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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 79
ANO DE 1955 5 DE FEVEREIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.º 79, EM 4 DE FEVEREIRO
Presidente: Ex.mos Sr. Augusto Cancella de Abreu
Secretários: Ex.mos Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
Foram autorizados os Srs. Deputados Dinis da Fonseca, Carlos Borges e Ricardo Durão a depor como testemunhas na 3.ª vara cível de Lisboa.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate acerca do aviso prévio do Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu relativo aos problemas vitivinícolas.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Teixeira de Sousa, Carlos Moreira e Alberto de Araújo.
A Assembleia aprovou o texto definitivo do Protocolo Adicional do Tratado do Atlântico Norte para acessão da República Federal Alemã.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 17 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 55 minutos.
Fez-se a chamada, â qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Ornelas do Rego.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Américo Cortês Pinto.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
António dos Santos Carreto.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Baltasar Leite Rebelo de Sousa.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Eduardo Pereira Viana.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
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João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel Trigueiros Sampaio.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Ricardo Vaz Monteiro.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
O Sr. Presidente : - Estuo presentes 63 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Vai ler-se o
Expediente
Telegramas
Dos Grémios da Lavoura de Beja, Ourique, Almodôvar e Cuba, a apoiar as palavras do Sr. Deputado Lima Faleiro pronunciadas na Assembleia Nacional a propósito da criação da Estação Agrária de Beja.
Do Grémio da Lavoura de Foz Côa, a apoiar as considerações feitas na Assembleia Nacional pelos Srs. Deputados Urgel Horta e José Sarmento em defesa da região duriense.
O Sr. Presidente : - Está na Mesa um ofício da 2.ª vara nível de Lisboa, a pedir autorização para que deponham como testemunhas, no próximo dia 14, os Srs. Deputados Dinis da Fonseca, Carlos Borges e Ricardo Durão.
Estou informado de que estes Srs. Deputados não vêem inconveniente em fazer os seus depoimentos.
Se nenhum dos Srs. Deputados tem qualquer objecção a fazer, considero concedida n autorização solicitada.
O Sr. Presidente: - Está concedida. Não se encontra nenhum Sr. Deputado inscrito para usar da palavra antes da ordem do dia.
Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente : - Continua o debate sobre o aviso prévio apresentado pelo Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu.
Tem a palavra o Sr. Deputado Teixeira de Sousa para continuar as suas considerações, ontem interrompidas.
O Sr. Teixeira de Sousa: -Sr. Presidente: no fomento da exportação dos excedentes vínicos -vinhos e aguardentes- devemos procurar o equilíbrio necessário.
A exportação para alguns mercados europeus, como sejam os da Bélgica e da Suíça, tem sido favorecida ultimamente pela Junta Nacional do Vinho; para as nossas províncias ultramarinas ela tem-se efectuado num ritmo crescente, sendo a sua tendência tomar ainda maior incremento. Todavia, em relação à África Portuguesa precisam de ser adoptadas algumas medidas, em especial no que respeita à repressão das fraudes e criação de entrepostos em Angola e Moçambique, para que se promova a sua maior expansão.
No relatório do Decreto-Lei de 14 de Junho de 1901 diz-se:
Dessa expansão comercial devem ser poderoso factor as companhias comerciais, constituídas por forma que não afrontem o comércio livre e que nelas possam ter larga representação os produtores.
Afirma-se então:
O nosso comércio de vinho de posto não está era geral organizado por forma a poder entrar com desafogo e sabedoria no caminho largo do comércio moderno. Não tem posses de iniciativa e de dinheiro para fazer a necessária propaganda, estabelecer armazéns de venda no estrangeiro e na África Portuguesa, criar tipos comerciais fixos, perseguir a fraude internacional, pagar bem a agentes bons, enfim, para lutar por todas as formas contra os nossos competidores nos mercados do Mundo.
Hoje, apesar da valiosa acção do Grémio do Comércio de Exportação de Vinhos e de existirem importantes firmas exportadoras, que ocupam um lugar de destaque e desempenham um importante papel na expansão dos nossos vinhos e aguardentes, ainda em determinadas circunstâncias, especialmente com respeito a mercados difíceis, como é o americano, se justifica a formação de uma companhia em termos semelhantes aos então mencionados.
Dentro dos objectivos propostos, ficando devidamente acautelados os interesses da viticultura, foi proposto, em 1949, pela Junta Nacional do Vinho que se constituísse uma empresa exportadora, tendo especialmente em vista a nossa posição perante o mercado dos Estados Unidos da América do Norte. Este assunto ficou em estudo na extinta Comissão Delegada pura o Comércio Externo.
Creio, firmemente, que uma empresa nestas condições poderia trazer reais benefícios na exportação dos nossos vinhos, não só para o mercado americano, mas também para as próprias províncias ultramarinas.
Vozes: - Muito bem.
O Orador: - Além da exportação dos vinhos, interessa também fomentar a exportação de aguardentes, e com este fim poderia fazer-se o envelhecimento parcial de uma parte das reservas da Junta. O seu fornecimento nos exportadores, realizando-se, como presentemente sucede, a preço especial e em função das quantidades exportadas, permite renovar constantemente as reservas e pode vir a influenciar o aumento da sua exportação.
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O fornecimento cie aguardentes vinícas para beneficiação do vinho do Porto também pode ser feito a preços reduzidos, indo favorecer a sua exportação e, consequentemente, permitir o seu maior escoamento.
Sr. Presidente: resumindo tudo quanto atrás referi, devemos:
Impedir, dentro de limites aceitáveis, que a produção vinícola aumente demasiadamente;
Evitar por todos os meios que outros produtos possam influir na manipulação do vinho, aumentando o seu volume;
Regularizar em termos justos os preços do vinho;
Promover em moldes adequados o escoamento dos produtos vínicos.
Mas devemos também:
Favorecer, tanto quanto possível, as aplicações diferentes que possam ter as uvas.
O fabrico de passas, dadas as condições privilegiadas do nosso clima, parece que podia tomar certo incremento, sobretudo no Ribatejo, Alentejo e Algarve.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - No Ribatejo, em Alpiarça, existe essa indústria, e, certamente, não tomou maior desenvolvimento porque os preços que atingiram as uvas para vinho eram mais vantajosos.
Parece que valia a pena fazer um esforço sério no sentido de favorecer a produção de passas; estudar os processos aperfeiçoados; proteger a respectiva indústria em termos de a defender da concorrência vinda do exterior, e dar vantagens à exportação, de modo a abrir caminho nos diversos mercados.
O fabrico de mostos concentrados pode também tomar certa importância, desde que para este produto se encontrem aplicações vantajosas. Presentemente a Junta Nacional do Vinho dispõe dum concentrador de elevado rendimento, que produz mosto concentrado de óptima qualidade. O custo de fabrico não excede l$20 (in cluindo todas as despesas, quebras, etc.) para um concentrado com 750 g de açúcar por litro, a que corresponde unia densidade de 45,8º Baumé.
São várias as aplicações que podem ter os mostos concentrados e talvez fosse possível encontrar mercados para este produto.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Creio que a indústria da cerveja poderia incorporar no fabrico desta bebida uma parte apreciável de mosto concentrado. Durante a guerra foi a própria indústria que solicitou o fornecimento de concentrado para substituir o malte, que então faltava. A percentagem em que pode entrar concentrado de uva no fabrico da cerveja sem prejuízo da qualidade é assunto a definir depois de prévio estudo.
Também pode ser encarado o pedido em tempos apresentado para o fabrico de cerveja vínica, com base no mosto de uva (concentrado), pretensão que a Junta Nacional do Vinho considerou sempre favoravelmente.
O mosto concentrado presta-se muito bem para a preparação de vinhos licorosos. Na América do Norte o consumo de vinhos licorosos aumentou, sobretudo por efeito da propaganda, que recomenda o sen consumo como bebida refrescante, com água gasosa e gelo. Não poderia estimular-se este hábito nas nossas províncias ultramarinas, em substituição do whitky? Sei que não deve ser empresa fácil, mas aqui aponto a ideia, pois a propaganda, quando bem conduzida, consegue, por vezes, modificar determinados hábitos.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: -Sr. Presidente: devemos (procurar sempre diminuir o custo de produção dos bens de consumo, sem prejuízo da qualidade. No caso da videira este objectivo será atingido se aumentarmos o rendimento unitário ou, pelo menos, evitarmos que ele diminua.
É pelos estudos vitícolas e nos trabalhos do investigação respectivos que podemos encontrar soluções correspondentes aos diversos problemas da viticultura nacional.
Os problemas técnicos fundamentais estão longe de se encontrar resolvidos, e é doloroso que só nos recordemos disso nas horas do adversidade.
O ajustamento da viticultura às necessidades e às exigências dos tempos modernos quase a circunscreveu ao aumento puro e simples da quantidade. Plantou-se mais para produzir mais, u não para- produzir melhor com mais economia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Os estudos vitícolas nunca formou elevados entre nós ao nível que a importância económica e social da cultura exigia.
Recorde-se o caos dos porta-enxertos em que nos debatemos ainda hoje, o insuficiente conhecimento da sua adaptação aos variados tipos de solos e da sua afinidade para as castas cultivadas; as escassas noções que ainda possuímos sobre as castas nacionais de videiras, das suas aptidões culturais e vinícolas; a alarmante substituição das castas nobres, de menor rendimento, por castas de inferior qualidade, altamente produtivas; a modéstia dos nossos conhecimentos sobre a ecologia da videira e das reacções das castas às diversas doenças e aos elementos do clima; os conhecimentos empíricos em que se baseia grande parte da nossa técnica cultural; a falta, enfim, de trabalhos metódicos e persistentes de investigação e de experimentação em que se apoie a assistência técnica para que seja verdadeiramente eficaz.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Louváveis iniciativas de técnicos portugueses através dos tempos procuraram dar solução aos mais momentosos problemas; importantes estudos se realizaram e estão ainda em curso; todavia, por carência de recursos financeiros, de possibilidades materiais de expansão, dificilmente alcançam sensível projecção na viticultura nacional.
A modesta actividade desenvolvida neste sector está longe de atingir o que se está fazendo em França, na Suíça, na Itália, na África do Sul e na África do Norte.
Empreendidos, quer pela Estacão Agronómica Nacional, quer pela Repartição dos Serviços Vitivinícolas, e subsidiados pela Junta Nacional do Vinho, estão em curso estudos de alto interesse no que diz respeito a porta-enxertos, questões de afinidade, melhoramento genético, estudo de certas doenças, etc. Mas não temos um plano de conjunto dos estudos vitícolas, nem sequer muitos daqueles estudos se realizam em condições de instalação, assistência financeira, recursos de material e de pessoal que garantam a máxima eficiência e continuidade.
Infelizmente, ainda hoje em Portugal há descrentes das possibilidades que a investigação dá à agricultura. No entanto, a viticultura sempre que tem recorrido à
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investigarão u à experimentação recebeu auxílio valioso.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não nos iremos referir já ao problema da filoxera, da luta contra o oídio ou míldio, mas apenas a problemas postos recentemente à investigação agronómica portuguesa.
De entre estes é justo citar os progressos realizados o as soluções encontradas pela Estação Agronómica Nacional no estudo das degenerescências infecciosas da videira, que ameaçam, lenta mas progressivamente, subverter a viticultura nacional, e os trabalhos em curso para o estabelecimento do viveiro vitícola nacional, único meio de garantir à lavoura a possibilidade de aquisição de porta-enxertos identificados e sãos; a cura encontrada para o grave problema da «maromba» do Douro, já centenário, pelo tratamento com o boro; os trabalhos de melhoramento da videira no que se refere à obtenção de clones de vitisninifera resistentes ao míldio, bem como os prometedores resultados na obtenção de castas de boa produtividade, elevado teor sacarino ou tintureiras, cuja qualidade ainda é necessário averiguar, bem como alguns elementos das experiências em curso sobre a influência do porta-enxerto na produtividade da custa.
As degenerescências infecciosas da videira -o «urticado» ou «nó curto» e a «clorose infecciosa» -, correspondendo a duas viroses distintas, vão alastrando continuamente e provocam reduções nas colheitas, que nalguns casos, conforme os anos, chegam a atingir 70 por cento. Entre as regiões mais atingidas citamos: o Ribatejo, Torres Vedras, Cadaval, Caldas da Rainha, Alcobaça, Coimbra, Braga, Viana do Castelo e Portimão. É necessário que se tomem providências imediatas para debelar este mal, pois apenas podemos adoptar métodos preventivos com estabelecimento das medidas profilácticas adequadas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É de notar que, devido ao alto nível dos nossos investigadores, os estudos destas viroses em Portugal devem ser os mais adiantados em relação a qualquer outro país da Europa.
«maromba» provocava reduções de produção que em muitas vinhas chegavam a ser de 50 por cento. Com a indicação do tratamento adequado pode-se afirmar que toda a despesa realizada com a investigação das doenças da videira já está, de longe, paga pelos aumentos de produção obtidos em resultado da aplicação do boro.
Com referência às novas variedades de videira resistentes ao míldio, basta referir que a viticultura gasta por ano cerca de 14 000 t de sulfato de cobre, o que equivale a aproximadamente 110 000 contos.
Em redor da região de Braga há vinhas que começam a manifestar uma doença de aspecto grave, que carece de ser prontamente investigada.
Na ilha da Madeira algumas das boas castas daquele célebre vinho - as castas nobres - estão a ser dizimadas por uma doença que foi caracterizada como sendo de origem bacteriana, a que localmente designam por «gota». Esta doença bacteriana tem causado importantes prejuízos na África do Sul e em Itália, onde é conhecida por «mal de Nero». Os estudos desta doença vão prosseguir, com o objectivo de dar combate a tal mal.
Desnecessário será referir outros exemplos para demonstrar a importância e larga projecção destes estudos na viticultura nacional, motivo por que devem ser colocados na primeira ordem das preocupações e ser considerados de premente necessidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: em face dos números, temos de verificar que a produção vinícola portuguesa tem crescido continuamente.
Média anual por quinquénios:
Hectolitros
1918-1922 ................................... 4:569.622
1923-1927 ................................... 5:943.997
1928-1932 ................................... 6:087.908
1933-1937 ................................... 7:537.407
1938-1943 ................................... 7:914.860
1943-1947 ................................... 11:096.078
1948-1952 ................................... 8:024.002
1953 ........................................ 11:736.176
1954 (a) .................................... 12:500.000
(a) Estimativa.
As duas últimas colheitas, devida às circunstâncias favoráveis da vegetação, foram muito abundantes, e daí o pânico que se estabeleceu, atribuindo-se todas as consequências do mal-estar às novas plantações ultimamente realizadas.
Porém, com as devidas cautelas e a atenta observação das circunstâncias em que decorre a actual conjuntura, cremos ser possível debelar o mal existente, adoptando com decisão e 'mantendo corajosamente as medidas que as circunstâncias impõem.
Para um produto de que no mercado interno se consomem cerca de 90 por cento e as variações de preços no produtor flutuam entre 1$ e 3$ por litro, é sempre possível encontrar uma forma de debelar o mal, harmonizando todos os interesses.
Também, embora sem me alongar na sua justificação, desejo afirmar a necessidade de existir no Ministério da Economia, como órgão de consulta e a par do Conselho Superior da Indústria, o Conselho Superior de Agricultura, onde devem estar representados: a lavoura, pelos seus organismos representativos; os estabelecimentos de investigação e de ensino agronómico, veterinário e florestal; as Direcções-Gerais dos Serviços Agrícolas, dos Serviços Pecuários e dos Serviços Florestais, a Junta de Colonização Interna e os organismos de coordenação económica, a fim de ali serem apreciados os grandes problemas agrários nacionais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pretendia fazer algumas considerações sobre os diversos organismos corporativos, de coordenação económica e outros que superintendem nas diversas regiões vinícolas, mas alonguei-me demasiado, e, por isso, limitar-me-ei a dizer que a organização corporativa deve ser completada, criando-se a corporação do vinho, à qual competirá coordenar todos os problemas que respeitam ao vinho, ao álcool e às bebidas fermentadas, e, defendendo os legítimos interesses em causa, deve promover a sedução de equilíbrio que sirva o interesse nacional.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Carlos Moreira: - Sr. Presidente: o Douro, região vitivinícola, é formado pelas zonas dos distritos de Vila Real, Viseu, Bragança e Guarda que marginam o rio do mesmo nome, penetrando em cunhas apertadas
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pelos estreitos vales e abruptas vertentes dos rios afluentes, tais como o Corgo, o Pinhão, etc.
Deputado eleito pelo círculo de Vila Real, impus-me o dever de mais uma vez levantar a minha voz em prol dos legítimos interesses do Douro. Mas mais resoluto o faço, certo, como é, ser a questão do Douro uma velha, mas sempre candente, questão nacional.
Naqueles xistos e naquela disposição e exposição de terrenos a Natureza marcou as características de uma região única, propícia ao cultivo e produção de um tipo único que não tem igual ou congénere.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mais ainda: é que, sem esse cultivo, o Douro não seria mais do que uma árida e requeimada região, pela impossibilidade de outras culturas. É o tipo perfeito da monocultura, só possível ali com o produto rico que possa compensar o trabalho ciclópico do homem, sempre curvado na luta contra a erosão das enxurradas que do alto se despenham em catadupas; curvado ainda e sempre na dura safra de erguer e recompor muros, da cava, do trato constante da vide até à colheita ou vindima; o trabalhador do Douro desenvolve um esforço e realiza uma obra bem diferente, na dureza, da dos seus similares de outras regiões.
Ali, no Douro, só a custo da picareta e do ferro se rasga a terra; bem diferente nas várzeas e planuras, em que a charrua ou o arado reduz o esforço violento e continuado do simples braço do homem.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Eis porque na base do problema da vitivinicultura existe uma condição prévia a que devem obedecer as medidas a tomar: a da diversidade das vinhas e dos vinhos. Entendo que não há só um problema vitivinícola, mas alguns problemas vitivinícolas. Podem s devem conjugar-se num plano superior de medidas comuns no que é comum, mas diversas no que diz respeito a cada um dos problemas.
Julgo que igual injustiça há em tratar diversamente os que se encontram em igualdade de condições, como em tratar igualmente aqueles que se encontram em situações diferentes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ora o Douro, a Madeira, as regiões dos vinhos verdes, o Dão, o Ribatejo, o Oeste e a Estremadura assumem aspectos de cultivo, de produção, de consumo e de qualidade marcadamente diversos.
Constituem agricolamente, economicamente, socialmente, problemas diferentes.
Daqui se deduz a imperiosa necessidade de serem encarados à luz de uma realidade diferente, donde derivará lógica e necessariamente uma legislação apropriada às diferentes condições.
Quero eu dizer, Sr. Presidente, que uma proibição ou suspensão de novos plantios, uma autorização condicionada de substituições nas vinhas existentes ou de transferência, uma regulamentação de tipos ou de marcas, a organização dum fundo de compensação, a manutenção e eficaz defesa de privilégios, em atenção a designações geográficas de origem, financiamento de adegas cooperativas, bases e regras de plantio - estes e tantos outros problemas que a matéria sugere - não podem ser esquecidos por quem tenha de legislar sobre o assunto, dando a cada zona o seu lugar próprio e diferenciado no plano comum da vitivinicultura e no superior plano nacional.
Na administração também, Sr. Presidente, os municípios não são inteiramente iguais e menos ainda o deveriam ser. Da mesma forma as actividades agrícolas, como aquela de que tratamos, devem ter na diferenciação, que a realidade nos aponta, a base de tratamento adequada.
É o melhor meio de integração do particular no geral e de evitar as lutas que neste campo têm derivado, não da consideração específica e própria de cada região, mas antes do igual tratamento nivelador que, ao contrário da justiça e da verdade, afina pelas mesmas regras e tratamento do que é diferente.
Ninguém dirá que os privilégios concedidos por Pombal e João Franco ao Douro arruinaram ou prejudicaram por esse facto a economia da Nação, em que o vinho teve primacial papel de enriquecimento.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Sr. Presidente: vem de longe a tradição dos preciosos vinhos do Douro, que em suas qualidades nos aproximam dos referidos por Catão e Horácio:
O mássico, o caleno, o falerno e outros.
E aqui, neste nosso Douro, de ravinas e torrentes, os Romanos deixaram os vestígios da sua passagem e do seu gosto, como podemos deduzir das citações do grande bragançano abade de Baçal, referido por outro bragançano ilustre - o Dr. Águedo de Oliveira - no seu tão interessante e bem documentado livro Vinho do Porto, vestígios que consistem em moedas romanas, lápides, ânforas e talhas, algumas das quais se podem observar no Museu Abade de Baçal, em Bragança.
Os vinhos do Douro, que na boa medida inspiraram poetas e artistas e simples estúrdios de boa graça e pilhéria, tiveram a sua recatada vida medieva, trepidante de lutas e de heroísmo, intervalada de sossegos conventuais; depois, o vinho do Douro saudou os fulgores da Renascença s fez-se clássico; foi cortesão e peralvilho no dealbar do século XVIII.
Surgiu o século XIX e fizeram dele um romântico, elevando-o hiperbólicamente, sobretudo no fim dos repastos, a um produto de superqualidade e de preço.
António Augusto de Aguiar chamou-lhe o néctar dos deuses, a melhor ambrósia da garrafeira de Júpiter, o vinho dos bem-aventurados e dos opulentos; o vinho príncipe!
Mas hoje, Sr. Presidente, a vida é outra, debaixo de todos os seus aspectos, e sobretudo os gostos são outros.
Aquela hiperbólica concepção do vinho do Porto, que o faz vinho dos deuses, dos bem-aventurados e dos opulentos, passou de moda, e por isso aconteceu-lhe como aos últimos românticos, que se não adaptaram à nova vida e a um mundo novo.
Até à hora e a natureza das refeições mudaram, e com isso, e por outros motivos, também mudaram os gostos.
É preciso, pois, criar tipos e marcas que satisfaçam os gostos actuais.
Nesse aspecto há que diminuir a actual proliferação de tipos e marcas, reduzindo-os a número muito limitado. Só assim desaparecerá a natural indecisão do comprador e do apreciador, que se deixam ficar perplexos e hesitantes perante um rol tão extenso e variado de tipos e marcas e tão dispersivamente oferecidos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Consultando os catálogos de algumas casas e companhias, como as casas Ferreirinha, Graham,
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Kopke, Sundeman e as Companhias Velha, Real Vinícola e Sociedade dos Vinhos do Alto Corgo - sete unidades -, verifica-se a existência de cerca de setenta e cinco qualidades expressas em tipos s marcas. Se considerarmos ainda o grau de doçura e a cor, mais se alarga a variedade.
Um outro aspecto quereríamos ainda focar: o da saída dos nossos vinhos para o ultramar, aspecto que igualmente interessa a todas as nossas regiões vitivinícolas.
Além dos já anunciados e outros, dois motivos fundamentais se verificam em detrimento da nossa exportação para as províncias ultramarinas: um de técnica de envasilhamento; outro de melhor aceitação do produto dos nossos meios de além-mar.
O vasilhame utilizado (mormente barris e garrafões) agrava consideravelmente os preços de origem.
Em contacto que de há muito tenho mantido com os nossos meios ultramarinos, contacto por vezes directo, tem-me sido dado observar que existem por lá verdadeiros «cemitérios» de garrafões, porque o seu preço de aquisição não compensa o pagamento do frete de retorno ao continente.
Impõe-se urgentemente dotar os nossos barcos de transporte e mistos com tanques apropriados ao acondicionamento e transporte dos nossos vinhos. Assim se barateará o acomodamento e, consequentemente, o transporte.
Quanto à aceitação, por parte das nossas populações ultramarinas, sobretudo africanas, é indispensável que se pense a sério na concorrência que ao vinho está fazendo a cerveja.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ela não constitui somente um produto preferido fora das refeições, mas entrou até já no domínio generalizado dos repastos.
Gostos? Talvez em parte. Mas também, sem dúvida, melhor acessibilidade de preços.
É necessário e indispensável corrigir com medidas adequadas o prejudicial desequilíbrio que coloca os vinhos num plano de manifesta inferioridade perante a invasão constante da cerveja.
Eis uma das razões da dianteira que tomaram os vermutes, os sherries, o xerez, os conhaques e o whisky, limitados a poucos tipos.
Ao vinho do Porto impunha-se o mesmo caminho, criando dois tipos fundamentais que pudessem conquistar o mercado.
Um tipo seco, de sabor levemente amargo, a usar como aperitivo; um tipo forte, que pudesse usar-se com o mesmo fim daquelas bebidas mais fortes.
O porto terá de deixar de ser a bebida dos ricos e dos opulentos, para se tornar acessível, no gosto e no preço, à generalidade dos que bebem.
Julgamos que isto é essencial para se poder conquistar os mercados nacional e estrangeiros.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se olharmos a fraca exportação actual e dos últimos anos, veremos como estamos distanciados de outras épocas passadas, em que, segundo os dados colhidos pelo engenheiro Lobo Alves, atingimos números muito mais altos.
Assim, e só a título de exemplo bem esclarecedor, no fim do século XVIII, em 1799, conta-se por 98 742 o número de pipas exportadas; no meado do século XIX, em 1852, 71 729 pipas, baixando nos últimos anos do século, mas andando mesmo assim à volta das 50 000 pipas; no quinquénio de 1936 a 1940 obteve-se uma média anual de 73 000 pipas.
Assiste-se, é certo, nas época? atrás referidas, a crises de abaixamento, cujas razões são diversas, mas de que não pretendo neste momento tratar. O certo, porém, é que a crise iniciada em 1911, ano em que apenas se exportaram 16 510 pipas, crise que, embora atacada, e por esse motivo atenuada, se mantém, reclama enérgicas e decisivas medidas que a detenham, obstando a ruína do Douro e a um grave golpe que, inevitavelmente, virá a sofrer a economia nacional, com os consequentes reflexos no aspecto da vida económica e social das populações que ali vivem e trabalham.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: não quero alargar-me em considerações, mas não devo deixar de apontar algumas razões e factos demonstrativos da minha anterior asserção de que a legislação e a regulamentação desta matéria não podem ser uniformes, precisamente porque, repito, não há nem pode haver uniformidade de plantio, de cultura, de custo de produção, de qualidade, de consumo, de exportação e de preço.
Foi decerto a um critério de diferenciação que obedeceu a política de João Franco quanto ao Douro, quer com a demarcação da região duriense, quer com o restabelecimento da restrição da barra do Porto para a exportação do vinho do mesmo nome e outras medidas derivadas destas.
Repare-se apenas rapidamente no que se passa quanto ao plantio. Em 141 000 milheiros de cepas - tal o número aproximado da região duriense - 131 000 milheiros são de plantação de encosta e dos restantes não chega a 1000 milheiros o de vinhas plantadas em terrenos de aluvião. Os outros 18 000 e tal milheiros- são em terrenos planos de 2.ª e 3.ª classes. Que outras regiões do País poderão equiparar-se-lhe neste aspecto?
Sendo assim, será justo e equitativo que os preceitos sobre suspensão ou proibição de plantio sejam os mesmos?
Não estarão também, quanto à qualidade e ao preço, as vinhas do Douro em situação bem diferente das que existem nas outras zonas do País?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se nos detivermos tunda sobre o aumento de plantações nos últimos dez anos, verificaremos que no Douro houve um aumento de cerca de 12 300 000 pés, o que é limitadíssimo em relação à totalidade do aumento de plantio no Pais durante esses anos.
Assim, como refere um especialista da matéria, o Sr. Major Guerra Tenreira, que muito tem escrito sobre o problema, «com a proibição ou simples suspensão, agravaremos um mal de que verdadeiramente podemos queixar-nos -o de haver vinhas de mais, não a torto e a direito, mas nas várzeas e terrenos férteis -, pois a economia de tal proibição vai contra as vinhas das encostas - que morrem mais depressa - e favorece relativamente as vinhas do várzea -, que morrem mais devagar e podem ... num morrer ... E desde logo saltará aos olhos que nisto de proibições, mesmo pedidas em coro, há que distinguir».
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Julgo que a observação do facto é justa e traduz o reconhecimento daquela necessidade de medidas, em grau diferente e apropriado, que venho defendendo.
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Sr. Presidente: sempre tenho entendido que não convém a esta Assembleia entrar em pormenores demasiados nas questões que se debatem. Igualmente, não é a técnica, no sentido de especialização que a expressão vem tomando, que interessa fundamentalmente, e nem sequer predominantemente, conhecer, focar e discutir aqui.
Assembleia de feição essencialmente política, de fiscalização e de crítica, deve interessar-lhe, salvo o respeito por melhor opinião, o problema geral, equacionado em plano político.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Assim, será mais prestante a sua colaboração e, porventura, mais isenta do prejuízo possível de estabelecer em plano técnico normas ou directrizes de que os organismos técnicos venham, porventura, a discordar com razões que a concepção política pode não ter apreciado, e nem sequer descoberto ou sugerido. Lembro-me de que aqui deveremos ser políticos e não técnicos. Parece-me ser o que claramente deriva da nossa contextura constitucional.
or isso me coloquei neste plano de generalidade, e, se citei alguns números e dados, não foi senão na medida em que os julguei necessários, ou, pelo menos, vantajosos à compreensão das ideias que expus.
Vou terminar, com o voto de que o presente aviso prévio, que em hora própria o nosso ilustre colega e meu bom amigo Sr. Deputado Paulo Cancella fie Abreu realizou, seja o início decidido de uma política vitivinícola justa, e para tal diferenciada, forte e protectora no plano que deve ser traçado, severa na repressão dos desvios e das fraudes, respeitadora, ainda, dos justos privilégios em atenção a designações geográficas de origem.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Por mim, e, particularmente, em relação ao Douro, confio em que, quase cinquenta anos volvidos sobre uma ressurreição iniciada, mas logo detida por negro e doloroso acontecimento da nossa história, possamos aclamar o início de uma nova ressurreição, que de há muito justificadamente se espera.
Daqui peço à gente do Douro que confie em melhores horas, por certo ansiosamente aguardadas, e entrego essa confiança, Sr. Presidente, nas mãos do Governo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: o aviso prévio do Sr. Dr. Paulo Cancella de Abreu suscitou um debate generalizado e serviu de pretexto para tratar não só da questão do plantio da vinha e das suas restrições, mas também para aflorar todos os problemas que mais directamente interessam à produção e ao comércio de vinhos em geral e, por sua natureza, conexos e interdependentes.
Não basta realmente produzir. É necessário encontrar escoamento para a produção, e se há vinhos que têm o seu principal mercado consumidor no próprio país, outros têm a sua economia na dependência directa dos mercados externos.
Temos assistido nesta Câmara e nestes dias ao elogio caloroso das qualidades e do valor do vinho do Porto. Quero muito gostosamente associar-me a tudo aquilo que na Assembleia Nacional se tem dito com tanto brilho e sinceridade em louvor do vinho do Porto e prestar homenagem a todos os que estão a ele mais directamente ligados, desde o humilde e incansável obreiro da terra aos que persistentemente lutam e se esforçam por fazê-lo readquirir a sua, grandeza no quadro dos maiores valores da nossa exportação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas, como madeirense, incumbe-me lembrar que ao lado do vinho do Porto um outro vinho português, oriundo duma região igualmente fecunda e laboriosa, se coloca entre os melhores vinhos generosos do Mundo: o vinho da Madeira.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Merçê de uma prestimosa colaboração do Instituto Nacional de Estatística, que me cumpre agradecer, é-me possível apresentar um quadro da exportação dos vinhos portugueses nos últimos cinco anos comparativamente com a exportação dos cinco anos que precederam a última guerra mundial.
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(ver tabela na imagem)
(a) Incluídos nos licorosos.
(b) Incluídos nos vinhos comuns.
De 1935 a 1938 a exportação de vinhos da Madeira excedeu sempre a ordem dos 4 milhões de litros anuais, com um valor estatístico de cerca de 12 000 contos. Nos últimos cinco anos a exportação desses vinhos, embora muito maior em valor, por virtude das novas equivalências monetárias, não atingiu ainda os quantitativos de antes da guerra. Em 1949 não atingiu os 3 milhões de litros e em 1951, que foi, depois da guerra, o melhor ano de exportação, não foi além de 3 447 074 l, com o valor estatístico de 45 283 contos.
Dadas as dificuldades mundiais que o comércio de vinhos atravessa, temos de reconhecer que só à custa de muito esforço e perseverança foi possível atingir estes resultados.
Evidentemente que todas as dificuldades e obstáculos que contribuem para a diminuição da exportação dos vinhos portugueses ferem igualmente os vinhos da Madeira.
Aumenta progressivamente a produção mundial de vinhos. Pelo último relatório geral do Office International du Vin verifica-se que a área mundial ocupada por vinhos subiu de 8 225 000 ha, em 1948, para 8 961825 ha, um 1953, e que em igual período a produção mundial de vinho subiu de 167 849 300 hl para 218 760 441 hl, sem que este aumento de produção fosse acompanhado por um correspondente aumento de consumo.
O nivelamento social de classes que se operou depois da guerra diminuiu as possibilidades de compra dos consumidores habituais dos nossos vinhos generosos. E a tendência gradual de consumo das chamadas bebidas brancas ainda mais agravou a situação. Juntem-se a isto a cobrança de elevados direitos aduaneiros em alguns países importadores e a tendência proteccionista aos vinhos nacionais ou importados de determinados territórios ultramarinos e teremos enumerado algumas das causas que mais decisivamente contribuem para o declínio da exportação dos nossos vinhos do Porto e da Madeira.
O Sr. Deputado Manuel Maria Vaz, no seu brilhante discurso de anteontem, referindo-se aos direitos aduaneiros que oneram os vinhos do Porto que entram na Inglaterra, teve ocasião de referir o obstáculo que esses direitos representam para o incremento da nossa exportação vinícola para aquele país.
Estou inteiramente de abordo com as considerações daquele nosso ilustre colega. Simplesmente, o problema tem as dificuldades que resultam de uma política proteccionista orientada na dupla finalidade de limitar certos consumos e simultaneamente obter determinadas receitas fiscais.
Cada vez se apregoa mais a necessidade de destruir barreiras aduaneiras e liberalizar o comércio internacional. Infelizmente os factos não correspondem às conclusões dos teóricos e economistas e os Estados ainda não encontraram uma receita que pudesse substituir os impostos indirectos cobrados pelas alfândegas. Todos desejaríamos ver reduzidos os direitos aduaneiros que incidem sobre os vinhos do Porto e da Madeira importados na Inglaterra e todos sabem o interesse que ao assunto tem dedicado o Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Um dos últimos relatórios da direcção do Grémio dos Exportadores do Vinho do Porto agradece ao Dr. Pedro Teotónio Pereira o interesse que ao ilustre Embaixador de Portugal em Londres tem merecido este assunto. Entretanto, temos de lutar dentro das possibilidades actuais e não esquecer que outros vinhos estrangeiros -como é o caso do xerez-, apesar dos elevados direitos pautais, procuram desenvolver-se e expandir-se no mercado britânico, arrebatando posições que tradicionalmente cabiam aos vinhos do Porto e da Madeira.
Nem podemos levar a nossa insistência além de um certo limite. Já dizia Adam Smith: «O comércio, que deve ser naturalmente entre nações, do mesmo modo que entre indivíduos, um laço de união e de amizade, torna-se, por vezes, a fonte mais fértil de discórdia e de animosidade».
O Sr. André Navarro: - V. Ex.a dá-me licença? Gostaria de saber, se V. Ex.a me pudesse esclarecer, porque é que o vinho é o Xerez está nessa posição de
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(ver tabela na imagem)
privilégio, embora sobre eles recaiam avultados direitos em Inglaterra?
O Orador: - Estou convencido, em primeiro lugar, de que tuna das razões do predomínio do vinho do Xerez é estar a acentuar-se no mercado britânico uma tendência bastante forte paru o consumo dos chamados vinhos secos; e, em segundo lugar, as grandes verbas de propaganda que o Governo espanhol está despendendo na Inglaterra.
O Sr. André Navarro: - Agradeço muito a V. Ex.a a sua explicação.
O Orador: - Esta é a explicação que o conhecimento dos factos me autoriza a prestar.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Mas se a tendência é para vinhos secos, o vinho da Madeira deve ter boa aceitação em Inglaterra.
O Orador: - Devo dizer que o consumo dos vinhos da Madeira tem realmente aumentado em Inglaterra nestes últimos três anos. Em 1952 a Madeira exportou para Inglaterra 114 000 l, em 1953 133 000 l e em 1954 149 000 l.
Estou convencido de que este aumento de consumo é resultante, em grande parte, da propaganda que si* está fazendo em Inglaterra, subsidiada pelo Fundo de Exportação.
O Sr. Manuel Vaz: -V. Ex.a dá-me licença? V. Ex.a poderia informar-me quais os direitos que o vinho espanhol do Xerez paga em Inglaterra?
O Orador: - Os vinhos do Xerez estão sujeitos, na Inglaterra, às tarifas aduaneiras que recaem sobre os vinhos importados naquele país.
O Sr. Rui de Andrade: - A cultura do Xerez é mais fácil do que a cultura do vinho do Douro.
O Orador: - Num estudo publicado nos nua is do Instituto do Vinho do Porto diz-se que, quanto a preço, não há grande diferença entre o vinho do Porto e o do Xerez. Enquanto, efectivamente, mini pipa de vinho do Porto, encaseado e F. O. B., custava 93 libras, o xerez, nas mesmas condições, em Cádis andava por 90 libras.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Os direitos em Inglaterra são incomportáveis; atingem mais de 40 por cento ad valorem, porque ali se consideram os vinhos generosos como artigos de luxo.
O Orador:- Sr. Presidente: um dos aspectos mais insistentemente tratados a propósito da actual crise vinícola foi o da necessidade de intensificarmos a propaganda doa nossos vinhos nos mercados externos.
O problema tem realmente o maior interesse, em virtude das largas somas que outros países vinícolas consagram à propaganda das suas marcas.
Os exportadores de vinhos da Madeira não têm descurado este importante aspecto da sua- actividade, principalmente em face da concorrência dos vinhos espanhóis e do aparecimento de novas marcas de vinhos generosos de tipo semelhante nos mercados internacionais, como sejam, por exemplo, os vinhos da África do Sul, de elevada graduação alcoólica.
É evidente que, dado o elevado custo de uma propaganda bem organizada nos grandes centros consumidores, esta tem de ser subsidiada pelo Estado. É a prática há muito seguida pelas principais países vinícolas europeus, que fazem a propaganda dos seus vinhos em geral, e simultaneamente, das marcas e designações de maior valor e reputação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quando, em 1940, se criou, pelo Decreto n.º 37 538, o Fundo de Fomento de Exportação teve-se precisamente em vista criar um organismo que, dotado de receitas próprias, pudesse eficazmente contribuir para o desenvolvimento da exportação nacional, através daqueles processos e daqueles meios que, em regimes normais de concorrência e de liberdade económica, são indispensáveis à realização desse
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Ao elaborar-se o actual Plano de Fomento atribuiu-se ao Fundo de Fomento Nacional uma contribuição financeira para a execução daquele Plano, que, conforme então notámos nesta Assembleia, absorvendo parte importante das receitas do Fundo, tolhia a sua acção e limitava o cumprimento da missão que originara e fundamentalmente lhe era atribuído de órgão fomentador da exportação nacional.
Felizmente que o Governo, posteriormente, esclareceu que a contribuição do Fundo de Fomento de Exportação para o Plano de Fomento não era fixa, mas sim limitada aos excedentes das receitas sobre os seus encargos específicos.
Isso tranquiliza todos os que confiam numa eficiente acção daquele organismo no sentido de ajudar e fomentar a colocação nos mercados externos dos produtos tradicionais da exportação portuguesa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Com a contribuição financeira do Fundo e, em parte, também dos exportadores está-se realizando neste momento uma importante campanha de propaganda dos nossos vinhos em alguns dos mais importantes mercados europeus.
O orçamento do Fundo de Fomento de (Exportação para 1955 só para propaganda de vinhos - e afora as quantias destinadas à manutenção de serviços e empreendimentos que visam fomentar e desenvolver a exportação, como sejam a participação em feiras e amostras, estudo dos mercados, a organização de mostruários, constituição de reservas de produção de alta qualidade, manutenção de centros de informação, realização de provas, etc. - prevê o dispêndio das verbas seguintes:
Campanha de propaganda do vinho do Porto
Na Inglaterra .......... 2:000.000$00
Na Bélgica ............. 800.000$00
Na Noruega ............. 500.000$00
Na Holanda ............. 300.000$00
Na Dinamarca ........... 300.000$00
Na Suíça ............... 300.000$00
Campanha de propaganda do vinho da Madeira
Na Inglaterra .......... 300.000$00
Na Noruega ............. 300.000$00
Na França .............. 300.000$00
O Sr. André Navarro: - Essas verbas pouco mais dão do que para pagar nos funcionários.
O Orador: - Estas verbas são independentes das consignadas aos funcionários. Elas suo exclusivamente destinadas para a propaganda, e V. Ex.a sabe que a propaganda do vinho da Madeira se tem feito em Inglaterra através de um organismo que recebe uma determinada importância por ano.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Essas verbas são para propaganda só dos vinhos?
O Orador: - As verbas que eu referi são só para propaganda dos vinhos. Para propaganda de outros produtos consignam-se outras verbas.
O Sr. Manuel Vaz: - É que se fala em propaganda do vinho do Porto e vinho da Madeira, mas não se diz ao certo em que consiste essa propaganda.
O Orador: - Eu não posso entrar em detalhes. Posso, no entanto, quanto aos vinhos da Madeira, dizer que na Inglaterra tem sido feita essa propaganda através de uma organização publicitária inglesa, que dispõe de diversos meios, tais como: artigos nos jornais, anúncios na rádio, provas, etc.
O Sr. Pinho Brandão: - V. Ex.a parece atribuir o valor da exportação exclusivamente à propaganda, mas ela deve ser influenciada pela melhoria da situação inglesa.
O Orador: - Eu atribuo-o a vários factores.
Há três anos que o Fundo de Fomento de Exportação vem empenhando-se na propaganda dos nossos vinhos generosos nalguns dos seus principais mercados.
É difícil avaliar quais os efeitos concretos dessa propaganda, pois não é possível determinar com exactidão a medida em que contribuiu para manter ou elevar os consumos e os resultados a que se teria chegado se não se tivesse feito essa propaganda.
Do que não há dúvida alguma é de que, em face da intensa publicidade dos vinhos que são concorrentes naturais dos nossos e da propaganda que os novos países vinícolas estão desenvolvendo para lançar produtos e marcas até há pouco desconhecidos, se torna absolutamente necessário intensificar a propaganda dos vinhos portugueses.
A exportação de vinhos da Madeira para a Inglaterra evoluiu nos últimos três anos pela maneira seguinte:
Litros
1952 .......................................... 114 577
1953 .......................................... 133 742
1954 .......................................... 149 932
Não podemos deixar de atribuir este aumento de exportação dos vinhos cia Madeira para a Inglaterra à propaganda que vem sendo feita neste país e comparticipada em 75 por cento pelo Fundo de Fomento de Exportação e em 25 por cento pelo próprio comércio exportador.
É actualmente a Suécia o mais importante mercado dos vinhos da Madeira. Para ali se exportaram o ano passado cerca de 900 000 I daquele vinho generoso. Por determinação do Governo Sueco, a partir do fim de Agosto do ano torrente e por um período de seis meses não será permitida a propaganda, de vinhos e bebidas alcoólicas naquele país. No fim desse período o problema terá de ser revisto, mas se se voltar à liberdade de propaganda teremos de prosseguir na campanha iniciada para que se não percam as verbas despendidas e se salvaguarde um mercado do importância primacial para os vinhos generosos portugueses.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tem-se falado muito na possibilidade de desenvolver a exploração de vinhos portugueses para os Estados Unidos. O Deputado Sr. Melo Machado tocou este problema na sua intervenção de anteontem, a qual constituiu uma valiosa contribuição para o debate. A extensão daquele país e as suas grandes possibilidades de consumo dão a este mercado um interesse especial, embora em certa medida prejudicado pelos elevados direitos aduaneiros que ali vigoram.
Compreende-se também que a colocação de produtos portugueses nos Estados Unidos dependa de uma propaganda prévia, organizada em condições de poder chamar a atenção do consumidor. Não é tarefa fácil nem empreendimento barato, num país onde tudo é em grande: desde a produção e o consumo até à propaganda.
O orçamento do Fundo de Fomento de Exportação para o próximo ano prevê a verba de 10 000 contos para a campanha de propaganda dos produtos portugueses nos Estados Unidos.
Estou absolutamente de acordo com as considerações produzidas nesta Assembleia, de que as verbas de propaganda se devem utilizar de acordo com os representantes das actividades cuja exportação se pretende fomentar.
Essa é a orientação do Fundo de Fomento de Exportação, e quanto nos vinhos da Madeira posso depor com
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inteiro conhecimento de causa, pois sei que as verbas aplicadas têm sido despendidas de acordo e com a comparticipação dos respectivos exportadores.
A propaganda nos Estados Unidos tem de ser planeada, executada nos meios mais convenientes e através de organizações apropriadas. E esse é o motivo por que se está pondo toda a cautela e todo o cuidado na elaboração do plano respectivo.
Os que se interessam pelo desenvolvi mento da exportação portuguesa não podem, deixar de congratular-se com a tentativa que vai fazer-se para abrir o mercado americano à colocação regular dos nossos vinhos, conservas e outros produtos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -10 000 contos anuais é já, dentro dos nossos recursos, uma verba assaz importante para começar uma campanha de propaganda. E o nosso voto é que ela se inicie, prossiga e traga à economia do País os mais frutuosos resultados.
É evidente que este esforço de propaganda e reclamo tem de ser completado com um esforço sério do comércio, defendendo a boa qualidade dos produtos e evitando o aviltamento de preços, tão ruinoso e nocivo u própria produção.
O Sr. Daniel Barbosa: - Como fui uma das pessoas que fizeram essa observação - e sem querer discutir o valor dos 10 000 coutos, que é grande dentro da modéstia dos nossos recursos, mas de que não sei qual o valor dentro da propaganda americana - permita-me V. Ex.a uma interrupção. Percebi V. Ex.a dizer que a propaganda exigirá um plano de trabalho paralelo. Portanto, V. Ex.a afirma que se vai sair de acções demasiadamente centralizadas para as apoiar devidamente naqueles organismos que de facto conhecem os problemas do mercado interno e sabem como se devem comportar no estrangeiro.
O Orador: - Exactamente.
O Sr. Teixeira de Sousa: - Eu ainda quero acrescentar um outro ponto, que ontem foi aqui focado: é que a propaganda tem de facto interesse, mas só pode produzir o efeito que nós pretendemos se tiver uma organização comercial adequada a apoiá-la, e não serve de nada fazer a propaganda sem que exista essa organização comercial adequada cá e lá, para efeito da exportação do nosso vinho.
O Orador: - Tanto V. Ex.a como o Sr. Deputado Daniel Barbosa estão exprimindo as suas opiniões, que não abalizadas, pois VV. Ex.as foram: um, vice-presidente da Junta Nacional do Vinho; outro, Ministro da Economia. Estou certo de que tudo se há-de passar no sentido de dar o máximo rendimento.
Admito até que essa verba de 10 000 contos não venha a ser gasta no corrente ano, por não haver tempo de estudar e pôr em prática o plano com todo aquele cuidado e cautela que ele merece; mas estou convencido de que as entidades competentes tomarão em couta todas as sugestões que lhes forem apresentadas pelos organismos competentes, pelos Deputados e por todos os elementos representativos da nossa exportação, no sentido de se poder tirar a máxima eficiência das verbas que vão ser aplicadas.
O Sr. Daniel Barbosa: - Estou convencido de que certos organismos, como a Junta Nacional do Vinho e outros, dispõem de magníficos elementos que possam habilitar quem de direito u gastar com garantia as respectivas verbas.
O Sr. Melo Machado: - Felicito-me por ter provocado uma tão larga discussão, pois ela é de grande importância para a economia do País.
O Orador: - Sr. Presidente: aludiu-se também no debate à perda do nosso mercado do Brasil, para onde tradicionalmente se exportavam quantitativos importantes de vinhos generosos e vinhos comuns.
Dos seguintes dados estatísticos podemos ver qual foi a nossa exportação de vinhos para o Brasil nos anos de 1952, 1953 e 1954 (não incluindo ainda o mês de Dezembro), comparativamente com os anos de 1946 e 1947, que foram os dois anos de maior exportação:
Exportação de vinho para o Brasil (a)
(ver tabela na imagem)
a) Excluídas as quantidades que nalgumas espécies, por insignificantes, estão incluídas na rubrica «Outros países»
b) Não inclui o mês de Dezembro.
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Estes dados estatísticos são bastante elucidativos quanto à posição actual da nosso comércio de vinhos com o Brasil.
Em Março último tive ocasião de me ocupar largamente nesta Câmara das relações comerciais luso-brasileiras e das dificuldades que o novo regime cambial adaptado pelo Brasil trazia à colocação dos produtos tradicionais da exportação portuguesa naquele mercado.
Posteriormente foi negociado um novo acordo comercial entre os dois Governos, assinado no Rio pelo nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros, que tem sido um entusiasta e valiosíssimo obreiro da aproximação política, cultural e económica entre as duas nações de língua portuguesa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O novo acordo é mais uma demonstração de boa vontade no sentido de melhorar as relações comerciais entre os dois países, permitindo ao Brasil pagar os créditos em atraso e, simultaneamente, tornando possível a colocação de produtos portugueses naquele país num regime tal que, mantendo-se a dívida brasileira para aquém do limite do crédito previsto no Convénio de Pagamentos, este tenha elasticidade bastante para permitir as chamadas exportações estacionais.
Apesar deste acordo e das provas de boa vontade dadas pelos dois Governos, subsistem, todavia, os motivos de ordem permanente que se opõem a uma fácil intensificação das relações comerciais luso-brasileiras. Portugal e o Brasil têm aquilo a que podemos chamar economias paralelas. O que ele nos deseja vender é por nós produzido em grande parte nos nossos territórios ultramarinos.
Por outro lado, a política do equilíbrio cambial adoptada pelo Ministro Osvaldo Aranha e seguida posteriormente faz com que o Brasil procure compreensivamente fazer depender as suas importações do montante real das suas exportações, escalando aquelas pelo grau da sua essencialidade ou importância pura a vida económica do país, isto é, para o seu consumo ou para o seu fomento.
É preciso, realmente, a existência de fortes vínculos de solidariedade política e afectiva para permitir vencer as próprias realidades económicas e, através delas, abrir caminho para soluções satisfatórias.
Dentro desse espírito se negociou o último acordo de comércio e se procura dar-lhe execução. Já se comprou ao Brasil uma importante partida de açúcar. Mercê dessa compra pôde o Brasil pagar parte dos atrasados e Portugal exportar para o Brasil os chamados produtos de Natal.
É evidente que a redução dos atrasados interessa às relações económicas entre os dois países e ao funcionamento regular da «conta-couvénio». Mas não pode fazer-se tão rapidamente que reduza a proporções insignificantes a exportação portuguesa.
O volume destas é indispensável até à obtenção das receitas e taxas necessárias para corrigir e compensar os maiores preços dos produtos brasileiros que temos de adquirir e cuja compra é, por sua vez, condição da exportação de produtos portugueses.
Todos os que têm seguido de perto a acção do Governo Português em problema tão delicado, que envolve a compra de produtos que produzimos também a preços, por vezes, acima das cotações internacionais e que pressupõe o escoamento de produtos nossos para dar lugar à compra de produtos brasileiros e ainda à distribuição dos encargos resultantes do maior preço destes todos os que conhecem o conjunto de esforços desenvolvidos sabem que tudo se tem feito para recuperar um mercado tão importante para alguns dos sectores fundamentais da nossa economia.
Compraram-se ultimamente ao Brasil cerca de 25 000 t de açúcar. Estão em curso negociações para a aquisição de 4000 t de algodão, e que permitirão novas exportações portuguesas para aquele país. E natural, pois, que os nossos vinhos voltem a exportar-se para o Brasil. Tenhamos esperança em que as relações económicas sejam a projecção da solidariedade, política e cultural que une as duas pátrias. E tenhamos confiança no espírito recíproco de compreensão e boa vontade que anima os respectivos Governos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: não quero alongar as minhas considerações. Mas, Deputado eleito por uma região onde a economia vinícola tem tão relevante importância, não quis deixar de trazer o meu depoimento numa matéria que tão vivamente interessou a opinião pública do País. E compreende-se esse interesse.
No comércio de vinhos estão investidos capitais avultados e à sua produção se consagra uma percentagem importante da população agrícola do País, cujos interesses devemos ter sempre presentes, pois se confundem com os próprios interesses económicos da Nação.
Sempre ouvi dizer que Portugal era um país essencialmente agrícola. Todavia, as novas condições económicas do Mundo, a vantagem de nos protegermos contra as dificuldades de abastecimento em períodos anormais de crise ou de guerra e ainda a necessidade de evitarmos o empobrecimento do País por uma sangria contínua das nossas reservas e disponibilidades em ouro conduziram-nos no sentido de um melhor aproveitamento das nossas possibilidades industriais.
Creio que o que se tem feito nesta matéria honra a iniciativa individual e, ao esmo tempo, a política de fomento traçada pelo Governo. Se se torna necessário evitar a dependência do estrangeiro, nomeadamente quanto aos produtos que podemos produzir em Portugal por menores custos e por mais baixos preços do que os fornecidos pela concorrência internacional, não nos parece que se dera exagerar a política de industrialização.
Temos de ter sempre presente que as economias dos diversos países não são independentes, mas interdependentes e solidárias, e que se não comprarmos aos outras países estes não nos comprarão os nossos produtos, com a agravante de, entre estes, muitos - e é o caso dos vinhos - não serem considerados produtos essenciais ao consumo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A Inglaterra liberalizou em 1949 a importação de vinhos. Mas em muitos países, como a França, a Alemanha, a Itália, etc., a sua importação está contingentada. E é evidente que, se não comprarmos a esses países determinados contingentes de mercadorias, não podemos esperar que eles nos comprem os nossos vinhos e as nossas conservas, produtos tradicionais da nossa exportação e elementos vivos da economia do País.
Sr. Presidente: quero felicitar o Sr. Dr. Paulo Cancella de Abreu pela oportunidade do aviso prévio que realizou. O ilustre Deputado continua a dar um exemplo constante de mocidade de espírito, de coerência e, ao mesmo tempo, de devoção à causa pública, fiel às honrosas tradições do seu nome, como homem e como parlamentar.
O seu aviso prévio teve larga repercussão em todo o País, pois nada há como as questões e os problemas ligados à terra para interessar o povo português.
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A agricultura é a sua vocação colectiva e a terra a sua grande paixão de sempre. Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Suspendo, por hoje, o debate sobre o aviso prévio.
Como VV Ex.as sabem, também na ordem do dia de hoje está sujeito a reclamações o texto da Comissão de Legislação e Redacção acerca do Protocolo Adicional ao Tratado do Atlântico Norte, cuja publicação consta do Diário das Sessões n.º 77, relativo à sessão de 2 do corrente.
Se nenhum dos Srs. Deputados tiver qualquer reclamação a apresentar, será dado seguimento a esse texto para homologação.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Assim se fará.
Vou encerrar a sessão. A próxima será na terça-feira, dia 8 do corrente, tendo por ordem do dia a continuação do debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 40 minutos.
Srs. Deputados que entraram, durante a sessão:
António Pinto de Meireles Barriga.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Mantero Belard.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Afonso Cid dos Santos.
José Dias de Araújo Correia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
anuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Ricardo Malhou Durão.
Rui de Andrade.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Alberto Cruz.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Calheiros Lopes.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Bussell de Sousa.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Gaspar Inácio Ferreira.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Maria Porto.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Teófilo Duarte.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA