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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 73
ANO DE 1955 27 DE JANEIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.º 73, EM 26 DE JANEIRO
Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mos Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Mondes Correia requereu informações sobre os trabalhos da Junta de Energia Nuclear.
O Sr. Presidente informou que recebera da Presidência do Conselho, para efeito do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Decreto-Lei n.º 40 045.
O Sr. Deputado Pinto Cardoso referiu-se ao decreto publicado em 27 de Dezembro sobre- a legislação do trabalho.
O Sr. Deputado Pinto Barriga falou sobre o caso dos professores da Faculdade de Medicina de Lisboa demitidos em 1947 por motivos políticos.
Ordem do dia. - O Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu começou a efectivar o seu aviso prévio sobre as problemas ritivinícolas, ficando com a palavra resercada.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 18 horas e 20 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 16 horas e l5 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Heis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Américo Cortês Pinto.
Antão Santos da Cunha.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
António dos Santos Carreto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto Duarte Henriques Simões
Baltasar Leite Rebelo de Sousa.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Eduardo Pereira Viana.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
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Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Lufo de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Finto Cardoso.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Venâncio Augusto Deslandes.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 77 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: -Vai ler-se o
Expediente
Ofícios
Da Liga Portuguesa de Profilaxia Social, a apoiar as palavras do Sr. Deputado Russel de Sousa respeitantes à compra pelo Estado da casa onde nasceu o infante D. Henrique.
Do Grémio da Lavoura de Abrantes, Constância, Sardoal e Mação, a felicitar o Sr. Presidente da Assembleia Nacional pela maneira desassombrada e construtiva como foi discutido o novo Código da Estrada.
Do Grémio da Lavoura do Crato, a dar inteiro apoio à revisão das disposições do citado código.
O Sr. Presidente:-Tem a palavra, para um requerimento, o Sr. Deputado Mendes Correia.
O Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Desejando informar-me sobre o labor já desenvolvido, no que respeita a algumas das suas atribuições legais, pela Junta de Energia Nuclear e pela Comissão de Estudos de Energia Nuclear do Instituto de Alta. Cultura, criadas pelo Decreto Lei n.º 39 f>80, de 29 de Março de 1954, requeiro que. por aquela Junta e pelo referido Instituto, me sejam fornecidos os seguintes elementos:
1.º Nota do estado de adiantamento de trabalhos para a protecção das populações civis contra ataques atómicos [alínea k) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 39580];
2.º Indicação dos cursos de aperfeiçoamento realizados, em realização ou em projecto [alínea d) do mesmo artigo];
3.º Nota de trabalhos de divulgação levados a efeito nos termos da alínea e) do citado artigo;
4.º Indicação do que se fez para cumprimento do artigo 19.º do mesmo decreto-lei (revisão do plano de estudos de algumas escolas superiores, no sentido da inclusão naquele plano de matérias de física nuclear, radioquímica, electrónica e suas aplicações);
5.º Nota de missões de estudo e de prospecção levadas a efeito nos termos da alínea f) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 39 580;
6.º Nota dos centros de estudo criados ou em projecto e das bolsas de estudo concedidas nos termos do artigo 14.º do mesmo decreto-lei;
7.º Indicação do que se fez já para cumprimento do § único do dito artigo 14.º (entendimento com a Junta de Investigações do Ultramar para extensão ao ultramar da acção do dito decreto-lei);
8.º Quaisquer outros elementos que doem a medida dos esforços desenvolvidos para organização e coordenação de trabalhos de investigação cientifica nas matérias indicadas.
Requeiro ainda que pela Junta de Energia Nuclear me seja fornecida indicação dos objectivos visados pela Portaria n.º 13 026, de 8 de Setembro de 1954, sobro a aparelhagem existente ou a importar de detecção e pesquisa radioactiva, do número de autorizações já solicitadas, do número das concedidas e, bem assim, se está já organizada alguma lista de cientistas e técnicos nacionais idóneos nas matérias acima referidas».
Tenho dito.
O Sr. Presidente:-Encontra-se na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho, para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Diário do Governo n.º 18. de 22 do corrente, que insere o Decreto-Lei n.º 40 045.
Encontram-se também na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Economia em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 11 do corrente pelo Sr. Deputado Pinto Barriga, a quem vão ser entregues.
Estão ainda na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das Obras Públ cas em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 12 do corrente pelo Sr. Deputado Augusto Simões.
Informa o citado Ministério de que os elementos referentes a abastecimento de águas por fontanários não são enviados juntamente em virtude de se estar a proceder à sua conclusão.
Os elementos enviados vão ser entregues aquele Sr. Deputado.
Também se encontram na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Economia em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 27 de Dezembro do ano findo pelo Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu.
Informa o citado Ministério de que os elementos enviados referem-se às áreas das brigadas e que estas não
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coincidem com as das províncias ou as dos concelhos a que se refere o mencionado requerimento, a não ser no caso da Beira Litoral, pelo que a satisfação completa do requerido só com demorado trabalho de compilação durante alguns meses e com grande prejuízo para os serviços normais seria possível.
Os elementos enviados vão ser entregues ao Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu.
O Sr. Pinto Cardoso: - Sr. Presidente: pedi a palavra para me referir ao Decreto-Lei n.º ;39 993, que foi publicado no Diário do Governo n.º 288, de 27 de Dezembro último.
Ainda que em muito breves palavras, não quero deixar de salientar a oportunidade das providências que agora se tomam, no sentido de reprimir abusos que repetidamente se vinham verificando na falta de cumprimento de alguns preceitos da legislação sobre o trabalho e nas infracções das disposições que impõem o descanso dominical e a cessação do trabalho nos dias feriados.
Já o nosso ilustre colega Sr. Engenheiro Furtado de Mendonça, na sessão do 10 deste mês e durante o debate sobro o Código da Estrada, referiu, em breve apontamento, quão prejudicial se tornava a realizarão nos meios rurais e nas manhãs dos domingos de competições desportivas, que, assim, contribuíam para um menor interesse dos crentes menos fervorosos no cumprimento do preceito dominical.
O mesmo assunto fora também objecto de clara e brilhante exposição feita à Câmara na última sessão legislativa, em 13 de Janeiro do ano findo, pelo mesmo Sr. Deputado, que então terminou a sua intervenção fazendo um apelo ao Governo para que fosse encontrada a solução adequada.
Essa solução chega agora através do já citado decreto-lei e em ocasião em que vinham avolumando-se as notícias de desrespeito à lei, especialmente nos meios rurais, onde, mercê da falta de fiscalização ou do seu pouco interesse, ou ainda por uma má compreensão dai leis, os abusos têm sido constantes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Entre tantos refiro apenas um caso sucedido no último 1.º de Dezembro -feriado nacional - em certa localidade do Alentejo, em que um agente da autoridade consentiu que os operários trabalhassem até ao meio dia e os estabelecimentos comerciais estivessem abertos até essa mesma hora.
Isto é: naquele dia, ou, melhor, naquela manhã, à lei do País sobrepôs-se a lei da autoridade.
Mas não é só no Alentejo que os casos se verificam; por todo o nosso Portugal, de norte a sul, nas suas aldeias, vilas e cidades é vulgar não se cumprirem as disposições do artigo 2.º da Lei n.º 2059, de 1948, que determina ser o domingo o dia de descanso semanal em todo o País.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Também letra morta tem sido o disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 38 596. do 1952, que determina a obrigatoriedade da cessação de todas as actividades no dia da Festa Nacional e nos dias santificados pela Igreja Católica, os quais, pelo artigo 2.º deste mesmo decreto-lei, são considerados como feriados.
E, afinal, não são tantos, nem os domingos nem os dias santos, cujo preceito de os respeitar influa nas exigências do trabalho. Respeitando tais dias mais braços poderão ser utilizados nos trabalhos dos dias úteis.
Já no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 24204, de 24 de Agosto de 1934, se fazia referencia ao descanso semanal como revestindo, no conjunto do problema encarado, um dos aspectos graves a considerar, afirmando-se nada justificar a sua inobservância - nem razões de ordem económica, nem razões de ordem social.
São do preambulo do mesmo decreto as seguintes palavras:
Antes se deve concluir que é um triste espectáculo o que ultimamente se tem oferecido, sobretudo no âmbito das grandes cidades, deixando trabalhar ao domingo a construção civil e outros serviços de importância.
Não abunda o trabalho em termos de se aconselhar tão febril actividade. Por isso se tende a dificultar o trabalho ao domingo.
Pois, Sr. Presidente o Srs. Deputados, estas palavras de há vinte anos tom ainda actualidade, porque tais trabalhos continuam a verificar-se nos domingos e dias santos, e até no âmbito desta nossa grande cidade de Lisboa, como tenho tido ocasião de observar.
É na verdade um triste espectáculo!
Sc as coisas se passam assim na capital ou junto doa seus limites, o que não acontecerá onde a fiscalização tem menos possibilidades de actuar?
Permitam-me ainda dois pequenos apontamentos referentes especialmente aos meios rurais: a possibilidade de libertar as manhãs dos domingos às actividades que têm o seu descanso obrigatório às segundas-feiras, permitindo-se a patrões e empregados o cumprimento dos seus deveres religiosos; a necessidade de se cumprir a lei nos condicionamentos sobre a localização das tabernas e a fiscalização do horário de trabalho nestes estabelecimentos, que, sem interrupção, vêm trabalhando das 7 às 22 horas ou até às 24 horas quando possuidoras de licença de café.
Vozes: - Muito bem !
O Orador:-Vou terminar, Sr. Presidente.
Da leitura atenta do Decreto-Lei n.º 39 993 e da sua comparação com o que se dispõe no Decreto-Lei n.º 24 402 tira-se a conclusão de um agravamento substancial de multas no que diz respeito às infracções à legislação sobre o trabalho e de uni aumento ainda mais sensível quando se trata de infracções às disposições que impõem o descanso semanal aos domingos e a cessação nos dias feriados das actividades não permitidas por lei naqueles dias.
Consideram-se como necessárias as medidas agora tomadas.
Porém, julgo ainda mais instante a necessidade de se intensificar a fiscalização, porque, segundo creio, sem que tal se verifique pouco resultará de útil para se alcançar o fim que se tem em vista.
Penso ainda que, se a fiscalização não tivesse afrouxado ou deixado de existir, ou ainda se lhe tivessem sido dados os meios necessários que a tornassem eficiente, talvez se tivesse podido evitar o agravamento, agora verificado, das penalidades.
Mas importa, acima do tudo, registar a louvável intenção do Governo, que, sem sombra de dúvida, merece, pela sua actuação, a gratidão de todo o Portugal católico.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Na verdade, era tempo de se pôr cobro ao rumo que as coisas iam tomando.
Se a Cruz de Cristo sempre nos acompanhou nas horas boas e nas horas más; se tradicionalmente é o
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símbolo de um Portugal que quer continuar a elevar-se na sua fé em Deus; se, ainda, e segundo a Constituição, a religião católica é a religião da Nação Portuguesa - não seria admissível, nem seria lógico deixar de dar continuidade à formação moral e religiosa que sempre tem merecido as melhores atenções do Estado Novo. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem ! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: na passada legislatura, na sessão de 6 de Março de 1953, lembrei ao Governo o caso dos professores da Faculdade de Medicina de Lisboa que em 1947 foram compulsivamente aposentados ou demitidos por motivos políticos, secundando assim intervenções parlamentares dos Srs. Pimenta Prezado e Prof. Sonsa da Câmara.
Entre esses professores afastados figurava o Sr. Dr. Pulido Valente, meu antigo e eminente colega no Instituto de Criminologia, que, se estivesse na efectividade de serviço docente, teria sido agora atingido pelo inexorável limite de idade ainda na plena posse das suas brilhantíssimas faculdades intelectuais e pedagógicas, às quais foi ultimamente prestada uma relevante homenagem do antigos discípulos e colaboradores.
De todos esses professores afastados me preocupo neste momento, mas permita-me a Câmara, fazendo minhas as palavras eloquentemente proferidas nesta Casa pelo Sr. Prof. Sousa da Câmara, que destaque a situação do Sr. Prof. Fernando da Fonseca. Todos eles são professores de extraordinário relevo, investigadores e clínicos distintíssimos, a quem o Governo mandando regressar às suas cátedras faria um acto de justiça, pela maneira proficiente como procuraram sempre desempenhar as suas funções.
Apelo para o Sr. Presidente do Conselho e para o Sr. Ministro da Educação Nacional, não podendo deixar de lembrar também que SS. Ex.as são catedráticos que honram sobremaneira a Universidade do Coimbra, e nessa qualidade o meu apelo mais se justifica.
Ao terminar, relembro o que afirmei em 1953 nesta Casa: «A acção política desses professores afastados, se a tiveram, é demasiadamente apagada em relação ao seu altíssimo valor intelectual e cientifico», e só este deve contar, portanto, para o seu regresso às respectivas cátedras.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu para efectivar o seu aviso prévio sobre o problema da vinha e do vinho.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: os insucessos anteriores tinham-me levado a desistir de apresentar mais avisos prévios.
É que, na verdade, foi evidente a sua improficuidade.
Podia referir todos os casos, mas basta apontar dois como expressivos exemplos.
Anunciei e efectivei em 1949 um aviso prévio sobre os problemas de viação e trânsito. O debate foi generalizado e nele reclamámos a publicação urgente de um diploma que actualizasse e compilasse toda a legislação vigente sobre o assunto; numa palavra, a substituição do Código da Estrada de 1930 por outro que já então se anunciava e se dizia estar iminente.
Pois bem! Só agora, mais de cinco anos decorridos, o Código surgiu e, talvez por ser da Estrada, Jogo se mostrou necessitado de reparações.
Em 1950 tratei em aviso prévio da crise do turismo em Portugal. O debate foi também generalizado; e insistentemente reclamámos então e continuámos a reclamar depois a publicação do Estatuto de Turismo.
Pois bem! Apesar de se ter exigido e ser emitido um parecer urgente da Câmara Corporativa, decorreram cerca de cinco anos após o aviso prévio e mais de três sobre este brilhante parecer, e continuasse n aguardar o tal estatuto - indispensável até para a execução da lei hoteleira na sua plenitude-, várias rezes anunciado e outras tantas retardado.
Em presença de tais antecedentes, não pensava transgredir o compromisso que tomara para comigo próprio.
Faço-o porque, pensando em abordar antes da ordem do dia algumas considerações sobre os melindrosos problemas da vitivinicultura, sob os aspectos social, económico e político, previ, no início da presente sessão legislativa, que vários' Sr;. Deputados se propunham proceder do mesmo modo. Fá-lo-iam todos, sem dúvida, com mais competência, maiores conhecimentos e animados de igual propósito de encarar o assunto, porventura, sob a multíplice variedade de aspectos regionais, mas tendo sempre em vista, antes de tudo e acima de tudo, o interesse nacional, em que, aliás, os interesses regionais legítimos se podem compreender ou conjugar, como agora se provou. Mas pareceu-me que tantas, tão dispersas, tão variadas intervenções avulsas, compreensìvelmente orientadas através de prismas diversos, podiam tornar-se inoperantes.
Supus, enfim, que tantas opiniões quantas as pessoas, quando isoladamente emitidas, podiam aumentar as incertezas s as inquietações, e mesmo criar maior alarme nas populações interessadas e agravar a intranquilidade pública; e não levariam a consideração do Governo a expressão do grave momento que decorre e sugestões concretas, que interpretassem o pensamento da Assembleia Nacional.
O meu imprevisto aviso prévio destinou-se, pois, especialmente a abrir um. debate que beneficie de mais larga tolerância regimental e seja controlado pela sequência dos raciocínio) que, dentro do conceito do interesse comum, equacionem um problema que, sem dúvida, é presentemente, porventura, o mais importante e grave da vida económico-social da Nação, como agora mesmo acaba de ser oficialmente reconhecido.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Dir-me-ão que não era eu o indicado, por ser produtor.
Sou-o, realmente, dando-se a este título expressão tão larga que compreenda quem, por .acréscimo, praticamente sem lucro, quase só por amor ao torrão natal e respeito a uma tradição, se entretém num modesto granjeio que, para si, em bons anos de safra, produz tanto de pipas que duas vezes os dedos das mãos bondam para contá-las ...
E, mesmo que assim não sucedesse, seria uma posição semelhante à do advogado, do médico, do engenheiro ou do militar que legítima e imparcialmente se ocupem d« assuntos da sua especialidade.
Demais, ao tomar a iniciativa limitei-me a ser um dos intérpretes da inquietação e do alarme do País, perante os quais nós e o Governo não podíamos fechar os olhos ou tornar os ouvidos moucos.
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Questão situada na base da prosperidade da Nação lhe chamou O Século num artigo recente «tal é o papel que a produção vinícola representa na existência das populações rústicas e na economia do País» e. acrescento eu, na sua distribuição demográfica .
O problema é suficientemente sério para exigir a dedicada colaboração de todos.
Necessária e útil era, pois, a intervenção da Assembleia Nacional. E logo que ela foi iniciada, e depois de alguns Deputados se terem ocupado incidentalmente do assunto, a atitude do Governo começou a revelar-se do modo mais acentuado e a não deixar dúvida.- de que está disposto a enfrentar, com decidida vontade, este grande problema nacional, indo assim ao encontro dos anseios do Pais.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - O primeiro sintoma foi a nomeação, por despacho ministerial de 13 de Dezembro último, de uma comissão de estudo, para rever as questões relacionadas com o plantio da vinha e avaliar do possível reflexo deste na perturbarão do mercado dos vinhos. e que proporá, se for caso disso, as alterações que julgar necessárias 110 actual regime de condicionamento (sic). Comissão formada por dignos funcionários superiores, de incontestável competência, que muito mo apraz salientar, mas cuja nomeação, por um lado. pecou por tardia e por a lavoura não estar nela representada e. por outro lado. parece demonstrar que o Governo ainda não estava integrado da situação; isto é, levou a concluir que. salvo o devido respeito, se estava actuando sem previsão do perigo e das suas funestas consequências, e enfim, sem olhar à nova situação criada e aos novos problemas surgidos nos três anos de vigência do Decreto n.º 38525.
O Sr. Melo Machado: - Ao Sr. Ministro da Economia ouvi a afirmação de que o parecer dessa comissão seria depois levado ao conhecimento dos interessados, para darem sobre ele as suas opiniões.
O Orador: - Muito obriga-lo pelo esclarecimento de V. Ex.ª Só é de louvar a atitude do Sr. Ministro.
Aquele decreto, por seu turno, na doutrina vaga e abstracta de alguns dos seus preceitos e no erro. na insuficiência ou falta de outros, permite as incertezas e vicissitudes de que a vitivinicultura tem sido vítima e nos estamos fazendo eco. e tiveram larga repercussão nas importantes reuniões dos grémios da lavoura e dos representantes das regiões tradicionalmente vinícolas realizadas recentemente na cidade de Coimbra, que. pela elevação como decorreram e pelas suas resoluções unânimes, muito honraram a lavoura portuguesa.
Vai, assim, acalmando o pé-de-vento que a crise levantou de norte a sul. erguendo, com as últimas folhas Caídas, a poeira dos interesses e das paixões, que é mister repelir numa discussão livre e imparcial, como é tradição nesta Casa.
Se houve quem imaginasse que me propus arvorar um estandarte de revolta do Norte contra o Centro e o Sul, ou do Sul contra o Norte e o Centro, ou do Centro contra o Norte e o Sul, enganou-se redondamente, pois nunca tive semelhante propósito. Norte, Sul e Centro podem carecer de soluções diversas para o bom resultado comum, mas não .prevalecem acima de um problema que. por ser nacional, não admite compartimentos estanques.
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - Não meus senhores!
Não se trata de luta; nem sequer de lota ...
O que devemos pretender, na presente conjuntura e sempre, é, sim, que se encontre uma solução de justo equilíbrio, numa aglutinação 'de vontades, como já tive ocasião de preconizar aqui na sessão de 10 de Janeiro de 1947. Não unicamente mais uma solução de circunstância, pois, se assim sucedesse, dela poderia resultar remédio .passageiro para o esgotamento da sobreprodução acumulada em dois anos, apesar de não ter sido excepcional; mas voltar-se-ia, forçosamente, à situação anterior e, então, já convertida numa verdadeira catástrofe. em resultado do vultoso acréscimo que vai trazer a produção das novas plantações, atingido que seja o período da sua maior produção.
Mas acaba de ver-se que. graças a Deus. o Governo pretende atalhar o mal e; reconhecer a indispensabilidade de um socorro urgente. pois de outro modo o Sr. Ministro da Economia. nosso colega nesta Assembleia, teria seguido o caminho lógico e habitual, isto é. usava da faculdade que resulta dos artigos 113.º da Constituição e 49.º do Regimento, mandando à Assembleia os esclarecimentos que pudessem orientar o debate do aviso prévio, e legislava depois, ponderando as sugestões que daqui partissem.
E para não parar de .novo. deve o Governo lembrar-se de que embora se trate de uma cultura de produção cíclica, ela não é de safra e contra-safra regulares como o é. quase pendularmente. n do azeite. que. aliás. é uni produto cuja conservação está exposta a menos contingências do que a do vinho.
Sr. Presidente: quando vem à supuração a crise. o alvo de incidência é especialmente o Ribatejo, por ser, por excelência, a região vinícola com grandes várzeas. e das de maior e de mais económica produção unitária, e onde a graduação alcoólica dos vinhos lhes aumenta o valor comercial ; o que tudo, .na opinião do engenheiro agrónomo Henrique de Barros, lhe dá papel saliente nos preços e na regularizarão do mercado.
Mas o Ribatejo, como é sen direito, acode sempre, com galhardia, à chamada.
Foi um mal? .Foi um bem a plantação desmedida da cepa na grande planície ribatejana?
Ë irrelevante discutir perante o facto consumado. Em séculos idos, o bom ribatejano, activo, audaz e empreendedor, numa ânsia firme de conquista, desbravou e arroteou como lhe aprouve e com denodo as terras bravias e. com mercê de Deus, converteu-as naquele manancial de riqueza, que, através dos tempos, tem vencido com tenacidade e resignação todas as crises e todas as provações; a tal ponto que já Fernão Lopes pôde dizer, na Crónica de El-Rei D. João I, ser Santarém suma das grandes vilas que há no Reino de Portugal, e mais abastadas de todas em rendimento».
É certo, porém, que o seu povo se lastimou junto das Cortes de 1481 ; mas não seria fácil que aquele húmus geralmente privilegiado fosse a causa da crise que se desenhou então, a não ser ... ; a não ser que a origem estivesse, já no plantio da vinha em grande extensão, como, aliás, pode depreender-se de uma postura do Senhor Rei D. Fernando.
Mas, na História da Sociedade Portuguesa, da Costa Lobo, já se dizia que no século XV os vinhos de Santarém não tinham grande nomeada, embora, é claro, isto não autorize a dar fé aos «Prantos da Maria Parda», tão falsos quanto caluniosos.
«Quando viu as ruas do Lisboa com tão poucos ramos nas tabernas e o vinho tão caro, e não podia viver sem ele», praguejou desbragadamente a sua desdita e dispôs em testamento:
Os d'Obidos e Santarém.
Se aqui pedirem pousada.
Dêem-lhe de tanta paneada
Como de maus vinhos têm.
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Já passaram quatro séculos, e Maria Parda era uma megera, e ébria tão incorrigível que recomendou para o seu enterro:
Quem mais mando levar
Por tochas cepas de vinha...
E, vendo a canada vazia, lamuriava:
Oh! coitadas das goelas!
Oh! Goelas da coitada!...
Os tempos e as coisas mudaram, repito, mas a sátira de mestre Gil, mesmo que pudesse ter pretexto sério, e até por isso, vinha afinal demonstrar quanto desde então o Ribatejo tem feito com sucesso para aperfeiçoar cada vez mais as qualidades enológicas dos seus vinhos. Honra lhe seja.
Encontramo-nos em presença de um assunto muito sério. Muito sério social, económica e politicamente. E note-se que fui intencionalmente que dei a primazia ao aspecto social. Como os outros, mas ainda mais do que eles, torna o problema da vitivinicultura num verdadeiro problema nacional.
Se não bastasse para demonstrá-lo a circunstância de o vinho ser uma grande fonte de riqueza pública, havia de ter-se em consideração o facto de ela ser o ramo da nossa actividade agrícola que ocupa, proporcionalmente, maior número de brados e lhes fornece trabalho mais ou menos aturado no decurso de quase todo o ano.
É nas regiões vinhateiras que, geralmente, há menos desemprego e os salários mantêm, excepcionando a época das cavas, uma certa estabilidade, que, embora não atinja sempre uma razoável mediania, excede por vexes apreciavelmente nalgumas regiões a de outras e mantém nas suas populações um poder de compra mais elevado.
Nem sempre assim sucede? Mas o que seria a situação da humilde gente do Douro, da Bairrada do Dão e de outras regiões sem a vinha ?
É com verdade que o relatório do Decreto n.º 38 525 diz que a vinha é das culturas que absorvem maior e mais regular volume de mão-de-obra e é ela que condiciona a vida económica e social dos respectivos agregados populacionais. E o largo e douto parecer da Câmara Corporativa de Abril de 1951 comenta:
A vinha é, pelo valor económico dos produtos, pelo número e condição dos empresários e pela soma de trabalho que utiliza, a base de sustentação de uma grande parte da população portuguesa, e, consequentemente, factor importante de equilíbrio e estabilidade social.
E mais adiante acrescenta que a massa de trabalho absorvida pela respectiva cultura condicionou através dos tempos o desenvolvimento das populações e às vezes a sua formação.
Na autorizada expressão do digno Subsecretário de Estado da Agricultura e nosso colega. Sr. Engenheiro Agrónomo Vitória Pires, transcrita no interessante Boletim dos Grémios da Beira Litoral, todos os esforços da exploração agrícola, seja qual for o sector, devem convergir para um bem-estar rural, dando os maiores proventos aos empresários, melhores condições de vida aos trabalhadores e maior desafogo à economia nacional.
Também o distinto Deputado Dr. Proença Duarte, quando fez a sua estreia parlamentar, na sessão de 5 de Fevereiro de 1935, disse que o problema vinícola tem de ser encarado sob o ponto de vista económico e social.
A importância do aspecto social do problema, na sua influência na fixação das populações e no nível da sua vida, é também posta em relevo pelo Procurador à
Câmara Corporativa Sr. Cabral Mascarenhas no exaustivo e notável relatório que precedeu o projecto das bases resolutivas aprovadas pelos delegados das regiões tradicionais vitivinícolas na recente reunião de Coimbra e ontem apresentadas ao Governo.
Neste valioso e desapaixonado estudo, sob todos os aspectos bem digno de ponderação das instâncias oficiais, sustenta-se que o rendimento bruto da cultura da vinha é de quase 20 por cento do somatório de diferentes modalidades de exploração da terra, incluindo a silvícola e pecuária, e o seu granjeio ocupa uma média anual de cerca de 200 000 trabalhadores, ou seja 16 por cento da população agrícola activa do País, sendo de cerca de 90 por cento a percentagem dos vinicultores que produzem anualmente uma média, inferior a cinco pipas. Note-se bem.
A área da vinha plantada no País atingia, há anos, 244 000 ha e correspondiam-lhe 1 404 822 000 pés, segundo o inquérito a que procedeu a Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas.
O número de produtores de vinho cifrava-se em cerca de 303000 e a média da produção anual andou à volta de 9 500 000 hl, tendo sido excepcionalmente de 14 500 000 a de 1944, máximo atingido, pelo menos nas últimas décadas. Na sua comunicação de há dias, o Sr. Ministro da Economia atribuiu ao decénio de 1915 a 1944 a média de 4 842 000 hl e ao último decénio a de 9 062 000. Veja-se a diferença para mais!
Estes números têm colocado esta nesga de terra em 4.º, 5.º e 6.º lugares na produção mundial de vinho, embora seja de notar que em outros países a produção vem aumentando também de forma inquietante, tendo a produção mundial atingido em 1953 cerca de 203 200 hl.
O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª dá-me licença para um pequeno esclarecimento?
Os números que V. Ex.ª indicou dizem respeito a todos os vinhos produzidos ou estabelecem-se números diversos em relação aos vinhos comuns e aos vinhos licorosos?
O Orador: - Dizem respeito aos vinhos comuns.
O Sr. Carlos Moreira: - Esses números totalizam também as produções restritas dos vinhos do Porto?
O Orador:- Referem-se à produção total antes do tratamento dos vinhos contingentados para a beneficiação.
Vem a propósito recordar o slogan que há anos foi largamente divulgado na imprensa e na rádio, berrado em cartazes e até glosado nas revistas de teatro: «Beber vinho é dar de comer a 1 milhão de portugueses ...».
O Sr. Deputado Melo Machado computou em 2 milhões o número de pessoas com interesses ligados à actividade vitivinícola do País.
Por tudo isto, pode dizer-se acertadamente que se trata, sem dúvida, de una cultura eminentemente social.
E, sob o aspecto económico, basta dizer, por exemplo, que se lhe atribui o rendimento de 2 200 000 contos nos últimos cinco anos.
Quais as soluções?
Foi sempre difícil encontrá-las, e geralmente, só se procuravam nos momentos de grave crise, para dominá-la, e nada mais. Nos anos de fraca produção ou fácil escoamento deixava-se correr o marfim, voltava-se ao abandono do assunto, com manifesto menosprezo pelo porvir.
Ressalvando algumas boas intenções e tentativas feitas outrora, entre elas as de João Franco, a vitivini-
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cultura esteve praticamente entregue ao seu destino. E mesmo nos momentos em que o pequeno produtor, por falta de recursos ou meios de defesa, foi a vítima principal, não se tomavam providências radicais, como maiores facilidades de crédito, fixação dos preços mínimos ou sua regularização e outras que os libertassem das garras de especuladores sem escrúpulos e da miséria que, por vezes, lhes bate à porta.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - De entre as tentativas parcelares cito, como exemplo, o que ocorreu na crise de 1909. Numa exposição entregue ao Governo, a que hei-de referir-me mais pormenorizadamente, os produtores do Sul e do Centro do País propuseram a formação de uma sociedade com o capital de 8090 contos, constituída pelos viticultores e comerciantes de vinhos daquelas duas regiões.
Esta sociedade obrigava-se a comprar toda a produção dali, colocava-a, teria o monopólio da venda para o ultramar e para o consumo de Lisboa e receberia o imposto respectivo. Em contrapartida, o Estado cobrava anualmente a renda de 1000 contos. Ignoro o destino que teve esta representação.
De algum tempo a esta parte alguma coisa de útil se tinha feito; e muito mais podia ter valido o que já se fez se todos os males de raiz tivessem sido atacados com vigor e em profundidade. São dignos de menção, especialmente, as adegas cooperativas e alguma assistência técnica e financeira. Mas ainda não estamos apetrechados para a campanha mediante uma indispensável estruturação e maiores recursos.
Só agora se começa a querer prosseguir resolutamente num caminho que há muito - e antes de serem autorizarias novas plantações - devia ter sido renovado. E como o Sr. Ministro da Economia disse que, além do parecer da douta comissão nomeada em Dezembro e da de todos os organismos, aguarda as sugestões que resultem deste aviso prévio, acho que, animados do nosso sincero e habitual espírito de colaborarão, devemos ir ao encontro dos desejos de S. Ex.ª mesmo regozijar-nos e felicitar-nos pela sua atitude, tão-pouco estávamos habituados a isto, ou seja toma-se em consideração o que aqui se diz ou sugere. Exultemos, pois; eu, por mim, estou encantado!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mais:
Foram já publicados os dois importantes Decretos n.ºs 40 036 e 40 037.
Um suspende a concessão de licenças para plantio da vinha, cria uma taxa de consumo sobre o vinho de pasto ou de mesa vendido na área da Junta Nacional do Vinho e regula a sua cobrança e o sem destino. O nutro regula e fixa, aumentando-os, os contingentes mínimos que os armazenistas de vinhos são obrigados a manter nos seus armazéns privativos, em ordem a facilitar-se a venda e arrecadação dos vinhos que aguardam colocação.
Trata-se incontestavelmente de medidas que, embora insuficientes, são já de alcance.
É certo que o primeiro decreto, na parte que se refere ao plantio, não inutiliza, por se julgar violento, as vultosas plantações já feitas, nem mesmo suspende as autorizações já dadas, deixando assim agravar a situação, com a agravante de estarem despachados e largamente deferidos quase todos os requerimentos entrados desde Janeiro a 15 de Abril de 1954, no número de 30 413. Por outro lado, porém, o decreto tem imediato alcance na parte em que destina a taxa do consumo ao reajustamento económico dos preços e ao apetrechamento da produção por meio da extensão da rede das adegas cooperativas, de tão bons resultados, especialmente para os pequenos produtores.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Não julgou o Governo necessário aguardar as sugestões resultantes do debate do meu aviso prévio. O caso urgia, a inquietação era enorme e dos grémios e outras entidades estavam-lhe chegando reclamações e alvitres suficientemente esclarecedores daqueles dois aspectos importantes do problema e de outros.
É assim, porque, se assim não fosse, estávamos então em presença de uma novidade curiosa, de uma espécie de aplicação retroactiva do aviso prévio, contradizendo-se assim a sua própria designação. Ligeiro paradoxo ...
Mas apenas a designação, porque, quanto à essência, muito resta referir, como claramente resulta do seu enunciado.
Debrucemo-nos nós, pois, sobre três aspectos, ou sejam: o consumo interno, a exportação e a produção, reservando propositadamente esta para último lugar, num capítulo especial sobre o excesso do plantio, na sua causa a nas desastrosas e irremediáveis consequências futuras.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O aumento de consumo interno não tem sido geral e constante, nem seguido uma progressão proporcional ao aumento da população, computado, em relação ao continente e ilhas, numa média anual de mais de 80 000 almas; e esta desproporção deve-se especialmente à insuficiência de brigadas de fiscalização, ao elevado preço dos vinhos engarrafados, à grande concorrência da cerveja e de outras bebidas ou drogas nacionais e estrangeiras, divulgadas a tal ponto que suponho não ser exagero acreditar que o vinho - aquela, bebida que o bondoso nortenho Dr. Antunes Guimarães aqui denominou a mais bela do Mundo - acabe por ser apenas especialidade de taberna, apesar de classificada por Pasteur como a mais saudável e higiénica das bebidas.
Antigamente não era assim. Antigamente os vinhos, como a aguardente, tinham categoria nas altas esferas. Conta-nos Rodrigues Cavalheiro que Bismarek tinha fama de embriagar-se diariamente. E até o imperador Francisco José se lastimava por os seus ministros não imitarem o chanceler!
A qualidade e o preço estão na, base do aumento substancial do consumo, que se faz mister intensificar por todos os meios; e, como corolário, resulta a necessidade incontroversa de rigorosa defesa da genuinidade, através de fiscalização mais aturada e de sanções mais rigorosas, não só com a apreensão, mas também com pena de prisão não remível para os mixordeiros, e regime de venda e colocação quanto possível sem intermediários, com inibição total dos menos escrupulosos: e ainda o cumprimento rigoroso da obrigação do fornecimento de vinho nos hotéis e restaurantes e fiscalização da sua qualidade, o emprego do vinho nos quartéis, etc.
A propaganda faria o resto.
Quanto à exportação, as estatísticas mostram que, para o estrangeiro, ela tem sido muito oscilante, e num nível muito inferior ao de antes da última guerra.
Não desejo nem devo alongar-me propriamente na apreciação dos problemas do vinho do Porto e da região respectiva, dada a sua natureza muito especial. Dele se ocuparam recentemente os Srs. Deputados Prof. José Sarmento e Dr. Urgel Horta, e certamente outros mais competentes do que eu vão fazê-lo também.
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Numa comunicação à imprensa, o Sr. Ministro da Economia disse que a exportação do vinho do Porto tinha atingido no 2.º quadrimestre de 1954 o total de 143 000 hl, no valor de 190 000 contos, contra 129 000 hl e 167 000 contos em igual período de 1953, e o Instituto Nacional de Estatística atribui a todo o ano de 1953 a exportarão de 245 735 hl, no valor de 277 681 contos.
Posso acrescentar que nos primeiros onze meses de 1954 a exportação foi de 208 180 hl, no valor de cerca de 280 000 contos, ou sejam mais 12 132 hl do que em igual período de 1953.
Vê-se assim que se mantém a tendência, embora lenta, para o aumento, continuando a Inglaterra à frente dos países importadores, apesar da grave tributação ali lançada, e que em 1951 era de 47 por cento do preço final. Segundo a mais recente estatística inglesa, elevam-se a 1 445 487 libras esterlinas as bebidas portuguesas importadas nos onze primeiros meses de 1954.
Mas a queda neste nosso grande mercado tinha sido quase vertical, e, por isso, a diferença, continua longe de ser coberta pelo aumento posterior e pela conquista de novos mercados.
Diz-se que é evidente a indisciplina do mercado e dos preços da preciosa bebida, entre outras razoes, por falta de definição dos tipos de origem e sua classificação oficial. Se assim é, não faltam competência e dedicação dos organismos corporativos respectivos para providenciar.
O Sr. Alberto Araújo: - V. Ex.ª dá-me licença?
Eu tenho ouvido, com o maior interesse, o aviso prévio de V. Ex.ª e vi que V. Ex.ª referiu duma maneira especial o vinho do Porto. Estou certo, no entanto, que só por uma questão de exportação quantitativa V. Ex.ª não citou os vinhos da Madeira, e que, portanto, dentro do espirito do aviso prévio, as mesmas considerações e ideias que V. Ex.ª desenvolveu a respeito do vinho do Porto são igualmente aplicáveis aos outros vinhos generosos portugueses, que são exactamente os da Madeira.
O Orador: - Não fiz referência aos vinhos da Madeira porque estou convencido de que V. Ex.ª, com muito mais autoridade, deles vai ocupar-se.
O Sr. Alberto Araújo: - Isto foi apenas uma nota prévia.
O Orador: - Não se pode ignorar e tem-se dito e repetido que, estreitamente ligado ao grande interesse que tem para o Douro, o problema da exportação dos seus vinhos está, além do interesse geral do País, o especial de algumas regiões, e nomeadamente do Ribatejo, pois, como em 2 do passado mês aqui salientou o Sr. Deputado Melo Machado, enquanto os lavradores do Douro tiverem de queimar vinhos que excedem os contingentes que, por rateio, lhes são atribuídos para beneficiação, os do Sul vêem-se privados do principal mercado das suas aguardentes, cujo escoamento, numa soma de algumas dezenas de milhares de pipas, muito viria a atenuar a crise da sua sobre-produção e possibilitar o acondicionamento das colheitas acumuladas.
Para definir a situação do Douro basta dizer que o Instituto do Vinho do Porto informou que, na região demarcada, numa produção de cerca de 200 000 pipas, o contingente para beneficiação foi fixado apenas em 25000! O consumo não esgota o restante. E, por isso, a sobra é queimada.
Mas a exportação tem melhorado alguma coisa e como, segundo a imprensa noticiou há tempo, algumas casas comerciais inglesas empregam agora uma maneira engenhosa de propaganda das bebidas espirituosas, e especialmente do vinho do Porto, a nossa confiança pode aumentar. Instalam as garrafas em caixas de música, que, enquanto o freguês bebe, emitem as canções populares mais em voga na Inglaterra. Nova garrafa, nova música.
Deste modo original, à intervenção dos sentidos do aroma e do paladar acresce a do ouvido, que, se for apurado e dotado de gosto pelo folclore britânico, pode despertar o apetite. Assim, por este artístico processa, isto é, com o ritmo da música, poderá aumentar o ritmo do consumo da deliciosa bebida, mais apreciada pelos estrangeiros do que pelos Portugueses. Cá, nem por música!
Vozes : - Muito bem!
O Orador: - À exportação dos vinhos comuns tinha aumentado apreciàvelmente no decurso do último vinténio de 60 689 hl em 1931 para 392 375 hl um 1949, sendo de notar que em 1946 atingira mais de 600 000 hl, originando assim, em referência ao quinquénio de 1945-1949, um índice médio de 188 em relação a ... no de 1945-1949.
Mas agora a situação é grave. Temos em frente o grande obstáculo formado pela quantidade, pelos preços dos vinhos estrangeiros e pelos câmbios.
Países que antigamente iram importadores dos nossos vinhos entraram em regime de sobreprodução e agora concorrem ao mercado mundial com preços em que não podemos competir, se atendermos ao custo da produção e do longo transporte e às facilidades de prémios de exportação e do dumping empregadas noutros países.
E perdemos o excelente mercado do Brasil, agora difícil ou mesmo impossível de reconquistar, em virtude das razoes apontadas e ainda de grandes plantações nos Estados do Sul daquele país.
Só uma grande propaganda, os tratados de comerem cautelosamente estudados e o apuramento e a fiscalização das qualidades podem animar substancialmente a nossa exportação para o estrangeiro. A concorrência no preço será difícil, se não impossível, a não ser através de um fundo de compensação, pois é contraproducente sacrificar o preço da grande massa de produção ao de uma exportação que não poderá atingir 10 por cento. E, repito, os preços vis serão a ruína nomeadamente do pequeno lavrador nas regiões de produção forçosamente cara, como o Douro, as três Beiras e mesmo o Oeste.
Vozes : - Muito bem!
O Orador: - E a exportação para o ultramar?
O ultramar será um mercado mais certo e seguro.
Por isto e porque esta modalidade, não tem sido encarada oficialmente com a atenção que merece, detenhamo-nos um pouco a examiná-la. Vale a pena.
A meu ver o sugestivo problema da exportação para o ultramar exige a contemplação dos seguintes aspectos principais:
Concorrência das bebidas cafreais;
Encargos até à armazenagem nos portos de destino;
Custo dos transportes para o interior e custo da venda pelo retalhista ; Garantias de genuinidade até ao momento da venda, ali, ao consumidor europeu ou indígena.
Disse o grande governador de Moçambique António Enes num dos seus relatórios que explorar a bebedice do indígena era o principal objectivo da actividade agrícola e comercial da província. E acrescentou que « o
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indígena trabalhava para poder embriagar-se, e bebeu, bebe e há-de beber sempre».
É evidente que o indígena consumia, como ainda consome, especialmente bebidas cafreais, ou sejam as obtidas geralmente por fermentação de frutos, cereais, miolo de cana de açúcar, etc.; e são tão nocivas que em 1905 a Associação Comercial de Lourenço Marques propôs a proibição da sua importação ali, por arruinarem a saúde do indígena, e acentuou que era uma mixórdia sem nome, que, a pouco e pouco, envenenava a raça indígena.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Também Freire de Andrade referiu, nos seus relatórios de 1907, 1909 e outros, os inconvenientes do uso de tais bebidas, dizendo que elas enfraqueciam, dia a dia, as raças indígenas, tão propunhas a embriaguez por vício inveterado. E manifestou-se no sentido de que, embora o indígena prefira o vinho, o uso ou abuso daquelas bebidas só podia ser impedido mediante uma fiscalização enérgica.
Ignoro se existem actualmente medidas gerais proibitivas ou restritivas do fabrico das bebidas cafreais e que sejam eficientes; mas sei que as há limitativas de venda dos vinho comuns, pois essa está quase impedida, pelo menos no distrito da Beira, onde é muito difícil obter licença ou alvará para venda de vinho a retalho; e, assim, não admira que o indígena, além das bebidas cafreais, chegue a ingerir álcool desnaturado, perfumes e outros ingredientes inconcebíveis. Uma espécie de cocktail indígena, talvez servido com jazz de batuque ...
Como restrição de ordem geral, que eu saiba, existe a Convenção de Saint-Germain-en-Laye, de 10 de Novembro de 1919, celebrada entre Portugal, Inglaterra, França, Bélgica, Itália, Estados Unidos e Japão, ratificada pela nossa Carta de Confirmação de 16 de Junho de 1922 e perfilhada depois por outras nações.
Destina-se à luta contra o alcoolismo, pela elevação de direitos das bebidas destiladas e, em certos casos, por proibição da importação e repressão de fabrico, com exclusão de álcoois farmacêuticos.
Os números mostram que, excluídos os anos da última guerra, a exportação para o ultramar tem aumentado gradualmente nas duas últimas décadas. De 167 974 hl em 1931, elevou-se a 451 203 hl em 1949; e o aumento em 1950 foi de cerca de 60 000 hl, cabendo só a Angola o de mais de 42 000 hl.
Para todo o ultramar, a exportação nos seis primeiros meses de 1954 foi de cerca de 427 000 hl e atingiu só em Abril 258 021 hl, quando no período dos quatro primeiros meses de 1953 a média fora apenas de 88 146 hl. Durante todo o ano de 1954 a exportação para o ultramar foi de cerca de 864 000 hl.
Na aludida comunicação à imprensa, há meses, o Sr. Ministro da Economia disse que, tendo a exportação geral sido de 620 273 hl, no valor de 163 691 contos, desde Janeiro a Agosto de 1954, a parte que coube ao ultramar foi de 556 000 hl, representando, portanto, mais de 90 por cento do total da exportação. E esta autorizada informação, já por si, faz-me acreditar em que os Srs. Ministros da Economia e do Ultramar vão olhar muito especialmente para este assunto.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Segundo o relatório do Decreto n.º 24 976, já em 1935 aquela percentagem era de 50 por cento.
É certo que as medidas restritivas, onde se destaca n proibição ou a dificuldade da abertura de novas «cantineiras», a menor população branca, a existência de certas raças ou seitas abstémicas, o grande uso de cerveja e outras bebidas, a maior distância, e etc., têm impedido que o aumento do consumo dos nossos vinhos
comuns em Moçambique acompanhe o ritmo de Angola.
Sem embargo, a exportação para Moçambique, que, segundo o mencionado relatório de Freire de Andrade, fora apenas de cerca de 35 000 hl em 1901, também aumentou progressivamente, em especial desde 1948, em que foi de cerca de 115 700 hl. Em 1950 atingiu mais de 146 500 hl, um 1951 mais de 166 800 hl e em 1953 161 490 hl.
Em Angola as coisas passam-se de modo diferente.
Não há, que eu conheça, restrição à venda de vinhos comuns, o indígena prefere-os às bebidas cafreais e a população branca é maior do que em Moçambique.
A exportação para Angola, que no quinquénio de 1935 a 1939 foi da média anual de 65 443 hl e no de 1945 a 1949 já de 183 337 hl, atingiu 316 500 hl em 1950 e 473 000 hl em 1951; acusou 465 980 hl em 1952, 458 450 hl em 1953 e só no 1.º semestre de 1954 deve ter-se já aproximado de 450 000 hl. É animador.
O Sr. Carlos Moreira: - Há ainda outra circunstância a pesar na disparidade de preços entre Angola e Moçambique: a do frete que, por ser mais caro, onera o preço dos vinhos.
O Orador: - Vou tratar desse aspecto.
Basta acrescentar que, segundo os relatórios do Grémio do Comércio de Exportação, em dez anos a exportação para Angola aumentou mais de seis vezes e para Moçambique cerca de duas vezes e meia.
Já se disse no relatório do Decreto n.º 24 976:
Não se esqueceram os mercados coloniais, principalmente nas suas possibilidades futuras, e em relação a esses vai tentar-se o que for possível.
Cumpre, na verdade, ao Governo não só proteger a exportação para o ultramar, mas estimulá-la e auxiliá-la por todos os meios e sob todos os aspectos. Ela deve ser, como já disse, uma certa e segura fonte de escoamento dos nossos vinhos, só susceptível de afrouxamento nos casos de inesperada baixa do poder de compra ou da indisciplina da exportação, em que é necessário evitar concorrência desleal, rever os contingentes, pois me dizem estarem a causar inconvenientes, com reflexo na exportação, tal como foram estabelecidos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Impõe-se também não só a concorrência contínua e persistente às bebidas cafreais e, quanto possível, a restrição do fabrico e venda destas, mas também o barateamento dos encargos, especializando os fretes e os direitos aduaneiros e ainda o dos transportes terrestres desde o desembarque até ao interior.
Observar-se-á que o frete dos vinhos é hoje a maior ou uma das melhores fontes de receita das companhias de navegação, de que estas não podem prescindir. Mas
- meu Deus! - não estamos em presença de um estreito critério comercial; enfrentamos, sim, um grande e grave problema nacional. E àquela objecção pode-se responder que, além de haver outras mercadorias mais ricas, o abaixamento do custo dos fretes pode encontrar compensação no aumento da exportação que a magnífica frota de hoje facilmente comporta, dada a sua enorme capacidade de carga, que chega a permitir-lhe o embarque de duas ou três dezenas de milhares de barris de 100 l.
O Sr. Camilo de Mendonça: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
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O Sr. Camilo de Mendonça: - Suponho que o Grémio do Comércio de Exportação de Vinhos estabeleceu quotas de rateio na exportação para o ultramar e confesso que, embora eu entenda que se trata de uma medida tipicamente corporativa e da sua competência, não compreendo que, no momento em que o País está assoberbado com a saída de vinhos, se atenda mais a problemas de aparente concorrência do que ao do escoamento do excesso de produção. E digo aparente concorrência porque o problema, no fundo, tem outras causas.
V. Ex.ª já citou o problema do frete e eu desejaria acrescentar o do retorno do vasilhame. Note V. Ex.ª que na exportação de vinho para Angola o valor do vasilhame é superior ao do próprio vinho.
Desejava ainda referir que, no momento em que aquele Grémio entendeu oportuno o estabelecimento de quotas de rateio, em Angola vai começar a fabricação de cerveja para indígenas, o que traz as maiores e mais sérias consequências no que respeita ao consumo de vinhos naquela província.
O Orador: - Eu tenciono fazer referência, ao acondicionamento de vinhos pura o ultramar.
E note-se que o frete do barril de 100 l para Angola anda à volta de 103$ a 107$ e para Lourenço Marques é de aproximadamente 121$. Isto é: só o frete marítimo eleva o preço do litro em mais de 1$.
E, quanto aos encargos aduaneiros e demais alçava-las que oneram o embarque e desembarque F. O. B. e O. I. F., creio que, apesar da redução feita em 1948, eles devem sofrer nova redução, redução cujos benefícios, mais do que por palavras, são evidenciados pela compensação que resultou para o Estado do aumento da exportação a seguir àquela data.
Os direitos são superiores a 60$ sobre os 100 l.
Actualmente - ninguém o ignora - o vinho, além de geralmente adulterado, chega às mãos do consumidor, no interior do ultramar, por preços que atingem, por vezes, o triplo, o quádruplo ou mais do da venda pelo produtor!
Que não estou a fantasiar é fácil demonstrá-lo.
Devem ser de cerca de 260$ o montante dos encargos de cada barril de 100 l (ou sejam 2$60 por litro) colocado nos portos de Angola, compreendendo o custo do barril, sua adaptação, fretes no continente, taxas, contribuições, seguro, frete marítimo e encargos aduaneiros no continente e em Angola, etc.
Para Moçambique o frete marítimo tem um acréscimo de cerca de 16$.
E não devemos esquecer ainda os grandes capitais empregados, juros bancários, diferenças cambiais, transferências, demoras, quebras, derrames, avarias, contribuição industrial, etc.
Não admira, pois, que, ainda com uma margem de lucro normal, o preço do vinho comprado aqui ao produtor, por exemplo, a 2$ o litro, chegue às mãos do retalhista nos portos de destino por mais do dobro e ao interior por preço incomportável, pois, neste último caso, acrescem novos intermediários e o transporte terrestre, que, se não estou em erro, já em 1949 era em média de 10 a 13 angulares por barril de 100 l.
Multiplica-se o preço e, o que é pior, multiplica-se, quantidade ... Dois multiplicadores alarmantes!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª está a admirar-se do alto preço do vinho em África, para consumo geral e dos indígenas, mas, se considerar o preço dos vinhos engarrafados em Lisboa e noutras terras do continente, parece-me que não haverá tanto motivo para espanto.
O Orador: - Já me referi ao alto preço dos vinhos engarrafados V. Ex.ª tem razão.
E desnecessário dizer mais para só ver que é indispensável combater inexoravelmente semelhante desproporção. Fica muito pelo caminho.
O preto bebeu, bebe, há-de beber sempre, mas, embora aprecie mais o vinho, terá de recorrer às suas bebidas tradicionais. Não hesitará em desistir do consumo do vinho, se este não mantiver a qualidade e a graduação verificadas no embarque e for convertido, depois, numa droga pior de que aquilo a que antigamente se chamava «vinho para preto», isto é, uma zurrapa inconcebível, uma mixórdia intragável, preparada às vezes por intermediários sem escrúpulos, e especialmente no interior, pelo retalhista, com água, matérias corantes expostas nas boticas para tal uso, aguardente de cana e, segundo li, sementes apimentadas, para lhe darem o «rascante». Quanto mais o preto se vai aproximando do estado de embriaguez mais aumenta o «multiplicador».
E aqui surge, naturalmente, o difícil e importante aspecto da genuinidade.
Ela é verificada na ocasião do embarque por uma comissão especial do Grémio do Comércio da Exportação de Vinhos, mediante a análise das remessas, e, sendo, como é, feita por amostras colhidas ao acaso, é de presumir que dificilmente escapem à malha da fiscalização as adulterações ou os efeitos do tal «multiplicador», que, infelizmente, também por cá é utilizado por certa casta de indígenas mixordeiros sem escrúpulos, que só não devam as colheitas ao quadrado porque o açúcar, os corantes e outros ingredientes não abundam e são caros, e a fiscalização, apesar dos seus precários meios de acção, evita que vão riais além. É o que chamam «vinho a martelo».
Portanto, se, porventura alguma vez não é possível evitar que cheguem ao seu destino partidas de vinhos sem as condições de acidez volátil e de graduação necessárias para poderem resistir a demoras, transportes e intempéries, certo é, porém, que é lá, no ultramar, que o problema reveste mais dificuldades. Há que reconhecê-lo.
O Sr. Melo Machado: - O «vinho a martelo» que V. Ex.ª fala é oficialmente considerado. Há características, mas não existe a prova.
O Orador: - O problema não é de agora; vem de longe. Mas a solução resume-se praticamente nisto: fiscalização, fiscalização activa e sanções rigorosas, que não excluam a prisão não remível e o encerramento definitivo dos estabelecimentos dos reincidentes.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Freire da Andrade, que ao tempo considerava deficiente a fiscalização no embarque, julgava-a muito difícil feita directamente no ultramar; mas, como a falta dela, quer nos vinhos importados, quer sobre o consumo das bebidas cafreais, estava afectando gravemente a importação que em -1908, ali em Moçambique, fora de 8 milhões de litros e baixara em 1910-, Freire de Andrade, dizia eu, sugeriu, entre outras medidas, a proibição de destilação de frutas, a redução do número de licenças de «cantineiras», que então eram já 2627, e propôs a criação ali de serviços de análises e de um corpo de polícia de fiscalização, mesmo de polícia indígena, com percentagem nas multas. Com estas providências entendia aquele governador que o consumo dos vinhos do continente podia aumentar ali em 30 por cento.
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Trata-se, pois, de uma questão do sempre, sem que para ela fosse encontrada ou talvez mesmo procurada solicitamente uma solução eficiente.
Será muito difícil empregar eficazmente, antes da saída de armazém nos portos do destino, o mesmo sistema utilizado 310 continente, ou seja colheita de amostras ao acaso e sua análise em laboratório? Faz-se isto?
Também não se afigura impossível, agora, a existência de brigadas móveis de fiscalização que vão até junto do retalhista, dadas as maiores facilidades de deslocação. E seria uni encargo para que os Governos encontrariam larga compensação no aumento do consumo.
E conhecida n expressão de certo camponês: Lá na minha terra faz-se vinho de tudo, até de uvas »! Nào possa o indígena dizer que lhe vendem vinho do tudo menos de uvas ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - 'Um outro ponto deve ser considerado pelo Governo, pois influi também apreciavelmente nos preços do ultramar.
Quero referir-me ao acondicionamento dos vinhos.
E grave e melindroso este aspecto do problema, pois colide também com indústrias importantes, como tanoaria, vidraria, transportes terrestres e outras, cujos interesses são legítimos e também de projecção social, pelo emprego de muitos braços, e, portanto, interessarem ao nível de vida das populações com elas ligadas mais de perto.
Basta dizer que SM em 1903 foram empregados no transporte para o ultramar, além de mais de lO OOO cascos de várias capacidades, 621 776 barris do 100 l, ] 076 058 garrafões e 4 110 948 garrafas. ,lá um 1950 haviam saído 305 125 barris dos de 1001.
A sombra disto se desenvolveram, e especialmente, as indústrias de tanoaria e vidreira. A sombra disto vive, em parte, especialmente a primeira, sem fácil derivante compensadora. Não podemos esquece-lo, tanto mais que, apesar do exposto, esta indústria queixa-se de que atravessa um momento de crise.
Devia o Governo mandar estudar ti fundo este problema, como tudo o mais que se relacione com a exportação para o ultramar.
Sr. Presidente: segue-se agora o capítulo que diz respeito ao condicionamento do plantio; mas como estou fatigado e a Assembleia o está ainda mais (não apoiados), se V. Ex.ª o permitir, fica a palavra reservada para a próxima sessão. E então ocupar-me-ei daquilo que posso denominar o plantio da vinha», ou a tentação do fruto proibido ...».
O Sr. Presidente: - Compreendo a vastidão do problema que V. Ex.a se propôs tratar e a dificuldade de o fazer dentro do tempo regimental, e por' isso lhe reservo a palavra para a sessão de amanhã.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Amanhã haverá sessão à hora regimental, com a mesma ordem do dia de hoje.
Esta encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 20 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
André Francisco Navarro.
António Calheiros Lopes.
Carlos 'Mantero Belard.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
João Afonso Cid dos Santos.
João da Assunção da Cunha Valença.
Joaquim Dinis da Fonseca
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque
Ricardo Malhou Durão.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
Amândio rebelo de Figueiredo.
António Abrantes Tavares.
Antóónio Júdice Bustorff da Silva
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Russell de Sousa.
Augusto César Cerqueira Gomes.
João Carlos de Assis Pereira de Melo
João Maria Porto.
Joaquim Mendes do Amaral
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José Gualberto de Sá Carneiro
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento Vasconcelos e Castro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Urgel Abílio Horta.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
Imprensa NACIONAL DE LISBOA