de condução, anotada a vermelho com os dizeres «Tem de usar aparelho de prótese de audição e óculos».
Por isto VV. Ex.ª concluem que em 1951 a Direcção-Geral de Saúde admitiu a correcção, por meio de aparelho de prótese, pelo menos de algumas deficiências de audição.
Como podemos, pois, admitir que, três anos depois, se negue a eficiência dos referidos aparelhos, a dado o estado presente do seu desenvolvimento»?
Ora, de 1951 até hoje os progressos no domínio do tratamento e correcção das insuficiências da audição tem sido enormes, e Portugal, graças ao escol dos seus especialistas de otorrinolaringologia (e temo-los cujo saber e perícia não receiam confrontos com as maiores sumidades estrangeiras), não está à margem desse progresso, antes o tem acompanhado com invulgar brilhantismo, fazendo-se já entre nós, com pleno êxito, as mais arrojadas intervenções cirúrgicas para o tratamento da otosclerose.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -Mas permitam VV. Ex.ª, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que abuse um pouco mais da vossa obsequiosa atenção para mais uns ligeiros comentários que a instrução que estou a apreciar me sugere.
Diz a referida instrução 4.ª: «acuidade auditiva equivalente à voz ciciada a 3m em ambos os ouvidos, ou até 60/90 num, com o outro normal», e eu pergunto: quem é capaz de manter a acuidade auditiva que se exige ao conduzir um automóvel, com o ruído do motor e do próprio veículo em marcha:'
Para que exigir a acuidade de 60/90 num ouvido com o outro normal, se até para o Exército se apuram os indivíduos com surdez total de um ouvido com o outro normal?

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Mais adiante e nas mesmas instruções, para os não profissionais, já se admite surdez total de um ouvido com o outro normal, condicionada á localizarão do volante.
Para quê a localizarão do volante, se a redução da audição nestes casos é apenas da ordem de 1/8 da audição normal?
Apreciemos agora outro aspecto da questão.
Admite-se a correcção visual; porque negar a correcção da faculdade auditiva? Porque a primeira correcção é mais eficiente? Concedo (para os serviços de saúde chamados a pronunciar-se a segunda não é admissível), mas vejamos qual a mais importante.
Exemplifiquemos, e. para isso, volto a apresentar o meu caso.
Tomo o carro e inicio uma viagem.
A certa altura um insecto que entra 110 carro, ou outra qualquer circunstância, obriga-me a um gesto intempestivo e quebro os óculos. Que devo fazer? Continuar a viagem, sujeito a todos os riscos para mim e para os outros, provocados pela minha visão insuficiente:' Não; a prudência manda, que encoste o carro e aguarde socorro. Em consciência não tenho outra, alternativa.
Mas agora não são os óculos que se inutilizaram, foi o meu aparelho do audição que entrou em panne. O que me sucede: Continuo a viagem com :a mesma segurança, com mais segurança até, porque tal circunstância me obriga a prestar redobrada atenção àquilo que vou a fazer.
E desde que a minha visão se mantenha corrigida eu estou em condições de seguir o meu caminho sem perturbar ninguém e sem correr qualquer risco.
Findo o percurso por estrada, entro, por exemplo, em Lisboa. Aqui o trânsito é intenso e a minha atenção tem de ser maior ainda, mas falia-me o ouvido. Que se me depara entoo no meio desta babilónia:' A proibição de utilizar sinais acústicos.
E agora pergunto eu a VV. Ex.ª: em que me auxilia a audição, a mim ou a qualquer pessoa normal:? Em nada, pura e simplesmente.
Creio, pois, ter demonstrado que a instrução a que me tenho referido é injusta e, mais do que isso, desumana.
Injusta porque nega uma realidade tangível â existência e eficiência dos aparelhos de prótese na correcção de certas insuficiências de audição.
Desumana porque, negando as possibilidades da correcção do ouvido, pude prejudicar muita gente a quem um simples aparelho de prótese permite fazer vida normal, inibindo-a, por esta disposição legal, de conduzir automóvel.
Não exagero ao afirmar que a deficiência de audição (não digo surdez total) torna mais seguros os condutores de veículos automóveis, porque prestam mais atenção à prática de conduzir, e até não devemos esquecer que casos há em que a acuidade auditiva melhora consideravelmente quando a pessoa se encontra no meio de ruídos tais como sejam os do motor de um carro em marcha.
Dispensamo-nos de falar no problema da valorização humana, que mereceu um capitulo especial da Lei de Meios há bem pouco apreciada e aprovada por esta Assembleia, permitindo que os seus mais brilhantes valores nos tivessem dado a feliz oportunidade de ouvir e apreciar os seus judiciosos comentários, as suas subias e oportunas considerações.
A surdez, mais do que uma deficiência física, é um mal que acarreta para aqueles que dela são vítimas um sentimento de inferioridade que muitas vezes leva ao desespero, por sentirem o abandono, o desprezo daqueles que os cerram, Comparamo-la com outra deficiência dos sentidos: a deficiência de visão.
Quanto sentimento de piedade nos inspira! Quanta protecção nos merece! Aliás justíssima.
A humanidade acorre em teu auxílio, montam-se institutos de protecção, de tratamento de recuperação; tudo u que lhes diz, respeito nos comove.
E o surdo? Foge-se dele como de um importuno que todos evitam. Nem institutos de protecção, de tratamento ou de recuperação nem movimentos de auxílio, nem manifestações de piedade singular ou colectiva.
Nada; apenas u desprezo, que sente como um proscrito.
Para bem deles, hoje já não é bem assim. Especialmente lá fora os mais eminentes cientistas preocupam-se com a sua sorte e a técnica tem posto os seus mais extraordinários recursos ao seu serviço para os aliviar do sofrimento moral e físico em que vivem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mesmo entre nós, uma plêiade de distintos especialistas de otorrinolaringologia da mais elevada estirpe está a consagrar o melhor da sua atenção ao problema da surdez.
De resto, este problema tem tanto maior actualidade quanto é certo que as condições em que somos forçados a viver hoje em dia imersos em ruídos constantes, poderão ser responsáveis pelo crescente aumento do número de surdos.
Graças porém, a ciência aFada a técnica, foi impossível reabilitar muitos, tornando-os aptos para a vida activa que lhes fugia, e, mais ainda, com o mérito de os arrancar ao desespero de se verem banidos, postos à margem da sociedade em que viviam.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Para concluir, Sr. Presidente e meus senhores, devo afirmar que estes meus reparos de modo algum podem atingir nem de leve o prestígio de S. Ex.ª o Sr. Subsecretário de Estado da Assistência Social espírito lucidíssimo que todos nós conhecemos pelas suas inigualáveis virtudes de homem de coração, de carácter e inteligência, nem tão-pouco a S. Ex.ª o Sr. Ministro das Comunicações.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - E estou certo de, que os serviços responsáveis pelas instruções que mereceram os comentários que aqui apresentei, ao apreciá-los, não deixarão de reconhecer a razão que os ditou e. como homens dignos que são, ao serem chamados para as rever, não deixarão de concordar que um pouco de humanidade pode muito bem aliar-se à regulamentação de qualquer disposição legal, sem quebra do rigor ou da justiça que é indispensável manter.
E se, em vez de os banir, a Direcção-Geral de Saúde se tornar um foco de irradiação de um movimento em prol dos deficientes de audição, só merecerá louvores, porque praticará uma obra de justiça a todos os títulos meritória e que se baseia nos mais claros fundamentos de ordem científica.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito compreendido.

O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Sr. Presidente: depois da explanação do brilhante e oportuníssimo aviso

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19 DE JANEIRO DE 1955 347

prévio do Sr. Deputado Amaral Neto e após intervenções elucidativas de vários outros Srs. Deputados, de pouca ou nenhuma utilidade são as palavras que venho aditar, pois o essencial está enunciado para esclarecer o Governo e a opinião pública sobre o pensamento geral desta Câmara acerca do Código da Estrada, infelizmente já em vigor.
Se me resolvi a intervir também neste debate foi porque julguei e julgo do maior interesso a sua generalização com a participação do maior número possível de intervenientes, para que se saiba e para que conste, sem sombra de dúvida, que esta Assembleia, na sua grande maioria, se não na totalidade, proclama a necessidade imperiosa de uma revisão urgente e ponderada do Código da Estrada, que em tantos passos se afasta das realidades, como já aqui foi suficientemente demonstrado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É de justiça render homenagens ao Sr. 'Ministro das Comunicações pela intenção e segura boa fé com que mandou elaborar a articulação do código, que se impunha em substituição do antigo, uma vez que de todos os sectores da opinião pública surgiam clamores fundamentados contra a desordem nas vias de comunicação e nos centros urbanos, consequente do maior volume de tráfego, da desatenção, imprevidência e desaforo, por vezes criminoso, de condutores e peões.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O rosário interminável e trágico de acidentes diários - ocasionados, é certo, por causas as mais variadas- verificou-se que tem tido como causas ' dominantes: o excesso de velocidade de veículos em mãos imprudentes ou inábeis; as ultrapassagens perigosas e inoportunas, muitas vezes em locais de transgressão, como curvas sem visibilidade e lombadas fortemente angulosas; o deslumbramento provocado por condutores incorrectos e até de espírito criminoso; a paragem fortuita ou estacionamento abusivo de veículos, durante a noite, nas faixas de rolagem de grande trânsito; os carros emprestados a pessoas que desses carros não conhecem suficientemente a manobra. Hasta seguir durante algumas semanas os relatos diários dos jornais na secção «Viação perigosa» para se tirarem estas conclusões.
E óbvio que se impunham medidas mais severas nas regras de trânsito, mas com base na experiência, mas não experiências perturbadoras e dispendiosas com base num novo código revolucionário de costumes e interesses.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -Embora os acidentes graves não tenham subido na proporção do aumento de tráfego, como n Sr. Deputado Amaral Neto frisou em percentagens apresentadas, o que é certo é que os acidentes de viação atingem ainda percentagem muito elevada.
É evidente que a disciplina de um código, em bases justas, muito pode contribuir para a diminuição dessa percentagem, mas eu tenho para mim que além e acima do código está o nível de educação de condutores e peões.
E essa educação de saber conduzir e de saber andar nas vias públicas pressupõe uma sólida formação moral e conveniente educação cívica. Uma e outra deveriam, num ideal social, ser inerentes a todos os indivíduos. Como infelizmente, assim não acontece, torna-se necessária uma intensa propaganda através da imprensa da rádio e das escolas.

Vozes: - Muito liem, muito bom !

Orador: - Nas minhas deambulações de cerca de vinte e nove anos de condutor automobilista por estradas nossas e estranhas, e -graças- a Deus.- sem nenhum acidente até hoje, tenho verificado que mais do que aprender a conduzir um veiculo automóvel -o que qualquer quase boçal aprende-, o automobilista devia aprender a conduzir-se a si próprio, como racional que é -com responsabilidade sobre a sua própria segurança e sobre a segurança dos que transporta ou daqueles ou daquilo com que topa no caminho.
Já hoje não é considerado ridículo, mas sim necessário. ministrar nas escolas de algum países civilizados noções das regras de transito.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Também em certas estradas da Alemanha- houve a prática, não sei se ainda hoje em uso, de colorar ao lado das estradas, e em sítios perigosos, automóveis desmantelados por acidentes, encimando plintos, à laia de monumento avisante.
Tenho visto em plena estrada condutores de automóveis de alto preço e que aparentam ser pessoas de grande
categoria ou de simples prosápia social, o que talvez numa sala .saibam vestir uma casaca e comportar-se como cavalheiros, actuar com desdenhosa imprudência, de mistura cm grosseria censurável.
Portanto, a disciplina do trânsito, necessitando de um código, que é como quem diz de normas ou regras, assenta fundamentalmente num problema de educação e esta na parte específica da viação, não pode perder de vista o conceito de que: as estradas e as ruas são de todos e para uso de todos, e não pistas de corridas ou de gincanas para alguns.
Se a propriedade é de todos, todos temos de transigir na medida do razoável, quanto aos interesses alheios, nas deslocações pelas vias públicas. Só as auto-estradas têm por definição, o privilégio de uma só espécie de veículos. Todas as outras vias devem ser franqueadas, sem medidas excessivamente impeditivas ou onerosas. É o caso, aqui já focado, das máquinas agrícolas de debulha e dos rebanhos.

O Sr. Melo Machado: - O trânsito dos trens de debulha faz-se apenas numa época muito restrita, época abençoada por todos que desejam que o País tenha muito trigo para comer.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Julgo de maior valia a passagem de rebanhos para feiras ou pascigo. que são índice- evidente da nossa próspera pecuária, e também o imponente, embora ronceiro, deslizar das grandes máquinas agrícolas, do que a perda de alguns minutas de automobilistas impacientes e apressados.

Vozes: - Muito bem, muito bom!

O Orador: - Quantas vezes essa pressa é o vaidoso desejo de comunicar aos amigo? que se venceu certa distância em tempo record.
Por isso também abundo nas ideias aqui expendidas de que há que humanizar o código no que respeita aos interesses da lavoura, tão prementemente atingidos. As reformas, sejam quais forem, não devem perturbar radicalmente os costumes das gentes, mas sim modi-

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fícar gradual e prudentemente o que a experiência impõe como necessária, exequível e imperiosa alteração.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: nesta breve intervenção não tive o propósito de esmiuçar passos do código que 'exigem modificação. A minha descolorida repetição só provocaria maior enfado dos que obsequiosamente me escutam, pois tudo já foi focado brilhantemente por pessoas da maior autoridade.
Simplesmente, a título de reforço, quero referir-me à disposição fundamental, que se traduz no artigo 8.º, sobre prioridade de passagem.
O que estava estatuído era plenamente, satisfatório. As vias, especialmente as estradas de grande impotência volumoso tráfego, destinam-se a facilitar as comunicações, em tempo e comodidade, entre centros populacionais de categoria e a apreciáveis distâncias. É o caso típico de Lisboa - Porto. A prevalecer a prioridade de passagem a quem se apresente pela direita, mesmo com as duas excepções toleradas, o condutor, além do coeficiente de segurança que o deve orientar em marcha, vai sobrecarregar com o coeficiente de medo do que lhe. possa surgir das vias menores da direita, porque até é impossível fixar de ror, ou ver de momento, se. essas vias secundárias têm ou não seguimento para a esquerda.
Também acho violentas e de certo modo desumanas a<_ com='com' de='de' usufrutuários='usufrutuários' dos='dos' sobro='sobro' do='do' leis='leis' menos='menos' concedidos='concedidos' harmonia='harmonia' ensino='ensino' código='código' os='os' e='e' direitos='direitos' particular='particular' drásticas='drásticas' exigentes.='exigentes.' quando='quando' p='p' respeitaram-se='respeitaram-se' as='as' instrutores.='instrutores.' condução='condução' secundário='secundário' diplomas='diplomas' há='há' anteriores='anteriores' reforma='reforma' respectivos='respectivos' alterações='alterações' anos='anos' da='da' escolas='escolas' adquiridos='adquiridos'>

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há necessidade do melhorar essas escolas de condução e a qualidade e preparação dos instrutores? De inteiro acordo que tudo se aperfeiçoe, mas com justo respeito por direitos adquiridos e dispêndios importantes efectuados. O código neste particular, se não for humanizado, terá o condão de lançar no desemprego honestos chefes de família. Natura non facit saltus! Mas o código pode fazer saltar para a miséria ou para a hipoteca ou falência uns tantos, que. se julgavam trabalhar ao abrigo das leis do país em que nasceram.
Ainda, e para terminar, quero referir-me a Polícia de Trânsito, principal órgão de fiscalização na estrada. Tem sido louvável a actuação desse punhado de homens, que despertam tanta simpatia e confiança ao automobilista cumpridor e, possivelmente, tanta relutância e antipatia aos transgressores habituais ou potenciais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Estava até há pouco tempo essa ú Li l Polícia distribuída por brigadas, com sedes em Lisboa, Porto, Coimbra e Évora. Parecia uma distribuição de vantagem geográfica. Segundo julgo saber, foram todas essas brigadas concentradas em Lisboa e irradiam mensalmente para os vários pontos do País. Muitos desses guardas tinham constituído casa e alguns até adquirido pelo sistema das casas económicas o seu lar próprio.
Pois tudo foi desfeito, com gravame para fracas economias com deslocações das famílias respectivas, aluguer de casa na capital - e por que preço e qual idade, se a arranjarem de todo! Quem sabe quantos vieram agravar o problema da promiscuidade habitacional nesta linda Lisboa !
Melhorou a fiscalização por MS guardas, assim baralhados, não serem conhecidos nas regiões para onde vão trabalhar? Mal vai se nos louvamos na desconfiança ! Economiza-se combustível com periódicas deslocações a grandes distancias? Só sei que de Lisboa ao Porto Lisboa a Bragança e Lisboa a Faro são boas centenas de quilómetros ...
Em resumo, e finalmente impõe-se uma revisão ponderada do Código da Estrada, tendo em vista o provérbio, que suponho ser alentejano: «nem por muito madrugar amanhece mais cedo»!
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado!

O Sr. Presidente: - Desejo comunicar aos Srs. Deputados que, concluído este debate, a Assembleia passará a ocupar-se do Protocolo Adicional ao Tratado do Atlântico Norte e logo a seguir do aviso prévio do Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu.
Em face da inscrição que tenho na Mesa sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Amaral Neto e da necessidade de haver mais uma sessão pura a Camará se ocupar do referido Protocolo Adicional, prevejo que o aviso prévio do Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu começará a efectivar-se no próximo dia 25.
Amanhã haverá sessão, com a mesma ordem do dia que estava designada para hoje.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Calheiros Lopes.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Mantero Belard.
Eduardo Pereira Viana.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
José dos Santos Bessa.
Manuel Colares Pereira.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Rui de Andrade.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Antão Santos da Cunha.
António Carlos Borges.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Bussell de Sousa.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Afonso Cid dos Santos.

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João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Maria Porto.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

IMPBENSA NACIONAL DE LISBOA

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