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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 83

ANO DE 1955 12 DE FEVEREIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VI LEGISLATURA

SESSÃO N.º 83, EM 11 DE FEVEREIRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.

José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Alberto Pacheco Jorge

SUMÁRIO: - O Sr. Preside declarou aberta a sessão às 15 horas e 50 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 81
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Baptista Felgueiras requereu vários elementos ao Ministério das Finanças acerca de empréstimos a municípios.
O Sr. Deputado Américo Cortêz pinto pediu a supressão do § 2.º do artigo 104.º do Regulamento dos Correios.
O Sr. Deputado Daniel Barbosa insistiu pelo envio de informações que pedira há um mês ao Ministério das Comunicações.

Ordem do dia. - Prosseguiu o debate acerca do aviso prévio do Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu relativo aos problemas vitivinícolas.

O Sr. Presidente : - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 40 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Américo Cortês Pinto.
Antão Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
António dos Santos Carreto.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Baltasar Leite Rebelo de Sousa.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria. Vieira Barbosa.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira. João Ameal.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim de Sousa Machado.

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José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Vaz Monteiro.
Sebastião Garcia Remires.
Urgel Abílio Horta.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 51 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 81.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Em vista de nenhum Sr. Deputado pedir a palavra, considero-o aprovado. Vai ler-se o

Expediente

Telegrama

Do Centro Transmontano, a apoiar as palavras pronunciadas na Assembleia Nacional pelo Sr. Deputado Camilo Mendonça sobre problemas de electrificação daquela região.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para um requerimento, o Sr. Deputado Baptista Felgueiras.

O Sr. Baptista Felgueiras: - Sr. Presidente: pedi a palavra, para enviar para a Mesa os seguintes

Requerimentos

Requeiro que pelo Ministério das Finanças, me sejam fornecidos os seguintes elementos:

a) Nota discriminada das autorizações de empréstimos pedidas pelas câmaras municipais do continente durante os últimos cinco anos, com menção do fim para que, em cada caso, foi solicitada a autorização;
b) Indicação das autorizações concedidas e denegadas e, quanto a estas últimas, também do motivo em que se fundou a recusa;
c) Indicação do critério geral a que tem obedecido a concessão ou denegação dos referidos empréstimos e das razões que tal critério determinou».

«Requeiro que, pelo Ministério competente, me sejam fornecidos os seguintes elementos:

(a) Indicação discriminada dos empréstimos concedidos nos últimos cinco unos pela Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência a quaisquer entidades do continente que não sejam as câmaras municipais;
b) Nota dos empréstimos vencidos durante o mesmo período e que, por qualquer motivo, não tenha sido possível reaver totalmente, com indicação das importâncias não recuperadas».

O Sr. Cortês Pinto: -Sr. Presidente: pedi a V. Ex.ª que me concedesse o uso da palavra para chamar intenção da Assembleia e expor à consideração de S. Ex.ª o Ministro das Comunicações um facto cuja importância torna dispensáveis, por óbvias, longas considerações.
Por motivo de utilidade pública, julgo de solicitar a revogação do § 2.º do artigo. 104.º do Regulamento dos Correios, segundo o qual se permite atrasar a correspondência de taxa reduzido, em benefício da correspondência restante.
Não foi certamente prevista, na elaboração deste parágrafo, a repercussão que dele se reflectiria sobre a actividade da imprensa e particularmente, no que respeita à publicação de revistas.
Quem estiver ao facto do que representa a edição duma revista, principalmente duma revista de cultura, avalia no seu justo valor a soma de trabalho físico e intelectual, a fadiga das inquietações e os sobressaltos de espírito necessários para organizar cada número, obter o original conveniente dentro duma colaboração necessariamente mais restrita de determinar n composição e a distribuição gráfica dos artigos, enviar as provas aos autores, proceder as emendas, reenviar as provas emendadas para segunda revisão, cuidar muitas vezes de submeter a ortografia dos autores à reforma vigente, proceder, enfim, aos numerosos trabalhos, tantas vezes esgotantes, para pôr na rua, com a devida regularidade, o número a sair.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Esta regularidade não constitui pormenor de somenos na acção eleitoral. Ela assegura a seriedade e disciplina do trabalho da direcção, suscita a confiança do «público e dignifica e prestigia a própria revista.
Pois bem! Os originais dactilografados e provas tipográficas beneficiam como se sabe, duma justa redução de taxas postais. Porém, se este privilégio é altamente favorável, do ponto de vista económico, o valor da protecção das correios à imprensa acha-se lamentavelmente comprometida pela ingrata disposição deste parágrafo, que provocando o atraso das provas, perturba gravemente, quando não impossibilita, a impressão a tempo e horas de a revista poder ser distribuída
com a devida regularidade.
A própria distribuição das revistas e jornais já expedidos fica sujeita a demoras, que prejudicam o público, para quem o jornal deve ser o informador diário e oportuno.
Julgo suficientemente justificado o pedido da supressão ou modificação do § 2.º do artigo 104.º do Regulamento dos Correios, de forma a estabelecer que o retardamento da correspondência de taxa reduzida não abranja os jornais ou revistas nem os originais ou provas que lhes sejam destinados.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não é justo, na verdade, que o benefício da redução de taxas tenha como consequência um malefício tão grande como o do atraso de tempo. Também nos comboios há taxas reduzidas, e todas as classes chegam à mesma hora. Que o mesmo suceda com os jornais. Estamos certos de que S. Ex.ª o Mi-

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nistro das Comunicações acederá em determinar as disposições necessárias para obviar aos inconvenientes que derivam da actual redacção do parágrafo a que nos referimos. Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Daniel Barbosa: - Sr. Presidente: faz hoje precisamente um mês que requeri do Governo uma série de informações que reputo indispensáveis para a intervenção que desejo realizar nesta Câmara, ainda, nesta sessão legislativa, acerca do meu distrito.
Já recebi, com uma prontidão que deve ser louvada, aquelas que propriamente se referem ao Ministério das Obras Públicas e particularmente até à Câmara Municipal do Porto.
Permito-me, Sr. Presidente, insistir pelas informações que até hoje me não foram ainda fornecidas, e que respeitam à doca n.º 2 e ao porto de pesca de Leixões, bem como as que respeitam também às tão estranhas deficiências que impedem uma melhor utilização do Aeroporto das Pedras Rubras.
Pedia, portanto, a V. Ex.ª se dignasse diligenciar que, tais informações me sejam dadas com brevidade, por forma a que eu ainda possa tratar de tão importantes assuntos durante o período da actual legislatura.
Tenho dito.

Vozes : - Muito bem !

O Sr. Presidente: - Tomei nota do pedido do V. Ex.ª e vou insistir no sentido de que tais informações sejam fornecidas com rapidez.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se, à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu.
Tem a palavra o Sr. Deputado Camilo Mendonça.

O Sr. Camilo Mendonça: - Sr. Presidente, ouvi, desta tribuna, atribuir a um ilustre colega, o asserto seguinte: «as questões entre nós resultam, na maior parte dos casos, de um pouco de vinho a mais ou de água a menos».
Tomei então a sentença como dizendo respeito no foro individual, às questões entre os indivíduos. Mas, pensando bem, continua a ter aplicação quando dos indivíduos subimos à consideração dos nossos problemas agrícolas.
Embora costume dizer-se também - e diz-se com verdade - que em Portugal a fome entra a nado, o certo é que são as secas que constituem o motivo frequente dos queixumes e lamentações dos nossos lavradores.
Por outro lado, os excessos, reais ou aparentes, da produção de vinho agitam normalmente o País, levantando uma onda de protestos e petições que depressa chega do Minho à Bairrada, do Oeste ao Douro.
E, Sr. Presidente, que problemas, que angústias, que paixões, fax desencadear o excesso de vinho! Por experiência própria conheci já duas conjunturas dessas, e, se na primeira assisti ao calor com que foi aqui discutida, desta vez não posso limitar-me a igual comodidade, pois impende sobre mim o dever de trazer também a. minha, modesta achega.
E ... prouve a Deus que seja entendido, pois compreendido não espero sê-lo perante o calor, a paixão, o bairrismo, com que cada vinicultor discute e resolve ... o seu problema, generalizando, em parte, as soluções nos demais.
É a Assembleia Nacional uma Câmara política, política por excelência e direito próprio: é essa a sua missão. A técnica incumbe aos serviços, pertence à Administração.
Ora, Sr. Presidente, a política, para além dos princípios e das normas de conduta, é naturalmente relativa, dirige-se ao condicionalismo, é circunstancial.
Se os economistas inventaram para a sua ciência ou arte em terreno mais árido de que as encostas do Douro, uma palavra tão expressiva - «conjuntura» - e já tão corrente; se os economistas tiveram de reconhecer a necessidade de atender ao condicionalismo e propugnam medidas tão diferentes, por vexes até opostas, consoante a situação, consoante a conjuntura - porque havíamos de estranhar a ocorrência do mesmo fenómeno no domínio da política?
Falemos, pois, de conjuntura política do vinho e da vinha, da angústia e temor, das dúvidas e incertezas em que se debate a vitivinicultura.
Mas há uma diferença, uma diferença definitiva: enquanto nu esfera económica as medidas de conjuntura decorrem de uma definição tanto quanto possível precisa e extensa da situação, no domínio da política emanam de sentimentos, de estados de alma colectivos, de aspirações a que, tanta vez, falta substrato concreto, medida exacta dos problemas e das coisas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Num caso há frieza, do conhecimento e da técnica, no outro o calor do entusiasmo e do sentimento.
Todavia, não se trata de realidades diferentes, nem pode desprezar-se nenhum destes dois ângulos do visão, que, têm de interpenetrar-se para que as soluções durem e correspondam à medida das coisas e às exigências do homem.
Compreendo, pois, a angústia que se apoderou dos vinicultores e o sentimento acalorado com que o problema tem sido apresentado. Compreendo a vivacidade e entusiasmo - tão gratos à minha idade - com que tantos ilustres colegas têm tratado da questão, dando a exacta medida da ansiedade do País, da grandeza dos interesses em jogo, do património que está em causa, do drama dos muitos milhares de portugueses que vivem da vinicultura.
Mas, disso algures o Sr. Presidente do Conselho - cito de memória -, «se pode fazer-se política com o coração, só pode governar-se com a razão esclarecida», mas ... para lá das dificuldades que a vinicultura atravessou, e ainda atravessa, importa, antes de mais, acentuar não ser possível uma política vitícola segura quando constantemente é forçoso alterá-la, ora restringindo, oro, alargando, sob os influxos de conjunturas passageiras. Natura non fecit saltus, diziam os evolucionistas.
A viticultura sofrerá graves dificuldades - a videira dura em média de trinta a quarenta anos, os anos secos e chuvosos sucedem-se por forma tão irregular como estranha à vontade - se não for possível evitar constantes medidas de contraciclo, dando facilidades de plantação e legalizando as efectuadas à margem da lei nos anos de fracas colheitas, ordenando arranques de vinhas, suspendendo o plantio (medidas de problemático resultado económico e mais que duvidoso cumprimento), nos anos de produções abundantes, que regra geral, não vêm sem par.

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A [...] procedimento? E seja eficaz?

Machado: - Se V. Exa. me dá licença, plantio ...

Orador: - Anula não entro! no capítulo do plantio, mas lá irei.

O Sr. Melo Machado: - Eu quero observar a V. Exa. que pode estar convencido de que plantio ainda não actuou na crise, mas não disse se está convencido de que as novas produções, ao chegarem ao mercado, nele não influem, para aumentar uma crise que é evidente.

O Orador: - Já lá vamos.

Sr. Presidente: não seria eu que iria negar a existência de uma crise do vinho, crise que se traduz na dificuldade de escoamento e na queda dos preços.
Há, efectivamente, uma crise vinícola e neste ponto Iodos estamos de acordo -, crise que não tem a mesma amplitude, nem os mesmos reflexos, além talvez as mesmas causas, em cada uma as regiões vinícolas.
A crise do Douro, melhor, a crise do vinho do Porto, a crise de exportação do vinho do Porto, com intensa repercussão numa região de [...] altura e sem outra defeso, visível que a insistência na cultura da vinha, é um problema à parte, grave certamente, mas que é anterior e independente da crise actual, da crise vinícola, de carácter mais ou menos generalizado, embora possa contribuir, directa ou indirectamente, para o agravamento da situação geral. Dele não em [...] neste momento: já ilustres colegas o fizeram com agudeza e mesmo, com vigor.
Das restantes regiões suponho ter sido a da Estremadura aquela onde mais duramente se fez sentir, seguindo-se-lhe a do Ribatejo - aquelas onde afinal. ao sul do País, a viticultura tem mais importância u a produção á mais elevada.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas. se todos estamos do acordo em classificar a conjuntura d« crise, talvez não aconteça outro tanto quanto à definição das suas causas e ao modo de resolver o problema.
Quais as causas de crise?
Poderá falar-se de uma crise de sobreprodução?
Poderá atribuir-se a um excesso de plantio de vinha a responsabilidade da crise?
Estas as interrogações si que primeiro importa dar resposta.
A minha resposta é negativa para ambas.
Sustento não haver propriamente uma crise de sobre produzido, mo sentido de as produções médias excederem os consumos normais, ou mesmo a capacidade efectiva de consumo, e mão poder atribuir-se qualquer responsabilidade na crise, presente num à política de condicionamento do plantio, nem à sua execução.
De duas formas poderemos, de resto, chegar a estas conclusões: analisando a situação do mercado de vinhos, procurando mele as causas da crise e extraindo dos índices significativos as ilações decorrentes ou apreciando directamente o problema do plantio através dos dados disponíveis e das consequências advenientes da sua intensidade, extensão e importância relativa.
Pelo primeiro caminho estaremos, aliás, a proceder a uma contraprova do segundo, ou, o que é o mesmo, pelo último esclareceremos a mais conveniente interpretação daquele.
São, afinal, dois aspectos, igualmente visados no aviso prévio, que, simples permitir-se sei paradamente, têm de sujeitar-se a uma certa relação de causa-efeito e consentem apenas um só a isso final.
Começo reino pelo permitir que é o fim: pelo vinho, pelo estudo do mercado de vinhos.
Antes desejo acentuar que a análise, por vezes minuciosa e aturada, a que procedi incidiu, normalmente apenas no período que decorre desde a criação da «malfadada» organização corporativa, isto é, da campanha de 1934-1935 para a, ou, excepcionalmente, sempre que os dados ainda me mereciam confiança, igual confiança, de 1928 para cá.
As minhas conclusões são por isso, relativas, traduzem uma comparação de conjunturas, uma paralização de situações concretas em épocas diferentes. Permitem, pois, afirmar que em tal época a situação era melhor ou pior do que noutra, evidenciar as alterações havidas no equilíbrio preexistente ou as modificações surgidas na estrutura do problema.
Não são repito, de forma alguma absolutas, que o absoluto interessa bem pouco ao agricultor, que mais se governa, que melhor se governa, pelas relações do preços ou comparações subjectivas do que pelos custos de produção, tão variáveis de caso para caso, tão falhos de significação concreta perante a extraordinária dispersão dos rendimentos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quando, em 1934, se começou a erguer o edifício da organização no sector vitícola estava-se em verdadeira crise, em parte por arrastamento da crise mundial, em parte pelas elevadas produções de 1927, 1933 e 1934.
Somaram-se causas internas e externas, motivos particulares à vinicultura e razões de ordem geral para provocarem a crise, primeiro, e a agravarem, depois.
Em 1933 havia-se proibido totalmente a plantação.
Menos de dois anos depois fora a medida atenuada pela permissão das reconstituições e até de algumas novas plantações, para um ano após se voltar à restrição completa - orientação que esta Assembleia agravou, introduzindo-lhe a imposição do arranque de certos vinhedos, imposição que, suponho, praticamente não teve concretização nenhum.

O Sr. Cortês Pinto: - Temo concretizacão sim, senhor, em várias regiões.

O Orador: - V. Exa. pode dar-me indicação de qual é a percentagem?

O Sr. Cortês Pinto: - Neste momento não.

O Orador: - De 1, 2 ou 0,5 por cento?
E pouco mais de outro ano volvido autorizaram-se novamente as reconstituições e até novas plantações, primeiro no Douro e depois nas várias regiões vitícolas, embora limitadas a um milheiro, situação que se mantém praticamente inalterada até 1944.
Este vaivém de proibições totais para algumas autorizações, particularmente transferências de vinhas, poderá parecer-nos hoje chocante, direi mesmo desconcertante.
Assim acontecerá sempre que esqueçamos não se dispor então de outros elementos positivos que conhecimentos empíricos, intuição dos fenómenos e muita boa vontade.
Mas curioso será observar a correspondência entre a sucessão das medidas e o volume das colheitas, o nível dos preços e a capacidade interventora da organização incipiente.

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Talvez desta circunstância houvesse que tirar conclusões ou aproveitar da experiência ... Mas deixemos isso para mais adiante.
E voltemos ao mercado do vinho.
Estava eu a dizer que, quando se iniciou a construção corporativa, vivia a vinicultura uma crise acentuada, e grave. Pois bem se no campo do plantio se tomaram as medidas que referi, paralelamente houve que estabelecer uma política harmónica e concertada no domínio do mercado de vinhos, definir um modelo de equilíbrio e procurar, por meios directos e indirectos, defendê-lo, assegurando à vinicultura uma estabilidade relativa das suas receitas.
Essa estabilidade - não haja dúvidas - foi, em grande parte, conseguida mercê da organização, e situa-se, entre 1934 e 1940, à volta dos 540 000 contos, em escudos de 1927.
E conseguiu-se bloqueando os excedentes das campanhas abundantemente pela imposição de existências obrigatórias ao comércio, concessão de financiamentos aos produtores e das compras da própria organização. Assim se imobilizaram excedentes que atingiram cerca de 780 000 pipas, das quais a organização chegou a acumular perto de 450 000.
Esse equilíbrio assentou, pois, no diferimento da entrega ao consumo dos excessos de produção dos anos bons, na regularização da oferta e no desgaste de uma média de 70 000 pipas de vinho durante aquele período, escoadas através do benefício de vinho do Porto, desgaste que chegou a atingir, em 1937, mais de 160 000 pipas.
Não cuido agora de saber se este esquema de equilíbrio e regularização teria sido o melhor para todas as regiões, se a todas defendia igualmente ou se continha, porventura, vícios e erros, de forma e de fundo, mas apenas de reconhecer a sua existência a apreciar os seus resultados globais.
E não podem restar dúvidas de que o balanço foi favorável, tão favorável quanto podia esperar-se, a menos que tenha excedido as próprias expectativas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Depois veio o período de guerra e, embora as exportações, de vinho do Porto tivessem decaído, a verdade é que o aumento do poder de compra, e até fenómenos secundários, permitiram a expansão dos consumos, substituindo naturalmente uma parte do desgaste de aguardentes que o Douro constituíra e continuava mesmo assim a constituir.
Até que ... até que a descida geral, sucessiva, insistente, dos preços dos produtos agrícolas, atingindo o frágil poder de compra de populações rurais, a escassa melhoria da exportação do vinho do Porto, a redução da capacidade interventora - em dinheiro e armazenagem - da organização, a quebra, do escoamento de aguardentes para o Douro (em cerca de dois terços), por imperiosa necessidade de utilizar para o efeito os seus próprios vinhos, e também pela diminuição do benefício para metade do anterior à guerra, alteraram radicalmente o panorama e prepararam a crise que boas colheitas sucessivas haviam de provocar, perante alguma indecisão, muito tempo de adormecimento e não pinica falta de previsão.
Quer dizer: de há muito vinha alterando-se, lenta mas persistentemente, o sistema de regularização que se havia instituído, sem que se cuidasse de definir outro e de preparar os meios para lhe assegurar a viabilidade técnica e prática.
Ah! Saudosos tempos em que se acreditava na organização. Saudosos e longínquos ...
Mas, Sr. Presidente, propus-me comparar, fazer o paralelo entre os dois últimos decénios, evidenciar as diferenças para melhor e para pior: analisar a situação económica da vinicultura.
Comecemos por observar a evolução dos preços do vinho, depois de reduzidos a uma mesmo unidade monetária para efeitos de tornar possível uma comparação válida, não só entre os vários anos ou períodos, mas também com os outros produtos agrícolas.
Pois bem: do primeiro decénio para o segundo o preço médio ponderado aumenta de 10 por cento ou, considerando só os últimos oito anos de 30 por cento.
A tendência dos preços unitários de venda pelo produtor ao longo dos latinos vinte e cinco anos é, contrariamente ao verificado com todos os outros produtos agrícolas e com os preços do vinho noutros poises, crescente, lenta mas firmemente ascensional.
Mais: no último decénio os preços praticados situa-se normalmente acima da linha de tendência, enquanto no anterior ocorrera precisamente o contrário - contraprova da afirmada elevação de 15 a 30 por cento dos preços unitários.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - V. Ex.ª considere a ascensão do custo da produção em relação à cultura da vinha. Isso é o que mais interessa; tanto ou mais do que a subida do preço do vinho.

O Orador: - Eu sou agrónomo e não considero o custo de produção para além de uma indicação relativa. Os rendimentos são tão variáveis, a sua dispersão é tanta, que tornam o custo de produção, em certa medida, uma noção teórica. Acredito mais nas relações de preços com que habitualmente se trabalha e procede e ao lavrador mais interessa.
De resto, essas relações integram as variações havidas nos factores de produção.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - V. Ex.ª acha que mesmo o pequeno lavrador não atende ao custo da produção? Coitado dele se o não fizer.

O Orador: - Todo o lavrador atende mais às relações de preços. O custo de produção, variando de área para área e de ano para ano, conforme as condições climáticas, de exploração para exploração, etc., em terrenos médios, é muito menos significativo do que as relações tradicionais entre os preços dos vários produtos da terra.

O Sr. Daniel Barbosa: - Por exemplo: um lavrador tem, realmente, no fim do ano uma ideia mais ou menos perfeita de quanto lhe custa a produção do seu vinho. Isto é nina ideia perfeitamente objectiva.

O Orador: - V. Ex.ª tem no Douro, prática mente, a monocultura. Ora o custo de produção tem uma significação maior quando se refere a uma dada exploração, e tanto mais quanto menor for a validade das culturas.

O Sr. Daniel Barbosa: - No Douro é possível chegar ao fim do ano e saber-se quanto custou a produção. E no Minho, onde eu sou lavrador, sucede o mesmo.

O Orador: - Sabe quanto gastou, mas não conhece o custo de produção.

O Sr. Carlos Borges: - O pequeno lavrador não tem uma escrita montada, mas sabe muito bem quanto lhe custam os seus produtos.

O Orador: - Eu estou a dizer que, em face da grande variação dos custos de uma zona para outra, em con-

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sequência da variedade das explorações e das dispersão dos rendimentos, lhe retira em a parte uma significação genérica. Não discuto que no fim do ano não saiba quanto gastou ...
A comparação com os preços de outros produtos agrícolas não é menos significativa pela alteração das relações normais de valor entre eles e o vinho.
Assim, as relações entre os preços do trigo, milho e azeito e do vinho decrescem, dos primeiros para o segundo, respectivamente, 23, 12 e 34 por cento. Se. porém, nos reportarmos apenas aos seis anos que imediatamente antecederam a guerra e a igual período a partir de L947, acontece que aquelas relações decrescem, pela mesma ordem, 32, 24 e 37 por cento.
Daqui duas conclusões igualmente significativas, mas de expressão bem diferente: os preços do vinho cresciam relativamente aos dos outros artigos em consequência do aumento absoluto dos preços deste e do decréscimo, igualmente absoluto, dos preços da generalidade dos outros produtos agrícolas, excluídos, porém, os silvícolas.
Poder-se-á inferir desta situação que se possa, com realidade, falar de crise de sobreprodução de vinho, quando nós não limitamos a comparar anos excepcionais por excesso ou defeito?
Exprimindo o preço uma relação, um nível de equilíbrio entre as quantidades oferecidas e procuradas, não haverá forçosamente que se reconhecer que a vinicultura viveu no último decénio numa situação que não tem paralelo com o anterior nem, porventura, com outra década próxima?
Se dos preços unitários passarmos às receitas percebidas pela vinicultura anualmente, miaremos a encontrar os mesmos reflexos, acrescidos aiaida pelo aumento de produção ocorrido.
Efectivamente, a tendência das receitas da vinicultura é significativa ascensional. E, não obstante, no último decénio os valores verificados situam-se normalmente acima da tendência, enquanto no anterior, exactamente como acontece tom os preços unitários, ocorre aproximadamente o contrário.
Em números médios, a receita da vinicultura sobe da primeira para a segunda década que venho comparado de cerca de 630 000 para 860 000 contos, em escudos do 1927, devendo notar-se que, durante aquela, só duas campanhas - as duas últimas - excederam a média, que só atinge aquele nível por força desses anos, pois, se os não considerássemos, desceria para a ordem dos 540 000 contos, a que antes me referi, enquanto ao último deixou se verifica uma mareada regularidade, viu correspondência, aliás, com uma maior flutuação das produções e uma maior elasticidade dos preços.
Os aumentos, em percentagem, são assim da ordem dos 37 ou dos 60 por cento, conforme se incluam ou não aquelas duas colheitas.
Sr. Presidente: se das receitas da vinicultura passarmos a analisar a evolução dos preços em função da produção, verificaremos guardarem, como seria de esperar, estreita correlação, exprimindo um equilíbrio satisfatório - contraprova das conclusões tiradas ao que respeita à tendência dos preços e à evolução das receitas, que se traduz por uma proporcionalização conveniente dos preços em relação às produções.
A tendência desta função é, pois, lujrú-niueiiie, as-oeiidente com a redução dos produções ou decrescente com o seu aumento.
Mas deve ainda notar-se que de 1931, a 1940 só os preços verificados um 1930 se situam acima da regressão, enquanto de 1941 para cá todos, sem excepção, incluindo os de 1954, foram superiores à relação normal.
Temos assim de concluir que o nível de preços do vinho do último decénio se afastou, por acréscimo, daquele que resultaria das produções registadas, ou, o que é o mesmo, qualquer aumento de produção havido do período anterior paru este não se fez acompanhar de uma descida paralela de preços.
A relação entre a produção e o consumo traduziu-se, pois, do último decénio por um equilíbrio superior ao verificado na década antecedente.
Também o estudo do consumo em função da população continua a conclusão anteriormente tirada: a intensidade da força do consumo é superior às quantidades produzidas em termos de médias que compensem as pontas de boas e mós produções.
Mais: a tendência do consumo em função do aumento populacional mostra-se vincadamente decrescente, a ponto de, em raciocínio por absurdo, se dever concluir que, dentro do ritmo actual, seria pràticamente não quando a população fosse pouco «interior a três vezes a actual.
E deve referir-se que acima da tendência apenas se situam os consumos efectivos dos anos de colheitas abundantes. Na maioria dos anos, portanto, o consumo efectivo foi ainda inferior àquele que a relação determinava.
Cabe, porém, acentuar que a marcada tendência para a redução dos consumos per capita traduz, não só uma insuficiência da produção, como exprime uma incontestável e gravíssima redução do puder de compra das populações rurais - consumidoras, talvez, de dois terços do vinho consumido anualmente.
A simples observação confirma esta conclusão, tanto como igual reflexão se extrai, naturalmente, da escassa participação dessa massa populacional no rendimento nacional.
Sr. Presidente: da apreciação conjunta de todos os elementos analisados é lícito tirar uma conclusão, que a muitos parecerá estranha, mas a que todos os aspectos estudados nos conduzem inequivocamente: estamos claramente perante um mercado não saturado. Exactamente o contrário do que acontece com todos os outros países vitícolas. E estamos em situação de mercado não saturado até porque a um aumento de produção, mesmo dos maiores verificados, não corresponde, nem correspondeu nunca, nos últimos vinte anos, uma quebra vertiginosa dos preços, uma redução mais que proporcional dos preços, e, consequentemente, a vinicultura recebe sempre mais quando tem uma boa colheita do que quando esta é má.

O Sr. Carlos Moreira : - Conforme.

O Orador: - V. Ex.ª já fez as contas?

O Sr. Carlos Moreira: - Eu suponho que até o mais modesto dos vinicultures as faz.

O Orador: - Eu não disse que os unos bons são mais compensadores do que os anos maus, mas disse apenas que os lavradores recebiam pula venda da sua colheita mais dinheiro nos anos bons do que nos maus.

O Sr. Manuel Vaz: -- Se isso é verdade, como se explica a queixa de muitos vinicultures?

O Orador: - Pela descida dos preços - o que não obsta a que acabem por receber mais dinheiro nos anos bons fora da crise.

O Sr. Cortês Pinto: - Eu lembro a V. Ex.ª que as queixas dos vinicultores provêm do facto de saberem por si como as coisas se passam, senão não tinham conhecimento do fenómeno geral.

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O Orador: - Queixam-se quando quórum, mas [...] implica que, [...]
Alterar-se para uma política consciente, firme [...] de poder de compra e elevação do nível das populações rurais, como insistentemente tento defendido, aliás em boa companhia- a saturação dar-se-á sempre que ocorram colheitas superiores a 12 500 000 hl quando a mediu das produções de seis anos atingisse esse nível.
Não quer isto dizer que abaixo desse nível se não produzam fenómenos de regressão dos preços, muito difíceis de evitar quando a quebra doa preços e rendimentos agrícolas é, como já disse, sucessiva e insistente.
De tudo isto, Sr. Presidente, é-me consentida, sem qualquer sombra de dúvida, II conclusão de que o mercado de vinhos, no último decénio, se encontrou sempre, f sob iodos os aspectos, em situação económica muito favorável, quando comparada com qualquer outro mercado agrícola e com iguais períodos anteriores muito favorável perante a magreza das receitas agrícolas e as dificuldades da nossa lavoura.
A vinicultura foi, durante a última década, um oásis de prosperidade relativa no seio da agricultura portuguesa. Excluída o sobreiro e o pinheiro e, em certos casos, o arroz, não houve dentro das culturas em traído escala nenhuma que usufruísse situarão idêntica, nem talvez próxima. Embora essa situação não se [...] verificado simultânea e igualmente em todas as regiões vitícolas e possa até apontar-se uma que dela, praticamente, muito participou o Douro -, mercê de as reduções do benefício alargarem o quantitativo dos vinhos de consumo, nunca. remuneráveis suficientemente perante o seu elevado custo, a verdade é que, no conjunto agrário, a viticultura beneficiou de um desafogo que todos os outros sectores da terra invejaram.
Felizmente que assim foi, felizmente que- assim tenha sido e oxalá assim [...] continuar- a ser, pois o que importa não é - não pode ser - nivelar por baixo, trazer os preços dos vinhos para os níveis dos outros preços agrícolas, mas o outrossim agir, sem demoras nem indecisões, na revalorização dos outros, como é mister à defesa da nossa agricultura, como o exige o verdadeiro interesse nacional.
Se as coisas são como os deixo apresentadas, como inequivocamente me aparecem, como explicar a crise ocorrida nesta campanha, a quebra de preço, a dificuldades de escoamento dos vinhos, situação que reconheci e sobre a qual creio haver unanimidade nesta Assembleia, como explicar?
Em interrupções que gentilmente mo. foram consentidas pelos ilustres colegas que intervieram neste debate creio ter deixado já compreender o meu pensamento a este respeito, pelo menos parte do meu modo de ver, o problema.
A primeira razão, e, quiçá, a mais importante, foi, sem dúvida, não terem sido dados com antecedência e oportunidade os meios necessários à organização para intervir.
A questão, possivelmente até melhor ao que eu, bem, também, o que ocorreu quando se alargou o âmbito da intervenção para o dobro, no auge da queridos preços começaram desde logo a subir, a melhorar. Creio poder afirmar um significado que em 1944-1945 teria acontecido o mesmo que nesta [...]- pior do que aconteceu nesta campanha - se não tivesse havido a enérgica intervenção que houve.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Já aqui me pareceu ouvir sustentar o princípio de que os números dessa campanha e da antecedente são francamente futuros, exagerados em relação à verdadeira produção. Atreito em parte - na parte porque, em certa medida tiveram já uma correcção que pode não ter sido suficiente -, aceito, em parte, a justeza da observação e daí reforço a minha conclusão, e daí tiro a ilação de que todos os argumentos utilizáveis para. considerar excessivas as duas últimas colheitas por subestimação das de 1943-1944 e 1945 dão vigor e consistência à minha tese: foi a. falta de intervenção, na medida precisa, que desencadeou os fenómenos de baixa e especulação, de que os pequenos vinicultores foram vítimas inglórias e sem- remição possível ou, pelo menos, os não contrariou eficaz e sinceramente.
De resto, posso ainda acrescentar, em abono do meu ponto de vista: os stocks de vinhos antes da colheita de 1053 eram praticamente nulos, tanto que foi necessário promover, como já referi, a importação de álcool vínico, coisa -excepcional entre nua.

O Sr. Melo Machado: - V. Exa. não se esquerda de que atrás dessa importação de álcool vínico estava, um benefício para a viticultura do Douro, que, por sua vez, trocou o vinho, do Porto pela importação de álcool.

O Orador: - A questão pode ter sido assim, mas não começou assim, nem acabou assim.
Era precisa aguardente vínica para o [...] de vinho do Porto; não havia, no País tem vinho nem aguardente vínica. Pensou-se, então, em fazer a importação de Espanha. Surgiu depois a possibilidade de a trazer de França em troca de exportação de vinho do Porto.
Venceu esta última solução e foi importada aguardente vínica em troca de vinho do Porto. Essa importação foi, mo entanto, muito maior do que aquela que convinha ao Douro e, por isso, acabou por não servir inteiramente o seu interesse. Não começou nem acabou, pois, como se do [...] restrito do Douro se tratasse.
Mas isto não é tudo. O preço em 1945 desceu a nível mais baixo do que em 1954, sendo até o mais baixo ocorrido desde então e só ultrapassado, aos últimos vinte e cinco anos, pelos de 1935 e 1939, apesar da pressão inflacionista, [...] daquela época.
Mas, objectar-se-me-á: que se havia de lazer de mais ao vinho adquirido para defender os preços, uma vez que o Douro o não absorve já, como anteriormente, sob a forma de aguardente? E, talvez, ainda como armazenar essas quantidades.

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A resposta à segunda pergunta e, para mim, dolorosa.
Terei de declarar que é, em parte, legítima, embora o tivesse sido também o ano. passado para o azeite, e continua a sê-lo, se permanecermos na relativa inacção que se verifica no campo do apetrechamento da organização «persistirmos em não «creditar nela, mesmo quando em lhe negar os meios indispensáveis, em a burocratizar, em não sermos capazes de a compreender.
Em 1943-1944 e 1944-1945 bastou a redução da colheita seguinte e uma exportação um pouco maior que o habitual - 425 000 pipas -, para que nos começos da colheita de 1947-1948 as existências regressassem ao nível normal. E que se havia de fazer ao vinho?
Naturalmente, guardar uma parte para regularizar o mercado aios anos maus - nem todos, tem sempre os anos são bons - e forçar a exportação de uma parte maior que o habitual, pelos mesmos métodos e meios que utilizam os nossos concorrentes.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Este aspecto parece ter sido já encarado em base arguira ao ser criado um fundo próprio para o efeito, embora com receitas ainda insuficientes. Neste particular caberia, ainda, salientar que não bastarão por muito tempo os meios preconizados para a forçagem da exportação, já que todos os outros os utilizam, pois não podemos viver inteiramente à parte do mundo e os nossos
na política da redução dos preços de custo, mecanizando até a exploração em encostas, como as do Reno.
Por alguns anos poderemos, talvez, dispensá-lo, mas não por muitos ... a menos que nos fechemos em autarquia nacional e atranquemos a portos com barreiras que nos demorarão o sono até ao dia em que os substitutos do vinho o tenham, efectivamente, substituído no consumo corrente. Mas os problemas sociais, mas os problemas sociais ... estou já a ouvir.
Certamente que de momento não se pude pensar outra solução de fundo que persistir na orientação que vem de há anos, e ter em atenção, primeiro, a necessidade de ocupar a mossa gente, mas neste como noutros domínios, não podemos permanecer estático» aos métodos modernos de trabalho.
Por isso urge encontrar soluções de fundo para assegurar melhor ocupação da nossa gente do campo garantindo-lhe um melhor nível de vida e reduzindo a penosidade do seu esforço.
Os problemas sociais primeiro, estão antes dos económicos até porque a economia existe apenas para o homem -, mas não estarão resolvidos enquanto a solução momentânea e aparente constituir uma negação das realidades económicas fundamentais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: releve-me V. Exa. esta nota quase à margem do problema, anãs que se me afigura não dever deixar de fazer aqui. E voltemos ao tema ... Se concluí pela não existência de uma superprodução endémica e pela melhoria da situarão económica da vinicultura na última década, em relação quer às anteriores, quer à generalidade dos outros produtos agrícolas, nesta concluí também pelo reconhecimento da existência de emperramentos e desarranjos no esquema de equilíbrio que havia sido definido há vinte anos e no funcionamento da máquina montada, montada mas ... inacabada. Aqui as causas da crise; daqui as dificuldades presentes do problema.
Dificuldades sem solução? Dificuldades insuperáveis? Dificuldades que sejam mais facilmente remediáveis agindo sobre a produção, em vez de regularizar a oferta, melhorar a exportação e expandir o consumo? Talvez se afigure a alguns mais seguro aquele caminho ou descreiam da eficácia deste. Mas cuidado. Só á legitimo esterilizar as foiças de produção, num país cujas vocações agrícolas específicas são a árvore e o arbusto, a pomar, a floresta e a vinha, só é legítimo estiolar as forças da produção quando não há, de todo, outro remédio, quando decisiva. De resto, a política de maltusianismo tem constituído em toda u parte, um fracasso, mais cedo ou mais tarde mais depressa do que se previra e tanto maior quanto maior for a dificuldade em ajustar anualmente as áreas necessárias à produção às quantidades bastantes, quanto maior duração tiver a cultura a que se aplique.
No caso sujeito, essa política praticada .firmemente durante cerca de doze anos deu resultados positivos: a melhoria de situação económica, da vinicultura no último decénio. Deu resultados positivos, mas mais por melhoria da situação do mais do que pelos seus efeitos directos.
Deu resultados, mas ... dessa situação decorrem as apreensões de que esta Assembleia se tem ocupado, apreensões de que se esteja verificando ou venha a verificar-se uni plantio exagerado, atitude que indiscutivelmente existiu, não muito pelos motivos que me parece terem sido invocados, como pela efectiva e indiscutível diferença de rendimentos existentes entre a vinicultura e as outras culturas igualmente possíveis, atitude que existirá sempre que, subjectiva e objectivamente, a rentabilidade seja maior nesse domínio do que nos outros, atitude que, nessas condições, nunca será inteira e absolutamente legítimo contrariar, que nunca será eficazmente combatida.
Terá, acaso, si entorpecimento e a desfasagem, aparentemente ocorridos na intervenção nesta campanha, tido em vista u redução do desnível de preços existente falta o vinho e os outros produtos agrícolas, trazendo o daquele à proporção dos outros, combatendo, desta forma, pelo único meio seguro e eficaz, a tendência para intensificar o plantio da vinha? Terão, acaso, o entorpecimento e a desfasagem na intervenção sido aparentes, por se ter desejado o nivelamento de preços?
Desconheço-o. Mas se houve essa intenção, para lá da discordância que teria de manifestar pelo facto de o nivelamento só procurar por baixo, deixando na o preço do vinho para o nível dos outros, em vez de trazer, sucessivamente, os outros para o nível deste, além dessa discordância teria de apontar outra que nau deixará de ter tido alguma influência na situação criada: o salto brusco de preços de intervenção da campanha passada para a decorrente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se queria seguir-se esse caminho, apesar de tudo, se queria seguir-se esse caminho deveria ter-se começado por reduzir os preços de intervenção na última campanha, em vez de suspender, quiçá extemporaneamente, a intervenção, não estabelecendo um degrau tão alto na descida deste ano ou, então, promovendo-o em três campanhas, em vez de duas.
Neste aspecto reside, quiçá, também uma parte das causas da crise ou, pelo menos, do seu agravamento.

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Sr. Presidente: - mas o plantio ... estarão muitos de VV. Ex.ªs, muito naturalmente, a interrogar-me: mas o plantio?
Sobre o plantio pouco haveria a dizer depois de já ter aqui feito notar que ao ouvir apresentar o problema de cada uma das regiões verifiquei, ao fim e ao cabo, que em nenhuma houve exagera, porque exagero houve-o certamente ... nas outras; logo não o houve em nenhuma.
Sobre o plantio pouco haveria a dizer depois das conclusões a que cheguei sobre a situação do mercado de vinhos ... demonstrativas de que, se há exageros no plantio, eles não se reflectiram ainda, por qualquer forma, no equilíbrio do mercado, eles terão, apenas, consequências futuras ... se tiverem.
Os números das licenças concedidas traduzem mais o desejo legítimo de cada um procurar as culturas mais remuneradoras, facto que, para além de decretos, quer sejam o n.º 33 544 quer o n.º 38 525, de escassas diferenças de amplitude e orientação entre ai, e da presença, actuaste dos serviços encarregados de executar o condicionamento, só poderá ser real e seriamente combatido a partir do momento em que desapareçam flagrantes desigualdades relativas de rendimentos entre as diferentes culturas.
Ora, salvo o devido respeito, todas as críticas, todos os ataques, todos os vícios vistos, antevistos ou previstos no Decreto-Lei n.º 38525, que poderiam ser igualmente dirigidos ao Decreto-Lei n.º 33 544, todos deveriam mais certeira, mais simples e mais justamente ser endereçados àquela diferença de situações, de preços, de rendimentos entre os sectores da produção agrícola.
Se essa diferença não existisse ... talvez em emergência diferente se lhe. tivessem encontrado virtudes, em não menor número do que os defeitos hoje evidenciados, talvez se tivessem encontrado virtudes ao decreto, mas não à acção dos serviços, porque então esses estariam a levantar dificuldades desnecessárias.
Sobre o plantio direi que não considero o condicionamento do plantio, teórica e praticamente, como elemento único, decisivo e eficaz, por si só, para contender os aumentos de plantação, sempre que o relativismo de situações o estimule fortemente.
Se é condição necessária, não é suficiente, nem nunca o foi ou poderá ser. Não basta entre nós, como não basta lá fora, devendo, contudo, notar-se que, se lá como cá más podas há, lá deve haver muitas mais ...
O condicionamento do plantio como disposição legal, e enquanto processo de execução de uma política, só pode ser eficaz em certas condições.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Só é eficaz quando não é tão fortemente restritivo que novas plantações fiquem vedadas; quando as orientações se não sucedam da mesma forma que as marés, ao sabor das conjunturas transitórias; quando visa um equilíbrio dinâmico, em constante adaptação, em vez de criar privilégios económicos; quando é sensato, realista, moderado e firme nos métodos, objectivos e processos; quando se insere num conjunto equilibrado de orientações harmónicas em matéria de política agrária, um lugar de constituir uma ilha de paz ou de tempestade no meio do deserto.
Fora destas condições constituirá um instrumento que nunca atingirá o seu objectivo, convertendo-se num escolha para os escrupulosos compridores da lei e ... numa porta aberta para todos quantos menos se preocupam como as limitações ... numa porta aberta, como sempre aconteceu em casos semelhantes nos outros países, como tem acontecido entre nós ...

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Sobre o plantio devo dizer a VV. Ex.ªs que os números de autorizações concedidas (e não de plantações efectuadas) não me aterram nem me escandalizam.
Não se esqueça que durante doze anos praticamente se não plantou, nem se procedeu às reconstituições normais. Não se esqueça que ainda em 1947, nesta Câmara, em conjuntura buiu diferente da actual, é certo, mas muito próxima no tempo, se defendia, sem evidente oposição ou contrariedade, a necessidade de deixar plantar novas vinhas, se consideravam insuficientes as áreas existentes.
Mas as plantações autorizadas nos últimos anos são grandes, são muitas, são perigosas para o futuro da nossa vinicultura;
Serão? Talvez sim, talvez não ... Tudo depende da indiferença com que se actue no domínio de uma política agrária ordenada, conjunta, se providencie no sentido de defender os rendimentos agrícolas, de proporcionar condições de vida à nossa lavoura, de definir e trilhar numa política de preços, consciente e harmónica, que não se pareça com o atabalhoado, desordenado e desarmónico sistema de os fixar, só não direi ao acaso porque só por acaso se pode acertar nas condições actuais. Tudo depende da política agrária que se estruture e cumpra e ... é tempo de o fazer. Tudo depende de se vir a seguir ou não uma política de valorização do trabalhador rural, num política de poder de compra. Tudo depende da disposição que haja de agir no domínio da regularização da oferta agrícola, de cuidar dos problemas de exportação, de defender o consumo do vinho no nosso ultramar, de enfrentar, como é mister e tempo - não percebo mesmo porque se aguarda, quando tudo e todos estão de acordo no diagnóstico e ... até na terapêutica de enfrentar o problema da exportação do vinho do Porto, não esquecendo que para tanto é necessário propaganda e adaptação, no que é possível e conveniente, dos tipos de vinho aos gostos e preferências dos seus consumidores, às exigências e características da vida dos nossos dias.
Convenho que é mais simples e mais cómodo resolver os problemas pelo lado das restrições, restrições que durante anos fizeram reduzir a nossa posição vinícola no concerto dos países produtores, reduzir a importância relativa da vinicultura entre nós; convenho em que é mais simples, mais cornudo restringir a produção, mas talvez não seja tão eficiente como parece - dura lição de experiência, própria e alheia -, talvez não seja inteiramente legítimo, num económica ou socialmente sempre justificável.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Visto sob este ângulo os números do plantio, nem assustam, nem podem exprimir mais do que a reconstituição dos vinhedos existentes e o seu alargamento proporcionado ao crescimento da população e à melhoria do nível de vida geral.
Se os diluíssemos pelos vinte e dois anos em que vigoram restrições e condicionamentos de plantio representariam apenas uma reconstituição anual da ordem dos 3500 ha.
E não esqueçamos - é essencial não esquecer - que qualquer condicionamento restritivo não pode servir nunca para constituir uma cidadela inexpugnável quando dentro dela reine relativa prosperidade e ... cá fora a desordem dos que ralham sem razão, dos que

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não têm pau, porque a natureza tem muita força contra os artificialismos, e na economia, como no domínio militar, as fortalezas foram inexpugnáveis noutras épocas; hoje todas caem quando còmodamente nos instalamos nelas e ... aí adormecemos.

O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª dá-me licença?
Ninguém pretende ser estático quando pede a suspensão do plantio da vinha. O que se deseja é a suspensão, por agora, desse plantio até se ver qual o caminho a seguir.

O Orador: - Não acusei V. Ex.ª dessa intenção ... E quanto à suspensão do plantio, V. Ex.ª verá que não vou muito fora desse ponto de vista.
Vistas as coisas assim, talvez muitas críticas feitas aqui às leis de condicionamento e a sua execução, críticas que noutra conjuntura poderiam ser igualmente vivas, não sejam inteiramente justificadas e seriam certamente mais procedentes e certeiras se, em vez de visarem reflexos, se dirigissem às causas, às circunstâncias, ao próprio condicionalismo que a política de condicionamento criou e a saudosa organização assegurou, enquanto nos outros sectores a rendabilidade se reduzia dia após dia.
E, bem vistas as coisas, talvez a política de condicionamento não seja só responsável pela melhoria evidente e indiscutível da vinicultura nos últimos quinze anos, talvez tenha contribuído, como lhe incumbia, para melhorar a qualidade das nossas massas vinárias, para promover o desvio relativo dos vinhos para os locais mais apropriados, para restringir e para prosseguir uma política de valorização das terras pobres e melhoria das qualidades dos nossos vinhos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sem me alongar mais neste particular, não posso deixar de referir, porém, que, por acaso, mercê do condicionamento do plantio, a proporção do volume de vinhos da área da Junta decaiu da penúltima para a última década perto de 3 por cento, enquanto os vinhos verdes - onde o plantio, nas condições tradicionais, é praticamente livre - cresceram de cerca de 2 por cento. E, ainda, que o fornecimento de vinhos para o ultramar, que antigamente se processava em cerca de um terço pela barra do Porto a dois terços pela de Lisboa, ultimamente é feito já em maior quantidade pela do Porto.
Muito e muito mais haveria a dizer, haveria até que referir algumas interpretações ou críticas que o ardor não consentiu fossem inteiramente justificadas ou perfeitamente permitidas pelos factos e até, perdoem-me a ousadia, pelos textos. Mas isso levar-nos-ia longe seria, talvez, desnecessário.
Sr. Presidente: já abusei desmedidamente - talvez por influência do plantio da vinha - da paciência de V. Ex.ª e da Câmara.
Não apoiados.
Só tenho que pedir desculpa, pois nem o que disse me serve de atenuante, sem o muito que desejaria ainda ter dito e não disse chega para o perdão, perdão e não legalização.
Se alguma conclusão me é lícito tirar de tudo o que disse ela será a de que não está provado que os factos apresentem si gravidade que a invocação de milhões de repas pareceriam emprestar-lhe, nem se pode proceder, nesta matéria, com precipitação que a exaltação decorrente das dificuldades sentidas pela vinicultura nesta campanha naturalmente criou, não se pode actuar, neste campo, sob impulsos do sentimento criado, mas apenas depois de cuidadosa análise, aturado estudo e serena reflexão.
Os vaivéns são sempre tão perigosos como a dormência. A natureza tem as suas leis, as plantas a sua vida e os homens as suas exigências. Conciliar tudo: eis o problema. Não considerar a vinicultura uma ilha isolada ou uma cidadela inexpugnável: eis o que é indispensável para que não haja surpresas nem desilusões ... eis o que é prudente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Depois de tudo isto não estou aqui a defender o plantio nem a discordar da sua suspensão - a política, a conjuntura política, tem as suas exigências, a que é mister atender. Contanto que não se vá aos extremos, contanto que se aproveite um limitado tempo de defeso para estudar e reflectir, compreendo que não se autorizem novas plantações.
É prudente e sensato. Se me coubesse a mim decidir, talvez procedesse assim, não só por me parecer mau princípio ignorar as exigências da política, como desconhecer as realidades da vida económica e menosprezar a força da natureza.
Sr. Presidente: há ainda uma palavra que queria deixar aqui. Pediu a lavoura a criação da corporação do vinho. Sem desejar entrar no campo dos problemas postos pela paralisação do nosso corporativismo, não posso deixar de acentuar que, sem unidade superior de intervenção no mercado, sem tornar a Junta Nacional do Vinho nacional, respeitando, embora, respeitando até talvez mais, o particularismo, a diferenciação local e dando mais vida à organização regional, não é possível reencontrar um equilíbrio nem substituir o volante de desgaste que o Douro durante anos constituiu, nem encontrar soluções satisfatórias para valorizar a qualidade, coisa que exige o desgaste diário da quantidade.
Bem avisado andaria o Governo se reconhecesse que não se pode persistir numa mesma política, política baseada em determinados elementos e em certo condicionalismo, quando os dados se alteraram e o condicionalismo é estruturalmente diferente.
E, para concluir, as minhas homenagens para o nosso ilustre colega Dr. Paulo Cancella de Abreu, que tanto entusiasmo, tanto ardor e carinho pôs neste problema, que com tanta oportunidade levantou e cujo debate tanto me foi grato ouvir, tantas sugestões utilíssimas surgiram, e, também, as minhas desculpas pelas divergências que neste particular nos separam, divergências que, pensando bem. não são tantas como parecem ... questão de medida e ... de conjuntura. E um voto, um voto ardente, tão sereno quanto reflectido, tão enraizado no sentimento do País como conforme com as realidades patentes, o voto de que o Governo atenda mais cuidada, e carinhosamente aos problemas da nossa agricultura - que não é só vinícola -, à situação difícil dos nossos lavradores, à necessidade premente de melhorar o nível de vida do nosso trabalhador rural, que atenda enquanto é tempo de os salvar do desespero do desespero e da ruína.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. António de Almeida: - Sr. Presidente: ao subir a esta tribuna pela primeira vez durante a presente legislatura é-me muito grato dirigir a V. Ex.ª respeitosas saudações da maior admiração e estima, sentimentos que vêm de há dezassete anos, pois tantos são os que tenho a honra de servir a Nação, com V. Ex.ª, nesta Casa.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Felicito o nosso distinto colega Sr. Dr. Paulo Cancella de Abreu por ter trazido à Assembleia Nacional, em discurso brilhante, a discussão de um problema fundamental, que está na base do bem estar de grande número de agregados populacionais rústicos da metrópole, e por isso tanto eco está a ter em toda a imprensa, mormente em O Século, que ao assunto dedicou recentemente um criterioso artigo de fundo.
Sr. Presidente: Não há dúvida de que a questão vinícola portuguesa constitui uma das mais importantes da economia nacional, dispensando-me de pretender demonstrar esta realidade incontroversa, que, aliás, já foi devidamente posta em relevo pelos Srs. Deputados que me precederam neste lugar.
O cartaz que há tempos se afixou pelas paredes do País e correu de boca em boca, retendo-se na memória - «Beber vinho é dar de comer a um milhão de portugueses», ou, com maior exactidão, a dois milhões deles, no dizer autorizado do nosso ilustre colega Melo Machado -, conquanto de sentido demasiadamente materialista, mas com os objectivos essenciais daqueloutro dístico francos, de feição eminentemente literária, proclamando que «Uma refeição sem vinho é como um dia sem sol», corresponde a uma verdade indiscutível.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para debelar ou minorar os funestos efeitos da crescente abundância do vinho português e preveni-los têm sido tomadas ou defendidas várias providências, como sejam, entre outras, a restrição do plantio da vinha, o combate às actividades falsificadoras, o aumento da exportação e a diminuição do preço do vinho vendido ao público.
Sr. Presidente: modestíssimo produtor de vinho do Dão - que pouco mais terá do que para o seu consumo doméstico - e fraquíssimo apreciador de bebidas alcoólicas, sinto-me perfeitamente à vontade para, com isenção, comparticipar neste debate parlamentar, de tão alta projecção económica, política e social.
É evidente que se têm plantado videiras em excesso, mormente nas terras do Centro e Sul da metrópole, nem sempre das melhores para este fim e excelentes para o cultivo de legumes e cereais; desta prática advieram duas graves consequências: superprodução vinícola de que agora sofre o Pais e necessidade de aquisição no estrangeiro de mais elevada tonelagem de grãos panificáveis, com a correspondente saída de capitais.
Afirma-se que, apesar das diligências dos organismos responsáveis pela genuinidade do vinho posto à venda, a eficácia da fiscalização amiudadas vezes deixa de atingir o nível requerido, resultando dai que, em lugar de vinhos verdadeiros, se comerciem líquidos em que, embora tecnicamente puros, nem sempre na constituição dos seus lotes entram produtos idóneos - frequentemente, só uma ínfima percentagem da mistura é vinho de qualidade e merece o preço por que se vende o todo!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Com efeito, há que evitar que a crise vinícola atinja o ácume e que, por conseguinte, os vinhateiros pequenos e médios (o maior número e os mais afectados) se arruinem, por carência de compradores do vinho - que tantos encargos materiais e canseiras físicas e morais exige e lhes acarreta -, tornando-se igualmente imperioso que, para o futuro, se adoptem apropriadas medidas impeditivas dos males provocados pelas causas referidas.
Porém, se a fiscalização sobre os vinhos lançados no comércio pode intensificar-se, a ponto de as fraudes desaparecerem ou se restringirem ao mínimo - aplicando
a lei com a maior severidade -, quanto à restrição e proibição do plantio dos vinhedos, mercê dos seus graves reflexos de índole económica e social, é dificílimo executá-las com a urgência e o êxito reclamados pelas circunstancias, razão por que, sendo a longo prazo, não podem resolver a actual conjuntura vinícola.
O Decreto-Lei n.º 40 037, de 18 de Janeiro do ano corrente, providencia em ordem a criar condições de acção que conduzam a economia vinícola a um termo de equilíbrio e estabilidade, para o que suspende temporariamente a concessão de licenças para plantações de vinhas e cria uma taxa do £05 sobre o vinho de pasto e de mesa vendido ao público avulsamente ou em recipientes superiores a , que reverterá para um fundo pecuniário confiado à guarda e administração da Junta Nacional do Vinho e destinado à defesa da vinicultura, por meio de reajustamentos económicos e da fundação de mais adegas cooperativas, que tão excelentes resultados vêm dando na valorização da qualidade do vinho e manutenção do respectivo preço; por outro lado, em reforço das intenções deste importante diploma, o Decreto-Lei n.º 40 036, da mesma data, eleva as existências mínimas de vinho nos armazéns dos comerciantes por grosso, visando assim favorecer os viticultores e negociantes: os primeiros porque mais facilmente verão drenados de suas adegas avultadas quantidades de vinho, recebendo em troca, e na devida ocasião, os meios financeiros, sem os quais precariamente satisfarão as despesas da lavoura e as exigências da própria subsistência; os segundos por disporem de indispensáveis stocks de vinho a preços remuneradores. Pena é que estas disposições legais não hajam sido publicadas mais cedo, pois a abundância actual previu-se pela colheita do ano passado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: a economia agrícola nacional tem características tais que, como dizia o nosso ilustre colega Dr. Abrantes Tavares, tanto um pequeno excesso de produção nos sufoca como uma leve diminuição da mesma nos aflige. No que toca ao vinho comum, não podíamos fugir à regra.
Possuímos tamanho número de variedades de vinho que, ao pretender- se colocar no estrangeiro determinado tipo mais geralmente aceite ali, não disporíamos da quantidade indispensável para satisfação dos respectivos pedidos.
Devido à irregularidade das condições geoclimáticas do País, que tanto se repercutem na produção vinícola, aos organismos corporativos e de coordenação económica pertence prevenir ou aliviar os inconvenientes resultantes do considerável aumento ou redução das colheitas.
Se for possível à Junta Nacional do Vinho o aos comerciantes por grosso construir múltiplos armazéns de reserva ou reguladores onde se recolha o vinho - para que os preços pagos ao produtor não se aviltem nos anos de maiores colheitas, ou não se elevem desmedidamente quando a produção for escassa -, ter-se-á ajudado a dar cumprimento aos belos intuitos do Decreto-Lei n.º 40036, mobilizando-se um meio poderoso de impedir ou neutralizar as consequências das crises vinícolas que, de onde em onde, se fazem sentir entre nós.
Sr. Presidente: não obstante o extraordinário valor dos diplomas citados, creio firmemente que só no aumento da exportação e no abaixamento do preço do vinho vendido ao público se encontrará a maneira de enfrentar e vencer as dificuldades presentes e de contrariar o advento de novos males derivados da nossa sobreprodução vinícola.

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As considerações que passo a expor baseiam-se em grande parte em elementos rebuscados nos relatórios dos Grémios dos Armazenistas de Vinhos e do Comércio de Exportação de Vinhos, nas pautas aduaneiras do ultramar, nas estatísticas do comércio externo publicadas e da Junta Nacional do Vinho; as minhas palavras respeitarão ao consumo do vinho comum, cujo volume excede enormemente o dos vinhos generosos e derivados vínicos, por poderem ser ingeridos por todas as classes sociais, graças à maior modicidade de preço e a não provocarem, em doses razoáveis, dano à grande maioria dos componentes da humanidade quando normalmente constituídos - não invoco a doutrina da inocuidade dos autênticos vinhos de pasto e de mesa por ser geralmente conhecida e de há muito tempo estar consagrada pela Medicina, da qual o ilustre colega Prof. Almeida Garrett foi o mais idóneo porta-voz nesta Camará.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: advogo vivamente a necessidade de aumentar a exportação do vinho para o estrangeiro e, principalmente, para o nosso ultramar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se bem que a qualidade do vinho português não receie ou, pelo contrário, suplanto a dos vinhos estrangeiros, as nossas cotações, por muito altas, não são capazes de ombrear ou de bater as dos concorrentes estranhos nos mercados internacionais - quer porque o custo da produção em diversos países se mostra mais favorável, quer por estarem muito perto dos locais de importação, ou ainda por outras ignoradas razões.
A Espanha, por exemplo, vem competindo connosco de tal modo que nos conquistou quase totalmente o mercado da Suíça - de mais de 1 000 000 l que vendíamos anualmente a este país passámos para cerca de 102 000 l em 1953 -, levando-nos de vencida em outras nações; nos últimos vinte anos só em períodos anormais, como durante a guerra civil de Espanha e o segundo grande conflito mundial, é que conseguimos melhorar a posição do nosso comércio de vinhos com vários países, agora refeitos economicamente e de novo abastecidos pela nação vizinha.
No relatório do Grémio do Comércio e Exportação de Vinhos de 1953, o último publicado, lê-se quo continua a descida das vendas para o estrangeiro, especialmente para a Bélgica, Holanda, Suécia e colónias francesas, apesar do amparo que o nosso Governo lhes tem dado, por intermédio da Junta Nacional do Vinho.
Descontados os países para onde exportamos escassas ou episódicas porções de vinho, destituídas de significado económico, devem mencionar-se algumas nações e em 1953 reduziram substancialmente as compras o nosso vinho, tais como: a Bélgica e a Holanda, que se limitaram a metade da importação do ano anterior; a Alemanha, que negociou connosco um pequeno volume de vinho, em comparação com o que adquiriu em outros países vinicultores -ainda que com ela houvéssemos concertado um tratado comercial; as colónias francesas, que deixaram de abastecer-se de vinho português, por virtude de o comprarem na mãe-pátria e de no acordo assinado com a França não figurar qualquer cláusula favorecedora da exportação desta mercadoria; e a Suécia e os Estados Unidos da América do Norte, que restringiram muito as suas aquisições vínicas em Portugal.
Entre as nações importadoras que no ano citado aumentaram levemente as compras do nosso vinho salientam-se a Inglaterra, o Canadá e o Brasil, que, aliás, transaccionaram connosco relativamente pequenos quantidades do produto.
E porque teria baixado a nossa exportação de vinhos e derivados para o Congo Belga? Porque não se tenta a colocação dos nossos vinhos e aguardentes nas Rodésias, onde há algumas centenas de milhares de europeus e vários milhões de nativos? Serão os vinhos da África do Sul que impedem este comércio com as Rodésias?

Compreende-se a concorrência quanto aos vinhos comuns, mas não quanto aos brandes, ao madeira e ao porto, tão estimados nas Rodésias como na União Sul-- Africana.

Felizmente, nos últimos meses a nossa posição refez-se, havendo fundadas esperanças de reavermos alguns mercados internacionais perdidos ou definhados.

Para melhor ^avaliação do movimento exportador para o estrangeiro do vinho nacional nos passados dez anos servir-me-ei dos dados estatísticos do comércio total de vinho de todas as qualidades compreendidos entre 1944 e 1953:

Lltroi

1944. .............. 22673152

1945. .............. 21555254

1946. .............. 71290835

1947. .............. 27155247

1948. .............. 38405822

1949. .............. 45723745

1950. .............. 21870400

1951. .............. 17049898

1952. .............. 18591768

1953. .............. 12829228

Como se verifica em rápido exame, desde 1949 o comércio externo dos vinhos portugueses nunca mais parou de descer (excepto em 1952), sendo o seu montante menos de metade no ano seguinte e em 1953 inferior em 30 por cento ao do ano anterior.

É certo que, actualmente, a nossa exportação de vinhos comuns e seus derivados para o estrangeiro anda à volta de 10 por cento da produção total, mas ainda assim constitui valor económico digno de consideração, pois representa cerca de 95 800 contos, motivo por que, muito louvavelmente», o Governo continua a envidar todos os esforços no sentido do alargamento de tal ramo do comércio.

Como alcançar este desiderato ? Estando demonstrado não ser a qualidade dos vinhos nacionais nem a protecção governamental suficientes para consecução de um aumento sensível da exportação para o estrangeiro, resta-nos recorrer ao barateamento do produto, pois basta que a nossa cotação se equipare à alheia para que o vinho português seja logo preferido.

Não obstante, não devemos acalentar grande esperança de melhoria considerável da exportação dos nossos vinhos comuns para o estrangeiro, com excepção talvez do Brasil.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Mas para se aumentar a importação no Brasil era preciso que o Banco de Portugal consentisse um desnível maior no cleariny, unicamente destinado à exportação do vinho, e que se conseguisse que a mercadoria pudesse ser enviada para ali em garrafões de 5 l e 10 1.

Ninguém no Brasil falsificaria o vinho nesta embalagem, porque não valeria a pena, e, por outro lado, isso diminuiria o custo do produto, sem prejudicar a indústria vidreira nacional.

É de ponderar que também na grande nação irmã o vinho espanhol está batendo o vinho português, sem que

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da nossa parte tenha havido qualquer reacção meritória a favor da reconquista do mercado.
Perante tamanhos obstáculos, é no progressivo aumento de remessas de vinho para o nosso ultramar que há-de procurar-se o principal remédio para o excesso da produção vinícola nacional.
Sr. Presidente: entre 1947 e 1953, o movimento da exportação dos nossos vinhos comuns paru Angola e Moçambique foi aproximadamente o seguinte:

(Ver tabela na imagem)

Uma análise superficial destes números revela, em 1953 uma queda na importação do vinho de Angola, tanto mais de estranhar quanto é certo nesta província vir a crescer até este ano e de maneira impressionante o consumo da mercadoria; dizem-me que o abaixamento é motivado principalmente pela entrada em plena laboração de uma fábrica de cerveja, edificada nos subúrbios de Luanda, ë ainda pela invasão da Coca-Cola e doutras bebidas similares.

Vozes : - Muito bem, muito bem !

O Orador: - O aumento notável da importação, verificado a partir de 1948. provém especialmente da redução de 50 por cento dos direitos de importação.
Moçambique adquiriu sempre muito menor quantidade de vinho do que Angola, porque, além de o produto ali chegar encarecido pelo frete, possui um grande número de nativos islamizados e é menor a sua população europeia, a que não faltam a cerveja manipulada in loco, nem o whisky e quejandas bebidas alcoólicas, facilmente obtidas e em boas condições de preços nos territórios estranhos da vizinhança.
Os quantitativos de litros de vinho importados nos restantes territórios do nosso ultramar, conquanto pequenos (e alguns deles desactualizados), merecem ser trazidos para aqui:

Litros
Cabo Verde (1953) ......... 236 120
Guiné (1951) ............ 1 177 600
S. Tomé o Príncipe (1953) ...... 1 380 280
Índia (1951) ............ 156 769
Macau (1939) ............ 163 361
Timor (1953) .....:...... 120 830

A importância da exportação do vinho e seus derivados de todos os tipos e qualidades para as nossas províncias ultramarinas perfez em 1953 a soma aproximada de 400 000 contos, da qual a maior quota-parte coube aos vinhos de pasto e de mesa, salientando-se mais entre estes os vinhos comuns tintos, seguidos dos vinhos comuns brancos encascados e engarrafados, vindo depois os vinhos comuns regionais brancos e os vinhos comuns regionais tintos engarrafados.
Sr. Presidente: anotados os valores, em espécie e em numerário, da exportação dos vinhos nacionais para o nosso ultramar, e alguns dos factores responsáveis pelo respectivo aumento ou diminuição, passo a ocupar--me algo desenvolvidamente dos outros motivos que mais particularmente contrariam uma maior venda ao público na metrópole e no ultramar. Para este propósito convém acompanhar o vinho comum desde o produtor até ao consumidor daquém e dalém-oceano.
A Junta Nacional do Vinho estabeleceu para a colheita de 1904 os preços mínimos de $09-$12(5) por grau-litro à boca do tonel, segundo a qualidade; na região duriense, mercê das providências proteccionistas tomadas pela Casa do Douro, a cotação do vinho é mais elevada, por ser obrigatório o seu consumo na cidade do Porto queimar-se o excedente para produzir aguardente utilizada no fabrico do vinho generoso. No ano de 1953 Ciida grau-litro oscilou entre $14, $15 e $17.
Sendo livre o comércio do vinho, o produtor vendê-lo-á a quem lho pagar pelo melhor preço e, se ninguém aparecer a comprá-lo acima do nível da cotação fixada, recorre à Junta que lho adquirirá, a exemplo de que luz aos vinhos baixos, doentes ou acidulados, mas uns e outros apenas por $07-$09 o grau-litro, reservando os primeiros para os armazenistas e exportadores e os últimos para transformar em aguardente.
No entanto, este compromisso da Junta implica uma existência e mobilização de capitais avultados, de amplos e modernos armazéns de recolha, de pessoal, assistência técnica, etc., que o organismo tem suportado na medida das suas possibilidades financeiras, provenientes de rendimentos próprios - 505 recebidos por cada litro de vinho do exportador e do comerciante -, e à custa de créditos obtidos na Caixa Geral de Depósitos, destinados a adquirir no mercado grandes partidas de vinho e ao financiamento da vinicultura.
A Junta tem presentemente investidos perto do 100 000 contos em vinho e mais de 70 000 contos em empréstimos à lavoura para fomento vinícola.
Sr. Presidente: se no ano em curso a média de cada grau-litro de vinho é de $10(75), 1 l de vinho com 12º valerá cerca de 1529 na adega (pessoa autorizada informa-me de que o preço de uma pipa de 500 l inferior a 700$ representa prejuízo pura o vinicultor, pelo menos nus regiões de Oeste); adicionando a. este preço o custo do transporte, teremos no depósito em Lisboa 1 l de vinho de qualidade por 1$34, cotação que poderá subir a 1$40, tratando-se de um produto de alta categoria. Ainda que haja de ter-se em consideração que, devido à aplicação franca da lei da oferta e da procura, o comprador eleva por vezes o preço dos vinhos de maior reputação, não será atrevido afirmar, sem temor de erro sensível, que 1 l de vinho nunca chegará à capital - e refiro-me a Lisboa em virtude de para aqui ser remetida grande parte da produção vinícola nacional - por mais de 1$40 ou 1$50, quer o produto seja consumido lá ou se destine ao ultramar português.
É evidente que o vinho não sai do armazém pura consumo interno sem tratamento, consoante os desejos dos proprietários; daí, e conforme autorização legal, para o nosso ultramar ir o vinho com graduação à volta de 11,5-11,7, circunstância que maior margem de lucro oferece ao exportador.
Sr. Presidente: de harmonia com os dados numéricos indicados, actualmente pode comprar-se vinho do melhor em Lisboa por 2$ o litro. E é realmente esta a cotação corrente. Há algum por este preço, mas em geral vende-se entre 2$40 e 2570. li será ao menos este vinho de boa qualidade? Nem sempre: asseguram-me que os retalhistas preparam às vezes os seus lotes com 95 por cento do produto inferior e 5 por cento do de alta categoria!...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O combate a tão desmedida ganância não pode ser travado com eficiência pela fiscalização técnica dos organismos competentes, visto a análise do vinho satisfazer em regra os requisitos legais, mas sim pelos serviços da Intendência-Geral dos Abastecimentos, aos

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quais recomendo muito particularmente este assunto, que carece de tanta atenção como outros sectores das suas atribuições; se o vinho não é género de primeira necessidade, não deixa de constituir um componente valioso da dieta alimentar dos Portugueses, como excelente eupéptico, tónico vitaminado e elemento energético.
Vinho de qualidade, o t especial», como o rotulam, existe no retalhista, em vasilha separada, mas este está reservado para ser negociado por preço muito superior ao vulgar: acima de 35 - tive ocasião de encontrar preços de 4$! -, quando por 2$30-2$40 estaria bem pago. Outro caso que deve interessar à Intendência-Geral dos Abastecimentos.
Por não ser elevado o poder de aquisição da média dos nossos compatriotas, o comprador só despenderá os 25 guardados para vinho, e, por conseguinte, em vez de 11, adquirirá uma menor porção de vinho bom, facto que, repetido em larga escala, afectará bastante o consumo da bebida.
Sr. Presidente: os armazenistas de vinho acusam uma disposição legal - publicada, aliás, com a melhor intenção e a mais compreensiva finalidade -, que proíbe as tabernas de venderem vinho a retalho depois das 22 horas (22.30 horas no Verão) ou das 24 horas em dias de festa local, de ter concorrido para a restrição do consumo interno. Na realidade, os números seguintes, respeitantes a Lisboa, parecem confirmar as suas queixas:

Litros
1949 .............. 226 427 865
1950 .............. 217 094 612
1951 .............. 212 551 244
1952 .............. 208 884 171
1953 .............. 186 930 616

No entanto, para exacta interpretação destes elementos estatísticos, convém relembrar que a limitação das vendas anda fortemente relacionada com o volume das colheitas, e as de 1951-1952 foram deficitárias.
De qualquer modo, talvez seja vantajoso rever a citada legislação, de maneira a dilatar-se o período de venda de vinho avulso ao público nas tabernas, tanto mais quê a mesma bebida engarrafada e outros líquidos vínicos e a cerveja - mais caros e tanto ou mais alcoólicos do que o vinho comum - continuam a ser transaccionados liberalmente nas leitarias, bares, etc., até alta hora da noite; actualmente dispomos de autoridades em número suficiente para coibir os desmandos daqueles a quem as libações, porventura, alegrem mais exuberante e incontidamente.
Também lembro uma cuidadosa atenção de quem de direito para a disposição legal que permite a venda aos preços exorbitantes. - com lucros superiores a 100 e até 400 por cento no ultramar! - por que se bebe o vinho engarrafado nos restaurantes urbanos, nos comboios e nos navios nacionais. Estas ocorrências reclamam pronta intervenção da Intendência-Geral dos Abastecimentos e da Junta Nacional da Marinha Mercante, no que toca à navegação marítima; o renascimento do costume de nos repastos de bordo, em todas as classes, e não apenas na 3.a, como acontece há poucos anos, estar incluído o vinho comum levaria, com certeza, quase todos os passageiros a bebê-lo, o que agora não sucede, por virtude da careza das garrafas do produto.
Asseguram-me que, se os passageiros das 2.ª e 1.ª classes pedirem vinho comum, lho darão imediatamente; tenho algumas dúvidas a este respeito, e bastará o facto de haver de se solicitar tal tipo de vinho para ninguém ousar fazê-lo, por natural acanhamento, relacionado com a denúncia de fracas possibilidades financeiras, tão inferiorizante em nossos dias. Se na mesa aparecer vinho comum, só os mais ricos, porventura, se absterão de o tomar.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Eu sou testemunha de que, pelo menos no respeitante às carreiras para o Brasil, quando os passageiros de 1.ª ou 2.ª classe requisitam vinho da casa - chamemos-lhe assim - ele lhes ó fornecido.

O Orador: - Anoto a informação de V. Ex.a, mas nas viagens que tenho feito, a bordo de navios nacionais, para Angola e S. Tomé nunca dei conta disso.

O Sr. Carlos Borges: - Nós não temos a coragem de pedir vinho para não cairmos na consideração dos próprios criados. O que há é falta de coragem moral.

O Orador: - Muito obrigado pelo aparte de V. Ex.ª, o qual está inteiramente de acordo com o que acabo de declarar.
A maior despesa exigida às empresas com a adopção do antigo hábito português seria, indubitavelmente, compensada por uma mais racional utilização dos géneros alimentícios, dos quais agora se estragam bastantes, com o lançamento ao mar, diariamente, de enormes quantidades de boa comida.
Dói o coração ao ver-se tamanhos desperdícios, quando tanta gente tem carência alimentar! E é apenas por isto que fiz este pequeno apontamento.
Replicar-me-ão que nas refeições dos restaurantes, nos comboios e em navios estrangeiros não entra o vinho. É verdade; é mais uma coisa má que copiámos lá fora; pagando-se o pão à parte - a luz da mesa! -, estranha-se que ainda não começassem a cobrar pela toalha ... nos navios e hotéis, e que não aconteça o mesmo com o pão nos primeiros ...
Quando se adquire a passagem em navio, nela vêm incluídas as refeições com pão. Porque não há-de figurar o vinho? E mais: as companhias de navegação nacionais devem proibir expressamente a compra de vinho comum não engarrafado que não seja de origem portuguesa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Permito-me apelar para os bons ofícios do nosso ilustre colega comodoro Pereira Viana, certo de que vai aconselhar a abolição destas incongruências prejudiciais à economia nacional.
Também a T. A. P. não da vinho às refeições nas carreiras para Londres e Paris. Não é que o consumo desta empresa tenha qualquer influência na solução do problema vinícola, mas representa infracção à lei - que obriga a fornecer vinho nas ementas fixas - e deixa do fazer propaganda do vinho português.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: acompanhemos de perto o vinho enviado para Angola e Moçambique, os dois imensos territórios ultramarinos que mais absorvem este liquido, a fim de nos apercebermos dos agentes condicionadores do seu elevado custo nestas províncias. Se, para o estrangeiro, o litro de vinho qualificado pode ser colocado a bordo por 1$50 a 1$60, com razoáveis lucros para o exportador, quando se dirige às mencionadas regiões africanas o preço F. O. B. é mais alto.
Segundo uma estimativa, somando ao preço de cada litro de vinho com 12.º chegado a Lisboa (1$34) $05 (transporte do armazém para o cais), igual quantia (despesas com o despacho alfandegário, incluindo os direitos de exportação) e as taxas corporativas ($03 para o Grémio e ($10 para a Junta Nacional do Vinho, contando com a recém-criada pelo Decreto-Lei n.º 40 037), obteremos por litro a cotação de 1$57, a que ainda

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falta adicionar as percentagens correspondentes ao preço da vasilha, a agência e ao lucro do exportador.
Como o vinho vendido para as nossas terras de além-mar preponderantemente se contém em barris de 100 l, façamos os cálculos com base nesta unidade:

129$00 - importância paga ao produtor;
5$00 - transporte da adega ao armazém em Lisboa;
5$00 - transporte do armazém ao cais;
10$00 - taxa para a Junta Nacional do Vinho;
3$00 - taxa para o Grémio do Comércio de Exportação de Vinhos;
60$00 - custo do barril;
20$40 - para a agência;
5$00 - despacho alfandegário.

Cada barril de vinho entrará finalmente no navio por 255$, ou sejam 2$55 cada litro; mesmo com os descontos que é costume fazerem-se (geralmente 5 por cento e mais 3 por cento), não pode deixar de reconhecer-se que o preço aparece já muito sobrecarregado.
Acrescentando ao custo do barril com vinho o frete e o seguro (em média 0,4 por cento sobre o valor da mercadoria C. I. F.), encontraremos para os principais portos de Angola e Moçambique:

(Ver tabela na imagem)

O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª sabe dizer-me qual a razão predominante do agravamento destas taxas sobre a exportação do vinho nas nossas províncias ultramarinas?

O Orador: - No desenvolvimento das minhas considerações V. Ex.ª encontrará os esclarecimentos que deseja.
Eis os preços da vasilha com o produto dentro das alfândegas de Angola e Moçambique, donde há-de sair carregado de novos encargos: direitos de importação ($50 e $45, respectivamente, em Angola e Moçambique) e outros impostos (2,5 ad valorem sobre a mercadoria C. I. F. em Angola e 2$50 por tonelada ou fracção em Moçambique, taxa esta, aliás, meramente estatística).
Os direitos fiscais vão elevar muito o preço do litro do vinho:

(Ver tabela na imagem)

Portanto, ao ser entregue ao retalhista, em Angola e Moçambique, 11 de vinho nacional terá, aproximadamente, os seguintes preços (sem se incluírem nestes encargos, por desconhecidas, as despesas de descarga e taxas portuárias nos portos de desembarque, nem a agencia do despachante - em Angola é 1 por cento C. I. F.), segundo os portos considerados:

Luanda .............. 5$01(75)
Lobito. .............. 5$01(9)
Moçâmedes. ............ 5$03(4)
Lourenço Marques. ..... 4$22(5)
Beira ............... 4$34(6)
Quelimane ............. 4$56
Moçambique ............ 4$56
Ibo ................ 4$63

Sr. Presidente: reparando na longa lista das alcavalas a que o vinho português está sujeito desde o embarque até sair das alfândegas ultramarinas em referência, reconhece-se que três parcelas se avantajam extraordinariamente: o custo do barril, o frete marítimo e os impostos fiscais.
Cotejemos o preço do litro do vinho ao deixar a adega do produtor com cada uma das citadas despesas que o oneram até ao local de desembarque:

(Ver tabela na imagem)

Como se vê, este quadro demonstra à saciedade que a responsabilidade do elevado custo do vinho em Angola e Moçambique (como nas demais províncias portuguesas de além-mar) cabe principalmente a três factores: barril, frete e direitos; se a vasilha se apresenta sempre com o mesmo preço, já o frete marítimo oscila entre 1$05 e 1$06(2) em Angola e entre 1$21 e 1$61(2) em Moçambique, e os impostos fiscais vão de 1$40(35) a 1$40(674) na primeira província, mantendo-se fixa em Moçambique a taxa aduaneira - 545 por litro.
Cada litro de vinho suporta os encargos do custo do barril, do frete o da tributação, de cerca de metade ou igual ao preço por que o produtor o vende na sua adega!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Será curioso trazer para aqui os preços médios do litro de vinho a retalho nas nossas províncias ultramarinas em diferentes anos (os que conseguimos obter):

Cabo Verde (Junho de 1954)...... 7$00
Guiné (Junho de 1953) ........ 8$62
S. Tomé e Príncipe (Dezembro de 1953)6$50
Angola (1954) ............ 7$00
Moçambique (Setembro de 1954) .... 7$25
Índia (Junho de 1954). ........ 11$50
Macau (19541, engarrafado ....... 13$20
Timor (1953). ............ 12$00

Da observação destes elementos conclui-se que em todos os nossos territórios de além-mar o preço médio do litro de vinho comum encascado nunca é inferior ao sextuplo do custo do líquido na adega, chegando a atingir em Timor um preço equivalente a onze vezes! Trata-se de preços dados por simples médias aritméticas, porquanto a realidade demonstra que há regiões (na Huíla, por

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exemplo) onde 1 l de vinho de inferior qualidade se vendia acima de 12$ em 1949!
Como será possível aos 500 000 portugueses que habitam em Timor beber o nosso vinho por 125, se cada litro de vinho encascado paga de frete para ali 2$17(8) e 3$40 se tiver sido transportado em garrafão?!
Europeus e nativos timorenses (principalmente estes) continuarão a ingerir vinho de palapa, de gamúti e de outras origens, fresco ou fermentado, e aguardente fabricada com a seiva das mesmas árvores ou com géneros alimentícios, já que não lhes propiciamos o vinho nacional a cotações compatíveis com o seu poder de compra.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Tive já oportunidade de aludir à influência que a redução de 50 por cento nos impostos aduaneiros operou no aumento de consumo do vinho em Angola, parecendo-me aconselhável uma leve diminuição desta fonte de receita do Estado - em Angola, no ano de 1953, atingiu a totalidade aproximada de 23 000 contos e em Moçambique cerca de 7200 contos.
A nossa Constituição Política proclama, no seu artigo 158.º, que u organização económica do ultramar deve integrar-se nu organização económica geral da Nação Portuguesa, preconizando para atingir semelhante objectivo a adopção de meios convenientes, incluindo a gradual redução ou suspensão de direitos aduaneiros. Tão admirável e patriótica doutrina também consta da Lei Orgânica do Ultramar -, com a recomendação de que a diminuição dos impostos alfandegários se efective lentamente, até à sua completa substituição por outras receitas, para que a falta de tais réditos não prejudique o equilíbrio orçamental e se oponha ao progressivo engrandecimento material e espiritual que hodiernamento só efectiva naqueles dois grandes territórios ultramarinos.
Perguntar-se-á: porque não se atenua também a incidência do imposto ad valorem sobre o vinho comum em Angola?
As dificuldades a encarar não são menores do que as apontadas para os direitos alfandegários. É que da cobrança desta taxa Angola aufere anualmente enormes proventos, que em 1953 ascenderam a perto de 40 000 contos.
Trata-se de questões melindrosas, a ponderar com o maior senso e prudência, não vá tal política comprometer o ritmo do desenvolvimento do magnifico plano de fomento que em Angola está a executar-se com o mais frutuoso êxito. Porque as receitas cobradas em Angola têm excedido sempre as previsões orçamentais, julgo que talvez a diminuição do imposto ad valorem possa ser compensada parcialmente pelas sobretaxas fiscais lançadas sobre a cerveja (que deve ser sempre bastante mais cara do que o vinho comum) e sobre a Coca-Cola ou refrigerantes análogos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Em face das circunstâncias expostas, vejamos se há viabilidade prática de reduzir razoavelmente o custo das vasilhas e o do transporte destas com o vinho.
Sr. Presidente: como é do conhecimento geral, o vinho embarcado para o ultramar continha-se, outrora, em cascos de castanho de origem nacional ou italiana; actualmente as vasilhas são confeccionadas de eucalipto, madeira que, por ser porosa, recebe posteriormente um revestimento de parafina, o qual não modifica as qualidades químicas ou organolépticas do liquido.
Esta cascaria, ainda que onerosa, é mais barata do que a antiga.
Se bastante do nosso vinho é exportado para o ultramar em garrafões e em garrafas, a maior parte segue em barris de 100 l.
O vinho engarrafonado, como o engarrafado, dá mais garantias de pureza, mas, por obrigar a despesas superiores às dos barris (custo do garrafão, transporte, susceptibilidade de inutilização, etc.), o seu preço é elevado; por isso o vinho de garrafão ou de garrafa, devendo ser da melhor qualidade, fica naturalmente mais caro no ultramar, facto do qual não parece advir inconveniente de relevo, visto o liquido se reservar a ser comprado por pessoas favorecidas pela fortuna, que já somam ali um número apreciável.
Todavia, não é nesta classe económico-social que se achará a cifra de consumidores capaz de aumentar a nossa importação vínica em Angola e em Moçambique, mas sim nas duas centenas de milhares de colonos brancos, sobretudo, nos nove milhões de nativos que as habitam, tão ávidos de libações alcoólicas.
Não será, contudo, com vinho vendido a preços proibitivos que se conseguirá colocar ali o excedente da nossa produção. Se, à semelhança de outros países vinicultores, em lugar de barris se utilizarem depósitos metálicos especiais, adaptados aos navios portugueses, poderemos levar grandes quantidades de vinho de boa qualidade e a cotações muito acessíveis para os europeus e nativos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A primeira vista esta sugestão prejudicará os tanoeiros e obriga r.-í u adaptações, sempre dis-Sendiosas. Não suponho elevado o número de artífices e tanoaria e, por consequência, não seria impossível ao Governo solucionar convenientemente o seu problema particular, por exemplo: promover a respectiva indústria no ultramar, onde há tantos eucaliptos; são novos colonos especializados que irão ajudar a valorização económica das províncias ultramarinas e, se algum sacrifício houver, será de uns poucos milhares para benefício de mais de dois milhões de portugueses.
Por causa do excessivo frete o também de o barril não aguentar mais de duas viagens, e apesar de disposições legais o consentirem - dentro do prazo de um ano sem exigências alfandegárias - nenhum barril armado ou desfeito é reimportado, ficando no ultramar a fazer vedações de jardins o paredes de hortas e currais, quando não, serrados pelo bojo, se transformam ora selhas de lavar roupa ou em recipientes paru plantas ornamentais! Outrora, quando as vasilhas eram todas de castanho, ainda havia quem as reimportasse; agora não.
Por outro lado, porque está vedado o regresso dos arcos dos barris - em virtude de já não haver dificuldade de aquisição de ferro no estrangeiro -, em cada ano temos do gastar alguns milhões de escudos desta matéria-prima - 10 000 contos, aproximadamente, em 19551 - para a arcaria de perto de 000000 cascos enviados para o ultramar português.
Sobe u algumas dezenas de milhares de contos o somatório dos fretes que a nossa marinha mercanto recebeu em 1953 pela condução de vinho nacional para Angola e Moçambique; tratando-se de quantia considerável, a perda dessa carga comprometeria a vida financeira das empresas de navegação marítima portuguesas, que todos desejamos em plena actividade e desenvolvimento.
Mas, a bem da economia nacional, de duos alternativas uma: ou os fretes tom de descer muito, ou há quo admitir a construção de depósitos metálicos com grande capacidade, devidamente acondicionados e defendidos da influência climática dos trópicos, para serem instalados a bordo dos nossos navios mercantes; as avultadas despesas destas acomodações brevemente seriam ressarcidas,

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tanto pelos sucessivos o volumosos carregamentos de vinho para as províncias ultramarinas, como pela carga que trariam na volta à metrópole - açúcar, milho, café e outros géneros nutritivos insusceptíveis de danificar as paredes dos depósitos ou de transmitir-lhes qualquer cheiro.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: tão grande quantidade de vinho exige a construção de armazéns nos portos de desembarque com cais acostáveis, providos de todos os requisitos modernos de segurança e higiene, como refrigeração, pessoal especializado, etc.; dois depósitos desta natureza em Angola (Luanda e Lobito) e outros dois em Moçambique (Lourenço Marques e Beira) seriam suficientes para abastecer, em condições adequadas, os nossos grandes territórios de além-mar, evitando preços de vinho desconformes e inacessíveis à bolsa da maioria dos colonos e nativos. Desta sorte se faria desaparecer o triste espectáculo de abandono, vulgaríssimo nos cais dos portos ultramarinos, que, por falta de instalações convenientes, dão os amontoados dos barris, expostos às chuvas torrenciais e aos calores ardentes, ou a servirem de retrete às aves domésticas e selvagens e aos cães que por ali adreguem vadiar, senão ainda a despertar a tentação libatória de alguém sem meios para licitamente adquirir o conteúdo ...
Nos armazéns indicados o vinho seria engarrafonado ou engarrafado, e assim partiria para os locais de consumo, operação que requer recipientes de vidro, que ainda não fabricamos em Angola e Moçambique. Pois bem. Construamos unia fábrica de garrafas e garrafões em cada uma destas províncias; estas iniciativas não obrigam a despesas insuportáveis com os edifícios, maquinaria e pessoal, nem tão-pouco com a obtenção das principais matérias-primas para o fabrico do vidro. Ë não creio que esta actuação atingisse a indústria vidreira da metrópole, porquanto esta continuaria a exportar, como agora, vinho em vasilhas de vidro; as garrafas e os garrafões fabricados no ultramar seriam apenas para conter o vinho para ali ido em grandes depósitos, destinado ao consumo local, ou, se se achar preferível e de acordo com o que já afirmei, transplante-se para lá a indústria de tanoaria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Tenho ouvido dizer que o armazenamento do vinho em Angola e Moçambique não dará os resultados apetecidos, como flagrantemente o patenteou a tentativa de certo exportador que em Luanda edificou um armazém, o qual posteriormente, já passou por três ou quatro donos, e sempre com precários rendimentos (ao contrário, aliás, do que acontece em regiões ultramarinas pertencentes a outros países vinhateiros), acabando, alfim, por ter diferente utilização.
Penso que a ineficiência de semelhante empreendimento há-de filiar-se, entre outros motivos - como a fama que lhe criaram, consciente ou inconscientemente, de que ali se fabricava vinho a martelo -, na desapropriada organização técnica e administrativa, defeito que também se nota em algumas empresas congéneres da metrópole. Não somente um indivíduo ou uma sociedade, mas todos os que exportam vinho para o nosso ultramar, juntamente, congregando esforços e capitais, devem levar a cabo tamanha realização, que, trazendo-lhes pingues ganhos, contribuirá poderosamente para a valorização da economia nacional; a estes exportadores e armazenistas da metrópole, como lógico complemento e a bem dos seus interesses, poderia caber também a incumbência de construir as duas fábricas de garrafas e garrafões em Angola e Moçambique, tarefa a que não faltaria, com certeza, o apoio e a protecção do Estado.
Sr. Presidente: a construção de um navio-tanque, como deseja o ilustre colega Dr. Pinho Brandão, seria, iniciativa interessante mas muito dispendiosa, razão por que só os armadores e exportadores reunidos poderiam tentá-la - a França tem utilizado navios-tanques no transporte do seu vinho para a Indochina e da Argélia para Marselha; outra modalidade de condução do vinho consistiria no aproveitamento de cascos grandes, que já foi experimentada sem êxito convincente, devido à carência de convenientes acomodações nos nossos navios. Pêlos motivos apontados, inclino-me para a utilização de grandes recipientes, associados à edificação de armazéns nos cais de Luanda, Lobito, Lourenço Marques e Beira e à construção de nina fábrica de garrafões e garrafas em cada uma das aludidas províncias.
Resolvido o problema da redução do preço do vinho ao entrar em Angola e Moçambique, surge outro: o do transporte para os lugares do consumo em boas condições de cotação e de genuinidade - questão importantíssima, não só pelas enormes distancias que separam os maiores centros populacionais do «mato», como pelas dificuldades de fiscalização.
Julgo que uma vigilância constante e a aplicação rígida de pesadas sanções tornar-se-iam mais viáveis o fecundas se incidissem sobre o vinho nos armazéns e ao ser vertido em vasilhas de vidro ou nos barris fabricados ali, a seguir, hermeticamente fechados, para imediato ou afastado uso.
Os transportes terrestres em Angola e Moçambique são geralmente muito caros, devido às centenas de quilómetros a percorrer, à natureza das estradas e à escassez de veículos no interior de tamanhos territórios e longe dos agregados urbanos; eis porque, quanto mais barato chegar o vinho lá, maiores serão as possibilidades de brancos e nativos o adquirirem.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: ó ocasião de anotar algumas ideias acerca da apetência dos incultos pelas bebidas alcoólicas. Todo o tipo de vinho os satisfaz, preferindo, no entanto, o tinto, mesmo que haja recebido relativa porção de água.
O nosso ilustre colega engenheiro Monterroso Carneiro, ao perguntar um dia a um seu criado preto a razão por que o litro de vinho custava mais caro na Baixa da cidade de Luanda do que nos «Musseques», não obstante lhe ter sido recordada a distância entre os dois locais, condicionadora de maiores despesas com o transporte, foi-lhe respondido calma o conformadamento: «custa menos na Baixa do que nos arredores de Luanda porque aqui tem mais água!.
O Sr. Dr. Paulo Cancella de Abreu, baseado em informações de eminentes colonialistas portugueses do fim do século passado e do principio do actual, condenou com vigorosa severidade a ingestão dos líquidos cereais, atribuindo-lhes activas propriedades inebriantes, promotoras de um impressionante cortejo de sequelas deletérias, culminadas no alcoolismo inveterado e invencível, que embrutece, envenena o acabará por inutilizar e conduzir à sepultura os bebedores e repercutir-se gravemente na sua prole.
Salvo o devido respeito, um meu entender, alicerçado no conhecimento directo e aturado que tenho dos povos incultos, trata-se de conceitos muito generalizados e nem sempre inteiramente verdadeiros.
Que as gentes atrasadas preparam bebidas fermentadas de todas as substâncias mais ricas de hidrato de carbono é uma verdade inquestionável, assim como não é menos certo saberem fabricar líquidos destiladas.

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É geralmente de milho e milhinhos, de arroz, de mandioca, de batata doce, de medula de cana sacarina, de mel ou da polpa de muitos frutos que os nativos fazem líquidos fermentados, impropriamente chamados vinhos, visto não passarem, respectivamente, de autGnticos tipos de cerveja, hidromel e cidra; também ingerem seiva de palmeiras dendô, de coco e de outras, normalmente obtida por meio de incisões abertas nos pedúnculos das respectivas inflorescôncias.
As bebidas cafreais tanto podem ser deglutidas recém-fabricadas como algumas horas depois; a demora de ingestão eleva o grau alcoólico, motivo por que estes líquidos são mais queridos dos indígenas, embora menos inebriantes do que a vulgaridade dos nossos vinhos comuns, e que só provocarão embriaguez se forem tomados em quantidades muito exageradas.
Eu próprio tive muitos ensejos de provar estes líquidos cafreais confeccionados para uso gentílico - cujos nomes vernáculos e particularidades de fabrico não trago para aqui só para não alongar mais a minha exposição - e confesso que os achei com fraca graduação etílica e agradáveis ao paladar, recomendando-se principalmente pelas suas propriedades nutritivas.
E quanto aos vinhos de palmeira dendê e de coco, considero-os deliciosos e saudáveis quando recolhidos durante a noite e saboreados frescos de manhã cedo, ocasião em que lembram o champanhe, se bem que quase desprovidos de álcool.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sendo assim, porque se julgam tão inclementemente as bebidas cafreais fermentadas? Às razões são fáceis de apreender: se o indígena, naturalmente imprevidente, converter em líquidos alcoólicos os produtos que constituem a base da sua alimentação, pode vir a ter fome pelo ano fora, ficando, consequentemente, enfraquecido e incapaz de desenvolver um esforço maior, expondo-se a contrair toda a casta de doenças, que podem não apenas molestar o respectivo portador como contribuir para a degenerescência da tribo.
Porém, não são as bebidas fermentadas puras que despertam com frequência o aparecimento dos referidos quadros mórbidos, mas tão-somente aqueles líquidos a que forem adicionados ingredientes de efeitos excitantes e nocivos de vária índole; tão-pouco as seivas de palma e do coqueiro, frescas ou pouco retardadas, embriagam e prejudicam tanto a saúde como se tem propalado - nas possessões francesas da África Ocidental o vinho de palma figura obrigatoriamente nas ementas diárias dos indígenas, e em todas as regiões onde abundam as palmeiras e a respectiva extracção não está interdita é utilizado por nativos e europeus, correntemente e em maior ou menor escala, sem qualquer inconveniente. Todavia, deve acrescentar-se que outros motivos levam a dificultar a sangria das palmeiras dendê e de coco e o emprego de géneros alimentícios: se as palmeiras produzirem vinho, não dão óleo ou copra - dois géneros de exportação com apreciável importância económica-, contrariando-se o fabrico de vinho de milho, de arroz e de mandioca por análoga razão.
E como os povos culturalmente atrasados adoram os líquidos alcoólicos fermentados - sempre os confeccionaram através dos tempos e, sejam quais forem as providências restritivas que se decretem, eles persistirão em prepará-las e bebê-las -, só uma maneira de agir é aconselhável: facilitar-lhes o uso do vinho europeu a preços convidativos.
Já a mesma opinião eu não poderia emitir a respeito do vinho feito «a martelo» (o célebre vinho de preto), com álcoois e ingredientes perniciosos, nem das bebidas destiladas, simples ou adicionadas de matérias mais ou menos tóxicas, sejam ou não fabricadas pelos indígenas, pois tanto afectam a saúde quando ingeridos correntemente em altas doses.
Com excepção dos nativos praticantes do islamismo (que se contam por muitos milhares na Guiné Portuguesa, Norte de Moçambique e Estado da Índia) e do protestantismo (em Angola o Moçambique), rigorosamente abstémios, todos os pretos sabem fabricar bebidas etílicas fermentadas, e a maior parte deles manipula um alambique para obter aguardentes destas ou de macerados de frutos diversos, colhidos na floresta.
Para esta operação bastam-lhes duas panelas de barro, que unem pelas aberturas, justapondo-as hermòticamente com auxílio de argila fresca: de um pequeno orifício feito no recipiente superior parte um tubo (de cana, cano de velha espingarda, etc.), que mergulha em água fria, contida em larga selha de madeira, saindo depois através da parede. Sob a panela inferior arde uma fogueira, lentamente, e o vapor de água etilizado, condensando-se ao passar pelo tubo envolvido em água, cai em gotas numa cabaça.
O fabrico e o comércio de bebidas destiladas, de harmonia com as conferencias de Bruxelas de 1899 e de Saint-Germain-en-Laye de 1919, estão proibidos entre os indígenas do nosso ultramar, sendo os prevaricadores activamente perseguidos e castigados com pesadas penalidades, impostas pelas autoridades administrativas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: os sociólogos afirmam que, de uma maneira geral, a humanidade faz uso das bebidas inebriantes com o intuito de obter boa disposição física e espiritual, em demanda de ilusória felicidade, encontrada no fugaz esquecimento ou alívio das influências depressivas do ambiente que a rodeia, libertando-se das fadigas, aborrecimentos, misérias e tristezas da vida ...
Sem distinção de roça ou de cor, todos os homens, excluídos os observadores de certas seitas religiosas, gostam de líquidos alcoólicos, e os habitantes de Angola e Moçambique e das outras províncias ultramarinas portuguesas fabricá-los-ão, se não lhes facultarem meios propícios de adquiri-los aos Europeus.
Jamais se arredará da minha memória a atitude quase ritual em que os componentes de um pequeno grupo étnico do deserto do Moçâmedes se serviu de vinho que lhes ofereci: de cócoras, homens, mulheres e crianças, velhos e novos, ingeriram o líquido, paulatinamente, olhos em êxtase, emitindo no fim sons interjectivos de profundo contentamento, acompanhados de movimentos com as mãos, passadas lentamente sobre o tórax e o abdómen!
Por isso, na impossibilidade de impedir-se inteiramente que os nativos tomem as bebidas por eles preparadas, actuemos no sentido de substituí-las pelos nossos vinhos, diligência que, satisfazendo o gosto dos interessados, igualmente concorre, e de maneira decisiva, para o bem-estar dos vinicultores e para a economia geral da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - À semelhança da sugestão de dar vinho aos soldados durante as refeições, feita pelo Sr. Dr. Paulo Cancella de Abreu e a qual apoio calorosamente, preconizo a inclusão de certa quantidade de vinho comum nas rações alimentares dos trabalhares indígenas que manifestem este desejo; quantas dezenas de milhares de nativos empregados nus explorações agrícolas e industriais da África Portuguesa não receberiam de bom grado tal determinação! Se a cada nativo pudesse ser distri-

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buído diariamente algum vinho comum, fácil é apercebermo-nos do elevado montante da bebida que anualmente seria gasta em Angola e Moçambique! Estou convencido de que esta concessão também se reflectiria de maneira benéfica no rendimento útil do seu labor. Mas, está claro, esta ideia só teria exemplificação prática se o preço do vinho comum descesse bastante, e nunca com a cotação actual.
E a ninguém é lícito estranhar esta aspiração; se com a ração alimentar dos trabalhadores de S. Tomé e Príncipe obrigatoriamente lhes dão tabaco, mais lógico parece que, em vez de ajudar-se a consolidar um vicio, porventura pernicioso, se lhes oferte um elemento nutritivo e energético de primeira ordem e que, agradando-lhes extremamente, concorrerá poderosamente para a colocação do excedente da produção vinícola nacional.
Sr. Presidente: sou chegado ao cabo do longo depoimento que me impus trazer à Assembleia. Das minhas palavras ressaltam as seguintes conclusões:

1.º A proibição ou restrição de plantio de vinhas só a título de solução de emergência ou provisoriamente poderá admitir-se como providência capaz de atenuar as crises da nossa sobreprodução vinícola; os seus efeitos materiais sentir seriam tardiamente, ao invés dos reflexos políticos e sociais manifestados imediatamente. Perfilho absolutamente a doutrina a exemplificar em lei, atinente a não autorizar para o futuro a plantação de vinhedos em solos que os peritos agronómicos considerem mais propícios para cultivo de cereais e legumes.
2.º A fiscalização técnica de vinho na metrópole tem-se operado razoavelmente dentro das possibilidades de que dispõem os organismos competentes, em contraste com a repressão policial (que visa a perseguir toda a classe de mixordeiros), de cuja actividade pouca gente até agora terá dado conta; por isso, há que intensificar a primeira actuação e desenvolver eficazmente a segunda, estendendo-as ambas ao ultramar, nomeadamente a Angola e Moçambique, os futuros grandes consumidores do nosso vinho comum, a fim do rarearem ou desaparecerem as fraudes, impondo aos prevaricadores duras sanções, inflexivelmente aplicadas. Da eficiência das duas modalidades de fiscalização advirá indubitavelmente um substancial aumento da ingestão do vinho português.
3.º A inclusão obrigatória de vinho comum nas rações dos soldados de terra e mar e, porventura, nas dos trabalhadores rurais da metrópole e das províncias ultramarinas e, bem assim, nas ementas dos restaurantes, comboios e navios mercantes nacionais e a revisão dos diplomas legais que actualmente regulam a venda de vinho ao público concorrerão bastante para uma maior expansão do consumo interno do vinho nacional.
4.º A construção de múltiplos armazéns de reserva ou reguladores na metrópole, destinados a recolher o excesso das colheitas nos anos de abundância, estabelecerá o equilíbrio estável do binómio producão-consumo, evitando-se o aviltamento do preço do vinho na adega, quando houver abundância, e a elevação incomportável nas safras deficitárias.
5.º O barateamento do preço do vinho comum constitui condição fundamental para o seguro alargamento do seu consumo, tanto na metrópole como, e principalmente, em terras de além-mar, passando do artigo de luxo, como agora é, a género popular acessível ao poder de compra de todos os portugueses.

Para alcançar-se este último e importante objectivo económico, social e político torna-se indispensável diminuir o efeito das causas que, preponderantemente, agora obstam a sua consecução: o custo da vasilha, o frete marítimo para o ultramar português e os direitos.
Se se reconhecer a impossibilidade de limitar ao mínimo o custo dos recipientes de madeira ou de vidro e de baixar sensivelmente o freto, e perante a inviabilidade financeira da construção de um navio-tanque, há que encarar:

a) A confecção de depósitos metálicos com grande capacidade, a adaptar aos nossos navios mercantes ;
b) A edificação de armazéns modernamente apetrechados para recolha do vinho em Luanda, Lobito, Lourenço Marques e Beira;
c) Construção de fábricas de garrafões e de garrafas, uma um Angola e outra em Moçambique, para conterem o vinho que dos armazéns ultramarinos sai para os locais de consumo ou a transplantarão para ali da indústria de tanoaria.

Dentro do espírito nobremente nacionalista consignado na nessa Constituição Política e na Lei Orgânica do Ultramar Português, que preconiza a redução até ao desaparecimento dos direitos aduaneiros, tal desagravamento fiscal tem de fazer-se gradualmente e à medida que outros impostos sejam criados em substituição dos extintos, para se não comprometer o equilíbrio orçamental das duas províncias nem o magnífico surto colonizador que ora ali se desenrola; a adopção do plano de política económica que defendo permitirá o abaixamento das taxas fiscais, sem prejuízo para o postulado essencial, porquanto uma maior afluência de vinho ao ultramar trará, consequentemente, mais volumosa soma de tributos.
Para as províncias ultramarinas de menor consumo, onde, por motivos óbvios, não podem ser adoptadas as soluções relativas à atenuação dos encargos com a vasilha e o frete marítimo, só na limitação dos direitos acharemos remédio para aliviar o preço proibitivo por que o vinho nacional chega a esses territórios. As desvantagens financeiras poderiam, porventura, ser compensadas pela criação de novas receitas, provenientes da elevação da incidência de taxas sobre certos produtos ricos de exportação ou fabricados in loco, como a cerveja, que mais facilmente suportem estes encargos.
Sr. Presidente: o aumento do consumo do vinho português, e, portanto, a atenuação ou o desaparecimento das nossas crises de sobreprodução, será conseguido com o equacionamento de três questões básicas: preço, qualidade e frete-direitos - barateamento do preço do vinho e boa qualidade para a metrópole; barateamento do preço, boa qualidade e redução do frete e das taxas fiscais para o nosso ultramar; barateamento do preço e óptima qualidade para o estrangeiro. Também eu admito que a presente conjuntura vinícola portuguesa se filia menos na abundância do que no subconsumo interno, metropolitano e ultramarino.
Estou convencido de que tais questões são mais fáceis de enfrentar com êxito do que parece e até talvez se pudesse remunerar melhor o preço do vinho no produtor.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tudo depende de compreensão, vontade e patriotismo, predicados que não regateio aos orga-

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nismos oficiais e corporativos nem às pessoas singulares e colectivas interessadas na pronta, resolução deste transcendente problema nacional. Importa coordenar ainda mais a acção dos vários serviços dependentes dos Ministérios da Economia, das Finanças, da Marinha e do Ultramar, pois que nesta tão magna questão nau se compreenderia que trabalhassem isoladamente.

Vozes : - Muito bem!

O Orador: - Depois, o Governo de Salazar, sempre atento e empenhado na procura do bem-estar moral e material da Nação, fará o resto.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: pedi a palavra para inundar para a Mesa o seguinte

Moção

«Considerando a excepcional importância do problema vitivinícola na economia nacional;
Considerando que no decorrer do debate se acentuou essa indiscutível importância;
Considerando que do mesmo debate resulta a necessidade de se rever o delicado problema do plantio e de se promover uma firme política de defesa da qualidade e consequentemente das marcas regionais e das demarcações de origem, já criadas ou a criar;
Considerando que a exportação pode atenuar as dificuldades em que se debate, a agricultura;
Considerando o relevante papel que a organização corporativa tem desempenhado na, solução destes problemas e a missão importantíssima que ela virá ainda a desempenhar:
A Assembleia Nacional confia em que u Governo continuará a providenciar no sentido de se rever o condicionamento do plantio; de acelerar a constituição de adegas cooperativas; de promover o escoamento dos vinhos, atendendo ao custo da produção; de proteger a expansão dos nossos vinhos nas províncias ultramarinas, eliminando as dificuldades ao seu comércio e combatendo a concorrência de outras bebidas cujo consumo não interessa fomentar; de tomar as medidas convenientes para que a organização corporativa possa desempenhar integralmente a sua missão; do incentivar, nos mercados externos, uma propaganda eficiente dos nossos vinhos, nomeadamente das nossas grandes marcas do Porto e da Madeira.

Sala das Sessões, 11 de Fevereiro de 1955. - Os Deputados: Francisco Cardoso de Melo Machado - Daniel Maria Vieira Barbosa - Sebastião Garcia Ramires - Manuel Colares Pereira - António Carlos Borges - Elísio de Oliveira Alves Pimenta - José Sarmento de Vasconcelos e Castro - André Francisco Navarro - António Rodrigues - Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça».

O Sr. Dinis da Fonseca: - Sr. Presidente: compreendo que possa causar certa estranheza a minha intervenção neste debate.
Não sou produtor de vinho; sou apenas proprietário de três cepas que enfeitam o meu quintal. Não tenho qualquer interesse ligado a negócios de vinho e, embora aprecie muito os bons vinhos, por motivo de saúde sou quase abstémio. Nenhuma razão ou interesse especial me movia, pois, a tomar parte neste debate.
A culpa quero endossá-la ao ilustre Deputado avisante. Sr. Dr. Paulo Cancella de Abreu, porque fez nesta tribuna uma tão brilhante evocação do valor da viticultura, da sua importância na economia nacional, que demonstrou que nenhum dos representou um da Nação podia, desinteressar-se deste magno problema. E essa foi a razão que mo trouxe a esta tribuna.
E aproveito o ensejo para felicitar o ilustre Deputado avisante pela oportunidade e do brilho do seu aviso prévio.

Vozes : - Muito bem!

O Orador: - Fizeram-se nesta tribuna as mais brilhantes intervenções, muitas delas respeitantes aos interesses e ao valor da viticultora nas várias regiões do País.
Julgo úteis e convenientes essas intervenções, para que quem de julgar em conjunto o problema da viticultura portuguesa tenha conhecimento exacto de muitos pormenores, de muitos interesses legítimos e aceitáveis dessas várias regiões.
Só receio que possa acontecer a alguns desses intervenientes o que acontece aos médicos especialistas, que tanto se apaixonam pelo estudo de um órgão e pela sua patologia que chegam a esquecer as leis da fisiologia geral, e, assim muitas vezes se tornam os piores clínicos para velar pela saúde de um doente.
Propõe-se este aviso prévio suscitar medidas ou providências para atenuar a crise que atravessa a viticultura, talvez sobretudo para prevenir maiores agravamentos de futuro. E, por isso, não me parece despropositado pôr nesta tribuna a seguinte pergunta: sendo a crise vinícola portuguesa já velha - pelo menos na sua fase aguda, embora intermitente, conta cinquenta anos - e tende-se públicos - sobre ela sucessivos Governos e a maior parte dos nossos homens públicos, que estabeleceram determinadas bases numa série de diplomas, pergunta-se: essas bases estarão certas, e haverá por isso que, respeitá-las, ou estarão erradas e devem ser substituídas, e, nesta hipótese, em que sentido?
Este parece-me ser um aspectos importantes e graves do problema, colocado no seu aspecto político.

Vozes : - Muito bem!

O Orador: - Como ao ilustre, Deputado Sr. Melo Machado, também me parece que, folheando as páginas do Diário do Governo, nelas encontramos primorosos relatórios, em que a questão vinícola está proficientemente tratada. Encontramos soluções justas e adequadas, já claramente articuladas em vários diplomas.
Basta recordar do passado os diplomas de 1907 e da actual situação os diplomas de 1933 e de 1935; estes últimos mereceram até a esta Assembleia larga e proficiente discussão.
Em meu entender, tudo nesses diplomas se encontra previsto para atalhar com justiça as crises que possam surgir na viticultura portuguesa.
O problema não é pois, quanto a mim, de leis ou providências novas, mas, sobretudo, de pôr em prática ou dar execução mais eficiente às leis e providências que foram oportunamente tomadas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas reconheço que porventura mau todos pensem assim e por isso, e só por isso, me permito fazer sobre o problema ligeiras considerações, principiando, não por folhear o Diário da Governo - nem o poderia fazer depois de tão longo debate - , mas apenas vir recordar a VV. Ex.ªs dois ou três passos da história da crise vinícola no último meio século.

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Em Novembro de 1886 a penúria de vinho era Portugal era tão grande que, para incitar a plantar e replantar terrenos de vinha, se inseriu num decreto dessa data um artigo isentando de contribuição predial por dez anos os terrenos em que plantasse ou implantasse vinho; esse artigo vinha num diploma que procurava incentivar o ataque a filoxera, que tinha devastado os nossos vinhedos.
Mas vinte anos depois, em 1906, verificava-se a primeira enchente de vinho; e, como o vinho do Porto era o mais afumado, todo o vinho que se produzisse no País queria ser vinho do Podo; aviltámos por essa forma a qualidade ao afamado vinho do Porto que concorria aos mercados externos. Foi preciso intervir e ordenar-se um inquérito para se saber quais os vinhos que eram produzidos na região do Douro. Esse inquérito foi instituído pelo Decreto de 3 de Novembro de 1906.
No ano seguinte, em Março ou Abril de 1907, abriu-se nesta mesma sala um debate sobre n crise vinícola, debate em que tanto se azedaram os interesses e tanto se avinagraram as opiniões que foi preciso fechar o Parlamento para o Governo poder publicar o Derreio de 10 de Maio de 1907 - o primeiro que enfrentou a defesa dos interesses do vinho do Douro. Quem consultar a legislação desse tempo encontrará com a mesma data dois decretos: o n.º 1 e o n.º 2. Ocupava-se o primeiro do problema dos vinhos e o segundo de dissolver a Câmara dos Srs. Deputados da Nação.
E, caso curioso, o relatório do decreto dos vinhos ocupava-se sobretudo de justificar a política do Decreto n. 2, expondo as razões que obrigavam o Governo a pedir o encerramento do Parlamento, para poder fazer administração perfeita o honesta.
Meses depois, em 2 de Dezembro de 1907, publicava então o Governo uma larga e completa exposição sobre a crise vinícola, precedendo o decreto que suspendia a plantação das vinhas abaixo da cota 50. Nesta exposição, a meu ver, tudo está vivo e actual. Desde a importância da viticultura na economia do País à obrigação que impende sobre os Poderes Públicos de defenderem os seus interessas vitais contra os interesses transitórios, que ameaçavam indisciplinar a produção e o comercio dos vinhos.
Nessa exposição era o problema encarado sob três aspectos: o enológico, o económico e o social. Quanto ao primeiro, assentava na qualidade contra a quantidade. Econònomicamente, reconhecia a necessidade de obter o equilíbrio entre a produção e o possível consumo, interno e externo. Finalmente, sob o aspecto social, reconhecia que o granjeio da vinha no nosso país constituia uma cultura complementar de outros trabalhos e produtos, agrícolas. Produz-se normalmente em pequenas explorações para gastos de casa e o que sobra para equilibrar os orçamentos das pequenas economias domésticas ou familiares.
Impunha-se por isso a necessidade e a conveniência social de defender essas pequenas explorações, de preferência à cultura intensiva ou industrializada. Entendia-se já nesse tempo o preceito, que hoje figura na nossa Constituição, de que não é a mais-valia mas ao rendimento socialmente útil que deve atender-se de preferência.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas a defesa de todos estes três aspectos assentava fundamentalmente na defesa do primeiro - da qualidade -, porque só a defesa desta permitia atingir o equilíbrio entre a produção e o consumo e no mesmo tempo realizar a defesa social.
Para alcançar vinho de qualidade era preciso cultivar a vinha nas encostas; estas produzem pouco mas bom, o que facilita o equilíbrio. É aproveitando as encostas que a viticultura se mantém na sua feição complementar de defesa do pequenos patrimónios agrícolas.
Tal era o sentido geral da exposição de 3 de Dezembro de 1907.
A política definida nessa exposição era de pouco e bom, embora de custo de produção elevado, contra a tentadora política do muito ruim, embora mais barato.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - São estas duas políticas que, em meu entender, lutam entre si há meio século. E devemos reconhecer que, teòrircamente, tem prevalecido e se tem defendido sempre a política do pouco e bom, mas, praticamente, quantas vezes tem prevalecido a do muito e ruim!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É certo que os interesses transitórios, com a ânsia de lucro imediato, não têm a coragem de defender abertamente a política do muito e ruim, mas têm-na praticado de facto, fraudando todas as leis e toda a disciplina corporativa, que, debalde, sucessivos decretos têm pretendido impor. De modo que o problema, encarado sob o aspecto político, não consiste, meu ver, em fazer leis novas, porque as leis de 1907,1933 e 1935 contêm a disciplina jurídica e económica suficiente para resolver a crise de excesso de vinho ruim, quer proveniente de qualidades inferiores, quer de falsificações propositadas que, encharcam o mercado.
As providências que constam- das leis são óptimas; a questão é que nunca se cumpriram, porque os interesses transitórios procuram que a crise se resolva, mas sem que a eles seja imposto qualquer sacrifício!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Este mesmo problema se encontra previsto na exposição de 2 de Dezembro de 1907 e com tal precisão e clareza, que me permito recordar à Assembleia umas pequenas passagens.
Com respeito à qualidade dizia-se nessa exposição:

Uma coisa importa assentar, que não carece de larga demonstração por ser um facto indiscutivelmente averiguado. O nosso país não pode lutar com os baixos preços dos vinhos de outras nações produtoras, mas excede-as na superior qualidade das massas, ou tomem o carácter de vinhos generosos ou de vinhos de pasto e consumo.
Dispondo ainda de grandes mercados consumidores, os nossos esforços para os defender e assegurar devem, essencialmente dirigir-se à qualidade, pois esta é, por mercê da constituição do nosso solo o da sua favorável exposição e ainda pela especialidade das castas cultivadas, a única que garante vantagens e superioridades. E sendo assim, como é, ninguém duvidará de que o futuro da nossa exportação depende da prosperidade das regiões onde se produzam vinhos nobres e afamados, que não têm competências e aos quais devemos o crédito universal dos produtos desta natureza.

Já então se afirmava a luta entre produtores de várzea e produtores de encosta. Dizia-se na referida exposição:

Enquanto os vinhedos que alcançam uma determinada produção por hectare lutarão vantajosamente com o abaixamento dos preços e tirarão da sua cultura proveitos apreciáveis, enquanto a plantação mais e mais se alargará, atraída pelo lucro, em toda a parte em que as grandes quantidades

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asseguram as despesas de laboração, desaparecerá necessariamente a cultura, nas regiões mais reputadas, pois que já hoje os vinhos ali não conseguem, em anos de produção regular, preço proporcional aos encargos e labores que determinam.
Os vinhos que pelas suas características nos asseguram reputação nos mercados externos e aí encontram razoável colocação pouco a pouco se irão diluindo, até que por completo desapareçam na massa anónima e indiscriminável dos vinhos baratos, dos vinhos de lote. que nos mercados estrangeiros não poderão, por si sós, aguentar-se contra a alheia concorrência.

E insistia-se:

As sucessivas plantações cada dia mais agravam o estado actual, e a seguir-se este caminho a brevíssimo trecho teremos por nossas próprias mãos inutilizado um dos mais valiosos ramos da produção nacional e irremediavelmente comprometido, pelo desaparecimento dos produtos de nomeada, dos vinhos do tipo mais acentuado e firme, a única garantia que ainda nos mercados nos assegura e defende a, nossa invejável situação.

Queixamo-nos hoje de falsificações. Também já nesse tempo as havia.
É interessante ver como o assunto era já analisado na exposição de 1907:

Não há dúvida de que para a crise concorrem largamente as falsificações, que são o mais danoso e temível inimigo da viticultura, que imporia perseguir com rigor, estabelecendo-se um apertado conjunto de medidas que permita uma repressão eficaz e decisiva.
Não há, porém, quem desconheça quanto é difícil exercer uma absoluta vigilância sobre o numeroso exército dos fraudistas de vinhos e como os laboratórios não encontram por vexes, nas sofistificações vinárias mais averiguadas e perceptíveis à degustação, falta de um só dos elementos componentes do produto natural.
O desdobramento com água, dentro de certos limites, impossíveis de averiguar pelos notáveis desvios que o produto natural acusa segundo as condições da produção, as adições de produtos químicos corantes, de álcool, de extractos, que hoje (em 1907!) constituem um variadíssimo comércio e rendosa ocupação de tantos laboratórios, tudo se ajusta tão científica e gradualmente aos elementos naturais que um vinho deve possuir que repetidas vezes a análise não pode enjeitar a mercadoria examinada, nem descobrir onde existe a falsificação.

O remédio proposto era, além do exame laboratorial, a organização da lavoura, para se saber quem, onde e quanto produzia.
Lê-se na exposição de 1907:

A única maneara de defender os interesses legítimos dos produtores é regularizar e organizar a produção.
Quanto a briga se deixa entregue às violências da paixão pelo lucro, das necessidades de viver ainda por algum tempo, das urgências de vender por todo o preço, desorganizam-se absolutamente as condições de funcionamento normal, atrofiam-se por completo os órgãos produtores, e o que fora elemento de prosperidade e fortuna transforma-se em amontoado pavoroso de destroços, que só a acção de dilatados tempos pode mais tarde reconstituir, quando de todo se não estancam as fontes da antiga riqueza.

E, já agora, uma última passagem, que é bem o comentário antecipado do meio século ao abuso que se fez do Decreto n.º 38 525 de 1951:

Se deixarmos a viticultura entregue aos interesses dos que ainda julgam ter vantagem em alargar as suas plantações, dos que, arrastados pelos lucros da cultura intensiva - e só esses são -, vêem que para si ainda existe lugar, embora calcando interesses alheios e do próprio País, condenamos à ruína as melhores regiões dos nossos vinhos, de entre as terras fundas e fortes muitas, sem dúvida, soçobrarão e ficarão apenas as terras das grandes produções e das piores qualidades, com vinhos e preços insignificantes, que, apesar disso, serão batidos em todos os mercados pela relativa superioridade dos produtos alheios, que com eles poderão vantajosamente compelir em preços. Será a ruína completa da parle mais importante do nosso comércio de exportação!

Contra esta política defensiva da qualidade, do equilíbrio entre o consumo e, a produção e de defesa social ergueu-se sempre uma política de quantidade, embora incaracterística, com esta diferença: até há pouco fazia-se e praticava-se, mas não havia a coragem de a defender abertamente, ao passo que agora essa política está a fazer-se às claras, declarando erradas ou desactualizadas as bases da política de 1907, renovadas em 1933.
O ilustre Deputado Sr. Dr. Proença Duarte citou nesta tribuna a opinião dum grémio de exportadores que afirmou em 1953 que a qualidade não estava em causa, para daí concluir que a lei da moderna economia era produzir muito e barato.
Ora, se a qualidade não interessa, a consequência lógica é que o privilégio que pela natureza foi concedido às encostas deve voltar-se a favor das várzeas, que produzem mais e mais barato! E em face deste critério, de que não há que atender à qualidade, mas sim à produtividade, é fácil acusar de autieconómica toda a defesa dos terrenos menos favorecidos. Se a qualidade não interessa, então as terras devem ser colocadas em igualdade perante a lei.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tudo é vinho, e os preços não podem fazer diferenças, embora se saiba que para uns são de ruína e para outros usurários, permitindo fazer fortunas em poucos anos.
A isto objecta-se que a várzea nunca se opôs a que se fixassem preços remuneradores para todos! Mas bem sabem que quanto mais altos forem os preços mais lucram e que, se os preços baixarem, sempre tirarão lucro, e os outros, se não puderem viver, que morram! É a dura lei económica!

O Sr. Melo Machado: - Eu quero apenas dizer a V. Ex.ª que estou convencido de que, quando o Sr. Deputado Proença Duarte. Diz-se que a qualidade não estava em causa, não quis significar que a qualidade não interessava, moa simplesmente que os vinhos, apesar de bons, encontravam dificuldade na sua exportação.

O Orador: - Eu não quero fazer injustiça ao Sr. Dr. Proença Duarte. Também suponho que não quereria ir tão longe, embora do Diário das sessões, a p. 549, col. 2.ª, conste que S. Ex.ª pôde concluir, do que disse o grémio dos exportadores, que a orientação económica do nosso tempo é produzir mais e pelo menor custo de produção».

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Ora, se esta é a regra aplicável à produção dos vinhos, é claro que a política defendida - e que se irá acentuando a pouco e pouco, como se montra pelos opúsculos que publicados aí correm em matéria de vinho - é que se deve produzir muito e barato, embora ruim. A qualidade não interessa! A lei deve ser igual para todos; o privilégio quem o dá é a natureza, e esse não é a qualidade, que não passa de uma impressão subjectiva ou de um afinamento de laboratório, mas sim a produtividade! Por esta forma considera-a liquidada a primeira base da política tradicional. O equilíbrio entre a produção e o consumo também não tem sentido, porque - dizem - não é a crise de abundância que se nota, mas apenas crise de subconsumo. Tiram o lápis do bolso e fazem a prova matemática, dividindo o total da produção pelo número de habitantes, para provarem que a capitação obtida é manifestamente inferior! O que existe é uma deficiência de escoamento. Mas basta que o Governo obrigue; os organismos corporativos, a comprar todo o vinho que se produz para que a aparência da crise desapareça. Ma se os organismos não o puderem vender? Um folheto que aí circula responde afoito: aumenta-se o poder de compra das classes rurais, e para isso basta multiplicar por duas ou três vezes os salários e todos terão possibilidades de comprar vinho, podendo cada um produzir e ganhar quanto possa e todos beberem o que lhes apeteça!

O Sr. Carlos Borges: - Por esse processo não havia crises económicas.

O Orador: - Desta forma o regime corporativo, em vez de corrigir e disciplinar os interesses concorrentes, viria a servir de couraça aos mais fortes!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No fundo o problema é este: qualidade ou produtividade.
Deverá impor-se uma disciplina económica ou dar a possibilidade de alguns enriquecerem à custa do afundamento do maior número?!
Desejaria ainda abordar um outro aspecto do problema.
Não julgo condenável em absoluto a produção de vinhos baratos ou do queima.
A exposição de 2 de Dezembro de 1907 considerava-a necessária e dava a esse vinho uma função normal. Eu leio as palavras que justificam esta minha afirmação, tiradas da exposição de 1907:

A produção barata é também indispensável à expansão comercial do Paia,' mas, excedidos certos limites, o arrastamento dos preços determina a pletora dos mercados e n ruína do próprio comércio.
E neste momento parou quase a exportação para o Brasil, abarrotado, de vinho pela afluência de remessas que o baixo preço promoveu e agora está agravando.

Esta defesa de uma certa quantidade de produção barata ou de vinho de queima visava, sobretudo, dentro da exposição de Dezembro de 1907, obter aguardente vínica a preços acessíveis e convenientes paru beneficiar os vinhos do Douro e dar escoamento às pequenas colheitas complementares de vinho de queima do Sul.
Para que este privilégio concedido às aguardentes não se tornasse- abusivo, a lei lixava a essa aguardente um preço remunerador, mas que não podia ser excedido, abusando-se do monopólio.
Durante muitos anos o vinho do Porto gozava da fama de generoso, além de outras razões, pela generosidade com que sem qualquer reclamo, embarcava duas pipas de aguardente do Sul por cada pipa de mosto fino do Douro! Mas com o alargamento da região demarcada e a diminuição da exportação para Inglaterra, o Douro adoptou um mau expediente, quanto a mim, convertendo os seus vinhos virgens em vinhos de queima, dando lugar a que o Sul, em reacção lógica - notem VV. Ex.ªs que eu digo lógica, e não digo legítima -, elevasse os seus vinhos de queima à categoria de vinhos de consumo e até generosos!
Por enquanto os defensores dos vinhos de várzea não se atrevem a dizer que são melhores do que os do Dão ou Bucelas, mas lá chegarão. Dizem já que conseguem alcançar triunfos de concorrência na Alemanha e que os seus vinhos licorosos são magníficos! e poderiam acrescentar que procuraram concorrer nos mercados da Bélgica em 1948, 1949 e 1950 com os vinhos do Porto, embora sem qualquer marca ...
A este propósito peço licença para contar uma história, de que fui protagonista.
Logo após a primeira guerra, tive de ir à Bélgica assistir a um Congresso Internacional de Impresa Católica.
Fomos obsequiados pelos jornalistas belgas por forma tão cativante que senti no fim a necessidade de corresponder a essa gentileza, oferecendo um almoço no então considerado melhor restaurante de Bruxelas. Sendo português, julguei-me no dever de oferecer vinho do Porto, mas, como sabia que a maior parte do vinho vendido na Bélgica com o rótulo de Porto era falsificado, fiz com o maître d'hotel o ajuste de ele abrir as garrafas que quisesse, com a condição de só pagar as que fossem de vinho do Porto autêntico.
Chegada a hora, abriu a primeira garrafa, que era falsa, e assim sucessivamente até à sexta garrafa, que era de Porto autêntico.
Não tenho dúvidas em afirmar que, em concorrência com estas cinco primeiras garrafas, qualquer garrafa de boa geropiga de Torres Novas ou do Cartaxo concorreria facilmente e levando-as inteiramente de vencida, mas com a sexta garrafa não creio que isso pudesse suceder.
Terminarei dizendo desta tribuna ao Sr. Ministro da Economia que, ao contrário do que aconteceu em 1907, não precisa S. Ex.ª de mandar encerrar esta Assembleia para publicar as medidas que julgar indispensáveis à justa solução da crise da viticultura. Somos nós que abertamente as solicitamos.
E, como disse, suponho que não é necessário publicar novas leis. Basta tornar eficientes aquelas que já existem. Nomeadamente as de 1933, da autoria do nosso ilustre colega Sr. Deputado Sebastião Ramires.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Desejaria terminar repetindo, se para tanto me for reconhecida autoridade, aos inteligentes viticultores do Norte e do Sul do País estas palavras que se lêem no bem elaborado relatório do decreto de 17 de Novembro de 1933:

Mal irá à viticultura nacional se esperar remédios para todos os seus males da intervenção exclusiva dos Poderes Públicos; se não souber ou não quiser impor-se uma regra, uma disciplina, e enfrentar com firmeza o seu futuro. E no apuramento das qualidades, num cuidadoso fabrico, numa criteriosa comercialização do produto que se podem encontrar meios de luta em épocas de crise.

Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador foi muito cumprimentado

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O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: é tradição parlamentar os autores dos avisos prévios encerrarem o debate generalizado. Mas não somos obrigados a submeter-nos; e, neste caso, eu podia transgredi-la natural e proveitosamente, pois cumprira a missão que me propus de abrir a discussão; e depois do que se disse o da categoria e competência de quem o disse o caminho que se me abria era o de remeter-me ao discreto silêncio da minha modéstia e, como todos nós, como todo o país que representamos, aguardar que o Governo de cujos bons propósitos não é lícito duvidar - se debruce sobre o Diário das Sessões e sobro as representações das regiões vinícolas que foram depostas em suas mãos, que especialmente os Srs. Presidente do Conselho e Ministros da Economia, do Ultramar e das Finanças devem contemplar do alto e em toda a sua plenitude como vasto panorama da cruel realidade que, com brilho, competência e autoridade e imparcialmente, todos os que me antecederam - do primeiro ao último - puseram perante os seus olhos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- É certo que o assunto, como as colheitas, não ficou nem podia ficar esgotado neste debate, em que intervieram vinte e seis oradores, número porventura nunca atingido na generalização de um aviso prévio; mas eu nada devia acrescentar e nem sequer tanto devia ter dito, como franco atirador que sou; na lavoura não passo de um arremedo e consagro à ciência dos técnicos e especialmente dos enólogos - que certamente escandalizei - o respeito e o acatamento quo nesta hora muito me apraz confirmar e novamente torno extensivo aos serviços, não olvidando, não tendo o direito de olvidar, nestes e naqueles, relações de velha estima selada através do tempo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Podia mesmo dispensar-me de subir novamente à tribuna, só um dever imperativo a isto não me, obrigasse.
É o de manifestar a todos os oradores a gratidão, a minha profunda gratidão pelas palavras generosas e cativantes que tiveram a bondade de dirigir-me a propósito desta iniciativa e dos termos em que abri um debate que, afinal, teve a caracterizá-lo simplesmente u sinceridade, o desinteresse total e o desejo, o ardente desejo de servir.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Todos, todos, meus colegas, meus amigos, bem hajam!
Deve haver - sei que há - lavradores que vêem através do prisma do seu egoísmo, mas esses não estão presentes; técnicos altaneiros que não submetem o dogma da sua doutrina e a infalibilidade dos seus cálculos e previsões ao desmentido da realidade, mas esses não os vemos aqui; e sociedades e pessoas sem escrúpulos,
que opõem o veto da sua ganância mercantil a denúncia os seus crimes, mas estas andam lá na rua em liberdade, chafurdando na mistela, enquanto uma devassa firme e persistente não puder arrancar u máscara do seu impudor.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Li algures e fixei este pensamento, que é uma advertência:
Aquilo que se cala pode vir ainda a dizer-se; mas aquilo que se disse já não pode calar-se.
Podia, assim, vir a dizer ainda o que calei, e era muito, apesar da extensão do meu arrazoado; mas o que ouvi excedeu em mérito e efeito o que eu podia acrescentar, e isto é o que importa.
E ao que disse, o portanto já não posso calar, o que deu valor foram o mérito e a autoridade de ter sido em grande parte confirmado. E até nos pormenores em que levemente divergimos podia aceitar algumas rectificações que contrariaram as premissas e conclusões que formulei através do meu aviso prévio, partindo de raciocínio oposto, embora - como o foi - documentado em autoridades insuspeitas ou no critério prático dos representantes das regiões vinícolas, ultimamente evidenciado em expressivas reuniões magnas, que, em uníssono, exprimiram bem a gravidade do momento e os anseios da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Houve também ali divergências e discussão ?
Sem dúvida. Mas da discussão nasceu a luz que iluminou os espíritos e os levou a conclusões objectivas e relevantes, que, como programa mínimo de execução imediata, foram levadas à presença do Governo.
Tenhamos confiança. Não duvido das boas intenções do Sr. Ministro da Economia, tantas vezes reveladas, e da eficiência do estudo e do esforço dos seus colaboradores, em conjunto com os representantes da lavoura, e esta certeza traz-nos a de que, além das indispensáveis medidas de emergência que o momento actual impõe, já iniciadas e a completar urgentemente, vão seguir-se outras, muitas outras, que, tendo por base a organização corporativa, concretizem objectivamente a estruturação de um sistema permanente de defesa do produto e do seu preço, pelo grande aumento do número das adegas cooperativas, pela larga e rigorosa defesa da genuinidade dos vinhos através de muito mais elevado número de brigadas junto de adegas, armazéns, retalhistas, hotéis e restaurantes, pela guerra ao intermediário sem escrúpulos, pelo sacrifício da quantidade à qualidade e consequente revisão do condicionamento do plantio e alteração do Decreto n.º 38 525, pela grande propaganda do vinho no continente, no ultramar e no estrangeiro pelos fundos de compensação, pela valorização dos outros produtos, pela redução dos fretes e dos encargos aduaneiros para o ultramar, pela revisão dos contingentes de exportação, pelo estudo de outra forma de acondicionamento dos vinhos exportados, pela grande restrição do fabrico e venda de bebidas não tradicionais aqui e no ultramar e tudo o mais que aqui se sugeriu, a que por brevidade me reporto. E isto precedido da medida drástica de proibição total do alargamento da área do plantio por tempo indeterminado ou fixo, seja qual for a região, o da inadmissão futura da legalização das plantações ilegais, pois as novas devem ser pura o simplesmente destruídas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E, exceptuando a normal retancha que evita a morte da vinha, as novas autorizações para reconstituição ou transferência (e esta só para encostas) deviam manter-se suspensas, pelo monos, enquanto não estivessem a actuar em pleno as grandes medidas com projecção no futuro - as grandes armas de combate contra as crises periódicas de sobreprodução.
Se, por vir colheita escassa que facilite uma solução momentânea, o Governo cruzar os braços, voltaremos à mesma situação, mas então muito mais agravada ou mesmo completamente insolúvel.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Para disto certificar-se basta que o Governo medite no que vai ser dentro de poucos anos a produção das vinhas, plantadas de novo legal e ilegalmente ou reconstituídas nesta última dúzia de anos, que, volto a dizê-lo, excede a quebra normal resultante da morte ou envelhecimento dos vinhedos, afecta as qualidades o elevará a produção média em milhões de hectolitros. E, insisto, não pode tomar-se como indicador e como base de previsão das colheitas futuras unicamente aquilo em que aqui ouvi insistir, ou sejam a área e o número de pés plantados, no total ou por hectare, pois o que essencialmente interessa são a qualidade e a produção por unidade em cada região plantada.
Julgo poder-se assegurar quo a desproporção entre a quantidade e a qualidade se tornará maior em consequência desta euforia - originada nas tentações do fruto proibido - de plantações maciças nos terrenos de planície.
VV. Ex.ªs notaram que não aprofundei vários dos múltiplos aspectos do problema vitivinícola que mencionei; nem podia fazê-lo, por incompetência e pela necessidade de não abusar mais da benévola atenção da Assembleia.

Vozes: - Não apoiado!

O Orador:- Na expressão do nosso Vieira, nem sequer tive tempo para ser breve ...
Deixei de lado apontamentos sobre o custo da produção nas diferentes regiões vinhateiras, era ordem a demonstrar que o preço do vinho pode ser muito compensador numas e ruinoso noutras, tornando-se assim necessários fundos de compensação ou de equilíbrio de preços.
Pus de lado uma apreciação mais pormenorizada dos processos de acondicionamento e transporte dos vinhos para o ultramar e dos encargos aduaneiros, encargos que, em relação aos produtos de primeira necessidade e aos que, como o vinho, carecem de mercados, deviam, a meu ver, ser meramente estatísticos, até pela simples mas forte razão de que, assim como entre as províncias do continente não há barreiras fiscais, toda a tendência deve ser no sentido de deixar de as haver entre as ultramarinas e o continente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas no que para abreviar omiti, como no resto, direi: maxime ex suplendis, como concluíam nas suas alegações os praxistas do foro.
Nem seria legítimo nesta hora e no fim de tão extenso debate eu alongá-lo ainda mais com o desenvolvimento de novos aspectos ou revelação de numerosas sugestões e denúncias que recebi.
E, quanto ao que aqui foi dito. apenas ficaram um pouco, mais desviadas da generalidade de pontos de vista comuns as opiniões dos ilustres Deputados Proença Duarte e Amaral Neto, no que nomeadamente diz respeito às áreas do plantio e ao volume e qualidade de produção no Ribatejo, em confronto com as outras regiões.
É caso para dizer: num lado se põe o ramo e no outro se vende o vinho...
Risos.
Só me basta esclarecer que, dos números estatísticos que mencionei, uns me foram fornecidos oficialmente e outros encontrei-os os relatórios, exposições e outros meios de publicidade, tendo-me limitado a fazer-lhes alguns arredondamentos. Apenas carecem de correcção duas cifras que atribuí à exportação para o ultramar, ou sejam a do 1.º semestre de 1954, que foi de cerca de 300 000 hl, e não de 450 000 hl, para Angola, e a média para todo o ultramar no 1.º quadrimestre de 1953, que foi de cerca de 50 900 hl, e não de 88 146 hl, como consta do Diário das Sessões; mas estes números não interessam ao caso do Ribatejo.
Porém, o Sr. Engenheiro Amaral Neto, no final do seu substancioso discurso, manifestou expressamente o desejo de que eu lhe dissesse como se podia conciliar a necessidade de se fazer aumentar o consumo com a exigência do direito de produzir caro.
Podia oferecer-lhe, como resposta, o brilhante discurso que acaba de proferir o Sr. Dr. Dinis da Fonseca.
E eu digo que, infelizmente, não se trata da exigência de um direito, mas sim do imperativo de uma necessidade e de um irremovível obstáculo da Natureza que impossibilita de produzir barato na pequena e dispersa propriedade, nos terrenos pobres e nos de encosta.
A necessidade de aumentar o consumo provém, em boa parcela, da sobreprodução das extensas regiões predominantemente baixas, cuja concorrência origina um desequilíbrio económico que não pode remover-se com preços ruinosos para as outras.
E agora formulo também uma pergunta, cuja resposta já conheço mas merece réplica:
É ou não é verdade que as barragens do Tejo e do Zêzere regularizam as cheias, diminuindo-lhes a surpresa, a impetuosidade e, por vozes, a extensão e atenuando efeitos da erosão?
A resposta ouvi-a já e é que, longe de beneficiarem, as barragens prejudicam, porque retém as cheias de Novembro e Dezembro, necessárias à lavra e à sementeira da lezíria, e permitem as cheias da Primavera, nocivas às culturas já em crescimento.

O Sr. Carlos Borges: - Não está aqui o Sr. Deputado Amaral Neto, nem tenho procuração para falar por elo, mas não quero deixar de dizer o seguinte: as cheias nocivas à cultura da terra não são as de Inverno, mas as de Março. Tanto é assim que no Ribatejo há o medo da lua marçalina. O Sr. Eng. Amaral Neto não foi, por isso, nem menos exacto nem menos seguro nu afirmação que fez.

O Orador: - Isso não quer dizer que não haja vantagens de outra ordem - como as que apontei - na existência das barragens. Uns anos recompensam bem os outros e existem, como recurso, os trigos tremeses ou as culturas de Verão, como arroz, milho, etc.. em campos atingidos pelas cheias e beneficiados pelos nateiros. Estarei em erro?
E replico ainda que, apesar das abundantes chuvas que têm caído este ano e do degelo da serra da Estrela, o Castelo do Bode, certamente devido ao Cabril, ainda não atingiu o nível dos descarregadores, e, assim, a barragem, permitindo apenas o escoamento das turbinas, deve ter impedido apreciavelmente que a última cheia atingisse maiores proporções.
É sempre assim:
Falta a energia? É o Castelo do Bode ...
Funde-se uma lâmpada? É o Custeio do Bode ...
Estoira um fusível ? É o Castelo do Bode ...
E agora até estraga as cheias do Ribatejo!
É, meu colega, o que se chama o «bode expiatório»!
Risos.
Mas eu nem mesmo sei se, continuando as coisas assim, não virão a ser mais graves e nocivas para o Ribatejo as inundações de vinho do que as cheias de água.

Vozes: - Muito bom!

O Orador: - Ocupei-me, como soube e pude, do problema vitivinícola de modo superficial e na sua genera-

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lidade. Aprofundaram-no doutamente também no seu aspecto comum todos os oradores que intervieram.
Mas, como era natural e legítimo, a grande maioria defendeu também os aspectos e interesses especiais e próprios de cada uma dos regiões a que pertence ou representa e que, afinal, são parcelas de um todo onde se consubstancia o interesse nacional.
Eu, pela minha parte, quando abri o debate devia pôr o problema em conjunto, e neste sentido me esforcei.
E, por isso, abstive-me de fazer mais do que ligeiras referências à região que melhor conheço, embora, na verdade, lhe interessem grandemente os aspectos gerais que contemplamos.
Mas agora não devo dispensar-me de deixar aqui um ligeiro apontamento sobre uma das mais importantes, características e tradicionais regiões vinhateiras do País, alheando-me, todavia, do que pudesse interessar-me como pequeno produtor bairradino, que não vive, nem podia viver, da sua modesta colheita.
A Bairrada (como disse o Sr. Cabral Mascarenhas, a zona da Beira Litoral de maior importância económica no sector da vinha) - digo eu - constitui uma vasta mancha, onde predomina a encosta e cuja produção tem características especiais, muito apropriadas à formação da lota e à exportação, por se tratar de vinhos encorpados e de boa graduação alcoólica.
No perímetro que aquele ilustre Procurador à Câmara Corporativa atribui à Bairrada, com uma população agrícola de 44 535 indivíduos, o número de vitivinicultores é de 14'809, dos quais mais de dois terços (10 570) lavram só até 5 pipas, 2544 de 5 a 10, havendo apenas 13 que produzem de 100 a 200 pipas, ou sejam estes cerca de 1,92 por cento do total da produção. Quer dizer: ali, como, aliás, no Douro, em todas as Beiras e noutras regiões, predominam extraordinariamente a propriedade pequena e dispersa e as pequenas produções.
Se a isto acrescentarmos que a grande maioria daqueles bons e modestos lavradores bairradinos mais não pode do que colher o milho para a sua broa e a couve para o seu caldo - e isto nem sempre -, fica posto o panorama à luz crua de uma realidade cujos perigos as adegas cooperativas muito têm atenuado, mas virão a ficar longe de uma possibilidade total se a saturação do mercado vier a atingir um nível que dela só poderia libertá-lo o celebrado tonel das Danaides.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- E depois? Depois a queda vertical do pequeno património, alcançado dia a dia, hora a hora, com o suor do rosto, a ruína do pequeno produtor e todo um cortejo de miséria, com projecção inevitável no humilde trabalhador rural, que, enfraquecido à mingua de pão, sucumbido ao peso da enxada - que no calvário da vida é a sua cruz -, à sua frente só encontra três Caminhos: a morte, a mendicidade ou a emigração; e neste caso suplica ciosamente a carta do chamada para a aventura, e o torrão natal, o lar e a família cá ficam ao abandono até que - quantas vexes! - a ilusão se desfaz...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: foi apresentada uma moção destinada a concretizar este debate. O rápido conhecimento que tomei dela levou-me a concluir que não satisfaz inteiramente os pontos de vista e sugestões aqui apresentados; mas, como não os contraria, dar-lhe-ei o meu voto, esperançado em que o Governo tomará na devida conta tudo o que aqui se disse e provou nestas onze sessões.
Sr. Presidente: não é com palavras minhas que encerro este debate. É com estas, há dias aqui pronunciadas e que ainda soam nos meus ouvidos:

Sobretudo a pequena e a média lavoura vivem uma vida toda feita de dificuldades e privações. Há que dar-lhes a mão para que elas também possam colaborar por forma eficiente nesta bendita obra de protecção ao trabalhador rural e realizar plenamente a função que também lhes cabe no conjunto da vida nacional..
Merecem-no elas pelo seu admirável espirito de sacrifício e merece-o o pobre trabalhador rural, que, entre os trabalhadores portugueses, é quiçá o mais prestimoso e o mais pronto na imolação de si mesmo.

E ao terminar:

Só com a doutrina do Evangelho, e inundados pela sua luz, nos será possível ir ao encontro dos grandes problemas da humanidade e dar-lhes solução conveniente e definitiva.
Não nos decidimos a fazê-lo, e já, nós todos os que temos responsabilidades sociais? Serão esses mesmos problemas que desesperadamente virão sobre nós com estranhas e subversivas soluções, que importarão fatalmente a negação o a morte da própria vida.

Palavras de dolorosa profecia, com dobrada expressão no seu conteúdo cheio de verdade e na autoridade das virtudes e do múnus venerável de alguém cuja presença honra a Assembleia Nacional: monsenhor Santos Carreto. Atente o Governo nisto.
Disse.

Vozes : - Muito bem, muito bem !

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai ser lida a moção há pouco enviada à Mesa.

Foi lida:

O Sr. Presidente: - Vai votar-se.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Registar-se-á no Diário das Sessões que a moção foi aprovada por unanimidade.
Antes de encerrar a sessão quero comunicar que vou interromper o funcionamento efectivo da Assembleia Nacional.
Há pendente da apreciação da Câmara o seguinte:

Avisos prévios

Do Sr. Deputado Abel de Lacerda. - Acerca da situação dos museus, palácios e monumentos nacionais. (Apresentação - Diário das Sessões n.º 36, de 25 de Fevereiro de 1954).
Do Sr. Deputado Almeida Garrett. - Acerca da importância da instituição familiar. (Apresentarão - Diário das sessões n.º 69, de 20 de Janeiro de 1954).
Do Sr. Deputado Pinto Barriga. - Acerca das possibilidades de uma melhoria na eficiência da nossa administração econónico-financeira. (Apresentação - Diário das Sessões n.º 4, de 9 de Dezembro de 1953. Adiada a sua efectivação - Diário das Sessões n.º 12, de 12 de Janeiro de 1954).

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12 DE FEVEREIRO DE 1955 627

Do Sr. Deputado Cerveira Pinto. - Acerca do fomento piscícola e pesca fluvial. (Apresentação - Diário das Sessões n.º 64, 11 de Janeiro de 1955).

Projectos de lei

Do Sr. Deputado Botelho Moniz e outros. - Acerca da revogação da disposição final do artigo 41.º da Lei de Recrutamento e Serviço Militar. (Apresentação - Diário das Sessões n.º 48, de 23 de Março de 1954. Não obteve ainda parecer da Câmara Corporativa).
Do Sr. Deputado Pinto Barriga. - Acerca da limitação de remunerações dos corpos gerentes, delegados com comissários do Governo de certas empresas. (Apresentação - Diário das Sessões n.º 67, de 15 de Janeiro de 1955. Não obteve ainda parecer da Câmara Corporativa).

Propostas de lei

Acerca das servidões militares. ( Apresentação - Diário das Sessões n.º 78, de 4 de Fevereiro de 1955. Não obteve ainda parecer da Câmara Corporativa.
Acerca da execução de obras de pequena distribuição de energia eléctrica. (Apresentação - Diário das Sessões n.º 80, de 9 de Fevereiro de 1955. Não obteve ainda parecer da Câmara Corporativa).

Acordos internacionais

Acerca da fronteira do Moçambique com a Niassa. (Apresentação - Diário das Sessões n.º 62 de 15 de Dezembro de 1954. Não obteve ainda parecer da
Câmara Corporativa).
Acerca da Convenção Cultural Luso-Britânica. (Apresentação - Diário das Sessões n.º 64, de 12 de Janeiro de 1955. Não obteve ainda parecer da Câmara Corporativa ).

Contas

Acerca da Conta Geral do Estado do ano de 1953. (Apresentação - Diário das Sessões n.º 53, de 26 de Novembro de 1954. Não obteve ainda parecer da Comissão de Contas Públicas da Assembleia Nacional).
Acerca das contas da Junta do Crédito Público do ano de 1954. (Apresentação - Diário das sessões n.º 72, de 26 de Janeiro de 1955. Não obteve ainda parecer da Comissão de Contas Públicas da Assembleia Nacional).

Decreto-lei

N.º 40 033. - Acerca da nova redacção a vários artigos do Código de Processo Penal. ( Publicado no Diário das sessões n.º 12. 1.ª série, de 15 de Janeiro de 1955. Pelo Sr. Deputado João Assis e outros foi requerido que seja submetido à apresentação da Assembleia Nacional, para efeito da sua ratificação).

Para que seja possível à Câmara pronunciar-se sobre estes trabalhos, julgo conveniente interromper o funcionamento efectivo da Assembleia. Entretanto, pudemos ter em relação aos projectos e propostas de lei os pareceres da Câmara Corporativa e chegar-nos-á certamente o parecer da nossa Comissão de Contas sobre as Contas Gerais do Estado e da Junta do Crédito Público.
Em face destas circunstâncias, e utilizando a faculdade que me confere o § único do artigo 94.º da Constituição, declaro para todos os efeitos, interrompido o funcionamento efectivo desta Assembleia, a partir de hoje e até ao dia 23 de Março próximo dia em que reabrirá a mesma Assembleia.
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas.

Srs. Deputados que entraram durante n sessão:

Alberto Cruz.
André Francisco Navarro.
António Calheiros Lopes.
António Cortês Lobão.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto Cancella de Abreu.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Eduardo Pereira Viana.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
João Afonso Cid dos Santos.
João Alpoim Borges do Canto.
João Cerveira Pinto.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Mendes do Amaral.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Ricardo Malhou Durão.
Tito Castelo Branco Arantes.
Venâncio Augusto Deslandes.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Agnelo Ornelas do Rego.
Alberto Henriques de Araújo.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Júdice Bustorf da Silva.
António Russell de Sousa.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Maria Porto.
Jorge Pereira Jardim.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Miguel Rodrigues Bastos.
Rui de Andrade.

Teófilo Duarte.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Página 628

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