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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 78
ANO DE 1955 4 DE FEVEREIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.º 78, EM 3 DE FEVEREIRO
Presidente: Ex.mo. Sr. Augusto Cancella de Abreu
Secretários: Ex.mos Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 76, com rectificações propostas pelos Srs. Deputados João Assis Pereira de Melo e Melo Machado; o Diário das Sessões n.º 77 foi aprovado sem emendas.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente informou estar na Mesa uma informação prestada pelo Ministério das Finanças em satisfarão de um requerimento do Sr. Deputado Pinto Barriga e que vai ser comunicada àquele Sr. Deputado.
Foram, também, recebidos mais elementos em satisfação de um requerimento ao Sr. Deputado Daniel Barbosa.
Recebeu-se na Mesa, enviada pela Presidência do Conselho, uma proposta de lei relativa a servidões militares, que vai ser publicada no Diário das Sessões; será enviada à Câmara Corporativa para que emita o seu parecer e baixará à Comissão do Defesa Nacional.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Duarte Silva, que se congratulou com a isenção de direitos, em todas as províncias ultramarinas, das posolanas de Cabo Verde, e Agnelo do Rego, sobre assuntos de interesse para o distrito de Angra- do Heroísmo.
Ordem do dia. - Continuou o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Melo Machado e Teixeira de Sousa, ficando este ainda com a palavra reservada. O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 18 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente : - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Américo Cortês Pinto.
Antão Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Cortês Lobão.
António Pinto de Meireles Barriga.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
António dos Santos Carreto.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Eduardo Pereira Viana.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
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Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Gosta.
João Afonso Cid doa Santos.
João Alpoim Borges do Canto.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Ricardo Vaz Monteiro.
Bui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Venâncio Augusto Deslandes.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 76 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.os 76 e 77 do Diário das Sessões.
O Sr. Pereira de Melo: - Sr. Presidente: desejo apenas fazer duas pequenas rectificações ao meu discurso que vem publicado no Diário das Sessões n.º 76. Na p. 466, col. 2.ª, 1. 50, onde se lê: «porém», deve ler-se: «mas»; e na p. 468, col. l.ª, 1. 8, onde se lê: «justiça», deve ler-se: «juristas».
O Sr. Melo Machado: -Sr. Presidente: desejo afirmar que, em relação ao discurso do Sr. Deputado Urgel Horta, publicado no Diário das Sessões n.º 76, encontro um aparte que pode ler-se na p. 474, col. 2.º, 1. 40, que não faz sentido nem tem qualquer relação com o que o orador estava a dizer, de onde se pode inferir que não pronunciei a frase que diz respeito à falsificação do vinho do Porto.
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação aos n.os 76 e 77 do Diário das Sessões, considero-os aprovados com as rectificações feitas.
Vai ler-se o
Expediente
Telegrama
Dos grémios da lavoura da região agrícola da Guarda a agradecer as intervenções dos Srs. Deputados em defesa da viticultura nacional.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa uma informação prestada pelo Ministério das Finanças relativamente ao requerimento apresentado na sessão de 13 de Dezembro último pelo Sr. Deputado Finto Barriga. A citada informação vai ser comunicada àquele Sr. Deputado.
Estão também na Mesa mais elementos para satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Daniel Barbosa na sessão de 11 do Janeiro findo. Vão ser entregues a este Sr. Deputado.
Está ainda na Mesa, enviada pela Presidência do Conselho, uma proposta de lei relativa a servidões militares.
Vai ser publicada no Diário das Sessões e enviada à Câmara Corporativa para dar o seu parecer e baixar à Comissão de Defesa Nacional desta Assembleia.
Tem a palavra antes da ardem do dia o Sr. Deputado Duarte Silva.
O Sr. Duarte Silva: - Fedi a palavra, Sr. Presidente, para aludir à promulgação de uma providencia legislativa que se me afigura de feliz repercussão na economia de Cabo Verde e que, por isso, em meu entender, não podia deixar de merecer uma referência ao representante daquela província ultramarina.
Cabo Verde tem, como se sabe, uma vida económica e financeira difícil. O déficit da sua balança comercial é impressionante: para uma importação que, excluídos os combustíveis destinados a ser fornecidos à navegação, orça por 30 000 contos, apresenta uma exportação que raro atinge a cifra de 8 000 contos.
É incontestavelmente ama província pobre, o que, aliás, não significa que seja uma província desprovida de recursos.
Mais de uma vez já abordei o assunto nesta Assembleia e não desejo agora abusar da paciência dos Srs. Deputados repetindo o que já tenho dito.
Quero apenas afirmar novamente que a província tom possibilidades que necessitam de ser aproveitadas para que a sua população viva com o desafogo que merece.
São, pois, de louvar todas as providências que se adoptem no sentido de alcançar esse objectivo.
É por isso que me quero referir ao artigo 14.º do Decreto n.º 40 028, de 13 de Janeiro último, que isenta de direitos de importação em todas as províncias ultramarinas as pozolanas de Cabo Verde.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Trata-se de um produto natural. Mas a sua exportação em larga escala, como é de prever, trará certamente grandes benefícios à população, assegurando-lhe trabalho, e dará lugar a uma apreciável entrada de capitais na província.
O transporte até ao porto de embarque, a descarga e a armazenagem são encargos importantes de que, ao menos por enquanto, não consegue libertar-se o produto, cujo preço, todavia, não pode ultrapassar certos limites. Vem, assim, muito a propósito a isenção de direitos ora decretada, que há-de certamente facilitar a sua exportação.
Bem haja, pois, o Sr. Ministro do Ultramar pela providência adoptada.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: -É estimulando a produção e favorecendo a exportação que se conseguirá modificar a economia do arquipélago.
Endereço, portanto, com viva satisfação ao Sr. Comandante Sarmento Rodrigues os agradecimentos da província de Cabo Verde.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Creio não me exceder aproveitando o ensejo para dizer mais duas palavras sobre um outro assunto que também diz respeito à economia de Cabo Verde.
Na sua brilhante intervenção no debate que constitui a nossa ordem do dia disse o ilustre Deputado Sr. Comodoro Pereira Viana que se havia recentemente estabelecido um frete especial para a banana de Cabo Verde.
Regozijo-me com o facto.
Trata-se realmente de outra riqueza a explorar em Cabo Verde.
Depois que surgiu a possibilidade da sua exportação, tem aumentado extraordinariamente a cultora da banana.
Os agricultores, que dantes se mostravam apegados à cultura da cana sacarina, fugindo quanto podiam à sua substituição, tantas vezes aconselhada e até imposta, têm-na agora realizado com entusiasmo.
O que nunca se conseguiu com a decretação de medidas legislativas que determinavam clamorosos protestos está-se realizando espontaneamente de uma forma admirável.
É que anteriormente não havia mercado para os produtos que poderiam substituir a cana e os agricultores resistiam, como é humano, a essa substituição que os conduzia à ruína.
Felizmente, modificaram-se as circunstâncias. E, tornada viável a exportação da banana, a produção está aumentando a olhos vistos.
Foi, portanto, com justificado regozijo que tomei conhecimento da redução do frete a que se referiu o ilustre Deputado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Julgo, porém, que há necessidade de completar essa medida com outra que, a meu ver, se torna indispensável para o incremento da exportação: a regularização das escalas da navegação nacional.
Como não dispomos em Cabo Verde de navios fruteiros, é imprescindível que os barcos da carreira do Brasil e da Argentina façam escala regular por S. Vicente. São navios rápidos, que transportam a banana de forma a chegar à metrópole em boas condições.
É, portanto, mais uma razão para se insistir no pedido há muito formulado pela Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Barlavento, no sentido de se tornar obrigatória a escala por S. Vicente, o que, me parece, não implica necessariamente a eliminação de qualquer outra escala que os armadores julguem conveniente.
Peço, pois, ao Governo, e, em especial, aos Srs. Ministros da Marinha e do Ultramar, mais este serviço a Cabo Verde, cuja economia, tão necessitada de protecção, muito beneficiará da obrigatoriedade da escala.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Agnelo do Rego: - Sr. Presidente: os cavaleiros da Idade Média combatiam pela pátria com os olhos postos na sua dama; também nós, os Deputados da Nação, podemos lutar por esta pondo os olhos na terra que nos elegeu.
Não será de admirar, pois, que, uma vez ou outra, usemos da palavra em favor da parcela da Pátria a que andamos mais intimamente ligados.
Falarei, por isso, hoje com o pensamento no distrito de Angra do Heroísmo. Ao fazê-lo move-me, afinal, o mesmo amor da Nação que represento e cuja grandeza não é senão a soma dos valores das terras e das gentes que a compõem.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Não venho por agora tratar especialmente de qualquer interesse ou problema vital do distrito de Angra. Tem esse distrito, como os demais, os seus problemas, na lista dos quais se devem incluir, como sendo dos mais importantes, os que respeitam aos lacticínios, à exportação do gado bovino e aos portos e ainda os concernentes ao povoamento florestal e às instalações para o ensino liceal.
Mas desejo antes ocupar-me, ainda que brevemente, nesta ocasião -e Deus queira o consiga eficazmente - apenas de alguns aspectos daquilo a que talvez possa chamar o problema dos problemas ou o interesse dos interesses do distrito de Angra, como distrito dos Açores, ou seja o da adequada visão e compreensão dos seus problemas e interesses do lado de cá do País, tanto no que se refere ao distrito em si mesmo, como relativamente ao arquipélago açoriano, onde é situado.
Talvez não exagere começando por afirmar que grande parte da história de cinco séculos do vida insular é feita de anseios torturantes por essa visão e essa compreensão.
Os Açores, como se sabe, não fazem parte das províncias ultramarinas: são ilhas, ditas adjacentes, situadas, por assim dizer, no paralelo de Lisboa e que os portugueses da metrópole descobriram e povoaram em meados do século XV; são nove ilhas adjacentes ao continente, embora deste separadas por muitas milhas de mar. São, pois, como que um prolongamento do continente, onde, por sinal, mercê do isolamento, se conservam bem vivas a Fé e a Moral portuguesas, as chamadas virtudes da raça, e onde, por isso, não admira que se encontre nível de vida e cultura igual -e nalguns casos superior- à generalidade das terras do continente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Os Açores, todavia, não são o continente: as suas condições geográficas, a sua fisionomia económica e social e o próprio facto de serem ilhas conferem-lhes características próprias e muito especiais, que importa considerar e respeitar, e que, se, por um lado, não permitem aplicar aos Açores tudo o que se impõe no continente e exigem que se lhes apliquem medidas apropriadas, por outro lado também nem sempre consentem a aplicação destas últimas do mesmo modo em todo o arquipélago.
Nas ilhas açorianas, além dos outros factores, o mar - aquele maré nostrum da nossa gloriosa história - é um grande agente de diversificação das terras que compõem o arquipélago, quer entre elas próprias, quer em relação ao continente. Ele as une entre si e ao coração da Pátria, num forte amplexo que nada foi, nem jamais será, capaz de enfraquecer, mas ao mesmo tempo ele próprio as distingue sem nunca as separar, a cada uma dando inconfundível personalidade, vincada e expressa de muitas maneiras e concretizada administrativamente ao cabo de uma longa e natural evolução, na coexistência independente mas harmónica, simultaneamente indestrutível mas benéfica, dos três distritos dos Açores, os quais, por conseguinte, não são uma arbitrariedade, mas apenas a expressão jurídico-administrativa de uma verdadeira realidade.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - O estudo dos problemas açorianos não pode, pois, desconhecer a verdade desta bem marcada e indelével diversidade das ilhas, inseparável da sua própria natureza, tendo particular cuidado em não lhes «impor» ou «ditar» o interesse comum e procurando apenas surpreendê-lo e guiá-lo perante o que encontrar de invariável e constante.
Assim conduzido, tal estudo será útil, porque fornecerá aos governantes os elementos necessários e seguros para poderem tratar os Açores tais como são na realidade, aplicando-lhes as soluções adequadas, porque baseadas precisamente nas variadas realidades que condicionam os problemas açorianos, derivadas da natureza muito especial das ilhas, diferentes umas das outras e do continente.
ustamente para atender às necessidades resultantes desta diversidade é que foi estabelecido o regime privativo dos distritos das ilhas adjacentes, constante do respectivo estatuto, a cujos louváveis intuitos quero prestar a minha sincera homenagem, anotando simplesmente, com vista a prevenir equívocos prejudiciais aos Açores, que a ideia de autonomia que se contém no titulo oficial desse estatuto não significa qualquer concessão, mas unicamente uma espécie de descentralização ou arranjo administrativo, que tanto convém aos Açores como ao próprio Estado.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Contudo, apesar da vigência desse benéfico estatuto e até para completa realização das suas intenções, porque os tempos passam e os homens são sujeitos ao esquecimento e à tentação de tudo generalizar e unificar, não é de mais insistir em que nem tudo o que é bom para o continente o é também para os Açores, e nem tudo o que é bom para uma parte dos Açores é igualmente bom para todo o arquipélago açoriano.
Assim, e ressalvado o que existe de comum, não pode esquecer-se que entre o continente e o arquipélago há que ter em conta diferenças muito acentuadas e que do continente para o arquipélago há que ver, em muitos casos (sob pena de ofender gravemente a verdade), não propriamente os Açores, mas as ilhas dos Açores, através de cada um dos três distritos açorianos, sem quaisquer confusões e também sem subordinações que não sejam aconselhadas pela realidade objectiva de uma vantagem comum.
Desta maneira, quer se trate, por exemplo, de lavoura e de lacticínios ou da situação financeira das juntas gerais, quer se trate, por exemplo ainda, de demarcar a esfera de acção da Policia Internacional ou de rever rendimentos matriciais, quer de qualquer outra matéria a regulamentar, não há que ter em conta somente as diferenças profundas entre a metrópole e o arquipélago, senão também entre as próprias ilhas, pois o que é bom e é necessário para o continente pode não o ser para os Açores, e o que é imperioso para algumas ilhas pode ser desnecessário e desaconselhável para as outras. De contrário, correr-se-á o risco de fazer vestir àquelas terras roupagens que não lhes servirão, por serem demasiado grandes ou pequenas, ou por serem extremamente largas ou apertadas.
E tudo, afinal, se poderá conseguir com um pouco de atenção e um pouco de esforço para distinguir e acertar, vencendo a tentação do comodismo da generalização e da facilidade - ia a dizer superficialidade - de tudo unificar.
É certo que muitas provas de atenção tem o Governo dado pelos Açores, não esquecendo nelas o distrito de Angra; daqui lhe dirijo, por isso, todo o devido reconhecimento; mas quererá, decerto, prosseguir e fazer cada vez mais e melhor, como é de justiça, debruçando-se sobre os problemas açorianos sempre com o cuidado e a particularidade que requerem.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -Ao Ministério da Economia, por exemplo, creio estará destinada a tarefa - que será admirável, e pela qual os povos dos Açores ficarão eternamente gratos- de coordenar devidamente no arquipélago os interesses económicos dos três distritos, para os coordenar depois com os do continente.
Confio em que nisto, como em tudo o mais, o Governo saberá ver ou mandar ver, e confio também em que saberá ouvir -e não só ouvir, mas acreditar- os homens responsáveis dos três distritos.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª dá-me licença? ... Aceito os argumentos de V. Ex.ª na parte em que diz que a vida do arquipélago dos Açores é muito diferente a vida no continente, mas não aceito igualmente no que se refere às diferenças entre os três distritos do arquipélago, que não devem ser possivelmente maiores do que entre várias regiões do continente.
Quer dizer, se bem interpreto as palavras de V. Ex.ª nós seriamos conduzidos a uma superestrutura administrativa em relação ao arquipélago dos Açores. Os argumentos de V. Ex.ª conduziriam a aceitar em relação às diferentes regiões do Pais. que são diversas, uma estrutura municipalista no que respeita ao território continental e outra no que toca às ilhas adjacentes. Julgo que tal critério seria muito de recear, mesmo até por bem contrário à nossa tradição municipalista, em especial, e administrativa, em geral.
De resto, a concepção existente de distritos autónomos, cuja nomenclatura não é aquela que, aliás, mais me agrada, já por si deve ser o bastante para satisfazer os anseios de V. Ex.ª
O Orador: - Creio que as observações de V. Ex.ª não estão em desacordo com as minhas considerações.
O Sr. Carlos Moreira: - Folgo muito com essa afirmação de V. Ex.ª
O Orador: - A situação jurídico-administrativa dos Açores é, como já disse, o resultado de uma longa e natural evolução, e nós não estamos descontentes com essa situação.
A nossa ansiedade reside apenas - e é essa a essência da minha fala neste momento- no justo desejo de obter uma melhor e mais adequada compreensão para os Açores e as suas particularidades em defesa contra o exagero das generalizações. Mas isto não colide com a existência nos Açores da estrutura municipalista tal como ela existe no continente.
No entanto, agradeço muito a intervenção de V. Ex.ª, até pelo interesse que ela revela pelos Açores.
Tenho que uma das primeiras qualidades da boa política é ser compreensiva, e suponho que aquilo que se diz nesta Assembleia é escutado pela Nação, e, mais ainda, pelos que a governam. Sob a égide do regime e a compreensão do Governo tenho, pois, fé nos destinos do distrito insular onde nasci e em que vivo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Verdade é, contudo, que os Açores, e neles o distrito de Angra, parecem, às vezes, envoltos ainda nas sombras das lendas do Mar Tenebroso, a
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aguardar serem redescobertos pelos continentais de hoje. Não será, porém, isto necessário, e bastará apenas que sejam mais conhecidos e melhor compreendidos para serem logo mais amados e melhor servidos.
Entretanto, apesar das incompreensões, eles lá estão e continuarão inabalàvelmente fiéis à nossa vocação histórica, desempenhando agora -particularmente a ilha Terceira, sede do distrito de Angra- honrosa missão ao serviço da paz mundial, e, como sempre -servindo-me da imagem eloquente de um grande orador-, interpostos, como marcos milionários, entre o Velho e o Novo Mundo, a atestar ao Novo o que foram e ainda são as glórias do Velho.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente:-Continua em discussão o aviso prévio do Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu. Tem a palavra o Sr. Deputado Melo Machado.
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente e Srs. Deputados : quando o ano passado levantei aqui a questão do plantio fi-lo com a consciência de que trazia à consideração desta Assembleia e do Governo um problema da mais alta importância para a vitivinicultura e, consequentemente, para a economia do Pais.
As reuniões da vitivinicultura em Coimbra e noutras localidades e o aviso prévio que aqui trouxe o Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu serviram de amplificadores ao meu objectivo, que sem eles - só com a minha fraca e modesta palavra- não teria sido com certeza alcançado.
Não apoiados.
Mas graças a esses poderosos amplificadores o plantio está suspenso e vai-se estudar por que forma ele se realizará no futuro.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - O plantio não foi mandado suspender. Dizem-me mesmo que se está plantando, à pressa. Ò que está suspenso é a concessão de novas autorizações para plantar.
O Orador: - É como V. Ex.ª diz, mas eu já não me atrevia a pedir mais.
Fico satisfeito porque o Governo tenha sentido a necessidade de suspender o plantio, reconhecendo que a forma por que ele se está fazendo poderia trazer graves e perturbadoras horas à economia deste Pais.
O Sr. Camilo Mendonça:-V. Ex.ª dá-me licença? ...
O Orador:-Com muito gosto.
O Sr. Camilo Mendonça: - Confesso que dentre as várias teses que tenho aqui visto apresentar ainda não cheguei bem a inteirar-me num ponto: se se responsabiliza um possível excesso de plantio pela crise que se verifica no escoamento de vinhos; se há dois problemas que aqui se apresentam lado a lado: um, presente, de momento e devido a circunstâncias que não interessa agora profundar, e se traduz na queda dos preços, e outro, o do plantio, cujos reflexos serão, porventura, futuros...
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Camilo Mendonça: -... ou se estes dois se somam e, neste momento, se representam no mesmo: o plantio responsável pela superprodução existente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Efectivamente não seria legitimo responsabilizar o plantio pela crise actual.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Já está influindo; mas será responsável especialmente pelas graves crises futuras, mesmo que estejamos apetrechados para as enfrentar e não haja escoamento possível.
O Orador:-A crise actual provém de dois anos de colheitas boas sem serem excepcionais. Neste aspecto respondo a uma afirmação pública do Sr. Ministro da Economia, em que dizia que o plantio estava na ordem dos 3 por cento, e, por consequência, isso não podia ter influência na crise vinícola.
Os números apresentados pelo Sr. Ministro da Economia são estatísticos, mas a realidade é que duas colheitas abundantes foram suficientes para lançar a viticultura nacional numa grave e perigosa, situação.
Se as plantações efectuadas ultimamente pesarão ou não na produção, o tempo o dirá e dentro de poucos anos o Pais verificará onde está a verdade.
Sr. Presidente: eu sou por vezes vivo na crítica e até um Ministro da Economia chegou a dizer, numa reunião circunscrita a um organismo corporativo, que eu era um Deputado com a língua muito comprida. Todavia, tenho o prazer e a satisfação de afirmar que a forma por que S. Ex.ª o actual Ministro da Economia soube estar atento, oportuno e objectivo em relação a este problema merece os nossos melhores louvores.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Sr. Presidente: nestas palavras não vai envolvida a muita amizade que tenho por S. Ex.ª, porque, mesmo amigo como sou, não teria dúvida em dizer a S. Ex.ª o que pensava, se porventura fosse contrário ao meu modo de ver, mas a verdade é que S. Ex.ª soube ser oportuno, soube ser objectivo, e eu sei que para tal precisou necessariamente de ser decidido e corajoso, motivo por que não posso regatear a S. Ex.ª os louvores que merece.
Não fez tudo o que a viticultura queria nem como queria? Era seu desejo em primeiro lugar fazer terminar o marasmo dos negócios em que o mercado de vinhos se encontrava e, em segundo lugar, fazer atingir ao menos o preço mais alto que a Junta havia marcado para as intervenções em vinho de consumo, preço que devia funcionar como limite de baixa e não como preço efectivo para o comércio; todavia alguma coisa já se alcançou.
As medidas tomadas por S. Ex.ª o Ministro da Economia, segundo informações que tenho, parece já terem produzido os seus efeitos, pois efectivamente se activou o comércio de vinhos e parecem subir em certa medida os preços que se estavam fazendo. Se esse era o objectivo, creio que se chegou, com a resolução adoptada, pelo menos em parte àquilo que se pretendia.
A extrema irregularidade do nosso clima produz de certo modo igual irregularidade das colheitas vinícolas, e essa mesma irregularidade ajuda a actuar o sistema que a actual situação encontrou para acudir às crises vinícolas.
Vou mostrar um gráfico das produções vinícolas dos últimos quarenta anos; vai de 1915 a 1954.
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[ver tabela na imagem]
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Se os primeiros números podem não ser positivamente muito rigorosos, e isso se compreende porque ao tempo não existiam os manifestos e estas produções foram consequentemente calculadas e não serão assim exactamente a expressão rigorosa da verdade; se no período da guerra - quer dizer, nos anos de 1944-1945 - estes números também não são rigorosos, porque ao tempo o fornecimento do sulfato de cobre dependia do manifesto, e isso levou ao falseamento do mesmo, todavia este gráfico dá uma ideia geral do que seja a produção vinícola neste país. Como o gráfico é grande, VV. Ex.as mesmo daí podem ver as oscilações que sofre a produção vinícola. A anos de grande produção seguem-se quase sempre anos de baixa produção, sendo de proverbial conveniência guardar nos anos de fartura para ocorrer às necessidades nos anos de escassez.
O Sr. Camilo Mendonça: - V. Ex.ª já o acentuou, mas eu gostaria de focar ainda mais este ponto: os números até 1934 não são comparáveis com os actuais de forma absoluta.
Por outro lado, quero frisar outro ponto: é que o Instituto Nacional de Estatística introduz sempre correcções, e, assim, quando o ano é bom e se prevê que o produtor de determinado produto manifestou exageradamente com o fim de atingir certos objectivos, procede a correcções por redução, procedendo de forma inversa nos casos contrários. Até mesmo no caso do trigo, todo obrigatoriamente transaccionado através da Federação dos Trigos, o Instituto de Estatística não deixa de introduzir correcções. Portanto, torna-se necessário ter em conta que, embora se possam considerar exagerados os números referentes a esses anos, eles se encontram, pelo menos parcialmente, já corrigidos.
Por outro lado, e em relação ao gráfico apresentado por V. Ex.ª, desejava observar que, se V. Ex.ª considerar dois períodos decenais - a partir da existência da organização corporativa -, verificará que a produção média no segundo decénio não chega, em relação ao primeiro, a compensar o aumento da população. E nem considero um provável acréscimo da capitação. Esse aumento não excede 500 000 hl.
E ainda mais: em 1953 não havia qualquer stock no Pais, e foi necessário importar álcool vínico. Pode criticar-se o montante, que foi porventura superior ao que deveria ter sido, mas a verdade é que em 1953, antes da colheita desse ano, não existia qualquer stock de vinho ou aguardente vínica.
Também os preços relativos, isto é, referidos a uma mesma unidade monetária, foram muito superiores no segundo decénio e as intervenções efectuadas pela organização bastante menores neste último.
Quer dizer: a crise tem cansas fortuitas, que podem discutir-se, mas não constituem um caso de sobreprodução permanente.
Penso mesmo que, se as medidas tomadas o tivessem sido mais cedo, se não teria chegado a este estudo de crise, a menos que se tenha pretendido atingir um nivelamento dos preços por baixo. Tanto mais que ela se não revela igualmente em todas as regiões, riem pelos mesmos motivos.
O Orador: - Em todo o caso, para explicar a razão por que efectivamente se chegou ao ano de 1952 sem qualquer excesso de produção basta que VV. Ex.as verifiquem, neste gráfico, que os anos de 1946, 1947, 1948, 1949, 1950 e 1951 foram de baixa produção.
O Sr. Camilo Mendonça: -O mesmo poderá V. Ex.ª observar no decénio anterior. Se V. Ex.ª atender aos preços relativos do vinho, como já referi, verificará que são mais elevados no segundo decénio do que no primeiro.
Há crise de vinho, mas julgo ser devida em grande parte ao facto de se ter alterado o sistema das intervenções, isto é, de não se intervir a tempo e com a necessária intensidade.
O Orador:-V. Ex.ª tem essa opinião, que eu não sei se será inteiramente justificada, mas, justamente, eu ia falar daqui a pouco no facto de se ter intervindo ou não se ter intervindo.
Foi sempre aspiração da viticultura ter a possibilidade de arrecadar nos anos de excesso para poder lançar esse excesso nos anos de falta, e tanto isto é assim que já citei nesta Assembleia, há dois ou três anos, um decreto de 1901, decreto admiravelmente bem feito, em que tudo estava previsto, até as próprias adegas cooperativas hoje existentes, mas de que só se executou a warrantagem de aguardentes, que, aliás, pouco tempo durou.
Nem sempre é preciso fazer legislação nova; basta ver as velhas folhas do Diário do Governo, e tudo lá está tão bem feito e tão bem pensado que não há nada que inovar.
Mas porque as ensanchas do Tesouro não eram nesse tempo largas, ficou apenas desse decreto a warrantagem de aguardentes, que pouco tempo durou, como disse.
Depois, já no regime republicano, foi criada a União dos Vinicultores, que se baseava numa garantia de 5 por cento de juros para obrigações até 2000 contos, garantia prestada pelo Estado.
Vejam VV. Ex.as como seria fácil, nesse tempo, resolver uma crise vinícola com 100 contos de réis.
Simplesmente, porque era dum partido o Governo que adoptou esta medida e o que lhe sucedeu pertencia a outro, logo este cortou a medida pelo meio, e não cortou toda porque já se tinha dado a garantia para 1000 contos. Os outros 1000 contos desapareceram, e esta organização passou a levar uma vida de martírio, e só há poucos anos acabou por ser liquidada.
Mais tarde, e já na vigência da actual situação, ainda por iniciativa da viticultura, nascida em Torres Vedras, criou-se a Federação dos Vinicultores, por uma forma um pouco complicada, mas com o auxílio forte do Estado. E, com a administração inteligente que teve essa Federação, pôde actuar com resultados seguros. Para dizer qual foi o apoio que essa Federação encontrou no Governo do Estado Novo basta dizer que o crédito que lhe foi concedido chegou a ser de 400 000 contos.
Se compararmos esta cifra com a modesta garantia de juro de 5 por cento para 2000 contos, encontramos uma diferença muito grande.
Apesar da administração inteligente que teve, a Federação, em determinado ano, e isto por mau cálculo, estabeleceu um principio que pouco depois alterou, dando lugar a especulações que desgostaram vivamente a viticultura. Foi aqui intérprete dessa preocupação o nosso ilustre colega Sr. Dr. Carlos Borges, a quem dei o meu modesto auxilio, como pude e soube. A Federação deixou de existir e foi transformada na Junta Nacional do Vinho.
A forma por que tem actuado a Junta Nacional do Vinho tem sido tal que ela soube merecer a confiança da viticultura.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-E hoje a viticultura, em todos os seus períodos de apuro, volta os olhos para a sua organização, com esperança e confiança.
Mas, então, dirão VV. Ex.as, porque é todo este barulho, que chegou mesmo até esta Assembleia por meio do aviso prévio que estamos discutindo?
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O facto do há muitos anos não haver crises vinícolas levou porventura o Governo a acreditar que elas tinham desaparecido por completo. E a Junta Nacional do Vinho não encontrou logo desde o inicio todo aquele auxilio que lhe era absolutamente indispensável para fazer uma intervenção decidida, o que já causou, precisamente nos mais débeis economicamente, prejuízos irreparáveis.
O Sr. Camilo Mendonça: - Mas em 1943-1944 e 1944-1945 interveio-se em grande escala.
O Orador:-Já noutro dia disse aqui que tinha havido uma modificação enorme neste problema, a qual provém de o Douro ter deixado de se abastecer de aguardentes no Sul.
O Sr. Camilo Mendonça: -Tem V. Ex.ª razão, porque, desde que o Douro não pode (ou não devo ...) receber as aguardentes do Sul, caberia ter procurado um escoamento que substituísse o volante de desgaste que durante anos o Douro representou e deste modo evitar a acumulação de grandes atocha de vinho. A descida de preço do vinho até ao nível a que chegou foi devida em parte ao facto de se não ter procurado e encontrado novo volante de desgaste, como era necessário e indispensável.
O Sr. Furtado de Mendonça: - Mas se a aguardente fosse fabricada com os vinhos do Sul, o que havia de fazer-se ao excedente do vinho do Douro que não foi transformado em aguardente?
O Orador:-Não é esse o assunto que está em cansa. Estava a dizer a razão por que o problema se apresentou repentinamente com um aspecto de gravidade e dificuldade, que se explica pela transformação radical das bases em que assentava a sua solução.
O Sr. Furtado de Mendonça: - Perfeitamente.
O Orador:-A Junta Nacional do Vinho viu a sua capacidade de armazenagem reduzida a um sétimo, por, em vez de aguardente, ter de guardar vinho.
O Sr. Camilo Mendonça: - Honra seja feita à Junta Nacional do Vinho por ter tido a coragem de seguir o caminho da descentralização, indo ao encontro do melhor principio da nossa organização corporativa, quando concebeu e estruturou o plano das adegas cooperativas. Devo até dizer que foi até ao ponto de lhes ceder cerca de metade da sua capacidade de armazenagem.
Passados, porém, dois anos sobre a aprovação do plano, verifica-se que não se pôde ainda materializar por falta de meios indispensáveis, decorrendo daí não se dispor da capacidade de armazenagem necessária.
O Orador: - Se a Junta Nacional do Vinho nada mais tivesse feito, bastava-lhe a honra de ter gizado e radicado entre a vitivinicultura o principio das adegas cooperativas para tornar bem meritória a sua acção.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Honra lhe seja feita por essa iniciativa e pela forma como a realizou. Era o único sistema possível neste país, de individualismo feroz, e especialmente na classe a que se aplicava. O princípio já hoje encontra compreensão e até a ambição legítima de o ver expandir.
O Sr. Camilo Mendonça: - ... num país onde a centralização constitui pecado, a que poucos dirigentes conseguem furtar-se ...
O Orador: - Quando aqui, em boa hora, veio a lei do fomento sobre que tanto discutimos, tendo visto no seu relatório considerada a necessidade da criação de adegas cooperativas, e não se considerando no seu texto qualquer quantia para o seu estabelecimento, tudo diligenciei para que as coisas se modificassem no sentido de se concederem os meios necessários para a sua criação, o que não consegui. Foi-me afirmado que essas despesas sairiam das despesas ordinárias, mas até hoje nem mais uma adega cooperativa foi criada, porque nem um centavo apareceu para esse efeito.
Sr. Presidente : eu tenho pena que se tivesse perdido esta oportunidade, porque as adegas cooperativas estão na base essencial e indispensável da solução deste gravíssimo problema.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. André Navarro: - Direi mesmo que essa é a única solução.
O Orador: - Através das adegas, a Junta Nacional do Vinho teria a capacidade para a armazenagem de que precisa, evitando despesas que muitas vezes são improdutivas, e ao mesmo tempo criaria uma grande massa de vinho equilibrado de tipo constante, que facilitaria o comércio respectivo e a exportação.
A obra das adegas merece, pois, ser continuada.
Vozes : - Muito bem, muito bem !
O Orador: - Sr. Presidente: tem-se falado aqui com calor e com entusiasmo...
O Sr. Amaral Neto: - E até com fantasia!
O Orador: - ... na questão da exportarão de vinhos para a África, e manifestou-se o desejo de um envio cada vez maior dos nossos produtos vinícolas para as províncias ultramarinas.
O Sr. Amaral Neto : - V. Ex.ª dá-me licença?
V. Ex.ª pode dizer-me se, dadas as condições climáticas das regiões africanas, crê realmente serem muito vastas as perspectivas da nossa exportação de vinhos, e sobretudo de vinhos generosos?
O Orador: - Vinhos generosos, não sei. Mas permita V. Ex.ª que a propósito conte uma pequena história.
Quando, há mais de vinte anos, fui convidado para assistir, como representante da Associação da Agricultura, a inauguração do caminho de ferro de Benguela, essa admirável linha de penetração da província de Angola, com 1300 km de comprimento e que vai entroncar na linha do Congo Belga, tive a intenção de sondar na província de Angola e ia de Moçambique as razões por que os nossos vinhos encontravam embaraços e peias na entrada naquelas províncias através da pauta aduaneira.
Devo dizer que em Angola encontrei um espírito de compreensão absoluta. Os direitos nesse tempo eram pouco mais ou menos os de hoje, e não dificultavam assim a entrada dos nossos vinhos.
Porém, em Moçambique encontrei um espirito absolutamente oposto, e devo dizer que não me foi sequer possível falar publicamente no assunto.
Entretanto, a crise no País apertava, e o então Ministro da Agricultura, Dr. Joaquim Nunes Mexia, pessoa a cuja inteligência, boa vontade e serviços o País muito deve, como Ministro e como lavrador, e que merece a nossa saudosa lembrança, e muito principalmente a minha, que com ele servi, como director da Associação da Agri-
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cultura, na ocasião em que S. Ex.ª era presidente, enviou ao governador da província de Moçambique um pedido da baixa dos direitos sobre o vinho. A resposta que obteve foi a de que não era possível baixar esses direitos. A única coisa que consegui em Lourenço Marques foi que me dessem um boletim das actas do Conselho do Governo, no qual vários oradores expuseram a opinião de que não era possível nem útil baixar os direitos, porque a província tinha atingido o limite mais alto da importação e porque com isso se faria diminuir a receita.
O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª pode dizer-me quando é que isso se passou?
O Orador:-O ano não me recordo, mas era Ministro do Ultramar o Sr. Doutor Oliveira Salazar.
Quando cheguei a Lisboa tinha tomado o compromisso de fazer uma conferência na Associação da Agricultura. Fiz essa conferência, com a presidência do Sr. Doutor Oliveira Salazar, que ao tempo, como disse, era Ministro do Ultramar, e pude então demonstrar, com o boletim das actas do Conselho do Governo numa das mãos e com o relatório da alfândega na outra, que no ano seguinte àquele em que se dizia ter-se atingido o máximo possível da importação esta passara simplesmente para o dobro.
Tão transparente era a inanidade das razões do Conselho do Governo que o Sr. Doutor Oliveira Salazar mandou reduzir os direitos sobre o vinho. Suponho que depois disso tudo voltou à primeira forma. E não só isso, Sr. Presidente. Recebi a seguinte comunicação de um dos negociantes de vinho da Beira, que me foi fornecida pelo Grémio de Exportação de Vinhos:
Conforme nosso telegrama, que acabámos de expedir e do qual enviamos uma cópia, sentimos informar que, devido às restrições intensíssimas nesta província de Manica e Sofala impostas sobre as vendas de vinhos de qualquer espécie a indígenas, tem-se verificado nas últimas semanas uma baixa fantástica nas vendas de vinhos em barris. Achamos oportuno lembrar a VV. Ex.as, uma vez mais, tentarem junto do Grémio dos Exportadores de Vinhos démarches tendentes a modificar a política que está a ser seguida na província de Manica e Sofala pelas entidades oficiais quanto à venda de vinhos a indígenas.
Quer dizer: não só se não facilitou como se dificultou.
Dificulta-se a venda do vinho, mas consente-se a fabricação de cocacola e outros produtos sem qualquer interesse para a economia nacional.
O Sr. Manuel Vaz: - Mus que interessam aos respectivos industriais.
0 Orador:-As nossas províncias do ultramar, que decididamente custaram e custam ainda tanto sacrifício à metrópole, podem e suponho que devem ajudar-nos a vencer as nossas crises quando isso, como neste caso, está nas suas possibilidades.
Daqui peço a S. Ex.ª o Ministro do Ultramar que tome em consideração estes factos e que providencie no sentido de que nas nossas províncias de Manica e Sofala desapareçam as dificuldades que reduziram ao mínimo a existência de estabelecimentos para venda de vinho a retalho.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Essas restrições dão-se em quase toda a região de Manica e Sofala. Na Beira não se concedem alvarás para venda de vinho a retalho ou é difícil obtê-los.
O Orador:-Diz-se até que hoje quem tenha um desses alvarás e queira transaccioná-lo consegue uma fortuna.
Peço desculpa se estou a desiludir VV. Ex.as, porque estou a dizer o mais rapidamente possível o que tinha para dizer, visto ter hora marcada para uma conferência com o Sr. Ministro do Ultramar, a que não posso faltar.
Sr. Presidente: há pessoas tão sensíveis que um simples gesto ou olhar as melindram, e parece-me que há regiões que também têm a mesma sensibilidade. Efectivamente parece que a palavra «privilégio» foi tomada como ofensiva para o Douro, a tal ponto que, supondo estar porventura já tão esquecido da nossa língua que não soubesse efectivamente o valor das palavras, tinha feito tenção de ir buscar a um dicionário autorizado a definição da palavra «privilégio»; pedi, porém, ao grande latinista que é o nosso ilustre colega Sr. Dr. Lopes da Fonseca que me esclarecesse sobre a etimologia da palavra e, consequentemente, o seu significado: «lei para poucos», me disse, e efectivamente ninguém dirá que a restrição da barra do Douro e a demarcação da região não seja um privilégio na definição exacta da palavra.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não acredito que haja algum português que não estime o Douro como região produtora de vinho, e muito menos pode haver um viticultor que, ao menos por inteligência, a não estime igualmente. Todos os viticultores, e principalmente os do Sul, o que mais desejam é que o Douro viva com tanta prosperidade como ele próprio deseja, porque isso convirá tanto a eles como a todo o País.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Porque assim é e porque tenho o maior interesse na expansão do vinho do Porto, recordando o que já há dias disse - que haveria alguma coisa porventura a modificar no comércio dos vinhos do Douro-, permito-me ler parte de um artigo publicado no jornal americano News Week de 25 de Janeiro do corrente ano. Diz-se aí:
O ano de 1954 foi aquele em que os Estados Unidos importaram mais de 6 milhões de galões de vinho (27 240 0001, ou 54480 pipas) e em que, além de outras coisas, deslocaram a Grã-Bretanha do lugar de primeiro consumidor do champanhe francês.
O martini tornou-se mais seco, muito mais seco, a ponto de um barman dizer: («Agora toma-se um golo e exala-se uma nuvem de poeira ...».
Com a cerveja também a leveza e a secura se tornou a regra e com os vinhos, mais Americanos do que nunca começaram a sorver vinhos mais secos e a pousar o copo com ar de satisfação.
Hoje em dia as compras de vinho nos Estados Unidos atingiram um nível inédito.
Além do volume record de vinhos importados, mais 134 milhões de galões de vinho foram fabricados e vendidos nos Estados Unidos e calcula-se em mais de 25 milhões de vinho de fabrico caseiro, isento de imposto. Cerca de l galão por habitante (160 milhões).
Mais importante do que o volume propriamente dito é a elevação do nível de gosto e a procura de bons vinhos, quer importados, quer indígenas.
Os vinhos hoje mais conhecidos na América podem classificar-se em cinco categorias:
a) Aperitivos (sherry vermute);
b) Vinhos tintos (bordéus, borgonha, chianti, rosé);
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e) Vinhos brancos (sauterne, chablis, reno);
d) Vinhos de sobremesa (porto, moscatel, tokay);
e) Espumosos (champanhe e borgonha).
Quer isto dizer que há neste momento na América do Norte o maior interesse pelo consumo de vinhos.
Vamos perder esta oportunidade? Continuamos a não fazer reclamo dos nossos vinhos? Abandonamos uma possibilidade numa terra onde só o reclamo faz vender os produtos?
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Alberto de Araújo: - V. Ex.ª dá-me licença para prestar uns ligeiros esclarecimentos?
O Orador:-Faz favor.
O Sr. Alberto de Araújo: - Quanto à colocação e propaganda nos mercados americanos, que, pela sua extensão e pelo que consomem, podem efectivamente ser um mercado interessantíssimo para os vinhos portugueses, nomeadamente para os nossos vinhos generosos do Porto e Madeira, desejaria poder esclarecer este ponto, porque tenho seguido de perto o assunto. Sei, por isso, que o problema da propaganda dos nossos vinhos nos Estados Unidos é, neste momento, motivo de especial preocupação das instâncias oficiais encarregadas de dirigir os sectores fundamentais do nosso comércio externo e sei que ainda há poucos dias esteve em Portugal o adido comercial português em Nova Iorque, o Sr. Engenheiro Freire de Andrade, que veio concertar com o Governo Português um plano de propaganda dos vinhos portugueses nos Estados Unidos e também a de outros produtos, como, por exemplo, conservas, que tom possibilidade de larga extensão na América do Norte.
Efectivamente, um plano de propaganda nos Estados Unidos não se pode improvisar de um momento para o outro, mas é preocupação dos sectores que dirigem a nossa política externa intensificar essa propaganda. Por isso o orçamento do Fundo de Fomento de Exportação para o próximo ano inclui, para a propaganda nos Estados Unidos, a verba de 10 000 contos, que é uma verba importante para a propaganda dos produtos portugueses, e admite-se a possibilidade de, uma vez ele elaborado, parte dessa verba ser despendida já no ano corrente e prosseguir nos anos futuros.
Julguei conveniente dar estes esclarecimentos como seguimento das interessantíssimas considerações de V. Ex.ª
O Sr. Teixeira de Sousa: - O assunto da propaganda é essencial, mas, se não for acompanhado por uma organização comercial adequada, de nada servirá.
O Orador: - Agradeço a intervenção do Sr. Deputado Alberto de Araújo e a boa notícia que ele acaba de nos dar.
E quero ainda dizer a VV. Ex.as que, justamente há poucos dias um categorizado comerciante americano veio procurar estabelecer relações com Portugal, no desejo de iniciar a exportação de vinho para a América.
O Sr. Daniel Barbosa: - Não queria, deixar ficar no ar um esclarecimento que à volta das palavras de V. Ex.ª, Sr. Deputado Afeio Machado, o nosso ilustre colega e meu querido amigo Sr. Dr. Alberto de Araújo fez, há pouco.
Eu confesso que com ele fiquei muito pouco esclarecido.
Vejo que há da parte do Fundo de Exportação maior volume de dinheiro para fazer essa propaganda. Mas, se essa propaganda não estiver devidamente organizada de forma a atender não só às necessidades da produção que se procura defender, mas também às preferências locais, vejo muito difícil fazer o escoamento de vinhos generosos, como os do Douro, por exemplo.
Por isso mesmo me parece indispensável apoiar toda a acção de propaganda nos organismos e entidades que melhor conheçam umas e outras. De outra forma tenho sérias razoes para recear que se possa perder ingloriamente um montante de dinheiro ainda maior do que aquele que em certos casos se perdeu já.
O Sr. Proença Duarte: - O nosso colega Teixeira de Sousa estudou profundamente o mercado da América do Norte, e no brilhante estudo que elaborou a tal respeito preconizou um certo número de medidas que a meu ver, arredavam todas as objecções que o Sr. Engenheiro Daniel Barbosa acaba de pôr à consideração de VV. Ex.as.
O Orador: - Agradeço a todos os Srs. Deputados o auxilio que me deram durante esta minha intervenção e manifesto ao Deputado avisante a minha satisfação e o meu apoio por ter trazido à Assembleia esto assunto, pondo perante o País e o Governo a grande importância do problema vinícola nacional, com a esperança de que este grande sector da nossa, economia possa realmente viver como merece.
E estou certo de que a população portuguesa agradecerá reconhecidamente o poder obter-se que os nossos vinhos não constituam um motivo de aflição permanente, no receio de crises angustiosas e devastadoras.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Teixeira de Sousa: - Sr. Presidente: apresentou o Sr. Deputado Dr. Paulo Cancella de Abreu, com a independência e isenção que o caracterizam, o seu aviso previu sobre a situarão difícil que atravessa a viticultura, e senti-me desde logo obrigado a vir aqui fazer o meu depoimento; tanto mais que o Sr. Ministro da Economia manifestou prontamente o desejo, já em parte realizado, de adoptar as medidas necessárias; para resolver a situação, tornando na devida conta o resultado deste debate.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Sr. Presidente: quando as produções vinícolas são grandes, os vinhos não encontram venda a preços remuneradores e, então, surgem as crises. Entre os remédios apontados para lhes dar solução, aparece na primeira ordem de preocupações o pedido de restrição ou proibição do plantio da vinha.
Foi o que se passou na grande crise, com início no ano 1931. Em 1932, pelo Decreto n.º 21086, são suspensas as plantações de vinha, e, depois de 1934, uma série de leis, decretos-leis e portarias são publicados, com o objectivo de condicionar o plantio da vinha.
No magnífico parecer da Câmara Corporativa, elaborado pelo autorizado Procurador Dr. Rafael Duque, com data de 27 de Abril do 1931. sobre o plantio da vinha no continente, está muito judiciosamente demonstrada, a necessidade de condicionar esta cultura.
Vem referido naquele parecer:
«A acção combinada destes factores -condicionamento do plantio e organização - deu como resultado benéfico a paz económica em que se tem vivido nu vasto sector da viticultura há cerca de quinze anos e a relativa prosperidade de que se tem gozado».
Todavia, observa-se que, ficando a cultura beneficiada por um regime de condicionamento, isto é, assegurada a colocação dos seus produtos em condições
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favoráveis de preço, essa vantagem constitui um incitamento ao alargamento das plantações.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Também se compreende, até dentro da mesma área, que u maior esmero da técnica cultural conduza ao aumento das produções.
Em agricultura não se concebem facilmente as exigências que são postas nem as formalidades burocráticas que necessariamente é preciso satisfazer para ser autorizada a plantação de qualquer cultura.
O pequeno produtor é aquele que, em regra, sofre mais com estas limitações, pois nem sempre lhe é fácil estar a par das disposições legais.
O condicionamento da plantação da vinha é um mal necessário e só como tal pode ser aceite.
No parecer já referido conclui-se:
O condicionamento deverá, em princípio, satisfazer às necessidades de reconstituição dos vinhedos e às exigências do consumo determinado pelo crescimento populacional; e a sua execução deverá ser orientada tendo em atenção outros factores, como a produtividade e a evolução do consumo.
Obedecendo a estes princípios, foi publicado o Decreto-Lei n.º 38 525, de 23 de Novembro de 1931, onde ficou reunida toda a legislação dispersa respeitante a tão importante problema.
Surgem duas boas colheitas nos anos de 1953 e 1954 e logo advêm dificuldades na venda dos vinhos. Os altos preços atingidos como consequência da colheita muito reduzida de 1952 não se podem manter. A organização só intervir na compra de vinhos da colheita de 1933 com os preços correspondentes aos do seu custo médio de produção.
Os preços da última colheita desceram demasiado, chegando a realizar-se vendas à razão de $90 o litro, preço este considerado ruinoso; e dai o pânico que se estabeleceu.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. : o que se passa presentemente já ocorria em 1901.
Vou referir um período do relatório do Decreto-Lei de 14 de Junho daquele ano, o qual é bastante elucidativo:
O Governo considerou pois a questão aberta e seguiu atento as correntes de opinião que se iam manifestando. Julgou bastante significativa a judiciosa reserva da Real Associação de Agricultura, que se não quis pronunciar pró ou contra a restrição da cultura da vinha. Viu a questão suscitar ardentes debates, tanto na reunião viticultores ultimamente celebrada em Lisboa como na imprensa. Pareceu-lhe que o alvitre radical da proibição genérica e absoluta de novas plantações era a que mais adeptos contava. Entendeu, pois, que uma tal restrição dos direitos individuais, que faz do Estado árbitro das culturas a que pode cada um aplicar a sua propriedade, era -em tese e na hipótese- grave de mais para se assumir a responsabilidade de a intimar sem interferência do Parlamento, para o qual é reservado o exame e a solução do problema.
Como se vê, mesmo sem nos reportarmos às reformas pombalinas, já vem de longe a questão posta da limitação da cultura da vinha.
Desde que se conclui que os terrenos de várzea mais férteis contribuem bastante para o agravamento das crises, e sendo a qualidade do vinho, por natureza, inferior, compreende-se a necessidade de destinar estes terrenos a outras culturas. Todavia, a sua reserva para a cultura cerealífera ou outra só pode ser plenamente assegurada quando estas forem suficientemente compensadoras em relação à da vinha e os seus produtos encontrem colocação garantida e fácil escoamento.
Refere o parecer da Câmara Corporativa, anteriormente citado, que vale a pena esperar que se completem os trabalhos do Plano de Fomento Agrário para então sobre a carta agrícola ideal estabelecer o ordenamento das culturas.
Então -diz-se-, com base nesse trabalho, poderia ser estabelecido com maior rigor o condicionamento do plantio, atendendo aos factores de ordem fisiográfica e aos de ordem económica e social.
Mas, sendo assim, conhecendo-se todas as condições de produtividade dos diferentes terrenos, arrisco-me a apresentar uma hipótese, que não significa uma opinião, mas apenas uma ideia: não seria possível estabelecer um tributo especial, correspondente ao excesso produzido - uma taxa diferencial, a mais-valia -, para os terrenos férteis, cujas vinhas tanto influem na produção e não primam pela qualidade: Deste modo, admite-se a possibilidade de libertar as vinhas do actual condicionamento, sendo os excessos de produção retirados com o rendimento da contribuição que as vinhas mal localizadas viessem a pagar. O principal objectivo que se visava com este sistema era libertar a plantação de vinha do condicionamento, dando ao agricultor, sobretudo ao pequeno proprietário, a liberdade de escolha das suas culturas.
O Sr. Camilo Mendonça: - V. Ex.ª dá-me licença?
É para dar apenas um esclarecimento. O parecer elaborado para apreciação dos representantes dos grémios da lavoura, reunidos em Coimbra, incluía essa orientação. Todavia, ela foi retirada depois e o pedido a formular ao Governo de aplicação de uma taxa foi excluído nas conclusões finais, para permitir o acordo entre todas as regiões.
Lá fora, em Franca e na Espanha, no primeiro caso concretamente e no segundo em intenção, o problema põe-se segundo o ponto de vista que V. Ex.ª apresentou.
Mas eu acrescentarei mais: o problema do condicionamento não é, por si só, um meio eficaz para defender o equilíbrio da viticultura. Torna-se necessário enquadrá-lo num conjunto de medidas ou situações em que possa representar uma medida de orientação com vista à melhor qualidade.
O Orador: - A questão referida não representa uma opinião. Mas. prosseguindo: deixava de existir o condicionamento do plantio e passava a haver o condicionamento da produção.
No campo das ideias podem apresentar-se várias hipóteses, pois em teoria tudo se resolve; porém, na prática seriam grandes as dificuldades a vencer.
Sr. Presidente: tem-se falado frequentemente das grandes produções das vinhas do Ribatejo. Convém notar que se forma muitas vezes uma ideia errada a este respeito, tomando uma parte pelo todo. As vinhas que dão grandes produções são as de várzea, designadas localmente por «campo», e estas ocupam uma área menor do que as de «charneca», que são mais extensas e menos produtivas.
Reportando-nos ao concelho de Almeirim -o maior produtor de vinhos do Ribatejo, seguido de perto pelo do Cartaxo-, verifica-se pelo inquérito realizado em 1947, pelo engenheiro agrónomo Américo Miguel, para o estudo do custo de produção do vinho, que as vinhas de «charneca», ocupando uma área de 5534 ha, cerca
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de 67 por cento área total, produzem em media 27 200 pipas de vinho, isto é, cerca de 40 por cento da produção total. Pelo contrário, as vinhas do «campo», com uma área de 2678 há, cerca de 33 por cento da área total, produzem 100 000 pipas, representando aproximadamente 60 por cento da produção total do concelho.
Podemos avaliar em 5 pipas a produção por hectare para as vinhas de «charneca» e em 37 pipas a das vinhas do «campo».
Se distinguirmos as diferenças de produção por classes de produções, até 200 pipas e com mais do 200 pipas, teremos:
[ver tabela na imagem]
Observa-se, assim, que em Almeirim os produtores com menos de 200 pipas, 97,8 por cento do total, produzem 40 por cento da produção do concelho, e os que têm mais de 200 pipas, apenas 2.2 por cento, atingem 60 por cento.
No concelho de Almeirim os preços de custo completos são, para o ano de 1947, em média, 1$37 por litro na zona de campo e 2$27 para a zona de charneca. (Nas terras de l.º classe, campo, o preço é de 1$39, e para as terras de 4.ª classe, charneca, o preço chega a atingir 4$46). Para o concelho, o preço médio ponderado, em função das produções totais de cada zona, é de 1$85.
Se observarmos agora o número de viticultores distribuídos por escalões de produção, na área abrangida pula Junta Nacional do Vinho, nota-se o seguinte:
Até 5 pipas - cerca de 80 por cento dos produtores, com 25 por cento da produção total.
De 5 a 10 pipas - cerca de 10 por cento dos produtores, com 15 por cento da produção total.
de 10 a 20 pipas - cerca, de 5 por cento dos produtores, com 15 por cento da produção total.
Mais de 20 pipas - cerca de 5 por cento dos produtores, com 45 por cento da produção total.
Enquanto 214 330 viticultores, isto é, 95 por cento, obtêm 55 por cento da produção total, os restantes 5 por cento, 9354 viticultores, produzem 45 por cento.
Na hipótese de na resolução duma crise vinícola, ser necessário pedir a vinicultura a entrega duma determinada, percentagem da colheita, como sucedeu em 1933 no início da Federação Vinícola do Centro e Sul de Portugal, parece que, para maior facilidade de execução o mesmo de justiça, deveria aquela contribuição incidir apenas sobre os que produzem quantidades superiores a 10 pipas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas voltemos ao condicionamento do plantio da vinha. É este o sistema que está em vigor e como um mal necessário o temos de considerar, atendendo aos benefícios que tem trazido.
São grandes os clamores em relação aos abusos praticados. Não conheço em que medida são exactos.
Julgo aconselhável, pois, aperfeiçoar este sistema e para tanto, melhorar a sua fiscalização. Esta pode ser facilmente ampliada, desde que a Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas comunique sempre aos organismos que superintendam nas diferentes regiões e aos grémios da lavoura as autorizações concedidas. Estes organismos, através dos seus serviços, poderão prestar uma óptima colaboração, revelando as plantações novas feitas irregularmente.
Mas, se considerarmos que o condicionamento do plantio obedece a razões de ordem económica, não poderia admitir-se a conveniência de ser realizado pelos organismos que têm estas funções? Ou, melhor, pela Corporação do Vinho, quando esta vier a constituir-se?
Sr. Presidente: infelizmente, temos de reconhecer que, além das uvas, outros factures contribuem para avolumar a produção de vinho, sobretudo nos anos em que as colheitas são escassas e os preços deste são mais elevados.
A última legislação publicada, o Decreto-Lei n.º 39250, de 20 de Junho de 1953, veio tornar mais eficiente a fiscalização do vinho nos armazenistas (pondo termo às facilidades concedidas pelo Decreto-Lei n.º 35846, de 8 de Setembro de 1946, embora com as limitações estabelecidas pela Portaria n.º 12 089, de 27 de Outubro de 1947, e pelo Decreto-Lei n.º 36 705, de 30 de Dezembro de 1947). Foi uma medida benéfica para a viticultura, para o público consumidor e até para os próprios armazenistas, porque veio contribuir para limitar a concorrência que as firmas honestas sofriam daquelas que, utilizando as facilidades legais, recorriam a processos fraudulentos.
Parece-nos, contudo, da maior utilidade que com base nos estudos já realizados nos laboratórios da Junta Nacional do Vinho, doutros organismos e da Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas, e noutros estudos ainda a realizar, se definam os índices e características a que devem obedecer os vinhos, actualizando os limites presentemente em vigor. Entre eles, merece especial atenção a acidez volátil, pois a técnica de fabrico é hoje mais perfeita, e por isso conviria reduzir aquele limite, de modo a estabelecer a selecção dos vinhos de melhor qualidade.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador:- Um outro aspecto que interessa focar é a influência que a aguardente de figo e o álcool podem Ter na economia do vinho.
Num dos relatórios da Comissão Reorganizadora da Indústria de Fabricação de Álcool, criada por portariar de 6 de Agosto de 1947, vem referido:
A vinicultura receia a indústria alcooleira pelas possibilidades de o álcool industrial ser distraído para fins ilícitos da falsificação de vinhos, e estima-a porque vê nela a possibilidade de escoamento para as suas sobreproduções e adulterações.
É na verdade uma síntese perfeita da posição da vitivinicultura perante este problema.
O álcool que se desvia do seu curso normal vai cair no vinho ou nas aguardentes, desde que a diferença de preço a tal o anime.
Isto é fatal! Foi sempre assim e não há força nem sabedoria humana capaz de o impedir.
A venda ao público de álcool puro a preços inferiores aos correspondentes das aguardentes vínicas é sempre um motivo de preocupação para a vinicultura e constitui um incitamento à fraude.
Vozes:- Muito bem!
O Orador:- Desde que o preço do vinho desça abaixo de 1$50 o litro, na base de 12.º, o actual preço do álcool já não é compensador para aquela mistura.
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Conclui-se, pois, que a fixação do preço de venda do álcool a um nível suficientemente elevado tem em vista a defesa da vinicultura e vai também defender a higiene pública.
Ao preço actual das aguardentes vínicas já não é compensadora a mistura do álcool.
O preço do álcool no armazém, em Lisboa, é de 12$25 o litro, que corresponde a $12(9) o grau-litro, e no retalho é de 12$95 o litro, correspondendo a $13(7) o grau-litro.
É de notar que, tendo o preço do vinho descido bastante, chegando a atingir $90 o litro no produtor, na base de 12º, e sendo corrente o preço da aguardente vínica a 3.800$ a pipa de 500 l, a que corresponde o preço do grau-litro de $09(7), não é de temer, presentemente, o desvio do álcool com esta finalidade.
Mas, se, por outro lado, observarmos o consumo do álcool puro, notamos que tem aumentado nos últimos anos duma maneira crescente e verifica-se uma descida na campanha de 1953-1954:
Litros
1948-1949 ............. 3482805
1949-1950 ............. 3416875
1950-1951 ............. 3472120
1951-1952 ............. 3729250
1952-1953 ............. 4247670
1953-1954 ............. 3955315
A que atribuir a diminuição de consumo de álcool puro, de 292 305 l, na campanha 1903-1954? E estranha esta coincidência com a baixa de preço dos vinhos.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Um outro perigo se apresenta. Quero referir-me ao incremento notável que se tem verificado na plantação de figueiras, não só na região de Torres Novas (definida pela Portaria n.º 10 174, de 26 de Agosto de 1942), mas também noutras regiões, designadamente no Alentejo. Deve atribuir-se este interesse pela plantação de figueiras, que assume proporções cada vez maiores, ao preço aliciador do figo, o qual tornou esta cultura remuneradora.
De tal facto não resultaria mal de maior se a indústria do álcool absorvesse toda a aguardente de figo produzida, e até constituía um motivo de prosperidade para estas regiões.
Porém, como o consumo do álcool não acompanha o acréscimo daquela matéria-prima, verificam-se excedentes que se vão acumulando aias fábricas, e, como estas suo obrigadas a receber ao preço tabelado apenas a aguardente da zona de Torres Novas, sucede que ou não compram a aguardente de fora, ou então só a recebem por preços inferiores. Esta descida de preços é perigosamente observada pela vinicultura, pois, à medida que os .preços descem, aproxima-se o perigo de ganharem a vantagem que permita o seu escoamento na mistura com o vinho.
Impõe-se, por isso, uma revisão dos preços e do sistema estabelecido para o figo e a sua aguardente, de forma a ajustar a cultura às reais necessidades da produção e consumo de álcool e de novas aplicações, possivelmente alimentares e forrageiras, dados os excedentes de figo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ë de notar que na colheita de figo de 1954, a maior de que há memória, o tempo correu sempre favorável durante a colheita e a secagem, que se realizou em condições excepcionais, a figo que não foi consumido, em natureza ou seco, tem, necessariamente, de ser destilado.
A grande dispersão destas destilarias torna muito difícil a sua fiscalização. E de aconselhar reduzir o seu número e aumentar a capacidade de laboração por unidade, correspondendo tanto quanto possível à constituição de destilarias cooperativas. Deste modo talvez se encontre o remédio para um dos grandes males de que enferma esta actividade.
Na região de Torres Novas a Junta Nacional do Vinho promoveu a instalação de duas destilarias cooperativas, uma em Alcorochel e outra na Brogueira, que têm produzido bons resultados.
Sr. Presidente: referimos que a vinicultura estima u indústria do álcool porque vê nela a possibilidade de colocação dos seus excedentes vínicos. Para tanto é necessário aumentar o consumo do álcool e ampliar as suas aplicações.
Interessa conhecer as quantidades de álcool que as novas indústrias possam absorver e os preços a que podem adquirir esta matéria-prima. Creio que existe a possibilidade de fomentar novas indústrias que utilizem o álcool como matéria-prima, na medida em que os preços e as quantidades de álcool de que precisem possam ser compensados pela maior cotação do álcool puro e dos preços a que a indústria alcooleira receba as aguardentes de figo, vínicas ou outras.
Podemos concluir, como já o temos afirmado noutras ocasiões, que a solução deve estar na aquisição das aguardentes a preços diferentes, consoante a sua origem, e na venda do álcool a preços variáveis, conforme os seus destinos.
Só no resultado final, da compensação dos vários preços, é que se podem tirar conclusões.
O álcool destinado a fins industriais sofreria unia desnaturação adequada e especial para cada caso, de modo a poder fazer-se uma fácil e eficaz verificação.
Para melhor facilidade de fiscalização, poderia admitir-se a constituição de uma única sociedade distribuidora do álcool, constituída por todos os industriais, dispondo apenas do número de armazéns especiais necessários para o efeito.
Nas soluções tendentes a resolver o problema do álcool concluo do seguinte modo:
Devem ser estabelecidas todas as limitações consideradas necessárias, com o fim de impedir que de qualquer modo a economia do vinho venha a sofrer perturbações desastrosas ou inconvenientes.
Entre estas limitações é fundamental a de o álcool só pode ser vendido ao (público a preço superior ou do equivalente das aguardentes vínicas.
Presentemente tal não sucede, mas até aqui tem sucedido, e os inconvenientes estão à vista.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: na representação dos grémios da lavoura ultimamente apresentada ao Sr. Ministro da Economia é solicitado o «fomento de adegas cooperativas por total financiamento e comparticipação do Estado».
É a primeira vez que a lavoura, em reunião conjunta dos representantes das regiões Vitivinícolas, resolve solicitar ao Governo a criação de adegas cooperativas, medida que considera do maior interesse nacional.
Isto significa que o esforço realizado pela Junta Nacional do Vinho, para demonstrar as vantagens que advêm da existência de adegas cooperativas, correspondeu a uma real necessidade.
Foi pelo exemplo vivo que se tornou possível evidenciar o importante papel das adegas cooperativas na
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defesa dos interesses Vitivinícolas nacionais. Resumidamente, podemos apresentar como vantagens principais as seguintes:
Permitirem uma maior resistência económica da viticultura em ocasiões de crise, circunstância de que beneficiariam em especial os pequenos viticultores, dada a sua fraca resistência financeira ;
Contribuírem para melhorar a qualidade dos vinhos, em virtude do aperfeiçoamento dos métodos de fabrico e da utilização de adegas e de armazéns bem apetrechados. A conveniente aplicação dos conhecimentos técnicos a grandes massas vínicas oferece ainda a vantagem de permitir obter quantidades de vinhos de boa qualidade e com tipo uniforme.
O fabrico do vinho deixou de ser uma arte, paru ser num indústria de fermentação, que exige os maiores cuidados, como o da cerveja. Em relação a esta última tem um grande inconveniente, o qual é de ter um curto período de laboração, e, consequentemente, a amortização da aparelhagem e maquinaria é muito mais dispendiosa do que sucede nas indústrias de laboração contínua. Este inconveniente, infelizmente, é comum à grande maioria das indústrias agrícolas.
Como já referimos, foi pelo exemplo vivo que se tornou possível criar no espírito da lavoura, de uma forma tão convincente, a necessidade das adegas cooperativas.
Para o êxito desta demonstração, ainda num período em que existia a dúvida do sucesso, muito contribuiu a competência técnica do pessoal da junta, engenheiros agrónomos e regentes agrícolas, e o auxílio dado pelas autoridades administrativas e por alguns estabelecimentos dependentes da Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas.
Seja-me permitido fazer uma referência especial ao escola de regentes agrícolas, que, aliado à sua competência, desenvolveu grande esforço e dedicação, direi mesmo devoção, vencendo todas as dificuldades para que se alcançassem os melhores resultados.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - A sua competência técnica vai filiar-se na magnífica acção desenvolvida pela Estação Vitivinícola da Anadia, onde se realizaram importantes estudos da tecnologia do vinho, e em estágios ou em cursos especialmente conduzidos muitos agrónomos e regentes agrícolas puderam aperfeiçoar ali os seus conhecimentos da especialidade. Depois, a larga actuação desenvolvida na assistência técnica à vinicultura, iniciada no tempo da Federação dos Vinicultores do Centro e Sul de Portugal e continuada pela Junta Nacional do Vinho, onde, no contacto directo com os produtores e nos trabalhos de vinificação que orientaram, puderam afirmar os seus conhecimentos.
Os funcionários da Junta Nacional do Vinho que se seguiram na organização da nua vida administrativa também revelaram o mesmo interesse e muito contribuíram para auxiliar a sua administração.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A primeira adega a ser instalada fui a de Muge, que funcionou de 1935 a 1952, em edifício cedido pela Casa Cadaval. Em 1942 começou a funcionar a Adega Cooperativa de Almeirim, instalada nos armazéns da Junta Nacional do Vinho. Depois de 1945 vai-se intensificando a instalação de adegas nalguns dos armazéns da Junta e em 1947, nos locais onde não se justificaria a construção de armazéns, instalaram-se adegas cooperativas em pavilhões metálicos desmontáveis, que podiam ser facilmente retirados no caso de insucesso, em Lagoa, Lagos e S. Pedro do Sul. A partir de então as novas adegas e aumentos de capacidade evolucionam num ritmo crescente, até que em 1953 funcionaram 17 adegas cooperativas, com um movimento de 3911 associados e uma laboração de 37 747 pipas. Em 1954 a laboração atinge 41 900 pipas. Isto no que se refere à área abrangida pela Junta Nacional do Vinho, porque na região do Dão e na região do Douro os respectivos organismos também têm realizado uma importante actuação neste sentido.
Nas adegas cooperativas pretende-se obter grandes massas de vinho de boa qualidade e de tipo uniforme. Isto não significa que se generalize a uniformização do fabrico. Deve procurar-se produzir os vinhos dos tipos das respectivas regiões, amoldando-se às práticas seguidas, e manter, embora melhorado, o mesmo tipo de vinho.
Para este efeito têm grande importância as misturas de uvas de várias castas, inclusivamente os lotes de uvas tintas e brancas nas percentagens habituais.
Mas a obra em marcha não atingiu o seu fim principal; além do económico, é preciso que realize aquele objectivo de solidariedade humana que é a alma e a vida das cooperativas. E necessário que os seus dirigentes se vão formando dentro daquele espírito, para que as cooperativas não se reduzam a uma casa de negócios, mas sim a sede duma vida em comum, de auxílio mútuo e de respeito pela pessoa humana. Ë essa a sua mais elevada finalidade - é a social.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Através das cooperativas pode-se tornar mais fácil a vida dos pequenos agricultores, fomentando assim a pequena propriedade.
D. Luís Almarcha, bispo de Leão, refere nu seu magnífico livro La Cooperación como Sistema Económico-Social:
Muitas obras económico-sociais morrem porque se desumanizam. Ou se atende unicamente ao espírito (caso raro), ou se atende unicamente ao material (caso frequente). Em ambos os casos se esquece que o composto humano tem matéria e tem espírito, se esquece que o homem necessita do económico, do religioso, do patriótico e do cultural e de sítio onde reunir e onde encontre os seus semelhantes que o consolem nas suas tristezas.
Sr. Presidente: a primeira disposição de lei autorizando o Governo a auxiliar o estabelecimento e manutenção de adegas cooperativas em Portugal (ao tempo chamavam-se adegas sociais) data de 30 de Setembro de 1892.
Em 1901, pelo Decreto-Lei de 14 de Junho, são promulgadas diversas providências para suavizar a crise vinícola. No relatório que precede aquele decreto o problema vinícola nacional foi apreciado com toda a objectividade e as soluções então preconizadas para dar remédio à crise vinícola que naquela época se verificava são as mesmas que, de um modo geral, ainda hoje se impõem como necessárias à defesa da vitivinicultura. Entre estas estabelecia-se no artigo 2.º que:
O Governo promoverá o estabelecimento de oito adegas sociais e auxiliará a sua laboração, a fim de facilitar o aperfeiçoamento de fabrico e tratamento dos vinhos e a unificação dos seus tipos regionais.
Das adegas sociais então constituídas nenhuma chegou a funcionar. As facilidades concedidas não foram
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suficientes para que aquela iniciativa tivesse o êxito que seria de desejar, por não se verificarem as condições necessárias de sucesso, as quais só agora, apoiadas na sólida estrutura da Junta Nacional do Vinho e no valor técnico do pessoal executor, encontraram a base necessária para fazer crer na sua viabilidade. Assim, ao fim de muitos anos. transforma-se em realidade a aspiração dos pioneiros do cooperativismo vinícola em Portugal, o qual só foi possível através da organização corporativa o do apoio do Governo. Também deste modo se dá cumprimento ao artigo 41.º da Constituição, pelo qual o Estado promove e favorece as instituições de solidariedade e ti e cooperação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Presentemente tem a Junta Nacional do Vinho elaborado um estudo muito completo, que servo de base à planificação duma rede de adegas cooperativas. É um trabalho no qual é possível basear a realização das adegas no número julgado indispensável.
Quando a rede de adegas estiver suficientemente ampliada e o volume de vinho nas mesmas armazenado atingir quantidades consideráveis, podem as mesmas vir a desempenhar importante papel na regularização dos preços e abastecimento do mercado, limitando-se a Junta Nacional do Vinho a intervir apenas nos financiamentos exigidos pelos vinhos que ficam imobilizados.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Com o Decreto-Lei n.º 40037, recentemente publicado, destinando unia parte da taxa, no mesmo estabelecida, para o apetrechamento da produção por meio da extensão da rede de adegas cooperativas, talvez seja possível realizar esse desejo por «total financiamento e comparticipação do Estado», como foi pedido na representação da lavoura.
Realmente é esta a forma de execução mais viável, pois os associados não deixam de pagar, e da forma mais suave, deduzindo no vinho produzido a parte correspondente.
Não nos devemos esquecer de que os pequenos viticultores, aqueles que mais carecem de auxílio, têm dificuldade em contribuir com uma parte do capital. Este deve ser totalmente financiado, em condições vantajosas, e na certeza de que será amortizado.
Entre outros, que bom precisam de auxílio e amparo, estou a ver o raso dos numerosos e pequenos viticultores da Lourinhã, cuja adega, instalada num pavilhão desmontável, é insuficiente, tornando-se urgente a construção duma adega com a capacidade adequada.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Sr. Presidente: são já muito grandes os serviços que a organização tem prestado à vitivinicultura, e a fornia como procedeu noutras ocasiões também difíceis deve dar aos viticultores a certeza de que os seus interessei legítimos serão, tanto quanto possível, acautelados na medida do que for justo e razoável.
Deve haver também a confiança no Governo, que, sempre vigilante na defesa dos interesses nacionais, dará o necessário apoio à Junta Nacional do Vinho para a resolução da crise. Para tanto, são prova manifesta da boa vontade em resolver as actuais dificuldades as medidas levadas a efeito pelo Sr. Ministro da Economia e aquelas que já prometeu executar, as quais certamente trarão à lavoura o conforto e a certeza de que foi ouvida e que está a ser atendida.
Vozes: - Muito bem!
O Orador. - A produção vinícola apresenta uma variação quase cíclica, e embora não se possam prever com exactidão os anos de boas e de más colheitas, sabe-se, todavia, que a um período de más produções sucede com frequência um de boas colheitas, e vice-versa. As boas e más produções estão, sobretudo, na dependência da forniu como o clima decorre durante o período vegetativo da videira, sendo particularmente decisiva a época da floração. Se durante a floração da videira surge um período de chuva ou nevoeiros persistentes, daí resulta um grande desavinho e uma pequena colheita. 0s anos em que a produção do vinho é mais escassa reincidem, em regra, com o grande desavinho provocado pelas chuvas.
Em princípio compete à Junta Nacional do Vinho, dentro da sua função reguladora, intervir no mercado, adquirindo nos anos de grande produção os excedentes que aviltam os preços, por um preço-limite abaixo do qual provocaria a ruína da viticultura. Deste modo, retirando os excedentes, regulariza os preços e assegura a sua manutenção.
Para que tal sistema funcione eficientemente torna-se necessário garantir a colocação do produto armazenado. Durante muito tempo, e antes da última guerra, o escoamento dava-se através do fornecimento das aguardentes vínicas para a beneficiação do vinho do Porto. Depois da última guerra, com a diminuição das exportações do vinho do Porto, uma parte importante dos vinhos produzidos na região demarcada do Douro tom sido ali destilados e, deste modo, são muito reduzidas as necessidades de aguardente vínica do Sul para a beneficiação daqueles vinhos.
Estando quase fechada a principal saída dos excedentes vínicos das restantes regiões vinícolas, torna-se necessário abrir caminho a Iodas as outras que se nos deparam: exportação de vinhos, comuns e licorosos, com diferenciais de preço, e o fabrico de álcool, quando ;aumentarem as aplicações desse produto como matéria-prima de novas indústrias.
Continuamos, todavia, a considerar a possibilidade de a exportação do vinho do Porto evolucionar num sentido favorável, resultando daí a necessidade de aumentar a incorporação de aguardentes vínicas do Sul, podendo o seu preço ser agora favorecido pela aplicação de uma parte da taxa criada pelo Decreto-Lei n.º 40 037.
A missão da Junta Nacional do Vinho é muito delicada, e para actuar convenientemente, em matéria tão melindrosa, precisa de estar munida de um grande número de elementos que assegurem a eficácia da sua intervenção no mercado dos vinhos.
Os preços com que intervém no mercado devem ser escrupulosamente definidos, pois no caso de serem demasiado baixos não evitariam a ruína da lavoura, e sendo muitos altos correria o risco de vir a adquirir quantidades muito elevadas, o que acarreta uma imobilização avultada de capital e o preenchimento da sua capacidade de armazenagem, dificultando a sua actuação em futuras intervenções. A retirada de quantidades muito grandes de vinhos prejudica também a regularidade do abastecimento.
A experiência de muitos anos dos seus dirigentes, dos componentes do conselho geral e dos seus funcionários, designadamente os técnicos, que estão em contacto permanente com os vitivinicultores, dá-lhe uma fonte de informações constante, o que lhe permite uma observação ampla deste problema, de modo a poder definir as condições precisas em que deve intervir.
Na determinação dos preços foi aspiração antiga da Junta conhecer o custo de produção, e mercê dos inquéritos e estudos neste capítulo desenvolvidos nos últimos anos já hoje é possível estimá-lo com suficiente aproximação para as principais regiões vinícolas. São
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já bastante numerosos os concelhos abrangidos por este estudo, sendo em número de dezoito dos de maiores produções, e está presentemente a ser realizado em mais doze.
Assim, com as colheitas realizadas em determinadas parcelas, escolhidas para efeito da amostragem, e possível fazer, em cada ano e com a antecedência necessária, uma estimativa das produções nas diferentes regiões e até avaliar da sua gradução alcoólica.
Com esta base é possível proceder à actualização dos custos de produção, previamente estudados, elemento este muito útil para, quando se inicia a venda dos vinhos novos, poderem ser definidas as condições de intervenção.
Para determinar ás normas a adoptar e os preços pelos quais a Junta deve intervir na compra de vinhos, devem ser devidamente ponderados vários factores, entre os quais silo de considerar: o preço de custo do ano em questão e o preço de custo médio anual, conjugando estes elementos com as circunstâncias resultantes de informações directas colhidas nas diferentes regiões.
Ao conselho geral da Junta Nacional do Vinho, onde, além da presidência da Junta, tomam parte os representantes das várias regiões vinícolas e os do comércio armazenista e exportador de vinhos, compete definir, em face da conjuntura, a orientação a seguir.
E em resultado do debate e do esclarecimento, motivado pela circunstância em que se situam as diferentes posições, que poderá ser decidida e executada, depois de superiormente aprovada, a solução mais conveniente, onde se harmonizem os justos interesses, tendo como objectivo o bem comum.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - A intervenção da Junta Nacional do Vinho no mercado dos vinhos tem uni objectivo económico, visando a regularização dos preços, mas é sobretudo uma finalidade social que se pretende atingir. E a defesa dos preços para os pequenos produtores, dos economicamente débeis, que em muitos casos já têm o vinho vendido ainda antes de colherem as uvas. O vinho que há-de produzir, vendem-no «pelo preço que correr». Quando, depois das vindimas, nos anos de boas colheitas, se inicia a venda dos vinhos, os preços atingem cotações muito baixas, e é em condições ruinosas que grande parte dos viticultores, incluídos nos 80 por cento dos produtores que colhem menos de 5 pipas (correspondente a 25 por cento da produção), vendem a sua colheita.
A intervenção da Junta Nacional do Vinho tem toda a oportunidade em ser anunciada, para as diferentes classes de vinhos, quando se inicia a venda dos vinhos novos. E nessa altura que atinge, plenamente, a sua finalidade social.
O Sr. Presidente: -V. Ex.ª dá-me licença? V. Ex.ª já esgotou o período regimental para usar da palavra pela primeira vez sobre este assunto.
Como a nora vai adiantada, ofereço a V. Ex.ª uma de duas soluções: ou suspender desde já o seu discurso, ficando com a palavra reservada para a sessão de amanha ou continuar no uso da palavra por mais quinze minutos, se V. Ex.ª vir que tem possibilidade de nesse período de tempo concluir o seu discurso.
O Orador: - Nesse caso, peço a V. Ex.ª para ficar com a palavra reservada para a sessão de amanhã e que me conceda agora dois ou três minutos para concluir o pensamento que estava a expor.
O Sr. Presidente: - Queira V. Ex.ª continuar.
O Orador: - A abertura das compras, para vinhos de queima, representou um benefício, porque já marcou um limite de preço, mas este completa-se agora, abrangendo todas as classes de vinho de consumo.
Os financiamentos que todos os anos são realizados pela Junta Nacional do Vinho, dando grandes facilidades aos vinicultores, permitem normalizar os preços, evitando que concorram ao mercado grandes massas de vinhos. Ë um serviço muito importante, que é prestado, sobretudo à pequena e média lavoura, e no qual a Junta Nacional do Vinho se empenha por ser útil, prorrogando prazos e concedendo facilidades quando razões especiais tal o determinam, desde que o respectivo reembolso esteja assegurado. Deste modo, também tem ganho a confiança da viticultura, não só pelo importante serviço que presta, mas também pela fornia como se conduz.
Reclamam alguns vinicultores sobre o estabelecimento de preços diferentes em consequência da prova. E, sem dúvida;, muito louvável o intuito de valorizar devidamente os diferentes vinhos em função da sua qualidade. Fará tanto, vai-se além da valorização dada aos vinhos com menor acidez volátil e tem de proceder-se à prova, que, por natureza, é uma operação delicada, subjectiva; e, sendo efectuada por provadores que não podem exceder um certo número de provas por ia, se forem muito numerosas as quantidades de vinho propostas, terão de se alongar no tempo as respectivas apreciações, com a consequente demora no recebimento dos vinhos. Além disso, suscitam-se dúvidas difíceis de esclarecer e discussões que se devem evitar.
Parece-me que o mais prático e expedito seria manter as variações de preço em função da acidez volátil, como habitualmente se fazia. Não será o mais perfeito, mas é o mais expedito e geralmente bem aceite.
A ter de atender ao factor qualidade, é preferível, pois, por motivos de ordem prática, dar valorização diferente aos vinhos de regiões especiais, quando bem definidas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A prova de vinho existiu sempre, mas feita sumariamente, e apenas para confirmar que não tinha defeitos e ser considerado como vinho de consumo.
Um outro factor que tem influência nos preços é a exigência imposta a todos os armazenistas de vinhos de possuírem uma existência mínima obrigatória, a qual varia em função do seu volume de vendas. A obrigação de completar as respectivas existências mínimas vai mobilizar uma parte da colheita e, consequentemente favorecer a normalização do mercado.
O Decreto-Lei n.º 40036, ultimamente publicado, determinando as medidas a adoptar neste sentido, merece o nosso inteiro aplauso.
Sr. Presidente: têm sido aqui objecto de referências, aliás muito justificadas, os elevados preços de vinhos engarrafados nos lintéis e restaurantes. O artigo 18.º da Lei n.º 1890, de 23 de Março de 1935, determina que nestes casos os vinhos não podem ser vendidos por preço superior ao dobro do custo. Creio que a margem de lucro estabelecida é suficiente.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Peço agora a V. Ex.ª, Sr. Presidente, para ficar com a palavra reservada para a sessão de amanhã.
O Sr. Presidente: - V. Ex.ª fica com a palavra reservada.
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Amanhã haverá sessão à hora habitual, com a seguinte ordem de trabalhos: em primeiro lugar a oportunidade de apreciação da última redacção do decreto da Assembleia Nacional respeitante ao Tratado do Atlântico Norte; a seguir, a continuação do debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
André Francisco Navarro.
António Calheiros Lopes.
Armando Cândido de Medeiros.
Baltasar Leite Rebelo de Sousa.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Ameal.
João Maria Porto.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Ricardo Malhou Durão.
Tito Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Alberto Cruz.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
António Carlos Borges.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Russell de Sousa.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
João da Assunção da Cunha Valença.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Pereira Jardim.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Mana da Silva Lima Faleiro.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Teófilo Duarte.
Urgel Abílio Horta.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
Proposta de lei a que o Sr. Presidente se referiu no decorrer da sessão:
Proposta de lei sobre servidões militares
O progresso técnico dos meios de combate e as profundas modificações na condução das operações militares determinaram uma evolução sensível das servidões militares, necessárias para, por um lado, garantir às forças urinadas condições tão favoráveis quanto possível ao desempenho das suas funções em campanha e, por outro, a rodear das garantias essenciais na condições relativas à sua preparação e vida.
Toda a evolução se traduz no fundo em terem de considerar-se novas servidões, ampliar ou modificar algumas das já existentes e anular outras que, por consequência da evolução verificada, deixaram de ter razão de existir.
Há assim que proceder à revisão e actualização da Carta de Lei de 24 de Maio de 1902, sobre servidões militares, não perdendo nunca de vista, no considerar a necessidade militar, a conveniência de impor o mínimo de restrições sobre os diferentes campos de actividade nacional, em que elas hajam, por força das circunstâncias, de vir a reflectir-se.
A interligação dos diferentes ramos das forças armadas - Exército, Marinha e Aeronáutica -, progressivamente mais acentuada, e até a sobreposição de alguns dos seus campos de acção ou de obtenção dos recursos para a sua vida e manutenção, aconselham a fazer a revisão do problema no plano de conjunto da defesa nacional, com o que se tem em vista coordenar actividades e uniformizar normas de procedimento que não podem deixar de ter na sua legislação e execução muitos pontos de contacto.
Nestas condições, usando da faculdade conferida pela primeira parte do n.º 2.º do artigo 100.º da Constituição, o Governo tem a honra de submeter à apreciação da Assembleia Nacional a seguinte
Proposta de lei sobre servidões militares
CAPITULO I
Princípios gerais
Artigo 1.º Denominam-se «servidões militares» as restrições no direito de propriedade, a que por esta lei ficam sujeitas as zonas torreares, fluviais, marítimas e aéreas onde se situam organizações e instalações militares, permanentes ou temporárias, ou quaisquer outros instalações consideradas de interesse para a defesa nacional.
Podem ficar sujeitas a servidão militar, mediante parecer favorável do Conselho Superior de Defesa Nacional, determinadas zonas relacionadas com os plano? de operações do País, mesmo que nelas não haja instalações ou organizações militares.
Art. 2.º As servidões militares são impostas pela necessidade de:
a) Permitir às forças armadas a execução das missões que lhes são atribuídas nos planos de operações nu impostas pelo exercício da sua actividade normal;
b) Garantir a segurança das organizações e instalações militares e de quaisquer outras consideradas de interesse para a defesa nacional ;
c) Garantir a segurança das pessoas ou dos bens que se situem ou venham a situar nas zonas que circundam as organizações e instalações militares;
d) Manter o aspecto geral de determinadas zonas particularmente interessantes para a defesa do território nacional, procurando evitar-se o mais possível a denúncia de quaisquer organizações ou equipamentos militares nelas situados.
Art. 3.º As instalações e organizações militares a considerar para efeitos de «servidão militar» compreendem:
a) Instalações e organizações directamente ligadas à realização de operações militares, tais como locais fortificados, baterias de artilharia fixa, estradas militares, aeródromos militares ou civis, instalações de defesa antiaérea de qualquer natureza e quaisquer outras integradas nos planos de defesa;
b) Instalações e organizações militares, directamente ligadas à preparação e manutenção das forças armadas, tais como carreiras e polígonos de tiro, campos de instrução, paióis, armazéns ou depósitos de material de guerra ou de mobilização, estabelecimentos fabris mi-
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litares, estabelecimentos industriais privados destinados a fins militares, aquartelamentos, depósitos de combustíveis e quaisquer outras que tenham em vista o equipamento e eficiência das mesmas forças.
Art. 4.º A propriedade de todas as organizações e instalações militares pertencentes no domínio do Estado e integradas nos planos de defesa é inalienável e imprescritível, salvo decisão contrária do Governo, precedendo consulta ao Conselho Superior de Defesa Nacional.
CAPITULO II
Servidões militares ligadas à realização de operações
Art. 5.º As servidões afectas às instalações e organizações directamente ligadas ò realização de operações militares classificam-se em:
a) Servidões militares gerais;
b) Servidões militares particulares.
Art. 6.º As servidões militares gerais exprimem-se pela proibição de se executarem numa dada zona, perfeitamente definida, sem licença das autoridades militares competentes:
a) Construções de qualquer natureza, mesmo que sejam enterradas, subterrâneas ou aquáticas;
b) Alterações de qualquer forma, por meio de escavações ou aterros do relevo e da configuração do solo;
c) Vedações, mesmo que sejam de sebe e como divisória de propriedades;
d) Depósitos permanentes ou temporários de matérias explosivas ou de materiais perigosos que possam prejudicar a segurança de pessoas ou bens consignados à defesa nacional;
e) Trabalhos de levantamentos fotográfico, topográfico ou hidrográfico;
f) Os sobrevoes de aviões, balões ou outras aeronaves;
) Plantações de árvores e arbustos e execução de quaisquer trabalhos ou exercício de actividades que possam prejudicar a execução da missão ou a segurança da organização ou instalação considerada.
Art. 7.º As servidões militares particulares dizem respeito exclusivamente a uma dada organização ou instalação e exprimem-se pela proibição de numa determinada zona perfeitamente definida se executarem trabalhos expressam ente referidos em cada caso em diploma especial.
Art. 8.º A extensão das zonas ou planos de água aos quais se aplicam as servidões começará a contar-se da linha ou limite exterior da respectiva organização e instalação e será indicada, para cada caso, ao definir-se a servidão militar correspondente.
Art. 9.º Para as infra-estruturas aeronáuticas militares de interesse militar ou comerciais e para as instalações de radiocomunicações eléctricas ou electrónicas que as servem a zona de servidão poderá abranger, em qualquer dos casos, a área definida por um círculo de raio de 5 km em relação ao ponto central que as define, prolongada, quanto aos aeródromos, até 10 km por uma faixa de 2.5 km de largura, na direcção das entradas ou saídas das pistas.
Em cada caso constarão de diploma regulamentar emanado do departamento ministerial competente as devidas especificações.
Art. 10.º Enquanto não for publicada a legislação peculiar a cada organização ou instalação militar, e relativa à respectiva servidão militar, considerar-se-á sujeita u mesma a zona que abrange a organização ou instalação em causa e mais uma faixa circundante de 1000 m de largura, sendo proibido, dentro do prazo de um ano, a partir do seu estabelecimento, todos os trabalhos e actividades referidos no artigo 6.º
Art. 11.º Os terrenos que circundam as organizações e instalações militares cuja construção se prevê ou já se iniciou ficam sujeitos, a partir do momento da notificação da obra à câmara municipal em que se situam, às servidões militares gerais estabelecidas no presente diploma ou às servidões particulares a indicar em cada caso em diploma especial.
A fim de o mais cedo possível colocar os terrenos que circundam as organizações projectadas ao abrigo das disposições da servidão militar, as autoridades militares competentes comunicarão, para cada caso, às câmaras municipais qual a sua localização e delimitação.
CAPITULO III
Servidões militares ligadas à preparação e manutenção das forças armadas
Art. 12.º Para garantir a segurança das populações, tropas e bens de qualquer natureza poderão ser estabelecidas servidões militares, designadas por «zonas de segurança, nas circunvizinhanças das instalações e organizações directamente ligadas à preparação e manutenção das forças armadas, sendo-lhes aplicável o disposto no artigo 11.º
Igual doutrina é aplicável a organizações ou instalações eventuais destinadas a satisfazer às necessidades de preparação das forças armadas, nomeadamente em períodos de manobras ou de concentração fora dos seus aquartelamentos permanentes.
Art. 13.º Ao decretar-se, para cada caso em legislação separada, a servidão militar correspondente a uma zona de segurança serão indicadas concretamente a natureza das restrições impostas, que poderão abranger a proibição, sem autorização da autoridade militar competente, do seguinte:
a) Movimento ou permanência de peões, semoventes o veículos nas áreas terrestres e de embarcações, lançamento de redes ou outro equipamento nas áreas fluviais u marítimas, nas condições e durante os períodos de tempo considerados necessários;
b) Execução de quaisquer trabalhos compreendidos nas alíneas a) e b) do artigo 6.º;
c) Estabelecimento nas mesmas zonas de depósitos de materiais explosivos e inflamáveis;
d) Os sobrevoes de aviões, balões e outras aeronaves;
e) Quaisquer outros trabalhos ou actividades que possam pôr em risco quer as organizações e instalações militares, quer as pessoas ou bens nas zonas de segurança ;
Art. 14.º As dimensões das zonas de segurança serão fixadas de acordo com as normas de segurança aplicáveis para cada caso, consoante a natureza da organização e instalação, e serão indicadas ao definir-se a servidão militar correspondente.
CAPITULO IV
Outras servidões militares
Art. 15.º Nas condições estabelecidas pelo artigo 1.º deste diploma é aplicável a doutrina da servidão militar às organizações e instalações não militares, tais como refinarias, depósitos de combustíveis, fábricas de armamento, pólvoras e explosivos e outras que forem consideradas de interesse para a defesa nacional.
As zonas terrestres, fluviais ou marítimas objecto de servidão militar e a natureza das restrições a impor serão estabelecidas nas condições definidas no capítulo III.
Art. 16.º Na aplicação da servidão militar às zonas relacionadas com os planou de operações, mesmo que nelas
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não haja instalações ou organizações militares, o Conselho Superior da Defesa Nacional deverá definir a natureza e u duração da servidão militar a impor.
CAPITULO V
Estabelecimento e aplicação das servidões militares
Art. 17.º As servidões militares gerais, particulares e relativas nas zonas de segurança, mesmo quando respeitem a um só departamento das forças armadas, carecem sempre de aprovação do Ministro da Defesa Nacional.
As servidões militares, depois de aprovadas superiormente, farão objecto de legislação própria, a publicar com a designação do Ministério ou Subsecretariado de que directamente dependem.
Art. 18.º Pêlos respectivos Ministérios ou Subsecretariados de Estado, e como complemento do estabelecido nos artigos 10.º e 11.º do presente diploma, deve ser dado conhecimento às câmaras municipais das áreas abrangidas por uma servidão militar logo que a mesma tenha sido aprovada superiormente.
Art. 19.º Em caso de emergência, os proprietários de zonas sujeitas a servidão militar e autorizados condicionalmente a efectuar trabalhos abrangidos pelas disposições de servidão militar ficam obrigados, por conta e sem direito a qualquer indemnização, a restituir as mesmas zonas ao aspecto e configuração que tinham à data em que ficaram sujeitas à servidão militar, quando assim lhes for determinado pela entidade militar competente e dentro do prazo por esta marcado.
Art. 20.º Não dão direito a qualquer indemnização os danos causados a pessoas e bens pela prática de manobras e exercícios militares nas zonas sujeitas a servidão militar e resultantes da inobservância dos avisos prévios feitos e tendentes a evitá-los.
Art. 21.º Em caso de emergência podem os proprietários ou usufrutuários ser compelidos a demolir ou destruir, mediante indemnização a estabelecer por representantes reconhecidos das partes interessadas, conforme as práticas correntes, as construções, culturas, arborizações e outros trabalhos já existentes nas zonas sujeitas a servidão militar u data em que a mesma foi estabelecida.
A indemnização prevista no presente artigo será calculada em relação ao estado das construções, culturas, arborizações e outros trabalhos existentes à, data da publicação deste diploma ou à do estabelecimento da servidão militar.
rt. 22.º A propriedade das antigas praças de guerra, fortalezas e outras obras ou pontos fortificados sem interesse militar actual é inalienável e imprescritível enquanto não forem desafectados do serviço de defesa; podem, porém, ser anuladas as servidões militares que oneram os terrenos que as circundam.
Pelo Ministro da Defesa Nacional, ouvido o Conselho Superior da Defesa Nacional, por iniciativa própria ou mediante proposta do Ministério ou Subsecretariado de Estado interessado, serão indicadas as organizações que deixara de ter interesse militar.
Art. 23.º Pelos Ministérios e Subsecretariados de Estado interessados serão publicados os regulamentos necessários à execução da presente lei.
Lisboa, l de Fevereiro de 1955. - O Ministro da Defesa Nacional. Fernando dos Santos Costa.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA