Página 351
REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 69
ANO DE 1955 20 DE JANEIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.º 69, EM 19 DE JANEIRO
Presidente: Ex.º Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.º Srs. Castão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão as 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. -Mencionou-as o expediente.
O Sr. Deputado Elinio Pimenta falou sobre taxas e avenças dos moinhos e azenhas de milho.
O Sr. Deputado Ruxel de Sousa sugeriu que o Estado compre a Casa do Infante, na cidade do Porto.
O Sr. Deputado Sousa Rosal referiu-se a um documento da Caixa Geral de Depósitos que a Presidência do Concelho lhe enviara.
O Sr. Deputado Teixeira de Sousa falou sobre o 25º aniversario da Campanha do Trigo e a personalidade de Linhares de Lima.
O Sr. Deputado Santos Carregado ocupou-se dos vencimentos a salários do custo da vida do abono de família e da situação do trabalho rural.
O Sr. Deputado Almeida Garrett anunciou um aviso prévio sobre protecção á família.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate sobre o Código da Estrada.
Falaram os Srs. Deputados Melo Machado e Sá Carneiro.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão ás 18 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente : - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
lbino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Antão Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
António Russell de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Baltasar Leite Rebelo de Sousa.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Página 352
352 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 69
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Herculano Amorim Ferreira.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Sarmento Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário de Figueiredo.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 77 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 10 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente:-Vai ler-se o
Expediente
Telegrama
Do Sr. Presidente da Camará Municipal de Braga a apoiar o pedido leito pelo Sr. Deputado Alberto Cruz para serem realizadas as festas do 30.º aniversário da Revolução Nacional naquela cidade.
O Sr. Presidente:-Tem a palavra o Sr. Deputado Elísio Pimenta.
O Sr. Elísio Pimenta: - Sr. Presidente: na sessão de 26 de Fevereiro de 1953 - há, portanto, quase dois anos- solicitei providências ao Governo para que fossem
suspensas as taxas e avencas a que estão sujeitos os pequenos proprietários e arrendatários das azenhas e moinhos de milho.
Fi-lo com plena convicção de que essas taxas e avenças são cobradas sem quaisquer vantagens para a economia nacional e antes com pesado agravo das economias familiares desses modestos trabalhadores, que não exercem com a sua rudimentar indústria mais do que uma actividade complementar da exploração agrícola.
Posteriormente à minha intervenção - que tantas esperanças provocou nessa ingénua e confiada gente, a quem oficialmente alcunham de moageiros, titulo meramente formal e sem conformidade com o senso e as realidades- recebi determinados elementos que havia solicitado ao Ministério da Economia e que mais me convenceram da razão e da justiça da causa de que me fiz porta-voz nesta Assembleia.
Teria havido, certamente, motivo e justificação para que as modestas e insignificantes actividades se subordinassem a uma disciplina, que bem cara lhes tem custado, mas isso sucedeu há mais de treze anos, quando vivíamos os tempos perturbados da guerra, a cujas exigências todos nos tínhamos de sujeitar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Criaram-se então determinados organismos de emergência, com funções importantes e delicadas, e uns cumpriram bem, outros menos bem e outros ainda pior do que melhor, mas todos eles com uma autonomia e com uma largueza de recursos financeiros que forçou o Governo, não há muito tempo, a criar uma comissão encarregada de unificar e simplificar as taxas e contribuições especiais de ordem corporativa e de coordenação económica.
A comissão está em actividade e, segundo os elementos que acompanhavam a proposta da Lei de Meios para 1905, tem já revista toda a organização de coordenação económica. Oxalá as conclusões a que chegou não deixem de ser tornadas públicas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Entretanto, os pequenos moleiros continuam a pagar as suas taxas o as suas avenças, tantas vezes superiores às próprias contribuições do Estado; aqueles que não pagara voluntariamente vão sendo remetidos aos tribunais do trabalhei, e pagam o que devem e o que não devem, nem legalmente lhes pode ser exigido; o os fiscais, que nada fazem, por nada terem que fazer não deixam de estar nos moinhos de vez em quando, para com a sua antipática presença justificarem os vencimentos que as taxas e avenças se destinam a pagar.
No meio de tudo isso o organismo, que é de coordenação económica, vai passando aos olhos do público mal esclarecido por organismo corporativo, pois até os mal nascidos grémios da lavoura tomaram - ou impuseram-lhes - o odioso encargo de serem o veiculo da Comissão Reguladora para a ... cobrança das taxas.
Tudo, mais ou menos, foi dito nesta Assembleia há volta de dois anos.
Repito-o porque me parece de todo o interesse que se esclareça se os clamores tom ou não razão. O que mais custa ó o silêncio e a indiferença perante aquilo que se julga injusto e tanto prejudica os ideais que nos são caros.
Vozes: - Muito bem !
O Orador:-Pela minha parte, teria a maior satisfação em concluir que se justifica a intervenção gravosa da
Página 353
20 DE JANEIRO DE 1955 353
Comissão Reguladora da Moagem Ramas junto dos pequenos moleiros do milho.
Não faço qualquer lavor afirmando que confio na acção do Sr. Subsecretário de Estado do Comércio, já exuberantemente demonstrada na resolução de outros problemas de igual importância. Às suas qualidades de inteligência, bom senso e honestidade quero daqui prestar as minhas sentidas homenagens.
Nestas condições, e porque o Decreto-Lei n.º 31452, de 8 de Agosto de 1041, e o seu relatório são omissos quanto às razões que impuseram a subordinação das azenhas e moinhos de milho à disciplina da Comissão Reguladora da Moagem de Ramas, envio para a Mesa um requerimento em que peço, pelo Ministério da Economia, seja esclarecido, para a eventualidade de o assunto ser tratado em aviso prévio, sobre:
1.º Quais as razões que ditaram em 1941 a subordinação das empresas de moagem de milho à disciplina da Comissão Reguladora da Moagem de Ramas;
2.º Quais as razões por que, treze anos depois da publicação do Decreto-Lei n.º 31402, se continua a entender necessária essa subordinação.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Russell de Sousa: - Sr. Presidente: mais uma vez me é muito grato reafirmar perante esta Assembleia a alta consideração e particular estima que V. Ex.ª me merece.
Sr. Presidente: em 1960, ao comemorarem-se os cinco séculos que nos separam do último dia de vida do infante D. Henrique, determinou o Governo que no promontório de Sagres se eleve um monumento grandioso, que, desafiando as vagas o os temporais, ficará marcando condignamente a permanência do infante navegador naquele local, o seu sonho, todos os seus sacrifícios e a sua devoção total à causa da Pátria.
Devemos ao Governo o nosso agradecimento, e de um modo especial ao Sr. Presidente do Conselho, o grande português que, no meio de cantas canseiras e preocupações, se debruça, atenta e carinhosamente, sobre todos os nossos grandes problemas, do passado e do presente, para que nada falte e para que todos os nossos deveres sejam religiosamente cumpridos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: cabe à cidade do Porto a honra insigne de ter sido berço do infante D. Henrique.
Existe a velha casa ribeirinha onde, segundo a tradição, nasceu D. Henrique, no dia 4 de Março de 1394, e ali voltou mais tarde, para aparelhar a armada que o levou a Couta; como «Casa do Infante» é conhecida por portugueses e estrangeiros.
Tem a cidade manifestado sempre especial interesse em possuir aquele imóvel, e nesta Câmara, em 1939, pela voz do Deputado António Pinheiro Torres, foi solicitada a atenção do Governo pelo seu restauro e digna utilização.
A imprensa, pelas suas penas mais ilustres, tem sugerido formas diversas para a aquisição daquela casa, o que até hoje não foi possível.
Em Fevereiro de 1946, o antigo Deputado Prof. Luís de Pina, ao tempo presidente da Ex.ª Camará Municipal do Porto, determinou um estudo com o propósito de fundamentar o valor histórico da tradição que diz ter nascido na casa que tem hoje o seu nome o portuense ilustre que foi o infante D. Henrique».
Da leitura desse relatório, subscrito polo Dr. António Cruz, então director do Gabinete de História da Cidade, conclui-se que, se não há documentos que comprovem o nascimento do infante mi referida casa, também não se conhecem documentos que contrariem essa hipótese, e finaliza assim as suas considerações:
Ligado para sempre a um imóvel - quanto mais não seja na tradição do povo - o nome do infante D. Henrique, justo é que seja dado a esse imóvel uma aplicação condigna e honrosa, à altura da memória do portuense ilustre que perpetua.
Sr. Presidente: como Deputado pelo Porto, desejo submeter à consideração do Governo esta sugestão, que respeitosamente formulo, satisfazendo a ansiedade que há tanto tempo os Portuenses manifestam, que a Nação ofereça em 1960 à cidade da Virgem, que foi também berço do infante, aquela velha casa, ampla e restaurada, que servirá de escola náutica para a Mocidade Portuguesa, onde novos infantes, afeiçoando-se pelas coisas o mar, aprenderão a amar a sua terra. Pequeninas naus e caravelas, roteiros o livros de marinharia darão àqueles rapazes corações fortes e almas grandes, dispostos a todos os sacrifícios pela grei, à devoção pelo nosso passado glorioso, à confiança e à certeza da eternidade do Portugal de aquém e de além-mar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sousa Rosal: -Sr. Presidente: foz V. Ex.ª chegar às minhas mãos um documento, recebido da Presidência do Conselho e oriundo da Administração da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, que critica e censura parte do discurso que proferi nesta Assembleia, na sessão de 2 de Dezembro findo, sobre os Decretos-Leis que remodelaram os vencimentos e abonos dos servidores do Estado.
Desconheço a que titulo aparece a Administração da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência a criticar oficialmente discursos de Deputados.
Não lhe nego autoridade mental ou técnica para o fazer; o que lhe não reconheço é autoridade política e, no caso, a própria razão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Tanto mais que a sua atitude solicita um diálogo impossível entre um sector da Administrarão e um órgão da soberania.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Só porque o Governo lhe deu expressão política, servindo de meio transmissor, lhe farei referência, não no intuito de responder, mas no de possibilitar novamente uma discussão nesta Assembleia, que é seu lugar próprio, sobre os problemas que levantei e a razão do seu fundamento.
Não faltam a esta Camará os requisitos necessários para que os assuntos nela tratados se discutam com inteira liberdade e verdade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Não falta para tal nem a autoridade de V. Ex.a, Sr. Presidente, nem a competência e indepen-
Página 354
354 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 69
dência dos Srs. Deputados, nem a própria voz do Governo, aqui com tanta dignidade e altura representado pelo nosso leader.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Compreende-se que os sectores da Administração forneçam à Assembleia Nacional os elementos que lhe forem pedidos ou ordenados, por via competente, e indispensáveis à sua acção ou esclarecedores, mas não se entende que esses elementos se apresentem acompanhados de palavras de repreensão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Não o digo por razão pessoal, visto que só por si são uma nota de mau humor, e não uma sentença que tenha de se executar, mas porque ferem de certo modo o prestigio da Assembleia no que revelam de indisciplina mental contra a sua autoridade e competência na discussão dos problemas que aqui se levantam.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Posto assim o caso, estou agora à vontade para dizer alguma coisa sobre os comentários que a Administração da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência quis fazer a parte do meu discurso sobre a remodelação dos vencimentos dos servidores do Estado.
Esses comentários envolvem duas ordens de considerações: uma, interpretativa do texto do Decreto-Lei n.º 39 843 e do meu discurso; outra, de critica pessoal.
A ambas me referirei em separado e o mais sucintamente possível.
A argumentação e as conclusões bordadas pela Administração da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência sobre algumas passagens do meu discurso vêm naturalmente eivadas de erro, por terem partido de premissas diferentes daquelas que me orientaram.
Julgo-me neste momento obrigado a recordá-los para se poder apreciar melhor o fundamento e o sentimento do que então disse.
«A melhoria de vencimentos concedida não resolveu nem ajudou a resolver qualquer problema dos servidores do Estado, tão minguada ela lhe chegou às mãos depois de aplicada a nova taxa para a Caixa Geral de Aposentações.
O seu padrão de vida, bom ou mau, manteve-se no mesmo nível.
No Decreto-Lei n.º 39 843, «foi mantido o principio de há muito estabelecido de não considerar as classes inactivas e de reserva com direito à actualização das pensões conforme às exigências do custo da vida».
O Estado contraiu para com os seus servidores obrigações que deve manter em todas as circunstâncias e até ao fim com a maior humanidade».
A Administração da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência assenta a sua crítica partindo, segundo se depreende do que escreveu, das seguintes premissas:
Que o Decreto-Lei n.º 39 843 era apenas de ajustamento às novas circunstancias criadas pelo Decreto-Lei n.º 39 842, da mesma data, ou seja do que resultava do aumento de 10 por cento do suplemento e seu englobamento na remuneração principal;
Que não feriu interesses nem direitos, nem foi inovador ;
Que, por razões de ordem financeira, não foi possível nas últimos anos a actualização das pensões na mesma base da actualização dos vencimentos.
O meu pensamento procurou a sua razão nos princípios o leis fundamentais que regulavam as normas de aposentação, reforma e reserva.
Os comentários da Administração da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência basearam-se na situação excepcional e injusta gerada pelo regime de suplementos.
Estes são, em síntese, os motivos principais da divergência, embora haja outros que se filiam em deficiências de redacção e desequilíbrio do textos legais, e foram referidos no desejo de provocar esclarecimentos que pudessem prevenir contra más interpretações.
Eu conheço muito bem a nossa burocracia, muito honesta apesar de pobrezinha, competente, mas muito torta no aplicar das leis. Vou ligar-me, mais objectivamente, aos comentários da Administração da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, e assim se entenderá melhor a divergência de opinião.
Começou-se por dizer e demonstrar com mapas que as classes inactivas receberam mais.
Não neguei que se tivesse recebido mais. Disse, apenas, que se recebeu pouco e manifestei o sentir de que por isso mesmo se mantiveram pendentes, para alguns, todos os problemas que derivavam de insuficiente remuneração.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Seguidamente abordou-se o caso do desconto de 1/9 sobre o vencimento que entra no cálculo das pensões e do referente ao desconto nas pensões do aposentação e reforma correspondente ao valor da quota para a Caixa Geral de Aposentações, mas não no aspecto que os encarei de pesada contribuição e de desconto indevido.
Quis-se contestar este conceito derivando para um outro, dizendo que aqueles descontos não eram uma inovação nem se feriram com eles interesses nem direitos.
Quanto à inovação, pode admitir-se que a não houve, aceitando a argumentação produzida.
Quanto a interesses e direitos feridos já a não posso aceitar, filiando a divergência no facto de se querer assentá-la na situação provisória e injusta do regime de suplementos, que desequilibrou a relatividade de abonos estabelecida pela fórmula de cálculo das pensões entre os vencimentos das classes activas e as pensões de aposentação, reforma e reserva, esquecendo-se inteiramente que a raiz do interesse e do direito se encontrava na situação do regime anterior ao de suplementos e era regulada pelos Decretos-Leis n.º 26115, 28 404 e 30 250.
Diz-se depois que é errado e inexacto que o número limite de anos de serviço para se adquirir o direito à pensão máxima tivesse sido aumentado e que se tivesse dificultado assim a obtenção desta, com o argumento de que não foi alterada a fórmula vigente das pensões.
É verdade que o Decreto-Lei n.º 39 843 não modificou a fórmula de pensão, que é a seguinte (e vou mencionar só para provar mais facilmente que não estou em erro nem equivocado):
P = Vx N
36
V representa o vencimento anual correspondente ao posto da efectividade e N o número de anos de serviço.
Quando N atingir trinta e seis anos a fracção será igual a 1 e logo a pensão igual ao vencimento do activo.
Como o valor do vencimento é agora deduzido de 1/9 antes de entrar na fórmula, que não foi modificada, mas sim sabotada, desta maneira, praticamente, pela aplicação dela jamais se chegará a receber o vencimento do activo, que é aquilo a que é de uso chamar-se a pensão máxima.
Página 355
20 DE JANEIRO DE 1955 355
Esta só se atinge insofismavelmente aos quarenta anos pela nova modalidade estabelecida polo § 2.º do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 39 84ií à margem da fórmula-mãe do cálculo das pensões.
É por demais evidente que a pensão máxima deixou de se adquirir aos trinta o seis anos para só se atingir aos quarenta anos; consequentemente, foi estabelecido mais alto o limite de idade para se ter direito a ela.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - O conceito que inspirou o propósito de considerar, para efeito de aposentação, reforma e reserva, outros abonos além dos vencimentos -e agora bem esclarecido na judiciosa justificação feita nos comentários - só merece o maior louvor e aplauso.
Sobre o assunto limitei-me a formular o desejo de que a disposição de lei fosse esclarecida, para aproveitar a todos os que descontam para a Caixa Geral de Aposentações sobre abonos para além dos de categoria.
Comentou-se esse desejo com a aludida justificação, que não foi posta em causa, concluindo-se por dizer que o §1.º do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 39843 está redigido em termos inequívocos, não se tendo em vista casos determinados, mas todos os casos.
Quanto à conclusão, não estamos de acordo.
Exactamente porque a redacção é inequívoca é que ela não podo abranger todos os casos, como se deseja e é justo.
Abrange apenas aqueles que se enquadraram nos últimos dez anos.
Porque há-de aplicar-se apenas aos últimos dez anos, e não a um período qualquer de dez anos da vida do funcionário?
Como terá sentido prático, por exemplo, para os militares que durante um período de dez anos tenham beneficiado de algumas promoções e ao mesmo tempo recebido pequenas gratificações pelo desempenho de cargos didácticos, de comando e de guarnição?
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Para estes, de maneira geral, a média encontrada dos abonos será inferior ao vencimento da sua categoria quando da passagem à situação de reforma ou de reserva; logo não terá qualquer efeito.
A generalização do conceito só terá o efeito desejado se for generalizada também a sua aplicação por meio de fórmula que aproveite a todos os que tiveram abonos sobre os quais tenham incidido descontos para a Caixa Geral de Aposentações, qualquer que seja o quantitativo e o número de anos.
De outra maneira a inequívoca disposição da lei não abrangerá todos os casos e negará o que, com tanta propriedade e razão, escreveu a Administração da Caixa Geral de Depósitos. Crédito e Previdência sobre o alcance da referida disposição de lei e da sem-razão de cobrança de uma receita para a reforma que nunca chegava a ter efeito nela.
Neste caso também não foi destituído de fundamento aquilo que disse baseado na redacção insuficiente do § 1.º do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 39 843.
No que me referi a oficiais da reserva quis-se contestar o muito que falei sobre tal, afirmando-se que o decreto-lei não estabelece qualquer inovação quanto ao cálculo nem quanto à melhoria por efeito da prestação do serviço militar, quer no que respeita aos que se encontravam na reserva, quer quanto aos que de futuro a ela passarem.
Neste particular tratei de maneira especial da situação dos oficiais da reserva ao serviço, apontando como boa solução o manter-se o regime anterior quanto a vencimentos e estender-se todas as regalias de ver melhorado o tempo de serviço até aos quarenta anos.
Quanto a vencimentos, a situação não foi considerada nos decretos-leis e mantém-se em regime provisório.
Quanto à melhoria por efeito de aumento de tempo de serviço, depreende-se do que se escreveu agora que ela abrange os que estavam e os que passarem à reserva.
Do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 39 843 podia muito bem depreender-se que não era assim, visto que ele apenas regulava a situação dos militares já colocados na reserva, e nele é que se mencionou a referida regalia.
Pergunta-se porque disse, sem constrangimento e com falta de rigor jurídico, que nem mesmo se respeitaram direitos adquiridos.
A falta de constrangimento existe sempre que se fala em lugar próprio, com sinceridade o com a noção do dever o da responsabilidade, embora sem rigor jurídico, que é coisa de reparo quando falam doutores de leis.
Como, infelizmente, o não sou, não me seja levado a mal que torne a reincidir no erro, dizendo:
Não se respeitaram os direitos adquiridos regulados e assentes na fórmula estabelecida para a passagem às situações de reforma e reserva, alterando a relatividade por ela estabelecida entre os vencimentos de actividade e os daquelas situações.
Não se respeitaram os direitos adquiridos, limitando a aplicação das percentagens para aumento do tempo de serviço por efeito de serviço no ultramar e aéreo, estabelecida sem restrição nas leis que as concederam.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não merecia a pena ofender este direito, encarada a fraca economia que resulta desta excepção à face do que se esclareceu agora.
Diz-se que apenas terá aplicação durante o período que vai dos trinta e seis aos quarenta anos.
O seu efeito é quase nulo por abranger poucos e mesmo esses poucos com poucos resultados, por já os encontrar em altos postos, onde o maior limite de idade constitui uma defesa contra a excepção aberta.
Não se respeitaram os direitos adquiridos, elevando para quarenta anos de serviço o limite do tempo necessário para se receber a [tensão máxima, isto e, igual ao vencimento da categoria que se tinha quando da passagem às situações de reforma ou reserva.
Pergunta-se também a que título disse serem diferentes os limites para a reforma e reserva.
Disse-o a propósito do caso particular da passagem às situações de reforma ou reserva, ao abrigo da doutrina do § 1.º do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 39 843, e não de uma maneira geral, visto que não ignorava que as pensões de reforma e reserva são calculadas nas mesmas bases, mas confrontando a doutrina do artigo 4.º do Decreto-Lei n." 39 843 com a da alínea c) da instrução 8.ª das instruções para a execução do Decreto-Lei n.º 28 404, publicadas no Código de Vencimentos do Exército.
Há de facto confusão, mas originada no desacerto das leis, tantas vezes gerado por não se consultarem as fontes próprias de informação antes da sua feitura.
Sr. Presidente: terminei de expor o pensamento e as razões que fundamentaram a parte do meu discurso criticada sem convincente razão pela Administração da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência.
Resta-me agora referir às palavras de lástima e censura por aquilo a que se chamou critica inconsistente, destituída de base e confusa.
Sobre elas apenas direi que as devolvo intactas, pedindo que sejam distribuídas de maneira mais adequada com as circunstâncias, depois de se tornar a ler o meu
Página 356
356 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 69
discurso com mais serenidade o de só ter revisto u hermenêutica com que foi apreciada parte dele.
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - Termina a Administração da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência por estranhar que, apesar de tudo, não se tenha dado a César o que é de César e de não se ter dado a Deus o que a Deus pertence.
Julgo que dei a César aquilo que mais deve apreciar : a verdade no sentir e a lealdade no proceder. A Deus nada ofereci, é certo, mas só porque Deus tem o dom de ver claro nas almas e nas intenções, mesmo quando aquelas se fecham e estas se escondem.
Sr. Presidente: para acabar vou enviar para a Mesa um requerimento em que solicito que conste do Diário das Sessões o documento que originou as considerações que fiz, no desejo de que este incidente seja apreciado, por quem o desejo, como mereço e no pleno conhecimento da argumentação dos factos.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Defiro o requerimento de V. Ex.ª
O requerimento e o documento são os seguintes:
«Requeiro que o documento que me foi entregue por V. Ex.ª, Sr. Presidente, oriundo da Administração da Caixa Geral de Depósitos, Credito e Previdência, com comentários ao meu discurso proferido na sessão de 2 de Dezembro findo, sendo transcrito no Diário das Sessões».
1. O Decreto-lei n.º 39 843 não feriu o interesse dos que já se encontravam na situação de aposentação ou reforma. Ao contrário. melhorou esse interesse e do modo proporcionalmente superior ao concedido nos funcionários na efectividade do serviço.
O aumento determinado pelo artigo 1.º do mesmo decreto-lei ficou exactamente correspondido a 10 por cento das pensões-base e a 6,2 por cento da totalidade do abonado pela Caixa Geral de Aposentados (da soma da pensão-base com o suplemento de 60 por cento). Do ajustamento dos vencimentos dos funcionários no activo apenas resultou, para os mesmos funcionários um aumento real de 5,6 por cento do vencimento-base e de 2,95 por cento do vencimento total (da soma do vencimento-base com o suplemento de 90 por cento). Esclarece o quadro n.º1.
Operou-se logicamente uma redução da diferença que separa as pensões de aposentação u reforma dos vencimentos na actividade. Com a mudança de situação sofria o funcionário, ao tempo da publicação do decreto- Lei n.º 39 843 uma redução de 28.8 por cento da remunerarão total liquida do activo. A partir da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 39 843 aquela redução baixou para 24,8 por cento. Esclarece o quadro n.º2.
2. Também o Decreto-Lei n.º 39 843 não feriu, sob qualquer aspecto, o direito já criado a favor das funcionários para o efeito da sua futura mudança de situação. Com efeito:
O cálculo das pensões com base no vencimento líquido do correspondente á quota não constituiu matéria nova. O Decreto-Lei n.º 39 813 apenas manteve, a este respeito, a doutrina do Decreto-Lei n.º 26115 do 33 do Novembro de 1935 (artigo-37), posteriormente confirmado pelo artigo 10º do Decreto-lei n.º 32691, de 20 de Fevereiro de 1943.
O desconto de 1/9 nos vencimentos que servem de base ao calculo das pensões de aposentados a reforma resultou da necessidade de se fixar o nível das mesmas pensões na base da melhoria já concedida, aumentada para 70 por cento. Numa altura em que o suplemento deixava de ter existência legal, para ser englobado nos vencimentos, torna-se á evidencia indispensável reduzir os mesmos vencimentos de 1/9 para se manter, na aposentação e reforma, o nível acima indicado. O quadro nº3 esclarece completamente este aspecto, dele ate se inferindo que houve, no ajustamento, a preocupação de não prejudicar, antes beneficiar, os que de futuro mudassem de situação. Como consequência, também neste aspecto se não poderá com propriedade afirmar que o Decreto-lei n.º 39843 foi inovador.
Não o foi ainda no domínio do calculo das pensões, já que o mesmo decreto-lei não modificou a formula ao tempo vigente. Erradamente se sustentará que o número-limite de anos a considerar foi agora aumentado de trinta e seis para quarenta para se dificultar o exercício do direito ou reduzir o quantum das pensões. A critica assenta, nesta parte, no pressuposto, que é inexacto, de que o numero-limite de anos a considerar foi fixado para todos os casos em quarenta. Não o estabelece o Decreto-lei n.º 39843 e é elucidativo o exemplo constante do final do quadro n.º3.
3. Não ferindo, a qualquer título, o direito já criado a favor dos funcionários para o efeito de mudança de situação, o Decreto-Lei n.º 39843 até alargou esse direito.
Permitiu, por um lado o aumento das pensões ate ao vencimento total liquido do activo nos casos de efectividade de serviço superior a trinta e seis anos. O numero-limite de anos a considerar será, mas apenas nestes casos de quarenta.
Por outro lado, deixou se considerasse para o calculo das pensões a totalidade do abonado e tributado durante o desempenho do cargo na base da media dos últimos dez anos, na hipótese de assim convir ao aposentando.
Dir-se-á o suficiente a respeito ambos estes casos.
E geralmente sabido que anteriormente a 1929 as pensões se calculavam na base de 1/6 do vencimento do activo. O máximo da pensão obtinha-se aos trinta anos de serviço.
Com o Decreto n.º16669 este numero de anos passou para trinta e seis. As pensões entraram de ser calculadas com base na totalidade do vencimento do activo.
Restabelecido o regime da cobrança da quota a f avinda Caixa Geral de Aposentações, ou seja a partir de l de Janeiro de 1936, os vencimentos considerados para a aposentação passaram a ser os vencimentos líquidos do correspondente à quota (artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 26115, de 23 de Novembro de 1935).
Por razões de ordem financeira, e não propriamente de natureza jurídica, como já invocado, não foi possível nos últimos anos a actualização das pensões na mesma base da actualização dos vencimentos.
Em 30 de Setembro de 1954 beneficiavam os vencimentos de um suplemento de 90 por cento, enquanto o atribuído as pensões era de apenas 60 por cento. De novo se gerou desnivelamento, agora entre o montante das pensões e as remunerações totais liquidas do activo, sem que no entanto se tivesse alterado o numero de anos necessários á formação do máximo que permanecia fixado em trinta e seis.
Não modificou o Decreto-lei n.º 39843 este numero de anos nem afectou, a qualquer outro titulo, o direito de quem o não exceda ou apenas o iguale. Criou, no entanto, uma nova regalia. Permitiu que imediatamente cessasse o apontado desnivelamento entre as pensões e os vencimentos totais líquidos do activo, para os funcionários contando quarenta anos completos de ser-
Página 357
20 DE JANEIRO DE 1955 357
viço efectivo. A pensão será gradualmente melhorada a partir dos trinta e sete anos completos de servido efectivo. Mas exactamente porque a concessão desta nova regalia se fundamentava no desempenho efectivo da função pública durante um número de anos superior a trinta e seis, o Decreto-Lei n.º 39843 excluiu do âmbito da mesma o tempo contado um aplicação de percentagens. Apenas abriu, e compreensivelmente, a excepção respeitante ao tempo de campanha.
Não se apresenta com aspecto de novidade o que respeita ao cálculo das pensões com base nos proventos tributados pertencentes ao cargo. Já Decreto n.º 16 669, de 27 de Marco de 1929 no seu artigo 11.º, mandava considerar, para o efeito, outros abonos alem do vencimento. Generalizou-se assim este conceito e em base que honestamente se não poderá deixar de considerar séria e justa.
Se é legítimo exigir-se ao subscritor do organismo responsável uma quota efectiva justificada, já o não é criar-se, através da cobrança da quota, um meio atrabiliário, e pôr isso mesmo também iníquo, de formação de receitas. Há-de reconhecer-se que ou se havia de enveredar pela orientação do Decreto-Lei n.º 39 843 ou seria preciso fazer cessar a cobrança da contribuirão sobre tudo aquilo que, incluindo-se embora nos proventos do cargo, não constitui, no entanto, no aspecto orçamental, o vencimento.
Outras e importantes razões propendiam a favor da medida decretada, desde a fornia em muitos casos usada de formação dos honorários dos cargos à própria categoria das posições ocupadas.
A disposição respectiva está redigida em termos inequívocos. Ao dar-lhe forma não se tiveram em vista casos determinados, mas todos os casos. Cumpriu-se com a indicação recebida. De lamentar e de censurar apenas que se formule uma critica tão inconsistente e destituída de base.
4. Resta referir o caso das pensões de reserva.
A respeito destas pensões contém o Decreto-Lei n.º 39 843 duas ordens de disposições - as relativas aos militares que já se encontravam na reserva e as respeitantes aos que de futuro transitarem para essa situação.
Fundamentalmente o Decreto-Lei n.º39 843 não estabelece, a propósito de uns e outros, qualquer inovação. As pensões de reserva eram calculadas nos mesmos termos das de reforma. Continuarão a ser assim calculadas. Podiam ser melhoradas em atenção à nova prestação do serviço militar. Este beneficio não foi retirado. A melhoria das pensões dos militares que já estavam na reserva aplicar-se-á, sem qualquer modificação, o regime à sombra do qual as mesmas pensões foram constituídas. Ao cálculo das novas pensões e à sua remodelação aplicar-se-á o mesmo regime com as alterações da nova lei, ás quais já nos referimos a propósito do cálculo das pensões de reforma, que a ninguém prejudicam e a todos podem beneficiar.
A que título então tantos e tão desfavoráveis comentários?
A que titulo, por exemplo, dizer-se, sem constrangimento e com absoluta falta, de rigor jurídico, que nem mesmo se respeitaram direitos adquiridos! A que título dizer-se que se criaram limites diferentes e que diferentes ficaram sendo as condições de passagem à reserva e à reforma., sendo preciso optar-se por esta última para se evitar prejuízo sério?
A confusão é por demais evidente neste e noutros aspectos. Não podemos sequer explicá-la.
5. Confiava-se, ao que parece, que o novo diploma viria, dar integral satisfação ao princípio da actualização das pensões com as exigências do custo da vida. Aspiração generosa, fora de dúvida, que todos, e não apenas alguns, desejariam satisfeita. No entanto, o Decreto-Lei n.º39 843 era apenas de ajustamento às novas circunstancias criadas pelo Decreto-lei n.º39 843 da mesma data ou seja ao que resultava do aumento de 10 por cento do suplemente e seu englobamento na remuneração principal. Se a generosa aspiração não resultou satisfeita, nem por isso seria caso de se recusar a César o que é de César e de se não dar a Deus o que a Deus pertence.
Lisboa, 9 de Dezembro de 1954
QUADRO I
Alterações nas pensões de aposentação e reforma concedidas até 30 de Setembro de 1954, com base nas remunerações liquidas de desconto da quota
(Decretos-Leis n.º 39 842 e 39 843, de 7 de Outubro de 1954)
[ver tabela na imagem]
Página 358
358 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 69
QUADRO II
Diferença entre vencimentos de efectividade e pensões de aposentação e reforma
[ver tabela na imagem]
QUADRO III
Pensão de aposentação ou reforma calculada com base nas remunerações actuais
[ver tabela na imagem]
O Sr. Teixeira de Sousa: - Sr. Presidente: a Federação Nacional dos Produtores de Trigo comemorou recentemente o 25.º aniversário da Campanha do Trigo. Com esta solenizarão pretenderam-se dois objectivos: Recordar o início dum movimento que teve a mais larga projecção na agricultura nacional e na vitalidade da classe agronómica; prestar homenagem a Linhares de Lima, que, tomando a iniciativa de levar a efeito a Campanha do Trigo, realizou uma obra que merece o mais completo reconhecimento da Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O coronel Linhares de Lima, quando foi nomeado Ministro da Agricultura, vinha da Manutenção Militar, onde, conhecedor dos problemas da moagem e do abastecimento público, sentia a necessidade de intensificar a produção do trigo.
A sua primeira preocupação foi escolher colaboradores idóneos e de comprovada competência técnica.
Dirigiu-se ao conselho escolar do Instituto Superior de Agronomia para lhe ser indicado o chefe de gabinete.
Foi escolhido António de Sousa da Câmara.
António da Câmara - que, como novo assistente da cadeira de Agricultura Geral, tinha modificado de tal modo o curso e, em especial, a prática de máquinas agrícolas despertou o maior interesse o entusiasmo dos alunos - leva consigo todo o espírito moço e altruísta dos rapazes de agronomia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Em Agosto de 1929 o Governo dá início à Campanha do Trigo, rompendo-se, com espanto de todos, os velhos hábitos da rotina burocrática.
Os jovens agrónomos e estudantes vão para o campo agarrados às máquinas, procuram os lavradores em suas casas ou nas suas lavouras e não se preocupam com sujar as botas ou o fato. Adquirem a confiança dos agricultores. Deste modo estava ganha a primeira parte da batalha: tinha-se vencido o receio.
Depois vem a aplicação dos conhecimentos; a falta de experiência é em parte suprida pela dos agrónomos mais velhos e dos agricultores. Como disse o lavrador
Página 359
20 DE JANEIRO DE 1955 359
António Matos Taquenho, «foram os lavradores que em parceria com os técnicos fizeram a Campanha».
Também António da Câmara disse: «A questão tão delicada de obter a interpenetração da lavoura e da técnica, sem a qual nunca haverá reais progressos em agricultura, conseguiu-a a Campanha do Trigo.
Seguem-se os ensaios, campos de experiência e depois campos de demonstração.
No 2.º ano o trabalho é mais proveitoso; já se ganhou experiência, o trilho segue caminho mais seguro e também os resultados da produção cerealífera, como consequência da Campanha e das tabelas de preço, começam a fazer-se sentir. A produção de trigo, que até 1929 só excepcionalmente atingia as 300 000 t. em 1930 e 1931 sobe a 374 400 t e 359 700 t, o que representa aumentos de 25 e 20 por cento, em 1932 obtém-se 647 500 t. ou sejam 115 por cento, e em 1934 atinge--se o máximo até hoje obtido 710 700 t.
Para este resultado muito deve ter contribuído a melhor técnica adoptada, quer no que respeita à escolha e selecção das sementes, quer à melhor preparação do terra e ao emprego dos adubos químicos.
Porém, a Campanha atinge outros objectivos além do aumento da produção de trigo, e, transformando-se depois na Campanha de Produção Agrícola, vai1 alargar a sua acção a todos os ramos do fomento .agrário.
Os técnicos agrícolas prestaram importantes serviços ao País, e, dentre estes, a classe agronómica tem razões para estar agradecida a Linhares de Lima, que lhe deu oportunidade de poder revelar a sua capacidade.
A figura de Linhares de Lima tem jus a ser aqui destacada.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Foi devido à ,sua vontade e tenacidade inquebrantável que foi possível realizar os objectivos da Campanha do Trigo.
Era sua qualidade fundamental saber ouvir e estudar. Quando, não dominava inteiramente os assuntos, nomeava comissões, onde procurava que estivessem representadas todas as actividades interessadas na resolução do problema, em causa (era o sentido da representação corporativa), e depois de largo debate procurava serenamente a solução justa e adequada.
Por fim traçava o plano, fazendo-o executar e, acompanhando-o nos seus pormenores, procurava evitar por todos os modos o menor desvio na acção.
Entre outras obras de largo significado nacional, deu os primeiros passos para a criação da Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola e criou o primeiro organismo de coordenação económica - a Junta Nacional de Exportação de Frutas, que depois se transformou na Junta Nacional das Frutas.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - Não me foi dado tomar parte directamente na Campanha do Trigo, mas no distrito da Horta, onde comecei a minha actividade profissional e donde era natural Linhares de Lima, devido às facilidades por ele concedidas e ao material fornecido pela Campanha, foi possível levar àquelas ilhas uma sombra do movimento que aqui se produziu.
As dificuldades de transporte e outras foram vencidas na medida em que estávamos animados do mesmo espírito dos rapazes da Campanha.
Depois de deixar a pasta da Agricultura, Linhares de Lima foi Ministro do Interior, presidente da Câmara Municipal de Lisboa e presidente da Junta de Província da Estremadura. Apesar de ter exercido tão elevados cargos na Administração, viveu sempre a mesma vida de modéstia. Consagrou os últimos anos do seu labor como Deputado pelo círculo da Horta à defesa dos interesses do seu distrito e da sua ilha do Pico, a que tanto queria. Aqui, nesta Assembleia, da qual Linhares de Lima fez parte durante as últimas legislaturas, julgamos justo prestar homenagem a tão nobre e prestigiosa figura e recordar os êxitos da Campanha do Trigo levada a efeito há vinte e cinco anos.
Disse.
Vozes : - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Santos Carreto : - Sr. Presidente : seja-me relevado que mais uma vez eu ouse chamar a atenção da Câmara e do Governo para problemas que, pela .sua irrecusável importância, andam persistentemente na nossa maior e mais séria preocupação.
Faço-o, Sr. Presidente, por grave e indeclinável imperativo da consciência que instantemente nos clama ser traição verdadeira ao mandato sagrado que nos foi atribuído guardar cómodo silêncio ou fechar preguiçosamente os olhos sobre as duras realidades da vida que nos envolvem e que facilmente escapam à observação e exacto conhecimento de quem vive longe e com elas não mantém contacto íntimo e permanente.
Nunca será de mais acentuar, Sr. Presidente, que o homem, na dualidade das substâncias que o constituem, não é senão uma unidade maravilhosa ; e de tal maneira que impossível é dar conveniente solução a grave problema de ordem temporal abstraindo da vida espiritual e moral, como impossível se torna resolver problemas de natureza espiritual e moral sem ter em conta as condições e exigências da vida temporal.
Quer dizer: o homem tem de ser considerado e cuidado tal qual é - uma admirável unidade na surpreendente interdependência das suas duas substâncias.
Actuar de outro modo seria mutilar a própria pessoa humana, para quem a felicidade verdadeira está precisamente na perfeita harmonia das duas vidas.
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - Por isso é que a Igreja nunca deixou de interessar-te solicitamente por tudo quanto respeita à vida temporal do homem, embora não seja este o campo especialmente marcado à sua acção redentora.
Flagrante de oportunidade a palavra do Santo Padre Pio XII ao afirmar há dias que erram gravemente os que pretendem limitar a acção da Igreja ao domínio puramente espiritual, procurando impedi-la de se ocupar das coisas que dizem respeito à realidade da vida, a pretexto de que não são da sua alçada».
Para todos os problemas da vida tem a Igreja uma palavra exacta, sobre todos eles uma solução segura a preconizar.
Aproveitar todos os ensejos para o afirmar e proclamar é grave obrigação que ao homem da Igreja imperiosamente se impõe.
Não se levará, pois, à conta de impertinência o que apenas é cumprimento de dever e também necessidade do coração.
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - Sr. Presidente: por mais de uma vez eu tive já oportunidade de focar nesta Câmara, entre tantos problemas que sobremaneira nos preocupam, o que se refere à difícil situação de quantos vivem exclusivamente do fruto do seu trabalho.
Página 360
360 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 69
Com os Decretos-Leis n.(tm) 39 842, 39 843 e 39 844. de 7 de Outubro último, mostrou o Governo quão vivamente anda nos seus cuidados e preocupações a situação dos servidores do Estado. Ë grata satisfação aos nossos anseios a melhoria decretada?
Se o afirmássemos não diríamos toda a verdade. O próprio Sr. Ministro das Finanças, a cujo alto espírito me é grato render as melhores homenagens (apoiados), no relatório que precede o Decreto-Lei n.º 39 842 afirma com louvável seriedade e lealdade:
Não se visa propriamente com esta medida uma reforma para elevação de vencimentos, embora dela resulte alguma melhoria, mas a regularização do seu regime.
De facto, é tão modesto o aumento trazido aos vencimentos então em vigor que se torna insignificante a melhoria produzida e quase não vale a pena anotá-la.
Vozes : - Muito bem !
O Orador : - De resto, Sr. Presidente, não é o aumento de vencimentos que, só por si, resolve o grave problema. O custo da vida continua em desequilíbrio cruciante; e, enquanto se mantiver este desequilíbrio, a vida continuará a decorrer entre dificuldades atrozes para quantos vivem exclusivamente dos seus vencimentos ou salários ou da pequena e média lavoura.
Permito-me, Sr. Presidente, renovar a pergunta aqui feita há já tempo:
Será realmente justo que as rendas de casas, os artigos manufacturados e tantas outras coisas necessárias à vida persistam em manter-se a um preço inteiramente fora das possibilidades da maioria dos portugueses?
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - Não hesito em afirmar aqui mais uma vez que o grave problema, que tanto cuidado nos dá, não pode ter senão uma de duas soluções: ou o custo das coisas necessárias à vida desce até ao nível dos vencimentos e salários ou estes têm de subir até ao nível do preço das coisas.
Impossível realizar este nivelamento que imperiosamente se impõe?
Mas, se outras nações o conseguiram, porque não o poderemos conseguir também nós?
Difícil? Decerto. Mas não há dificuldades invencíveis quando se tem uma vontade forte e um sério empenho de vencer.
Além de justo, é absolutamente urgente e salutar este nivelamento.
A ânsia de lucros que em certas actividades nacionais se verifica é um facto grave, que não pode escapar a observação de quem tem olhos para ver e ante o qual não podem manter-se indiferentes aqueles sobre cujos ombros pesa a tremenda responsabilidade de bem ordenar e orientar as coisas da vida nacional. E tão exagerados são. por vezes, esses lucros que somos levados i) duvidar seriamente da sua legitimidade. E, se ilegítimos, esses lucros tornam-se nas mãos d* tantos uma tentação e um perigo gravíssimo.
Vozes : - Muito bem, muito bem !
O Orador: - Quem o não sabe? Quem o não sente? Já o nosso épico, com justa severidade, cantou:
Veja agora o juízo curioso
Quanto no rico assei como no pobre,
Pode o vil interesse e sede imiga
Do dinheiro, que a tudo nos obriga.
Este rende munidas fortalezas,
Faz traidores e falsos amigos;
Este a mais nobres faz fazer; vilezas
E enbrega capitães aos inimigos;
Este corrompe virginais purezas.
Sem temer de hora ou fama alguns perigos
Este deprava as vezes as ciências,
Os juízos cegando e as consciências.
Perdoe-se-me, Sr. Presidente, a citação, que. sob certos aspectos, me pareceu notavelmente oportuna.
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - Não vamos, no entanto, concluir que a riqueza é um mal social. Antes, ela é um necessário o apreciável bem ao serviço da colectividade.
Ao serviço da colectividade, note-se.
De facto, não há que temer a riqueza quando ela. consciente da sua grave função social, serve decididamente o bem comum e, consequentemente, o interesse das classes menos favorecidas.
Há, porém, que temer e condenar irremissivelmente toda a riqueza, qualquer que seja o seu volume, que desprezando os seus graves e naturais deveres, serve apenas os interesses e as paixões dos que a possuem e gozam.
Vozes : - Muito bem, muito bem !
O Orador: - Na verdade, a muita riqueza em mãos de quem não conhece ou não quer conhecer a sua verdadeira e legítima função é fonte copiosa de incalculáveis ruínas morais e físicas.
A história não cessa de fornecer-nos exemplos irrecusáveis e impressionantes de como a superabundância de ouro pode levar, e tanta.- vezes leva, ao mais degradante lodaçal, onde tristemente se afundam consciências e vidas.
Vozes : - Muito bem !
O Orador : - E este perigo - afirmo-o mais uma vez - não pode escapar a vigilância do Estado, que tem de o enfrentar decidida e energicamente.
A riqueza um mal? Muito ao contrário, ela é um elemento absolutamente necessário ao contínuo desenvolvimento da vida. Servindo a colectividade, a riqueza torna-se valioso instrumento das mais belas realizações, preciosa garantia de todas as iniciativas e empreendimentos.
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - Numa palavra: a riqueza ao serviço da vida é fonte magnífica de apreciáreis bens. E importa que o seja cada vez mais e cada vez melhor. Desta forma a pobreza deixará de ser miséria e todos terão o indispensável para que a vida decorra em condições conformes à categoria e função de cada classe.
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - De outro modo se não for vencida a louca ambição de lucros que, infelizmente, toma muitos sectores da vida portuguesa, as dificuldades agravar-se-ão desastrosamente e as condições de viver não se modificarão para quantos apenas têm o recurso dos seus modestos vencimentos ou salários.
Repito, Sr. Presidente: o aumento de vencimentos não logrará resolver o problema se com ele não vier o preconizado ajustamento do preço das coisas.
Página 361
20 DE JANEIRO DE 1955 361
As exigências da vida continuam em crescendo desconcertante, e consequentemente, vai-se tornando cada vez maior e mais aflitiva a distância entre os que pouco ou nada têm e os que muito possuem ou melhor remunerados são.
É o desequilíbrio da própria vida a agravar-se em estranhas condições, que são muito de preocupar. Será lícito deixar prolongar uma tal situação, que, além de injusta, é toda cheia de sérios perigos?
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - E que dizer daqueles que, vivendo apenas dos seus vencimentos, corajosamente assumiram a responsabilidades familiares, com a pesada cruz dos encargos inerentes?
Será de considerar amparo eficiente o chamado abono de família?
O seu quantitativo e as condições que continuam a envolver a sua atribuição permitem-me repetir - Deus sabe com quanta pena!- que ele não passa, por enquanto, de um auxílio meramente simbólico.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E não merecerá a família ser assistida e amparada com maior solicitude? Não está ela na base de toda a organização social e não é ela a salvaguarda segura da ordem e do futuro da Nação? Não valerá a pena fazer por ela todos os sacrifícios?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: muito louvavelmente tem o Estado Português cuidado de prodigalizar às classes operárias uma solicitude que vai largamente traduzida em benefícios de toda a ordem. Â ninguém, em Portugal, é lícito ignorar o esforço que vai despendido a favor de grande parte das classes trabalhadoras.
Há, porém, uma classe que lamentavelmente continua em desolador e digamos, injusto abandono. Ë o pobre trabalhador rural, de todos o menos favorecido, o menos assistido, o menos amparado. Sem garantia, de trabalho e, portanto, sem segurança de salário, a suo, vida decorre entre dificuldades e privações sem conto, mormente nesta quadra sombria e penosa do Inverno.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - É certo que o Estado criou as Casas do Povo, para o trabalhador rural, deveriam ser o que as Casas dos Pescadores são para os pescadores e o que os sindicatos e outros organismos são para os operários associados.
Porque o não são? Culpa do Estado? Mas o Estado criou-as. Patrocina-as, subsidia-as, estimula-as ...
São de Todos assaz conhecidos os esforços que as esferas superiores andam a despender 110 sentido de levar as Casas do Povo à justa realização dos objectivos que por lei lhes foram determinados e que importariam segura defesa do trabalhador dos nossos campos.
Que resultados se têm obtido?
Respondo com verdadeira mágoa: as Casas do Povo, que nasceram de um lindo pensamento, continuam a estar longe daquela realidade linda que se esperava viessem a ser.
Os esforços do Estado não logram vencer a falta de dedicados dirigentes e colaboradores com exacto sentido da sua função; e sem eles impossível é que essas belas instituições se tornem refúgio e amparo certo para o trabalhador, instrumentos de defesa dos seus legítimos interesses e escola viva de formação moral e social. Nestas condições, há que rever o sistema com urgência e decisão. O que está e tal como está, não vale a pena continuar. Suponho mesmo que não deve continuar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Ministro das Corporações, que com superior inteligência leva já feita uma obra notável de reorganização e ordenação no sector que ao seu talento foi confiado, logrará certamente encontrar para as Casas do Povo o segredo de uma vida operante. Confiemos no alto espirito de S. Ex.a
Mas as Casas do Povo, mesmo quando vierem a ter vida eficiente, não poderão por si resolver as graves crises que periodicamente assaltam o pobre trabalhador rural. Nestas crises impõe-se imperiosamente a intervenção do Estado, quer directamente, quer através das autarquias locais e outros organismos, promovendo a realização de obras que ocupem a actividade do trabalhador e lhe garantam salário justo.
Mas será só ao Estado que competirá dar solução ao problema?
Afirmá-lo seria certamente erro grave. A propriedade rústica, Sr. Presidente, tem uma função social a exercer e o seu detentor não pode, por quaisquer motivos, furtar-se ao exercício dessa função.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O nosso povo chama à propriedade rústica «fazenda», que vindo do latim facienda, significa simplesmente isto: está sempre a fazer-se.
Sendo assim, e de facto é, não é lícito ao proprietário manter-se passivamente no uso dos bens que Deus lhe confiou, mas incumbe-lhe como dever rigorosíssimo valorizá-los e fazê-los render ao máximo.
Assim o exige o bem da colectividade.
Quando o proprietário tem um conceito exacto da vida e uma consciência perfeita dos seus deveres e os cumpre com cristã fidelidade nunca falta pão e agasalho no lar do trabalhador dos seus campos.
Esse não foge da terra nem perde o contacto com os que o servem e sabe prevenir as crises de trabalho e proporcionar ao trabalhador fornia de ter assegurado o salário conveniente, embora isso lhe custe alguns sacrifícios - sacrifícios que nada serão em face dos que o pobre trabalhador tem de suportar.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Sobretudo a pequena e média lavoura vive uma vida toda feita de dificuldades e privações. Há que dar-lhe a mão para que ela também possa colaborar, por forma eficiente, nesta bendita obra de protecção ao trabalhador rural e realizar plenamente a função que também lhe cabe no conjunto da vida nacional.
Merece-o ela pelo seu admirável espírito de sacrifício e merece-o o pobre trabalhador rural que, entre os trabalhadores portugueses, é quiçá o mais prestimoso e o mais pronto na imolação de si mesmo.
Estamos precisamente no período mais grave e difícil para a vida do trabalhador dos nossos campos. Citemos o caso da nossa Beira, que é afinal o caso de quase toda a terra portuguesa. Terminada a safra da azeitona, onde irá o trabalhador, nesta quadra fria de Inverno, encontrar trabalho que lhe assegure o salário para o pão de cada dia? Será de admitir e de conformar que a fome e o frio invadam, implacavelmente, a sua pobre casa?
Recurso a assistência? Eu sei. Sr. Presidente, até onde vai a benemerente acção do Instituto de Assistên-
Página 362
362 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 69
cia à Família 110 seu empenho de acudir às mais prementes necessidades da pobre gente dos nossos campos, que por ser a menos protegida, é precisamente a que maior número de rasos aflitivos nos oferece.
Temos, porém, de reconhecer que, não pode a insistência suportar ilimitadamente o peso de tamanho encargo. De resto, não cabe à assistência assumir obrigações que a outros sectores pertencem.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É princípio assente que cada sector de actividade tem de manter os que a servem e lhe dão o vigor do seu braço. Perfeitamente justo.
Actividades há porém (e entre elas está a actividade agrícola em grande parte) que não podem, por si só, satisfazer a semelhante encargo. Pertence então ao listado intervir eficazmente com a sua acção supletiva.
Urge, pois, que intervenha, adoptando as indispensáveis medidas para dar remédio a uma situação que, som marcada injustiça, não pode nem deve prolongar-se. O que o Estado leva realizado no campo social é já obra notável. Importa prosseguir com fervor sempre crescente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: os problemas das diversas classes trabalhadoras andam de tal modo entrelaçados que não há possibilidade de dar conveniente solução a uns esquecendo ou menosprezando os demais.
Todos os problemas, por diversos que sejam, não constituem senão um só problema: o problema do homem na plenitude da sua dignidade.
Importa, pois, enfrentá-los no seu conjunto, na sua inevitável interdependência, procurando dar-lhes solução decisiva e segura.
Vive-se uma hora de ansiedade social. Uma sede ardente de justiça e de caridade domina e tortura as almas.
Vários sistemas tem surgido por ai, na ânsia de encontrar o bem-estar que está nos mais vivos anseios do coração humano. Todos estes sistemas, organizados à margem do Evangelho, falharam, triste e desastrosamente.
Só a Igreja oferece segura solução a todos os problemas fundamentais da vida. Â sua doutrina é verdadeiramente redentora.
Capitalista? Socialista? Nem unia nem outra coisa. Doutrina social simplesmente. Quer dizer: doutrina ao serviço exclusivo do bem comum e, consequentemente, ao serviço da felicidade do homem.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - Porque não nos decidimos, a partilha-la e a vivê-la plenamente?
Dos lábios e do coração de S. E. o Sr. Cardeal-Patriarca saiu há dias este brado vivamente sentido:
Não pode negar-se: a sociedade contemporânea não realiza o Evangelho ... E o que importa é viver o Evangelho na vida toda - vida individual, vida familiar, vida pública, vida económico-social.
Sr. Presidente: só com s doutrina do Evangelho, e inundados da sua luz, nos será possível ir ao encontro dos grandes problemas da Humanidade e dar-lhes solução conveniente e definitiva.
Não nos decidimos a fazê-lo e já, nós todos os que temos responsabilidades sociais? Serão esses mesmos problemas que desesperadamente virão sobre nós com estranhas e subversivas soluções, que importarão fatalmente a negação e morte da própria vida.
Exagero, Sr. Presidente?
Prouvera a Deus que o fosse!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Almeida Garrett: - Sr. Presidente: na primeira sessão da actual legislatura foram aqui debatidos tantos assuntos importantes que não quis começar, então, a desempenhar-me da obrigação que me impus, ao aceitar a candidatura a Deputado, de tratar alguns dos problemas de maior interesse nacional. É tempo agora de começar a cumprir esse dever, e principio pelo que se me afigura basilar para a subsistência e dignidade da Nação: o problema da protecção à família. Com inteira justiça foi essa protecção incluída na nossa Constituição, que assim lhe marcou o alto lugar a que tem pleno direito.
Vozes: - Muito bem !
O Orador:-O problema joga com tantos e tão diversos factores que a sua exposição, por mais condensada e esquematizada que ser possa, não se compadece com uma simples intervenção antes da ordem do dia. Daí o anúncio de um aviso prévio.
Sr. Presidente: sou dos que não tem o fetichismo da omnipotência do Estado na vida social. Sou dos muitos que entendem que as leis só verdadeiramente o são quando o público compreende a sua razão de ser e voluntariamente colabora na aplicação das respectivas disposições. Por este motivo, creio nas virtudes duma propaganda do valor nacional da instituição da família, para que todos se convençam de que a sua defesa constitui imperiosa necessidade pública.
Para essa propaganda não bastam as louváveis razões sentimentais em que geralmente se tem apoiado os defensores da instituição. Tem de assentar em dados concretos resultantes da análise de cada um dos vários problemas que foram o problema geral da defesa da família. Desses dados decorrem naturalmente as indicações para intensificar a sua protecção, tanto na parte que compete ao Estado, como na que deve pertencer a outras entidades e indistintamente a cada elemento da sociedade.
Na medida das minhas modestas possibilidades de há muito venho estudando o assunto. Seguramente não o apresentarei com condigna elevação, mas tenho a esperança de que para ele trarão valiosas achegas os meus ilustres colegas na Assembleia para cujo interesse por tão magna questão desde já apele.
Sr. Presidente: nesta ordem de considerações, envio para a Mesa uma nota de aviso prévio sobre a instituição da família, no qual pretendo:
1.º Salientar a importância da instituição familiar e particularmente a dos casais prolíficos para o futuro da comunidade nacional a fim de vincar a consciência da sua grandeza no espírito da população;
2.º Pela análise das condições morais e materiais da vida familiar portuguesa, nas cidades e nos campos, definir as necessidades essenciais de uma vida sã com o fim de circunscrever ao mais fundamental o estudo do assunto:
3.º Apresentar algumas sugestões derivadas das conclusões a que cheguei pela análise das aludidas condições, tanto no que respeita à consistência da unidade familiar, como à satis-
Página 363
20 DE JANEIRO DE 1955 363
fação dos imprescindíveis meios materiais devida, destacando a notável obra já realizada nestes dois aspectos, a qual pode ser ampliada e melhorada sem gravame para o Estado, ao qual é deplorável hábito tudo pedir, como se os cofres públicos fossem fonte inesgotável.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: porque a exposição dos temas que acabo de indicar, para serem tratados em todas as suas faces, embora sumariamente, excederia os limites dum aviso prévio, deixarei de lado agora o problema da habitação, que constituirá matéria para outro aviso prévio, a anunciar proximamente.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se á
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio relativo ao Código da Estrada.
Tem a palavra o Sr. Deputado Melo Machado.
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente e Sr s. Deputados : ao chegar a esta tribuna em período tão adiantado da discussão do problema que nos tem ocupado nestes últimos dias, não encontro já verdadeiramente pontos inéditos de que tratar.
E lembro-me, Sr. Presidente, de ter lido numa revista francesa, numa história anedótica da Assembleia Nacional desse mesmo pais, o seguinte caso: um jovem Deputado, em determinado momento da discussão de um assunto que lhe interessava, sentiu em si o entusiasmo e a coragem necessários para pedir a palavra.
Mas naquela Assembleia, que, como W. Ex.a sabem, é constituída por cerca de 600 Deputados, pelo seu processo naturalmente complicado e moroso, levou tantos dias a chegar a palavra ao novel Deputado que, ao ser-lhe concedida, perdera já o entusiasmo e, temeroso das consequências do seu acto irreflectido, levantando-se, disse: «Sr. Presidente: pedi a palavra para afirmar solenemente a V. Ex.ª que nunca mais tornarei a fazer semelhante coisa».
Ora eu, Sr. Presidente, tendo visto cair um a um os assuntos que poderia tratar na análise do Código da Estrada, teria de dizer a V. Ex.ª e aos Srs. Deputados que, por falta de assunto, desistia da palavra.
Mas não ficaria bem com a minha consciência se não desse ao meu ilustre colega Sr. Amaral Noto a solidariedade da minha actuação dentro deste debate, já que considero que S. Ex.ª trouxe a esta Assembleia um assunto que largamente interessa ao Pais e que o tratou proficientemente, com elegância, com espírito e com profundidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não quero também deixar de me referir ao discurso proferido pelo nosso colega Dr. Vasco Mourão, que, na parte jurídica que tratou, foi também um analista cuidadoso.
Todos os outros Srs. Deputados têm encontrado vários inconvenientes ao código que estamos discutindo. Tenho dito aqui tanta vez: porque se não ouvem os interessados? Efectivamente, que mal haveria em ouvir sobre estas leis, que implicam com a maioria dos habitantes deste país, as pessoas interessadas? Estou convencido de que, ao contrário, o ouvir os interessados só pode ser benéfico, porque quem conhece melhor os assuntos são os próprios interessados. Sabemos que eles defenderiam a sua causa com um pouco de exagero, mas esse mesmo exagero, escutado por pessoas imparciais, inteligentes e de bom senso, marcaria o rumo certo e a linha neutral mais conveniente.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Era moroso, era complicado, o sistema antigo de nomear uma comissão paru cada caso, e eu mesmo tenho-me insurgido aqui com o facto de haver comissões que levam anos a apresentar os seus trabalhos. Mas o Governo tem hoje meios paru evitar este mal, pois existe uma camará técnica - a Câmara Corporativa -, onde estão representados todos os interesses. E se esta lei tivesse ido a essa Câmara - que tem apresentado pareceres notáveis sobre outras leis-, certamente que ela não deixaria de elaborar sobre a mesma um estudo cuidadoso para impedir os erros e inconvenientes que se encontram neste código.
Lamento, portanto, que isso se não tivesse feito e que tenhamos de estar aqui a apontar o que se nos afigura errado ou inconveniente.
O nosso colega Sr. Dr. Amorim Ferreira disse que, afinal, apenas se tratava de coisas de pormenor. Mas nós não queremos deitar abaixo o código. Não é na generalidade que o atacamos, mas sim na especialidade, e neste particular direi que são muitos os pormenores em que temos divergido.
Contra esta lei se manifestou o Automóvel Clube, uma entidade séria, cujos conhecimentos especiais da matéria deveriam merecer toda a atenção. Também o Grémio dos Seguradores se manifestou sobre o assunto, porque os seguradores também encontraram, e com muita razão, a sua palavra a dizer. Também nós aqui, como representantes da agricultura, nos temos manifestado, bem como sobre o aspecto jurídico e outros.
O próprio Governo foi o primeiro a considerar má ou, pelo menos, incompleta a sua obra, visto que lhe trouxe emendas antes de ter começado a sua discussão.
Sr. Presidente: já aqui foi dito, com inteira razão, que o Governo teria prestado grande serviço ao Pais, publicando o Código da Estrada, se ele tivesse servido apenas como base de discussão.
Trata-se de um trabalho difícil pela sua complexidade, e, a toma-lo para base de discussão, teria a maior utilidade, permitindo que se lhe limassem as arestas e corrigissem os exageros. Então sim, teria merecido como tal os melhores louvores.
Tem-se falado aqui tanto no trânsito de gados que me dispensaria de abordar esse assunto se não tivesse uma posição marcada, desde há muito tempo, sobre o mesmo.
Entendo, Sr. Presidente, haver que distinguir entro o rebanho acidental e o rebanho normal e local. O rebanho acidental, que vem do Alentejo por exemplo, destinado ao matadouro, representa um processo anacrónico, anti-higiénico e antieconómico. É anacrónico porque não se usa em parte alguma; é anti-higiénico porque produz a disseminação de doenças; ú antieconómico porque produz a perda de carne ate à chegada do rebanho, através de longas caminhadas, ao local de utilização.
Mas, Sr. Presidente, é preciso considerar que este código diz respeito a todas as estradas do Pais, nacionais e municipais.
Com o que se encontra estabelecido pode dar-se o caso de a agricultura, que precisa de ter muito mais gado, se ver, por esse motivo, impedida de manter o que já
Página 364
364 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 69
possui, reduzindo-o, do que resultariam prejuízos imprevisíveis para a economia agrícola e para a economia nacional.
Vozes : - Muito bem, muito bem !
O Orador: - O rebanho que é obediente ao seu pastor não causa perturbações na circulação das estradas, pois foge delas, das de grande transito, aonde só vai em último caso, e, porque é obediente ao seu pastor, segue sempre pela berma da estrada.
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - O outro rebanho, o acidental, que traz apenas pseudocondutores, esse sim, que é francamente indisciplinado.
O Sr. Rui de Andrade: - E que quer voltar à sua terra.
O Orador: - Esse é indisciplinado e causa sérias perturbações no trânsito.
Resta saber, Sr. Presidente, se é preferível encontrar um rebanho, se uma dúzia. Por mim, prefiro encontrar um, porque a sucessão constante de rabanhos é que se apresenta trágica para quem conduz.
Felizmente, Sr. Presidente, que se alteraram algumas das disposições, que tinham o seu quê de ridículo, e o sen aspecto já melhorou, embora esteja longe de satisfazer. Mas estou absolutamente convencido de que, se tivesse ouvido alguém que percebesse alguma coisa de lavoura, essas medidas não tinham aparecido tais como eram nem talvez mesmo tais como estão.
Apoiados.
Há ainda outros aspectos, Sr. Presidente, a que não posso deixar de fazer referência, apesar de já se lhes terem referido vários lavradores. A exigência do artigo 54.º para licença de condução de carros de tracção animal não é razoável. Embora, com bom senso, tenham excluído os carros puxados por bois, esqueceram-se de que, se nalgumas regiões é o boi que faz o transporte, noutras são as muares, e esquecem-se ainda, Sr. Presidente, de que é rara a casa agrícola que não tem a sua carrocinha puxada por um burro ou por um macho, que faz os recados mais urgentes. Esquecem, sobretudo, Sr. Presidente, que já lá vão os tempos em que havia gente assoldadada que estava nas casas ganhando ao mês e hoje ganha á semana ou ao dia.
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - O trabalho que teria qualquer proprietário a andar constantemente na câmara municipal a tirar licenças em série para os diferentes trabalhadores que se sucedem em tais serviços!
O Sr. Amaral Neto : - Não são só as casas agrícolas, mas também as propriedades particulares situadas nos arredores de Lisboa, que vão ao mercado com a apanha do dia ou da semana, cujo transporte é feito em carros conduzidos por qualquer pessoa da família : o pai, a mãe, o filho e às vezes até a filha, que, para se munirem da carta de condução, teriam de despender dinheiro e tempo.
O Sr. Carlos Borges : - Sem esquecer que nos concelhos de Almeirim, Àlpiarça e outros todos os pequenos proprietários têm o seu carro puxado por um burro ou um macho, que às vezes tem de ser conduzido pela mulher ou pela filha do seu proprietário.
O Sr. Rui de Andrade: - E as mulheres não passam licenças!
O Orador:-Agradeço a VV. Ex.ª a confirmação que com as suas considerações trouxeram ao assunto, que parece não ter importância, mas que implica com a vida agrícola do nosso país, pois não devemos esquecer-nos de que somos um país agrícola e de que as leis têm de ser feitas para a comodidade de vida de todos.
VV. Ex.as desculpem se as minhas considerações forem descosidas. Resolvi abandonar, por saudade, o discurso escrito e verificar se, efectivamente, os meus nervos e as minhas faculdades de locução ainda eram capazes de exprimir a VV. Ex." as ideias que se produzem no meu pensamento. Sairá, certamente, o discurso menos correcto, menos agradável de ler, mas penso que, para traduzir a VV. Ex." as minhas pobres e modestas ideias, lograrei assim estar mais facilmente em contacto com VV. Ex.ª, prender-lhes melhor a atenção, se é que efectivamente a mereço.
Há no código verdadeiros exageros.
Chamo a atenção de VV. Ex.ª para o que se estatui no artigo 8.º do decreto que regulamenta o código. Diz ele que nas estradas que tiverem marcadas no meio uma linha divisória essa linha não deve ser pisada, sob pena dos tais 2005, que nós conhecemos, e sob pena também do que se dispõe no artigo 61.º, o qual estabelece que pode ser cassada a carta de condução.
Vejam VV. Ex.ª como o simples facto do pisar uma linha marcada na estrada pode determinar não só o pagamento de 2005 - que já ó pesado -, mas ainda o ver-se o motorista privado da sua carta de condução.
Costumo dizer que as leis não se fazem para cumprir com os pés, mas com a cabeça; ora, quando se trate de certas autoridades primárias, nunca se sabe qual das extremidades poderá ser posta em acção.
Suponho que, para legislar, uma das primeiras qualidades é ser-se humano, e ao falar de humanidade quero prestar a minha saudosa homenagem a um estadista desta situação em cuja actuação sempre reconheci esta alta qualidade.
Refiro-me ao Sr. Dr. Manuel Rodrigues.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Era um Ministro junto do qual se podia ir apresentar inclusivamente um caso particular, porque S. Ex.ª tinha no seu grande coração a bondade necessária para ouvir, para apreciar, para compreender e para procurar resolver dentro da lei, mas pela melhor maneira, os casos dignos de atenção que lhe eram apresentados.
Ser humano, ao legislar, quer dizer também respeitar os direitos legitimamente adquiridos.
Não é possível, nestes tempos de dificuldades materiais, fazer tábua rasa dos direitos legitimamente adquiridos, nem fazer inovações que podem causar a destruição do modo de vida de qualquer, e é por isso que se torna preciso ser humano para compreender essas necessidades, para compreender esses direitos.
Também chegou às minhas mãos a representação dos proprietários das escolas de condução.
Esses homens tinham organizado a sua vida dentro da lei vigente. Pois de um momento para o outro surgem estas disposições complicadas!
Peço licença para ler parte do artigo 43.º:
Todas as escolas deverão possuir um amplo compartimento contendo as peças indispensáveis à boa compreensão da mecânica do veículo automóvel, quadros elucidativos e planos ou plantas para problemas de trânsito.
Página 365
20 DE JANEIRO DE 1935 365
As salas das aulas não poderão ter superfície e cubagem inferiores, respectivamente, a 1,25 m2 e 3,5 m3 por aluno.
As janelas terão bandeiras móveis ou ventiladores, devendo estar dispostas por forma a permitir que os instruendos recebam a luz pelo lado esquerdo ou por este e pela retaguarda ou ainda pelos dois lados, direito e esquerdo, mas neste caso com maior intensidade do lado esquerdo.
Às escolas deverão possuir vestiários e as necessárias instalações sanitárias, nas quais se deverá sempre observar uma rigorosa higiene e um asseio perfeito.
A contravenção do disposto neste número será punida com a multa de 5.000$.
O que é que ó punido com a multa de 5.000$?
É não existir a sala? É não entrar a luz pela esquerda? É não estarem, as instalações sanitárias com irrepreensível asseio? É tudo isto que se pune com 5.000$?
Mas há mais! Os carros que essas escolas destinarem a instrução têm necessariamente de ter cinco lugares e 2,30 m entre eixos. O resultado é que a maior parte dos carros que hoje são destinados à instrução tom do ser postos de parte, e essa gente, se quer continuar a exercer o seu mister, tem de ir comprar outros carros; e não se lhe dá prazo nenhum, como se comprar carros fosse cousa tão fácil como comprar laranjas ou tangerinas.
O Sr. Rui de Andrade: - E se houver instruendos e instruendas?
O Orador:-Felizmente o código não fala na separação dos sexos.
O Sr. Amaral Neto: -V. Ex.º dá-me licença? Fui informado de que já desde o dia 3 deste mês tom sido recusados exames a pessoas que se não apresentam com carros que tenham os cinco lugares e os tais 2,35 m entre eixos.
O Orador: - Para instrução de pesados são necessários carros que pesem 8 t e tenham 7 m de comprimento.
Consequência: não haver instrução nem exames para pesados, por não existirem carros com as condições exigidas.
Esta falta de humanidade tem graves consequências para a vida, que essa, sim. é dura e inexorável. É preciso continuar a aprender-se a conduzir automóveis, porque são sempre precisos mais condutores de automóveis. Há pessoas que puseram nesse facto a esperança da sua vida e voem-se agora, por esta medida, privadas daquilo que para uns é o seu modo de vida, para outros a sua aspiração.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -Está isto bem ou mal? Para mim, acho que está péssimo. VV. Ex.ª dirão o que entenderem.
Sr. Presidente: quando se lê atentamente este código e em cada artigo se vêem surgir os 200$ de multa, parece que houve a intenção de o transformar numa medida de rendimento financeiro. E não me parece bem, porque não creio que, apesar da desvalorização da moeda, 200$ não sejam suficientemente pesados para os estar a distribuir com tanta generosidade.
Não acho vantagem em que a lei tenha este aspecto, e se é evidente ser indispensável que as faltas tenham as suas sanções, muitas vezes sucede que. quando estas são pesadas do mais, isto concorre para que a lei se não aplique.
Numa palavra, este código para m i m aparece-me como um grito contra o automobilista. O automobilista, eis o inimigo, e todavia o automóvel não é hoje um luxo, mas sim um instrumento de trabalho indispensável para a vida de cada um.
É certo que o movimento ó muito grande e que é indispensável discipliná-lo. Mas é também certo que, enquanto o número de carros subiu de 50 por cento, o número de desastres subiu somente de 12 por cento.
E nós podemos ter a pretensão do que não haja desastres? Eu pergunto se, numa multidão apenas de pessoas, sem automóveis, não acontecem também desastres.
Pergunto: se fosso possível idealizar que este movimento se fizesse com carros puxados a cavalo, o que é que não sucederia? Havia que contar não só com o temperamento do cocheiro como também com as más disposições dos cavalos.
Suponho, pois, que uma coisa é consequência da outra, e, uma vez que todos precisamos de andar depressa, fatalmente que hão do existir desastres. De resto, creio que neste código a brandura em relação ao peão está inversamente proporcional à dureza que existe com relação ao automobilista.
Suponho que a discussão que a este respeito se tem feito aqui poderá porventura ter incomodado algumas pessoas ou os autores do código, que, aliás, não são conhecidos. Mas só quem não conhecer o espirito com que se trabalha nesta Assembleia, que nunca é o de ataque, mas sim o de colaboração e o de desejar dar a nossa contribuição para se conseguir que as leis fiquem tais como devem ser, para correspondermos aqui às ansiedades do público, que não tem outra forma de expressão senão aquela que nós aqui lhe damos, é que se pode sentir atingido com aquilo que aqui se tem dito.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Nós o que desejamos e que esta lei seja justa e humana, e suponho que não podemos ser censurados por isso, tendo até a esperança de que o Governo examinará e atenderá as observações que aqui tom sido feitas no sentido de se conseguir transformar esto código, de uma coisa gravosa que é, numa lei que todos possam aceitar e compreender.
Não exclui isto que não compreendamos a necessidade, que todos nós sabemos existir, de vir a ser por vezes contundente.
Se isto assim não sucedesse, o automobilista seria o primeiro sinistrado em consequência desta lei, e com resultados do que só muito dificilmente se poderia desenvencilhar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentada.
O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: no ano passado, aquando duma ligeira intervenção minha sobre reformas de justiça -e é possível que dentro de dias volte ao assunto-, tive ocasião de cumprimentar V. Ex.ª e os meus ilustres colegas. Por isso, peço dispensa de novos cumprimentos.
Nos tribunais também assim sucede; saúda-se o juiz apenas quando se trabalha com ele pela primeira vez.
Por isso me abstenho de novas saudações a V. Ex.ª e à Assembleia, mas sempre afirmarei que V. Ex.ª continua a nobre tradição dos Presidentes-Reis.
Vozes: - Muito bem !
O Orador:-Sr. Presidente: nada venho ensinar, e apenas expor algumas dúvidas que tenho ante o Código
Página 366
366 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 69
da Estrada e o Decreto n.º 39 929, de 24 de Novembro último, que alterou algumas disposições daquele diploma, na esperança de que elas me sejam esclarecidas por quem me escuta.
O Sr. Melo Machado: - Há-de ser um bocadinho difícil ...
O Orador: - Aquele diploma, do qual foram aqui salientadas algumas vantagens, sendo certo que possui muitas outras que só a escassez de tempo me impede de fazer avultar, foi publicado em suplemento ao Diário do Governo de 20 de Maio de 1954, mas distribuído bastante tempo depois.
É um diploma com alguma extensão; e, logo que foi promulgado, as criticas choveram. Eu ouvi dizer tanto mal dele que formei o vago projecto de, a ser exacto o que se afirmava, logo que a Assembleia reabrisse, apresentar um projecto de lei, de cuja sorte me desinteressaria, pedindo a suspensão do código, porque, a dar ouvidos àqueles rumores, o diploma não devia continuar em vigor.
Todavia, antes de tomar qualquer decisão, fiz o que naturalmente estava indicado: estudei o código. E, porque esperava encontrar uma coisa monstruosa e sem conserto, repito, a minha impressão não foi tão má como as criticas me faziam supor.
É certo que no novo código havia passagens mais próprias de um manual ou tratado de condução do que de textos legais, que devem impor- se pela sobriedade, não carecendo o legislador de justificar as razões dos preceitos.
Todavia, expurgado o mesmo de algumas disposições mais chocantes e supridas certas lacunas derivadas da falta de uma revisão cuidadosa e feita por entidade competente (como a Camará Corporativa), o diploma poderia tornar- se aceitável, embora sofresse sempre do mal de origem e ser vazado em moldes germânicos.
Numa revista jurídica que dirijo resumi as principais alterações feitas no regime anterior, anotando algumas disposições que não estavam certas.
E pouco mais farei do que repetir o que então disse.
Não pude assistir ao discurso do Sr. Deputado Amaral Neto, mas, tendo-o lido apenas no Diário das Sessões, verifiquei que se trata de um trabalho elevado e profundo.
Já aqui se disse que um ilustre professor considerou o diploma que estamos discutindo como muito imperfeito sob o aspecto técnico.
Cuido que essa crítica visará o sistema adoptado. O código tem setenta e dois artigos, que equivalem a algumas centenas, dando esta ideia, que me parece corresponder à realidade : havia um projecto que constava de alguns centos de artigos pequenos e claros, com as regras no corpo de cada artigo e as excepções nos parágrafos.
Mas teria sido ponderado ao Sr. Ministro (por cujas altas qualidades eu tenho a maior consideração e que a todas elas junto a de ser meu conterrâneo) que já não se usavam leis assim, tornando-se indispensável fazer um código á alemã, com artigos muito compridos ...
Dai resultou que naqueles setenta e dois artigos se concentrou matéria de algumas centenas; e, como era inevitável, houve preceitos que ficaram deslocados ...
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dê-me licença só para uma observação.
Julgo que precisamente aquilo de que não pode acusar-se o código é o de ter adoptado no seu aspecto formal a orientação germânica, pois esta, em matéria de leis, é excessivamente técnica. As leis na Alemanha são para ser lidas e entendidas por juristas.
Ora a impressão que me deixo a leitura do código foi a de uma grande preocupação no sentido de não empregar nele um vocabulário excessivamente técnico-juridico, mas, porque dirigido à massa da população portuguesa, um vocabulário corrente e fácil, para ser lido e entendido por todos.
De resto, isto é expressamente dito em certo passo do relatório.
Assim, interpreto as palavras do professor de Direito, por quem tenho a maior consideração, a que se aludiu como significando que o código é imperfeito no ponto de vista formal e no aspecto técnico-juridico. Mas é assim muito de caso pensado, porque se quis que fosse assim, como, já disse, se afirma no relatório.
O Orador:-V. Ex.ª acha que as expressões a travão de serviços e «travão de estacionamento» não são técnicas?
No entanto, elas lêem-se no artigo 32.º, n.º 2.º
Em linguagem corrente fala-se apenas de travão de mão e de travão de pé.
Mas, como os motociclos também são considerados veículos automóveis - artigo 27.º, alínea c)-, parece que aqueles têm de possuir os dois sistemas de travões.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Quando fulo de linguagem técnica quero dizer linguagem técnico-jurídica; não é a distinção entre uma ou outra fórmula que se torna preciso empregar necessariamente quando se trata de problemas técnicos; então é a técnica correspondente ao problema de que se trata.
Quanto aos artigos muito compridos, com números em vez de parágrafos, não discuto o gosto de V. Ex.a; afirmo, no entanto, que é a técnica já adoptada mais de uma vez pela Camará Corporativa e por esta Assembleia. E não pode dizer-se que naquela Câmara não haja pessoas qualificadas para dar orientação em problemas de técnica legislativa.
O Orador: - É muito mais difícil citar um artigo que tenha dez ou doze números, cada um com várias alíneas, do que citar um artigo que tenha, além do seu corpo, alguns parágrafos.
O defeito que aponto na redacção do Código da Estrada não é, propriamente, e da redacção, mas o do sistema.
Não me bato pela redacção das leis por forma que elas sejam inacessíveis às mansas e muito menos poderia faze-lo tratando-se de um diploma em que há partes que têm de ser estudadas por aqueles que pretendam obter a carta de condução.
No entanto, sempre direi que considero inconveniente que se fuja à técnica jurídica para se cair numa outra tecnologia, porventura menos acessível que aqueloutra.
O Sr. Mário de Figueiredo: - É um problema discutido o de saber se as leis, de um modo geral, devem ser redigidas em linguagem de jurista, em linguagem técnico-jurídica, ou se devem ser redigidas em linguagem corrente, facilmente compreensível pela massa da população ; eu, em principio, sou pela linguagem técnico-jurídica, que suponho susceptível de maior certeza nas soluções. Em princípio ...
O Orador: - Prefiro as leis acessíveis a todos, mas segundo a velha tradição portuguesa e latina. Este código ó, sob certos aspectos, um tratado da circulação
O Sr. Mário de Figueiredo: - É um regulamento.
O Orador: - Perdão! Não é um regulamento. Esse apenas foi aprovado pelo Decreto n.º 39 987, de 22 de Dezembro último.
Página 367
20 DE JANEIRO DE 1955 367
Ora, de duas, uma: ou o Código da Estrada continha já a parte regulamentar - e nessa hipótese compreendia-se que o mesmo fosse um diploma extenso-, ou aquele apenas tinha as regras fundamentais do trânsito e das situações jurídicas emergentes do mesmo, deixando-se para o regulamento tudo o que fosse acessório e complementar.
Se o código é em si próprio um regulamento, como compreender que tenha de ser regulamentado.
O Sr. Mário de Figueiredo: - A observarão não me toca.
Por mim não considero ridículo, ao contrário do que ouço, o facto de se dizer que os assentos devem estar desta ou daquela maneira e que a luz nas escolas de condução deve vir do lado esquerdo, como se diz no regulamento.
O que pode parecer ridículo é que ainda se torno preciso regular no nosso pais o ambiente de uma escola, porque devia pressupor-se que já não haveria nenhuma escola sem esse ambiente que agora se estabelece para as de condução.
O Orador:-Eu não falei a esse respeito. V. Ex.ª está a objectar sobre ponto que não versei e a que aludiu o nosso ilustre colega Melo Machado.
O Sr. Amaral Neto: -É uma questão de tempo de permanência na escola.
O Orador:-Uma das coisas que no código mais impressionaram toda a gente foi o artigo 59.º, que pune com prisão maior de quatro a oito anos, quando não lhe corresponder pena mais grave, o condutor que cause a morte a alguém quando conduza em estado de embriaguez completa ou incompleta e o acidente resulte de falta de destreza, atenção ou segurança proveniente desse estado ou de excesso de velocidade ou de manobras perigosas, nos termos da parte final do artigo 61.º, n.º 1.º, e o condutor deva ser julgado habitualmente imprudente.
Essa penalidade não podia deixar de considerar-se excessiva, pois o homicídio involuntário que alguém cometa, ou de que seja causa por sua imperícia, inconsideração, negligência, falta de destreza ou falta de observância de algum regulamento, é punido pelo artigo 368.º. do Código Penal com prisão de um mês a dois anos e multa correspondente.
Ora, no caso do artigo 59.º, alínea b), mesmo que não se trate de condutor habitualmente imprudente, a pena é de prisão não inferior a um ano, além da multa.
Todavia, embora violento, o artigo 59.º compreendia-se.
O mesmo punia o homicídio involuntário praticado por automobilistas por forma particularmente grave.
Ao voluntário correspondia, pelo artigo 349.º do citado código, a pena de oito anos de prisão maior celular, seguida de degredo por doze, ou, em alternativa, a pena fixa de degredo por vinte e cinco anos, sendo certo que, pela nova redacção dada ao Código Penal pelo Decreto-Lei n.º 39 688, de 5 de Junho de 1954, não há pena de degredo.
O que não se compreende é que o artigo 5.º do já referido Decreto-Lei n.º 39 929 não considere abrangidos pelas alíneas do artigo 59.º do Código da Estrada os crimes meramente culposos.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Nem depois da leitura da nota?
O Orador: - A nota oficiosa não pode explicar o que é inexplicável.
Já acentuei que com um automóvel se pode praticar homicídio voluntário, atirando o carro para cima da vítima.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Como se lhe tivesse dado um tiro!
O Orador:-Exactamente. Mas os casos do artigo 59.º são de homicídio involuntário, por natureza meramente culposo.
Se esse artigo não se aplica aos crimes culposos, eu gostava que V. Ex.ª me dissesse a quais se aplica.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu francamente não digo nada. Está esclarecido na nota.
O Orador:-Li a nota, mas não tenho presente a explicação dada nesse ponto. Não vejo, porém, forma de sair desta situação: não se aplicar o artigo 59.º aos crimes culposos quando não há crime doloso.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Na nota está feita, n descrição, que vem em qualquer página de sebenta.
O Orador:-Nunca estudei por sebentas.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu estudei e ajudei a fazê-las.
O que V. Ex.ª pretende que eu esclareça está na nota e na sebenta.
O Orador: - A nota não vem no Diário do Governo e não obriga ninguém.
O Sr. Mário de Figueiredo: -É certo; mas esclarece o que V. Ex.ª diz não perceber. Ora eu compreendo que não concorde com a doutrina; mas não compreendo que não perceba a doutrina que está na nota.
O Orador:-Eu aludi à nota apenas para salientar que ela desiludiu aqueles que supunham que o Governo estaria disposto a rever todo o Código da Estrada e a corrigir tudo aquilo que não estivesse certo. Afinal, as alterações operadas são insignificantes e não satisfazem as justas reclamações formuladas contra o código.
Nem a nota, repito, pode ter o efeito de alterar diplomas publicados no Diário do Governo.
O Sr. Melo Machado: - Mas o que é que vale nos tribunais: é a nota ou os artigos da lei?
O Orador: - É, evidentemente, o Diário do Governo. E, como verifico que ninguém me explica a minha grave dúvida, passo adiante.
Um dos pontos mais importantes do código o um dos poucos a que se refere o relatório ó o que respeita à responsabilidade civil.
Naquele relatório diz-se que não se estabeleceu o seguro obrigatório por razões insuperáveis de ordem económica, pois a obrigatoriedade do seguro exigiria a reorganização de toda a indústria.
Numa exposição dos industriais de seguros que veio publicada no Diário das Sessões diz-se que essa indústria está preparada para fazer tal seguro; depois de publicado o decreto de 24 de Novembro, o Governo consultou a Câmara Corporativa sobre um projecto de decreto-lei em que se mantém o regime do Decreto n.º 21087, de 14 de Abril de 1932, declarando-se obrigatório o seguro antes da hipoteca do veiculo.
É certo que, nessa hipótese, o seguro pode limitar-se ao montante da hipoteca, enquanto o seguro obrigatório deveria abranger todos os riscos, sendo certo que o
Página 368
368 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 69
artigo 56.º, n.º 2, apenas estabelece o limite de 200 contos pura o acidente derivado de caso fortuito inerente ao funcionamento do veiculo.
No regime do código revogado era aquele o máximo da indemnização, excepto quando se provasse intenção criminosa do responsável.
Embora o limite devesse actualizar-se, não concordo com a ilimitação da responsabilidade resultante de mera culpa do condutor.
Conquanto eu não tema que os nossos tribunais fixem indemnizações astronómicas, o certo é que o seguro dificultado pela ilimitação.
Lembro também que o tribunal deveria ter a faculdade de, em vez de fixar quantia certa, arbitrar à vítima ou aos seus sucessores uma pensão, pois esta garantiria melhor a subsistência dos autores da acção.
Esta ideia foi lançada há anos pelo Dr. Arnaldo Pinheiro Torres, distinto advogado, que se tem devotado ao estudo de problemas estradais e de seguros.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O sistema da indemnização única, se pode convir quando a vitima seja pessoa abonada, à inconveniente quando a mesma careça de meios de subsistência, até porque nem toda a indemnização chegará as mãos das pessoas com direito a ela.
É do domínio público que se fazem contratos quota litis, que, embora proibidos pelo Estatuto Judiciário, nem por isso deixam de ser frequentes.
A solução que proponho seria tanto vantajosa quanto é certo que há acidentes que são simultaneamente de viação e de trabalho. É o caso do empregado por conta de outrem que é vítima dum atropelamento quando em serviço. A vítima não pode receber as duas indemnizações e o patrão fica sub-rogado nos direitos da vítima contra o responsável pelo sinistro.
Portanto, haveria toda a vantagem em harmonizar o regime dos dois acidentes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quero agora abordar um ponto que reputo da maior importância - o da não reprodução da alínea e) do artigo 138.º do código velho, que permitia penhora na meação do responsável pela indemnização de perdas e danos quando ele fosse casado, ainda que o outro cônjuge não estivesse obrigado.
Se a vítima tiver a infelicidade de ser atropelada por um automobilista casado, nada recebe enquanto subsistir o casamento. De que vale o artigo n.º, n.º 9, estabelecer privilégio imobiliário especial sobre o veiculo, se este for comum?
Notarei ainda que tal privilégio não vem enumerado no projecto do decreto-lei a que aludi, não mencionando o artigo 11.º esse privilégio entre os que taxativamente enumera.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª não acha estranho que para uns casos se entenda que a indemnização não tenha limite e para outros casos, como ó o transporte de passageiros em comum, essa indemnização esteja reduzida a 40 contos apenas?
O Orador: - É claro que as duas disposições não se harmonizam.
O Sr. Melo Machado: - A verdade é que num caso n indemnização ó ilimitada, mas noutro caso é limitadíssima.
O Orador: - Um caso muito discutido é o que respeita à responsabilidade para com as pessoas transportadas gratuitamente; devo dizer que neste ponto não estou de acordo com a exposição dos industriais de seguros.
A disposição actual é idêntica à do artigo 141.º do revogado Código da Estrada, na vidência do qual eu sustentar, de acordo com a jurisprudência hoje dominante, que o condutor não tinha responsabilidade objectiva, e apenas a que resulta da aplicação das normas do Código Civil.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Na 3.ª alínea do artigo 56.º, n.º 1, reproduz-se a 2.ª alínea do artigo 138.º do código velho, com a simples actualização do diploma para que se remete; em vez do artigo 9.º e alínea do Decreto n.º 5637, de 10 de Maio de 1919, menciona-se agora o artigo 16.º da Lei n.º 1942, de 27 de Julho tio 1936.
Persistirão, assim, as dúvidas suscitadas nos tribunais, pois, enquanto alguns a restos reconhecem direito a indemnização apenas ao viúvo, outros julgam que os filhos também à mesma têm jus.
Não vejo forma de se defender esta última opinião, desde que o cônjuge figura naquele artigo 16.º antes dos filhos e a lei manda respeitar a ordem aí indicada.
O caso de acidente provocado por menor também não é líquido.
Sabe-se que há pais que - com culpa in vigilando - abandonam os filhos menores nas estradas.
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª manda os peões para os caminhos paru se livrarem do pó da estrada! Há aqui uma certa animadversão a respeito dos peões. Ouço dizer constantemente que realmente o código foi feito contra os automobilistas, a favor dos peões. Parece que todos somos automobilistas; estamos todos muito indignados contra os peões, isto é, contra os pobres.
O Sr. Melo Machado: - Conta os que causam os desastres, quer sejam ricos ou pobres.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas que não têm o «instrumento de trabalho», como V. Ex.ª disse, por causa do qual só ó responsável, só porque se possui. Eu protesto contra esta maneira de falar dos automobilistas contra os que não têm automóvel, contra esta maneira de tratar os peões e os pobres.
O Sr. Melo Machado: - Até mesmo quando os peões vêm de encontro aos automóveis?
O Sr. Mário de Figueiredo: - Não há ninguém que vá de encontro aos automóveis, a não ser para se matar.
O Orador: - Mas tem havido mães que atiram os filhos para debaixo dos automóveis.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Há muito quem se suicide debaixo de um comboio e talvez também dos automóveis, mas não são dos tais pobres que «escusam de andar pelo pó das estradas» e devem andar pelos caminhos onde não há senão o pó feito por eles e pelo gado.
O Orador: - Acerca da competência do tribunal criminal para fixar a indemnização civil muito haveria a dizer. A situação anterior à do novo código nesta matéria, se bem penso, era a seguinte: quando o condutor era o próprio dono, nada obstava a que a indemnização fosse fixada no tribunal criminal. De contrário, apenas podia sor estabelecida no tribunal civil.
Página 369
20 DE JANEIRO DE 1955 369
Daí resultavam, por vezos, decisões divergentes.
No entanto, impressiona que o responsável civil possa ser compelido a intervir no julgamento criminal e que o juiz do processo crime tenha de julgar unia causa eivei mesmo quando absolva o responsável. Mas não me alongo a este propósito, tanto mais que o problema foi doutamente versado pelo ilustre Deputado Dr. Vasco Mourão.
E sob este aspecto, a concentração num único tribunal é manifestamente vantajosa, pois evita esta dissonância de ir pedir a um tribunal cível uma indemnização para um caso já julgado por tribunal criminal, em quo se fixou indemnização diversa.
Houve quem achasse escandaloso que o Sr. Deputado Amaral Neto tenha dito que, se o Governo não modificasse o que estava, poderíamos nus fazê-lo, e houve ato quem comparasse essa coarctada com uma coisa semelhante que há anos se passou: ter o Governo modificado uma lei da Assembleia poucos dias depois de ela ter sido publicada.
Eu acho que a afirmação nada tem de revolucionaria, representando apenas a reivindicação dos nossos direitos constitucionais, pois nós podemos modificar aquilo que não estiver bem.
E repito: depois do que aqui se disse serenamente e sensatamente, estou convicto em absoluto de que o Governo certamente modificará o que não estiver certo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Amaral Neto: - Permita-me V. Ex.ª, Sr. Deputado Sá Carneiro, que a propósito dessas suas últimas palavras frise uma nota que, aliás, já tinha em mente para a primeira oportunidade.
A minha frase, a que V. Ex.ª se referiu, foi tomada por algumas pessoas - poucas, felizmente - como a proposição do segundo termo de um dilema que a Assembleia devesse tornar imperativo.
Não foi nesse espirito que a proferi, e V. Ex.ª poderá verificar que, até pelo tempo da conjugação verbal, ela não passa de uma sugestão, de um voto pessoal, do qual, todavia, não encontro razões para alterar um só ponto ou uma só palavra.
Se o dilema surge fácil a muitos espíritos, será por reconhecerem que a única saída dele não é a que pode desejar-se.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. O debate continuará amanhã, cuja sessão terá a mesma ordem do dia que estava dada para a de hoje. Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 40 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Calheiros Lopes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Paulo Cancella de Abreu.
Rui de Andrade.
Tito Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Afonso Cid dos Santos.
João Maria Porto.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José doa Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Mana da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Marques Teixeira.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA