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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 77

ANO DE 1955 3 DE FEVEREIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VI LEGISLATURA

SESSÃO N.º 77, EM 2 DE FEVEREIRO

Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Os Secretários: Ex.mos Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas 20 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente manifestou o seu pesar e o da Assembleia pela morte da mãe do Sr. Deputado Armando Cândido.
O Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu mandou para a Mesa um projecto de lei, também subscrito pelos Srs. Deputados Carlos Moreira e Rui de Andrade.
O Sr. Deputado Lima Faleiro pediu ao Governo a instalação da Estação Agrária de Beja, criada em 1936.
O Sr. Deputado Abel de Lacerda, evocou n figura do Dr. Ricardo Espirito Santo Silva.

Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão do aviso prévio do Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu relativo aos problemas vitivinicolas.
Falaram os Srs. Deputados Almeida Garrett, Elísio Pimenta, Manuel Maria Vás e
Sousa Machado.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 18 horas e 45 minutos.

Texto aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção.-
Decreto da Assembleia Nacional, sob a forma de resolução, acerca do Protocolo Adicional ao Tratado do Atlântico Norte.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 10 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Ornelas do Rego.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Américo Cortês Finto.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Pinto de Meireles Barriga.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raul Galiano Tarares.
António dos Santos Carreto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Baltasar Leite Rebelo de Sousa.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Eduardo Pereira Viana.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.

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Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Ameal.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Ricardo Malhou Durão.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Yenâncio Augusto Deslandes.

O Sr. Presidente:-Estão presentes 70 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o

Expediente

Telegramas

Da Casa do Povo de Medrões a prestar homenagem aos Srs. Deputados José Sarmento e Urgel Horta pela calorosa defesa que fizeram, na Assembleia Nacional, dos interesses da região duriense.
Da Associação Central de Agricultura Portuguesa a dizer que segue com o máximo interesse o debate sobre o aviso prévio apresentado pelo Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu e a esperar que sejam consideradas as justas solicitações da lavoura.

O Sr. Presidente:-Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das Obras Públicas em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 12 de Janeiro findo pelo Sr. Deputado Augusto Simões.
Informa o oficio da Presidência do Conselho que remeteu os citados documentos que, segundo comunicação do mencionado Ministério, não foi possível colher os elementos respeitantes a melhoramentos urbanos, dada a grande dificuldade determinada pelo facto de serem pedidos por distritos e rubricas, mas que, a serem imprescindíveis, poderão obter-se em prazo mais longo.
Os elementos enviados, bem como uma cópia do oficio que os remeteu, vão ser entregues àquele Sr. Deputado.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Cumpro o doloroso dever de comunicar à Assembleia que faleceu há dias a mãe do nosso ilustre colega Armando Cândido. Certamente a Câmara quererá exprimir a esse nosso colega os seus sentimentos de pesar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: pedi a palavra para agradecer profundamente reconhecido o sentimento de pesar que V. Ex.ª e a Assembleia tiveram a bondade de exprimir a propósito do falecimento de minha querida mãe.
Muito e muito obrigado.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: pedi a palavra para ter a honra de mandar para a Mesa um projecto de lei subscrito também pelos Srs. Deputados Carlos Moreira e Rui de Andrade.
Como nos termos do § 4.º do artigo 22.º do Regimento apenas me posso limitar, por agora, a fazer a sua apresentação, declaro a V. Ex.ª, em todo o caso, que, nos termos do § 1.º do artigo 11.º também do Regimento, me declaro desde já à disposição das comissões respectivas, a fim de me pronunciar sobre as razões e a economia deste projecto.

O projecto foi entregue na Mesa para seguir os trâmites regimentais.

O Sr. Lima Faleiro: - Sr. Presidente: ao usar da palavra pela primeira vez nesta sessão legislativa é-me sumamente grato apresentar a V. Ex.ª a expressão da minha alta consideração e profundo respeito.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Aos Srs. Deputados, meus ilustres colegas, apresento também muito cordiais e afectuosas saudações.
Sr. Presidente: proponho-me chamar a atenção do Governo para um problema que, sendo de capital importância para o distrito que tenho a honra de representar nesta Câmara, do mesmo passo e no mais alto grau interessa à economia nacional.
Refiro-me à instante necessidade de se instalar na cidade de Beja e pôr a funcionar e a viver, em condições de produzir rendimento útil, a estação agrária criada pelo Decreto n.º 57 207, de 16 de Novembro de 1936, da iniciativa do grande Ministro Rafael Duque, que à data sobraçava a pasta da Economia.
Não irei analisar em profundidade as razões que num pois essencialmente agrícola -ou, mais exactamente, fatalmente agrícola- como o nosso justificam a criação em larga escala de estações agrárias da natureza e com finalidade idêntica à daquela que tenho a honra de reclamar, como à das que, com pleno êxito, já se encontram em actividade nas cidades do Porto e de Viseu.
Por um lado, tal análise não a comportariam os acanhados limites do tempo que o Regimento me concede; e, de outra parte, em qualquer caso, ela resultaria redundante e inútil, dado que vozes mais autorizadas do que a minha a fizeram já por forma exaustiva através de exposições, representações e monografias de especialidade, largamente documentadas e altamente esclarecedoras.
Limitar-me-ei, pois, a anotar, em ligeiro apontamento, que às razões que, de um modo geral, aconselham a

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criação de estações agrárias, devidamente dotadas e apetrechadas, enunciadas no magnífico relatório que precede o Decreto n.º 27 207, acrescem, na hipótese, outras especificas, que importa enumerar e encarecer.
Na verdade dificilmente se concebe que uma província cuja principal actividade é a exploração agrícola e pecuária em larga escala, bem conhecida pela alta produtividade dos seus «barros» famosos, que lhe valeu a designação -tão justa quão honrosa- de celeiro do País, não disponha ainda de um organismo especialmente destinado a ministrar ensinamentos em matéria de arroteamento, preparação e adubação do solo, selecção e desinfecção de sementes, práticas de sementeira, melhoramento de searas mal e bem nascidas, plantação de árvores e assistência às mesmas, escolha e tratamento de gados, selecção e apuramento de raças, e em outros domínios, interessando ao granjeio da terra, em ordem a aperfeiçoar e racionalizar os métodos de cultura e fruição do solo e, enfim, a aumentar o rendimento por unidade de superfície, que o mesmo é dizer valorizar a riqueza nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Acentuarei que num distrito com a particular feição e especiais características do de Beja muito há a esperar, no plano do social, de outras funções assinaladas às estações agrárias pelo artigo 75.º do Decreto n.º 27 207, sobretudo das que visam ao melhoramento da preparação profissional dos trabalhadores da região e à tão necessária e humana elevação do sen nível de vida.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-À semelhança da estação especializada para melhoramento de plantas, que a alta competência e a inquebrantável vontade do Prof. Vitória Pires, actual e ilustre Subsecretário de Estado da Agricultura, logrou erguer em Eivas, ao cabo de porfiados esforços e ininterrupto labor, a Estação Agrária de Beja servirá, em larga medida, de escola, estimulo e incentivo para quantos se entregam à faina dura e, tantas vezes, ingrata de arrancar à terra o pão dos Portugueses.
E com segurança se poderá vaticinar a tão almejada estação agrária o mais rotundo sucesso, certo como é que virá a servi-la e a honrá-la a brilhante equipa de técnicos que há anos trabalha, com inexcedível dedicação, na brigada da XIV região agrícola, sob a douta e esclarecida direcção do antigo e distinto parlamentar engenheiro Mira Galvão, a cuja superior competência e bem comprovados méritos a agricultura e a economia portuguesas devem serviços relevantes e de valor inestimável.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -Mas, Sr. Presidente, o problema tem antecedentes, que não evitarei fixar em rápido bosquejo.
Efectivamente, no dia 23 de Setembro de 1942 o então governador civil de Beja, hoje muito digno ornamento desta Câmara, Dr. Manuel de Magalhães Pessoa (apoiados), espirito culto e empreendedor, o incansável . artífice das luzidas comemorações do 7.º centenário das Cortes de Leiria de 1254, o então governador civil de Beja, dizia, em reunião expressamente convocada para o efeito, da qual participaram as mais gradas e representativas individualidades do distrito, anunciou oficialmente e com formal solenidade ter o Governo resolvido dotar a província do Baixo Alentejo de um importante melhoramento - uma estação agrária, obra indispensável, acentuava, numa região essencialmente agrícola.
E poucos dias depois a Federação Nacional dos Produtores de Trigo adquiria, por titulo de compra, um tracto de terreno que exactamente se destinava à instalação da estação em referencia.
A boa nova foi recebida com alvoroçado júbilo e festivamente celebrada pelas esforçadas e laboriosas populações do Baixo Alentejo, já habituadas a admirar nos Governos do Estado Novo o escrupuloso cumprimento das promessas feitas s bem familiarizadas com as nobres virtudes de uma séria e saudável política de realizações, sempre atenta aos interesses vitais da Nação e solicita na adopção de providências tendentes a fomentá-los e a servi-los.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-A chamada «lavoura alentejana» compreendeu de pronto o vastíssimo alcance de tão notável empreendimento e exultou pela sua breve efectivação, segura de que lhe fora concedido um benefício de precioso valor.
Repetiram-se e sucederam-se os protestos de louvor e reconhecimento ao Governo, que assim se revelava compreensivo dos mais transcendentes problemas da vida da Nação e disposto a assegurar-lhes solução adequada e conveniente.
Por sua vez a imprensa local, em dias consecutivos, dedicou ao acontecimento os seus editoriais, acentuando que a lavoura regional acabava de contrair para com o Governo uma posada dívida de gratidão e emprestando ao prometido melhoramento o maior realce, pela profunda e benéfica repercussão que lhe estava reservada na província do Baixo Alentejo e no conjunto da economia nacional.
E, por portaria de 6 de Outubro de 1942, de inspiração do eminente professor e ilustre director do Instituto Superior de Agronomia, engenheiro André Navarro, figura marcante da sociedade portuguesa, à data ilustre Subsecretário de Estado da Agricultura e, de sempre, denodado e entusiasta paladino da pretensão que advogo, foi nomeada uma comissão para proceder aos estudos necessários para a instalação da Estação Agrária de Beja.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Tudo fazia supor, na verdade, que esta depressa se volveria em magnifica realidade.
Não sucedeu porém assim e - reconhecemo-lo com profunda mágoa- até a data os trabalhos da sua instalação não foram sequer iniciados.
Devo esclarecer, em homenagem à verdade, que, segundo informações que colhi no Ministério da Economia, o facto não significa desinteresse por tão necessário e esperançoso empreendimento e nem menosprezo pelo generoso espírito que informou o Decreto n.º 27 207 e a portaria de 6 de Outubro a que aludi.
Bem pelo contrário, aquele departamento do Estado fez tudo quanto estava ao seu alcance no sentido de proporcionar ao distrito de Beja a estação agrária que lhe fora oficialmente prometida.
Assim, encarregou um arquitecto de reconhecida competência de elaborar o respectivo projecto, pagou-o, e só não levou a efeito a realização da obra por não dispor para tanto dos indispensáveis recursos financeiros.
A ideia de dotar a província do Baixo Alentejo de tão poderoso instrumento de progresso e de fomento continua presente e bem viva naquele sector da Administração ; simplesmente, o projecto em referencia haverá de ser actualizado e ajustado ao condicionalismo presente, para que, ao depois, através do Ministério das Obras Públicas, os trabalhos se iniciem e levem a bom termo

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com o indispensável concurso do Ministério das Finanças.
Sr. Presidente: é facto bem conhecido que a actual situação política tem despendido um esforço hercúleo em favor da valorização da agricultura portuguesa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-A lavoura do Baixo Alentejo tem perfeita consciência da extensão e importância dos benefícios de toda a espécie que tem recebido do Estado Novo, entre os quais avulta a criação, em 1933, da Federação Nacional dos Produtores de Trigo, organismo que, pela sua presente actuação, tem contribuído notavelmente para a segurança e defesa económica da produção cerealífera.
A lavoura do Baixo Alentejo está profundamente grata aos Governos do Estado Novo pelo auxilio, alento e carinho que deles tem recebido e aproveita todas as oportunidades que se lhe deparam para o proclamar, pela boca dos seus mais altos e representativos valores.
E reconheça-se que ela bem merece a protecção de que tem beneficiado e de que venha a beneficiar, pelo seu acendrado patriotismo, pelo seu espirito de compreensão e de sacrifício, pelo seu valioso contributo para a obra magnífica do ressurgimento nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Â lavoura do Baixo Alentejo está profundamente grata ao Estado Novo e, nas mais variadas e, por vezes, difíceis conjunturas, tem revelado, por palavras e por actos, estar resolutamente com ele.
Ela tem sabido aguardar, ano após ano, em atitude de calma expectativa, com serenidade, sempre com fé, a prometida satisfação da sua legítima e patriótica aspiração.
O seu aparente conformismo, porém, não traduz descrença e menos renúncia a uma reivindicação que sempre considerou - e considera - de interesse vital, senão compreensão e, sobretudo, confiança nas virtualidades da sábia política de fomento concebida e orientada pelo génio de Salazar, que se desenvolve no plano nacional, e, por isso mesmo, usa repartir os seus preciosos frutos, tão equitativamente quanto possível, por recônditas aldeias e populosas urbes, no continente e nas províncias do ultramar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Certo, todavia, é que a deliberação tomada pelo Serviço Meteorológico Nacional de instalar na cidade de Beja e nos terrenos destinados à prometida estação agrária uma estação meteorológica cujas obras já se iniciaram, entendida por alguns - aliás com transparente equívoco ou requintada má fé- de injusta precedência concedida ao acessório sobre o principal, veio lançar a inquietação nos espíritos e aumentar a ansiedade geral pela construção da primeira, até para que sejam aproveitadas em toda a sua extensão as incontestáveis vantagens da segunda, que daquela, em certa medida, representa o natural e necessário complemento.
Sr. Presidente: interpretando o sentir da boa gente que lá em baixo, no remanso da planície heróica, não se poupa a sacrifícios nem a esforços para que prossiga triunfante a obra ingente do ressurgimento e engrandecimento desta pátria, dirijo aos Srs. Ministros das Finanças, da Economia e das Obras Públicas - a cujos altos espíritos e acrisolado patriotismo me é grato render as melhores homenagens - um apelo, um veemente apelo, para que, tão rapidamente quanto possível, seja cumprida pelo Governo a promessa feita ao distrito de Beja, vai para treze anos, e, finalmente, dotado o e Celeiro do País» de obra tão necessária e de tão larga, fecunda e benéfica projecção.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Amorim Ferreira: - Sr. Presidente: peço a V. Ex.ª que me conceda a palavra para, em poucos minutos, prestar breves esclarecimentos ao que acaba de dizer o Sr. Deputado Lima Faleiro.

O Sr. Presidente:-Tenha a bondade.

O Sr. Amorim Ferreira:. - Aponto a elegância com que o Sr. Deputado Lima Faleiro acaba de expor o assunto e ratifico as informações trazidas por S. Ex.ª à Assembleia no que respeita à instalação da estação meteorológica de Beja num talhão do terreno destinado h futura estação agrária.
As minhas informações confirmam o que disse S. Ex.ª O Serviço Meteorológico Nacional teve necessidade de instalar em Beja uma estação para obter informações destinadas a satisfazer as necessidades gerais do País e as trocas internacionais; e, quando teve de escolher o local para instalar a estação, conseguiu satisfazer ao mesmo tempo as necessidades de carácter geral e as necessidades especiais da futura estação agrária. De acordo e por entendimento com a Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas e a Federação Nacional dos Produtores de Trigo, foi possível destinar à instalação da estação meteorológica um pequeno talhão do terreno destinado à futura estação agrária.
A estação meteorológica, desempenhará a sua função de utilidade geral e além disso fornecerá informações que serão aproveitadas pela estação agrária, que delas necessita. Quer dizer: instalar a estação meteorológica antes da estação agrária não correspondeu a «colocar o carro adiante dos bois», porque a estação meteorológica tem outras funções a desempenhar. Mas a instalação imediata da estação meteorológica terá a vantagem de que, quando a estação agrária começar a funcionar - e oxalá seja brevemente -, já disporá da colaboração indispensável da estação meteorológica instalada no mesmo local.
Repito: foi justamente para atender também às necessidades da futura estação agrária de Beja que, com a boa vontade das entidades interessadas, o Serviço Meteorológico Nacional foi instalar a sua estação num talhão do terreno destinado à estação agrária.
Agradeço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que me tenha permitido dar estes esclarecimentos.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Abel de Lacerda: -Sr. Presidente: dificilmente encontro palavras que exprimam o meu pensamento, dominado pela comoção e pelo luto que a morte do Dr. Ricardo Espirito Santo impõe.
Os povos valem na medida em que se afirmam as suas elites, e, por isso, sinto que estamos hoje mais pobres: perdemos alguém de indiscutível valor intelectual e financeiro, cuja notável e esclarecida acção muito impulsionou o fomento nacional nos últimos vinte e cinco anos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas acima da sua acção económica, outra para mira se destaca de não menor valia e, entre nós,

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sem paralelo: a que Ricardo Espírito Santo desenvolveu no campo das artes e das letras!
Quantos artistas puderam afirmar-se como tais graças ao seu amparo; quantas publicações se editaram sob o seu incentivo e patrocínio; quantas obras de arte dispersas pelo Mundo vieram ou regressaram a Portugal por sua interferência!
E, como se tudo isto não bastasse para que a contei corrente da sua vida tivesse já um saldo sobejamente credor, quanta gratidão devemos todos ainda a esse homem excepcional que há dois anos nos legou a Fundação Ricardo Espirito Santo, num gesto magnânimo de verdadeiro príncipe da Renascença, que, a bem da Nação, abdicou de tão avultada fazenda e de tão preciosa colecção.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Este formosíssimo museu de artes decorativas, constituído exclusivamente por obras portuguesas do maior interesse, é bem o espelho da sua alma de artista e do seu coração generoso, e é também, só por si, motivo de gratidão geral.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Por isso, evoco aqui com sentido pesar, e já com dolorosa saudade, o nome de Ricardo Espirito Santo, que a partir de boje se inscreve nas sagradas páginas da história, e faço votos para que a sua alma encontre no Céu a paz que merece, e que o exemplo da sua benéfica acção frutifique na Terra, inspirando novos e semelhantes feitos, como fonte criadora de valorização nacional.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio apresentado pelo Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu relativamente a problemas Vitivinícolas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Garrett.

O Sr. Almeida Garrett: - Sr. Presidente: ouvi com a devida atenção o excelente trabalho em discussão, ampla e conscienciosamente elaborado, notável discurso que honra esta Assembleia. Deu-me ele valiosos ensinamentos, que robusteceram a opinião que sempre tive, por mera intuição, de que a cultura da vinha só deveria fazer-se com largueza em terrenos que não possam produzir outros géneros alimentícios mais indispensáveis.
No tema em debate há aspectos técnicos, de que não me ocuparei, porque para tal me falta competência. A minha intervenção limita-se a um comentário médico a propósito daquela passagem em que se fala da pequenez do consumo interno do vinho e, consequentemente, da necessidade de o aumentar, o que pode afigurar-se - e já assim o ouvi lá fora - como contrário à luta contra o mal social que é o alcoolismo. Pareceu-me oportuno esclarecer este ponto, não para a Assembleia, que seguramente está sobre ele inteirado, mas para o público, que, através da imprensa, segue o que aqui se diz. E o esclarecimento poderá talvez contribuir, ainda que modestamente, para as conclusões do debate.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Parto de duas premissas fundamentais:

1.ª O vinho è um alimento de grande utilidade;
2.ª O alcoolismo só em pequena parte deponde do hábito de beber vinho.

O vinho não é apenas um soluto de álcool etílico. E uma complexa mistura de substancias nutritivas, proteicas, glucídicas e salinas, rico em vitaminas. Pelos éteres aromáticos, principalmente, é um alimento eupéptico. O álcool produz sete calorias por grama, o que dá ao vinho um valor energético importante.
O álcool ingerido absorve-se rapidamente, difunde-se por todo o organismo, é oxidado à medida que nele vai entrando, desde que o ingresso não seja grande, nem rápido. Se assim não for, o organismo tenta eliminar o álcool que não pode queimar e, se a eliminação total do excesso se não faz com brevidade, o álcool impregna as células dos tecidos orgânicos e intoxica-as. As investigações cientificas sobre estes fenómenos mostraram que durante a refeição podem ingerir se, sem qualquer inconveniente, entre 2 dl e 5 dl, segundo a massa corporal de cada indivíduo e a sua feição nutritiva. Fora das refeições, estas quantidades, para serem inócuas, têm de ser bebidas lentamente, aos poucos.
Em suma, o uso moderado do vinho, nos termos que acabo de lembrar, é benéfico e aconselhável, por ser um alimento higiénico de notório valor.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-O abuso do vinho conduz, como é sabido, a fenómenos de intoxicação aguda ou crónica, sendo esta a que sanitariamente mais interessa, pelas lesões irreversíveis que provoca. O alcoolismo de origem vi n iça é, porém, menos importante que o devido às bebidas fortemente alcoólicas de graduação superior a 40, as quais geralmente dão intoxicação crónica sem o alarme da intoxicação aguda; e isto ainda é mais sensível quando contêm, além do álcool etílico, álcoois diversos de maior toxicidade sobre o sistema nervoso. Isto faz com que o público olhe, sobretudo, para o alcoolismo provocado pelo vinho, impressionado pelo espectáculo da embriaguez, sem saber que há alcoólicos que nunca se embriagaram.
A intoxicação crónica pelas bebidas alcoólicas é, afinal, da mesma ordem que as intoxicações causadas pelo abuso de outros géneros alimentícios, tal como sucede com o relativo a carnes e gorduras, responsável pelo desgaste visceral, sobretudo do fígado e dos rins, e pelo endurecimento das artérias, estados patológicos tão frequentes nos indivíduos de alimentação rica.
Resumindo: a higiene indica ser o vinho um alimento de alta qualidade, que a todos convém, desde que bebido em quantidade e forma que o não transforme de útil em prejudicial. Verdade esta cientificamente firmada, que já Hipócrates, o pai da Medicina, na velha Grécia, por simples observação, havia proclamado. Não é por haver uns quantos que dele abusem que esta verdade deixa de se impor.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Posto isto, qual deverá ser o consumo desejável para o total da população?
Abstraindo os menores de 10 anos, que aliás devem beber, mas em diminutas quantidades, podem estabelecer-se as seguintes rações médias diárias: 3 dl para adolescentes e mulheres e 6 dl para os homens. Estas médias correspondem às variações individuais, tendo em conta as idades e as ocupações, de trabalho físico ou sedentárias. São médias determinadas com grande parcimónia,

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pois são do monos de metade dos valores adoptados pela Associação Francesa dos Médicos Amadores de Vinho.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Mas agora, lá, o Chefe do Governo Francês aconselha o leite em lugar do vinho...

O Orador: -Em parte, ele tem alguma razão, mas devo esclarecer que a minha opinião é a de que, em certos países, o consumo do leito nos adultos é excessivo, pela quantidade de gorduras que tem, o que contribui sensivelmente para a arteriosclerose, que tantas pessoas mata, a partir de determinada idade. O leite é indispensável para as crianças, mas os adultos devem consumi-lo moderadamente.
Pelo censo da população de 1950, o primeiro grupo de possíveis consumidores conta 4 658 410 indivíduos e o segundo grupo, dos adultos masculinos, 2 163 438. Fazendo as contas, apura-se que as mencionadas rações médias correspondem ao consumo diário de 26 962 hl, o que soma, na roda do ano, 9 842 016 hl. Quer dizer : o consumo interno devia ser superior a 9 000 000 hl, se todos, como convém, bebessem habitualmente vinho, nos termos ditados pela higiene. Ora o consumo efectivo, segundo os dados da Junta Nacional do Vinho, foi, no triénio de 1949-1951, de 7 121 642 hl. Há, pois, uma diferença de, pelo menos, 2 000000 hl.

O Sr. Manuel Vaz: - V. Ex.ª dá-me licença?
Desejava que V. Ex.ª fizesse a fineza de me dizer se os cálculos feitos por V. Ex.ª e agora apresentados incluem a totalidade da população ou se excluem as crianças.

O Orador: - Como já referi, o primeiro grupo compõe-se de adolescentes com mais de 10 anos e até aos 18 e as mulheres, com um consumo médio diário de 3 dl, e o outro grupo, de homens adultos, com o consumo diário de 6 dl. Portanto, excluí as crianças, se bem que estas, em proporções muito pequenas, possam beber vinho ùtilmente.

O Sr. Manuel Vaz : - Muito obrigado.

O Orador: - A que se deve esta diferença de consumo?
Vários factores intervêm para a pequenez do consumo. Indicarei alguns, pondo de lado a parte que cabe ao fraco poder de compra de uma parcela da população trabalhadora, mormente nos meios rurais, por se tratar de problema muito complexo, de difícil solução a curto prazo e, portanto, sem interesse para a presente situação de crise vinícola. Mas há outra categoria de consumidores, os que poderiam comprar vinho diariamente e não o bebem, ou o bebem excepcionalmente. Não é possível computar o número de componentes dessa categoria, mas a observação corrente tem-me mostrado que é de alguma importância.

Vozes : - Muito bem !

O Orador: - Os motivos de tal facto são principalmente os seguintes:

1.º A superstição de muita gente em crer que o vinho lhe faz mal, erro em parte devido a exageradas prescrições módicas, que, em vez de graduarem as doses convenientes a cada cliente, simplificam a questão aconselhando a não o beber.
Compete aos médicos rectificar esse procedimento, em benefício de muitos padecentes, pois poucos são os casos em que o vinho está contra-indicado de maneira absoluta ;
2.º A carestia do produto, devida ao desnível entre o custo no produtor e o preço da venda ao público, desnível que atinge a enormidade quanto ao vinho fornecido nos restaurantes.

Vozes: - Muito bem !

O Orador:-Impõe-se o estudo da influência dos intermediários, para redução daquele desnível, e a revisão do regulamento dos hotéis e restaurantes, obrigando a inserir nas emendas a proveniência do vinho que têm obrigação de fornecer aos hóspedes o nas refeições a preço fixo e a diminuir a percentagem sobre o preço no mercado dos vinhos engarrafados.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - E dão vinho muita vez ordinário!

O Orador:-Tem V. Ex.ª razão, muita vez ordinário.
O barateamento, em geral, do preço do vinho terá por certo sensível influência para aumentar o consumo, porque há famílias apenas remediadas que consomem menos do que o devido, por o dinheiro não chegar para o uso habitual de vinho às refeições. O caso dos hotéis e restaurantes terá menor valor quantitativo, mas tem interesse por o estado actual de coisas ser contrário à propaganda dos nossos vinhos, dado que a maior parte Já freguesia é de população flutuante;
3.º A moda de em actos estivos se servirem Wiskeis e cocktails, desprezando os nossos vinhos licorosos, moda antipatriótica que ameaça alastrar para a classe média, pela tendência a imitar os de vida faustosa. Há que combater pelo ridículo esse snobismo, de efeitos tão nocivos para a saúde como para a economia nacional.

Vozes: - Muito bem !

O Orador:-Vai decaiado, até em actos oficiais, o clássico Porto de honra, magnifico meio de propaganda do nosso vinho licoroso for excelência, e já nos hábitos domésticos não é obrigatório, como dantes, em dias festivos, fazer as saúdes com Porto. O consumo interno pouco excede, segundo informação dada pelo Instituto do Vinho do Porto, 14 000 hl por ano; consome-se cá menos, por cabeça, do que nalguns países para onde o exportamos. Á propaganda tem do se intensificar e de se aplicarem à sua venda ao público as medidas apontadas para o vinho de mesa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Para o incremento do consumo que trariam as correcções destes factores de depressão poderia, com pequeno dispêndio para o Estado, concorrer também a concessão do vinho diariamente aos soldados, que só o recebem em dois dias por semana. Esta medida já aqui foi sugerida e, tendo eu conta que, além do vinho fornecido nos dois citados dias, o soldado o bobe na cantina, computei em cerca de 15 000 hl o aumento do consumo que assim se obteria.
Tudo isto junto não resolve a crise, evidentemente; mas contribuirá para a atenuar, com vantagem para a agricultura nacional e para a saúde pública. Não ó tudo, mas é alguma coisa, e lá diz o popular rifão: migalhas também são pão.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -Finalmente, não quero deixar de aludir em poucas palavras a questão do consumo nas províncias do ultramar, aspecto que merece especial atenção, porque, segundo as informações que colhi, pode dar vazão a todo o excedente da nossa produção de vinho.

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8 DE FEVEREIRO DE 1955 487

Dizem-me que alguns dos meus ilustres colegas nesta Assembleia tratarão deste importante assunto, com a competência de que carece. Fico, pois, por aqui, fazendo votos de que para o caso se encontre a necessária solução.

enho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Elísio Pimenta: - Sr. Presidente: a lavoura, em países, como Portugal, de economia predominantemente agrícola, é a raiz da propriedade - e, morta a raiz, toda a árvore seca e toda a economia cai por terra.
Estas palavras ouvi-as eu dizer ..desta tribuna ao meu querido e saudoso padre Manuel Domingues Basto, homem do Minho, que tanto prestigiou a Assembleia Nacional na defesa dos interesses da gente da sua região (apoiados) e que Deus levou para si passa de um ano, no começo da presente legislatura.
E neste momento, em que a Assembleia Nacional, pela iniciativa nunca de mais louvada do ilustre parlamentar Sr. Paulo Cancella de Abreu (apoiados) - a quem me é grato render calorosas homenagens pela oportunidade, elegância e desassombro com que interpretou o sentir desta Câmara política - é chamada a discutir um dos problemas mais importantes da nossa economia agrária, eu sinto a falta desse grande nortenho, como diria o Dr. Antunes Guimarães - outro grande homem do Norte, cujo lugar se encontra aberto (apoiados) -, eu sinto a falta de alguém que conhecia as questões rurais como poucos, dispunha de uma excepcional inteligência e sabia afirmar os seus pontos de vista com a coragem de um lutador inato.
Sr. Presidente: nunca é de mais repetir, e sobretudo quando o Governo anda empenhado na valorização da nossa economia através de um plano do fomento, que a agricultura tem na economia portuguesa uma posição de verdadeiro destaque, pode dizer-se, até, a primeira posição.
É ela que nos alimenta, que nos fornece os valores da exportação, é a nossa principal ocupação e a fonte de rendimento da maioria dos portugueses.
É a agricultura, em resumo, num país pobre de recursos de outra natureza, a essência da vida dos nove milhões de portugueses.
Isto é uma coisa que anda na boca de Ioda a gente, não se põe mesmo em dúvida, mas deve ser dita e redita, para que ela comande no lugar próprio a política económica da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A lavoura é bem a raiz de uma árvore que não se pode deixar enfraquecer, para que a árvore não venha a secar.
E surge perguntar o que se tem feito para não deixar secar a árvore.
O que se tem feito para se dar à árvore o vigor suficiente, a resistência aos furiosos vendavais que por vezes, a sacodem fortemente?
Muitos estarão de acordo em que se tem deixado a árvore bastante entregue às forças naturais, do, pouco lhe valendo as escoras postas a ampará-la nos momentos de maior oscilação.
Felizmente a natureza é forte e a árvore vai resistindo a tudo ...
A questão, porém, não é de escoras, é de fortalecimento da raiz.
Sr. Presidente: poucas vezes, a lavoura lerá tido a consciência dos seus deveres e das suas possibilidades como no momento presente.
Perante a ameaça de crise, ela uniu-se, estudou e discutiu os seus problemas e- apresentou-se perante o Governo, como os que nada devem e nada temem, isto é, de cabeça levantada, a pedir que a ouvissem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Apresentou soluções. O Governo estudadas e tomou para já medidas de emergência.
Todavia, medidas de emergência ou de excepção não são o bastante. A gravidade do problema exige soluções definitivas. Não se pode viver permanentemente sob o espectro dos excessos de produção. Da colaboração da lavoura e da Assembleia Nacional, que o Governo mostrou interesse em ouvir - e nem sempre, infelizmente, isso acontece -, sairão as soluções definitivas, para tranquilidade da lavoura. O clima é francamente propício à conciliação dos diversos interesses em jogo. Mas que cada um se sacrifique um pouco no interesse comum. Que os maiores sacrifícios venham a caber aos que melhor possam perder, em benefício dos mais débeis. É um princípio de justiça distributiva, na base dos nossos comandos constitucionais, e uma necessidade de ordem económica e social.
Desse magnífico movimento da lavoura, verdadeiro despertar de quem tem vivido mergulhada num conformismo estéril, há uma lição a tirar: a da urgente necessidade de se completar a sua organização corporativa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Os grémios da lavoura, vivendo como têm vivido, só por si, isolados, sem recursos materiais suficientes para realizarem os seus fins essenciais, sem
mística, não servem bem a lavoura- nem contribuem para o indispensável prestígio da organização corporativa.
Só se me permite uma comparação, são vimes, varas separadas sujeitas a quebrar de um momento para o outro pela má vontade de alguns e a incompreensão da maior parte.
Urge uni-los, ligá-los entre si pela comunidade de interesses regionais, dar, em resumo, estatuto legal e ampla protecção às suas federações, credoras já de excelentes serviços no Norte e Centro do Pais, e das quais partiu este movimento de salvação da viticultura nacional, quem sabe se o 28 de Maio da viticultura nacional.
E, no entanto, incompreensivelmente, as federações têm apenas existência de facto, porque até agora, e apesar da simpatia e do apoio dos organismos técnicos e políticos, que ostensivamente as amparam e acarinham, continua-se-lhes a negar, ou a demorar, a aprovação oficial.
O movimento dos grémios da lavoura, no sentido de esclarecer e resolver o problema vitivinícola, movimento, repito, nascido das suas federações, mostra até que ponto a organização corporativa é indispensável à conveniente solução dos problemas da nossa agricultura.
A organização convém à lavoura porque só através dela será ouvida e atendida; serve o Governo pela colaboração de organismos responsáveis, profundamente conhecedores dos problemas e de cuja lealdade não será lícito duvidar-se.
Arrisco a afirmação de que, se a lavoura estivesse devidamente organizada, na hierarquia das suas federações e das suas corporações, nunca o problema vitivinícola teria tomado o aspecto de crise, cujas soluções irão certamente impor-lhe novos sacrifícios.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: -Sr. Presidente: o problema vitivinícola português é, em meu entender, e pondo de parte o caso especial do vinho do Porto, um problema do consumo e um problema de qualidade. Desses dois aspectos, já aqui excelentemente tratados, me quero também ocupar, pedindo a V. Ex.ª o favor de me relevar.
Digo um problema de consumo, porque, se a capitação fosse um pouco mais elevada do que efectivamente é, não me parece que, mesmo com as produções consideradas altas dos dois últimos anos, houvesse motivo paru preocupações e alarme.
Problema de qualidade, porque, dentro da instabilidade da produção .num baixo nível de consumo, só o apuramento da qualidade do vinho criará um clima propício à defesa da exportação e ao hábito de beber bons vinhos.
Ao atentarmos nas estatísticas oficiais sobre a produção e o consumo, por um lado, e a evolução demográfica, por outro, chegaremos a conclusões bem pouco agradáveis e que nos obrigam a encarar o futuro com apreensões.
Vemos que, enquanto no decénio de 1916-1925 a capitação média anual foi de pouco mais de 50 l, no decénio seguinte, de 1926-1935, subiu para 87 l, número que, com pequenas oscilações, voltamos a encontrar no quinquénio de 1948-1952.
Hoje, por virtude das grandes colheitas de 1953 e 1954, essa média deve andar pelos 100 l por cabeça, ainda assim distante das capitações da Itália e da França, a desta última por volta dos 130 1.
Ora, num país como o nosso, ocupando o quarto lugar entre os (produtores europeus, país em que existe generalizado por todo o território o hábito de beber vinho, não pode dizer-se que seja demasiado, ou ale normal, cada habitante consumir menos de um quarto de litro por dia, quantidade bastante inferior à defendida pelo Sr. Prof. Almeida Garrett, mesmo levando em conta que, se o número obtido se refere ao consumo aparente de toda a população, ele peca pelo defeito do cálculo não tomar em atenção os excedentes da produção, isto é, os saldos.
Dir-se-á que se bebe pouco porque a população não está habituada a beber ou porque o vinho é substituído por outras bebidas, como acontece em países refractários ao seu consumo, ou nos quais o álcool, a cerveja, os refrigerantes e as cocacolas têm larga divulgação.
Em Portugal não se bebe pouco vinho por falta de hábito ou porque outras bebidas o substituam. No nosso país não só não existe aversão pelo vinho, como até a generalidade das pessoas, de todas as condições sociais, o aprecia. O consumo da cerveja é diminuto, não atingindo, moa últimos anos, 2 por cento do consumo do vinho; os refrigerantes, apesar da falta de tipos de vinho chamados de café, não constituem concorrência digna de apreço; as bebidas fortemente alcoólicas estão somente nos hábitos ou nas pretensões dos frequentadores de certos meios, muito limitados, dos grandes centros.
Não, em Portugal bebe-se pouco vinho porque, infelizmente, a população não tem poder de compra suficiente para satisfazer todas as suas necessidades primárias, e o vinho, para muitos, não passa de uma necessidade secundária.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E se isso se pode aplicar a muitos portugueses ocupados nas actividades comerciais e industriais ou ao pequeno e médio funcionalismo, todos eles n braços com dificuldades para manterem um nível de vida pouco menos que medíocre, melhor ainda se poderá dizer da lavoura, da pequena lavoura, que, apesar dos evidentes progressos da nossa economia geral, continua a viver como vivia há algumas décadas, isto é, sem qualquer desafogo e abandonada às contingências de uma produção de grandes amplitudes.
Há poucas semanas, o nosso ilustre colega Sr. Engenheiro Camilo Mendonça, com a sua excepcional autoridade, pôs-nos perante o panorama da nossa agricultura, que ocupando cerca de metade da população activa do País, não chegava a contribuir com 30 por cento para a composição do rendimento nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -A agricultura não deixou de ser, paru mal dos nossos pecados, a arte de empobrecer alegremente; e se no latifúndio -é o caso do vinho- é possível obterem-se grandes produções a baixo custo, a pequena lavoura, com todo o seu elevado valor económico e social, luta cada vez mais com dificuldades insuperáveis, ou que não poderá superar se o Estado não entrar decididamente no caminho de lhe facilitar a organização e não intensificar o auxílio da técnica, do crédito fácil e barato, da garantia dos mercados, da estabilidade dos preços, enfim, de tudo aquilo que lhe é indispensável para poder viver menos pobremente.
Se o lavrador do Minho - e quem diz do Minho diz das Beiras ou de qualquer região de pequena propriedade - se alimenta parcamente da broa de milho, do porco criado com as couves da horta e do caldo de feijões, é ao vinho que ele vai buscar o que precisa para pagar ao Estado ou aos organismos corporativos ou pré-corporativos.
Para o fazer, quantas vezes deixa de beber o vinho que produz ou, se o não produz, não vai comprá-lo fora. Mas, pelos hábitos tradicionais e pela vida dura que leva, ele deveria ser o mais importante dos consumidores.
É nesta verdade que se deve atender.
A economia nacional ressente-se do rendimento do vinho e, quando o lavrador o não consome ou não o vende a preço compensador, o comércio e a indústria são imediatamente afectados.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: o nível de vida da população de um país, por maiores que sejam os recursos ou a visão e a audácia dos governantes, não se modifica de um momento para o outro, e há que fazer esforços para que o consumo do vinho aumente em Portugal.
Porque não lançar mão de uma propaganda sugestiva e bem orientada, apta a exaltar essa bela bebida natural, cheia de nobreza, rira de qualidades, a propósito da qual António Dinis da Cruz e Silva dizia:

Tragam-me um copo já de branco vinho
De líquidos topázios fino orvalho ...

É claro que este fino orvalho, como o poeto esclarece, é ... o vinho verde!
Porque se não criam tipos de vinho ligeiros, de Verão, brancos ou rosados, de fraca graduação alcoólica, vinho de toda a hora, para ser vendido barato, em concorrência com a detestável cerveja que para aí se fabrica e com as laranjadas, limonadas, pirolitos e imitações do cocacolas?
Devia ser esse o vinho preferido pela Maria Parda, já aqui tão oportunamente citada - como autoridade que é-, pelo Sr. Dr. Paulo Cancella de Abreu:

Uni vinho claro rosete
O meu bem doce pallhete,

e que não era positivamente o de Santarém ...

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E porque não ficarmos devendo às forças armadas mais um serviço, levando-as a colaborar nesta pacífica campanha, com o consumo, nos quartéis e nos navios, de visito a iodas as refeições dos soldados e marinheiros, tantos deles com o hábito de o beberem na vida civil?
E porque não rever esse benéfico diploma que impôs a obrigação de nas refeições servidas ao público serem influídos 3 dl de vinho, que mal não havia se passassem para 4 dl, com a indispensável fiscalização e aferimento dos recipientes?
E a revisão do escandaloso problema dos vinhos engarrafados?
Este problema exige do Governo prontas e enérgicas providências. Fala-se no custo exagerado dos nossos vinhos como uma das causas da falta de consumo ou do baixo consumo. Ora a verdade é que os nossos vinhos são apenas altos no preço por que os paga o consumidor. Para o produtor eles são baixos, escandalosamente baixos, tão baixos os do pequeno produtor que, por vezes, não chegam para pagar o seu custo de produção.
Creio que somos, dos países civilizados, aquele em que a intervenção do intermediário é mais onerosa.
Tabelem-se os preços do vinho a partir do produtor, tornando obrigatória a afixação no respectivo recipiente - garrafa, garrafão ou pipa- do preço do seu custo, dos impostos e das despesas legítimas e depois de se lhe acrescentar o lucro do intermediário, dentro dos limites aplicados à revenda, já o consumidor poderá ficar tranquilo, porque só jogará o que deve pagar, e pagando menos consumirá mais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E se a providência não chegar, faça-se intervir a Intendência dos Abastecimentos para pôr cobro à especulação.

De admirar, na verdade, é que já há muito tempo se não tenham tomado medidas para acabar com uma situação de favor e de protecção a interesses bem pouco legítimos, em contraste com as do produtor e do consumidor.
Sr. Presidente: essas medidas e tantas outras destinadas a contribuir para o aumento do consumo do vinho por meios directos, já que infelizmente não é possível fazer aumentar o poder de compra das grandes massas com a urgência necessária, para pouco servirão se não entramos decididamente na política da qualidade.
Se pretendemos reconquistar mercados perdidos, manter aqueles que ainda estão abertos à exportação e aumentar o consumo interno, pelo hábito dos bons vinhos, vamos então, sem preocupações, para a política da qualidade.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - A França, graças sobretudo a essa política, conseguiu restabelecer o nível das exportações anterior à guerra mundial, mandando para o estrangeiro já hoje mais de 1 000 000 hl de vinho de qualidade, ou sejam duzentas mil pipas, excedendo o milhão as garrafas de champanhe.
E, no entanto, o preço desses vinhos é dos mais altos do mercado mundial.
Portugal produz vinhos que não receiam confronto com certos vinhos franceses e que a França vende por bom preço.
E o que se fez nesse país e em outros para defesa da exportação, com a garantia regional dos vinhos de qualidade, julgo que pode fazer-se entre nós.
Antes de mais, manter as demarcações regionais e definir melhor, de acorde» com as características próprias, as demarcações sub-regionais, para evitar a adulteração e a falsificação com vinhos estranhos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Fixar as castas obrigatórias em cada região, com mais rigor do que se fez há anos, e proibir o plantio de quaisquer outras, condicionando ao mesmo tempo os viveiros e o comércio de venda de vides.
Classificar a produção em classes diferentes, para o consumo local, para o comercio interno e para a exportação.
Intensificar o ensino da vinificação, por forma a melhorar e valorizar os processos de fabrico de vinhos regionais.
Conceder prémios aos viticultores que em certo prazo suprimam os vinhos de grande produção e os substituam pelos de qualidade.
Fixar em cada ano os preços de venda de vinhos nas diversas regiões.
Facilitar o crédito sobre vinhos, que servirão de garantia do pagamento, na situação de penhor mercantil.
Fomentar o movimento cooperativista, sem .prejuízo, porém, do direito do produtor à designação de origem.
Criar o organismo nacional do vinho, com interferência e representação de todas as zonas e regiões produtoras e sem o predomínio de qualquer delas.
Sr. Presidente: vou terminar as minhas considerações. Quero fazê-lo, porém, com uma afirmação de confiança em que as lições do passado, que por vezes se pagam caro, virão a servir para se construir um futuro melhor.
As medidas de emergência tomadas pelo Governo, sempre pronto e atento aos interesses da Nação, para atenuar a crise vitivinícola serão seguidas a breve prazo pelas indispensáveis soluções definitivas.
Que esse prazo não seja tão breve que possa prejudicar o estudo completo e absolutamente consciencioso que é lícito exigir-se de uma comissão chamada a estruturar um problema base da nossa economia agrária, mas não tão longo que tudo volte ao esquecimento.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O trabalho da comissão nomeada pelo Sr. Ministro da Economia, se for feito, como é de esperar da categoria e da competência das pessoas que a constituem, sem preocupações que não sejam as de encontrar soluções nacionais, livres da influência ou do poder desta ou daquela região, e, se for preciso, com o sacrifício de alguma ou de algumas, a audiência dos organismos interessados e as sugestões que resultarem deste aviso prévio darão ao Governo os elementos de que este precisa para ser bem esclarecido.
Gratos devemos estar pela colaboração que expressamente se aceitou desta Assembleia.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Pena foi que em 1951, ao procurar resolver-se, com as melhores intenções de servir o País e as diversas regiões Vitivinícolas, o condicionamento do plantio da vinha, a Assembleia Nacional não tivesse sido ouvida, pois talvez não nos víssemos obrigados a voltar a falar dele.
Pela parte que me toca sinto-me perfeitamente à vontade para o lamentar, pois que por duas vezes o solicitei, e previ, como aliás era fácil, que, dentro em pouco, um condicionamento que abria a porta a todas as licen-

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ças e a muitas fraudes teria como consequência inevitável unia inundação, que não foi, positivamente, apenas a das águas do Tejo ...
Saibamos conservar as virtudes tradicionais da lavoura, da pequena lavoura, sem se usar demasiado da paciência e da resignação com que ela costuma enfrentar as dificuldades do tempo e dos homens.
Essas virtudes continuam a ser, graças a Deus a melhor couraça contra as investidas do inimigo.
Convenço-me de que, perante a força das realidades e a afirmação de vitalidade e de confiança feita pela lavoura, os seus problemas serão definitivamente resolvidos.
A árvore não cairá, porque o Governo vai dar à raiz o vigor suficiente paru que resista ao vendaval.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador fui muito cumprimentado.

O Sr. Manuel Vaz: - Sr. Presidente: não há dúvida de que, no quadro da economia nacional, a cultura da vinha tem uma grande importância, tanto económica como social, e no da nossa vida agrícola ocupa o segundo lugar em rendimento bruto, logo abaixo da cultura cerealífera.
Não cito números, nem digo percentagens, porque o julgo desnecessário, tanto mais que já me sinto um pouco desnorteado ante as cifras astronómicas até aqui apresentadas pelos ilustres oradores que me antecederam.
O tacto, de resto, é tão conhecido que tomou foros de autêntico axioma, a dispensar qualquer demonstração.
Por esta razão foi que ela conseguiu despertar um tamanho interesse, e é por ela, ainda, que o problema vitivinícola, no momento, atingiu o melindre e a acuidade de que se encontra revestido.
Em verdade, se ele não fora assim tão momentoso, não traria em sobressalto a opinião pública, e a quase inumerável multidão dos pequenos e grandes viticultores nacionais.
Principalmente, são estes últimos, são os grandes viticultores, os que mais se agitam, os que mais clamam, porque os pequenos, por muito habituados a sofrer com crista resignação as habituais injustiças sociais, suo as vítimas sacrificadas aos desvarios e egoísmos dos grandes, que lastimam a ruína dos pobres quando o interesse próprio os comanda.
No momento actual proclama-se, e não sofre dúvidas, estar a viticultura nacional em crise; que há um excedente de vinhos, que os mercados interno e externos são incapazes de absorver.
É a triste realidade.
Mas de quem ë a culpa?
Suponho que de todos um pouco, mas, em particular, da própria viticultura. Quem a mandou plantar tão excessivamente! Porque no decénio de 1940-1900 não houve excedentes, porque neste período ocasiões houve em que somente foi possível abastecer o mercado diminuindo o poder de compra, pela alta de preços, todos à compita desataram a plantar com febril diligência, muito embora eu saiba da existência de quem afirme que as plantações autorizadas não atingiram o nível de equilíbrio correspondente às áreas de 1938 (cerca de 30 por cento).
E como cada um só em si pensava, sem preocupações pela actividade dos outros, plantou-se em larguíssima escala, mau grado as opiniões em contrário. Não se pensou que, se cada um assim procedia, os outros de maneira idêntica actuavam.
Daí, a corrida ao plantio.
Os erros onde se fazem é que se pagam.
Os resultados funestos desta política de plantio estão agora dolorosamente à vista, afora os que o futuro se encarregará de nos mostrar ainda, com um excesso de produção que toda a gente premia, mas de que ninguém se arreceou a tempo, para sustar a corrida.
Às responsabilidades da culpa todos fogem; e eu ia mesmo jurar que quase todos, senão todos, os viticultores portugueses dificilmente se poderão eximir ao doloroso poenitet me das contrições tardias.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - £ como era preciso encontrar uma vitima, para a fazer arcar com o peso das responsabilidades, esta foi - não podia mesmo deixar de o ser - o Decreto n.º 38 520, que permitiu, pelos seus alçapões, a prática de todas as fraudes em matéria de plantio, com o esquecimento total dos seus autores.
Esquece-se que o decreto em referência não foi a causa, mas o veículo; que o mal não está nas leis, mas na forma como os serviços as fazem executar e os particulares lhes prestam obediência.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: parece-me que, neste momento, a averiguação das causas do descalabro já não interessa muito, a não ser como elemento de estudo, na procura de remédios para a cura do mal.
Estamos em face duma realidade, bem dura por sinal.
Temos uma crise de abundância volumosa; temos muito vinho a mais e não sabe a lavoura o que há-de fazer, pelo que apela para o Governo para a salvar.
Na emergência a situação é esta.
E não restam dúvidas de que é assim mesmo.
Nos anais da nossa viticultura o caso não é virgem, o fenómeno não é novo. Já anteriormente se tiveram crises também.
Simplesmente, as de outrora eram cíclicas; as de agora tem todos os indícios de se tornar permanente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Antigamente, a um ou dois anos de boas colheitas seguiam-se um ou dois de colheitas ruins. E se nos primeiros se sentiam algumas dificuldades, vinham as colheitas escassas dos anos seguintes remediar o mal, absorvendo os excedentes dos anos bons.
A natureza encarregava-se de resolver estes problemas, que os homens complicam com as suas intervenções, com o sacrifício dos pequenos vitivinicultores, que tinham vendido os seus vinhos por falta de resistência económica para esperar. Daqui para o futuro só Deus sabe como será.
No momento actual, a solução imediata, de emergência, estaria, e não pode mesmo deixar de estar, num armazenamento dos excedentes, até ao momento de os lançar no mercado, com o respectivo financiamento.
Para armazenar é preciso dispor de adegas e vasilhas; para o financiamento, dinheiro e crédito, não só para adquirir aqueles excedentes - e talvez os que se lhes vão seguir- como paia as adegas e vasilhame.
E a lavoura não tem, em geral, nem adegas nem vasilhas para mais de uma colheita.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Também não tem dinheiro e o crédito de que dispõe não é muito e é caro.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Impõe-se o recurso ao Estado, mas não se pode fiar dele o encargo de, por sua couta, construir as adegas, trabalho aliás demorado, e seu equipamento. Esse encargo pertence à própria vitivinicultura, devidamente organizada e por intermédio das suas adegas cooperativas.
Para já, a solução terá de ser o aproveitamento das adegas dos vitivinicultores até às novas colheitas, onde o vinho ficará de conta e à responsabilidade da Junta Nacional do Vinho. Mas devemos aproveitar a oportunidade para encarar desde já o futuro, na previsão rias piores eventualidades, depois de nos assegurarmos do bloqueamento total dos excedentes que dificultam a paralisam o jogo normal das leis da oferta e do procura.
Na previsão de piores dias ainda, o único remédio está na organização corporativa da lavoura, que não passa, por enquanto, duma vaga e parece que remota aspiração, não obstante as recentes declarações dos Srs. Presidentes da República e do Conselho.
Com base nos grémios da lavoura, reunidos em federações regionais de carácter provincial, tendo por cúpula a corporação, que engloba os interesses afins da produção, comércio e trabalho, ela deve substituir os organismos do coordenação económica, que, indispensáveis numa situação de emergência de carácter necessariamente provisório, dão a toda a gente a impressão de aspirarem a eternidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Desta aspiração resulta que a proclamada organização corporativa não se realizou ainda- isto a mais de vinte anos do seu início-, e o pouco que dela se construiu encontra-se solto, disperso, sem unidade, incompleto, sem eficiência económica nem social, em detrimento do prestígio que doutrinária e constitucionalmente lhe é atribuído e conviria afirmar, em resultados práticos, com demonstração palpável da sua potencialidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Influências várias, estranhas aos interesses da organização, desconhecidas mas sentidas, interesses criados, têm obstado ao seu normal desenvolvimento. É necessário vencer essas resistências. É de vital urgência eliminá-las e prosseguir no trabalho iniciado com corajosa resolução, sem olhar a considerações de qualquer natureza.
Se o tivéssemos feito, o problema actual não teria surgido sequer.
A lavoura organizada tê-lo-ia resolvido a tempo e horas, a contento de todos, dentro daquele equilíbrio que na sua generalidade disciplina os interesses afins, harmonizando os inevitáveis antagonismos que sempre surgem na realização dos mesmos interesses.
E teríamos hoje o suspirado corporativismo de associação, e não um corporativismo estadual.
Se constitucionalmente, doutrinàriamente, é aquele que desejamos, importa que ele o seja de facto.
Se o fosse, as dificuldades presentes de certo não existiriam; não preocupariam o Governo nem afligiriam a produção.
Foi a sua falta que em base, originou a crise actual e determinará as que se lhe vão seguir nos anos futuros.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: como fatal consequência da inexistência da organização corporativa, surge um outro dos grandes motivos das nossas dificuldades actuais, e que consiste na inexistência de um plano de produção agrícola, construído em escala verdadeiramente nacional, pelo qual se elevassem equilibradamente os preços das várias produções da lavoura portuguesa, nivelando-as de maneira a eliminar preferências culturais.
Se ele existisse, não se teria dado a corrida ao plantio da vinha, porque nele a lavoura, considerada individualmente, não teria qualquer interesse particular ou especial, a não ser os da melhor adaptação e rendabilidade.
Plantou-se mais vinha, muita vinha, porquê?
Porque, apesar de tudo, o vinho foi, no decénio que já citei e apesar de momentâneas dificuldades de colocação, o produto agrícola que maiores compensações ofereceu ao lavrador. Também não cito números, pois hoje estou com horror às cifras, mas quem for curioso que as procure, porque elas dir-lhe-ão isto mesmo.
Ora o lavrador é um homem e, digam o que disserem e façam o que fizerem, há-de ser sempre influenciado pelo princípio edonístico que o ensina a procurar o maior proveito com o mínimo de esforço.
Se uma cultura dá mais do que qualquer outra, toda a gente foge desta para se dedicar àquela. Isto, porque é humano, nada tem em princípio de censurável. É lógico, perfeitamente lógico, como lógicas são as suas consequências numa economia liberal. Tudo fugiu para a cultura da vinha: a serra, a encosta, a planura e a lezíria. E, como ninguém pensou naquilo a que conduziria a febre do plantio, ou se pensou não fez caso, entendeu que lhe deveria ser permitido tudo o que aos outros deveria ser proibido. E, como todos pensavam da mesma maneira, chegou-se à saturação, que se traduz na antítese do ajustamento natural da produção às possibilidades do escoamento.
E aí está a crise, que não é puramente psicológica, mas real. Daí as nossas dores de barriga actuais, seja-me permitido o plebeísmo da frase.
Ora, se se tivesse pensado em elevar e nivelar os preços das várias produções agrícolas, não teriam havido preferências específicas por qualquer cultura, porque todas, dariam lucros, sensivelmente iguais, apenas com o diferencial das melhores aptidões culturais.
Somos ainda deficitários em cereais e carne. Porque não se aproveita a oportunidade para incrementar estas e outras produções, entre as quais o milho, cuja cultura, a experiência nos mostra ser igualmente favorável à criação de gados? Aí fica a ideia, que suponho não ser de todo má.
Elevem-se os preços das diversas produções agrícolas, nivelando-os harmònicamente com os preços da produção industrial.
Teremos resolvido o problema do baixo poder de compra da grande maioria da nossa ruralidade e com ele os dos subconsumos, do êxodo dos campos e da proletarização da classe média.
Esta é, Sr. Presidente, a essência da questão em debate, apreciada na sua generalidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não vou entrar na apreciação dos numerosos problemas que a especialidade nos oferece, tão brilhantemente expostos pelos nossos ilustres colegas Dr. Paulo Cancella de Abreu e demais oradores que me antecederam, a quem a lavoura deve assinalado serviço.
O da qualidade, a meu ver, está fora de causa. É a política seguida em todos os países produtores, velhos e novos, como a Espanha, a Alemanha, a Bulgária, o Chile, a Hungria, a Itália, a Roménia, a Argentina e o Brasil.

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Entre nós é também oficial e tecnicamente defendida, como do próprio Decreto n.º 38 035 se pode claramente verificar e de muitos outros diplomas legais.
A política da quantidade, em prejuízo da qualidade, acredito que nenhum viticultor digno deste nome a defenderá. Confio essa missão aos mixordeiros.
As questões dos preços de venda dos vinhos, engarrafados ou não, dos transportes e outras também não vou referir-me, como deixo em claro o problema do plantio fantástico, astronómico, ultimamente efectuado, e ponho de parte as medidas de emergência adoptadas e a adoptar pelo Governo para debelar a crise, porque já aqui foram proficientemente tratadas. Por isso vou referir-me apenas a um problema dos que, embora já abordados, julgo merecer mais amplo desenvolvimento, circunscrevendo-o ao vinho generoso da região demarcada do Douro, o célebre, o famoso, no plano universal, vinho do Porto, único pela excelência das suas qualidades organolépticas, embora as minhas considerações, na generalidade, aproveitem aos nossos vinhos de mesa de qualidade.
Devo previamente declarar que não sou viticultor no , Douro e nem talvez mesmo me possa considerar um produtor de vinhos comuns, tão escassa é a minha produção. Estou, por isso, perfeitamente à vontade para encarar o problema com serena objectividade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: o vinho do Porto é uma riqueza. Esta não é apenas do Douro, mas também da Nação.
Bastará recordar que em tempos, não muito distantes ainda, ele ocupava, na escala dos nossos valores de exportação, o lugar proeminente de comando.
Mesmo agora, se não estou em erro, ele ocupa o terceiro lugar dessa escala, num valor superior a 300 000 contos anuais (média do último quinquénio 326000 contos). O equilíbrio económico de todas as regiões do País depende, fundamentalmente, da exportação do vinho do Porto.
Portanto, o problema tem de equacionar-se no plano nacional, que não regional. Encará-lo sob outro aspecto, ou seria cegueira de bairrismo, ou falta de patriotismo. O declínio da exportação entre o período de 1935-1940 e o de 1946-1953 representa, só em aguardentes do Sul, cerca de 50 000 pipas de vinho.
Este um dos dados do problema.
Ao meu espírito causou funda impressão e dolorosas apreensões o verificar a baixa constante das nossas exportações, que parecem tender agora para a estabilização, mas num nível muito baixo, inferior em quase 50 por cento à média do triénio anterior à última 'guerra mundial, ou seja de 1936-1939.
Neste a média da exportação foi de mais de 42 milhões de litros.
No período posterior à guerra, isto é, de 1946-1951, a média foi de pouco mais de 24 milhões (1936-1939 42 154 000 l e 1946-1951 24 347 833 1). Perdoem a citação destes números, mas não pude evitá-los.
Este o segundo dado do problema.
E perguntei a mim mesmo: qual será a causa do fenómeno da baixa?
Será que o vinho do Porto tenha perdido alguma ou todas as suas, muito de longe, superiores qualidades organolépticas?
Ainda ninguém se atreveu a negar-lhas, cá dentro ou lá fora. E o vinho do Porto é até a bebida da moda em todo o Mundo e principalmente na França.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Em Portugal é pouco, talvez por causa do preço ... do preço no retalhista.

O Orador: - Sim, do preço no retalhista e por outras razões.
Será porventura que a mudança dos hábitos de certos países o não permita beber e ainda por ser uma bebida cara?
Os serviços da nossa Embaixada em Londres dizem que em parte essa é uma das causas do declínio da exportação para a Grã-Bretanha, como se vê de unia informação do nosso adido comercial junto daquela Embaixada que tenho em meu poder.
O Instituto do Vinho do Porto parece concordar com esta explicação.
Por mim não concordo, e julgo até que ela serve apenas para lançar poeira aos olhos dos incautos e paru iludir a ineficiência de determinados serviços públicos.
Se essa fosse a razão, era lógico inferir-se que, na medida em que a Inglaterra se fosse recuperando, as exportações do vinho do Porto entrassem em gradual inflação. Os hábitos não se perdem facilmente e passam de velhos a novos pelas leis da tradição.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -Ora tal não aconteceu, como melhor se vê pelo mapa seguinte, entre 1935 e 1940, em que andavam à roda dos 20 e poucos milhões de litros:

Exportações para a Grã-Bretanha

litros
1905 ............... 18477076
1936 ............... 20756945
1937 ............... 20464795
1938 ............... 17653140
1939 ............... 24051436
1940 ............... 24035585

Veio a guerra e as calamidades que assolaram o Mundo; mas, acabada ela, o Mundo retoma o caminho da normalidade - penosamente, embora. Recomeçam as exportações, quase praticamente extintas. E assim se nos apresenta o respectivo quadro, que nos mostra a média de pouco mais de 8000 0001 entre 1946 e 1953:


Litros
1946 ............... 8 378 918
1947 ............... 9477642
1948 ............... 6785966
1949 ............... 12702583
1950 ............... 8958905
1951 ............... 10320877
1952 ............... 6725196
1953 ..... ......... 6991853

Os últimos dois números, referentes a 1952 e 1953, são elucidativos e, por si sós, destroem toda a força justificativa que o argumento da pobreza inglesa porventura pudesse ter.

O Sr. José Sarmento: - V. Ex.ª refere-se à exportação para Inglaterra ou à exportação total?

O Orador: - Estou a referir-me à exportação para Inglaterra.
É precisamente nos dois anos em que a recuperação económica e financeira da Inglaterra mais se acentua que maior é a depressão das exportações.
A razão dessa quebra deve ser outra.
Muita gente tem a impressão de que o vinho do Porto, por ser caro -há-de sê-lo sempre, em razão dos seus elevados custos de produção e beneficiação, que em alguns anos superaram o preço dos próprios mostos-, só era bebido em Inglaterra pelas classes elevadas da população - um público relativamente pequeno. Mas não é

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assim. O vinho do Porto bebia-se e bebe-se ali, ao copo, em qualquer taberna, e era, apesar do seu preço, um vinho popular, sem perder a nobreza da sua estirpe.
A razão é outra: a barreira alfandegária erguida contra essa importação.
Antigamente, os vinhos generosos não excedendo 17º pagavam somente 2 xelins e 6 pence por galão.
A divisória da força alcoólica veio agora para 14,5.
Esta mudança prejudica o vinho do Porto, que, por lei, tem 16,5.
É assim ele, que estava anteriormente a pagar de taxa aduaneira 8 xelins por galão, viu-a aumentada para 50 xelins - qualquer coisa como 290 libras, ou mais de 23 contos por pipa.
Isto é fantástico! Admira até como semelhante barreira pôde ainda ser transposta.
É caso para perguntar: o que faz a nossa diplomacia?
Para que é que ela serve?
Não será para defender os nossos mais legítimos e mais vitais interesses? E a defesa dos mercados do vinho do Porto é um deles, como demonstrei.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tenho a impressão, Sr. Presidente, de que ela, a nossa diplomacia, está antiquada, ainda usa punhos de renda e camisa de bofes, que há muito deveriam ter sido substituídos pela indumentária mais prática dos homens de negócios.
Se queremos exportar o nosso vinho do Porto para a. Grã-Bretanha, s preciso reduzir a justas proporções a gigantesca altura da referida barreira, o que se pode conseguir por duas formas diferentes: ou baixando em 50 por cento a taxa actual, ou elevando de novo a linha divisória da graduação alcoólica dos vinhos para 17º.
Com isto nada perdia o Tesouro inglês, porque o incremento das importações duplicaria, pelo menos, e as receitas cobradas não sofreriam diminuição, antes pelo contrário. Conseguir isto não me parece difícil, por razões políticas, económicas e morais.
E não nos esqueçamos de que Portugal importa de Inglaterra miais do triplo do que para lá exporta.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E ficamos por aqui.
Será, como já por cá ouvi afirmar, porque o vinho do Porto não seja um óptimo, um riquíssimo vinho de sobremesa e possa com vantagens sei substituído por qualquer outro?
Mas então porque o imitam, porque o falsificam, porque lhe roubam a designação geográfica de origem Port, porque aparecem os Australia Port, os South-África Port, os Califórnia Port, os Oportos argentinos?
E porque será que a volumosa produção destes vinhos de imitação, apesar da sua inferior qualidade, se vende e consome?

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Só na América a produção e consumo de California Port anda à roda dos 92 609 galões (1952).
Porque será que estes vinhos de imitação só aproveitam da fama que alcançaram os nossos vinhos da região do Douro, pulo uso indevido da marca Porto (na Argentina, por exemplo, «em que o seu é mau e nem remotamente se assemelha no vinho da região do Douro», para, vendendo os seus, proibirem a importação do autêntico, do genuíno vinho do Porto?
Porque será que mesmo aqui à porta, na vizinha Espanha, nação amiga e irmã, onde, aliás, existem vinhos de alta qualidade e assegurado consumo, como o Geres e outros, os seus «Bandeiras» contrafazem o nosso Porto?
Não, Sr. Presidente, o vinho do Porto foi, é e será o vinho de sobremesa por excelência, digam o que disserem os seus detractores lá de fura e cá de dentro.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - As suas qualidades organolépticas são únicas. São únicas e preciosas as suas cores, de encantamento para a vista; é único o aroma inconfundível que dele se evola, inundando qualquer sala, fortemente, persistentemente; é único na sedução do paladar, no bouquet agradabilíssimo, que faz as delícias de quem sabe o que é vinho.
Por isso o imitam, por isso o falsificam, por isso lhe opõem barreiras altíssimas, por isso lhe interditam fronteiras, ante a quase inércia, a mole actividade dos nossos serviços diplomáticos e consulares, ante a quase indiferença dos serviços públicos nacionais, que têm por dever defendê-lo em tratados e acordos comerciais e por meio de uma propaganda activa, contínua, conduzida com ciência e arte, como nos tempos de hoje é indispensável fazer.
Assegurar e dilatar os mercados tradicionais, trabalhai- pela conquista de mercados novos, eis a política que se impõe, como uma autêntica política, nacional que é.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: muito abusei da generosa benevolência de V. Ex.ª, do que peço desculpa e apresento mil agradecimentos.
Cansei, em excesso, a bondosa atenção dos nossos ilustres colegas. Peço-lhes perdão, humildemente.
Mas, já agora, não queria acabar sem uma palavra a propósito de propaganda.
Se VV. Ex.as mo permitem, continuarei por mais alguns momentos.
O vinho do Porto, como, aliás, os nossos vinhos em geral, vendem-se e bebem-se no estrangeiro mais pelas virtudes que possuem do que pelo império do reclamo que os apregoe.
Impõem-se por si.
Mas nos dias de hoje o reclamo é tudo e o resto quase nada. Até a virtude verdadeira, sem ele, mal se pode afirmar.
E neste sector, meu Deus, que pobreza franciscana!
Não há um plano elaborado, organicamente construído, solidamente vertebrado, para à risca se cumprir, sem hesitações, sem desfalecimentos, sem anuladoras soluções de continuidade, como é absolutamente necessário. O pouco, o muito pouco que se tem feito, é solto, disperso, descontínuo, praticamente inútil, e mais se deve à iniciativa particular ido que à actividade do Estado e dos seus órgãos. E até alguns estudos feitos lá fora purgam no limbo do esquecimento das repartições oficiais.
Vou demonstrá-lo.
Em Portugal quase se não bebe vinho do Porto.
É de 6,13 por cento somente a média anual do vinho do Porto consumido no País em relação ao total das suas vendas.
E as razões são duas. O baixo nível de vida da nossa população, que nem o vulgar vinho de consumo corrente lhe permite muitas vezes beber, e em consequência, não se criou nela o hábito de beber à sobremesa, porque a grande maioria nem sobremesa tem. Ainda o seu maior consumo talvez seja o dos estrangeiros que por cá passam.

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À propaganda no País, não sendo absolutamente inútil, julgo, porém, que não deve ser excessiva. Apesar disso, verifiquei, sem espanto, devo confessá-lo, porque já o sabia, que o Instituto do Vinho do Porto despendeu com propaganda, no período de 1946-1903, 6:506.289$84 no mercado interno e apenas 1:276.258$95 nos mercados externos, donde concluo que as coisas foram mal conduzidas, apesar de o trabalho deste organismo, neste capítulo, ser ainda, e de longe, melhor que qualquer outro.

O Sr. Alberto de Araújo: - V. Ex.ª não ignora que, dado o condicionamento da importação, só está fazendo uma propaganda na Inglaterra, paru a qual o fundo contribui com 2000 contos no que se refere ao vinho do Porto e 300 coutos pelo que respeita no vinho da Madeira.

O Orador: - Sei que o Fundo está fazendo essa propaganda e é exactamente por esse facto que protesto, visto que tal propaganda deveria continuar a ser feita pelo Instituto do Vinho do Porto.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O Secretariado Nacional da Informação, mesmo no campo nacional, também no sector da propaganda se não alargou muito e no internacional mal lhe encontrei as pegadas.
Deu à luz, e em português, um trabalho estupendo, de apologética vinícola, intitulado Roteiro do Vinho Português, que ninguém lê, por desgraça nossa.
O melhor que fez foi um sucinto bosquejo em inglês, encapado com um desenho alusivo aos tempos napoliónicos e ao grande Wellington, historiando a arte vinícola desde a época da pedra lascada The history of wine and wine-making is as old as civilization itself, em que, aludindo às magníficas qualidades dos nossos vinhos em geral, nos informa das preferências de Catarina da Rússia e do grande Pitt pelos vinhos do Porto, enquanto Byron dividia os seus gostos entre o Porto e o Bucelas.
E foi tudo.
Depois, cansado, tremeu ... tremeu e quedou-se silencioso.
No estrangeiro, e nos chamados mercados tradicionais, onde o vinho do Porto já é, aliás, muito conhecido e apreciado, a propaganda é necessária, não só para a conservação desses mercados como para o seu desenvolvimento.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Os principais desses mercados são: a Grã-Bretanha, a França, a Bélgica, a Suíça, a Alemanha, a Suécia, a Noruega, a Holanda, o Eire, a Dinamarca, na Europa Ocidental, e o Brasil, na América do Sul.
Quanto à Grã-Bretanha, já anteriormente desenhei o respectivo quadro, que é francamente desanimador.
O mesmo acontece em relação a todos os outros mercados, com excepção da Bélgica e da Suíça.
Lendo com atenção os documentos que foram postos à minha disposição pelos vários departamentos da Administração, a quem endereço os meus sinceros agradecimentos, apura-se que na Grã-Bretanha se renunciou à luta pela redução das taxas monstruosas da importação ou pela elevação para 17º da linha divisória da graduação alcoólica, e que a propaganda é alimentada pelo Fundo de Fomento de Exportação e pelo comércio interessado, tendo-se gasto 50 000 libras, que os números mostram ter sido em pura perda.
A propaganda limita-se à acção da Casa de Portugal, cujo director tem por funções administrar o fundo de publicidade e assistir às reuniões da Port Wine Shippers Association, exposição de um mostruário na Casa de Portugal dos produtos portugueses, distribuição gratuita de folhetos e recepções, além do cultivo de relações oficiais.
Para propaganda a sério, num mercado que é preciso reconquistar, entendo que é muito pouco.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Em França as coisas têm corrido um bocadinho melhor, mas verifica-se que em toda a parte a propaganda do vinho do Porto anda à mistura com as cortiças, as resinas e outros produtos de exportação, quando deveria ser especializada.
Na Suíça é o Centro Português de Informação que actua, e por sinal que bastante bem, ainda que em escala reduzida.
Na Bélgica a actividade pertence ao Solar de Portugal, de iniciativa do Instituto do Vinho do Porto, e de que o Fundo do Comércio Externo lançou mão, e que enviou para Lisboa um plano completo e pormenorizado de propaganda do vinho do Porto, elaborado por técnicos belgas de reputada categoria, que certamente adormeceu no fundo de qualquer gaveta. A Câmara de Comércio Belgo-Portuguesa, sem recursos, grita por uma intensa campanha de propaganda e oferece o seu concurso.
Grita, mas não é ouvida.
E na Bélgica a luta comercial é intensa: a propaganda acesa, cuidada, tenaz e vigorosa.
E nós cruzamos os braços.
Se perdermos amanhã este mercado, a culpa é toda nossa.
Nem vale a pena falar nos restantes países da Europa. Os nossos vinhos, todos os nossos vinhos, incluindo o vinho do Porto, vogam ao abandono pelos mares da concorrência e só às suas altas qualidades devem a procura que ainda têm.
Quanto a mercados novos, a inércia é ainda maior.
A América do Norte pode e deve ser um grande mercado para muitos dos nossos produtos, designadamente de vinho do Porto, tão grande que ele por si só poderia vir a ser capaz de absorver toda a nossa produção. Os serviços comerciais da nossa Embaixada elaboraram um estudo completo sobre o assunto, que tenho em meu poder.
É um trabalho sério, consciencioso, perfeito.
Não me consta que se lhe tenha tentado dar execução, talvez com medo a despesas.
O Instituto do Vinho do Porto mostrou-se igualmente conhecedor das magníficas perspectivas daquele mercado. Estudou o assunto, inquiriu da maneira prática de o conquistar, viu as possibilidades e a forma de o fazer, recebeu de casas especializadas propostas para se realizar a necessária propaganda.
Como estava privado de meios, retirados para o Fundo de Exportação, deu conhecimento desses estudos, dessas propostas.
E tudo dorme no fundo das gavetas o beatífico sono dos justos.
Oxalá, quando acordarmos da letargia desse sonho, não soja tarde de mais e não encontremos o lugar ocupado já por outros concorrentes.
Em qualquer dos cases a economia nacional e a economia duriense terão, no intervalo, sofrido perdas irreparáveis, porque hoje, mais do que nunca, a propaganda ó indispensável e não possível recolher sem primeiro se haver semeado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador: - Sr. Presidente: o tema é aliciante. Voltarei a ele noutra ocasião, porque hoje sinto que não posso nem devo ir mais longe.
No campo da concorrência é necessário lutar, no esforço de uma propaganda eficiente, embora cara.
O desânimo ou o desalento nunca levaram à vitória. Sempre conduziram à derrota.
Temos lutado e vencido em muitos campos mais difíceis ainda. E venceremos neste também, se nós quisermos, porque temos as melhores armas que são os melhores vinhos.
Tenho dito.

Vozes : - Muito bem, muito bem !

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Sousa Machado: - Sr. Presidente: sem ligações directas com os problemas da viticultura, talvez devesse limitar-me a seguir com atenção as oportunas considerações de tão distintos colegas, que têm versado este assunto com a elevação e a dureza que lhes são peculiares. Aliás, por pouco eu poderia dizer como Duarte Nunes de Leão:

Fallo nisto sem pejo porque os que me conhecem sabem que sou mais bebedor de agoa que de vinho aa custa de hua valente asma incurável que por isso ganhei, e como zeloso que sempre fui do bom governo publico !!...

Mas o problema, tal como se apresenta, não se confina ao âmbito da viticultura, antes afecta toda a economia da Nação; e só esse motivo me impede de continuar na posição de simples e atento espectador.
É evidente que a viticultura nacional atravessa uma crise aguda e sofre perdas consideráveis, dada a baixa dos preços dos vinhos das colheitas de 1953 e de 1954 em relação às anteriores.
Não indo muito além do âmbito económico interno a movimentação dos vinhos, a verdade é também que não são apenas os vinhateiros a sentir e a sofrer as consequências dessa depressão, pois há uma irrecusável solidariedade económica que a torna extensiva a todos os sectores activos.

Vozes : - Muito bem !

O Orador: - Na emergência presente temos de contar na movimentação interna do bens com a paralisação correspondente a l 200 000 contos. mais ou menos. Não podendo estes ser rapidamente investidos em outras actividades, tal paralisado causaria perturbações à economia da Nação, porventura muito sérias.
A verdade é que as populações vinhateras respectivas não poderiam seguir com a mesma rapidez o movimento deste capital, tornado de tal maneira flutuante, e nos arriscaríamos a assistir à trágica situação de ver revertidas ao monte primitivo tantas encostas hoje cobertas de vinhedos verdejantes, que nos dão a medida do nosso puder criador e fazem o encanto da nossa terra.

Vozes : - Muito bem !

O Orador: - Como isto é inadmissível, a crise vinhateira há-de encontrar uma solução, pois nem descobrimos ocupação para a parte da população que a viticultura dispensaria se a sua crise não fosse removida (a emigração seria remédio triste e dificilmente aplicado a multidões), nem podemos resignar-nos com a ideia de que se desvaloriza profundamente uma boa parte do solo pátrio regado com tanto suor dos nossos trabalhadores.
Estamos certos, pois, de que o Governo da Nação que tão altas provas de inteligência e decisão tem mostrado na resolução dos problemas nacionais, vai dar-lhe solução imediata, tanto mais que poderá contar com a colaboração leal e interessada dos produtores.

Vozes : - Muito bem !

O Orador: - De resto, se a crise da viticultura não fosse resolvida, repercutir-se-ia nas outras actividades e serviços de forma que mal podemos prever; o não devo estar fora da verdade julgando, pelo que aqui se tem afirmado, ser essa a preocupação dominante de todos que por este magno problema se interessam e a do Governo da Nação, que, através do seu ilustre Ministro da Economia, já promulgou medidas tendentes a debelá-la.
Mas não será a crise vinhateira consequência, pelo menos em parte, de outras situações de depressão económica?

Vozes : - Muito bem !

O Orador: - Sr. Presidente: se a memória me não falha, foi em Julho de 1954 que tive ensejo de assistir em Coimbra a uma reunião de representantes de grémios de lavoura, preocupados com a crise vinhateira; e, desde então, fui levado a seguir, com a atenção que a minha vida permitiu, o desenrolar do debate que. compreensivelmente vem travando-se na intimidade da organização corporativa respectiva.
Foi assim que, pouco e pouco, se arreigou no meu espirito a ideia de que essa crise poderá ser mais uma consequência já de outras do que originada ela própria nas acções e reacções limitadas à produção e consumo do vinho: na verdade, só seria de aceitar esta última hipótese se as colheitas destes dois últimos anos se tivessem tornado abruptamente excessivas ou se o gosto pela bebida eminentemente nacional tivesse de repente desaparecido nas massas consumidoras.
Não sendo nem podendo ser assim; verificando-se que a 'grande maioria do consumo do vinho é atributo tias mossas mansas rurais; e se em larga medida a crise da viticultura é de facto consequência de outras crises, estas deviam afectar precisamente esses meios rurais.
Assim o problema começou a esclarecer-se no meu espírito. E confesso não ter ficado satisfeito com tal esclarecimento, além de tudo no receio de que a frise que hoje assoberba a viticultura se estenda, por sua vez, às outras actividades, nomeadamente a comercial e industrial.
Ora, sendo ela, como se me afigura, consequência já de outras crises ou depressões rurais, talvez possamos encontrar a sua explicação no preço dos outros .produtos agrícolas tabelados ou simplesmente vendidos abaixo dos preços que seriam para desejar.

Vozes : - Muito bem !

O Orador : - De facto, a tabela do trigo não cobro o custo da produção médio, e, se cobre, é apenas uma parte demasiadamente pequena da produção; o azeite anda tabelado a (preço inferior ao dos óleos coloniais; as batatas e os legumes mantêm-se sob a pressão de produções excepcionalmente favoráveis do estrangeiro e do ultramar, etc.
Das mossas grandes produções agrícolas tem-se salvo apenas, e felizmente, o arroz, cuja cultura tem remunerado regularmente, pelo menos a produção do Sul, pois parece que o mesmo se não dá com a do Norte (vale do Mondego especialmente).

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496 DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 77

Remunerando geralmente mal os artigos agrícolas os seus produtores, estes não podem garantir salários suficientes aos trabalhadores rurais, dado também que esses salários têm a particularidade de evoluir com o próprio valor dos produtos.

Logo, se a grande massa dos trabalhadores rurais não aufere um salário suficiente (os pequenos proprietários meeiros e rendeiros não têm vida melhor), teremos aqui uma causa possível, muito provável, da falta de consumo do vinho.

Vozes: — Muito bem!

O Orador: — Com os salários que auferem, aliás em acordo com o valor dos produtos agrícolas em geral, como pode a massa de trabalhadores rurais corresponder à parte maior de responsabilidade que lhe cabe no consumo nacional de vinho?

Há mais, porém, neste capítulo. A colheita de 1953, se bem que volumosa, não foi de grandeza inusitada, e a situação dos rurais não sofreu em 1953-1954 alteração apreciável quanto a outros rendimentos; mas a crise, que já há anos vinha manifestando-se, agravou-se em 1953-1954 e no presente ano, posto que algumas zonas tivessem até melhorado talvez um pouco (cerealíferas, por exemplo, por colheitas bastante boas, a que, não obstante, se manteve o preço da tabela).

Portanto, se, de facto, a situação da viticultura piorou, temos de admitir que outras condições rurais evoluíram para pior.

Apresento aqui a minha homenagem a Monsenhor Santos Carreto pela sua brilhante intervenção de há dias. Do seu eloquente e formoso discurso, em que focou as condições da vida, especialmente da rural, da Beira, peço licença para reproduzir o seguinte:

O custo da vida continua em desequilíbrio cruciante e, enquanto se mantiver este desequilíbrio, a vida continuará a decorrer entre dificuldades atrozes para quantos vivem exclusivamente dos seus vencimentos ou salários ou da pequena e média lavoura .

Vozes: — Muito bem, muito bem!

O Orador: — Enfim, não é necessário que o nível de vida baixe num sector para que esse sector se sinta mal e sofra; basta que suba sensivelmente nos outros para que o mal-estar apareça naquele. Demais, se o nível de vida sobe nesses outros sectores, o considerado estacionário em seus rendimentos ficará, de facto, e mesmo em absoluto, diminuído, porque parte das suas despesas aumentará.

Ora esta é a verdadeira tragédia dos nossos rurais, a que parece necessário, urgentemente necessário, que se valha.

(Com isso só teríamos vantagens, a começar pelos viticultores, que mais facilmente e melhor veriam escoados os seus vinhos, passando pelos comerciantes e industriais, que veriam aumentados os seus negócios e a venda dos seus produtos, e a acabar por fim em todos os serviços, que passariam a ser prestados com maior amplitude e em melhores condições.

Vozes: — Muito bem!

O Orador: — Diz-se na Alemanha: «quando a agricultura tem dinheiro, toda a gente o tem!...». A recíproca parece na mesma verdadeira.

Há dias, numa revista agrícola portuguesa, deparou-se-me um quadro que me causou surpresa e prendeu a atenção.

Nele se mostra que na nossa velha aliada, a Inglaterra, de 1939 a 1953, o desemprego baixou de 17,2 por cento para 2,4 por cento da população activa, enquanto:
a) Os preços dos produtos industriais aproximadamente duplicaram;
b) Os produtos agrícolas triplicaram, isto é, enquanto o custo geral das coisas pouco mais que duplicou.
Entretanto, os ordenados e salários tornaram-se cerca de 4,5 vezes maiores e o rendimento bruto nacional subiu umas 4 vezes.
Estes resultados, Sr. Presidente, são tanto mais surpreendentes quanto é certo que, comparados com o que entre nós se passa, verificamos o seguinte:
Os índices pelos quais se pode, segundo a estatística, avaliar o custo da vida actual são aproximadamente duplos dos de 1938-198(9 (100 para 211), enquanto são igualmente duplos também os ordenados e salários.
Não residirá nisto o segredo da nossa mediania?
Longe está de mim a ideia de o afirmar; no entanto, ao apontá-lo pretendo apenas chamar para o facto a atenção dos competentes e estudiosos desta matéria, pois não deixará de merecer-lhes um pouco de meditação e estudo.

Vozes: — Muito bem, muito bem!

O Orador: — Se a Inglaterra conseguiu vencer as dificuldades que a guerra e o pós-guerra lhe causaram, e apresenta uni teor de vida considerado francamente próspero em 1953 e 1954, sob o panorama de rendimentos e salários que a citada revista agrícola nos revela; e nós, sem termos tomado parte directa na guerra (embora lhe tivéssemos sentido os efeitos), e não obstante o meritório esforço da nossa Lei de Reconstitui-ção Económica, prolongado pelo não menos meritório e muito esperançoso Plano de Fomento, apresentamos um quadro de progresso real, é certo, mas fragmentário — entrecortado de crises e de visíveis manchas de mal-estar, que afecta quase toda a nossa vida rural e muito da nossa vida económica geral —, é que alguma coisa falha e precisa de ser revista no nosso sistema.
Ouso, Sr. Presidente, perguntar: o desequilíbrio apontado por Monsenhor Santos Carreto — e que tão evidenciado aparece na actual crise da viticultura nacional — não terá na sua base a baixa rendabilidade agrária, tão insistentemente invocada nas reuniões de estudo dos nossos viticultores?

Vozes: — Muito bem!

O Orador: — Decerto, aparece entre nós o receio, que já agora me não parece muito justificado, de que um aumento dos pequenos ordenados e salários — com tanta evidência estimulador da alta de consumo das coisas e, portanto, da sua pro.dução, como já nesta sala tive ocasião de notar — implicará um aumento igual do custo da vida ou dos preços dessas coisas, uma vez que a incidência dos salários no seu custo se resolve numa percentagem menor, e tanto menor quanto maior for o emprego da máquina no trabalho produtor.

O Sr. Melo Machado: — V. Ex.ª tem estado a fazer uma comparação entre a reabilitação económica da Inglaterra e a nossa. Mas peço a V. Ex.ª que não esqueça que a Inglaterra é um país rico e que o nosso é pobre.

O Orador: — A seguir respondo a V. Ex.ª

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3 DE FEVEREIRO DE 1955 497

Os exemplos inglês e americano mostram-nos que tal coisa não é, pelo menos, fatal, muito embora, por causas talvez ainda, nem sequer estudadas, julgo eu, pareça sê-lo em Portugal.
Deixo o estudo do problema, como já afirmei, nos competentes e estudiosos para o resolverem, pois para tanto falta-me, além da competência, o tempo.
Sou tentado, entretanto, a dar a V. Ex.ª algumas impressões directamente colhidas em França e Inglaterra, onde pude notar que em algumas indústrias que visitei se trabalha com mais amplidão, na verdade, mas não em geral com melhor apetrechamento, nem com melhor competência técnica.
Trabalha-se, no entanto, com ordenados e salários bastante mais altos do que os nossos, nos quais têm primeira e indiscutível base a maior amplidão com que se trabalha.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Disto resulta, é certo, que se vende lá tudo bastante mais caro do que em Portugal, mas numa proporção muito menor que a dos ordenados e salários, como já fiz notar, citando o exemplo inglês.
Para terminar, Sr. Presidente, sou levado a crer que no nosso sistema económico algumas coisas falham, e possivelmente uma delas -se não a principal - é esta.
Ao apontá-la, outra intenção me não move que não seja a de chamar para ela a atenção dos competentes e de quem de direito para que seja estudada e resolvida dentro das nossas possibilidades.
E os meus votos muitos sinceros são para que deste debate, que tão elevadamente tem decorrido, saia esclarecido, não só o problema da viticultura em causa imediata, mas o próprio problema agrário nacional, no qual se enxertam todos os outros, que, a meu ver, reclamam estudo, sim, mas rápido e para soluções urgentes.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O orador fui muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Mas antes de o fazer convoco para amanhã, às 14 horas e 45 minutos, a Comissão de Legislação e Redacção.
A próxima sessão será amanhã, com a mesma ordem do dia da de hoje.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Alberto Pacheco Jorge.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
André Francisco Navarro.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
Carlos de Azevedo Mendes.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
João Afonso Cid dos Santos.
João Alpoim Borges do Canto.
João de Paiva de Faria Leito Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Ricardo Vaz Monteiro.
Tito Castelo Branco Arantes.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Antão Santos da Cunha.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Rodrigues.
António Russell de Sousa.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Pereira Jardim.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Cargueira Gomes.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Marias Júnior.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Teófilo Duarte.
Urgel Abílio Horta.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

Texto aprovado pela Comissão de Legislação e Redação

Decreto da Assembleia Nacional, sob a forma de resolução, acerca do Protocolo Adicional ao Tratado do Atlântico Norte

A Assembleia Nacional, tendo tomado conhecimento do texto do Protocolo Adicional no Tratado do Atlântico Norte para a acessão da República Federal Alemã, assinado em Paris em 23 de Outubro de 1954, resolve aprovar, para ratificação, o referido Protocolo Adicional, conforme os textos oficiais.

Sala das Sessões da Comissão de Legislação e Redacção. 1 de Fevereiro de 1955.

Mário de Figueiredo.
António Abrantes Tavares.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Lopes de Almeida.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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