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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 81
ANO DE 1955 10 DE FEVEREIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.º 81, EM 9 DE FEVEREIRO
Presidente: Ex.(tm) Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex. mos Srs.
Castão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Pinto Barriga, falou sobre vários pedidos de informação que tem apresentado.
O Sr. Deputado Sousa Machado pediu providências urgentes contra a cheia que prejudica os campos do Mondego.
O Sr. Deputado Ricardo Durão anunciou que na sessão seguinte fará a análise do
discurso do Sr. Deputado Augusto Cerqueira Gomes acerca da Causa Republicana.
Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão do aviso prévio do Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu acerca dos problemas [...].
Falaram os Srs. Deputados André Navarro e Daniel Barbosa.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 18 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
lberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Finto dos Beis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Pinto de Meireles Barriga.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
António Russell de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Baltasar Leite Rebelo de Sousa.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
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Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Herculano Amorim Ferreira.
João Afonso Cid dos Santos.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento Vasconcelos s Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereiro.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Heis.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
O Sr. Presidente: - Estilo presentes 85 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Vai ler-se o
Expediente
Telegramas
Do Grémio da Lavoura de Monção, a apoiar as considerações feitas na Assembleia Nacional pelo Sr. Deputado Elísio Pimenta sobre o problema da viticultora.
Da Câmara Municipal da Figueira da Foz, a apoiar as considerações dos Srs. Deputados Santos Bessa e Moura Relvas acerca da construção dum sanatório heliomarítimo no Centro do Pais.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa uma informação enviada pela Presidência do Conselho em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 13 de Janeiro
findo pelo Sr. Deputado Melo Machado. Vai ser entregue a este Sr. Deputado.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Pinto Barriga.
O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: tive a honra de requerer nesta legislatura e mesmo nesta sessão legislativa diversas informações para fundamentar futuras intervenções; bem assim tive ocasião de chamar a atenção do Governo sobre determinados problemas. Hoje intervenho para agradecer respostas, insistir na obtenção de outras e refrescar ainda algumas intervenções caldas no esquecimento burocrático, mas suponho que não ministerial.
Ontem, ao pedir a palavra, tinha acabado de receber um ofício de V. Ex.ª, que penhorado agradeço, pedindo vénia para dar dele conhecimento a esta Camará na parte relativa às informações que esse ofício me transmite:
... que, segundo informação prestada pelo Ministério das Finanças para satisfação do requerimento apresentado na sessão da Assembleia Nacional de 13 de Dezembro último pelo Sr. Deputado António Pinto de Meireles Barriga, não foi proferido qualquer despacho de carácter genérico nem expedida qualquer circular sobre a uniformização contabilística dos orçamentos e contas de gerência dos fundos especiais, e menos ainda dos organismos de coordenação económica, corporativos e de previdência social.
A orientação daquele Ministério na matéria em causa consta do preceito contido na proposta da Lei de Meios para 1901 que veio a ser convertido no artigo 19.º da Lei n.º 2045, de 23 de Dezembro de 1950, renovado nas leis de autorização de receitas e despesas para os anos posteriores e repetido para o ano corrente no artigo 20.º da Lei n.º 3047, de 28 de Dezembro de 1954.
Nesta conformidade, encontram-se em curso estudos tendentes à regulamentação da disciplina e concentração dos fundos especiais, os quais, pelo seu carácter preparatório e instrumental, não é possível revelar.
Acrescenta-se, no entanto, que na pendência de tais estudos a gestão administrativa e financeira dos referidos fundos tem estado sujeita às normas estabelecidas no § 1.º do citado artigo 19.º da Lei n.º 2045.
As informações que este oficio suscita, e que são agradecidas, como demonstração de provada boa vontade, vêm mostrar que estão decorrentes estudos sobre a regulamentação, disciplina e concentração dos fundos especiais, e que o seu carácter preparatório e instrumental não permite ao Ministério das Finanças revelá-los.
Temos, pois, de esperar que esses estudos se transformem em decretos para por eles apreciar a sua eficacidade sobre a administração financeira.
O que este ofício demonstra é que está apenas em vigor o § 1.º do artigo 19.º da Lei n.º 2045, reproduzido nas subsequentes leis de meios. É pouco para a domesticarão contabilística desses fundos ... essencialíssimos, mas quanto às restantes parafinanças podem continuar a vegetar na anarquia contabilística, que já há anos venho combatendo nesta Casa.
Dos elementos pedidos sobre o problema do pão chegaram apenas os já publicados, o que se agradece, mar faltam todos os outros para estear uma intervenção construtiva, o que se lamenta.
Sr. Presidente: todos os elementos que requeri em matéria de aposentações, nas suas relações com a hierarquia estabelecida pelo Decreto-Lei n.º 20115, bem como
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(...) os que se reportavam aos vencimentos dos oficiais de terra e mar na reserva e na sua passagem para a reforma, nenhum deles me chegou às mãos:
Quanto aos dados pedidos sobre a Companhia de Diamantes de Angola, passo a dar conhecimento à Camará do requerido no intervalo das sessões:
1.º A cópia dos relatórios anuais apresentados desde 1940 pelos representantes do Estado junto da Companhia de Diamantes de Angola, não tanto só pelas obrigações da lei, mas muito mais pela devoção inerente dos altos estipêndios que sempre receberam;
2.º No caso de inexistência desses relatórios anuais circunstanciados, a súmula da correspondência trocada por esses delegados do Governo, destinada a demonstrar, a par da merecida consideração pela excepcional competência do administrador-delegado dessa Companhia, a sua coadjuvação e estimulação perseverante, com o imediato objectivo de obter:
a) O menor custo de produção industrial e económica na exploração concessionária, sobretudo comparativamente às congéneres estrangeiras e destacadamente às belgas;
b) Uma lavra mineira só inspirada nas melhores possibilidades portuguesas e não na directa instigação das corporações diamantárias, de sorte que pudéssemos aprovisionarmos com boas reservas, bem lotadas para as melhores possibilidades também de venda no óptimo do bom de preços, emparelhando assim em pé de perfeita igualdade de chances com as congéneres estrangeiras;
c) Uma atenta vigilância dos mapas contabilísticos das englobadas reservas ou promissões, nunca permitindo a sua desvirtuação para uma utilização desrubricada, embora a título provisório ou momentâneo de aplicação de capitais;
d) Uma observação cuidadosa, com os olhos bem fixos na economia de Portugal, da política cambiaria dessa empresa;
e) A interferência, ressalvada a perfeita compreensão da realidade do corporato feeling, de modo a não ter sofisticamente de vender lotes diamantários de composição desequilibrada em face das nossas possibilidades mineiras;
f) A ponderação do problema do trabalho e habitacional da mão-de-obra indígena, evidentemente sem descurar o fomento angolano.
Outrossim, requeri, pelos Ministérios competentes, notas das contribuições e impostos pagos por essa Companhia desde 1940.
Ainda não me foram facultadas estas informações. O mesmo sucedeu quanto à empresa concessionária da refinação de petróleos, em que mostrei desejo de me confirmar nos resultados dessa concessão, para obter petróleo e gasolina mais baratos e melhores, uma poupança séria de divisas, apesar de muitos dos seus maiores accionistas serem estrangeiros e termos de exportar, por falta de consumo nacional, uma boa parte dos subprodutos da refinação - ainda um pouco mais de destilação -, e finalmente o melhor rendimento fiscal, bem independente do aumento do consumo pelo alargamento da motorização, e portanto, do respectivo imposto de consumo, e apesar da isenção tributária de que goza essa empresa.
Aos Ministérios competentes requeri também nota bem discriminada de quanto pagam em matéria de contribuições e impostos as companhias concessionárias, para poder comparar e avaliar, em boa técnica fiscal, se o Estado o que recebe como comparticipação de lucros foi um pouco como que desfalcado do que deveria receber pela fonte tributária.
Tratei também de perguntar porque é que os funcionários dos organismos de coordenação económica não obtiveram o aumento que desde Outubro de 1954 foi concedido ao restante funcionalismo, e ainda não obtive resposta.
Aos Srs. Ministros das Finanças, Ultramar e Economia renovo os meus agradecimentos pelas provas de boa vontade dadas na satisfação dos meus requerimentos, esperando que continuem a dar-lhes toda a força do sou alto patrocínio.
Preocupei-me com o boom, que se me afigura muito especulativo de alguns fundos ultramarinos, o quo virá a sacrificar a pequena poupança, que se arrisca temerariamente a essa colocação em plena alta, que nem os dividendos nem as perspectivas económicas dessas empresas parecem inteiramente justificar.
Termino por relembrar o que afirmei na sessão de 30 de Março de 1951: que as parafinanças não podem continuar a viver na margem da orçamentologia portuguesa, pois não é assim que as quer Salazar, nem as pode desejar a Nação.
Disse.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Sousa Machado: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: pedi a palavra para focar um problema angustioso e fazer um apelo com toda a veemência de que a minha fraca voz é capaz.
O problema é a situação verdadeiramente aflitiva em que se encontra uma imensidade de pequenos proprietários dos campos do Mondego invadidos pelas águas tumultuosas e desordenadas do rio, durante estas últimas semanas consecutivas de cheia.
E dirijo o meu apelo aos ilustres titulares da Economia e Obras Públicas para que acudam sem demora à trágica situação criada pela invernia, que se mantém há cerca de um mês - aliás, repetida sempre que a bênção de uma cheia invariavelmente se acompanha de erosões e assoreamentos que transformam, para muitos minúsculos proprietários marginais, a bênção em tragédia.
O problema do rio Mondego ó demasiado complexo, pelo que seria fastidioso apresentá-lo aqui nos seus pormenores, e, mesmo que tentasse fazê-lo, nem os meus conhecimentos o consentiriam nem a paciência de VV. Ex.ªs o toleraria.
Não apoiados.
Os fenómenos da erosão são mais ou menos acentuados, consoante a natureza e disposição dos terrenos da sua bacia hidrográfica superior atingida pelas precipitações do Inverno, e o assoreamento é tanto mais intenso quanto maiores os caudais das cheias.
Uns e outros têm de ser combatidos e têm preocupado os homens desde longa data.
Tudo leva a supor que antes do século XII o rio se limitara a formar lentamente a sua bacia inferior, constituindo uma ubérrima planície de terrenos de aluvião a partir de Coimbra até à sua foz, e isto porque toda a sua bacia superior deveria ser então intensamente povoada por uma flora pujante.
Só assim se concebe que o bom observador que foi o geógrafo árabe El Edrisi se tivesse limitado a notar a riqueza das terras entre «Conimbriga e Monte Mayor», sem qualquer referência a fenómenos de assoreamento.
Ao intensificar-se o povoamento das regiões tributárias do Mondego superior, com certeza se iniciou o desbaste das matas, o arroteio das terras e, assim facilitado, o processo de erosão mais ou menos intenso, que, por seu turno, foi causando em grau cada vez maior o assoreamento dos campos do Mondego inferior.
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Temos assim aberto o gravíssimo problema e iniciada a luta sem tréguas entre o rio e o homem.
Os reis da nossa primeira dinastia, perante a gravidade da situação e despertos ao apelo angustioso da cidade de Coimbra, que, pouco a pouco, mas sem remissão, ia vendo a sua ponte e os seus mosteiros ribeirinhos ficarem submersos sob as areias, promulgaram as primeiras medidas atinentes a suster, ou pelo menos reduzir, os efeitos catastróficos da erosão, proibindo queimadas nas terras do interior e procurando revestir as encostas que a imprudência do homem tinha desnudado.
Frei Luís de Sousa, na História de S. Domingos, judiciosamente dizia:
Eu sinto paz a falar contigo, sinto-me bem
Chega a cobiça, ou a multidão e necessidade dos homens a não deixar palmo de terra, que não rompa. Em tempos muito antigos erão invioláveis as costas, e ladeyras que cahião sobre os rios, com medo do que oje se padece, e como causa sagrada estava a cargo de se guardarem à conta dos melhores do Reyno ... Faz perder os campos muyto largos, e muito proveitosos, o querer aproveitar montes pola maior parte esteriles, ou pouco frutíferos: achão as invernadas a terra bolida, levãona ao baixo e ficão despidos os altos até descobrirem os ossos, que são as lageas, e penedias do centro, e asi ficão os campos perdidos, e os montes não dão proveito.
Em fins do século XVIII surge o P.º Estêvão Cabral, que vê o problema do rio apenas sob o aspecto hidráulico e propõe várias obras de vulto atinentes a regularizar o seu leito e a conter a impetuosidade das cheias.
Abre-se o rio novo, com traçado rectilíneo, do Coimbra a Pereira e desta última localidade a Montemor.
E a batalha sem fim entre o homem e o rio mantém-se, umas vezes mais viva, em presença de maiores devastações, outras mais frouxa, até que de novo o rio, como que aproveitando alguma distracção dos homens, causa novos estragos, novas calamidades.
Não faltam os estudos conscienciosos da Direcção Hidráulica do Mondego e os relatórios, suponho que vistos e aprovados superiormente; faltam, posto que não vultosas, as verbas para a execução.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Muitas vozes das mais autorizadas se têm levantado a reclamar medidas urgentes que valham à situação delicadíssima da bacia inferior do Mondego, e, dentre todas, aponto apenas a do comandante Freitas Morna, que, nesta mesma sala, em aviso prévio sobre a defesa dos campos do Mondego, expôs proficientemente em Abril de 1938 este actualíssimo problema e para ele, com autoridade muito especial, chamou a atenção do Governo.
Se foi ouvido, pelo menos na medida que era de desejar, não sei.
Alguma coisa se tem feito; mas em verdade nada é, em presença da grandiosidade do problema a resolver.
Estou certo, porém, de que não deixa de preocupar quem dirige os destinos da Nação, e, como já aqui afirmei, referindo-me a este mesmo assunto, não faz sentido que, por um lado, se despenda um esforço ingente na conquista de baldios de produtividade problemática, enquanto se perdem quase por abandono os ubérrimos campos do Mondego inferior.
O Sr. Carlos Borges: - Inferior e superior; o abandono é total.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: não ó hoje minha intenção pedir a execução imediata de obras de grande vulto que resolvam de vez o problema do Mondego, nem isso é possível, pois, como disse, a batalha do homem com o rio é uma luta sem fim, que há-de perdurar enquanto o rio correr para o mar, carreando detritos de serras e outeiros.
O que é preciso, como em todas as batalhas, é traçar um plano de combate seguro e inteligente e mante-lo, tenaz e persistentemente, sem receios, sem desfalecimentos, sem hesitações.
Pede-se que se assente num plano definitivo, a que se dó execução sem interrupções, de forma a permitir que a cheia cubra as terras com o seu manto fertilizador, mas pacificamente, sem as levar ou cobrir de depósitos esterilizantes de areia.
Pede-se, numa palavra, a domesticação da cheia.
E atrevo-me a acreditar que o processo tradicional das motas, ajudado pelas descargas laterais sucessivas de jusante para montante (segundo o plano da Direcção Hidráulica do Mondego), resolveria o problema, hoje certamente facilitado pelos meios técnicos modernos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: o meu apelo de hoje, o meu pedir, é o eco dos brados de muitos milhares de pequenos lavradores, que procuram, através das turvas águas que inundam os seus campos, ver o que deles restará quando elas se afastarem e buscam ansiosamente quem lhes valha.
O meu apelo é para que o auxilio chegue o mais urgentemente possível a esses pequenos proprietários, e tantos são, que só propriedades do campo inscritas nas matrizes dos concelhos de Coimbra, Montemor e Figueira da Foz andam por 50 000.
A área total inundável é de 12 000 ha, dos quais 468 ha estão medianamente assoreados e 250 ha fortemente.
O que urge, pois, fazer?
Primeiro, que se reconstruam urgentemente pelos serviços competentes as motas que as últimas cheias arrastaram, colmatando as quebradas e acelerando assim o processo de enxugo dos campos encharcados, de forma a serem utilizados ainda este ano.
Ao mesmo tempo procurar arrastar as areias que e rio carreou e depositou com as últimas cheias, de forma a recuperar os terrenos areados para as próximas sementeiras.
Este serviço julgo poder ser feito sem grandes dificuldades ou dispêndios pela Junta de Colonização Interna, e para isso nem lhe faltam técnicos competentes nem os meios mecânicos suficientes.
Com o deslocamento para este serviço de alguns Buldozers, em poucas semanas seriam removidos para lugares previamente determinados os milhares de metros cúbicos de areia agora acumulados sobre as terras.
Sei que isto traz o problema do espaço a ocupar como a areia que é necessário juntar, mas também não me parece problema insolúvel.
De resto, deslocada que seja uma brigada de técnicos da Junta de Colonização Interna, estou certo de que como o seu senso prático conseguiria, sem dificuldades de maior solução para o problema.
Tenho uma grande confiança nesta gente, a avaliar pelo que tem feito por esse Pais além.
Vejo-a através de um rapazinho que conheço, que cresceu quase a meu lado.
Nascido e criado na cidade, quando me anunciou que ia tirar o curso de engenheiro agrónomo fiquei admirado, e não me contive que lhe não perguntasse: «Então
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(...) tu, que não distingues uma couve de uma cebola, vais para a agronomia?».
Encolheu os ombros e nisso disse tudo.
Hoje está na Junta, e a cada passo discutimos os seus problemas; e eu espanto-me da convicção que o anima, o entusiasmo com que defende os seus trabalhos, da confiança com que actua, da fé que o inspira.
Já não vejo nele o simples técnico frio e sem alma; sinto nele, através das suas expressões, um verdadeiro e acérrimo defensor da terra.
Isto fez-me meditar e acabou por me incutir uma grande confiança no futuro, que só da terra nos pode vir, e então compreendi que o Instituto Superior de Agronomia se não limita a ser fábrica de técnicos, mas forma verdadeiros apaixonados da terra.
Entre nós encontra-se um dos seus mais eminentes professores, o engenheiro André Navarro, nosso distintíssimo colega, na pessoa de quem presto ao seu Instituto a minha homenagem de admiração e reconhecimento.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Resumindo o meu apelo, Sr. Presidente, peço a V. Ex.ª transmita aos nossos ilustres Ministros das Obras Públicas e Economia a urgência inadiável de valer aos pequenos lavradores dos campos do Mondego.
O primeiro, que tanto cuidado tem dispensado aos problemas de Coimbra, como ainda agora demonstrou na visita que acaba de fazer à cidade, não deixará de prestar a sua atenção a este, pois todos nós, lá, ansiosa e confiadamente esperamos as suas prontas e inteligentes decisões.
Mesmo em frente de Coimbra o rio provocou estragos incalculáveis, que urge remediar, reforçando a sua margem esquerda a montante da nova ponte e restaurando a muralha de defesa a jusante, para que de todo se não percam os campos entre o porto das Lajes e o Álmegue, devendo-se ainda dotar a Direcção Hidráulica do Mondego com os meios precisos e imediatos para reconstituir as motas do rio quebradas pelas últimas cheias.
Ao Sr. Ministro da Economia pede-se instantemente que ordene a deslocação para os nossos campos de uma brigada da Junta de Colonização Interna com os meios necessários para afastar a areia com que as águas impetuosas do rio invadiram tantas terras, que, tornadas improdutivas, deixarão cair na mais trágica miséria pequenos proprietários, que mais não têm do que uma tira de terra para cultivar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Esta brigada ou brigadas deveriam ficar permanentemente ao serviço dos campos do Mondego e, em colaboração com os servidos da hidráulica do Centro, prestariam um altíssimo serviço à Nação remediando os males que têm remédio e, sobretudo, educando os proprietários do campo, de modo a incutir-lhes no espirito a mística do combate sem tréguas com o rio.
Como disse o comandante Freitas Morna nesta sala: «o Mondego constitui um interessante problema de geografia humana», e por isso nada poderá ser feito sem a intima colaboração dos serviços com o próprio homem, que do campo vive e para o campo deve viver.
Os técnicos da Junta são as pessoas categorizadas para criarem a mística do rio, tão viva como os holandeses tom a dos seus canais; e então, com o concurso de todos, entusiástico e viril, a batalha do rio acabará por ser vencida pelos homens.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Ricardo Durão: - Sr. Presidente: não pude ouvir ontem até ao fim o discurso do Sr. Deputado Cerqueira Gomes, mas li-o hoje nos jornais da manhã, e entendo que a sua brilhante exortação merece mais do que o silêncio indiferente ou a improvisação precipitada.
Aguardo a sua publicação no Diário das Sessões para devolver às razões do meu ilustre colega as objecções que considero necessárias e convenientes.
Como não sou improvisador nem quero ser precipitado, rogo a V. Ex.ª se digne conceder à minha intervenção a moratória de que preciso.
Um discurso que foi com certeza profundamente meditado requer também meditação e análise; e se o digo com esta antecedência é para assegurar à Câmara o meu interesse e ao nosso colega a minha lealdade.
Entretanto, Sr. Presidente, uma premissa desejo formular desde já: é que não há de facto uma causa republicana, porque a República não está em causa.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Registo a declaração de V. Ex.ª Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio apresentado pelo Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu.
Tem a palavra o Sr. Deputado André Navarro.
O Sr. André Navarro: - Sr. Presidente: as minhas primeiras palavras são do merecido louvor ao ilustro Deputado Dr. Paulo Cancella de Abreu pela forma superior como apresentou o importante aviso prévio sobre a crise vitivinícola nacional. É mais uma valiosa contribuição com que este ilustro Deputado enriquece os anais da Assembleia Nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Subo a Esta tribuna, Sr. Presidente, apenas para fazer um breve discurso. E será breve, e não longo, porque o assunto a referir é de tal monta e tão vasto que obriga, de facto, a olhá-lo apenas de alto.
Ele é na realidade todo o problema do drama rural da nossa viticultura, o que quer dizer: do cultivo de boa parte da terra portuguesa. É assim, em suma, o do maravilhoso sonho que levou a uma expansão nos domínios do agrário que bem se coadunava com os anseios de progresso de uma agricultura pobre em terra pobre; sonho que surgiu na mente do cultivador como aurora salvadora, plena de promessas de melhores dias, mas que, mercê dos contrastes de fecundidade e de rusticidade da cepa, julgou encontrar nela própria o germe do desalento.
E é mister dizer ainda, e já, que foi esta a cultura que as velhas granjas do mosteiro de Alcobaça levaram mais além na sábia política da conquista do Sul para a colonização. E será ela que ainda há-de ser, em época que não virá longe, o elemento fundamental da fixação do camponês à terra alentejana.
Ouvem-se, porém, de facto, hoje - estamos na realidade ouvindo de todos os cantos da terra portuguesa - clamores pedindo justiça para que se salve tanto labor acumulado; esforço não só das actuais muitas dezenas de milhares, digo centenas de milhares, que labutam a terra com cepas mas também daqueles que acumularam, em
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saber e no dobrar da leiva, no rodar de gerações, o que podemos dizer, com justeza, como sendo o espirito e o vigor da ruralidade. Ruralidade que foi, e ainda o é, o fundamento de toda a nossa epopeia. E esta, como é óbvio repetir, por ser de todo o mundo conhecida, passou-se algures, que hoje nenhures ignora.
Referir, pois, esses clamores e procurar ver e denunciar, mas denunciar apenas, as suas causas foi o motivo que me levou, digo nos deve levar, a dizer algo; mas algo que seja fruto de algum pensar e como tal que deva só ser dito - para se ser claro - em poucas e singelas palavras, e evitar assim que aqui se levantem novos clamores que possam gerar ainda mais desalento.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Dando por terminadas estas palavras à laia de intróito, direi que o que me trouxe a esta tribuna foi assim apenas o desejo de pensar alto sobre esta crise, digamos, dizer alto o pouco a que se resume o descortinar da origem, isto é, das causas primeiras das queixas, digo melhor, dos anseios de tantos que até nós chegam. E, ditas estas, quais os remédios para uma terapêutica mais eficaz. Eis tudo.
Mas não se pense, porém, que será possível falar sobre questão tão ampla como a vitivinícola sem tocar, mesmo que seja só ao de leve, em outros domínios do agrário. E pela razão simples de que, salvo onde a vinha se consócia com a pedra, por que, outra coisa lá não vai, em todo o resto ela está no Âmago de várias e múltiplas actividades rurais; só ainda mais uma excepção - e já me ia dela a esquecer: a daqueles sítios onde a cepa come a nata do solo, sem deixar para a vida da grei viço maravilhoso que seja verdadeiro sustentáculo da sua existência.
Ora, tudo o que ficou dito é certo. Mas o número dos que dela vivem será, contudo, na realidade, tão significante que justifique a ansiedade que sempre geraram os seus problemas? Quanto será esse número? Ninguém o sabe ao certo, pois, embora incluídos de facto nele poucos empresários, grandes e médios, fáceis de localizar, há também uma multidão anónima de pequenos; e em insensível transição aparecem ainda os que, não possuindo mesmo a cepa, dela, porém, vivem pelo labor do seu granjeio e do fabrico do vinho. De resto, foi sempre assim desde os primeiros tempos.
Olhe-se, por exemplo, para esse admirável e sugestivo quadro do século XII que estou vendo num velho livro do convento de Lorvão, e logo se descortinará que, nessas grandes braças de lenho sarmentoso, dependurado em arvoredo alto, formando tão decorativos festões, se enquadram tantos e tantos em aturadas e profícuas operações de cultura.
E esses festoes são, nem mais nem menos, as repetidas grinaldas dos verdes campos, que foram, e ainda hoje o são, o nosso verdadeiro berço.
Digamos pois, mas só para apontar um número que nos dê ideia duma escala, que os da viticultura serão, talvez, nos tempos que correm, pouco menos que um quarto de todos os que habitam este rincão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E, agora dito que são muitos os dos minifúndios vitivinícolas, porquê esta preferência pela vinha, que já vem de tão recuada data, preferência que se transformou em dedicação sem limites pela cepa?
A razão é simples.
Infelizmente ou felizmente, o nosso território não deu até agora para outros misteres mais rendosos. Não falo, para não me repetir, pois ainda há pouco o disse em público, no porquê do porque fomos herdeiro pobre no mundo contemporâneo da riqueza. Na realidade, só nos ficou nessa modesta herança apenas arvoredo, algum valioso é certo - sobro, azinho, pinho e castanho; mus tudo isto é só árvore, e o fuste dá pouco trabalho a propagar e depois é somente ver crescer e nada mais.
Ia dizendo, pois, arvoredo algum valioso ó certo, nos litorais e nas montanhas do Norte e do Centro, bem como nos peniplanos do Sul, e todos estes aspectos são assaz frequentes; e ainda, além da vinha, a oliveira, mas esta também é arvoredo; o mais é apenas pão, e pouco, alvo ou negro, e, a partir de certa data, o exótico mais.
Todo o resto, que ó fruto do mimo que damos e pouco do que recebemos, é simples acidente, para servir de termo de comparação a quem queira traçar com justeza a história exacta da nossa vida rural.
Mas continuemos a pintar o quadro, tão cheio de contrastes, da nossa viticultura. Assim, dos quase 300 000 viticultores que os papéis registam com a pomposa designação de empresários, digamos, 95 por cento são na realidade elementos de uma modesta grei rural, vivendo totalmente da terra e para a terra. Por isso, apenas ínfima parcela - os 5 por cento restantes - tira da empresa vitivinícola quinhão valioso, contribuindo ainda, pelo trabalho que dão a tantos outros, para fazer viver muitos dos mais pequenos e ainda inúmeros assalariados,
que tocam várias teclas do trabalho, de resto tão variado, os nossos campos.
Se, porém, dissermos que o vinho gerado pela massa incontável dos pequenos e médios viticultores corresponde a cerca de 85 por cento da produção total e que os restantes 15 por cento são fruto de grandes empresas das várzeas, trabalhando cora um custo de produção três a seis vezes menor que os da vinha de encosta, talvez tenhamos encontrado uma das causas primeiras dos anseios da grande massa rural da Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas, continuando: assim, enquanto o Minhoto trepa, poda e empa, fazendo prodígios de equilíbrio, cava, lavra e granjeia várias coisas ao mesmo tempo, para recolher todas as migalhas dos minifúndios, e o Duriense parte pedra com p asada alavanca, constrói degraus e faz terra, que depois veste dessa cepa que há-de ser, por toda a vida, um espelho de canseiras; enquanto o Beirão e o Estremenho surribam e plantam encostas - não falo das várzeas, per estas serem ai moro acidente -, para colherem, de novo e só, as gotas do suor que derramaram no solo; digo: o que vemos por outras paragens nesses baixios da erosão acumulada de tantos sítios?
Vemos, nu realidade, outra viticultura, de regimentos infindáveis de cepas em parada, passeados periodicamente por máquinas e animais de trabalho e frequentemente por grandes ranchos que vêm de longe. E até o fabrico e u conservação destas grandes massas vi nicas são feitos em oficinas que mais parecem grandes fábricas do que adegas e onde o baixo custo de produção é a principal meta a atingir.
Mas dirão muitos: é exactamente este o caminho a seguir nestes tempos, em que se pretende igualar gostos - pelos de baixo, é certo -, por forma que os vinhos possam caminhar afoitamente para os mercados externos, não temendo a concorrência de produtos similares de outras paragens - dos países novos ou dos velhos rejuvenescidos. Isto é: será aqui o nosso Midi? Pura ilusão.
Abram-se hoje as fronteiras alfandegárias, por breves momentos fiscais, e apenas aos vinhos sul-americanos ou norte-africanos, e então veremos dentro da nossa própria casa o ruir de todo este frágil castelo de cartas. E a explicação não será difícil de encontrar.
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Desde o compasso assaz diminuto para permitir fácil e generalizada motorização e mecanização, à frequência do míldio e do oídio, atraídos pelo viço e ao imprevisível da cheia, já não falando das Primaveras borrascosas, tudo tende aqui a cavar fundo o ressalto que separa a economia da produção destas baixas da de outros concorrentes aos mesmos mercados. E por isso esta torrente caudalosa de vinho acaba por invadir o Foço do Bispo - a nossa única bolsa de vinhos comuns -, sem possibilidades de caminhar mais além, excepto quando as aflições durienses nos anos de falta a atraem para envelhecimento dos seus generosos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Este, em poucas palavras, o panorama da nossa vitivinicultura. E, resumindo, direi: vastos domínios de encosta, com custos de produção de vinho que atingem seis vexes os da várzea, e esta, embora diminuta em área em relação ao total plantado, e também diminuto o número de empresários que a cultivam, é, contudo, suficiente para dominar o mercado, provocando graves perturbações na economia da vitivinicultura nacional.
E isto, especialmente, é mais evidente nos anos terminados em 3 e 4, quando as produções ultrapassam ciclicamente um pouco mais as necessidades normais do consumo.
Mas também nos sinas de falta não esqueçamos o reverso da medalha. Então as aguardentes do Sul, mais baratas e não piores, são altamente desejadas pelos Durienses para o fabrico dos seus generosos. E já não é mesmo virgem a importarão de álcool vínico estrangeiro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Este quadro, de cores tão carregadas, será repetido, e para lá se caminha, já, com outros produtos da nossa economia agrária - como o arroz -, no dia em que a produção do Sado, somada à do Tejo, doem ao País regular capitação. As baixas do Mondego e do Vouga serão então, sem que a qualidade neste caso seja elemento diferencial, o sacrificado Douro arrozeiro. Tudo isto apenas reflecte a irregularidade de um meio pobre e tão pequeno.
Está, porém, já feito u mal e não vale a pena citar, por já não ser do clima da época, medidas que noutros tempos furam realizadas para. restabelecer o equilíbrio entre a produção e o consumo vinícolas.
Hoje apenas se pudera, dentro do bom senso e para conservar riqueza já criada, lançar um grito de alarme e dizer: «Basta por enquanto de novas plantações».
Basta de novas plantações, mas que este «basta» seja draconianamente fiscalizado e que esta fiscalizarão se faça simultaneamente com a assistência técnica à viticultura.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E irei mais longe: o problema não é apenas o da vinha produtora de álcool. Vejo acima dele, e talvez, dentro de poucos anus, muito mais difícil de resolver, o do álcool de outras origens que não o do vinho, e onde o do vinho só tília apenas como modesto concorrente.
De resto boje em França, problema similar está na ordem do dia da economia da sua viticultura, atribuindo-se também ao vinho apenas responsabilidade que não ultrapassa 10 por cento do total. Os 90 por cento restantes derivam, lá, da beterraba e de outros geradores do carburante alcoólico.
Ora em Portugal, por agora, é a figueira, de castas alcoolígenas, que se levanta como susceptível de transformar Torres Novas numa monumental babilónia de preocupações para o nosso agrário vitivinícola. Está-se, na realidade,- a plantar a esmo o figueiral. E para quê? Será a bela Esmirna, que exige aturado trabalho de caprificação para frutificar e para depois secar e tratar, lendo como único destino frutuosa exportação? Não. São, antes, castas adriáticas capazes de dar álcool e mais álcool, a não ser que se destine, e então está bem, esse figo exclusivamente, para sustento do gado. especialmente para engorda do suíno.
O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª não ignora que justamente o que provoca, o interesse pela cultura da figueira, não só em Torres Novas, onde ela é mais intensa, como por quase lodo o Sul do País. é justamente a combinação do seu valor como forragem e do seu outro como fonte de produção de álcool.
Eu digo isto apenas, não para esclarecer V. Ex.ª, que conhece bem este assunto, mas sim paru informar alguns das Sr s. Deputados que porventura não tenham tanto conhecimento do problema, para que eles não pensem que é apenas o apetite alcoolígeno que determina a plantação desses figueirais.
O Orador: - Não é realmente o apetite ao alcoolismo, mas sim o rendimento que esse álcool produz.
Já terão, porem, sido tomadas medidas adequadas para evitar esta aterradora maré alta, já hoje previsível, e que ameaça destruir, dentro de breves anos, todo o já instável equilíbrio da nossa vida rural?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pergunta-mos ainda: não terá chegado já o momento oportuno para completar a orgânica corporativa, por fornia que o interesse geral não esteja, a cada momento, sujeito a estes e outras graves desatinos?
Lembremos, apenas, para medir a acuidade da crise que se pude gerar, de um momento para o outro, que o custo do nosso álcool industrial é hoje múltiplo, e de elevado multiplicador, do mesmo produto no mercado internacional e que o mercado interno está dele suficientemente abastecido. E não esqueçamos, também, que ele é hoje fabricado, em escala nunca vista, a partir do lenho, pelos países que herdaram, por processos violentos, grandes extensões florestais no Nordeste da Europa, produzindo este álcool industrial a preços sensivelmente inferiores a um terço dos do nosso álcool a 98º.
Sr. Presidente: depois deste apontar de alguns dos principais erros, e apenas de os apontar, e só alguns dos maiores, como me propus, o que fazer para debelar tão grandes males que se antevêem?
Repetirei: Como já disse atrás, não dar mais nenhum passo susceptível de ir agravar a crise latente do nosso ambiente agrário. E depois estudar a sério, a partir de dados de rigorosa prospecção agrária, o estímulo que leve a novos rumos.
Não há muitos, é certo, mas há alguns seguros, capazes de nos conduzir a uma melhor harmonia de interesses, e assim procurar tapar em primeiro lugar as falhas do sustento que seja possível fazer com o nosso esforço e desenvolver, por outro lado, actividades que nos permitam, de facto, concorrer, sem menosprezo do nosso trabalho aos grandes mercados externos. E encontraremos então, estou disso certo, desde a horticultura à silvicultura, alguns naipes para vencer esta difícil cartada. Mas estes aspectos não será hoje a altura de os dizer.
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E por isso, em conclusão, para já, é só suspender por período não inferior a uma década, toda e qualquer plantação, ou então, apenas, quando muito, permitir a retancha do que for morrendo e nada mais.
Os próximos anos terminados em 3 e 4 dar-nos-ão ideia do que foi a subiria de nível. Se assim se proceder não deverá haver receio de maiores desequilíbrios, pois o míldio e o oídio e a Primavera irregular e o próprio cansaço da cepa farão o resto restabelecendo, de novo, as possibilidades de existência da grei rural.
O Sr. Proença Duarte: - V. Ex.ª não aceita sequer o princípio da reconstituirão u da transferência das vinhas?
O Orador: - Eu tenho muito receio dessas transferências no domínio da viticultura, pois elas redundaram numa forma de passar a vinha de um local onde o produto não via de uma qualidade apreciável para outro local onde ela é superior. Mas a forma como foi feita deu um acréscimo de produção, o que nós não devemos querer, mas sim melhorar a qualidade. Não vejo qualquer vantagem em autorizar mais transferências.
O Sr. Carlos Borges: - Mas a reconstituição não é uma transferência. Uma vinha velha arrancada e que se torna a plantar não é uma transferência.
O Orador: - Mas eu não estava a referir-me à reconstituição, mas às transferências. Uma reconstituição é uma retancha ampliada.
Tomemos, entretanto, outras medidas criadoras, mas bem pensadas, que venham corrigir erros passados e assim dar melhores condições de existência à nossa viticultura. E, quanto a essas directrizes, enunciemos, apenas, os principais capítulos em que as devemos incluir.
Em primeiro lugar uma referência ao do vinho, que ocupa, desde há muito, a posição dominante na escala de valores da nossa economia - o do Douro se na designação quisermos mencionar a região que o produz, ou o do Porto, se desejarmos referir a cidade que lho deu o renome mundial. E por sinal, por ser do Porto, tem dado, infelizmente, razões, embora fracas, para justificar toda a gama de fraudes dos vários portos dos vários continentes.
Mas continuemos. Para este néctar não poderá deixar de se aconselhar uma política, dentro da futura corporação do vinho, de defesa extrema da qualidade - da qualidade deste verdadeiro príncipe da qualidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E, para tal, nada falta hoje para definir com rigor as fronteiras desta verdadeira magia enológica.
Talvez se encontrem, de facto, até na própria vegetação espontânea dos mortórios, testemunhas, que sejam guias esclarecidos, para a colocação definitiva dos marcos. E é possível que não se afaste muito do que já foi definido na época pombalina. Depois, há que perguntar à rotina:
Qual a aguardente que com ele convém casar - a do virgem ou a colhida em terra mais fértil, em clima de igual ardência, embora de outras paragens? E não esquecer, para orientar destinos futuros, que, ainda há pouco, mestre sul-africano, escolhendo castas, procurando solos igualmente xistosos e topografia semelhantemente infernal, apenas conseguiu, num vale da Sul-África, e em clima da mesma têmpera, uma baixa zurrapa.
O que faltava: Apenas tudo o que Faz parte, desde o meio à levedura, deste complexo fabrico a que chamei, pelo mundo do desconhecido, indefinível magia.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Procedendo assim cá na terra, há depois que valorizar, no merendo externo, este iniciar. Nus mercados externos tradicionais, mantendo o que o gosto fixou como única verdade, e apenas será de solicitar que se beba bastante mais, como contrapartida do que lá se cumpra, que é ainda muito mais do que para lá se vende.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E para tal será necessária baixa substancial de direitos ou qualquer outro artifício para conseguir o desejado fim.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E não esqueçamos também que é dos órgãos corporativos do Douro que deverão sair os cérebros para tão difíceis negociações. De resto, é esta a política que julgo de harmonia com a individualidade que, em dia que julgamos próximo, deverá ter a desejada corporação do vinho.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
(.) Orador: - Mas ainda mais: é necessário pesquisar novos e grandes mercados para o vinho do Porto. Então é de ver onde se acumula hoje o dinheiro e procurar saber, lá, como querem e o que querem beber, já que é muito moroso e caro ensinar a beber, pelo nosso paladar, quem está habituado a outros sabores.
Mas mesmo assim será, decerto, possível conciliar o que lá desejam com o que não faz mal que se produza, sem ofender, é claro, a dignidade da estirpe. Talvez então se caminhe, pelo menos pura esses mercados, no sentido de dar ao virgem um benefício tendendo mais para o seco.
Assim se evitará muita queima em pura perda. Serão ainda os técnicos durienses da produção, do fabrico e do comércio que deverão dizer, contudo, a última palavra.
Continuemos, porém, na nossa caminhada e sigamos agora para o Sul. Mas não deixemos de dizer algo quanto ao precioso verde. Em primeiro lugar, que se evite abastar o gosto do Minhoto com vinhos que não foram tradicionalmente de seu hábito beber.
Vozes: - Muito bem!
1) Orador: - Porque também será difícil levar o Sul - não talo do bebedor apurado - a consumir esses verdadeiros verdascos de parreiras e uveiras do Noroeste. Isto é, embora noutro sector, a mesma andança da inconveniente substituição da broa pelo pão alvo.
Não se deixe também de manter no Minho essas castas tradicionais que deram vinhos tão apreciados nos mercados de além-Atlântico. E para fabricar melhores qualidades vendáveis, siga-se a corrente corporativa, que já está hoje tão em uso nessas paragens nortenhas, embora em outros domínios.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas continuemos a nossa viagem para o Sul, pelas Beiras, até à península estremenha: teremos aí que aproveitar o que as montanhas graníticas, xistosas ou calcárias dão de mais nobre, definindo regiões
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(...) e sub-regiões e delimitando-as cuidadosamente, como base para futuras marcas comerciais de origem, correspondentes a valiosas massas vínicas; e, depois cooperativizar granjeios e fabricos, para se obter vinho mais barato e mais uniforme nas boas qualidades. E não se pretenda fabricar vinhos regionais, incaracterísticos e que nada digam, isto é, que não sejam espelho de situações tão diversas, como diversa é a terra dessas Beiras e da península estremenha.
E já hoje há marcas, definindo qualidades, que podem constituir bom princípio. Há, por isso, apenas, que continuar. E quando for preciso aumentar volumes de exportação, então, sim, acresçam-se as plantações, nos meios e com as castas mais convenientes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quanto às baixas de todas as bacias hidrográficas, do Mondego ao Tejo, há que encarar com coragem, mas a prazo mais ou menos longo, n sua transformação em verdadeiras fábricas de qualquer coisa valiosa que se possa exportar. E para tal, desde que se saiba reduzir custos de produção, haverá possibilidades grandes, desde os mostos para sumos vitaminados aos vinhos para mercados de largo consumo, licorosos ou comuns, à uva de mesa, mas própria para mesa, para comer em fresco ou passada. E não se esqueça a interessante possibilidade da reconquista de lugar proeminente no mercado americano dos brandes. E para tal chamem-se de França os técnicos desta produção, os que sejam mais competentes. E o fabrico da garrafa terá também de ser revisto, cuidadosamente, quanto a custos e qualidades.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E isto quanto aos destinos externo e interno dos nossos vinhos. Separem-se, porém, para não perturbar, nos anos de produções elevadas, nos mercados internos, os, vinhos das várzeas da outra multidão oriunda de encostas, onde o barateamento de custos e assaz difícil de conseguir. Isto julgo ser medida a seguir. E esta separação será fácil quando o movimento de cooperativização estiver adiantado.
Assim se harmonizará melhor interesses tão [...]. E repito, de novo, a organização corporativa, desde que a tempo se preveja o despertar das crises cíclicas, o que não será difícil, deverá também estar habilitada a intervir no mercado no momento oportuno, por forma que se .salvem também os pequenos. Os grandes e o comércio têm nutra capacidade de resistência que permite mais demora no pensar.
Sr. Presidente: finalmente, quanto ao mercado ultramarino, hoje em notória ascensão, ele não deverá ser perdido à nascença por ilidiria nossa. Aí podemos, de facto, ensinar a beber o indígena e não o levar a gostos que lhe prejudiquem a saúde e que lhe perturbem o trabalho.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Exportem-se para lá os nossos melhores vinhos, para os trópicos, na nossa bela frota, pelo processo mais económico de transporte, centra lixando no destino convenientemente os acondicionamentos para a venda por grosso e a retalho. E quanto ao resto é só deixar desenvolver o espírito criador da nossa raça. E a respeito dessa virtude, no que ela representa de criador nos domínios da enologia, está bem exemplificado nesse precioso Madeira, que foi gerado para e pelas navegações. Apenas, por isso, mais um voto: que os actuais dessa pérola atlântica não deixem de reler o precioso livro da sua própria rotina. Ele evitará, estou disso certo, tentadores mas perigosos caminhos.
E para que dizer mais, neste momento e nesta Assembleia política, se a febre da crise já está a passar?
Por isso, tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Daniel Barbosa: - Sr. Presidente: entendi de meu dever, como Deputado pelo Porto, não deixar de trazer também a minha modesta achega à discussão deste aviso prévio, em tão boa hora anunciado pelo nosso prestigioso colega Ur. Paulo Cancella, de Abreu; vou fazê-lo, sobretudo, como lavrador do Douro, que sente, e vive as enormes preocupações que atormentam esta região tão característica e mergulham na mais profunda ansiedade a esmagadora maioria daqueles que, sem desrespeito, poderíamos dizer que intensamente labutam para conseguir ajudar Deus no maravilhoso milagre de tirar das pedras desse solo tão rude um vinho de qualidade sem igual.
O que pretendo ao fazê-lo?
Envidar todos os esforços para esclarecer a momentosa questão que se ventila para proporcionar aos legisladores, sobre quem impende a grave responsabilidade das resoluções u tomar, todos os elementos de informação, para mostrar, finalmente, a todos os portugueses do Norte e do Sul que o Douro não pretendo locupletar-se à custa do resto do País.
Justifico desta forma a minha pretensão com palavras que, aliás, me não pertencem, visto fazerem parte de uma exposição dirigida em 1915 à Câmara dos Deputados e ao Senado por uma comissão de exportadores dos nossos vinhos do Porto.
Subscrevia-a nomes da maior respeitabilidade na cidade e da maior projecção neste ramo de comércio, tão tradicional e importante do velho burgo nortenho, nomes que ainda hoje perduram, pelo valor das suas casas, pela honradez dos seus processos, pela destacada posição das Mias famílias entre as melhores da sociedade portuense.
De todos sobrevive unicamente António de Oliveira Talem, e eu desejaria, Sr. Presidente, sem quebra de qualquer regra condutora desta Câmara, e ao iniciai-as considerações que vão seguir-se, lembrar aqui o alto apreço em que os Portuenses têm essa prestigiosa classe de comerciantes que só afirma nobremente como de verdadeira elite entre as actividades comerciais do País inteiro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Todos eles, de resto, viveram intensamente o angustioso problema da vitivinicultura Duriense, porque o sentiram como lavradores que eram por velhas tradições familiares que exemplarmente se prolongam em muitos paru quem, hoje em dia, o Douro continua a ser motivo de acrisolada devoção, numa luta, tantas vezes inglória, contra as intempéries ou as crises que o assolam e os homens responsáveis que o esquecem o« não compreendem.
E a lavoura Duriense bem merece do interesse de todos nós, até, porque mais não fosse, por traduzir na sua labuta intensa as mais altas qualidades da gente, da nossa terra.
É preciso, Sr. Presidente, ter percorrido demoradamente o Douro, não em mera digressão turística, em que só as belezas naturais se consideram, mas em períodos de larga permanência, que permitam considerar a sua alma, o seu drama, a sua vida, para sentir aquilo
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que representa, como resignação e persistência, o trabalho tormentoso que a viticultura aí impõe: é à custa de uma fadiga sem par de um dispêndio exaustivo de dinheiro, de uma economia severíssima, que se consegue tirar dessas filas sucessivas de socalcos, dessa escadaria ciclópica com que o homem dominou a abruptividade da montanha, massas, vínicas preciosas que se afirmaram de há muito nos mercados mundiais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Desde a surriba à plantação e à escava, desde a poda à adubação, desde a cava aos inúmeros tratamentos, desde o transporte da água até à redra e à vindima, tudo aí se faz sempre numa luta titânica contra a natureza adversa, que às vexes parece comprazer-se em anular desoladoramente e num instante todo o devotado sacrifício com que o viticultor Duriense defendera hora a hora a sua esperança numa colheita modesta, que ligeiramente o compensasse de quanto o cultivo lhe custou.
É o desavinho os granizo, são as trovoadas violentíssimas e as enxurradas indomáveis, é o míldio, é o ódio, é a maromba, são as secas prolongadas, que põem à prova nessa gente, e de uma maneira cruciante, a resignação cristã com que se volta a uni trabalho tão árduo, sem lenitivo e sem descanso; mais do que em nenhuma outra região, decerto, se poderia relembrar às vexes a terrível maldição do Génese consequente do pecado original:
A terra produzir-te-á espinhos n sarças; é com o suor do teu rosto que comerás o pão.
Mas só assim. Sr. Presidente, é possível conseguir um vinho que vai a mesas reais nos momentos mais solenes e que traduz o único aproveitamento possível de uma região cujo plantio recua, segundo alguns, para além dos primórdios da própria nacionalidade, visto datarem do século XI as suas primeiras cepas, introduzidas pelo conde. D. Henrique, pai do primeiro rei de Portugal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para que cada cacho fosse, como alguém disse um dia uma «apoteose de ouro e de sol» foi necessário sacrificar totalmente, sem o menor desvio, a quantidade à qualidade; e para que o País não sofresse as consequências nocivas que lhe adviriam da ruína de uma cultura a que mais nenhum outro terreno tão particularmente se oferecia, sempre os Governos procuraram, com maior ou menor sucesso, defendê-la da concorrência ou das crises.
Tem especial sabor relembrar nesta Assembleia as palavras com que o Governo apresentou à Câmara dos Deputados, na sessão de 22 de Fevereiro do 1865, a sua proposta de lei n.º 15:
Reconhece o Governo que a indústria vinícola do Douro é uma copiosa fonte de riqueza pública, e que, pela singularidade das suas condições naturais, ocupa, entre todas as indústrias congéneres, um lugar distinto e especial. Os terrenos das íngremes ladeiras do Douro produzem excelentes uvas, mas são impróprios para outras cultivações. A Providência, esterilizando-os para outros frutos, compensou-os com a dotação da produtividade dos mais variados e generosos vinhos do Mundo. Este privilégio natural é que constituía verdadeira riqueza do Douro.
E, Sr. Presidente, hoje reino então se poderia afirmar o que se afirmava nesse proposta de lei:
A lavoura do Douro não nem quer ser egoísta. Pretende, sim, que a questão que tão do perto afecta os seus principais interesses e - não será exagerado se se disser - os da praça comercial do Porto não seja caprichosamente submetida à tutela das concepções abstractas da ciência económica, para que esta única e exclusivamente disponha dos seus destinos.
A história e a estatística devem lambem ser chamadas a concluir do pleito e a interpor a sua autoridade.
O problema, sucedendo-se para o Douro na sua angustiosa história do vinho do Porto, é hoje particularmente grave, mas. muito embora com inconfundíveis características especiais que o distinguem, temos de compreender que perante u Governo pelo menos, integra indiscutivelmente o problema, vitivinícola do País.
Se isto tem de levar o Governo, portanto, a não dever considerar r) caso dos vinhos da região demarcada do Douro como um caso que se impõe resolver inteiramente à parte, o certo é que não chegaria para o levar a esquecer essas tais características que tão particularmente o definem, as determinantes condicionais e circunstâncias da sua economia regional, que por completo interditam uma solução aritmética de conjunto em que um critério simplista de igualdade, procurasse nivelar, artificial e injustamente diferenças que estão na base do nome dos nossos vinhos.
Externamente, muito mais do que manter mercados, turnos hoje de os conquistar entre uma concorrência que dia a dia se reforça em quantidade e em qualidade, visto que - não tenhamos ilusões - sem isso não conseguiremos defender - com bom critério a vinicultura portuguesa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ocupávamos em 1953 o sexto lugar no que respeita às áreas cultivadas pelo Mundo e creio que estaríamos pelo sétimo no que toca à parte da produção.
Entretanto, o aumento da área mundial cultivada só no quadriénio 1950-1953 excedeu os 12 por cento, com um aumento de produção correspondente a quase o dobro da nossa produção total, sem que se possa, ou deva, inferir daí um aumento paralelo no consumo per capitas de vinho; temos assim de suportar para já um aumento concorrência de vinhos de indiscutível qualidade como são muitos vinhos da França, da Itália, da Espanha e da Argélia, por exemplo, que se estão afirmando em todo o Mundo
E não esqueçamos que países como a Roménia, a Hungria, a Jugoslávia, a Grécia, etc., estão hoje com áreas de plantio quase tocar a nossa; e poderíamos lembrar também o fomento vitivinícola em que a Rússia se lançou com vista a uma produção que se não prevê, mas que poderá vir a constituir mais tarde um problema a juntar a muitos que se nos deparam já, pelo menos, nos mercados europeus.
A qualidade defendida por uma propaganda conhecedora, inteligente e activa, é cada vez mais condição sinc qua non para a defesa das nossas posições; nunca o legislador o poderia esquecer ao conceder facilidades de alargamento e intensificação de plantio visto que a consideração das qualidades relativas das diferentes massas vínicas, e a necessidade, sobretudo, de defender vinhos típicos, desde há muito acreditados, que estão na base de regiões vinhateiras devidamente demarcadas.
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não poderiam deixar de ser determinantes duma política vitivinícola nacional.
O vinho, no valor principal das suas características organolépticas, não se coaduna com uma estandardização despersonalizada que o leve a considerar somente como um produto de fermentação, um composto químico de determinada composição organomolecular, em que a fórmula C2 H3 (OH), por exemplo, fosse suficiente para lhe puder conferir interesse de qualidade; está longe, para a conquista e manutenção de mercados, de se poder objectivar industrialmente por características laboratoriais correntes: subjective-se, no que toca à preferência que lhe dêem por razões que se estribam opulência da sua cor, na exuberância do seu cheiro, na riqueza do seu corpo, ira delicadeza requintada do sen paladar característico. Em todas aquelas características, portanto, que se não substituem nem se imitam e que plenamente se enquadram no inteligente aforismo que Brillat-Savaria não descurou de citar na sua Fisiologia do Gosto: «La gourmandise est un acte de notre jugement par lequel nous accordons la préférence aux choses qui sont agréables au goût sur celles Qui n'ont pas cette qualité».
É certo que o preço é frequentemente característica dominante no efectivar das transacções, mas não se pode separar da condição da qualidade, que resolve da escolha dentro de ordens de grandeza semelhante, ou que mesmo a impõe dentro de preços diferentes quando exactamente ti alta qualidade confere - como é o caso, muitas vezes - às curvas características de procura condições de particular rigidez.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Recordo que há uns doze ou catorze anos atrás, quando um dos mais célebres nomes da química macromolecular alemã nos visitava e chamava a nossa atenção, durante um almoço, para o seu papel de pioneiros da nova indústria da síntese, que permitia à Alemanha romper, pela ciência e pela vontade dos seus homens, as grilhetas apertadas que o Tratado de Versalhes impusera, um dos mais brilhantes espíritos do professorado português de então - o engenheiro Ezequiel de Campos - brindou ao nosso ilustre visitante com um «vinho de novidade» -o
Vintage dos Ingleses -, o qual se deveria considerar, segundo ele, como prova pioneira da síntese realizável mais trabalhosa e mais fecunda, síntese dos mais variados elementos que o homem e a natureza forneciam, numa conjugarão perfeita, e em que bastava a ligeira alteração dum deles para que o valor do produto se perdesse.
Era da conjugação, realmente, dum solo próprio e alcantilado, dum microclima deveras particular, de castas rigorosamente escolhidas, e amorosamente tratadas, de exposições especiais, do trabalho devotado e persistente do lavrador Duriense, a quem alguém já chamou o proletário mais sóbrio e paciente do Mundo, que era possível beber-se mais farde um vinho como aquele, para si qual não seria descabida a legenda que tão solenemente adorna um dos [...] de Bordéus: Regum mensis, arisque Deorum.
Nada disto, porém, nega, como se torna evidente, o lugar que si cada região caiba numa escala judiciosa de valores; o que deve é impedir que à custa dum excesso de quantidade que erradamente se crie, se é que se não criou já, venha a contribuir-se para a ruína daquelas melhores qualidades que se devem considerar indispensáveis para acreditar e manter o mercado português.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não se poderia deduzir daqui, portanto - e nunca é domais repeti-lo -, que o Douro pretendesse, para viver, atropelar condenavelmente indiscutíveis direitos que caibam legitimamente a quaisquer outras regiões; o que ele exige, ao abrigo dos melhores princípios de equidade e de justiça, é que os outros lhos respeitem, e não vão à custa dele criar problemas sérios que, lhe acarretando prejuízos, prejudicam gravemente o próprio País também.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Está o Douro, de resto, particularmente à vontade para falar nesta triste questão do plantio da vinha, já a VV. Ex.ªs bem claramente exposta pelo ilustre Deputado que anunciou e iniciou este momentoso aviso prévio; de facto, e segundo registo cadastral da maior confiança, como é o da Casa do Douro, a cujos serviços presto, aqui, a homenagem que merecem, entre 1943 e 1953 o número de cepas desta região demarcada produtora de vinhos generosos passou de cerca de 128.6 milhões para quase 141 milhões: seja um aumento médio anual que se mede por 1 550 000 cepas, a representar uma percentagem média anual também de cerca de l.2 por cento, percentagem que não ultrapassou praticamente 1.3 por cento a partir de 1951 - convirá lembrá-lo-, correspondente A um aumento médio anual que oscila, desde então, por l 800 000 pés de vide.
A face destes números, ninguém poderia pretender que o Douro se excedeu no plantio, quando, pelo contrário até, é fácil de demonstrar, com base neles, que o Douro nem sequer tem plantado o mínimo que se tornava indispensável para manter, como se impunha, o volume de revestimento vitícola que nessa região se encontrava há uns dez anos atrás. E nisto a sua posição difere, total e simplesmente, da posição que se verifica em muitas outras regiões; dê-se a César, portanto, o que é de César, para se determinarem, na verdade, as causas dos nossos males.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - De facto, nos números que atrás referi não se devem encontrar abatidas, na sua totalidade, muitas cepas que entretanto morreram, do que resulta, que os números apresentados só poderiam considerar ainda por excesso.
Mas mesmo que assim não fosse, mesmo que os números referidos rigorosamente traduzissem o estado actual, real. do revestimento, bastaria lembrar que, admitindo já a duração média para a vide de vinte e cinco a trinta anos, sem pensar, portanto, nas quebras provenientes de secas e de enxurradas, precisaríamos de contar com um replantio anual da ordem dos 4 a 5 milhões de cepas, para se não descer abaixo dos valores inicialmente cadastrados, pela Casa do Douro, em 1940.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - É esta, Sr. Presidente, a dura realidade: uma região que pela força das circunstâncias que nos não cabe remover, é exclusivamente vitícola e onde haveria que preparar, portanto, um revestimento a tempo para suprir as quebras que ano a ano havemos de suportar. De resto, quem quisesse analisar objectivamente o problema do Douro iria encontrar na antiga e tradicional região demarcada, que só vinho pode produzir - e só vinho sempre produziu -, áreas vastas que a filoxera destruiu há cerca de oitenta anos e estão por replantar ainda: são os chamados «mortórios», onde se poderiam produzir vinhos da mais alta qualidade e que hoje apenas nos mostram, entre urzes e estevas, ruínas envelhecidas de prédios, de armazéns e de lagares.
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(...) de poucos anos, quando as cepas recentemente plantadas pelo País inteiro acabarem por atingir o seu pleno desenvolvimento. Há que actuar, portanto, agora, em segurança e bom critério; poderíamos quase dizer, como o Ministro do Reino António Bernardo da Gosta Cabral numa sessão da Câmara dos Deputados realizada há quase cento e quinze unos, quando tratava da crise vinícola do País, destacando as especiais condições de sofrimento e de gravame que para a região do Douro advinham:
«Cumpre que os poderes legislativo e executivo empreguem todos os seus esforços para se adoptarem prontas e bem calculadas medidas e providências que obstem à total ruína do mais valioso produto do solo português» - estávamos em Janeiro de 1843- se possam restaurá-lo do abatimento em que permanece» - e, agora, já poderíamos estar em 1955.
É de esperar, naturalmente, que, ao reverem-se as autorizações de plantio em atenção ao que as diversas regiões possuiu legitimamente desejar, o legislador se não possa deixar de encontrar perante um conflito de interesses que ele não poderá deixar subjectivar, porém, mas deverá avaliar dentro do estreito sentido económico que traduz, isto é: dentro dum espírito objectivo de análise capaz de avaliar das posições relativas de direitos que legitimamente se invoquem dentro do interesse nacional.
E se surgir, como muitas vezes surge, a razão invocada para a autorização do plantio da vinha ser um complemento valioso de outras produções agrícolas em regiões de policultura, não se esqueça o legislador que pura o Douro não há que a considerar sob essa forma, visto nela residir a única maneira imediata - e mediata, decerto - de aproveitar as condições que o seu solo oferece para dar, em contrapartida, vinhos generosos dum tipo inconfundível, cuja qualidade constitui para o País preciosa riqueza patrimonial a defender.
O Sr. Melo Machado: - Não esqueça V. Ex.ª que só tem interesse se o vinho for vendido; caso contrário não tem qualquer interesse.
O Orador: - Já lá vou. Eu, como produtor de vinho da região demarcada do Douro, também estou inteiramente de acordo com V. Ex.ª
Não haverá que adoptar, portanto, e impensadamente, ao rever o condicionamento desse tão procurado plantio, qualquer ou quaisquer soluções precipitadas e novas, quanto à localização das vinhas, diferentes das tradicionais, sem que pura tal haja um estudo prévio, fundamentado e seguro e se provem científica e honestamente certas justificações fantasiosas que, às vezes, não resistem a um mínimo de comprovação; não se esqueça, sobretudo e consequentemente, que um dos fitos que se dizia estar na base do Decreto-Lei n.º 38 025, de 23 de Novembro de 1951, era o de contribuir para a melhoria da qualidade dos vinhos.
Se o Governo o esquecesse e não tomasse as medidas que naturalmente se impõem, em continuação de medidas de outro género que, por várias vezes, tem tomado, e sem as quais - honra lhe seja - de há muito que o Douro teria soçobrado, não se poderia salvar, enquanto ainda é tempo, a sacrificada e modestíssima lavoura Duriense; modesta sim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, porque pouco mais tem que o valor, tão comprometido e diminuído, da sua monocultura, distribuída unitariamente por ordens de grandeza que quase precisariam de uma escala gigantesca para poderem ter volume que se visse a par de outras que se encontram no País.
Sem absentismos, sem euforias nem grandezas, irmana-se aí o pequeno proprietário na vida do trabalhador, conseguindo manter nessas terras escarpadas -e por verdadeiro milagre - a decência de uma vida pobre; mas mantém-na à custa da economia mais severa, da perseverança mais notável, numa altiva persistência de sacrifício e de dedicação votiva que tem o seu quê de heróico e tudo de dignidade, no meio de uma miséria rural que não consegue vencer.
Pode dizer-se, até, que para muitos desses proprietários, que tão longe vivem das antecâmaras dos Ministros, as grandes compensações que a sua lavoura oferece não vão muito para além da formatura de um filho; e quando u doença aperta e as crises se sucedem pouco mais haverá por essas quintas do Douro do que o amargo desespero dos que vivem 11 a cruciante aflição de não terem outro conforto senão o da esperança de esperar ...
E, assim; o Douro espera que o Governo não descure, na solução de tão momentoso caso, todos os factores económico-sociais que estão na base da cultura da vinha, sem prejuízo de interesses das regiões tradicionais e, forçadamente, vitícolas; isto é: sem esquecera princípio posto tão claramente no Decreto-Lei n.º 38 525, de que «as regiões vitivinícolas, fruto de um condicionalismo natural e económico e da experiência secular dos povos, são a primeira realidade de que há-de partir-se».
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O Douro espera, portanto, que o Governo actue sem o menor desvio no que toca ao seu justo enquadramento dentro do interesse nacional, o que leva a considerar todo o alcance do princípio defendido naquele mesmo decreto de que «qualquer alteração brusca no regime de condicionamento em vigor» que não tenha em linha de conta o devido equilíbrio do conjunto vitivinícola nacional, «além de perigosa pelas repercussões de carácter económico e social que traria a vastas zonas tradicionalmente vinícolas, poderia afectar a posição do nosso puís no concerto cias nações exportadoras».
E tal como este judicioso princípio constitui o fundamento do regime jurídico e económico do diploma em questão, deve ele ser também o princípio norteador das conclusões deste aviso prévio e, consequentemente, o princípio norteador da acção governativa que, para problema tão transcendente e tão grave, todos nós ansiosamente esperamos no campo da administração e da política.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Posto isto, Sr. Presidente, permitir-me-ei ainda algumas considerações mais, que ajudarão decerto a desfazer a impressão precipitada de que o problema vitivinícola do Douro é um problema, por si, de solução extremamente complicada e que impõe, por isso mesmo, medidas fora do alcance das nossas possibilidades actuais.
Tenho para mim, pelo contrário, que bastaria um pouco mais de atenção governativa para ajudar a desbravar caminhos capazes de se percorrerem com êxito sem demasiado sacrifício para ninguém.
De resto, tem o Governo todo o interesse em o poder fazer, dado que tudo quanto tenda a melhorar a situação do nosso vinho do Porto - problema, por enquanto, número um da região Duriense - não prejudicará - pelo contrário - a economia nacional; e poderá contribuir até mais largamente para a prosperidade dia produção vinícola de outras regiões do País, em face das quantidades de vinho que, através das aguardentes, lhes poderá adquirir.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Parto, de facto, da hipótese de que ao Douro continua excluído o direito de se auto-abastecer em aguardentes para efeito do tratamento dos seus vinhos, muito embora haja, ainda hoje, quem defenda tal princípio, com vista a facilitar o escoamento de umas 20 000 ou 30 000 pipas mais; devo confessar, Sr. Presidente, que me seria extremamente difícil tomar posição em tal debate, dado inclusivamente que - a não ser que o facto de se empregar aguardente da mesma região vinícola beneficiasse especialmente o vinho que, com ela, se tratasse - parece que não poderíamos esquecer que no momento em que precisamente se impõe dominar os mercados estrangeiros à custa de qualidade seria decerto pecaminoso queimar típicos vinhos regionais de alta estirpe, como aliás tão pecaminoso está sendo, já, ver perdê-los em misturas, beberagem de pessoal em Gaia e avinhações.
E depois, se a rigidez da procura para muitos destes vinhos generosos impõe, para aumentar a sua venda, muito mais uma acção vivíssima de propaganda de que uma redução de preço (que não poderia deixar de ser ligeira), o certo é que, se o seu aumento se deveria considerar proibitivo, essa redução pode interessar com vista exactamente ao lucro que o revendedor possa obter e que, portanto, o interesse particularmente na venda.
Ora parece que a aguardente regional tem um preço de custo mais caro do que o daquela que se pode obter na viticultura do Sul, acrescendo ainda que, integrando o problema numa economia de conjunto, poderia discutir-se ainda qualquer solução de autarquia que, sem razões de interesse geral, acarretasse grave dano paru, as outras regiões vitivinícolas do País.
Tudo quanto possa então real e logicamente fazer-se, até para que o consumo das aguardentes do Sul venha a aumentar-se no Douro, sem prejuízo da sua economia regional, beneficiará a economia de todos. Para ser, porém, assim e poder aceitar-se tal princípio sem uma compreensível e justificada reacção, não se mostra admissível que, ao passo que ao comércio e à lavoura do Sul é permitido comprar a aguardente mais barata em mercado livre para fazer vinhos licorosos e brandes diversos, a viticultura do Douro e o comércio exportador dos vinhos do Porto sejam obrigados a comprá-la Sor preço mais alto exclusivamente à Junta Nacional o Vinho, criando-se-lhe, com frequência e consequentemente, um gravame a mais no que toca à concorrência e maiores dificuldades no que respeita ao escoamento dos seus vinhos.
Ou o Governo corajosamente se lança na criação de um organismo nacional do álcool e revê todo o magno problema que a este está ligado, ou então deve conferir-se sem demora ao Douro a plena liberdade de aquisição no mercado interno das aguardentes necessárias ao benefício dos seus vinhos, tais como a outros se permite.
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª tem plena razão na posição que toma, mas não é essa a posição. Temos de ver o problema em conjunto. O que tem importância é o interesse de todos e não o interesse de cada um.
O Orador: - Mas eu não estou em desacordo com V. Ex.ª nesse ponto.
Mas continuando: o vinho do Porto é entre as bebidas de produção nacional a de maior valia para a nossa exportação, a mais generosa e a de características mais inconfundíveis e mais nobres, o que constitui motivo compreensível do seu lugar nus mercados mundiais.
As circunstâncias actuais, porém, trouxeram enormes dificuldades à sua colocação; escusamos relembrá-las perante VV. Ex.ªs, porque são de todos sobejadamente conhecidas, mas podemos deixar aqui uma palavra de merecidíssimo louvor ao esforço desenvolvido, através dos acordos comerciais, para o colocar a todo o transe.
Estamos, ao fim e ao cabo, perante uma crise a mais entre muitas que o Douro tem estoicamente suportado no decorrer de três séculos, visto que a história da sua vinicultura, no que toca à projecção que tem no Mundo, não se faz dentro de um número escasso de anos ou mesmo de gerações; desde as primeiras exportações alfandegariamente registadas sob a designação de vinhos do Porto - e que datam de 1678 - até agora foi sempre entre altos e baixos, entre subidas e declínios, que se deu a colocação dum vinho de tão acreditada marca. Tão acreditada que muitos, à sombra dela, se pretenderam abrigar para obter posições que a sua qualidade não impunha.
Será curioso, decerto, fazermos uma rapidíssima análise sobre a forma como o problema se põe, na realidade, agora, para vermos quais as medidas que lhe dariam solução, na certeza de que esta pode hoje encontrar possibilidades que outrora não existiam, dado que dentro da legislação já promulgada pelo regime vigente estão devidamente lançadas as bases para a protecção da produção e do comércio dos vinhos da região demarcada do Douro, faiando talvez, unicamente, adaptá-las às circunstâncias actuais.
E, de resto, este um caso deveras curioso que afecta tantos sectores do País inteiro: problemas que se apresentam mal solucionados, devido, não à falta de organização ou de legislação, que poderia ajudar a resolvê-los, mas sim a uma incompreensível rigidez que se mantém, a um desvio da própria organização em si, à falta, muitas vezes, de um fecho que permita completar e ajustar parcelas que isoladas pouco valem, quando, devidamente conjugadas, tanto poderiam valer.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tire-se como conclusão desta indiscutível verdade que com isso estamos muitas vezes inclusivamente, a comprometer, sem qualquer vantagem, uma doutrina política que de há muito defendemos, não por culpa da organização em si, que a materializa e representa, mas por culpa de hesitações, de atrasos ou de desvios que lhe tiram grande parte da eficiência e do alcance que deveria oferecer.
Não poderia seguir paru. diante sem neste momento prestar ao nosso ilustre colega engenheiro Sebastião Ramires a justa e grata homenagem que lhe devo como viti e vinicultor Duriense, quando recordo que sem a Casa do Douro, sem o Instituto do Vinho do Porto, cuja acção proficientíssima nunca é de mais encarecer, e sem o Grémio dos Exportadores de Vinho do Porto - que são exclusivamente obra sua - toda a região demarcada do Douro seria hoje um extenso mortório, não por causa da filoxera, que o homem já conseguiu dominar, mas por causa tia ruína económica que. em boa hora, evitou e que nos levaria ao abandono dessas terras tão ingratas que para nada mais dão.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Posto isto, vamos ver o que se passa com as produções e como se distribuem as quantidades que as medem pelos diversos anos.
Concluiremos desde logo que no decorrer das duas últimas décadas a produção global de vinhos generosos da região demarcada do Douro, tal como se define no artigo 3.º do Decreto n.º 7934, de 10 de Dezembro de 1921, se encontra dentro da média geral de 76 milhões de litros.
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De facto, encontramos uma produção média total da ordem de 139 000 pipas no período de 1934-1939 e de 138 000 nos períodos de 1940-1945 e de 1946-1952: nos períodos de antes durante e depois da guerra.
Estou, devo dizê-lo, a considerar propositadamente à parte, como, na realidade, excepcionais que são, as produções dos dois últimos anos, as quais se apagarão decerto na média dos anos que vão seguir-se, como, aliás, também pura trás várias vezes aconteceu com as produções, quase sempre elevadas, dos anos a terminar em 3 ou em 4.
As oscilações dentro daquelas médias são porém, enormes, tocando o mínimo de 52 milhões, de litros em 1952 e o máximo de 1050 milhões 1944 (contra 111 milhões em 1953, números redondos), mas sempre a obterem a compensação dentro duma média que se não altera em períodos relativamente curtos.
Estamos, assim, perante um caso que a organização corporativa está particularmente indicada para poder resolver (apoiados), devendo, porém, tudo ser feito de forma a fugir a artificialismos que acabem por criar pesos [...] ou problemas financeiros graves, que se transformem depois numa espécie de grilheta económica a pear movimentos para o futuro.
Ora, mesmo tomando em linha de conto, o ano anormalíssimo de 1953 não estaríamos fora das 145 000 pipas para a média a contar desde 1046, média ligeiramente inferior, é certo, à obtida considerando os dois a n.º 4 sucessivos de 1&&-1953, a qual, contudo, não chega ainda a atingir as 150 000 pipos.
A média anual da exportação do vinho do Porto - para a qual aceitamos a definição de vinho da região demarcada do Douro, envelhecido e exportado exclusivamente pela barra do Porto - mediu-se pelas 76 000 pipas no período de 1934-1939, pelas 30 000 no de 1940-1940 e pelas 45 000 no de 1940-1953.
Esta última subida registada verificou-se mesmo perante a restrição de certos mercados habituais do vinho do Porto que se encontram ainda, de momento, fora de condições que lhes permitam retomar as suas condições tradicionais: bastaria que a França e a Grã-Bretanha retomassem as suas posições de compra anteriores à guerra para voltarmos, por nossa vez, às posições de outrora, num nível que não andaria longe das 80 000 pipas anuais.
Mas será isso possível? Retarde-mos por um pouco a resposta e vejamos como se apresentam actualmente os volumes e destinos dos vinhos da região Duriense.
Para as 45 000 pipas que, em média, se têm anualmente exportado desde que a guerra acabou, podemos considerar umas 35 000 pipas de mosto; segundo registo da delegação do Porto do Grémio dos Armazenistas de Vinhos, mede-se por cerca de 55 000 pipas o seu consumo verificado na cidade do Porto e arredores; desçamos para 5000 pipas, na previsão da redução que parece aconselhar-se para a área do entreposto de Gaia, quanto ao escoamento anual verificado dentro dele para beberagens, avinhações e consumo dos armazenistas, o que representa uma redução quase para metade do consumo actual; não busquemos, no que toca aos vinhos destinados à queima, o volume que correspondesse às necessidades da aguardentação: limitamo-nos ao vinho na realidade escoado e destilado pela Casa do Douro e ficaremos pelas 29 000 pipas, que é a média verificada. Resta-nos agora o vinho anualmente consumido na própria região demarcada, e para o qual não estaremos muito longe da verdade admitindo uma média da ordem das 25 000 pipas.
Total: 149 00 pipas, ou seja um quantitativo superior, ligeiramente embora, a todas as médias que atrás referi.
Quer isto dizer, portanto, que a média dos consumos não se deixa exceder pela média das produções, havendo, assim, em relação à região demarcada do Douro, não que colocar excedentes que ano a ano se acumulem, mas sim que «acidentalmente» os colocar, na certeza de que não faltarão depois declínios de produção que os equilibrem dentro das médias normalmente verificadas dentro das actuais realidade de consumo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É esta a verdadeira situação, que se impõe conhecer e considerar.
O Sr. Melo Machado: - Como é que V. Ex.ª explica a grande crise em que está o comércio do vinho do Porto, se sai todo o vinho?
O Orador: - E que não sai todo o vinho. Eu estava dizendo qual era o consumo anual, que dá uma média de 140 000 pipas; em valor médio o nível de consumo está acima do nível da produção. Eu não digo que se acumulem os excedentes, mais que o excedente de um ano abundante possa suprir a falta de produção de outro ano.
O Sr. Melo Machado: - Mas isso não tem acontecido. Se efectivamente o consumo fosse paralelo à produção, não era natural a existência de excedentes.
O Orador: - Em relação à própria produção, o que ora preciso era que os organismos estivessem financeiramente apetrechados e com capacidade de armazenagem para que pudessem guardar as reservas para suprir as faltas; mas como os organismos não estão nessas condições, acontece que quando há dois anos seguidos de crise não há excedentes que possam suprir essa mesma crise.
Enquanto se trata, portanto, dum escoamento forçado, o problema deve ser resolvido dentro dum conceito equilibrado ide conjunto, que, saindo por fora das possibilidades limitadas da Casa do Douro, atenda, não unicamente às quantidades totais a escoar no Pais, em relação às quais se poderá investir determinado montante de dinheiro, mas sim a uma distribuição judiciosamente feita que atenda, como ó devido, aos custos da produção; quer dizer que se impõe rever, e modificar, os critérios de valorização dos vinhos escoados pelos organismos intervenientes aquando da sua acção reguladora do mercado, condicionando-os, de acordo com o superior interesse do País, até condições de produção local.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, todos sabem, julgo eu, que o custo da produção vinícola da região Duriense se apresenta francamente elevado em relação aos preços considerados correntes, ou em circunstâncias normais, para os seus vinhos quando a consumir como de pasto; e não há que fugir desta dolorosa verdade; e digo dolorosa porque traduz um estado económico-social desequilibradíssimo, em que nem de longe se enxerga riqueza modesta que seja na grande massa dos viticultores, e só miséria e sofrimento se encontra entre os trabalhadores da região.
Ora têm sido muitas vezes estes vinhos de qualidade de preço mais elevado de custo, como se poderá depreender de publicações oficiais, os que foram também pagos por menos preço no País, a acreditar no Office International du Viu.
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Não julguem VV. Ex.ªs, porém, que ao fazer este ligeiro apontamento me move a menor má vontade ou sentimento de imperdoável inveja contra aqueles que normalmente têm tido muito mais sorte que nós; pelo contrário, só me anima o desejo de tentar esclarecer uma situação que tem andado algo confusa e tentar do mesmo modo contribuir, como puder, para as soluções que se impõem.
O Sr. Rui de Andrade: - O vinho do Porto não se negoceia ano por ano: são precisos oito ou dez anos. Como durante a ultima guerra se vendeu pouco vinho, deve haver uma acumulação que representa dezenas de milhares de coutos. Essa é uma das causas de crise.
O Orador: - Isso foi exactamente o que eu respondi há pouco ao Sr. Deputado Melo Machado.
A única compensação para a vitivinicultura Duriense vem, portanto, dos reduzidos quantitativos de mosto autorizados para benefício, os quais têm automaticamente o seu escoamento garantido através do Grémio dos Exportadores de Vinho do Porto.
Simplesmente o mal vem ano a ano aumentando pelo facto de virem sucessivamente diminuindo as percentagens médias - e, consequentemente, os quantitativos - dos mostos beneficiados: menos de 41 por cento no período de 1934-1939, menos de 28 por cento no de 1940-1945, menos de 21 por cento no de 1946-1902, pouco mais de 113 por cento no ano de 1903; tudo correspondendo a quantitativos que. respectivamente, vão decaindo também pelos valores de 31, 19, 16 e 15 milhões de litros.
Nestas circunstâncias fácil é concluir que cada vez se torna mais preponderante o volume dos vinhos de pasto em relação ao dos mostos beneficiados ou - o que é o mesmo - que a região demarcada do Douro, mercê de circunstâncias que há muito vêm reforçando-se, passou a ser uma região de vinhos virgens, em vez de região produtora de vinhos generosos.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Isto, contudo, sem negar esta evidentíssima verdade: que as suas massas vínicas continuam a ser óptimas massas em potencial para vinhos generosos, que só condições circunstanciais do mercado impedem de beneficiar.
Automaticamente, como a simples exclusão de benefício causa uma imediata desvalorização das massas vinárias no próprio lugar, o Douro sente agravarem-se ano a ano as dificuldades que enfraquecem a sua já precária economia.
Interessa, portanto, procurar escoamento e colocação para os seus vinhos não beneficiados, desviando-os de alguns fins inglórios em que abertamente se perde o valor da sua alta qualidade, como interessa, igualmente, fomentar o consumo, venda e exportação dos vinhos beneficiados; e nenhuma destas aspirações contraria, como se torna evidente, os interesses compreensíveis das regiões vinhateiras do Sul.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - No que toca ao primeiro desiderato, ficamos desde logo com a certeza de que, desta forma, salvamos massas vínicas de primeiríssima ordem, inclusivamente vinhos que tiveram indiscutível primazia, durante larguíssimo tempo, entre os mercados da Europa Setentrional, com especial relevo nos da Escócia e da Inglaterra.
De facto, só há cerca de cento e vinte anos se começou com a aguardentação forte desses vinhos, com vista a suspender a fermentação dos mostos e a obter vinhos mais doces. Sacrificou-se assim, em face de exigências de momento ou devido a uma análise talvez deficiente do gosto do consumidor britânico - no dizer do próprio barão de Forrester -, a feitoria de vinhos secos generosos, de menor graduação, que os magníficos mostos tão ricos do Douro permitiam; e de tal forma se caminhou nesse sentido que em 1921 se fixou, por força da lei, a graduação mínima de 16,5 para que um vinho do Douro pudesse ser considerado generoso, ou seja, o valor mínimo de graduação para qualquer vinho do Porto.
Será de ponderar, portanto, para além de se procurar uma maior expansão para os seus vinhos de mesa, se as circunstâncias actuais, traduzidas no sucesso dos vinhos generosos em concorrência com os nossos em muitos mercados estia ligeiros, não levarão a rever este aspecto da política vinhateira do Douro, tentando-se, de novo - sem prejuízo do interesse que o vinho do Porto continua tendo e nos convém fomentar - a exportação desses vinhos de consumo ligeiramente aguardentados, com uma graduação duns 13 a l5 graus de força alcoólica, e os quais durante largo tempo estiveram na base da exportação dos vinhos da região Duriense.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não podemos teimar em manter situações imutáveis que aos outros desagradem ou lhes não possam convir; é dentro duma política de adaptação às realidades que se imporá rever as graduações fixadas como mínimo para a entrada dos vinhos da região demarcada do Douro nos armazéns do Entreposto de Gaia e para exportação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A par do vinho do Porto, tal como hoje o consideramos, teríamos de considerar lambem, dentro de velhas regras tradicionais, a feitoria de vinhos generosos secos, e cujas .graduações poderiam oscilar entre os 11.º e os l5.º; desta forma, teríamos dado, talvez, um grande passo para um melhor e mais completo aproveitamento das massas vínicas do Douro, significando como tais as da região demarcada, produtora de vinhos generosos, concreta e claramente definida no artigo S.º do Decreto n.º 7934, de 10 de Dezembro de 11921.
Haja a coragem de dizer que a esta demarcação, com vista ao exclusivo do uso da designação geográfica de origem «Douro», temos de regressar e, dentro dela, fazer unia judiciosa revisão para o estabelecimento dum equilibrado condicionamento do plantio; impõe-se, consequentemente, fazer desaparecer a confusão que a Lei de 18 de Setembro de 1908 estabeleceu pelo facto de considerar duas regiões vinhateiras a coberto desse nome: a dos vinhos generosos do Douro, sensivelmente igual à que ainda hoje vigora e se encontra sob a jurisdição da Casa do Douro, e a dos vinhos de pasto do Douro ou vinhos virgens, que, nada tendo que ver com aquela, se encontra sob a alçada da Junta Nacional do Vinho, a cujo trabalho devotadíssimo ao interesse nacional quero prestar aqui a homenagem a que tem jus.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - De facto, por melhor boa vontade que houvesse, não se apresenta esta região como aquela com características capazes para se fundamentar a confusão; muito embora com óptimos vinhos de pasto, cuja qualidade ninguém nega, não os apresenta com as se-
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(...) semelhanças indispensáveis para definir um «tipo» e, consequentemente, justificar a demarcação sob uma designação geográfica a traduzir pura e simplesmente unia origem.
Por isso mesmo se impõe, quanto a mim, revogar n artigo 4.º do Decreto n.º 7934, de III de Dezembro de 1921, sem se pretender com isso - nunca é demais repeti-lo - diminuir o valor e o interesse da economia local da chamada «região dos vinhos virgens do Douro», nem, muito menos, menosprezar a qualidade dos seus vinhos leves, brancos e palhetes, mas sim única e exclusivamente impedir A confusão da marca regional e, consequentemente, a entrada desses vinhos no Entreposto de Gaia e, principalmente, na própria região demarcada dos vinhos ditos generosos.
Não podemos esquecer, Sr. Presidente, que o problema das marcas regionais, como marcas de origem, condiciona toda a política europeia de vinhos e que, por isso mesmo, cabe ao Estado defendê-las como verdadeiro património nacional, na certeza de que se quisermos uma política a largo prazo - a única que, para o caso, tem interesse - temos de defender, não marcas comerciais - individuais, portanto -, cuja defesa é atributo do próprio comércio em si, mas as fontes típicas da produção, ou sejam as designações de origem colectivas, que só terão valor internacional se corresponderem a tipos vínicos de características organolépticas definidas e constantes, as quais claramente correspondem a demarcações geográficas.
Temos de fugir, aberta e corajosamente, aos artificialismos condenáveis se quisermos vencer neste combate que se trava, não em prol desta ou daquela região, mas em prol da economia nacional; a defesa da marca comercial, repito, é um caso particular da organização de cada um mas a defesa da marca regional é já atributo do Estado, das organizações responsáveis, da política dos governos.
0 Sr. Melo Machado: - Eu sempre tive este pensamento: não abona muito a nossa qualidade de comerciantes estarmos sempre em crise vinícola, quando temos duas grandes marcas de vinhos de reputação mundial, que são o Douro e a Madeira.
O Orador: - Temos de rever este problema, não há dúvida nenhuma.
E eu quero até contar um caso que se passou comigo, na Alemanha, há poucos anos: tendo eu convidado um colega meu. engenheiro alemão, para tomar um cálice de porto, ele respondeu-me que preferia um Sandeman.
Risos.
Isto significa que se fez acreditar uma marca que de maneira nenhuma indicava a origem.
No que respeita à exportação do vinho do Porto propriamente dito, e que continua a ser uma riqueza apreciabilíssima para o País, há que fomentá-la até onde for possível, quer por medidas internas, quer por actuação no exterior.
Pondo já de lado todo o esforço, que reputo notabilíssimo, sem favor, que o Governo vem efectuando no desejo de remover dificuldades exteriores que tão fortemente entravam a sua exportação, e que encontra nos tratados de comércio -como já disse atrás- a expressão indiscutível do valor desse cuidado, o certo é que interessa orientar melhor toda a acção de propaganda indispensável, que se tem mostrado, até agora, tão modesta e quase sempre ineficiente.
Dela há-de vir a depender, de facto, um maior interesse na procura desses vinhos, mas não será com as importâncias que até agora lhe eram destinadas, através do Fundo de Fomento de Exportação, por exemplo, nem tão-pouco com a forma quase teórica que muitas vezes lhe tem sido dada, que poderemos esperar um resultado sensível, quer 110 tempo, quer no espaço.
Folgo, portanto, com toda a melhoria que parece se está operando neste campo, mas insisto no critério que já aqui defendi em varas intervenções a ilustres oradores que me antecederam: uma propaganda deste género implica um conhecimento perfeito, quer da questão, quer do meio em que cia se deverá desenvolver; isso mesmo o senti várias vezes em diversos países quando punha a par a recatada timidez e provinciana ingenuidade com que, em certos casos, essa propaganda se fazia e a perfeita consciência do ambiente e o arrojo dos processos com que os vinhos de outras procedências iam abertamente conquistando lugares que poderiam ser nossos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Tenho para mim, portanto, que são poderíamos excluir dessa acção de propaganda as entidades interessadas e os serviços competentes, a fim du se tirar todo o proveito duma tarefa imprescindível, mas que é muito cara também; por isso mesmo a temos de organizar devidamente, sem fantasias condenáveis, antes a apoiando confiadamente nos organismos competentes, visto ela ser incompatível, pelas características tão especiais que a condicionam, com centralizações rígidas, sempre burocratizadas e quase sempre também, dispendiosas e inoperantes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E fugindo a referir o que se impõe fazer, no que toca ao próprio mercado interno, da metrópole e do ultramar, quanto ao comércio de vinhos, desde a revisão dos preços dos vinhos engarrafados em hotéis e restaurantes até à demasiada concorrência que outras bebidas lhe oferecem, diria umas palavras mais em relação ao comércio exportador.
Creio firmemente que os problemas da região Duriense se não resolvem, decerto, sobrecarregando o custo dos vinhos do Porto, nem muito menos criando dificuldades à vida e à actividade desse comércio nortenho, o qual nem de longe consegue encontrar ainda a liberdade de acção tão preciosamente defendida pelos exportadores do Sul.
Há uma necessidade evidente de o Governo conjugar, urgente e inteligentemente, todo o esforço de dois sectores interessados - produção e exportação -, mas há necessidade sobretudo de que o comércio exportador, por si próprio - ou por imposição governativa, se tal se tornar preciso-, fuja às consequências nocivas duma concorrência desregrada e, consequentemente, à prática tão condenável do aviltamento de preços, que só pode prejudicar gravemente, pelas perturbações que causa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para além, portanto, duma revisão das relações entre o Grémio dos Exportadores de Vinho do Porto e os organismos que intervêm nesta questão, para além da própria revisão do delicado problema dos stocks e das formalidades internas que eventualmente lhe possam dificultar a exportação, para além mesmo dum exame do condicionamento que respeita à aquisição de mostos para benefício dentro da região demarcada pelo comércio exportador, que há muito vem solicitando - e que se impõe considerar com a maior ponderação e particular cautela -, há que travar firmemente, doa isso a quem doer, a extrema desorientação que vem notando-se no que toca à forma como muitos procuram participar no volume efectivo da exportação, desorien-
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tacão tão acentuada, tão grande, que grave e irremediavelmente está comprometendo unidos principais objectivos da própria organização em si.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para remover, portanto, os inconvenientes tão sensíveis de critérios egoístas, e individualistas, de alguns exportadores que são inteiramente contrários ao espírito corporativo que está na base, e é essência, duma organização que muitos outros procuram defender a todo o transe - visto sentirem que só dentro dela o problema se poderá solucionar - , a colocação e consumo do vinho do Porto no estrangeiro impõem internamente o estabelecimento de medidas de saneamento económico, sem as quais muito se poderá perder.
Só depois poderá haver o mínimo de tranquilidade indispensável para se poderem firmar preços justos do produto; doutra forma, uma concorrência desregrada implicará, desde logo, retraimentos nas compras, visto que nunca se sabe que preço vai ser preciso oferecer para que a venda se efectue.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Creio, Sr. Presidente, ter mostrado através desta larguíssima e fastidiosa exposição (não apoiados) com que usei e abusei da paciência de todos VV. Ex.ªs - mas à qual, apesar de tudo muito haveria que acrescentar ainda - que o problema dos vinhos da região demarcada do Douro é, nas suas características tão execrais, um problema «próprio, sem as responsabilidade», porém, que às vezes lhe procuram assacar na grave crise que estamos atravessando; e creio que dentro duma judiciosa política de defesa de qualidade - a única que ao País interessa - as soluções que o seu problema impõe não u tropel a m ninguém.
Mais ainda: que há que muitas vezes tratar delas separadamente das soluções gerais, visto com frequência dependerem de> ajustamentos, de complementos à legislação vigente, da adaptação da organização que o comanda às actuais circunstâncias.
Por outro lado, porém, mesmo nas suas soluções próprias, os problemas da região demarcada do Douro integram o problema vitivinícola português e, desta forma, não podem viver também em compartimentos estanques, por não poderem fugir a qualquer sacrifício que o interesse nacional imponha, exactamente para que essa região vinhateira tenha o direito de exigir, em benefício próprio, o sã orifício dos outros, sempre que o interesse nacional o justifique de verdade.
Há, sobretudo, que não deixar subjectivar as questões e fugir a querer resolver problemas através de lutas sem sentido entre as diversas regiões vitivinícolas do País.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O que há é que ponderar direitos e analisar criteriosamente razões dentro de uma política que unicamente se oriente pelos mais altos interesses nacionais.
Impõe-se, portanto, definir de uma vez para sempre o movimento corporativo da produção, estabelecendo as suas directrizes gerais, concretizando as condições do seu fomento, sem nos preocuparmos com influências de qualquer espécie, antes dando posição de merecido destaque a todas as nonas ou regiões produtoras que o mereçam e considerando, como é óbvio, devida e criteriosamente, todas as outras actividades ligadas ao vinho.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por isso mesmo, creio que à lavoura Duriense e ao comércio dos vinhos da sua região demarcada não repugnaria a criação da corporação do vinho, como meio, exactamente, de materializar essa política, ou até de uma secção que, porventura, integrasse a corporação da agricultura; mas sempre sob a restrição compreensível de que os organismos que, por força de lei, se devessem integrar nela nunca pudessem ser pela corporação absorvidos.
Quer dizer: de fornia que em perfeita concordância, aliás, com a legislação vigente, se dê à corporação a maior força possível no que toca às suas funções de representação e de informação, ficando, porém, sempre para o Estado as delicadíssimas funções executiva e de arbitragem, sem prejuízo de se deixar aos organismos competentes a disciplina das actividades a elas sujeitas e, particularmente, a fiscalização dessas mesmas actividades.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E já agora. Sr. Presidente. que entrei, para terminar, no campo sempre delicado daquilo «que poderia ser», seja-me lícito fazer umas considerações ligeiríssimas, as quais, mirto embora ousadas, não deixam de se apresentar pertinentes.
Mas não se veja nelas, Sr. Presidente, a parte desagradável de críticas que não contêm, tanto mais que, a contê-las, eu teria de ser um dos primeiros atingidos, mercê de funções governativas que, por mero acaso ocidental da vida. exorei aqui há uns anos atrás.
Os problemas da lavoura, num país que se considera essencialmente agrícola têm de ter, só por si, uma importância especial, dado que todas as questões económico-sociais que lhes são [...] têm uma projecção indiscutível dentro da vida. da riqueza e do equilíbrio nacionais.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Quem sabe, mesmo, se eles não deveriam ter uma função altíssima de formação social e política, dado que nestes dias turbulentos em (pie gastamos a vida tão depressa, e tido tão rapidamente só quer, afinal, fazer, ó salutar de voz em quando atender aos problemas da terra, à magnífica lição dos que nela labutam, para se encontra, um exemplo da calma, da resignação e persistência de que todos, nestes tempos, andamos tão carecidos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Acresce que toda a industrialização em que o País se lance não pode diminuir - pelo contrário - a importância da nossa agricultura, visto que esta há-de encontrar exactamente nessa - industrialização indiscutíveis vantagens para se reforçar o progredir.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mantenho, por mini, firmemente, a certeza daquilo que afirmei, nesta Câmara, ao discutir o Plano de Fomento: que «caminhamos francamente, não para uma economia agrária ou para uma economia industrial, mas sim para aquela economia em que da agricultura e da indústria que há-de tirar todo o proveito que se possa traduzir numa maior riqueza para os portugueses em geral».
Por outro lado, e dentro duma importância que ninguém pode negar-lhe, os seus problemas avolumam-se mercê de circunstâncias internas a que necessitamos
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atender e de circunstâncias externas que precisamos debelar; impõe-se, assim, uma coordenação perfeita dentro do próprio Poder Central, onde a cada actividade seja conferida a posição de hierarquia política - se se permite a expressão - que a sua importância justifique.
Parece-me, portanto, pouco defensável, em face das razões que atrás expus de forma tão sucinta, mas que VV. Ex.ªs imediatamente reforçam por conhecimentos que possuem, que se não tenha feito renascer ainda o Ministério da Agricultura.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não para promover euforias de preços na lavoura, burocratizar ainda mais determinados serviços ou criar condições de especial preponderância ou alforria à economia desta ou daquela região, mas sim para tratar judiciosamente, dentro da própria importância que a posição ministerial confere, os problemas cada vez mais graves da primeira fonte da riqueza nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Creio que numa melhor estruturação do Governo melhor se desenvolveria n acção, por natureza tão vasta, do actual Ministério da Economia, tão pletórico de funções, por um lado. e tão carecido de importância em muitos dos seus sectores, por outro; mais lucraríamos, decerto, substituindo-a pela acção de um Ministério da Agricultura, de um Ministério do Fomento, de um eventual Ministério do Comércio, os quais, a par do Ministério das Finanças e, em certas circunstâncias, até do próprio Ministério do Ultramar, constituiriam o corpo ministerial que coordenaria toda a sua complexa actividade sob a égide indispensável de um Ministro da Coordenação Económica.
E esta solução, que me parece tão útil sob o ponto de vista administrativo, traria indiscutíveis vantagens sob o ponto de vista político.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Termino. Sr. Presidente, tecendo os maiores louvores ao Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu por ter contribuído, através deste seu momentoso aviso prévio, para que nesta Assembleia fosse debatido um dos mais importantes problemas da economia nacional; e endereço-os também a todos quantos aqui ardorosamente defenderam a justa posição das suas terras, num emocionante reflexo de uma das mais altas qualidades da boa gente que vive da lavoura: coragem, teimosia, persistência.
Por ela ter, é certo, os seus inconvenientes, mas lá estará o Governo para os atenuar ou superar; por isso mesmo faço votos para que ela nunca se perca entre nós no convencimento do alcance da profecia da vidente de Lagerlof: «Enquanto houver lavradores teimosos como tu, está salva a honra da Pátria».
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A próxima será amanhã, com a mesma ordem do dia da de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Tito Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agnelo Orneias do Rego.
Antão Santos da Cunha.
António Júdice Bustorff da Silva.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Pereira Jardim.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Teófilo Duarte.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA