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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 80
ANO DE 1955 9 DE FEVEREIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.º 80, EM 8 DE FEVEREIRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Secretários: Exmos Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
SUMARIO:-O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovadas os n.ºs 78 e 79 do Diário das Sessões, com uma rectificação do Sr. Deputado Teixeira se Sousa ao primeiro.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Pinto Barriga foi autorizado a depor na 2.ª vara cível de Lisboa, como testemunha.
O Sr. Presidente anunciou estar na Mesa, enviada pela Presidência do Conselho, uma proposta de lei relativa à execução de obras de pequena distribuição de energia eléctrica. Essa proposta de lei vai ser enviada à Câmara Corporativa e à Comissão de Economia da Assembleia.
Receberam-se na Mesa na elementos remetidos pelo Ministério da Economia em satisfação de requerimento do Sr. Deputado Melo Machado, que vão ser entregues ao mesmo Sr. Deputado.
Para os efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, e enviados pela Presidência do Conselho, chegaram, à Mesa os n.ºs 24 e 27 do Diário do Governo, 1.ª série, inserindo os Decretos-Leis n.ºs 40 050, 40 051 e 40 053.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Cortês Lobão, que recordou a data da revolução de 7 de Fevereiro; Pereira da Conceição, que se congratulou com a iniciativa da Mocidade Portuguesa de comemorar o centenário de Mansinho de Albuquerque; Mendes Correia, na mesma ordem de ideias: Urgel Horta, que enviou um requerimento â Mesa, e Augusto Cerqueira Gomes, acerca do comunicado publicado na imprensa sobre a criação da Causa Republicana.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate acerca do aviso prévio do Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu relativo aos problemas vitivinícolas.
Usou da palavra o Sr. Deputado Artur Proença Duarte.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 19 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António Russell de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Baltasar Leite Rebelo de Sousa.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
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Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
João Ameal.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Ricardo Vaz Monteiro.
Sebastião Garcia Ramirez.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 68 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 78 e 79 do Diário das Sessões.
O Sr. Teixeira de Sousa: - Sr. Presidente: desejo apenas fazer duas rectificações ao Diário das Sessões n.º 78: na p. 510, col. l.ª, 1. 5, onde se lê: «100 000 pipas», deve ler-se: «40 800 pipas»; e a seguir, na 1. 9, onde se lê: «37 pipas», deve ler-se: «15 pipas».
O Sr. Presidente: -Visto mais nenhum Sr. Deputado pedir a palavra sobre os referidos números do Diário das Sessões, considero-os aprovados com as alterações apresentadas.
Vai ler-se o
Expediente
Telegramas
Dos Grémios da Lavoura de Ferreira do Alentejo, de Odemira, de Aljustrel, da Vidigueira e do Alvito, a apoiar as palavras proferidas na Assembleia Nacional pelo Sr. Deputado Lima Faleiro acerca da criação de uma estação agrária em Beja.
Dos exportadores de vinho da Madeira, a apoiar as considerações feitas na Assembleia Nacional pelo Sr. Deputado Alberto de Araújo sobro a questão vinícola portuguesa.
De um exportador de vinhos para África, a pedir aumento dos contingentes ou liberdade de exportação.
Exposições
Do Sr. Presidente da Junta de Província da Beira Litoral, a prestar esclarecimentos acerca de algumas considerações produzidas na Assembleia Nacional pelo Sr. Deputado Manuel Maria Vaz a respeito da construção de um sanatório heliomarítimo no Centro do País.
Reprodução de uma, enviada pelo Grémio da Lavoura de Amarante a S. Ex.a o Subsecretário de Estado da Agricultura, sobre o problema dos vinhos verdes.
Idem, enviada pelo Grémio da Lavoura da Covilhã e Belmonte a S. Ex.a o Ministro da Economia, sobre o problema da vinicultura.
O Sr. Presidente: -Está na Mesa um oficio da 2.a vara cível de Lisboa, a solicitar autorização para que o Sr. Deputado Pinto Barriga possa depor como testemunha no dia 2 de Março próximo.
O Sr. Deputado Pinto Barriga não vê inconveniente para a sua actividade parlamentar em que seja concedida a autorização.
Vou consultar a Câmara sobre se concede essa autorização.
Consultada a Assembleia, foi concedida.
O Sr. Presidente:-Está na Mesa, enviada pela Presidência do Conselho, uma proposta de lei relativa à execução de obras de pequena distribuição de energia eléctrica.
Vai ser enviada à Gamara Corporativa e à Comissão de Economia desta Assembleia.
Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Economia em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 27 de Janeiro último pelo Sr. Deputado Melo Machado.
Vão ser entregues ao mesmo Sr. Deputado.
Estão na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, para efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os n.ºs 24 e 27 do Diário do Governo, l.ª série, de l e 4 do corrente, que inserem os Decretos-Leis n.ºs 40 050, 40 051 e 40 053.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Cortas Lobão.
O Sr. Cortês Lobão: - Sr. Presidente: pedi a palavra para recordar uma data já muito afastada e para muitos até esquecida; data que já entrou na história, mas que está sempre viva, sempre presente na memória de alguns.
Mais um ano passou, mais um ano afastou esse dia histórico de 7 de Fevereiro de 1927.
Essa data que ontem se comemorou marca, para o País, a passagem do caos para a ordem, do passado sombrio e triste para a época clara, alegre e feliz do engrandecimento.
Vozes: - Muito bera!
O Orador:-Foi nesse dia que o caminho ficou desimpedido às futuras realizações que depois se operaram.
Foi este o último o definitivo esforço para levantar o Pais e, por ser o último, teve de ser duro, violento por vezos, onde se jogou vida por vida, tudo por tudo.
Sr. Presidente: foi Sidónio Pais, essa figura de patriota, esse grande capitão sem medo, esse português apontado como grande de mais para um pais tão pequeno, quem
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primeiro quis pôr termo à desorientação política do tempo, que ameaçava afundar o País, lançando aos políticos o seu grito patriótico em õ de Dezembro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Venceu, trabalhou muito, transformou o País, fez uma grande obra, mas, porque a julgou defendida pela sua valentia, sucumbiu varado pelas balas traiçoeiras das alfurjas, que espreitavam o momento próprio.
Pensando na sua pátria - a quem se entregara em vida -, morreu como morrem os heróis, deixando um testamento nas palavras que proferiu na hora final: «Morro bem; salvem a Pátria»!
Essas palavras ecoaram por todo o País e, passando as fronteiras, chegaram até aqueles portugueses que em França, nas terras da Flandres, se esforçavam por tornar respeitada a nossa pátria.
Passaram os tempos e as últimas palavras de Sidónio Pais foram acordando muitos corações firmes, que, procurando a oportunidade, se organizavam para cumprir o seu testamento.
Até que o movimento de 18 de Abril marcou uma patriótica tentativa.
Por motivos que aqui não interessa citar, não venceu esse movimento, que arregimentava muitos cadetes de Sidónio Pais e muitos outros novos, endurecidos pelas batalhas da Flandres, mas acordados pela palavra final deste chefe.
Não venceu, mas preparou tudo, criou o ambiente próprio para o 28 de Maio de 1926.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Assistimos então, nessa data, à arrancada triunfante do grande general Gomes da Costa da. cidade de Braga, arrancada que, reunindo as várias guarnições do Pais, sem um tiro, sem resistência, em marcha sempre triunfal, o conduziu a Lisboa, onde entrou como libertador.
Estava dado o primeiro passo para salvar o País.
Aparentemente tudo se tinha submetido à vontade do Exército, que representava a vontade da Nação. Vivia-se em calma, todo o País recebera com alegria a vitória do Exército.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas o mal tinha raízes profundas, e a aparente submissão servia apenas para preparar novo golpe. O germe do mal continuava a circular.
Os adversários mantiveram generosamente algumas posições de comando, e assim foi fácil tentar a obra de desagregação, arrastando os fracos, os indiferentes e os que estão sempre no caminho da oposição. Lamentavelmente, esqueceram-se de que o Exército tinha empenhado a sua honra na defesa do País.
O que foi o movimento de 7 de Fevereiro de 1927?
Todos os que por ele passaram sabem bem o que custou a vencer o adversário.
Tendo começado em 3 de Fevereiro no Porto, eclodiu três dias depois em Lisboa.
O que foi essa luta atestam-no o sangue derramado, as vidas que ceifou e os actos de heroísmo praticados por muitos, desde o mais humilde soldado, hoje esquecido no cantinho distante da sua aldeia, até aos chefes que os comandavam.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: ao recordar este dia desejo primeiro prestar justa homenagem de saudade e gratidão à memória dos nossos heróis que, caindo para sempre no campo da honra, deram a sua vida à Nação. Estou certo de que toda a Assembleia Nacional me acompanha nesta homenagem.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Desejo depois saudar os vivos que valentemente se bateram, representados todos na pessoa do nosso Ministro da Guerra de então, e felizmente ainda vivo, o coronel Passos e Sousa, ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... verdadeiro chefe militar, que a todos arrebatava pela sua decisão, energia e competência.
Com a maior rapidez e segurança preparou a defesa de Lisboa - que já então sabia ir ser teatro de lutas -, seguindo para o Porto no momento preciso para atacar e dominar ali os revoltosos, entregar os comandos em mãos firmes e voltar a Lisboa a tempo de actuar aqui.
A ele dirige, neste momento, as saudações mais calorosas um dos muitos subordinados seus nesse movimento, que ainda hoje se orgulha de ter servido sob as suas ordens.
Sr. Presidente: foi este o último movimento que arrancou o País aos maus políticos e o entregou definitivamente nas mãos firmes, honradas e patrióticas de Salazar.
Foi ao sacrifício desses bravos que ficámos devendo o ambiente de sossego e de progresso em que vivemos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Devemos manter-nos unidos na mesma finalidade, para que se não perca o sangue derramado por esses heróis, para que seja útil o sacrifício desses bravos.
Prometemos que o esforço há-de continuar, para que a Pátria se salve.
Com o rodar dos tempos, outros novos foram substituir os novos de ontem e velhos de hoje. Muitos destes novos são de rija têmpera. O País confia neles.
Saberão cumprir o sen dever; a Pátria há-de salvar-se.
Recordar esta data é prestar homenagem e agradecimento eterno àqueles que souberam morrer por ela.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pereira da Conceição: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: a Organização Nacional Mocidade Portuguesa, sentindo e vivendo os anseios para que foi criada, lançou nos princípios de Janeiro do corrente ano o brado de alerta do 1.º centenário do nascimento de Mouzinho de Albuquerque.
E fê-lo em conferência pública do patriótico escritor e distinto jornalista que é Luís Teixeira, em sessão a que assistiram o ilustre titular da pasta do Ultramar e o incansável e dedicado Subsecretário de Estado da Educação Nacional.
A conferência foi proferida no Palácio da Independência, símbolo augusto da vida nacional, hoje transformado em ara do porvir, fonte das esperanças que a Pátria deposita nas gerações de amanhã.
A Mocidade Portuguesa, ao lançar o seu brado de alerta, ergue nos seus braços e ampara nos seus corações a figura nobre e exemplar do maior de todos os sertanejos africanos do século passado; que, nos campos de Moçambique, talhou com a sua bravura, com a
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sua dignidade e com a sua sabedoria uma grande e rica província ultramarina, que é hoje uma das mais belas pedras do nosso diadema de expansão e de fé.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Após um período conturbado de desilusões e de amarguras, em que a Pátria vê despedaçados os seus direitos históricos, amarfanhadas as suas naturais esperanças do sonhado mapa cor-de-rosa, e é colocada em condições deprimentes do seu brio e dignidade tradicionais; num momento em que à pusilanimidade da política externa de Barros Gomes se junta a instabilidade da política interna, desvairada em paixões partidárias e de regime, absorvida na mesquinha luta dos interesses pessoais e jamais conseguindo sobrepujar-se à altura dos interesses colectivos; nessa altura, em que, como alcateia esfaimada, se lançam à volta dos nossos territórios africanos os apetites desmedidos e escancarados de companhias majestáticas estrangeiras sob o signo da força das nações imperialistas, dispostas a esfacelarem o que possuíamos na ânsia insatisfeita da sua cobiça; nesses momentos trágicos dos ódios, das ambições, dos desvarios, das indignidades à moral da Pátria, das traições conscientes ou inconscientes feitas contra o interesse da comunidade nacional e atentando contra a glória dos séculos -nessas horas de tristeza, de opróbrio, de amargura, de desilusão e de apetites incomensuráveis-, ergue-se a espada luminosa na mão segura da figura austera e nobre dum militar, relampejando a bravura, a decisão, a dignidade, a grandeza de servir, o espirito de isenção, o provado valor moral, o superior valimento do colectivo, forjando com têmpera firme o bom senso e a sabedoria para servir de fanal luminoso a tudo o que de bom vivia neste povo, em oposição ao que então de mau nos empanava e diminuía.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Em três dias e três noites de marchas consecutivas, na exaltação da febre que o consumia, produto do estudo e da análise reflectida de muitos meses e de muitas horas, numa certeza da alma dos que se devotam inteiramente ao serviço duma mística, em três dias e em três noites, como disse, Mouzinho redimiu a Pátria, e com a sua bravura militar, ao prender o Gungunhana, não era só o régulo que ele abatia, mas sim, acima de tudo, erguia nesta Pátria o lado bom e nobre do seu ser, aglutinando o valor da moral e do espírito de servir e erguendo o lábaro das tradições nacionais, mostrando-se o chefe e guia do exemplo nobre duma história.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Por isso o ignorado capitão, que pacientemente estudara e trabalhara durante anos a preparar-se para servir a Pátria -como é sempre mister dos que servem nas fileiras -, apareceu a Portugal, de repente, como a descoberta luminosa duma estrela. E ele não era mais do que o provado repositório dos valores morais permanentes dum povo.
E na sua vida de militar, de político, de comissário régio, de economista, de financeiro e de educador, brilham sempre os mesmos augustos princípios que o destacaram na sua tão amada carreira de militar-servir apenas e sempre a sua Pátria.
Amesquinhado pelas invejas, atacado pela podridão e pela lama, deprimido pelos mesquinhos, a sua figura foi difícil de julgar e apreciar por muitos dos seus contemporâneos- mas os anos rolam e os juízes imparciais e desapaixonados podem hoje apreciá-lo em toda a sua magnifica pujança como um dos valores eternos da raça portuguesa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-O Exército começou já de há alguns anos a apontá-lo como exemplo seguro da glória de servir; aquela glória que é feita da renúncia de si próprio em entusiasmo consciente pela Pátria.
A arma de cavalaria, embevecida na leitura dos seus conceitos militares, na dignidade dos princípios da sua aplicação táctica, descritos magistralmente nas cartas do comissário régio quando pedia reforços à metrópole, em situação de dar lições militares aos políticos e dar lições políticas aos militares, a arma de cavalaria, como digo, tem-no hoje como um dos mais brilhantes patronos da sua plêiade de cavaleirescos S.Jorge.
Não admira, pois, que tal figura tivesse empolgado a juventude portuguesa e que esta, pela voz da sua Mocidade, tivesse alertado o Pais.
É que ele deu-se também como educador dessa juventude, quer nas fileiras militares, ensinando os seus soldados, quer nos campos de batalha, em horas arriscadas, a guiar os seus companheiros de luta, quer ainda, em horas frias e serenas da paz, a preparar um príncipe na alta missão de vir a ser o chefe de um povo.
Mouzinho foi, pois, um educador firme pelo exemplo, ardoroso pelas qualidades inigualáveis e dedicado pelo futuro a que se devotava.
Hoje é a mocidade que se volta para ele, compreensiva e agradecida pelas horas muitas dum passado em que ele se voltou pára ela. Rejubilemos por que na formação das gerações do futuro a figura dum chefe tenha deixado a impressão mágica das suas qualidades e as atraia e a fascine, a ponto de esta o erguer como símbolo e exemplo duma raça em que a cobardia e a lama têm sido a miserável excepção que confirma a regra da nobreza, do patriotismo e da heroicidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Foi o herói servido em sua vida pela figura distinta duma esposa augusta e exemplar, senhora de raras e nobres virtudes, que o acompanhou em todas as horas grandes como nas vicissitudes provocadas pelos mesquinhos e pelos maus.
Da boca dele colheu o aspirado desejo de em sua morte vir a receber sepultura no mosteiro da sua terra, no lajedo frio e grandioso da Batalha.
Por isso, quando a terra africana de Moçambique, pela voz de seus representantes e forças vivas, bradava pelos despojos do herói para figurar nos campos de Coolela, em afirmação eterna do amor pela grandeza da Pátria, ali provado por tão grande português, a ilustre senhora, então ainda viva, a isso se opôs, como num eco longínquo da voz do grande capitão.
Ergueu-se nessa altura a campanha em favor de dar repouso digno aos despojos do herói. Por toda a parte os clamores de aprovação foram gerais, secundados em tese justa por vários sectores, de entre os quais citaremos como não menos valioso o sector católico, saliente em artigos de fundo publicados pelo jornal Novidades. O clero português, como a grei, juntava-se, pois, ao sereno desejo da Pátria em consagrar a figura heróica e lendária de um chefe que brilhara em todos os exemplos da sua vida, pelo valor moral da sua conduta em todos os campos.
Ergue-se de novo o brado de retirar duma campa fria e inexpressiva do cemitério dos Prazeres as ossadas de quem, pela sua glória de trabalhador africano, bem pode jazer na campa rasa, mas digna, dos lajedos da Batalha. Ali, no mosteiro onde jazem os despojos dos primeiros
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conquistadores ... D. João I e dos seus filhos -, a par do Infante Mártir, santo de Fez, a par do quinto Afonso, espada temerária do Maghreb, a par do soldado ignoto da guerra de 1914 - símbolos firmes da nossa expansão e por último da nossa continuidade africanas -, sempre regadas pelo sangue bravo dos heróis - a par desses, bem pode ficar o glorioso capitão -, último abencerragem duma época de ocupação afirmada nos restos valorosos duma grei e sobrepujando com valor admirável a desorientação e a baixeza dos mesquinhos e traiçoeiros.
Vozes: - Muito, bem!
O Orador: - Todos não somos de mais para a consagração a que tem jus quem tão devotadamente se deu ao serviço da Nação.
Por isso ouso solicitar desta tribuna, onde a voz do povo é a voz do País, a colaboração do Governo para tão patriótica empresa. Secundo as aspirações da mocidade, expressas pela voz clara o patriótica de Luís Teixeira, sempre disposta a batalhar pelas causas nobres de apreço aos heróis africanos.
E, como outros e vários desejarão associar-se a tomar parte activa e dedicada em tais tarefas e como penso que isso é a obra da Nação, ouso solicitar aos dignos e ilustres titulares das pastas da Defesa Nacional e do Ultramar que congracem estes desejos, patrocinem junto do Governo esta realização e lhe dêem corpo, de modo que no dia 11 de Novembro do ano corrente, data do centenário, as cinzas do herói de tantos combates vão repousar finalmente no cenotáfio da Pátria que é o Mosteiro da Batalha.
Entre os mortos - os heróis seculares que ali repousam - sentir-se-á a continua dignidade que ali é timbre.
Entre os vivos - a Mocidade, o Exército e a Nação - sentir-se-á o frémito da admiração que merecem aqueles que acima de si põem o serviço augusto e nobre da grei.
Com tal acto de justiça não é uma falta que redimimos, mas apenas um exemplo do Portugal que veneramos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente: o nosso ilustre colega nesta Assembleia Sr. Coronel Pereira da Conceição acaba de levantar, oportuna e acertadamente, a sua voz no sentido de que não deixe de se comemorar com adequadas celebrações e iniciativas o 1.º centenário do glorioso militar e administrador ultramarino que foi Joaquim Mouzinho de Albuquerque.
Pedi a palavra a V. Ex.a, Sr. Presidente, para me associar ao desejo do nosso colega, acrescentando algumas palavras sobre os trabalhos já efectuados pela Sociedade de Geografia de Lisboa e suas comissões e secções no sentido do estabelecimento dum plano daquelas comemorações, que, quer sejam promovidas pela briosa Mocidade Portuguesa, quer o sejam pela patriótica Sociedade de Geografia, ou pelas duas e mesmo por outras organizações, revestirão em qualquer caso, revestirão necessariamente, um alto carácter nacional.
É que a memória de Mouzinho, a sua personalidade e o seu papel pertencem à Nação, são património magnifico deste pais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Tão grande foi a projecção de Mouzinho e da sua acção na história contemporânea de Portugal que, como já disse algures, a perturbada inquietação dos últimos tempos da sua existência, o seu próprio trágico fim testemunham a inadaptação do seu valor, da sua grandeza, à escala mesquinha do seu ambiente, às proporções e aos horizontes do seu meio e da sua época.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Um dos seus gloriosos companheiros de África - Aires de Ornelas - descreveu com nítida compreensão e franco desassombro essa inadaptação trágica. Mouzinho não pertenceu ao seu tempo, pertenceu à história.
E esta conserva a lembrança inapagável da sua figura galharda e magnifica, com o fulgor duma dupla auréola: a do heroísmo e a da visão clara das necessidades imperativas duma política.
O político e administrador ultramarino, como há dias mostrou Dias Belchior numa conferência na Sociedade de Geografia, foi tão grande como o soldado, como o herói fulgurante, bravo e inteligente de Chaimite e de Macontene.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A insatisfação final deste vinha do justificado receio de que se dissipassem, se perdessem, as vantagens que o seu heroísmo de soldado e o seu valor de governante haviam conquistado gloriosamente para a Nação.
O futuro, os factos subsequentes, confirmaram triunfalmente as previsões que se continham nos seus feitos heróicos e na sua tarefa política e administrativa.
Desta e daqueles, do prosseguimento das suas orientações salutares, dos resultados decisivos dos seus gestos admiráveis e desassombrados ninguém duvida ter derivado beneficio e préstimo para a Pátria, para o enraizamento e progresso da nossa acção em África, para o próprio revigoramento do espírito patriótico, duma fé, que um pouco se entibiara, nos destinos eternos, na missão histórica de Portugal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mouzinho foi o notável, o valente, o clarividente delineador e realizador da tarefa inaugural duma política que deu um sentido elevado à nossa presença em África e que definitivamente converteu Moçambique num pedaço fremente, vivo e sagrado da carne, da própria alma da Pátria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- A condigna celebração deste centenário, a que, como uma das suas realizações efectivas, não deve faltar o reatamento feliz da iniciativa do levantamento em Lisboa dum monumento individual a Mouzinho, esta celebração do centenário, repito, deve, a meu ver, revestir, além do significado lógico de justo preito ao valor, o aspecto, não menos apreciável, de lição e estímulo perenes, concretos, à mocidade - à mocidade, que é luminosa esperança deste país.
Mouzinho, ressalvando a sua atitude derradeira, foi, é e será sempre paradigma excelente de acção patriótica e esclarecida.
É bom que a juventude actual saiba que eram bem duras e difíceis as condições daquele tempo para um europeu, como ele, em África.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: -Não eram apenas as «mangas» vátuas do Murdungaz ou Gungunhana que se nos deparavam então como inimigos.
Era todo um poderoso império zulo da África Austral, eram estrangeiros que fomentavam a luta e a intriga contra nós, eram as ambições de potentados político-financeiros, como Cecil Rhodes, eram a falta de recursos, uma armadura militar e administrativa insuficientes, a impiedosa acção deletéria do clima, do paludismo e de outros males, contra os quais a defesa sanitária era então mínima ou ineficaz, eram os transportes insuficientes, eram os fornecimentos por estrangeiros nossos adversários de armas modernas de combate às hostes inimigas, cajá combatividade era, para mais, tanto de considerar como a sua enorme superioridade numérica.
Assisti, ainda criança, à chegada triunfal de heróis de campanhas de África. Os seus semblantes de impaludados não conseguiam, com os seus sorrisos de agradecimento pelos entusiásticos acolhimentos, desfazer a nossos olhos os vestígios que neles espelhavam quanto haviam sofrido. Nem aviões, nem automóveis; apenas havia uma artilharia modesta, às vezes cavalaria - em que não raro os animais sucumbiam mais facilmente e mais depressa do que os homens...
Estas realidades impressionantes é que a mocidade de hoje deve conhecer e meditar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A admiração por Mouzinho cresce na medida em que se saiba quão grandes foram as dificuldades com que ele deparou. E essas dificuldades não eram apenas um inimigo numeroso e aguerrido, os intrigantes estrangeiros, a escassez de recursos, o clima, as doenças.
Foram-no também os inimigos internos, os despeites, as ambições, os invejosos, e até a própria rotina, inércia e ineficácia de uma administração envelhecida e precária.
Eu não condeno uma boa organização de serviços burocráticos - acho-a indispensável.
Mas condeno, como o inimigo n.º l de qualquer situação política, uma burocracia rotineira, enferrujada, anquilosante, sem compreensão das verdadeiras necessidades públicas. Pois Mouzinho encontrou-a pela frente; mas decididamente, firmemente, lucidamente, a combateu e a transformou.
Mas o que se não disse e escreveu de concessões que fez, como mais tarde o que se não disse e escreveu da sua acção rectilínea e vigorosa como responsável da educação dos príncipes!...
Enfim, que a Sociedade de Geografia (em que se conservam religiosamente tantos testemunhos de interesse e admiração pela figura e pela obra de Mouzinho; onde el-rei D. Carlos entregou solenemente ao herói a sua medalha de valor militar), a Mocidade Portuguesa e, sem dúvida o Governo, especialmente pelos Ministérios da Defesa e do Ultramar, cooperem numa alta e significativa comemoração do centenário de Mouzinho são os meus votos, é para mim unia certeza.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Mas, repito, seria de lamentar que nesta oportunidade se não procurasse reatar a iniciativa -a que me referi- de se erguer em Lisboa, na bela capital portuguesa, um monumento condigno a Mouzinho.
eve-o a Pátria a quem tão brilhante, valorosa e utilmente a serviu. Mas deve-o também a Pátria à mocidade, às gerações, de que ele será farol, estímulo e ensinamento. Evocar Mouzinho nenhum português, nenhum verdadeiro português, o pode fazer sem uma vibração emotiva. O cavaleiro de galhardia medieval, que foi, nos tempos modernos, no fim do século passado, paladino e agente duma tarefa racional e cientifica do administração ultramarina, ficou na história envolvido no fulgor deslumbrante de herói de outras eras. Valentia, lucidez, nobreza de sentir, decisão, probidade, desprezo das comodidades e da fortuna, mesmo da própria vida, todas essas qualidades se congregaram nele, erguendo-o acima da mediania e da vulgaridade, cercado duma auréola de patriotismo e de epopeia.
Varão de Plutarco, herói de Carlyle, personagem dos poemas de Homero, gentil-homem das gestas de Froissart, «varão assinalado» de Os Lusíadas, ambicionaste, segundo testemunhou Pedro Gaivão e agora foi evocado por Luis Teixeira, repousar em campa rasa ao lado de tua amada e dedicada esposa no templo da Batalha, na terra em que nasceste em 11 de Novembro de 1855.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Disse que evocar a personalidade de Mouzinho suscita emoção em todos os bons portugueses. Ora um dia, visitando os túmulos dos fundadores da dinastia de Avis e dos «Altos Infantes», na capela do Fundador no monumento da Batalha, tive a companhia de José Relvas.
Era num fim de tarde. Havia uma luz de devoção e silêncio. O cultíssimo e nobre espírito do grande agricultor, benemérito e requintado artista que foi José Relvas dizia-me à saída: «Um republicano como eu sou pode e deve inclinar-se perante reis e príncipes como estes».
E prosseguiu: «Não disse uma palavra no decurso da visita. É que - confidenciou-me o ilustre português - tinha um nó na garganta. Se eu falasse, chorava».
Mouzinho envolve-se no fluido de emoções análogas. Ele é a glória, a imortalidade, a grandeza moral; ele é a encarnação humana da Pátria, do seu valor.
Não há apenas emoções tristes. Há-as também, como estas, de alegria e de fé. O culto pela figura varonil e cavalheiresca de Mouzinho é dos que triunfam da dor e da morte, e estendem pelos séculos e pelas gerações a alegria confiante e serena de ser português.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: por diversas vezes nos temos ocupado neste lugar da crise habitacional, pedindo solução para o problema das «ilhas» do Porto, problema que reveste um aspecto delicado, do ponto de vista higiénico, social, moral e político. Sabemos que o Governo, sempre atento às necessidades e aspirações da população, tem escutado com o mais vivo interesse tudo quanto na tribuna da Assembleia Nacional vem afirmando-se acerca de problema tão grave, mostrando o melhor empenho em solucioná-lo. Nesta conformidade, foi já anunciado um aviso prévio pelo Prof. Almeida Garrett, que deverá ser efectuado na oportunidade devida.
Desejando tomar parte na discussão desse aviso e tendo, para tal fim, necessidade de alguns esclarecimentos, que me habilitem concretamente a fazê-lo, envio para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Requeiro que, pela Câmara Municipal do Porto, me sejam fornecidos os seguintes elementos:
a) Quantas foram as rasas destinadas a pobres construídas na cidade do Porto durante os anos de 1952, 1953 e 1954 por iniciativa daquele município;
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b) Quais os quantitativos médios despendidos em cada casa considerando somente a habitação e considerando também as despesas efectuadas com a expropriarão do terreno e sua preparação;
c) De quanto foi o auxilio do Estudo para essas realizações, no que se refere ao custo das habitações, ao custo do terreno e ao custo da sua respectiva preparação».
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Augusto Cerqueira Gomes: - Sr. Presidente: foi divulgado há dias, pela imprensa, o texto de uma nota dirigida a S. Ex.a o Sr. Presidente da República e subscrita pelos Srs. Vice-Almirante Mendes Cabeçadas e Dr. Armando Adão e Silva, a comunicar estarem dados «os primeiros passos» para a constituição de um novo organismo político - a «Causa Republicana», assim chamado por simetria com uma já existente, a «Causa Monárquica». Simetria de títulos a insinuar -e na aparência, aliás, com toda a lógica - uma simetria de direitos.
Não parece que a iniciativa tenha levantado no Pais grande alvoroço. É certo, pelo menos, que não suscitou ardentes entusiasmos. A nota corrente é o desinteresse e a indiferença; às vezes a repulsa. A muitos não mereceu senão a galhofa bem humorada, o comentário de boa e sadia graça portuguesa, que é ainda a melhor resposta a opor a certas habilidades saloias.
Afigura-se-me ainda assim que o caso deve ser considerado e apreciado nesta Câmara, para que se esclareçam possíveis dúvidas e definam posições. Não vá, com o andar dos tempos, o enredo dos especuladores e dos intriguistas turbar os ares com equívocos e confusões que possam desorientar a opinião pública ou ensombrar as relações do boa e leal camaradagem que sempre tem existido entre os que amorosamente andam ao serviço da outra causa - e essa, sim, que a todas sobreleva; essa, sim, que é a que importa: a Causa Nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-O objectivo supremo do anunciado movimento seria, transcrevendo, à letra, da nota em questão : «A doutrinação das ideias republicanas e a apologia das instituições que melhor as servem», «o estudo de reformas de sentido democrático e progressivo em todos os ramos da actividade nacional».
Apreciada a iniciativa nestes termos, nada mais legítimo nem mais conforme com a boa razão. E não, evidentemente, com o fundamento grosseiro de estarmos em regime republicano, que seria apenas a invocação da lei do mais forte; mas porque o exercício da liberdade de pensamento e do apostolado das ideias é, dentro de limites saudáveis, um direito irrecusável da pessoa humana.
Direi mesmo: propósito mais que legitimo, louvável e meritório.
A cultura política e a actividade política doutrinária podem ter ampla e benéfica projecção, muito para além do sector em que se desenvolvem e dos objectivos que tem em vista.
É assim no plano propriamente político. Por um lado, se debatem os grandes problemas nacionais e se estudam e criticam as soluções. Por outro, se cria um viveiro de homens especialmente votados ao interesse público. Aviva-se em muitos a consciência política, a sensibilidade patriótica, o amor e o zelo do bem comum. Revelam-se valores, preparam se e adestram-se competências para os encargos do governo e da administração.
É assim também no plano cultural. A doutrinação política, ou se exerça no campo da observação e da história ou no campo do raciocínio e da lógica e no mundo dos conceitos, seja a exposição serena ou o debate acalorado, anima e enriquece a vida do pensamento, suscita e amplia o labor da erudição.
Tudo está, para que assim seja, que a doutrinação e o apostolado estejam animados de sãos propósitos e sejam orientados por bons caminhos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É preciso que se não perca de vista nem a nobre missão da política nem a alta dignidade da inteligência.
É preciso que se não perca de vista que a missão da política é o bem comum, o interesse soberano da comunidade. Que se proclame, em todos os domínios da doutrina e da actividade políticas, o primado do interesse nacional. Do interesse nacional verdadeiro, e não das abstracções dos ideólogos, nem dos fanatismos das seitas, nem das conveniências das facções e dos bandos partidários, nem dos interesses inconfessáveis dos senhores feudais da finança e da economia, nem dos desígnios ocultos das alfurjas e das potências secretas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-É preciso que doutrinar para ávida política seja formar portugueses na plena consciência do seu portuguesismo; educar homens no vivo sentimento dos seus deveres cívicos, e não deformar inteligências e corromper corações. Que apostolizar seja o apelo às almas para melhor amarem e servirem a Pátria, na sua unidade, na sua grandeza, na sua vocação e no seu destino, e não perturbar, dividir, incendiar ódios, embravecer paixões, semear discórdias, avivar antagonismos, desorientar consciências.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-É preciso que se não perca de vista a dignidade do espírito e a dignidade da inteligência. Que não se degrade o espírito, que não se prostitua a inteligência, pondo-os ao serviço doutra causa que não seja a verdade. E a verdade, em política, é a política da Nação, orientada pelos caminhos arejados de um saudável realismo, que concilie os altos princípios com as lições da experiência e as imposições das realidades.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-É preciso que a cultura política soja realmente ... cultura. Que no lugar das razões não estejam disfarçadas as paixões, os interesses, os egoísmos. E que a chama augusta do espirito e a alta dignidade do magistério e do apostolado das ideias políticas não sirva apenas de manto aos mais baixos cálculos, às intenções mais impuras e mesquinhos pensamentos reservados.
Bem orientadas, nem mesmo as disputas doutrinárias entre homens discordantes ou correntes adversas deixarão de ter suas vantagens. Vantagens para a cultura, para a política, para a própria governação.
Na controvérsia alarga-se a visão dos assuntos; precisam-se e definem-se melhor as ideias; afloram novas razões e novos aspectos das coisas; vem mais à luz a complexidade real dos problemas, olhados de vários pontos de vista e nas suas múltiplas facetas, e a solução das questões é melhor joeirada, submetida a critica mais rigorosa e mais ampla.
Vantagens também para os homens - o beneficio do comércio das ideias e do confronto das opiniões. Ganham intelectualmente, pela esgrima do espírito e a mais ampla
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visão dos problemas. Ganham moralmente, porque se habituam a sofrer a contradita; porque terão muitas vezes de fazer concessões ao pensar dos outros, e isso os preserva do endeusamento da pessoa, do absolutismo das razões e do fanatismo das ideias, para que tendem, naturalmente, os isolados e os unilaterais.
Para tanto é também preciso, e mais ainda, que esteja sempre presente ao espirito nestes debates a soberania do interesse nacional, a soberania dos direitos da verdade, a soberania dos deveres da inteligência. E que tudo se passe conforme as leis da melhor cortesia e do respeito que se deve aos outros.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -Assim se serve, indissoluvelmente, o bem do espirito e o bem da cidade. Assim se concilia a liberdade da inteligência com a unidade e a paz da Nação.
Vozes: -Muito bem!
O Orador:-Salazar, que na harmonia do seu pensamento e no equilíbrio soberano do seu espírito evoca aquele sentimento de medida perfeita a que os velhos gregos chamavam euritmia, em desterro no desvairo do nosso tempo, numa das suas sentenças lapidares, admirável de claridade e limpidez, sentença em que se projecta a sua alta sabedoria e o seu luminoso bom senso - o luminoso bom senso que é, a meu parecer, a nota mais expressiva e, porventura, a essência do génio, numa sentença de tolerância e humanidade, de liberdade de espirito, que se contém pela serenidade do espirito, e que seria a melhor lei de todo o convívio intelectual, deu-nos um dia, a nós, a este respeito, a fórmula perfeita - a autonomia e a regra, a liberdade e a medida: «estudemos tudo e não nos dividamos em nada».
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: -Fossem os propósitos da iniciativa ou projecto os que se proclamam nos passos da nota que reproduzi, e nada mais legítimo. Viesse a sua actividade a desenvolver-se no plano construtivo e nacional a que venho de aludir, e o seu labor seria mesmo louvável e meritório.
Mas então, a ser assim, também não parecia preciso vir a público com modos de quem reclama uma liberdade inexistente e faz uma reivindicação de direitos que não usufrui. Porque o exercício desta liberdade e deste direito é uma norma que a nossa Constituição consagra expressamente na longa enumeração dos «direitos e garantias individuais dos cidadãos portugueses». Ali se proclama «a liberdade de expressão do pensamento sob qualquer forma».
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Verdade é que, na lógica da nossa doutrina e da nossa ética, esta liberdade não é um direito incondicionado e também se estatui a sua limitação pelas superiores imposições do interesse público.
A propósito se pode dizer, como, mais uma vez lucidamente, proclamou Salazar, em relação a todas as liberdades: «enquanto o liberalismo acabou por cair no sofisma: não há liberdades contra a liberdade, nós, em harmonia com a essência do homem e as realidades da vida, dizemos: é somente contra o interesse comum que a liberdade não existe».
E o artigo 22.º dispõe, literalmente, que: «a opinião pública é elemento fundamental da política e da administração do Pais, incumbindo ao Estado defendê-la de todos os factores que a desorientem contra a verdade, a justiça, a boa administração e o bem comum».
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Mais: esta liberdade de pensamento não é um direito ocioso ou platónico, decorativamente, perfilado no texto solene do estatuto constitucional. É um poder de que amplamente usam -e até abusam- os sectores políticos discordantes da actual situação, e em particular os sobreviventes das velhas facções partidárias. Têm a sua imprensa periódica; publicam livros e revistas; tem possibilidade de realizar palestras e conferências. E, ao menos no plano dos princípios e da doutrina, não sofrem restrições, desde que não afrontem as normas basilares da ordem social e os princípios superiores quo informam a nossa civilização.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -Se são escassos os resultados do seu labor; se é pobre e desoladora a seara; se, como eles próprios confessam, a juventude é «hoje quase inteiramente indiferente às virtudes do regime republicano» -leia-se inequivocamente regime demo-parlamentar -, é porque a «Causa» é, verdadeiramente, ... uma causa perdida. Estes pobres homens andam fora do seu tempo.
Não puderam ver ainda que o demo-liberalismo é um sistema largamente ultrapassado. Que o seu processo está encerrado e a sentença lavrada e sem apelo. Condenado perante as meditações da inteligência, está também condenado, irrevogavelmente, pelos resultados duma longa e dolorosa experiência histórica.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Para as preocupações graves desta hora, a sua substância ideológica e as suas soluções são desconsoladoras e vazias, terrivelmente vazias e desconsoladoras.
O homem mostra-se um ser bom, mais rico de vida e do conteúdo espiritual. A sociedade uma realidade mais profunda e de muito mais alto sentido humano.
Decididamente, o liberalismo não pode satisfazer as mais profundas inquietações do homem moderno nem resolver nem sequer equacionar os grandes problemas do nosso tempo - hora crucial de revisão e ordenação de valores, a que está vinculado todo o nosso destino.
Por isso a mocidade se desinteressa, e se desinteressa irremediavelmente, dos mitos decaídos e dos ídolos de barro do demo-liberalismo. E nisso se exprime com inequívoca certeza a sua decrepitude e o seu ocaso.
Sembat sentenciou um dia, e com profundo acerto: «quando uma causa deixa do interessar a mocidade é porque vai morrer».
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Mas a verdade, a verdade irrecusável, a realidade que transparece com clareza meridiana, tão patente e inequívoca que só os cegos de espírito a não verão, é que o movimento um projecto nem é propriamente republicano nem é verdadeiramente doutrinário.
Não é propriamente republicano:
O que se tem em vista não é o puro ideal republicano, isento e limpo de compromissos e alianças, e tanto de princípios como de homens. O que se tem em vista ó o ideal republicano em conúbio com certos mitos ideológicos e certos homens de carne o osso; é o ideal republicano empenhado, comprometido, identificado com uma determinada situação histórica.
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O que se tem em vista não é propriamente a República. Mas a República dos partidos, e sobretudo os partidos; a República parlamentar, e sobretudo o parlamentarismo; a República demo liberal, e sobretudo o liberalismo e a democracia.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O que se tem em vista é a República dos primeiros dezasseis anos, a República demagógica e jacobina, a desordem e a degradação, a que pôs termo, patrioticamente, o 28 de Maio.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O que aí viria seriam as mesmas ideias de perdição, já sofridos, por desgraça, na nossa carne e na nossa alma, já condenadas pela razão e pela experiência, já varridas pela alma da Nação, num sobressalto que arrancou das suas mais fundas reservas morais.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O que aí viria seriam os meamos homens, sempre obstinados, sempre impenitentes, sempre saudosos dos seus tempos, sempre de olhos cegos para as verdades mais palpáveis. Que nem reconhecem os seus erros e os seus pecados, nem alcançam a grandeza do esforço reconstrutivo em que andamos empenhados, nem, sequer, vêem que tudo neles é bafiento e decrépito - as ideias, as palavras, os métodos e os homens.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Lá está, à cabeça, o Sr. Vice-Almirante Cabeçadas, o inevitável Sr. Vice-Almirante Mendes cabeçadas. Homem de irrecusável probidade pessoal, sincero nas suas crenças, reconhecidamente animado de boas intenções; mas politicamente nefasto, porque tem sido instrumento dócil dos partidos, ainda que, não nos custa aceitar, em homenagem às suas virtudes de carácter, na melhor boa fé e com os melhores propósitos.
Encontrámo-lo logo nas primeiras horas do 28 de Maio, manifestamente manobrado pelas habilidades dos políticos escorraçados do Poder.
Foi à sua sombra que se desenvolveu a maquiavélica tentativa de apoucar o alto sentido da Revolução, de amesquinhar as proporções transcendentes que o levante daquela hora redentora se propunha e veio a ter na história e nos destinos da Nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Encontrámo-lo depois, não sei quantas vezes, e sempre em posições que só podiam servir os ruins desígnios das facções responsáveis no descalabro da Nação.
E ainda, para que não fiquem dúvidas, lá está também, nos considerandos da representação, a apologia clara desses dezasseis anos funestos de demagogia. Lá está, bem à vista e bem inequivocamente, ao exaltar, vou transcrever à letra, «a obra a todos os títulos notável dos primeiros tempos da República»; e mais adiante, ao insistir nas excelências dos ideais do regime -entenda-se desses dezasseis anos- e dos «benefícios, que muitos foram os que dele advieram para o povo português». E até um dos males que a nota lamenta e o movimento se propõe remediar é, entre outros, que as novas gerações sejam -volto ao texto - «mantidas na ignorância ... do esforço honesto dos seus estadistas», «por tudo as ter incapacitado de se inteirarem da verdade e da justiça».
Não é aqui o lugar nem a hora de rememorar, em resposta, as misérias e as vergonhas, as ruínas e os crimes, o aviltamento e a baixeza, desses tempos e dessa política nefasta, que ficou como noite negra da nossa história.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - Levanto apenas a minha voz de repulsa indignada, o meu protesto veemente de honrem e de português contra esta tentativa ignominiosa de mistificação das almas novas, contra este cínico impudor com que se negam as verdades mais irrecusáveis, com que se pretende transfigurar em glória o que é torpeza, em honra o que é infâmia, em virtude o que foi delito, em benefício o que foi malfazejo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Repulsa e protesto onde sinto clamor comigo a voz da Verdade, que eles atraiçoam, a voz da Inteligência, que eles prostituem, a voz da Justiça, que eles ultrajam, a voz da Pátria, que eles crucificaram humilharam.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Com uma pontinha de malícia seria oportuno daqui perguntar ao Sr.
Vice-Almirante: se era «a todos os títulos notável a obra dos primeiros tempos da República», «se muitos foram os benefícios que desse regime advieram para o povo português», porque se revoltou, então, e por mais de uma vez, a sua consciência de homem honrado.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Porque, ainda, mesmo sem abranger ou sem querer perfilhar todo o alcance da Revolução, esteve na primeira hora entre os que capitanearam o 28 de Maio, que era a condenação desse passado?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Já se esqueceu que, entre outras coisas, declarou, na hora da sua efémera presidência do Governo: «É preciso sanear, limpar e moralizar; urge que as questões individuais, a dignidade do Poder, o respeito pela lei e o prestígio da autoridade não sejam uma ficção e uma burla como até hoje»?
Disse eu, também, e volto ao meu asserto, que a iniciativa anunciado não é, visivelmente não pode ser, um movimento de feição educativa e doutrinal. É, e só pode ser, não haja ilusões perigosas, um movimento passional e subversivo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O que se pretende, manifestamente, é o ataque, o ataque mortal, à situação política vigente.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O plano é claro e desenha-se com a maior evidência e nitidez a quem ler e meditar, com alguma atenção, a representarão que há dias veio a público: lançar, aos quatro ventos, o alarme da República em perigo e da tenebrosa ameaça restauracionista. Denunciar a situação política como responsável deste perigo e desta ameaça e, ao mesmo tempo, como impotente para os conjurar. Pregar, aflitivamente, a união sagrada dos republicanos. E reclamar a constituição
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legal de uma organização que possa assegurar a defesa da República ameaçada, suprindo as deficiências e acudindo à frouxidão e às imprudências do Poder.
Assim ficaria montada a engrenagem mortífera. E, posta a rodar, o tempo faria o resto. Fariam o resto a agitação e a confusão dos espíritos; as lutas e paixões desencadeadas; a exploração, a intriga e o boato; as desavenças e divisões no seio da Situação e da família nacionalista; o descrédito e rebaixamento do Poder. Com a sua fachada legal, com a sua organização, a sua rede de ligações e os seus cordelinhos, lá estaria a «Causa» para favorecer a liberdade de movimentos, para assegurar melhor eficiência de acção e de comando, para garantir, em suma, o êxito da manobra.
O que até aqui se não conseguiu no ataque frontal, apesar das sucessivas investidas - a subversão do Estado Nacional -, poderia muito bem conseguir-se, assim, pela manobra oblíqua.
E não se cuide que fantasio, que desfiguro ou, sequer, que exagero. Tudo quanto denunciei, todas as peças mestras da engrenagem subversivo, estão bem à vista na nota da «Causa». E estão bem à vista porque é isso mesmo que interessa, porque é isso mesmo que a nota pretende, para pôr u engrenagem em movimento.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Lá está, em todos os tons, o pregão inflamado da República em perigo. Destaco estas passagens: os monárquicos para s preparar a restauração do regime monárquico ... elevando às posições de mando ... os seus elementos de destaque», «atacando acriminosamente as instituições republicanas e os seus homens mais eminentes», sa ampla, progressiva e perigosa actuação desenvolvida pela Causa Monárquica através do País», «as repetidas afirmações públicas de estar próxima qualquer tentativa de restauração do regime deposto em 5 de Outubro de 1910».
Lá está, denunciada com insistência particular, a culpa, a conivência (e não sei se se pretende insinuar mais) da política e das autoridades da Situação. Porque se os monárquicos estão nas posições de mando, cito outra vez à letra, sé com o beneplácito governamental», se manobram em plena liberdade, é a até com o apoio da autoridade».
Mais: «a favorecer esta actuação (a dos monárquicos) concorre a circunstância de a própria situação política vigente ir buscar, com frequência, à Causa Monárquica, nas suas investidas contra os republicanos, motivos de apoio e fortalecimento dos seus próprios planos de ataque, daí resultando, incontroversamente, o serem as novas gerações mantidas na ignorância das verdadeiras causas que determinaram o advento da República, das intenções patrióticas dos seus precursores e dos seus fundadores, do esforço honesto dos seus estadistas, por tudo as ter incapacitado de se inteirarem da verdade e da justiça».
E ainda, numa grande afirmação dos altos sentimentos de liberdade e de tolerância que reinam para aquelas liberalíssimas bandas da política, se estranha que «num estado republicano», sa um professor universitário e já posteriormente a um general da reserva», se tenha permitido «desempenhar ostensivamente as funções de lugar-tenência do pretendente à coroa».
Lá está, repetidamente, o apelo angustiado à união de todo» os republicanos, união - são ainda os seus dizeres - para uma acção «por demais urgente pelas circunstâncias políticas actuais».
Lá está, e isto é porventura o aspecto mais grave, a insinuação, posso dizer bem a afirmação, ao menos implícita, da insuficiência do Poder ante os perigos que ameaçam a República. Esta acusação está clara, na passagem, quase final, da representação em que se escreve que a organização de uma força cívica e patriótica é «indispensável (reparem bem na palavra - indispensável) à defesa do regime constitucional republicano».
A nota é, assim, de ponta a ponta um ataque nítido, alerto - e é mesmo nítido e aberto que se pretende -, à situação política actual e nos seus homens de governo.
Apoiados.
A própria iniciativa, lançada, assim, nestes termos e com estas razões, é, ela própria, uma acusação, um agravo, uma afronta ao Poder.
Apoiados.
No fim de tudo ressalta esta evidência: autorizar esse movimento já não é só abrir as portas á perturbação, ao dissídio, ao referver das paixões e ao tumulto das lutas. Não é também só pôr ainda em risco uma obra reconstrutiva que tem custado muitos trabalhos e sacrifícios e se projecta como uma das horas mais altas da nossa história. É, ainda mais, para o Poder aceitar uma imputação injusta e um juízo humilhante.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -E eu pergunto, agora, com serenidade, mas também com o sentimento claro da gravidade desta pergunta: pode um Governo digno, com a noção do respeito que deve a si próprio e ao País; pode um Governo consciente da alta dignidade da sua missão, guardião da honra e dos interesses da cidade, supremo representante e supremo servidor do bem comum, consentir na realização desta iniciativa?
E pode, sem que isso seja «deixar cair o Poder no meio da rua»? Sem que isso represente a abdicação da autoridade, a demissão do Poder?
Deixo a pergunta a cada um e que cada um responda com o perfeito sentimento das suas responsabilidades de homem e de português.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E agora, para finalizar, algumas palavras que eu quero proferir e que me parecem da maior importância e vão dirigidas aos servidores, a todos os servidores do Movimento Nacional.
O maior perigo que poderia ter esta questão, o resultado que certamente entraria nos cálculos de quem a promoveu e que é preciso evitar, é que nos desentendamos, que entre nós se levante a desconfiança e a cizânia - é que nos dividamos..
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E preciso que se esclareça e se defina bem, em termos claros e límpidos, o profundo sentido da nossa unidade e o alto propósito da nossa colaboração. Assim, ficaremos nós irais seguros. Assim, tentaremos fazer compreender os outros. Não será fácil, porque eles, nos estreitos horizontes dos suas visões partidárias, alheios às altas preocupações duma política de princípios e verdadeiramente nacional, pervertidos pelos hábitos mesquinhos do partidarismo e da politiquice de manhas e compadrios, mal poderão entender as nossas razões e os nossos objectivos. Ainda assim, tentemos.
Estamos aqui monárquicos, republicanos e indiferentes a formas de governo.
Numa hora grave da vida nacional, quando agudos problemas internos e a inquietação dramática da vida internacional enchiam de sombras e de apreensivas interrogações a existência e o futuro da Pátria, decidimos, sem abdicações do que a cada um era próprio, darmo-nos firmemente as mãos e ligar o nosso destino
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político, para uma obra construtiva e séria, de resgate da Nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sabemos muito bem o que politicamente nos separa e nos distingue e também o que nos aproxima e nos irmana.
Discordamos num ponto, definido e único - o melhor modo de devolução do supremo poder político. Em tudo mais somos conformes e solidários. Mais: em tudo em que somos conformes e solidários somos diferentes e inconfundíveis com eles: no conceito de política, da sua essência e dos seus métodos; no conceito de Nação e dos seus direitos; no conceito de Estado e da sua missão.
Para eles, no plano dos princípios, o objectivo supremo da política são os mitos e as superstições revolucionárias: a Liberdade, a Igualdade, a Democracia. Para nós, a primeira realidade, na ordem política, é a Nação e os seus direitos. E, enquanto eles apregoam a soberania do ovo, nós proclamamos a soberania do interesse público, a supremacia do bem comum, a primazia do interesse nacional.
Enquanto para eles, na ordem prática, a política se resume quase nas lutas pelo Poder - os que o detêm para o manter, os outros para o conquistar-, para nós a actividade política é o estudo e solução dos problemas de interesse público.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Enquanto para eles a Nação é a soma de indivíduos autónomos -um aglomerado de egoísmos e a sua vontade se exprime na voz da maioria de uma geração transitória ou mesmo de um momento efémero de desvairo -, para nós- a Nação é uma sociedade diferenciada e hierarquizada, uma sociedade constituída por sociedades menores em simbiose de relações e de dependências, um ser histórico, longa e, incessante criação elaborada pelo trabalho secular da natureza e dos homens, obra erguida pedra a pedra, engrandecida dia a dia pelo esforço solidário das gerações sucessivas.
Enquanto para eles o Estado é o usufruto dos bandos partidários, objecto permanente das suas cobiças e das suas lutas, incapaz de altos desígnios políticos, órgão sem vontade, sem continuidade, sem independência, para nós o Estado é o supremo servidor da Nação, o guardião dos seus interesses e da sua honra, o centro coordenador de todas tis actividades, sobranceiro a todos os grupos, árbitro imparcial de todos os antagonismos sociais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A nossa unidade, a nossa colaboração não é im encontro casual, não é a aliança de uma hora de emoção patriótica assente em vã retórica ou vagas e nevoentas razões sentimentais. É o resultado sólido, estável, consistente, de uma concordância de ideias e de princípios, de uma irmandade de sentimentos e de objectivos claros e explícitos.
É isso que explica que dure e se mantenha há já perto de trinta anos. É isso que tem permitido que tenha sido fecundo o nosso labor e gigantesca a obra que já realizámos.
Que essa obra imponente, levantada com o esforço de todos, o sacrifício de muitos e, até, o martírio e o heroísmo de alguns, obra da nossa piedade e do nosso orgulho patriótico, do nosso amor à terra, à gente e ao espírito da doce e amorável grei portuguesa, que toda essa obra, cheia de grandiosas realidades e de promessas ainda mais grandiosas, nos una e nos irmane, cada vez mais apertadamente, para que tudo se não perca no mar agitado das paixões, no tumulto dos egoísmos, no desencadear das forças de dissociação que eternamente refervem no subsolo das sociedades policiadas, à espera de uma hora de abandono, para a sua tarefa sinistra de perdição.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua o debate, sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu.
Tem a palavra o Sr. Deputado Proença Duarte.
O Sr. Proença Duarte: - Sr. Presidente: também me cabe tomar parte neste debate, suscitado pelo oportuno aviso prévio do Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu, já porque fui eleito para esta Assembleia por um círculo que compreende uma região tradicionalmente vitícola e das mais antigas, já porque tenho assento no conselho geral da Junta Nacional do Vinho como representante da produção de uma região que compreende quatro distritos, conselho esse ao qual compete emitir parecer sobre os vários problemas relacionados com n economia do vinho.
Antes de entrar na apreciação da matéria do aviso prévio quero cumprir um imperativo de consciência, qual seja o de louvar a iniciativa do Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu, por trazer a esta Câmara a revisão de um problema económico nacional, felicitá-lo pela forma elevada, digna, proficiente e desassombrada como o tratou, o que está em perfeita concordância com o seu carácter íntegro e com o brilho da sua carreira política e parlamentar.
Estes louvores e felicitações creio bem que podem merecer a adesão de toda a Câmara.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Pessoalmente devo-lhe sentido agradecimento pela honra com que me distinguiu evocando passagens de discurso meu aqui proferido em 1935, a que S. Ex.a generosamente chamou n minha brilhante estreia.
Foi, de facto, a minha estreia nessa legislatura, mas não a minha, estreia parlamentar, porquanto esta remonta a tempos mais recuados - ai de mim - pois efectuou-se em 1919 no parlamento chamado sidonista, já depois da morte do saudoso presidente e num ambiente político e social bem sombrio, no qual começavam a gerar-se; tantos fastos lastimáveis da nossa história política contemporânea.
Mas devo ainda ao Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu agradecimentos mais altos pelo ajustado elogio que aqui fez das populações do Ribatejo, das suas qualidades de trabalho, do seu espírito de iniciativa e ímpeto criador de riqueza, que tanto têm contribuído para o progresso e fortalecimento da economia nacional. Na verdade, como disse o Sr. Deputado Cancella de Abreu, a lezíria ribatejana, com toda a produtividade dos mais variados géneros, com que hoje contribui para a economia do País, é uma conquista do trabalho duro, árduo e persistente de gerações sucessivas, que desbravaram e enxugaram terras, arrancaram matos, regularizaram cursos de água, meteram marachas e fizeram as culturas apropriadas para se defenderem da invasão das
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areias do Tejo e do ímpeto das cheias que alvercavam os campos e arrastavam o húmus susceptível de produzir.
Dos matagais extensos e improdutivos, que outrora serviam apenas para régias caçadas e montarias, fizeram os Ribatejanos, no decorrer dos séculos, terra produtiva e campo vasto de ocupação da mão-de-obra, não só das suas populações, mas também das dos distritos circunvizinhos.
Ninguém pode contestar às populações, actua is e vindouras do Ribatejo o legitimo direito de fruírem plenamente o resultado do esforço de seus antepassados.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu, quando apresentou o seu aviso prévio, demarcou nitidamente, nos termos regimentais, qual o assunto que nele pretendia versar, concretizando que era concernente a três problemas:
a) Plantio da vinha;
b) Preços do mercado dos vinhos;
c) Exportação dos vinhos, nomeadamente para o ultramar.
O assunto do aviso prévio era, a todas as luzes, de interesse nacional, pois a produção vinícola integra-se na economia nacional como um dos factores de mais destacado valor da nossa economia agrária.
Haveria, pois, que considerá-lo no plano nacional e nele preconizar a solução ajustada ao momento, certo como é que os elementos da vida económica estão sujeitos a incessante mutabilidade, que não permite soluções rígidas e definitivas.
Mas nem só o aspecto económico dá ao problema do vinho a categoria de problema nacional.
Também a actividade vitivinícola está tão estrutural e amplamente ligada ao viver de uma grande parte da população do País, que pela sua projecção social alcança igualmente a categoria de problema nacional.
Não se trata, assim, de um problema puramente económico, no sentido restrito da palavra, mas de um problema de vida, de toda a vida de avultada parte da população portuguesa, portanto de problema estruturalmente humano.
Não é, pois, de surpreender que, por vezes, esse problema surja nesta Assembleia Nacional fremente de vida e até de certa paixão, quando nesse sector da vida portuguesa se verificam fenómenos perturbadores da sua estabilidade económica que podem conduzir a uma situação de aniquilamento.
Porque assim penso, pergunto a mini próprio, como ponto de partida para formulação de um raciocínio, se nos encontramos num desses momentos graves que requeira uma intervenção profunda do Estado no sentido de modificar a estrutura desse sector da nossa economia agrária ou até de modificar a estrutura geral de toda a nossa economia agrária, ou se nos encontramos apenas num momento de depressão que pode ser atenuado com medidas ocasionais de emergência.
Não há dúvida de que se verifica um conjunto de factos que constituem advertências de que qualquer coisa de anormal se passa na vida da vitivinicultura: um aumento gradual da produção, a partir de 1918 até hoje; um aumento da área da vinha; diminuição do volume total das exportações para o estrangeiro; queda vertical do preço do vinho da presente campanha para cerca de 30 por cento do preço praticado no ano anterior.
Na verdade, quanto à produção: era em 1918 de cerca de 4 milhões e meio de hectolitros; de então para cá, nó em 1920, 1926 e 1936 desceu abaixo deste limite, e em todos os demais anos se manteve em nível superior, sendo o do ano de 1954 de cerca de 12 milhões.
O Sr. Camilo Mendonça: - Já tive ocasião de dizer, e repito, que as produções registadas nos anos anteriores a 1934 não permitem comparação possível com as dos posteriores a 1934.
O Orador: - Vou dizer isso mesmo, que os que merecem mais confiança são, na verdade, os números posteriores ao início da organização.
Estes números revelam, na verdade, um marcado sentido de aumento de produção.
Mas o facto será esporádico na produção agrária nacional? Não é.
Observemos o que se passa com o trigo, o arroz e o azeite.
Quanto ao trigo: a produção de 1934 atingiu excepcionalmente 710 683 t, número este nunca mais alcançado.
Fui o resultado da chamada «campanha do trigo», do tempo do Ministro Linhares de Lima. Ainda em 1935 a produção atinge 567 778 t, caindo no ano seguinte para 313 352 t.
Dividindo em quinquénios oa anos decorridos de 1934-1952, temos, respectivamente, para os sucessivos quinquénios:
463 152 t, 402 810 t, 346 309 t e 482 118 t.
Verifica-se que o último quinquénio ultrapassa qualquer dos outros, incluindo o de l934-1938, em que há dois anos de produções altas, resultantes da campanha do trigo.
Quanto no azeite: a produção passa de 51 milhões de litros, média anual do sexénio de 1925-1930, para 83 milhões no sexénio de 1949-1954.
Quanto ao arroz: a produção passa de 53 830 000 kg, média anual no sexénio de 1932-1937, para 117 500 000 kg no sexénio de 1948-1953.
Estes números mostram que o sentido da produção destes produtos agrícolas é também de aumento gradual.
Porém, a observação das produções anuais de vinho, a partir de 1918, revela grandes altas e profundas depressões.
Assim, verificam-se altos níveis de produção nos anos de 1937, com cerca de 10 milhões de hectolitros; 1934 e 1937, em que roça pelos 11 milhões; 1943 e 1944. em que atinge, respectivamente, 14 e 14 e meio milhões de hectolitros; 1953 e 1954, em que ainda por cerca de 12 milhões.
As mais baixas produções dão-se em 1924, 1926 e 1936, com cerca de 3 milhões e meio, em 1940, com cerca de 5 milhões e meio, e em 1952, em que não atinge os 6 milhões.
Tirada a média das produções desde 1918 a 1954, inclusive, obtêm-se por ano 7 586 486 hl.
E a média da produção anual dós últimos dez anos dá-nos 9 115 000 hl.
A capitação média do consumo considera-se que foi de 100 l, que daria para uma população de 7 300 000 habitantes um consumo anual de 7 300 000 hl.
Se a média de produção dos últimos dez anos foi aproximadamente de 9 115 000 hl e se o consumo interno foi de 7 300 000 hl, ficam-nos l 815 000 hl para exportação, em vinhos e aguardentes.
Em 1954 exportaram-se l 038 854 hl de vinhos comuns e vinagres, licorosos, aguardentes e espumantes.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: -Há uma circunstância a frisar sobre aquilo que V. Ex.a acaba de dizer: é que, apesar de os anos de 1953 e 1954 não terem sido,
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segundo .se diz, de extraordinária produção, a colheita de 1954 aproximou-se de 12 milhões. Aonde iremos parar nos futuros anos de grandes colheitas, originadas no aumento derivado só das novas plantações dos últimos anos? Será uma tragédia.
O Orador: - Demonstrou-se aqui, por meio de um gráfico do Sr. Deputado Melo Machado, que essa produção já tinha sido excedida em 1945 e 1946, anos em que a colheita foi aproximadamente de 14 000 000 hl, H o crise resolveu-se.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu : - Porque se seguiram anos de baixa produção.
O Orador: - Os ciclos da produção de vinho não acusam normalmente mais do que dois anos de grande produção.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu : - No futuro veremos. O Sr. Camilo Mendonça: - V. Ex.a dá-me licença?
O Orador: - Tenha a bondade.
O Sr. Camilo Mendonça: - V. Ex.a recorda-se de qual foi o valor do investimento feito através de compras e de financiamentos na saíra de 1944-1945?
O Orador: - Suponho que os mais altos créditos concedidos à Junta atingem cerca de 700 000 contos. Este ano não ultrapassaram ainda os 120 000 contos.
O Sr. Camilo Mendonça: - Pois exactamente; em 1944-1945 o valor dos investimentos atingiu cerca de 710 000 contos, que em escudos de hoje representam aproximadamente 820 000 contos, enquanto no princípio desta campanha as disponibilidades da organização não chegavam à quarta parte daquela cifra.
O Orador: - Creio que estou em perfeita concordância com a linha de pensamento de V. Ex.a acerca deste problema.
Até aqui toda d produção dos vinhos se tem escoado, embora nos anos de maior produção tenham transitado alguns saldos para os anos seguintes, mas a verdade é que, e em resposta ao Srs. Deputados Camilo Mendonça e Paulo Cancella de Abreu, logo se escoam, pois raro se verificam mais de dois anos seguidos de alta, produção.
O Sr. Camilo Mendonça : - Em 1953, antes da respectiva colheita, não havia qualquer stock de vinhos do Pois, caso que, fora do período anormal da guerra, se não verificava há muitos anos.
O Orador: - Quem armazenava esses saldos?
Na área da Junta Nacional do Vinho era esta que tis armazenava quase totalmente, comprando-os à produção e transformando-os, em parte, em aguardente, de que se libertava nos anos de fraca produção, vendendo-a para tratamentos do vinho do Porto. A outra parte ora para bónus da exportação.
Isto acontecia quando o vinho do Porto era tratado rum as boas e apropriadas aguardentes do Sul.
Porém, hoje esta solução desapareceu, porquanto o vinho do Porto é tratado, obrigatória e quase exclusivamente, com aguardentes provenientes de vinhos produzidos na região demarcada do Douro.
E esses vinhos são transformados em aguardentes, porquanto o consumo do vinho do Porto baixou e a produção de vinhos na região demarcada do Douro aumentou por tal forma que dela só pode ser tratada cerca de uma terça parte; o restante é vinho comum e para queima, pela qual se transforma em aguardente. E é com esta aguardente de alto preço que é tratado o vinho do Porto, que assim se encarece.
Assim deixou o Douro de comprar no Sul cerca de 10 000 a 13, 000 pipas de aguardente anualmente, o que representa 70 000 a 74 000 pipas de vinho.
Esta circunstância veio limitar substancialmente à intervenção da Junta Nacional do Vinho no mercado e perturbar toda a economia do vinho na sua área.
O Sr. José Sarmento: - Para isso utilizou-se aguardente de há dois amos, aguardente do Douro proveniente dos vinhos que não foram beneficiados, cujo preço foi apenas aumentado 20 por cento, isto é, a aguardente feita no Douro com massas belíssimas não aumentou o custo senão em 20 por cento; mais queria fazer notar que a aguardente 110 Douro é barata relativamente à origem que teve.
O Orador: - Portanto, foi cama quanto à origem que tem, mas são condeno o Douro por fazer a defesa dos seus interesses.
O Sr. Amândio Figueiredo: - V. Ex.a dá-me licença?
Eu desejaria apenas esclarecer V. Ex.a, de que o Douro, em 1924, exportou cerni de 100 000 pipas e a média da produção actual é de cerca de 150 000; sendo o consumo regional de 30 000 pipas, pouco ficaria para o seu comércio de vinhos de pasto, que sempre existiu. Logo, não está certa a afirmação de V. Ex.a de que o Douro triplicou a sua produção.
O Orador: - Eu terei oportunidade de fazer aqui uma referência ao Douro que foi proferida por quem tinha a idoneidade precisa: o nosso saudoso colega Viterbo Ferreira.
O Sr. Amândio Figueiredo: - Se V. Ex.a estava atento às considerações feitas pelo nosso colega Sr. Dr. Carlos Moreira, verificou que o aumento foi apenas de l por cento. É que se faz confusão entre a região demarcada do Douro e a área da 4.ª brigada do plantio, que não diz respeito à região demarcada.
O Orador: - Da região demarcada do Douro são os números que referirei a VV. Ex.as
Também a circunstância de a exportação ter diminuído contribuiu para dificultar a acção de saneamento e regularização que a Junta vinha exercendo no mercado do vinho na sua área, pois concorre directamente para que maior volume de vinho se lhe ofereça para comprar.
A situação assim criada põe à Junta três graves problemas: um de ordem financeira, outro de armazenamento e outro de escoamento.
O problema financeiro foi agravado pelo facto de lhe ter sido diminuído o volume dos financiamentos que em anos passados lhe eram concedidos.
O problema de armazenamento não pode resolvê-lo instantaneamente, pois se não improvisam armazéns de vinhos de um momento para o outro, e foi de um momento para o outro que imprevisivelmente o problema se lhe apresentou.
Das circunstâncias acabadas de referir resultou que a intervenção regularizados da Junta na campanha do ano que decorre não se iniciou nos moldes dos anos anteriores.
E porque a produção do ano de 1954 foi elevada e também o fora a de 1953, resultou esta queda brusca e vertical dos preços dos vinhos para cerca de 50 por cento do preço do passado ano, preço que é inferior ao de custo de produção.
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Daí o mal e alarme da população vitivinícola, que levou u reuniões e exposições dos grémios da lavoura apresentadas no Ministério da Economia.
Aqui cabe dizer que o Governo, por intermédio do Ministério da Economia, prontamente considerou a situação e adoptou medidas legislativas e administrativas, que todos conhecemos, que devem dominar a crise de preços do corrente anu e prevenir situações análogas para os anos futuros.
No entretanto, já muitos vinicultores os economicamente mais débeis- entregaram por preço de ruína ao comércio as suas colheitas, com grave prejuízo para eles se os preços vierem a melhorar por virtude das medidas agora adoptadas e manifesta vantagem para o mesmo comércio, que comprou a preço de vinho de queima bons vinhos de consumo, que agora venderá ao retalhista pelos preços melhorados.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Assinala-se este facto para dele se tirarem adiante as correlativas ilações, que impõem, além do mais, se faça progredir e rapidamente concluir a organização corporativa da lavoura.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Conhecidos os números aqui referidos e os indicados pelo Sr. Deputado Cancella de Abreu, que nos mostram a média actual da produção nacional, o escoamento possível pelo consumo interno e aã perspectivas da exportação, que ilações tirar e que medidas preconizar?
Haverá necessidade de modificar a política da produção, a do consumo interno e a da exportação?
Sr. Presidente: qualquer destes problemas não pode ser considerado isoladamente, desintegrado do conjunto da nossa economia agrária, melhor direi, do complexo da nossa economia nacional.
E ainda, ao considerá-los, não podemos orientar-nos apenas por dados estatísticos, pois que estes não reflectem, não são a expressão real da vida nas suas múltiplas peculiaridades.
Consideremos primeiramente a produção, pois é ela que está na base de toda a vida económica.
Não temos vivido em regime de liberdade de produção desde 1932, mas sim no regime de condicionamento de plantio, designadamente a partir de 1934, com a publicação do Decreto n.º 23 590.
E esta política de condicionamento tem sido permanentemente mantida entre nós desde essa data, o que não aconteceu com os demais países vinícolas, que viveram em regime de liberdade de plantio até há poucos anos, tendo feito extensíssimas plantações, que conduziram ao estado de sobreprodução que hoje se verifica no mundo.
E esta é, possivelmente, a primacial circunstância da concorrência desregrada que os vinhos desses países nos fazem nos nossos tradicionais mercados externos, onde se infiltraram e aparecem a preços tão baixos que só se explicam como preços de artifício, fora de toda a realidade económica.
Não é, portanto, pelas superiores qualidades desses vinhos em relação aos nossos, nem por maior probidade de processos comerciais, que nos têm tomado posições.
Vem a propósito referir aqui o que quanto a este aspecto escreve o Grémio do Comércio de Exportação de Vinhos no seu relatório de 1953:
Sem se aprofundar nas circunstâncias que caracterizam o custo da produção nos diversos países e sem estabelecer a comparação com o que se passa no nosso caso, verificamos que as colações que apresentamos nos merca-los internacionais, por elevadas, não permitem enfrentar ou bater as dos concorrentes. E muitas vezes não é só mercê de auxílios especiais e meios que os próprios governos proporcionam: conseguem mesmo dominar como preços naturais.
De uma ou de nutra forma, no entanto, certo é que reside especialmente no factor preço a razão do decrescimento da nossa exportação para o estrangeiro e necessário se torna apetrecharmo-nos convenientemente para que ela não venha a soçobrar por completo. A qualidade não entra em causa; de há muito nos firmámos a este respeito, tanto é certo que, mesmo com uma pequena diferença de preço, os nossos vinhos são preferidos.
Mas esses países, de liberdade plena de produção, reconheceram recentemente erro dessa sua- política liberal e começaram agora a adoptar medidas de restrição e até de proibição absoluta do plantio da vinha.
Assim, a Espanha publicou em 26 de Maio de 1953 uma lei com disposições fortemente restritivas de novos plantios fora dos terrenos que anteriormente estavam reservados à cultura vitícola e proibiu inteiramente novas plantações em terrenos irrigáveis.
Nesse mesmo ano de 1953 novas medidas legislativas foram publicadas regulamentando as novas plantações e fixando formalismos burocráticos para a concessão de licença de plantio.
Em Agosto de 1904 proibiu totalmente a plantação e substituição de videiras, quer estas se destinassem à produção de vinho, quer a de uvas de mesa, durante a campanha de 1954-1955.
A Franca começou a publicar em 1953 uma série de diplomas legais tendentes à restrição do plantio e orientada- especialmente no sentido de produção de vinhos de qualidade, prescrevendo as únicas castas cuja plantação será permitida e autorizando plantações para produção de vinhos de «Appellation d'origine controlée».
Também a Grécia, a Itália, o Luxemburgo, a Suíça, Marrocos, a Tunísia, a Áustria, o Chile e outros estabeleceram recentemente regimes de condicionamento de plantio da vinha.
É de interesse assinalar que nenhuma destas legislações proíbe totalmente o plantio; limitam-se a estabelecer o seu condicionamento, o que nós já vimos fazendo desde 1932.
E é também de assinalar que a nossa legislação sobre plantio tem merecido louvor e sido apontada, em conferências internacionais sobre vinho, como modelo a seguir por outros países que viviam em regime de liberdade.
Daqui tiro a ilação de que o nosso país nau contribuiu para a sobreprodução vinícola verificada no Mundo, pois não é desproporcionada ao acréscimo de população e do consumo, nem à reconstituição e manutenção do que sempre fez, parte do nosso património económico através dos séculos.
O Sr. Manuel Vaz: -V. Ex.a dá-me licença? Se essa conclusão fosse exacta, nesse caso não teríamos dificuldade na colocação dos nossos vinhos.
O Orador:- Como não temos tido.
O Sr. Manuel Vaz: - Mas temo-la actualmente.
O Orador: - Se V. Ex.a me dá licença, eu, na sequência das minhas considerações, demonstrarei que a nossa crise de agora é mais uma crise psicológica.
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Vejamos, para mais incisiva demonstração do que deixo dito, o que se tem passado em matéria de plantação de vinha no País. já no regime do condicionamento.
Tome-se como ponto de partida o ano de 1938, de harmonia com os duelos que aqui requeri e me foram fornecidos polo Ministério da Economia.
Encontra-se o País dividido em sete zonas.
Em todas elas se fizeram reconstituições, transferências e novas plantações.
Não interessa, no problema de momento, referir as áreas de vinha reconstituída ou transferida, porquanto essa nau provocou aumento de produção.
O Sr. Melo Machado: - Eu, que sou estruturalmente contra o plantio, não posso admitir que qualquer pessoa, possa, ser obrigada a explorar uma vinha antieconómicamente. E evidente que essa pessoa deve ter o direito de a arrancar e de a reconstituir.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Dá-me licença?
Contra o que V. Ex.a imagina, a reconstituição da vinha traz aumento de produção. E não é pequeno, pois é o que resulta da substituirão da vinha morta ou velha por vinha nova.
O Orador: - Mas isso não é o que influi no aumento geral da produção.
O Sr. Furtado de Mendonça: - Dá-me licença?
V. Ex.a disse há pouco que nos anos de 1943 e 1944 ou 1945 a produção tinha sido de mais 14 000 000 hl, segundo entendi, e que tal produção se tinha escondo; mas julgo que V. Ex.a se esqueceu de considerar que os números desses anos não oferecem o mesmo crédito dos números dos outros anos, porque só trata, de anos de racionamento de sulfato de cobre com base no manifesto.
E assim V. Ex.a partiu do princípio de que se tais produções se escoaram também não podemos recear que produções inferiores como as actuais -que orçam por 11 a 12 milhões- tenham grandes dificuldades de escoamento.
Se assim fosse não haveria motivo para nos considerarmos em crise.
Dar-se-á o caso de V. Ex.a possuir elementos que provem que os números dos anos de racionamento de sulfato são relativamente exactos?
Neste caso o raciocínio de V. Ex.a estaria exacto, embora seja necessário atender a que, tratando-se, então, de anos de guerra, tudo se vendia, até o vinho. Agora talvez não aconteça o mesmo.
O Orador: - Não podemos raciocinar se, na verdade, o sulfato de cobre influenciou para estimular os manifestos; eu também posso raciocinar que nos anos anteriores não se preencheram os manifestos e se produziu mais vinho.
O Sr. Teixeira de Sousa: - Seria muito interessante um inquérito dessa natureza, para sabermos qual a nossa produção.
O Orador: - Eu já vi essa época e não tenho conhecimento de produtores terem aumentado a sua produção por influência dos manifestos.
O Sr. Manuel Vaz: - V. Ex.a acaba, do dizer que não tem conhecimento desses manifestos.
O Orador: - Directamente não tenho.
O Sr. Manuel Vaz: - Eu posso garantir a V. Ex.a que no Norte não se fez outra coisa.
O Orador: - Eu não faço essa injúria aos produtores.
O Sr. Manuel Vaz: - Não era questão do desonestidade, era uma questão de necessidade.
O Orador: - Quanto n aumentos de área, verificando os seguintes números, arredondados:
1.ª zona - compreendendo os distritos de Viana do Castelo, Porto, Draga e os concelhos de Mondim de Basto e Ribeira de Pena, do distrito de Vila Real: 572 ha com 2 600 000 pés;
2.ª zona - compreendendo os distritos de Bragança o Vila Real, menos os concelhos de Ribeira de Pena e Mondim de Rasto, mas abrangendo os do Foz Côa. Meda e Figueira de Castelo Rodrigo, do distrito da Guarda, e os de Resende, Lamego, Armamar, Tabuaço e S. João da Pesqueira, do distrito de Viseu: 14 180 ha com 87 000 000 de pés;
3.ª zona, - compreende os distritos de Viseu e Guarda, menos os concelhos incluídos na área da 2.ª zona: 7141 ha com 37 000 000 de pés;
4.ª zona - distritos de Aveiro e Coimbra: 5307 ha com 32 000 000 de pés;
5.ª zona - compreende só o distrito de Leiria:
7241 ha com 48 500 000 pés;
6.ª zona - distritos do Lisboa, Setúbal, Évora, Beja e Faro: 11 998 ha com 64 000 000 de pés; 7.ª zona - distritos de Santarém, Castelo Branco
e Portalegre: 10 396 ha com 62 000 000 de pés.
Temos, assim, que se meteram de novo importante aumento de área, cerca de 57 000 ha.
Se a estes inúmeros adicionarmos os que foram metidos como reconstituições e transferências, encontramos as seguintes percentagens:
2.ª zona -4.ª brigada (Régua):
Sem aumento de área ...................... 14,4
Com aumento de área ...................... 37,9
.......................................... 52,3
3.ª zona - 5.ª brigada (Viseu):
Sem aumento de área ...................... 11,5
Com aumento de área ...................... 26,2
.......................................... 37,7
4.ª zona - 7.ª brigada (Coimbra):
Sem aumento de área ...................... 4,13
Com aumento de área ...................... 15,7
.......................................... 19,83
5.ª zona - 7.ª brigada (Caldas da Rainha):
Sem aumento de área ...................... 8,7
Com aumento de área ...................... 33,3
.......................................... 42
6.ª zona - 8.º brigada (Lisboa):
Sem aumento de área ..................... 13,7
Com aumento de área ..................... 15,8
......................................... 29,5
7.ª zona - 9.ª brigada (Santarém):
Sem aumento de área ..................... 13,5
Com aumento de área ..................... 23,7
......................................... 37,2
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Podemos ainda obter outro número que nos dê a medida do conjunto em matéria de plantio.
Considerando o total das plantações autorizadas, incluindo reconstituições, transferências e plantações novas, de 1938 a 1953, e a área de vinhas cadastradas, verifica-se que se atingiu n percentagem de 33,5 por cento neste período de tempo.
Atribuindo à vinha a duração de quarenta anos, o que é excessivo, verifica-se que para conservarmos a mesma área de vinha que estava cadastrada carecíamos de meter anualmente 2,5 por cento.
Ora, nos dezasseis anos considerados - 1938-1953 - só metemos 35,5 por cento, quando devíamos ter metido 40 por cento.
Estas plantações foram metidas ao abrigo do condicionamento.
Mas, segundo o Decreto-Lei n.º 38525, de 1951, há duas circunstâncias em que é permitida a plantação sem limite de pés: são os casos da alínea n) e da alínea c) do artigo 4.º, ou seja, respectivamente, plantações na, região demarcada do Douro, «desde que se trate de povoar «posições» susceptíveis de produzir vinho de superior qualidade», e plantações nas zonas vitivinícolas susceptíveis, pelas suas condições ecológicas, de produzir vinho de boa qualidade para fixação de terrenos sujeitos a forte assoreamento ou erosão ou em terrenos frequentemente inundáveis das mesmas zonas e onde outras culturas não tenham possibilidades económicas de exploração.
Ao abrigo destas disposições foram autorizados até 1953:
Pés
No Douro .................................... 29 055 858
No Ribatejo ................................. 8 626 035
O Sr. José Sarmento: - Esses números apenas se referem à região demarcada do Douro, não é verdade?
O Orador: - Eu já referi quais os que dizem respeito a essa região. Ao abrigo da alínea n), que é a que permite a plantação na região demarcada, do Douro, foram metidos 29 milhões de pés.
O Sr. José Sarmento: - Eu refuto totalmente esses números.
O Sr. Camilo Mendonça: - É que os minutos a que o Sr. Ministro da Economia se referiu dizem respeito a autorizações concedidas e os números a que se referiu o Sr. Deputado José Sarmento dizem respeito a plantações realizadas na, região demarcada do Douro.
O Sr. José Sarmento: - Desejo esclarecer que com certeza V. Ex.a não se refere à região demarcada.
O Orador: - Pois não. Eu estou a dizer que ao abrigo da alínea, a), ou seja a que permite plantações na região demarcada do Douro, foram plantados na região demarcada do Douro 29 milhões de pés.
O Sr. José Sarmento: - Eu refuto esses números. Os números exactos são os seguintes:
31 de Dezembro de 1948 - cerca de 132 mil;
31 de Dezembro de 1949 - cerca de 134 mil;
31 de Dezembro de 1950 - cerca de 135 mil:
31 de Dezembro de 1951 - cerca de 137 mil;
31 de Dezembro de 1952 - cerca de 139 mil;
31 de Dezembro de 1953 - cerca de 141 mil:
enquanto em todo o País, segundo a nota do Sr. Ministro da Economia, o aumento é de cerca de 3 por cento.
No Douro, em que, ao abrigo desse decreto, se poderia plantar mais, não se plantou, indo-se plantar noutras regiões em que o preço da plantação o permito. Nestas aproveitou-se a faculdade do decreto.
É bom que não se julgue que V. Ex.a se refere a região demarcada.
O Orador: - Os números que li têm de merecer-me confiança.
Nesta altura ocupou a Presidência da Mesa o Sr. Vice-Presidente, Deputado Augusto Cancella de Abreu.
O Orador: - Ainda os elementos que me foram fornecidos pelo Ministério da Economia revelam que em todas as zonas e por todas as brigadas em que para o efeito o País se encontra dividido, com excepção da 2.ª e 3.ª zonas, foram concedidas licenças para reconstituições e transferências em terras de várzea.
É evidente que todas essas licenças de reconstituição, transferências e novas plantações foram concedidas dentro da rígida interpretação e execução dos preceitos legais.
Não responsabilizemos os serviços do Ministério da Economia pelo mal ou bem que possa ter resultado do condicionamento estabelecido.
Da rigidez e até interpretação restritiva do decreto-lei feita pelos serviços muros de nós temos por certo conhecimento pelas queixas que nesse sentido nos chegavam.
Os serviços cumpriram com a orientação que lhes foi marcada no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 38 535, quando se afirmou que à acção dos serviços «cumpre evitar restrições e impedimentos desnecessários à realização do fim da lei».
Procedem com injustiça os que acusam os serviços de terem feito uma errada interpretação e execução do disposto na alínea c) do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 38 525, designadamente se com essa acusação querem referir-se a licenças cor cedidas para plantios realizados nas várzeas do Ribatejo.
Essas plantações foram efectuadas em terrenos sujeitos a forte assoreamento ou erosão ou frequentemente inundáveis, princípio legal justo estabelecido em defesa da economia nacional e do bem-estar social, como adiante diremos.
Vejamos agora qual a evolução da produção desde, data em que se iniciou a organização corporativa vitivinícola e a partir da qual os dados estatísticos oferecem mais confiança.
Dividindo este período em ciclos, obtêm-se aí seguintes produções médias:
Litros
Ciclo de 1933-1938 ........................... 800 000 000
Ciclo de 1939-1943 ........................... 850 000 000
Ciclo de 1944-1948 ........................... 1 000 000 000
Ciclo de 1949-1954 ........................... 930 000 000
O Sr. Amândio Figueiredo: - Permita-me V.Ex.a que cite quais as produções do Douro em idênticos períodos. Foram, de l934 a 1938, 77 285 l; de l940 a l944, 77 473 223 l, e, de 1948 a 1952, 74 177 041 1.
Logo a sua produção manteve-se estacionária e até acusou um ligeiro declínio.
O Orador: - Do que citei, e que responde a algumas considerações aqui feitas, verifica-se que neste largo período de vinte anos houve algum aumento de produção, mas que é proporcional ao nosso aumento de população.
E ainda por estas produções se verifica que o último ciclo, decorrido em parte na vigência do Decreto- Lei n.º 38 525, tem produção media inferior ao anterior.
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apesar de nele se verificarem dois anos de altas produções: o de 1953 e o de 1954.
Segundo a Repartição Internacional do Vinho refere, as produções de alguns países vinícolas são as seguintes, em milhões de hectolitros:
França .................................. 58
Itália .................................. 50
Espanha ................................. 23
Argélia ................................. 18
Argentina ............................... 13
Cada um destes países está, portanto, muito acima da nossa produção, em valor absoluto como em valor relativo, se atendermos às riquezas do solo e subsolo dos respectivos países.
O Sr. Melo Machado: -V. Ex.a dá-me licença?
Quando me insurgi contra o plantio não o fiz contra nenhuma região em especial. Entendo que o plantio é conveniente sem sabermos onde se vai cair, porque não interessa nada a melhoria da situação de meia dúzia de pessoas, com o afogamento das demais.
Parece-me que V. Ex.a pretende chegar à demonstração de que efectivamente não há uma crise de abundância, e eu direi que nesses anos em que efectivamente os gráficos mostram uma grande produção a Junta retirou do mercado 400 000 pipas de vinho.
O Orador: - Mas os vinhos têm-se consumido sempre.
O Sr. Melo Machado: - Mas é preciso ver que tivemos, por exemplo, os anos de guerra, em que até a própria França vinha aqui comprar vinho, e nós não sabemos o que será o dia de amanhã.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Ainda se compreendia que, sendo eu mais velho, encarasse só o presente, como V. Ex.a o está fazendo. Mas V. Ex.a, sendo mais novo, devia olhar mais para o futuro, para o que será no futuro o resultado deste plantio maciço.
O Orador: - Eu já vou referir-me às perspectivas do futuro.
O Sr. Pinto Barriga: - O desdobramento comercial e industrial do vinho, esse é que é o grande problema na superabundância.
O Orador: - A observação reflectida da massa, de factos que ficam apontados, os ensinamentos da experiência colhida em tempos passados e a previsão de várias hipóteses que são de formular sobro perspectivas do mercado mundial dos vinhos no futuro levam-me a concluir que o condicionamento do plantio da vinha estabelecido no Decreto-Lei n.º 38 525, nas suas linhas fundamentais, é o que se ajusta às exigências da economia agrária portuguesa e às necessidades de ordem social.
Não esqueçamos que o rendimento da vinha, como ajustadamente se diz no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 38525, sé o mais elevado no conjunto da produção agrícola e os produtos vinícolas ocupam na exportação lugar de primacial relevo, ultrapassado apenas pela cortiça».
O nosso património vitivinícola tem de ser mantido com firmeza: não o podemos colorar em situação de inferioridade em relação a igual património dos outros países de tradições vitivinícolas; não o podemos aparecer perante o mercado internacional do vinho, quando este se apresente com melhor aspecto por força de se terem modificado as actuais relações políticas e de intercâmbio económico do mundo, com uma fraca, quantidade de vinhos obtidos a alto preço de custo de produção.
A orientação económica do nosso tempo é produzir mais e pelo menor custo de produção.
Por isso me parece que em matéria de condicionamento di- plantio de vinha subsistem inteiramente as razões económicas e sociais tão lúcida e brilhantemente expostas no parecer da Câmara Corporativa, sobre que se estruturou o regime jurídico em vigor e de que for relator o Sr. Dr. Rafael Duque, o grande Ministro, como com toda a propriedade lhe chamou o nosso ilustre colega Prof. André Navarro.
Grande Ministro e tão desventurado pai, nesta hora! Aqui deixo esta palavra de homenagem ao homem de Estado o de sentida solidariedade na dor no amigo.
Não deixemos ainda de ter em consideração, ao emitir juízo sobre o assunto do aviso prévio quanto a plantio, o que com o maior acerto se diz num passo do preâmbulo do mencionado decreto-lei, quando se afirma:
Tendo de haver um condicionamento, para evitai-os prejuízos de ordem económica e social determinados por uma desordenada plantação, pretende-se, no entanto, que a intervenção do Estado não vá além do que seja necessariamente exigido para assegurar o bem comum das actividades interessadas e o bem comum nacional. Esta mesma regra deverá presidir à acção dos serviços, aos quais cumpre evitar restrições e impedimentos desnecessários à realização do fim da lei.
Por isso o Sr. Ministro da Economia, de posso de todos os dados do problema e com clara visão do todos os seus aspectos o perspectivas, muito judiciosamente disse, no seu discurso de 17 do passado mês de Janeiro:
O problema oferece sérias dificuldades e os meios a utilizar nem são ilimitados nem podem transcender as imposições da prudência.
Não posso concordar com a opinião do Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu, salvo o devido respeito, quando em atitude francamente pessimista afirma tratar-se do caso de salus populi e preconiza a cassação do licenças já concedidas e a não apreciação das já requeridas ao abrigo da lei vigente, que levaria o Estado a grave infracção dos mais elementares preceitos da justiça distributiva.
Como subsistirão as pequenas economias agrícolas em que é condição de equilíbrio e subsistência a plantação de pequenas parcelas de vinha?
E os casais agrícolas que foram concebidos economicamente no pressuposto de uma determinada área de vinha?
Não nos encontramos, em meu entender, num caso de salus populi, mas sim num caso de depressão de preços de venda do vinho, idêntico a outros que puderam ser debelados, e mesmo evitados, com adequada actuação dos organismos corporativos, quando lhe foram concedidos os meios necessários.
Quanto à produção, não quero dar por encerradas as minhas considerações sobre este importante elemento económico do problema sem me referir a certas soluções que se alvitram, mais ou menos ostensivamente, preconizando a adopção de medidas de excepção, restritivas ou proibitivas, para as várzeas do Ribatejo.
Disse o Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu: «quando vem à superação a crise, o alvo de incidência é especialmente o Ribatejo, por ser, por excelência, a região vinícola com grandes várzeas, e das maiores, e de mais económica produção unitária e onde a graduação alcoólica dos vinhos lhes aumenta o valor comercial ...».
«Mas o Ribatejo, como é de seu direito, acode sempre com galhardia à chamada».
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Alais disse ainda que o ribatejano «tem vencido com tenacidade e resignação todas as crises e todas as provações ... ».
São rigorosamente exactas as afirmações que nestas palavras se contém.
De facto, quando surge a crise, e surge inoxoravelmente em ciclos de maior ou menor amplitude, há sempre vozes de superfície que imputam as responsabilidades às produções da várzea ribatejana.
E chamo-lhes vozes de superfície porque o são de quem não observa o problema em profundidade e objectivamente.
O que representam as várzeas do Ribatejo na produção?
De um estudo recente do presidente do Grémio da Lavoura do Almeirim, D. Luís Margaride, que sem favor se pode considerar um estudo notável, porque foi feito com toda a objectividade e método centífico, ofereço à consideração da Câmara alguns dados relativos à cultura da vinha no Ribatejo e suas várzeas.
A área de várzea inundarei do Ribatejo é de cerca de 40 000 ha.
A área de vinha em todo o Ribatejo, compreendendo várzea, charneca e encosta, é de 35 000 ha, sendo destes 10 000 ha de vinho de várzea e 25 000 ha de vinho de encosta e charneca.
A área de vinho do Douro é de 27 895 ha.
Segundo o boletim do Office International du Vin, a média de produção por hectare no quinquénio de 1949-1953 no Ribatejo é de 3240 l por hectare e a do Douro de 2830 l.
Estes números referentes a áreas reportam-se a 1952 e constam do boletim de Outubro de 1953.
Como a produção média por hectare no Ribatejo se refere a vinha de encosta, charneca e várzea, admitamos exageradamente que a produção média por milheiro, de vinha de várzea é de três pipas de 442 l; temos uma produção de 1320 l por milheiro, ou sejam 6630 l por hectare, na várzea.
Como a área de várzea é de 10 000 ha, temos que a produção da várzea do Ribatejo é de 66 300 000 l.
Ora a produção de 1954, em todo o País, andou por cerca de l 180 000 000 l.
Assim, a várzea do Ribatejo contribuiria para a produção total do País com cerca de 5,5 por cento!
Por aqui se vê a inconsistência da afirmação de que vi a várzea do Ribatejo que provoca a crise de superprodução e de aviltamento de preço do vinho.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Houve um ataque de filoxera, com certeza ...
O Orador: - São os números estatísticos, Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu.
E não é só no Ribatejo que existe vinha em terra de várzea; já atrás referi que em todas as zonas vitícolas do País existem vinhas plantadas nas várzeas, nas terras fundas e até em terras de lima.
Já nesta Câmara o nosso saudoso colega Jorge Viterbo Ferreira, que foi grande produtor e exportador do vinho do Porto, afirmou em 1939:
O desenvolvimento da exportação, os lucros conseguidos, a esperança de que se mantivessem e a mira de os desenvolver levou a grandes plantações no Douro, em regra levadas a efeito nos terrenos de mais fácil cultura, cujas vinhas tinham sido destruídas pela invasão filoxérica e onde tinha sido produzido o vinho do Porto.
Este aspecto era grave, pois como entre o plantio e a plena produção medeariam, pelo menos, cinco a seis anos, acumularam-se causas cuja eclosão só mais tarde se verificaria.
Além desta circunstância, e a agravá-la, foi aumentada em 1921, por motivos de mera política, a região do Douro uns 35 000 há, com uma produção média de 25 000 a 30 000 pipas.
Erro tremendo foi este, porquanto veio contribuir para desorganizar uma política económica que devia ser valorizada pelo produto.
O Sr. José Sarmento: - Na parte a que V. Ex.a se refere-as plantações feitas no Douro depois da filoxera- eu indico a V. Ex.a que, evidentemente, foram escolhidos aqueles terrenos onde em liberdade de plantio tinham maior possibilidade de produção e que esses terrenos hoje não existem.
Sr. Presidente: a vinha em certos pontos da várzea ribatejana é a única cultura economicamente possível, e por isso nela se pratica desde remotos tempos, que se situam nos princípios da Nacionalidade.
O facto tem explicação natural e simples.
É nas margens do Tejo médio, entre Tancos o a foz do canal da Azambuja, que principalmente se cultiva a vinha de várzea.
Toda esta região é inundável. E a cheia que neste momento a avassala é disso testemunho incontestável, a despeito da existência das barragens.
O Sr. Manuel Vaz: - E é a vinha que fixa o terreno?
O Orador: - Evidentemente.
O Sr. Manuel Vaz: - Não acredito que a vinha, que em qualquer parte é facilmente arrancada, seja capaz de suster a erosão.
O Orador: - Sobre o caso escreve o Prof. Amorim Girão, rumo diz Luís de Margaride:
O vale do Tejo, que desde a fronteira até Abrantes é aberto um rochas ..., pré-câmbricas e graníticas, continua ainda acompanhado por alguns retalhos dessas rochas, pelo menos até às proximidades de Tancos ...
Finalmente o rio entra de novo numa larga bacia terciária, onde tem o seu curso sobre materiais que ele em parte depositou ...
É nesta última secção, correspondente às extensas planícies ribatejanas, que os dois quadros contraditórios da prosperidade o miséria se sucedem às vezes em rápida mutação: de prosperidade quando os nateiros fertilizadores tornam os campos marginais num verdadeiro presente do rio; de miséria quando o flagelo das cheias invade tumultuáriamente os mesmos campos, semeando neles a ruína e a desolação. Na verdade, tão grande é o depósito das areias e outros materiais arrancados à bacia do Tejo, despula em grande parte de arborização, que o seu leito vai em certos pontos mais alto que as margens.
O rio abandona este leito quando as águas sobem, por pouco que seja; e estas precipitam-se às vezes com rapidez fulminante, por ocasião das grandes inundações, desmantelando diques e valados, destruindo sementeiras e casas de habitação, pondo vidas em perigo e interrompendo estradas e vias férreas.
É este o quadro que tantos esquecem ou ignoram, descrito por mão de mestre, que só por si explica a existências das vinhas numa parte, a menor parte, da planura ribatejana.
As culturas de Inverno e as da Primavera, por vezes, como trigo, fava, milho, aveia e outras, constituem verdadeiro jogo de azar.
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Se o ano é de cheias, estas a todas matam.
E é frequente, num mesmo ano e no mesmo local, fazer-se primeira e segunda sementeira de trigo, que são inutilizadas por cheias sucessivas; faz-se de recurso uma sementeira de milho e ainda esta vai água abaixo.
Isto facilmente se certificará lendo o relatório minucioso e notável do engenheiro Noronha de Andrade, de 1938, então director da Hidráulica do Tejo, designadamente na parte em que descrave «As cheias do Tejo no Inverno de 1935-1936, a p. 47, onde, além do mais, diz:
As cheias tiveram início em 24 de Dezembro de 1930 ... Até 24 de Abril de 1936, data que pode ser considerada como sendo a do termo do período das cheias do Tejo, as alturas (das águas) atrás referidas variaram constantemente, ora aumentando, ora diminuindo ... em Santarém se observaram seis cheias ...
Estas cheias chegaram a atingir em Vila Velha de Ródão 18,9 m e em Santarém 7,85 m.
Na enumeração das perdas sofridas pelos proprietários aponta: inutilização de colheitas, avarias provocadas por alvercamentos, assoreamentos e arrastamento de camadas aráveis e interrupção dos trabalhos agrários.
Quem queira estudar e conhecer devidamente o que são as cheias do Ribatejo compreenderá a indispensabilidade da matéria da alínea e) do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 38 520, sempre que se tenha de estabelecer um regime jurídico do plantio da vinha em Portugal.
E que em tal zona a vinha é elemento indispensável para fixação das terras e a sua produção a menos susceptível de ser totalmente inutilizada pelas cheias.
O Sr. André Navarro: - Talvez V. Ex.a queira significar que a vinha fixa os nateiros.
O Orador: - Fixa a terra. V. Ex.a, que é distinto agrónomo, sabe melhor do que eu que aquilo que eu estou dizendo é verdade.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - As terras de vinha são revolvidas, geralmente, duas vezes por ano.
O Sr. José Sarmento: - Os choupos e os eucaliptos também podem ser utilizados para fixar as terras.
O Orador: - V. Ex.a já não ganhava alvíssaras pela sugestão que acaba de fazer.
Eu conheço o Ribatejo, vivo lá há trinta e tal anos e acredito nessa fixação.
O Sr. Manuel Vaz: - Eu mantenho a minha dúvida.
O Orador: - V. Ex.a está no seu direito.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Não gosto de estabelecer diálogo, mas permita-me ainda este esclarecimento: ouvi dizer a técnicos uma coisa que desactualiza um pouco as afirmações de V. Ex.a, ou seja que as barragens do Tejo e do Zêzere regularizam as cheias, afrouxando sensivelmente a sua surpresa e impetuosidade e, por vezes, o seu volume e repetição e ainda o assoreamento.
O Orador: - V. Ex.a pôs aqui o problema com toda a lealdade. São as cheias de Novembro e de Dezembro, etc.
Vêm as cheias a partir desta data e fica apenas a água, como VV. Ex.as poderão ir verificar neste momento. As cheias benéficas podem ter sido atenuadas, mas as cheias prejudiciais são as que subsistem.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - As comportas das barragens poderão evitar o afluxo precipitado das cheias, com os seu cortejo do destruições e ruínas.
O Orador: - Não posso estar de acordo com V. Ex.a
O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados o favor de evitarem, quanto possível, interromper o orador. A hora vai muito adiantada, há ainda muitos oradores inscritos neste debate e convém que o Sr. Deputado Proença Duarte não deixe de terminar hoje as suas considerações.
Peço ao Sr. Deputado Proença Duarte o favor de continuar.
O Orador: - Por isso a experiência vivida de sucessivas gerações ribatejanas levou à, plantação de vinhas nas várzeas do Ribatejo, «nessas terras bravias -como diz o Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu- que o bom Ribatejano converteu naquele manancial de riqueza, que, através dos tempos, tem vencido com tenacidade e resignação todas as crises e privações».
Na verdade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Ribatejano nas épocas de crise luta com tenacidade e sofre com resignação; não acusa as outras regiões de serem causa das suas infelicidades, nem as olha com inveja, nuas antes se regozija com as suas prosperidades e progressos. É esta a sua ética económica.
Mas quando injustamente o atacara, quando pretendem privá-lo de seus legítimos direitos, então, como também diz o Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu, sacode, sempre, com galhardia à chamada».
Mas não se suponha que o esforço do proprietário das várzeas ribatejanas se limita a cultivar a vinha nas suas várzeas.
Não há lavrador mais progressivo e mais ousado do que o ribatejano.
Ele procura e ensaia todas as culturas possíveis e utiliza todos os progressos da técnica.
Veja-se o que se dá com a cultura do arroz: produzia o Ribatejo em 1935 cerca de 25 000 000 kg e passou a produzir sucessivamente mais, até atingir 59 268 530 kg em 1951, no valor do 162:915.172$40; e em 1953 produziu 56 645 519 kg, no valor de 154:642.266$87.
E a produção máxima de arroz no País foi a de 1951, no montante de 141 296 738 kg, no valor de 394:217.899$. Estes números foram-me fornecidos atenciosa e rapidamente pelo Ex.mo Sr. Presidente da Comissão Reguladora do Comércio de Arroz, a quem aqui me apraz renovar o meu reconhecimento e prestar as minhas homenagens pela forma prestimosa, ordenada e digna como desempenha a sua função.
Como se calcula, todo este arroz que o Ribatejo produz não é produzido nas terras de encosta, mas nas várzeas, e muito dele na várzea do rio Tejo, naqueles concelhos ribeirinhos que tantos dizem só terem vinhas, como passo a referir:
(ver tabela na imagem)
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E todo este arroz entrega a lavoura ribatejana à indústria do descasque, porque não se respeitou o espírito das bases votadas nesta, Assembleia sobre indústrias complementares da indústria agrícola, que se converteram na Lei n.º 2052, de 11 de Março de 1952.
Quando esta lei foi regulamentada pelo Decreto n.º 39 034, de 5 de Maio de 1955, contrariamente à letra expressa e ao espírito dessas bases, ficou a lavoura orizícola impossibilitada de descascar e auferir o respectivo lucro do arroz que produz.
A várzea do Ribatejo não produz só vinho; ela tenta todas as culturas economicamente possíveis.
Veja-se o que sucedeu com a cultura do cânhamo.
Em 1937 uma empresa ribatejana, a Companhia Nacional de Fiação e Tecidos de Torres Novas, que desde há mais de um século desenvolve a sua actividade fabril fiando vários têxteis, entre os quais o linho e o cânhamo, viu-se impossibilitada de adquirir o cânhamo na Itália, seu mercado habitual, em virtude das sanções económicas aplicadas a esse país por virtude da guerra da Abissínia.
Foi por esse motivo sugerido que se fomentasse em Portugal a cultura do cânhamo, e o então Subsecretário de Estado da Agricultura, Prof. André Navarro, autorizou a brigada agrícola de Santarém a prestar todo o seu concurso técnico aos possíveis cultivadores.
O Sr. André Navarro: - E não me arrependo.
O Orador: - E tem V. Ex.a razão para assim falar.
Começou a brigada a fazer a respectiva propaganda e logo surgiram vários agricultores ribatejanos a ensaiar arriscadamente essa cultura nova.
O empreendimento obteve resultado e o País teve o cânhamo necessário, produzido no Ribatejo, para se bastar, podendo atravessar o período da guerra sem falta desta matéria-prima, então muito procurada para as indústrias de guerra.
Porque é uma cultura intensiva, passou a fornecer trabalho bem remunerado a muitas centenas de trabalhadores, precisamente numa época em que no Ribatejo as outras culturas absorvem menos mão-de-obra.
Todo esse cânhamo era adquiridos pela referida fábrica de Torres Novas, única que produzia em Portugal fios grossos de linho e cânhamo.
Em 1943 a Empresa Fabril do Norte obteve alvará para fiar, com fibras de linho, fios finos.
Depois de estar um laboração veio alegar que nesse alvará se compreendia poder fabricar fios grossos com linho - fios estes que são os concorrentes directos do cânhamo.
Levada a questão nos tribunais, em virtude da impugnação justa da empresa de Torres Novas, foi proferido acórdão, em 17 de Julho de 1952, que decidiu que a Empresa Fabril do Norte só estava autorizada a fabricar fios finos.
Então a Empresa Fabril do Norte fez novo requerimento pedindo licença para fabricar fios grossos e apoiou o seu pedido com um movimento dos cultivadores de linho do Norte do País, em que estes alegavam que se a Empresa não fosse atendida deixaria de lhes comprar os linhos, ficando eles cultivadores mais pobres do que já eram ...
A Empresa Fabril do Norte, apoiada nesta nota sentimental, sempre invocada pelo Norte contra o Ribatejo, veio com uma exposição ao Ministério da Economia, em que dizia:
... se a licença for concedida, a Companhia de Torres Novas ver-se-á forçada a denunciar os seus compromissos com o Estado e os produtores de cânhamo.
Evidentemente que não é à Empresa Fabril do Norte, mas sim ao Sr. Ministro da Economia, que compete pronunciar-se sobre este aspecto. Ainda assim, sempre se dirá o seguinte: dando de barato (não se dispõe de elementos para afirmar ou negar) que a concessão da licença importa prejuízo para os 200 grandes lavradores do Centro que produzem cânhamo, a negação dela importá-lo-á, sem dúvida, para os 300 pequenos lavradores do Norte que produzem linho.
Com esta diferença: é que os lavradores do Centro, que são ricos, apenas ficarão menos ricos; enquanto os lavradores do Norte, que são pobres, esses ficarão mais pobres.
O alvará foi concedido à Empresa Fabril do Norte por despacho do Sr. Subsecretário de Estado do Comércio e Indústria e a cultura du cânhamo no Ribatejo ficou arruinada, cultura que fora fomentada pelo Estado.
Estavam afectados a essa cultura cerca de 400 ha, com um número de cultivadores sempre superior a 200, e o valor do cânhamo produzido era de cerca de 10 000 contos.
Quer dizer: a lavoura da várzea do Ribatejo não deve cultivar vinha para que esta só possa ser produzida pela encosta; não deve cultivar o cânhamo para que
o Norte, possa cultivar linho; não deve descascar arroz para que este seja descascado pítia indústria e, segundo alguns, nem o deve produzir para não fazer concorrência aos orizicultores das margens do Mondego, etc.;
não pode cultivar trigo e outros ,cereais porque as cheias, lho levam.
Estranho intervencionismo seria este do Estado, conjugado com o da natureza, que condenaria à improdutividade uma das mais produtivas regiões do País!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - No caso que agora apreciamos tudo se invoca contra a cultura da vinha na várzea do Ribatejo: a sua alta produtividade obtida; o baixo custo de produção; a má qualidade dos seus vinhos; a sua adaptabilidade a outras culturas, e tantas mais heresias económicas.
Quanto à alta produtividade já atrás disse e demonstrei que a produtividade média da vida no Ribatejo não é superior, por unidade de superfície, à de outras regiões tradicionalmente vinícolas do País.
Sobre o custo de produção reporto-me a um excelente e exaustivo trabalho do engenheiro agrónomo Américo C. Miguel, intitulado «Generalidades sobre o custo de produção do vinho - Método de couta de cultura total. (O caso de Almeirim)», que já aqui foi citado pelo nosso colega engenheiro Teixeira de Sousa.
Dele se mostra, quer quanto ao custo de l.º estabelecimento dum hectare de vinha, quer quanto ao custo médio anual de produção por litro, que o preço de custo não é muito inferior ao das demais regiões vinícolas.
E, quanto ao custo de produção, consideramos que ainda há necessidade de o reduzir, sem ser à custa do preço dos salários, para nos colocamos ao nível de preços de concorrência nos mercados internacionais.
Quanto à má qualidade de vinho do Ribatejo, é também um história sobra a qual muito haveria por dizer. Só a alcoolizada Maria Parda, no seu delírio, deles aqui veio maldizer.
Referirei apenas algumas conclusões a que chegou e Prof. Margarido Correia num recente estudo sobre os
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vinhos do Ribatejo, no qual se propuseram os seguintes, objectivos:
1.º Procurar definir por uni ou mais índices, físicos, químicos e físico-químicos, os vinhos produzidos na região do Ribatejo;
2.º Definir qual o valor dos referidos vinhos como vinhos típicos e regionais;
3.º Ver qual o aproveitamento mais adequado das massas produzidas nesta região.
Esse estudo, ainda não acabado, incidiu sobre amostras começadas a recolher da colheita de 1952.
Do exame dos valores analíticos já encontrados, quer nos mostos, matéria-prima base dos futuros vinhos, quer nos vinhos submetidos a estudo, após um ano do estágio, tirou já as seguintes conclusões de carácter geral:
1.º São susceptíveis de diferenciação analítica três classes de vinho: duas tintas e uma branca;
2.º Apresentam os mostos estremes e os vinhos submetidos a estudo forte personalidade e verdadeira individualização analítica.
Quanto às possibilidades de aproveitamento, chegou às conclusões que se apontam:
a) Como vinhos de consumo: são massas vínicas individualizadas e susceptíveis de melhorar acentuadamente com o estágio, porque encerram em si os elementos químicos e biológicos necessários e indispensáveis para tal fim. Isto é, estes vinhos poderão ser considerados como típicos e regionais. 1.º Em relação aos vinhos moscatel de Setúbal não encontramos nos vinhos do Ribatejo valores inferiores aos da colheita de 1938; Sr. Presidente: pareceu-me necessário e ajustado à importância do assunto em discussão fazer estas, porventura, extensas considerações acerca da cultura da vinha no Ribatejo. Vozes: - Muito bem! O Orador: - Disse quanto se me oferecia, e me pareceu caber numa discussão parlamentar, sobre a primeira parte do enunciado do aviso prévio do Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu: plantio da vinha, ou seja sobre a produção. Para chegar a uma solução acertada na questão vinícola o primeiro requisito é colocar-se acima dos exclusivismos de classe, pesando tão-somente os grandes e seguros interesses gerais do País. Isto escrevia Bento Carqueja em 1000.
b) Como vinhos licorosos: dados os fenómenos de oxidação enzimática intensa que se verificam nestes vinhos, e em especial nos brancos, e dada ainda a inexistência ou fraca fermentação alcoólica, o que obriga a perda, no primeiro caso, ou fraca percentagem dos produtos secundários da fermentação alcoólica, no segundo caso, os fenómenos de aldeidificação e esteriticação química são compensados, em parte, pela oxidação enzimática, envelhecendo-os e oxidando-os, aliás características dos licorosos regionais.
Ainda me parecem de referir outras conclusões a que
2.º Em relação aos vinhos de Bordéus e citados por Ribéreau Gayon, os valores médios por nós encontrados são nitidamente superiores aos valores mais elevados dos vinhos franceses, sendo estes referentes às colheitas de 1900 a 1935;
3.º Parece, pois, poder concluir-se que estes vinhos têm vida química e biológica intensa, o que lhes imprime, dentro do seu tipo, qualidade.
Estou fazendo estas considerações, não por dever de ofício em defesa apaixonada ou formal da região que aqui represento, mas por entender que elas interessam ao esclarecimento do problema, no plano da economia nacional.
Os vinhos do Ribatejo fazem parte de um conjunto económico - os vinhos portugueses - que constitui um dos mais importantes elementos da economia nacional.
É o tratamento a dar a esse conjunto económico que está em discussão.
O Sr. Ministro da Economia, a quem compete especialmente fixar esse tratamento económico-jurídico do problema, anunciou que só o faria depois de discutida a matéria deste aviso prévio, porquanto o que aqui se dissesse constituiria elemento de informação a considerar.
Como sempre, tomou o Sr. Ministro da Economia uma posição digna perante a Assembleia Nacional e ajustada formalmente à estruturação do sistema político em que vivemos.
Compete a esta Assembleia emitir ponderado parecer sobre o assunto, que será a colaboração que dela se solicita e se deve ao Governo.
Aqui tem sido bem destacada a importância do problema, o que dá a medida de quanto ele mereceu de atenção e de interesse a esta Câmara.
Cada um de nós, ao emitir o seu voto sobre o fundamental problema do condicionamento do plantio da vinha, poderá bem ajuizar do reflexo que ele pode ter no futuro da economia nacional e na justiça distributiva que ao Estado compete realizar.
Cabe agora tratar, e fá-lo-ei em conjunto, dos dois outros aspectos: preços e exportação.
Já Bento Carqueja, em 1900, escrevia na sua obra O Futuro de Portugal, a propósito da questão vinícola, o seguinte:
Sair fora desse caminho, conduz a soluções incompletas e defeituosas, que produzem perturbações económicas, em vez de estabelecerem um regime salutar.
E, desde que, se siga pelo verdadeiro caminho, a questão há-de necessariamente resolver-se. Não é desesperada, a situação da viticultura nacional, nem impossível o desenvolvimento, tal como o podemos ambicionar, do comércio dos nossos vinhos. Estas palavras do Sr. Elvino de Brito demonstram convicções, que devem traduzir-se em medidas de efeito real e todas elas se devem resumir, em última análise, no objectivo que o ilustre estadista resume nestas palavras: «É mister que a exportação dos nossos vinhos se expanda mais, tendo em vista, não só a actual produção como as tendências do seu progressivo desenvolvimento».
Se assim é, se a exportação é tudo, nesta momentosa questão parece intuitivo que as indicações dadas pelo comércio de exportação de vinhos devam ser guia seguro na matéria de que se trata. Nem outra orientação se pode admitir.
Também penso que não é desesperada agora a situação da viticultura nacional nem são sombrias as perspectivas do futuro, em face da área que temos plantada e das perspectivas do futuro mercado internacional.
A linha de evolução da nossa produção, que aliás apontei através de números citados e que o nosso colega Melo Machado aqui exibiu em representação gráfica, mostra-nos que ela se caracteriza por altos e profundos desnivelamentos, sendo raros dois anos seguidos de altas produções.
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Observando o que se tem passado quanto a pregos e escoamentos desde que existe a organização corporativa, verifica-se que a produção tem vivido calmamente e sem grandes amplitudes de preços, dessas amplitudes que desorganizam e por vezes aniquilam a sua economia.
E esta normalidade de vida, designadamente no Centro e Sul do País, deve-se indiscutivelmente às oportunas intervenções da Junta Nacional do Vinho, que mais de uma vez aqui tem sido louvada pelo acerto com que procede; deve-se, portanto, à organização.
Se assim é, perguntar-se-á: porque é que este ano a acção da organização se mostrou ineficaz e os preços caíram para tão baixo nível neste começo de campanha?
Há que responder sinceramente: é porque um condicionalismo novo se criou este ano à organização, que a impediu de intervir nos moldes em que o fizera nos anos anteriores.
E esse condicionalismo novo foi:
1.º Diminuição dos meios financeiros pura a intervenção;
2.º Impossibilidade de produzir aguardentes, por não ter assegurada a sua colocação.
Tanto isto é exacto, quanto aos meios financeiros, que, logo que o Governo - ia dizer o Sr. Presidente o Conselho - determinou que eles se lhe facultassem, o preço do vinho começou a subir e tenho por certo atingirá nível justo e remunerador.
Daqui colho um ensinamento: é que, desde que se garanta à produção e se faça, com tempo, saber ao comércio que os excedentes serão retirados do mercado, os preços não se aviltam e o comércio não pode pensar em fazer fortuna num só ano.
Mas, para que assim suceda, necessário se torna levar o organização para a frente, criando intensa rode de adegas cooperativas, tal como se criou uma rede completa de celeiros de trigo, através de todo o País.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Essas adegas serão o elemento primário e firme da defesa dos pequenos produtores, desses economicamente débeis que afrontam o mercado dos vinhos logo na abertura, dando lugar a uma baixa dos preços que não corresponde à realidade económica da conjuntura.
Essas adegas deverão constituir, por si e à custa da produção, reservas financeiras com que façam os financiamentos aos respectivos sócios enquanto o vinho se não vende.
Assim, como já aqui foi dito pelo Sr. Melo Machado, fabricar-se-ão nessas adegas, dirigidas por técnicos competentes, tipos definidos de vinhos, com carácter de uniformidade e de constância, que tenham boa aceitação nos mercados interno e externo.
A experiência, já realizada através das que estuo em funcionamento, demonstra que este é o caminho a seguir para podermos afirmar que mais um sector du nossa produção agrícola está devidamente organizado e em condições de se defender da cupidez alheia.
Não se recuse à indústria agrícola, a primeira de todas as nossas indústrias, o imediato auxílio financeiro que já tem sido concedido a outras indústrias transformadoras e de outra natureza.
E a lavoura vitivinícola tem tanto noção de que assim se resolverá o seu problema que é ela que, ... sua, vem pedir que à sua custa se constituam as
reservas financeiras necessárias para as oportunas intervenções no mercado, em anos de crise de preços.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Poderá dizer-se que o sistema não resolve os excedentes da produção.
Eu direi que resolve.
Esses excedentes só são prejudiciais por falta de assistência financeira e de capacidade de armazenamento da lavoura.
Resolvidos estes dois problemas, como fica dito, ficarão em poder da lavoura os excedentes nas adegas cooperativas até ao ano de déficit de produção, que será então por elas preenchido.
E assim que fazem os produtores com resistência financeira e é assim que faz o comércio armazenista dos vinhos, comprando para além das suas necessidades
em anos de baixo preço pura vender esse excesso nos anos de preço mais alto.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quanto ao escoamento dos excedentes pela exportação, já aqui foram produzidas proficientes críticas aos entraves que se lhe criam e apontadas orientações e medidas para fomentar o seu incremento.
De uma maneira geral, concordo com umas e outras.
A Junta Nacional do Vinho tem procedido, através de pessoas competentes, e entre eles o nosso colega Teixeira de Sousa, ao estudo de vários mercados possíveis dos nossos produtos vínicos, entre os quais o mercado da América do Norte.
Nesses estudos, publicados nos Anais da Junta, se preconizam medidas a tomar para neles promovermos, com possibilidades de êxito, a colocação dos nossos excedentes.
Temos hoje gente nova possuída de fé, de dinamismo e de competência necessários para travar triunfantemente essa batalha económica.
Confiemos-lhe essa missão, que será realizada com galhardia, e novos horizontes se abrirão para a produção actual e possivelmente para outra maior.
O que já nesta Assembleia foi dito sobre este aspecto do problema autoriza a tentar este caminho, bem mais seguro perante as perspectivas do futuro do que o processo maltusianista, que conduz a um estacionamento ou a um regresso da nossa produção, a um empobrecimento do nosso património económico.
É de lembrar aqui, por me parecer adequado ao problema em discussão, o que escreveu o Prof. Doutor João Pinto da Costa Leite (Lumbrales), no seu magnífico Ensaio sobre a teoria das crises económicas.
Diz assim:
A tendência para progresso nas condições actuais é constante. O desenvolvimento da população, o progresso científico e técnico e a tendência permanente para uma maior uniformização dos níveis de vida estimulam continuamente a produção. Simplesmente, essa tendência não se desenvolve de uma maneira regular e há fenómenos susceptíveis du apressar ou retardar o seu ritmo.
O vinho, embora não seja produto indispensável à vida, é, no entretanto, considerado como alimento benéfico e útil para a saúde.
O poder beber vinho às refeições é tido como índice de bom nível de vida e constitui aspiração de todas as camadas sociais.
Portanto, o progresso social conduzirá a maior consumo dos produtos vínicos, a um alargamento do mer-
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cado dos vinhos, sobretudo o dos vinhos comuns e não dos vinhos de élite, ou aristocráticos, pelo que há que produzir vinhos que sejam acessíveis aos orçamenteis n maioria dos agregados familiares.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por quanto deixo exposto, considero:
a) Que não há uma relação de causa e efeito entre o nosso actual condicionamento do plantio da vinha s a crise de preço dos vinhos que ora se verifica;
b) Que o gradual aumento de produção que esse condicionamento permite se mostra ajustado os solicitações do consumo actual e à previsibilidade de consumo no futuro;
c) Que, assim, não se justifica uma intervenção do Estado que contrarie este natural ajustamento entre a produção e o consumo, sobretudo quando essa intervenção seja no sentido de impor sacrifícios a umas regiões em benefício de outras;
d) Que a intervenção do Estado deverá fazer-se, sim, dentro de limites legítimos, no sentido de debelar a queda injustificável dos preços da presente campanha;
e) Para evitar tuna injustificável baixa de preços do vinho no futuro, deverá o Estado fomentar e colaborar na criação de armazenamentos suficientes, por parte da produção, para os excedentes que se verificam nos anos do altas colheitas;
f) O Estado deverá promover o escoamento da produção, quer desembaraçando o consumo interno das peias e entraves que o dificultam, quer fomentando por todos os meios ao seu alcance, incluindo os que no mundo moderno se mostram mais eficazes, a colocação dos nossos vinhos nos mercados externos;
) A satisfação destes objectivos integra-se e importa uma marcha para a frente na organização corporativa da lavoura.
O Sr. Furtado de Mendonça: - Tenho ouvido com muita atenção a exposição de V. Ex.a, embora pudesse discordar de certos pontos de vista.
Há no entanto um ponto de vista que V. Ex.a referiu d com o qual não posso concordar, e que é o de um certo antagonismo entre o Norte e o Sul.
O Orador: - Eu apenas disse que o Ribatejo nunca acusa as outras regiões de serem causa dos seus males e que no Ribatejo não há daquelas fortunas que atingem l milhão de contos.
O Sr. Furtado de Mendonça: - Desejaria que V. Ex.a ficasse com a certeza de que no Norte não há o propósito de antagonismo e que toda esta discussão tem sido posta num pé de harmonia e de coordenação de esforços que não se coaduna com um ponto de vista que pretendesse separar regiões.
O Orador: - Sr. Presidente: chegado às conclusões que deixei apontadas, darei o meu voto a uma moção que sintetize essas conclusões.
Que V. Ex.a me releve, assim como todos os Srs. Deputados, a extensão fastidiosa nesta minha intervenção no debate.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
A próxima será amanhã, com a mesma ordem do dia de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 10 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Américo Cortês Pinto.
António Calheiros Lopes.
António Camacho Teixeira de Sousa.
João Alpoim Borges do Canto.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Rui de Andrade.
Srs. Deputados que faltaram, à sessão:
Agnelo Ornelas do Rego.
Alberto Cruz.
Antão Santos da Cunha.
António Carlos Borges.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Rodrigues.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Afonso Cid dos Santos.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
Joaquim Mendes do Amaral.
Jorge Pereira Jardim.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Miguel Rodrigues Bastos.
Teófilo Duarte.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
Proposta de lei a que se referiu o Sr. Presidente, no decurso da sessão:
1. O impulso dado pelo Estado às obras de electrificação nacional, em execução disposições da Lei n.º 2002, de 20 de Dezembro de 1944, iniciou-se, como era natural, pela resolução dos problemas relativos à produção e ao transporte de energia eléctrica. Desde logo se lançaram os primeiros empreendimentos hidroeléctricos e se promoveu a construção da rede primária do transporte e interligação a 150 KV.
O acolhimento dispensado pelo País a esta iniciativa, os felizes resultados obtidos pela rápida n perfeita exe-
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cução das respectivos obras e o ritmo acelerado de crescimento do consumo de energia eléctrica, que traduz, só por si, um índice expressivo das necessidades nacionais, levaram o Governo a encarar e a incluir no Flano de Fomento uma segunda fase de realizações imediatas que completam e constituem a sequência lógica ido programa inicialmente estabelecido. Assim se promoveu e se está dando realização ao complemento dos sistemas do Zêzere e do Cávado até integral aproveitamento dos troços concedidos; se iniciou o aproveitamento do Douro internacional, que virá a ser a nossa mais poderosa fonte de energia hídrica; e, como consequência necessária da consideração deste novo elemento do problema, se assentou na construção duma nova rede de interligação e transporte a 220 kV, cujos trabalhos também já se encontram em curso de execução.
Mercê destas realizações, a produção de energia hidroeléctrica, que andou a roda de 200 milhões de kilowatts-hora no quinquénio de 1941-1945, elevou-se a 1950 milhões em 1954 e espera-se que atinja em 1958, último ano abrangido pelo Flano de Fomento, uma cifra da ordem dos 2350 milhões.
2. Mas, se os problemas da produção e do transporte eram, na realidade, primordiais e estavam na base da obra a realizar, os objectivos económicos e sociais a atingir eram, contudo, mais vastos e não seriam alcançados sem o correspondente desenvolvimento das actividades que têm a seu cargo a distribuição da electricidade.
Com efeito, a distribuição é o indispensável complemento da produção e do transporte. E através das redes de distribuição que a energia eléctrica gerada nos grandes aproveitamentos hidráulicos e, em seguida, transportada até aos principais centros de consumo pelas linhas da rede primária, há-de ser posta à disposição da grande massa da população, em condições de a poder servir e de contribuir directamente para a elevação progressiva do nível geral de vida.
E, portanto, necessário sincronizar a expansão das redes de distribuição com as realizações da produção e do transporte, já em pleno desenvolvimento.
Pelo que respeita à grande distribuição, o Decreto-Lei n.º 39 480, de 24 de Dezembro de 1953, definiu as modalidades do auxílio a prestar pelo Estado, integrando-as no esquema jurídico da Lei n.º 2058, de 29 de Dezembro de 1952, que aprovou o Flano de Fomento. Encontram-se em estudo alguns diplomas legislativos de ordem geral, destinados a regulamentar o exercício da actividade da grande distribuição e a tornar possível a revisão dos cadernos de encargos das actuais concessões, conforme determina a base XVIII da Lei n.º 2002. Tratasse de matéria vasta e delicada, que exige minucioso exame e atenta ponderação; mas, uma vez publicados esses diplomas, espera-se colocar a grande distribuição em condições de poder acompanhar sem desfasamento o ritmo de progresso da produção e do transporte e de desempenhar satisfatoriamente a missão que a lei lhe atribuiu.
3. Com isso, porém, não fica ainda resolvido o problema da electrificação nacional. Se à grande distribuição cabe levar a energia eléctrica a todos os concelhos e servir a grande e média indústria, a função de a pôr ao alcance de todos, na habitação, na escola, na pequena oficina, em todos os locais de trabalho, pertence à pequena distribuição, à qual a lei assinala uma índole essencialmente municipal, embora subordinada à orientação coordenadora e vigilante do Governo.
É evidente que, dum ponto de vista estritamente comercial, bastaria assegurar a satisfação dos consumos dos aglomerados urbanos, mais ou menos importantes,
e das principais indústrias, em regra localizadas nau suas proximidades. A obra de electrificação nacional tem, contudo, objectivos sociais mais ambiciosos, porque pretende levar a energia a todas as freguesias e, logo que for possível, a todas as povoações ou locais onde residam e trabalhem portugueses.
Não tem esta parte da obra de electrificação o brilho espectacular das grandes construções que caracterizam a produção e o transporte. Trata-se de construir, reformar ou melhorar pequenas e modestas instalações, dispersas por todas as vilas e aldeias, de atravessar, com linhas que têm de ser económicas, mas que no seu conjunto representam um vasto esforço de capital e de trabalho, todas as regiões do País. Esse esforço não pode ser pedido apenas ao Estado e às entidades para o efeito constituídas, como sucede no caso da produção e do transporte; há-de ser o resultado da colaboração de todos do Estado, dos seus concessionários, das autarquias locais, das pequenas empresas distribuidoras, dos próprios consumidores e da população em geral.
O valor desta obra é tão grande que se lhe não podem fixar limites, nem no tempo, nem no quantitativo.
Por outro lado, o consumo de energia eléctrica numa rede em exploração cresce em progressão geométrica, num ritmo que ainda não mostra tendência para abrandar, mesmo nos países de adiantado grau de electrificação. Deste facto resulta que a rude de distribuição que hoje se constrói, por folgados que sejam a sua concepção e o seu projecto (e essa folga está sempre sujeita a limitações de carácter financeiro, a que a técnica tem de subordinar-se), deixará, dentro de alguns anos, de satisfazer as necessidades da população que vai servir e terá de ser reforçada ou integralmente substituída com novos e cada vez mais avultados investimentos de capitais.
É por estas razões, a segunda das quais é, aliás, extensiva à produção e ao transporte, que a questão do custo total da electrificação do País não pode ter resposta. Os encargos de tal obra são, por natureza, ilimitados.
Desta indeterminação do custo e da própria extensão da obra, da sua extrema dispersão e da sua índole municipal, que exige se deixe aos municípios a liberdade da iniciativa e a seriação das obras a realizar dentro de cada concelho, resulta a impossibilidade de se estabelecer um plano de conjunto, com as suas fases e seus prazos de execução.
4. Aceite, porém, a ideia de que se torna indispensável intensificar o auxílio do Estado às obras da pequena distribuição, para que esta possa acompanhar o ritmo de crescimento da produção, como órgãos bem equilibrados de um mesmo conjunto económico, o Governo não pode abdicar, ao conceder esse auxílio, do dever de orientar e coordenar no plano nacional as iniciativas municipais. Por isso se torna necessário estabelecer o princípio da elaboração de planos anuais das obras a comparticipar, nos quais se reservará relativa preferência às obras destinadas a levar a electricidade às populações ainda não servidas, designadamente às zonas rurais, e se graduará o valor das comparticipações conforme a natureza de cada obra, o seu interesse social e os recursos do respectivo município.
Apesar do intenso esforço realizado nos últimos anos, existem ainda- no continente dez sedes de concelho que não possuem rede de distribuição de energia eléctrica; é preciso, porém, não perder de vista que, a par destas, há várias dezenas com instalações tão rudimentares que só em pequena parte poderão ser aproveitadas quando se pretender dotá-las de um serviço de distribuição capaz.
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O número de freguesias rurais ainda não electrificadas é de cerca de 2100; mas igualmente convém notar que há algumas que a estatística regista como electrificadas e que não possuem, com carácter público, mais do que algumas lâmpadas espalhadas ao longo da estrada principal. Acrescente-se que são numerosos os aglomerados populacionais de importância muitas vezes superior à das sedes de freguesia que esperam a sua rede local, e facilmente se concluirá que a resolução do problema, mesmo reduzido a este esquema, envolve um esforço de capital e de trabalho de tal magnitude que não é possível equacioná-la para uma realização em curto prazo.
5. Já se disse que a obra da pequena distribuição tem de ser o resultado da colaboração do Estado, dos seus concessionários, das autarquias locais, dos concessionários municipais e dá população em geral. E é assim, na realidade,- porque, pelo próprio carácter da obra, todos têm de contribuir para ela com o seu dinheiro e o seu trabalho. Mas esta complexa e extensa colaboração indispensável não nasce repentinamente organizada, não se congregam dum dia para outro todas as boas vontades, nem se conciliam sem demora as incompreensões e os atritos que são de prever, sobretudo de começo. Há que contar também com o trabalho de organização, de estudo, de expediente, de orientação, que compete aos serviços oficiais e que leva seu tempo a preparar, antes que a máquina esteja montada em termos de produzir o seu pleno rendimento.
Estas considerações mostram que a fixação das importâncias que o Estado deverá destinar, desde já, para o auxílio à pequena distribuição não pode determinar-
se pela realização dum plano preconcebido, mas deverá antes depender das disponibilidades financeiras e das possibilidades de utilização eficiente das verbas que foram concedidas. Tudo faz prever que estas últimas cresçam rapidamente com o uso e o aperfeiçoamento do sistema. No entanto, se a sua aplicação permitir levar a energia eléctrica a 75 por cento das freguesias do continente, no prazo de alguns anos, haverá razão paru considerar os resultados obtidos como inteiramente satisfatórios. Esse constitui o objectivo da presente proposta de lei ao estabelecer as bases gerais do regime jurídico-económico a que deve obedecer a obra a realizar.
6. Nestes termos, o Governo, buscado na experiência obtida através das comparticipações concedidas desde, há longos anos pelo Ministério das Obras Públicas, por intermédio do Fundo de Desemprego, julga chegado o momento de ampliar o auxílio às obras da pequena distribuição de energia eléctrica, com plena consciência de que vai ao encontro duma forte e legítima aspiração das populações rurais. Com o fim de melhor coordenar esse auxílio, evitando a sua dispersão, julga-se conveniente reunir num único diploma as normas por que hão-de reger-se as comparticipações previstas na base XXIII da Lei n.º 2002 e as que já vinham sendo concedidas pelo Fundo de Desemprego; e assim o Governo tem a honra de submeter à apreciação da Assembleia Nacional a seguinte proposta de lei:
BASE I
O Governo impulsionará n execução do obras da pequena distribuição de energia eléctrica, compreendendo o estabelecimento de novas redes e a remodelação e ampliação de redes existentes, mediante, a concessão de qualquer das seguintes modalidades de auxílio:
a) Comparticipações do Estado, nos termos da base XXIII da Lei n.º 3002, de 20 de Dezembro de 1944;
b) Comparticipações pelo Fundo de Desemprego, nos termos das disposições aplicáveis.
BASE II
As comparticipações referidas na base I serão concedidas às câmaras municipais ou às federações de municípios, quer a distribuição de energia eléctrica, seja feita directamente, quer em regime de concessão. Neste último caso só poderão conceder-se comparticipações para o estabelecimento de novas instalações dentro dos limites das percentagens previstas nos respectivos cadernos do encargos e desde que as condições contratuais de avaliação dessas instalações, para efeitos de resgate ou de entrega no fim da concessão, tenham em conta as comparticipações recebidas pelo concessionário.
Poderão ainda conceder-se comparticipações a outras entidades, nos casos em que houver legislação especial que assim o determine.
BASE III
Os pedidos de comparticipação serão dirigidos ao Ministro da Economia e os respectivos processos serão organizados e informados pela Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos, que elaborará e submeterá à aprovação do Ministro, até 15 de Dezembro de cada ano, o plano geral das comparticipações a conceder no ano seguinte, do qual deverão constar as estimativas do custo das obras a realizar s das importâncias a conceder por comparticipação.
BASE IV
Os pedidos anuais a que se refere a base III serão elaborados a partir dos pedidos apresenta dos até 30 de Setembro, de modo a contemplar equitativamente todas as regiões do País, dando-se preferência, na medula do possível, à construção de novas redes em localidades ainda não servidas, aos pedidos formulados pelas câmaras municipais dos concelhos rurais e, dentre estas, pelas de menores recursos financeiros. Poderão estabelecer-se várias categorias de obras, com diferentes percentagens de comparticipação até ao máximo de 75 por cento, correspondendo as mais elevadas à construção de novas redes em zonas rurais de limitados recursos e as mais baixas a obras de remodelação, ampliação ou melhoramento de instalações existentes nos aglomerados populacionais mais importantes. No entanto, o valor das comparticipações a conceder em cada ano não poderá exceder 50 por cento do valor global dos orçamentos das obras a comparticipar no mesmo ano.
BASE V
Estudado em cada caso o orçamento da obra e depois de cumpridas as formalidades legais do seu licenciamento, serão fixadas, por portarias, as condições das comparticipações a conceder, designadamente o seu valor e o prazo para a execução dos trabalhos.
BASE VI
Quando as obras comparticipadas não forem concluídas dentro do prazo fixado na respectiva portaria, será este automaticamente prorrogado por dois períodos consecutivos iguais a metade do prazo inicial, sofrendo, porém, a comparticipação correspondente aos trabalhos não realizados um desconto de 5 ou 10 por conto, conforme estes sejam concluídos, respectivamente, no primeiro ou no segundo dos períodos atrás referido. Se as obras não foram concluídas dentro dos novos prazos resultantes das prorrogações automáticas, os saldos das comparticipações serão anulados e não serão concedidas novas comparticipações às entidades interessadas en-
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quanto não tiverem realizado as obras a que diziam respeito os saldos anulados.
BASE VII
Não poderão ser concedidas comparticipações:
a) Para obras de cuja realização resulte, a curto prazo, sensível melhoria nas condições económicas da exploração do conjunto das instalações pertencentes à entidade que requereu a comparticipação;
b) Para obras já executadas ou em execução.
BASE VIII
Ás comparticipações serão concedidas por forma que não haja de satisfazer-se, em rada ano económico, quantia superior à sua dotarão, adicionada dos saldos dos anos anteriores, podendo, porém, ser contraídos encargos a satisfazer em vários anos económicos, desde que os compromissos tomados caibam dentro das verbas asseguradas no ano económico um curso e nos dois seguintes.
BASE IX
O Governo adaptará a organização da Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos às exigências impostas pela conveniente execução da presente lei.
O Ministro das Obras Públicas, Eduardo de Arantes e Oliveira. - O Ministro da Economia, Ulisses Crus de Aguiar Cortês.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA