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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 85
ANO DE 1955 25 DE MARÇO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.° 85 EM 24 DE MARÇO
Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis JúniorSecretários : Ex. Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 84.
Usaram da palavra os Srs. Deputados António Rodrigues e Amaral Neto, que enviaram requerimentos para a mesa; Monteroso Carneiro, que chamou a atenção do Governo para os estragos que o mar vem fazendo na ilha e no porto de Luanda, e Pinto Barriga para insistir pelas respostas a diversos requerimentos anteriormente apresentados.
Ordem do dia.- Continuou com o uso da palavra sobre o seu aviso prévio acerca da protecção à família o Sr. Deputado Almeida Garret.
Requerida a generalização do debate pelo Sr. Deputado Santos Correto, usou da palavra este Sr. Deputado.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 18 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente : - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Alberto 'Cruz.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto doa Beis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
Gastão Carlos de Deus Figueira
Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Cortês Lobão.
António Pinto de Meireles Barriga.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
António dos Santos Carreto.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Baltasar Leite Rebelo de Sousa.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
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Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Gosta.
João Ameal.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa A roso.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Ricardo Vaz Monteiro.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
O Sr. Presidente:- Estão presentes 79 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente:-Está em reclamação o Diário das Sessões n.° 84.
Pausa.
O Sr. Presidente:-Em vista de nenhum Sr. Deputado pedir a palavra, considero-o aprovado.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado António Rodrigues.
O Sr. António Rodrigues: - Sr. Presidente: em sessão de 10 de Dezembro último requeri algumas informações pelo Ministério da Economia, que creio facilmente podem ser fornecidas e ainda o não foram, apesar de decorrido tão longo lapso de tempo.
O assunto a que dizem respeito tem merecido a minha melhor atenção e ó dos que não devem cair no esquecimento.
Renovo, por isso, aquele pedido, certo de que não deixará de ser satisfeito com a maior urgência possível.
O Sr. Presidente: -Insistirei pela satisfação do requerimento de V. Ex.a
O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: pedi a palavra para apresentar o seguinte
Requerimento
«Requeiro que, pelo Ministério da Economia, me seja prestada informação do andamento a adiantamento dos trabalhos do chamado Plano de Fomento Agrário, e designadamente:
1.° Se há intenção de publicar a carta agrícola do País, como resultante dos inquéritos e investigações feitos, antes que perca actualidade;
2° Se já estão completos os estudos de ordenamento de algumas zonas do País;
3.° Se ha intenção de dar publicidade a estes, para apreciação e elucidação dos técnicos e dos directos interessados;
4.° Se pó de prever-se quando ficará concluído todo o Plano e se isto se verificará com avanço ou atraso sobre as previsões iniciais».
O Sr. Monterroso Carneiro: - Para V. Ex.ª, Sr. Presidente, as minhas respeitosas saudações o a mais rendida homenagem às altas qualidades que tornam V. Ex.a credor da mais elevada consideração e apreço.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As minhas desculpas pêlos minutos quo vou roubar com as palavras que proferirei, palavras estas motivadas pela minha dedicação por Angola, onde vivi mais de quarenta anos, consumindo ali os melhores da minha vida e onde com alvoroçada satisfação e orgulho bem português venho vivendo e verificando o seu constante progresso, quo se reflecte em todos os sectores da sua vida febricitante e entre eles no novo porto de Luanda, que se apresentei em plena e quase satisfatória actividade.
Ainda há anos, muito poucos anos ainda, os navios que ali aportavam ancoravam dentro da baía, mas muito afastados do desembarcadouro, e passageiros o carga eram para e deles transportados em embarcações diversas.
Hoje, a par de um movimento de dia para dia mais intenso, enche de júbilo quantos ali labutam verificar o esplêndido porto que o Governo mandou construir, e cuja primeira fase, em franca explorarão, já demonstra ser insuficiente, necessitando d» aumento, aliás previsto no plano original e que está projectado levar a efeito muito brevemente.
Este porto, com seus caís acostáveis dentro da baia de Luanda, é naturalmente protegido contra as investidas pela sua ilha - língua de areia semelhante às que formam as baias de Porto Alexandre, dos Tigres e do Lobito, grandes portos naturais. O do Lobito, há muitos anos ao serviço de uma zona da excepcional movimento, dotado com seus cais acostáveis em franca exploração, tem os seus serviços montados com tal eficiência que fazem dele, som favor, o melhor porto da costa ocidental da África.
Ura os jornais metropolitanos de há cerca de um mês, transcrevendo noticias da agência Lusitânia, informaram que o mar em Angola, embravecido, tinha arremetido com ímpeto contra a ilha de Luanda - cortina protectora, como disse, do porto da capital- e, galgando-a, a vem destruindo aos poucos, reduzindo-a e cortando-a em vários pontos.
Notícias, porém, mais detalhadas de jornais de Angola, que- honra lhes seja! - desde há muitos anos vinham chamando a atenção das entidades responsáveis e pedindo providências para que a ilha fosse protegida, dão mais
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desagradáveis informes e mostram a gravidade da situação, em toda a sua extensão.
Grave, muito grave, é o que se está passando, e não sei mesmo se ainda será possível salvar a ilha, e com ela o próprio porto de Luanda.
Situação há muitos anos conhecida, nunca o problema da defesa da ilha deve ter sido cuidadosa e competentemente encarado e estudado, ou nunca se lhe prestou a atenção que a gravidade do seu desaparecimento consigo acarretaria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Existiu há muitos anos uma passerelle por onde os peões passavam para a ilha e mais tarde - há mais de duas dezenas de anos - construiu-se uma ponte com carácter definitivo ligando Luanda à sua ilha. Esta ponte maciça quebrou a corrente que se verificava aquando do movimento das marés, e o certo é que após tal construção as águas ha parte sul da ilha se conservam em nível ligeiramente superior ao das da baia no lado norte da ponte. Opinavam os colonos antigos que a ponte deveria ter um ou dois arcos, para permitir o livre movimento das águas, mas o certo c que os técnicos de então não concordaram com esta sugestão ou julgaram errada a voz do povo. Mas para ela se terá de caminhar seguramente.
Para proteger a ilha vinha executando-se como sistema defensivo o de estacaria colocada em vários Ângulos e com distâncias variáveis entre estacas, o que dava às vezes resultados transitórios, obrigando o mar a repor a areia que levara; mas logo em seguida em novas investidas tudo fazia desaparecer -estacas e areias repostas -, espalhando aquelas ao longo da ilha ou levando-as para o mar, e continuando sempre na sua senda destruidora.
Há um ano, se tanto, foram ali enviados engenheiros especializados, e pessoalmente vi há três meses o novo sistema de protecção por meio de grandes quantidades' de pedra conduzidas por camionagem e lançadas sobre as areias como forte camada protectora.
E, como leigo que sou em trabalhos desta especialidade, fiquei com a impressão de que o sistema estava resultando e prometia assegurar a almejada protecção.
Infelizmente as noticias recebidas parecem não confirmar totalmente estas esperanças, apesar de fotografias que tive ocasião de ver mostrarem os cortes em locais ainda mal protegidos ou onde não existia esta protecção.
E se realmente assim for, e se de facto se verificou que a protecção por este sistema se mostra eficaz, demonstrado ficará o quanto tardiamente se chegou à conclusão acertada de defender convenientemente a ilha, por se ter recorrido a técnica mais aperfeiçoada e indicada para estes casos, pois a ilha já desde há boas dezenas de anos que vem sofrendo ataques mais ou menos perigosos para a sua segurança, c provado ficará igualmente que trabalhos destes não são para não especializados.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Eu sei, todos nós sabemos, que o Governo da metrópole e o de Angola estão absolutamente ao par desta situação e melhor do que nós, suponho, saberão solucionar o problema grave que apresentaria o desaparecimento total ou parcial da ilha de Luanda.
Temo porém, que, se não se insistir nos estudos e não se activarem os trabalhos, venha a ser demasiado tarde, não para salvar a ilha no que ela representava como logradouro dos habitantes da capital, que ali viviam e ali se deslocavam diariamente para só refrescarem nas tardes escaldantes da época quente, mas para salvar o porto, no que ela representa como cortina protectora contra as investidas do mar.
Sabido, porém, que estiveram em Luanda dois engenheiros especializados em trabalhos de defesa contra o mar e que no Laboratório de Engenharia Civil se estuda afincadamente este problema, ainda acalento uma réstia de esperança de que se encontre a solução salvadora, antes de a ilha ter desaparecido totalmente.
Se tal não acontecer, ter-se-á de recorrer a muito mais custosos sistemas de defesa, que será mister levar a efeito para tentar salvar o porto.
Ao fazer estas ligeiras referências sobre o que se passa com o porto de Luanda move-me apenas o interesse que mantenho bem vivo pelo bem de Angola e na esperança, que espero ver transformada em certeza, de que o Governo não se poupará a fazer os maiores esforços para vencer esta calamidade e que o Sr. Ministro do Ultramar, que tanto vem interessando-se por todas as províncias que comanda, conhecendo como poucos o que representa este porto para a vida económica de Angola, será o mais esforçado defensor da ilha e do porto de Luanda.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - São estes os meus votos e o motivo da minha resumida intenção.
Vai S. Ex.ª o Sr. Ministro do Ultramar partir por estes dias para a sua viagem a Moçambique. Faço os melhores votos pelo completo êxito desta viagem, tanto para S. Ex.a como para a província irmã, e eu fico com a esperança de que a sua breve passagem por Angola seja igualmente assinalada pelas providências que seguramente ordenará neste sentido, com a urgência, e a oportunidade que caracterizam a sua acção sempre decisiva.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: pedi a V. Ex.ª a palavra para insistir novamente sobre os meus já antigos requerimentos pedindo informações acerca da rubrica geral do problema de administração, que, pela demora, chego a poder pensar que para certo burocratismo talvez não sejam indiscretas as perguntas ... mas possivelmente as respostas.
Esses requerimentos dizem respeito a vários problemas, que singelamente vou resumir.
Quanto ao do pão, está na mesma, num pleno dirigismo, até com incipiente capitalismo de Estado: na mesma para o consumidor, que come mau pão, mal e apressadamente fermentado, possivelmente por inadequados fermentos; para a panificação, que não pode escolher onde comprar as suas farinhas, e para a moagem, que, dentro de taxas de indústrias insuficientes, só pode trabalhar com rentabilidade quando excessivamente concentrada, se não tende a entrar na selva escura da ilegalidade diagramática de fabricação!
Quanto ao regime de petróleo e gasolina, continuo sem os dados pedidos. O mesmo sucede quanto aos diamantes, quanto às informações sobre matéria de aposentações e, finalmente, quanto à normalização contabilística dos organismos corporativos. Vivemos hoje aqui numa ideologia muito macro-económica. Não sei se me está a ouvir o Sr. Deputado e meu querido amigo major Botelho Moniz, a quem irritam os meus neologismos.
Por agora avulta em matéria de planificação a siderurgia, mas bastante já desplanificada por microdeci-
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soes: de siderurgia passou à realidade do fer blamc, que não ouso traduzir na expressão portuguesa porque V. Ex.a, Sr. Presidente, me poderia acusar de as trasladar, como diria o Eça de Queirós, em calão económico.
Começou-se na estratosfera de um planismo, para ficarmos por agora num simples alvará de indústria nova!
Aqui, como noutras indústrias, o Estado é comparticipante e oxalá que não possa vir a ser um pouco ... comparticipado.
Relativamente à nossa marinha mercante, a nossa bandeira orgulhosamente flutua por toda a parte e por todos os mares em magníficos navios, que nos honram, e por isso seria de desejar que o Pais conhecesse bem discriminadamente os auxílios prestados por fundos financeiros e parafinanceiros e, consequentemente, se avaliasse a rendibilidade dessas carreiras e dos navios que as realizam, com a sua amortização económico-financeiro-naval.
Todas as homenagens de admiração que se prestarem ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, e consequentemente ao Sr. Presidente do Conselho, na actual quadra internacional, são poucas pelo muito que lhes é devido pela Nação. Mas gostaria de ver o Ministério dos Negócios Estrangeiros reformado, para os seus quadros poderem corresponder ao presente papel económico que tem de desempenhar, porque senão figura como parente pobre na externação representativa da nossa economia e de outras actividades de diversos departamentos do Estado.
O consumidor interessa-lhe sobremaneira o problema angustioso da carestia crescente da vida, mas não se consola apenas com denegações de base estatística.
Presto homenagem ao escol de magníficos técnicos de estatística, que nos honram e honram o Instituto Nacional de Estatística, a que pertencem, mas o problema do nível e custo da vida é um problema poliforme, que melhor pode ser desenhado por rápidos inquéritos, feitos em diferentes sectores o patamares económicos, do que revelado por envelhecidos enquadramentos estatísticos.
Aproveito a oportunidade para insistir mais uma vez sobre a necessidade de mobilizar por todos os meios de inquérito os dados referentes ao nível e custo da vida.
O Sr. Mendes Correia: - Eu queria pedir a V. Ex.ª que se informasse directamente dos métodos adoptados pelo Instituto Nacional de Estatística, porque creio que são os melhores.
O Orador:-Folgo e honro-me sempre com as intervenções de V. Ex.ª porque me permitem reafirmar a estima e consideração que tenho pelo Instituto Nacional de Estatística, que tão honestamente trabalha sobre a direcção ministerial do Sr. Ministro da Presidência, a quem presto mais uma vez rendidas homenagens da minha admiração.
O problema do nível e custo da vida não pode ficar nas medianas duma observação geral, mas tem de ser examinado no seu escalonamento dentro da sociedade portuguesa. Tudo o que se fizer fora disso é trabalhar longe da realidade.
Ligado ao problema da carestia da vida está o encarecimento da habitação, em que muito influi a alta especulativa com que são adquiridos os terrenos municipais e construção.
Por aqui ficam estes singelos apontamentos, que o Governo aproveitará na medida em que os achar úteis à Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua no uso da palavra o Sr. Deputado Almeida Garrett, para prosseguimento do seu aviso prévio.
O Sr. Almeida Garrett: - Sr. Presidente: a escassez do tempo só me consentiu falar ontem de casamento e celibato e da instabilidade da instituição familiar, manifestada principalmente pelo divórcio.
Este, porém, é uma consequência, um sinal, de uma quebra da harmonia conjugal por várias causas. Podemos agrupá-las em duas rubricas: factores económicos ou materiais e factores psicológicos, ou morais, que, aliás, frequentemente se entrelaçam.
Vamos aos primeiros, muito de atender, principalmente nas classes dos trabalhadores manuais, das cidades e dos campos, que andam por cerca de l milhão, correspondente aproximadamente a 60 por cento da população masculina activa.
Nada mais verdadeiro que a pDjmlar sentença: «casa onde não há pão todos ralham o ninguém tem razão». Não pode haver harmonia e felicidade no lar onde falta o indispensável para um viver modesto, mas sem miséria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -Dei-me ao cuidado de calcular o dispêndio mínimo com a alimentação, num centro urbano -que para o caso foi o do Porto -, de um casal sem filhos e do suplemento de despesas que ao cr.sal acarreta a existência de cada filho.
Os elementos que coligi constam de quadros aqui presentes, dos quais darei apenas os resultados; mas não deixarão, assim o espero, de constar do Diário (ha Ses-sftcs, para leitura de quem pelo assunto se interesse.
Esses resultados são os seguintes: para casal sem filhos, mantido pelo homem, 905510, quantia esta assim repartida: habitação, 200$; água, luz e combustível, 100$; géneros alimentícios, 399$70; vestuário e calçado, 13Õ$40; sabão, artigos de limpeza e outras despesas, 70$. Os filhos obrigam a dispêndio cada vez maior, à medida que vão crescendo, tendo as minhas contas dado o seguinte resultado: para criança de 2 anos, 109$40; de 7 anos, 179$98; de 10 anos, 260$20; de 13 anos, 315$10. A média para crianças até aos 14 anos é de 171$15, que deve aumentar-se um pouco para o sexo masculino e diminuir-se para o feminino: 190$ e 160$ respectivamente.
Como é de todos conhecido, poucos são os trabalhadores manuais que auferem salários suficientes para a manutenção de um lar, com 1 mulher a tratar dele. Com efeito, trabalhando em média vinte e cinco dias por mês, para alcançar a importância, de 905$ é preciso que o salário diário, líquido de todos os descontos, seja de 36$20. Daqui, principalmente, a necessidade de tanta vez a mulher deixar a casa, empregar-se como operária, criada a dias, recadeira, etc. Algumas conseguem um suprimento ao salário do marido costurando em casa, e esta é a solução mais favorável. O artesanato feminino no lar doméstico é um excelente recurso.
Quando há prole, a insuficiência dos ingressos financeiros sobe rapidamente na proporção do número de filhos; pura muitos dos casais que considero, a situação passaria a ser de miséria se não recebessem um indispensável auxílio. E, se a mulher, empregada, ganha regularmente, pode minorar-se a situação económica, mas
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o abandono dos filhos, se os tem, entregues a mãos alheias, não compensa esse benefício.
Estas considerações referem-se, como disse, a família de operário, em meio urbano. Nas pequenas povoações, sem actividade industrial, as circunstâncias são mais favoráveis à estabilidade do lar, à permanência da mãe junto dos filhos, embora subsistam as deficiências económicas. Acentua-se tal melhoria de circunstâncias nos meios rurais, sem que, no entanto, deixem de existir semelhantes dificuldades para o sustento do lar. Devemos ter em conta estas diferenças ao procurar remédios para a influência do factor material.
O que se pretende, deste ponto de vista, é que a mulher com filhos fique em casa a cuidar deles e que possa criá-los em suficientes condições de alimentação, vestuário e instrução e pessoalmente os educar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-A solução que se apresentou ao espirito dos estudiosos destes problemas como a mais lógica foi a do salário familiar: cada trabalhador ganhando não somente segundo a qualidade e quantidade do que produz, mas de acordo com as necessidades pessoais o da família que tem de sustentar.
A designação vingou e a nossa, Constituição, no seu artigo 14.º consignou a promoção do salário familiar como uma das incumbências do Estado e das autarquias locais.
O salário familiar directo é irrealizável; se o fosse, o resultado seria contraproducente. Onde está o patrão que pudendo pagar menos a um empregado solteiro do que a um empregado com família, não prefira o primeiro? E humano, perfeitamente compreensível, que assim procedesse. A solução conduziria à propaganda do celibato, com todos as suas desastrosas consequências.
Veio então a ideia de suprir a insuficiência dos salários individuais, quando se destinam à manutenção de uma família, u que está incontestavelmente certo. Veio u concessão dos subsídios familiares.
Em que condições devem estabelecer-se? Quem deve recebê-los? O casal com filhos ou sem eles ou só o que tiver prole? E todos as famílias, sejam quais forem os recursos de que disponham, ou apenas aquelas cujos recursos não alcançam o quantitativo da despesa mínima a que aludi? E a quanto deve montar u valor do subsídio? E num valor único ou em valores variados?
Vou dar o meu parecer de resposta a estas perguntas.
Nalguns países, como, na Europa, a Bélgica e a França, a instituição dos subsídios familiares tem a máxima amplitude, compreendendo não só os trabalho-res por conta própria ou de outrem, mas até os patrões; quer dizer, todas as famílias que vivem do trabalho do chefe. Não me parece necessário um âmbito tão largo. Excluo o patronato, que envolve a existência de capital em acção, maior ou menor. Talvez haja conveniência em aplicar o sistema aos pequenos trabalhadores de couta própria, sem empregados, cujos proventos são geralmente irregulares e pequenos. Cinjo-me, porém, à situação de trabalhador por conta de outrem, que é, de resto, a oficialmente adoptada entre nós.
Primeiro caso: o do casal sem filhos. Sou de parecer que não deve ter direito a um subsidio regulamentar, porque, entre os dois, normalmente, a receita deve dar para as despesas, se a mulher ajudar o marido, ganhando qualquer coisa, em trabalho domiciliário. Com efeito, sendo preciso um ingresso de 36$ por dia de trabalho, basta que a mulher angarie 9$ para, que a economia doméstica fique equilibrada, ganhando o marido 25$, salário líquido que tem a maioria dos operários capacitados.
Em Espanha o subsídio às famílias de trabalhadores aplica-se aos casados, com filhos ou sem eles, desde que a mulher não trabalhe, fique em sua casa; esse subsídio é inferior ao relativo aos casais com filhos. Como incentivo à nuprialidade, o sistema tem evidente defesa; mas o reverso da medalha mostra poder tomar-se como protecção à ociosidade, visto a casada sem filhos ter desocupada uma parte do dia, em que pode angariar um suplemento do salário do marido. E, se não puder fazer por incapacidade de qualquer natureza, e o homem ganhe muito pouco, a ajuda deve vir de um serviço assistencial, e não como aplicação de um sistema geral de subsídios familiares.
Pensando assim (vá como parêntesis), entendo que aos poderes públicos só cabe promover e, em parte, desempenhar a assistência à miséria quando esta derive de doença, de desemprego ou outro motivo ocasional, sustentando, directa ou indirectamente, hospitais e casas de trabalho e reeducação profissional. Tudo o mais deve pertencer, quase exclusivamente, à caridade particular, que deve ser auxiliada, em vez de descoroçoada e enfraquecida pela concorrência da caridade oficial.
Sr. Presidente: já toma outra feição o caso dos casais com filhos. Então, o ideal é a de a mulher ficar em casa para tratar exclusivamente do lar e dos filhos. Para conseguir este objectivo é lógica a concessão de um subsídio que supra a insuficiência do que marido traz para o sustento da Família. Isto é fundamental. Lá o disse a encíclica Quadragésimo Ano:
É abuso intolerável, a que deve pôr-se cobro a todo o misto, obrigar as mães, por causa da mesquinhez do salário paterno, a ganhar fora das paredes domésticas, descurando os cuidados e deveres próprios e, sobretudo, a educação dos filhos.
O quantitativo desse subsídio, para a finalidade em vista, deixando de tornar apetecível o emprego fora de casa, deverá aproximar-se da imprescindível despesa individual com alimentação e vestuário, ou seja, pelo cálculo que apresentei, para meio urbano, na quantia mensal de 215$35.
O preceito do subsídio para a criação dos filhos não tem discussão. Ninguém, com espírito cristão, poderá ver sem revolta uma criança com fome.
Vários problemas se põem quanto à maneira de o instituir.
Um deles é o de resolver se o subsídio se há-de destinar somente aos que dele careçam para modestíssimo viver ou se dever dar-se a todos os casais com filhos, mesmo aos que dele não precisem para ter satisfatório nível de vida.
É evidente que, para a finalidade de obstar à miséria das famílias, os subsídios só deviam destinar-se, às necessitadas, visto poder dispensá-los a família com ingressos de montante que chegue para regular maneira de viver, de acordo com a profissão do seu chefe. Este o critério assistencial na sua mais singela maneira.
Mas o critério geralmente seguido não é este; é o de subsidiar os famílias do trabalhador, manual ou intelectual, sem olhar ao que ele ganha, mas atendendo só aos filhos que tem de manter e educar. Para que este critério seja aceitável é necessário partir do princípio de que os pais devem ser premiados por ter filhos, embora possam passar sem o subsídio.
Isto subentende a consagração da família prolífica, considerada como factor importante de prosperidade colectiva, pelo menos na ordem moral. E digo pelo
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menos na ordem moral por serem divergentes as opiniões sobre, a conveniência de favorecer a natalidade.
Bem sabem todos os que me ouvem que há países onde se faz política da natalidade, quer procurando aumentá-la, quer procurando restringi-la. A divergência depende, de serem diferentes os propostos. No primeiro caso é o de engrandecer a nação pela multiplicação dos cidadãos, em que reside a primacial força dos estudos ,e a garantia da, persistência vitoriosa da, raça; no segundo caso é o de conseguir um melhor nível de vida pelo maior quinhão que a cada um caberá dos recursos nacionais.
Na pequena medida dos meus conhecimentos de economia social, tenho estudado este assunto, sumamente interessante pura um apaixonado pêlos problemas etnográficos. E cheguei à conclusão de que quem tem razão, por todos os motivos, são os que pregam por alta natalidade. Não é aqui a ocasião apropriada à exposição dos argumentos em que me apoio; seria alongar este arrazoado sem utilidade para a matéria de que trato.
Os tão falados alto nível de vida e superpopulação têm muito que se lhes diga
Não que seja, em princípio, partidário de uma activa, imperiosa política demográfica. O Estado deve intervir o menos possível no foro íntimo dos indivíduos. Que tenham ou não tenham filhos; os casais, é questão que só a este respeita. Mas porque os casais prolíficos são os que asseguram, repito, a continuidade da Nação e mais contribuem para uma saudável vida social têm de se galardoar com obreiros do futuro da Pátria.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Em suma, alinho entre os que entendem que os subsídios familiares devem estender-se a todos os casais com filhos, tanto aos que sem eles não podem criá-los satisfatoriamente, como aos que podem dispensá-los, e a estes como reconhecimento da mencionada, contribuição patriótica.
De resto, ainda que fosse apologista de uma política demográfica de incitamento à fecundidade, ela não seria precisa entre nós. Apesar da quebra que tem sofrido, na esteira de uma corrente mundial, a natalidade portuguesa é ainda alta figurando no cimo da escala de quotas natalícias dos países da Europa civilizada, com uma taxa de 23,6 nados-vivos por 1000 habitantes no último triénio.
Sr. Presidente: assente que os casais com filhos devem receber subsídios, o que há a discutir é a maneira de os estabelecer. Por igual, na razão aritmética do número de filhos ou tanto mais valiosos quanto maior for o número destes?
Para emitir opinião sobre este ponto á preciso ver quem concorre para a futura população nacional, se são as famílias com pequena prole ou se são as famílias numerosas.
Ainda alguns números, extraídos de dois mapas do último censo da população: um diz respeito às mulheres não solteiras segundo o números de filhos havidos, tendo em conta a idade à data do último casamento; outro respeitante ao número de filhos vivos dos casais. Do primeiro mapa aproveito a parte respeitante a mulheres de longa vida matrimonial, com o máximo de 29 anos de idade à data do casamento, pois são estas as que podem dar melhor ideia da produtividade de novos seres.
Feitas as operações sobre os elementos ali exarados, simplificando, cheguei aos resultados que menciono a seguir.
(Ver tabela na imagem)
As que não tiveram filhos figuram na proporção de 11 por cento, um pouco exagerada, pois fisiológicamente deve andar por uns 8 a 9 por cento o número de casais estéreis, por vias masculina e feminina juntas.
As que ,só tiveram um filho representam 17.8 por cento do total, o que sai fora das normas, pois não é admissível que em tão larga proporção tivessem cessado em curto prazo a vida conjugal ou tivessem ficado impossibilitadas de gerar por virtude de lesões resultantes do primeiro parto; anda aqui, com certeza, influência malthusianistar, movida por egoísmo, mal sabendo esses pais o futuro que os espera, de preocupações constantes se amam o rebento único, e o destroço, em regra irreparável, se ele vem a faltar.
Para que a população do País não diminua nas actuais circunstâncias da nupcialidade e natalidade ilegítima é necessário que cada casal tenha, em média, dois filhos.
Na série que acabo de apresentar a média foi de 3,6. Tal produtividade só alcança este valor graças às famílias numerosas, com quatro filhos, pelo menos, às quais coube mais de três quartas partes da nascença total; e entre elas apreciável parcela compete às de abundante prole, de oito ou mais filiais, que contribuíram com um terço desse total.
Se a natalidade ilegítima baixar para razoáveis termos, então será preciso que cada casal produza mais de dois filhos, e mesmo mais de três se a natalidade continuar a descer.
Do segundo dos aludidos mapas aproveito a parte relativa ao número de filhos- vivos, à data do recenseamento da população, na generalidade dos casais, para verificação da importância assinalada às famílias, numerosas. Eis o que diz:
(Ver tabela na Imagem)
A média de filhos por casal era para a totalidade dos casais, de 2,5.
A proporção em que os casais com quatro
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ou mais filhos contribuíram para a totalidade destes era de 58,2 por cento. Estas cifras condizem com as do quadro anterior, pois a sua relativa inferioridade resulta de a conta se estabelecer sobre casais com qualquer tipo de vida conjugal, muitos deles de recente matrimónio.
Não há dúvida: são as famílias numerosas, e não as que têm um, dois ou mesmo três filhos, as que maior consideração merecem.
Passemos a outro aspecto: o do quantitativo dos subsídios.
Se fossem atribuídos exclusivamente às famílias de deficiente economia, seria lógico se proporcionasse a respectiva importância à insuficiência, tais ganhos. Mas, adoptando-se, como se afirmou preferível, o princípio da generalização a todas as famílias prolíficas, o ponto a discutir é o da fixação de um valor, a todas aplicável.
A solução simplista que se apresenta como mais legítima, é a de que não durando, em regra, na classe operária, o produto do trabalho para cobrir as despesas com os filhos, o subsídio deveria fixar-se num valor igual ao da despesa mínima a fazer com eles.
A colectividade pagaria, por essa forma, a criação dos filhos legítimos. Embora lógica, a solução não me agrada por dois motivos: tem o ar de transferencia para a colectividade de um encargo privado e arrastaria considerável dispêndio, por abranger muitas famílias que podem dispensar tal subsídio.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Creio preferível adoptar uma importância menor que essa mas que seja significativa e aproveitável inteiramente pela grande maioria dos trabalhadoras. Talvez a de 120$ que em pouco excede dois terços da despesa media efectiva de cada filho, isto para os meios urbanos. Nus rurais, onde a habitação e os produtos da terra são mais baratos e menores as despesas com o vestuário, entendo puder reduzir-se a 100$.
Para a chamada «classe média», obrigada a maiores gastos, sobretudo com a casa e o vestuário, aqueles alvitres a meu ver devem substituir-se pelos de 150$ e 120$.
Isto sendo uniforme o subsídio. Melhor seria proporcioná-lo à idade pois a despesa muito vai aumentando à medida que os filhos crescem.
Admitida aquela fórmula, resta saber se há-de aplicar-se igualmente às famílias com poucos filhos ou às famílias numerosas, visto serem estas as mais dignas de uma recompensa, que ultrapasse o mero carácter supletivo da sua debilidade económica.
É perfeitamente aceitável a doutrina de o subsidio ser, por cabeça, tanto maior quanto maior for o número de filhos. Em Espanha creio estar ainda em vigor a disposição que assim graduava os subsídios familiares por tal forma que com dez filhos o quantitativo por cabeça era quatro vezes maior do que no caso de só haver dois filhos.
Creio, porém, que na prática o sistema exigiria uma complicada contabilidade, difícil de ter em dia. Já me contentaria com a Concessão de benefícios indirectos às famílias numerosas, tais como a redução dos gastos com a escolaridade, com os transportes, etc. E em certos casos, a redução dos impostos fiscais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Desses meios indirectos de proteger as famílias com filhos, e sobretudo as numerosas, destaco a redução das despesas com a instrução. Sou de parecer que uma família com vários filhos, a estudar só deveria, quando muito, pagar propinas por um deles, tendo os restantes isenção desse dispêndio. Para os que tivessem notas escolares de bom, isenção, seja qual for o seu número.
Tratando-se de órfãos, pobres, um subsídio suplementar de escolaridade deverá existir, a somar ao subsídio normal. A Espanha estabeleceu-o, e substancialmente, com um mínimo de 500 pesetas por mês.
Tais auxílios são tão justos que ninguém tem contestado a sua legitimidade. A própria Natureza, que é sábia, indicou esse caminho, diminuindo a despesa por filho quando a prole abunda: no quarto onde dorme uma criança podem dormir duas ou três, e das calças velhas do mais velho fazem-se umas calças novas para o mais novo...
Sr. Presidente: por fim algumas palavras sobre os factores morais ou psicológicos da instabilidade das famílias. Poucas será preciso proferir a este propósito tanto e tão bem se tem escrito sobre família e moral, mormente por autores católicos, em valiosos estudos, que concluem pela indiscutível necessidade da moral cristã para que a família seja o que Deus manda.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - A acção deve, a meu ver, incidir principalmente sobre a juventude, na família, acima de tudo. E no seio da família, pela educação dos pais, que se molda o carácter, se; afina a afectividade, se desenvolve a vontade e se radicam os sentimentos religiosos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A escola pode continuar a tarefa, mas para a iniciar já chega tarde. Nela não basta fazer a apologia das virtudes cristãs e dos feitos de alta moral que elas são capazes de gerar; há que combater o individualismo egoísta, promovendo e auxiliando a associação para actos de mútua solidariedade e de beneficência. A moral, como é sabido, muito mais do que com palavras, ensina-se com exemplos e obras. Por isso são em regra, bem fornecidos os filhos de gente de vida exemplar: «Casa de pais, escola de filhos».
A acção junto dos adultos é mais difícil e de mais precários resultados, muito variáveis com a psicologia, mais ou menos, receptiva, dos influenciados. Mas com ela se têm conseguido legalizações de famílias irregulares e correcção de vícios individuais em certa proporção. Em todo o caso, as árvores endireitam-se facilmente enquanto são novas; mais tarde, se tortas cresceram, tortas ficam.
Tudo é preciso -auxílio material e educação religiosa, moral - para colocar a família no alto pedestal em que deve situar-se para que a sociedade futura será melhor do que a actual.
Atravessamos uma fase histórica difícil. «A família desagrega-se a olhos vistos nos tempos modernos», como Salazar disse. Desagrega-se por via da transformação profunda dos costumes a que conduziu a era da grande indústria. O trabalho obriga muitíssimos homens ao alheamento da família e levou muitíssimas mulheres ao emprego em estabelecimentos fabris, abandonando o lar. Não é fácil combater os inales que estas condições acarretam; a aspiração não pode ir além de um melhoramento relativo. Temos de nos contentar com o possível, de atentar nas realidades e não cair na decadente atitude de olhar o passado como um modelo de virtudes a restabelecer ou de fantasiar um futuro de ideal beleza, que a própria natureza humana, estruturalmente a mesma através dos séculos, torna irrealizável.
Vozes: - Muito bem !
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O Orador: - Dentro das circunstâncias da hora presente, é possível, contudo, fazer muita coisa boa. Assim o queiramos todos, com amor e decisão, governantes e governados.
Sr. Presidente: findou, felizmente para a paciência da Assembleia, a primeira parte do meu arrazoado.
Não apoiados.
Expus o que penso sobre o problema da protecção à família, abstraindo das realizações efectuadas em Portugal, a que só de relance, por vozes, tive de aludir, Passo agora ao exame do que só tem feito, para comparação com os pontos de vista apresentados.
Não desenrolarei extensa, lista das informações que colhi sobre o funcionamento e o volume de servidos de muitos organismos com cujas actividades lucram as famílias. Li os quadros das publicações do Instituto Nacional de Estatística, compulsei relatórios e mapas que amavelmente me forneceram as respectivas instâncias superiores. Seria fatigar a Assembleia com uma avalanche de dados, de restrito interesse para o tema que estou tratando, porque se trata de assistência generalizada, ignorando-se a parte que nela cabe a família, tal como a defini.
A impressão geral que o conjunto me deixou fui-a de que em Portugal se gastam com a assistência quantias cuja suma não pode determinar-se, mas que seguramente vai para muito acima de 750 milhares de contos. Deduzo isto pelos números oficialmente registados, que têm orçado nos últimos anos pelas cifras seguintes: de governos civis e autarquias locais, 80 mil contos; de diversos Ministérios e principalmente do Subsecretariado da Assistência Social. de muito mais de 300 mil contos; de Misericórdias e outras instituições de beneficência, 350 mil coutos. Se nestas últimas parte da despesa é compensada por participações do Estado, o que não vai à conta geral, vindo da assistência particular nau contabilizada, deve anular a duplicação por completo.
Referir-me-ei somente a algumas instituições de maior interesse para o assunto, precedendo as respectivas notas de um reparo de ordem geral.
Em virtude de justo princípio, estabelecido pela orgânica prescrita pelo estatuto de 1945, de obrigar os socorridos em hospitais ou estabelecimentos semelhantes a participar nas despesas que ocasionam, na, medida da sua capacidade económica, dentro do agregado doméstico de que fazem parte, não se atende à família do casal legítimo com filhos. Era de justiça, se queremos realmente proteger as famílias devidamente constituídas, que gozassem de apreciáveis reduções das quantias a pagar pela tabela adoptada.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Deixando por agora o aspecto social, olhemos o que se passa no campo da previdência, e dentro dele da parte que mais interessa, que é a dos subsídios a que me deu o nome de «abono de família», regime instaurado há quinze anos, por felicíssima decisão governamental.
O regime de abono de família é aplicável aos empregados e assalariados por conta de outrem na industria, no comércio, mas profissões livres ou ao serviço dos organismos corporativos e de coordenação económica, de instituições de previdência, de caixas de abono de família ou de quaisquer associações. Dos indivíduos nestas condições excluíram-se, por despacho de 1946 os trabalhadores rurais.
Têm direito a abono de família os empregados ou assalariados de um ou outro sexo que tenham a seu cargo e vivam em comunhão de mesa e habitação com as seguintes pessoas de família: filhos legítimos ou perfilhados com idade inferior a 14 anos, ou a 18 e 20 amos quando estudantes de cursos secundários ou superiores;
netos com idade inferior a 14 anos, quando tenham falecido as pessoas a quem Legalmente competia o encargo do seu sustento, vestuário e educação ascendentes do trabalhador ou do seu cônjuge, quando não tenham rendimentos suficientes e, sendo homens, quando totalmente incapacitados para o trabalho.
O subsídio constituído pelo abono não é acumulável; compete apenas ao chefe da família, quando ambos os cônjuges exerçam profissão remunerada, e por um dos empregos, quando o beneficiário tiver mais de uma actividade remunerada.
As caixas podem conceder subsídios de casamento, do nascimento e educação de filhos, de renda de casa, do aleitação e de funeral, e bem assim auxílio em vestuário e senhas de refeições económicas, aos trabalhadores nelas inscritos, com autorização de despenderem nesses subsídios até 10 por cento das suas receitas próprias. Estas modalidades de auxílio constituem actividade facultativa e muito secundária, distinta do abono de família.
Para auxiliar as caixas na realização dos seus fins criou-se o Fundo Nacional de Abono de família com receitas provenientes de várias origens: saldos de gerência das caixas, saldos de exercício dos organismos corporativos e de coordenação económica, participação do Fundo de Desemprego, certas contribuições patronais, multas, etc.
Estas são as linhas gerais da instituição, suficientes para apreciação do assunto sem necessidade dos pormenores dos sucessivos despachos esclarecedores das suas aplicações na prática.
A três espécies de organismos de previdência está entregue o serviço do abono de família: caixas sindicais de previdência, caixas de previdência e reforma e Casas dos Pescadores. Alguns números darão ideia da importância de tal serviço.
O movimento das caixas sindicais em 1953 representado pelas seguintes cifras: beneficiados,268 746; importância total dos benefícios, 167 129 contos. O valor dos abonos é variável de caixa para caixa. Dividindo a importância total pelo número de beneficiados, encontra-se o quociente de 621$92 para cada abono; a média deve ser levemente mais alta por alguns dos beneficiados o terem sido somente em parte do ano. De toda a maneira não chega a 60$ por mês. Em maioria de uns 60 por cento foi para descendentes e o resto para ascendentes.
As caixas de previdência ou reforma tiveram o seguinte movimento: beneficiados, 157 751; total dos subsídios, 108 696 contos. A média por abono, com igual reserva na apreciação, foi de 688$46, o que corresponde a 57$37 por mês, também inferior por certo aos 60$.
Estamos longe do quantitativo que, como demonstrei, tem de considerar-se como indispensável para a protecção dos casais com filhos. Impõe-se a distinção entre abono destinado a filhos legítimos e abono respeitante a outras pessoas que a ele têm direito e a elevação para aqueles nos termos que expus.
Só assim se satisfará, som dispêndio excessivo, o objectivo da protecção à família no que ela tem de mais fecundo; e considerando para tal apenas as famílias legalmente constituídas.
Vozes: - Muito bem !
O Orador:-As Casas dos Pescadores, essas, estão em melhor posição. Os beneficiados foram 3606 e a importância dos subsídios foi de 3813 contos. A média
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do valor destes foi, portanto, de 1.057$40. Isto é, de, pelo menos, 85$ mensais.
Analisemos agora o abono de família para funcionários públicos, que tem regime especial, instituído em 1943 e ultimamente reformado, no passado Outubro.
O sistema assemelha-se, quanto à regulamentação, no das caixas de previdência, com algumas alterações, que não vale a pena mencionar. A último, modificação melhorou-o consideravelmente, diminuindo para três o número das categorias e elevando os limites das duas primeiras. Do louvor às disposições que o regulamento ouso exceptuar uma; que me parece contender com a integridade da família: é a que exclui do direito ao abono os cônjuges que sejam funcionários e vivam na mesma localidade; afigura-se-me mais equitativo aplicar-lhes a disposição relativa à acumulação de proventos pelo chefe da família.
E quanto à disposição que antes negava o subsídio ao funcionário que tivesse outros proventos de pelo menos 1.000$, foi amaciada com a subida desta importância paia o dobro. Como, em regra, o excedente ao vencimento é inferior a este, só poucas vezes terá aplicação. Em todo o caso agradar-me-ia mais uma redução no quantitativo do abono do que uma exclusão.
Actualmente a importância do abono é de 80$, 90$ ou 100$, segundo as categorias. Na ascensão que tem apresentado, os quantitativos vão-se aproximando dos apropriados. Estão, pois, os funcionários em melhor posição que os assalariados e empregados por conta de outrem nas instituições de previdência. Tanto mais fere a desigualdade quanto para os funcionários o abono sai do erário público inscritas no orçamento as respectivas verbas, ao passo que para os outros é em parte pago por eles próprios.
Em suma o abono de família, louvabilíssima instituição, precisa de ser fortalecido, principalmente para os sócios das caixas. Mas acima de tudo, precisa de aplicar-se à casada com prole, que deve ficar em casa para cuidar dela.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Como atrás disse, considero essa modalidade como importantíssima para desviar a mulher da fábrica, da oficina ou do estabelecimento comercial, para que deixe de abandonar a casa. Implicaria uma regulamentação apropriada, que desse ao subsídio um valor sensivelmente igual ao dispêndio pessoal no lar. que computei num mínimo de 215$. Para tal será indispensável a comparticipação do Estado, inteiramente justificada pelo largo alcance social desta medida.
Vem a propósito lembrar a excelente disposição legal que concede repouso, sem perda do salário ou vencimento, durante trinta dias, às parturientes. Falta apenas completá-la com a obrigatoriedade de um subsídio de maternidade que pague a despesa com o parto.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Não quero, ainda nesse capítulo do abono, deixar no esquecimento o alvitre de em cada centro urbano de algum vulto se organizar uma caixa de previdência pura os que exercem a sua actividade profissional em trabalho caseiro K familiar autónomo. Trata-se de famílias que em geral não auferem grandes proventos e que merecem toda a protecção, porque esse artesanato é factor valioso de união entre pais, filhos e irmãos, portanto de defesa da harmonia familiar.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - E passemos ao domínio assistência!
Nesse domínio, o organismo de assistência pública que particularmente interessa é o Instituto de Protecção à Família, fundado em l945.
Vou enunciar a fins a que se destinaria, segundo a respectiva lei: coordenar, orientar, promover e fomentar a criação de instituições que tenham por finalidade a defesa da família e ainda combater as práticas opostas aos deveres naturais da procriação, as causas da degenerescência, o alcoolismo e a sífilis; proteger gravidez, e ensinar as regras preventivas da higiene e da puericultura; custear o tratamento de doentes e a sustentação de inválidos: exercer acção educativa nas famílias para a sua regular constituição e aperfeiçoamento moral; procurar a colocação dos desempregados e dar-lhes os meios e utensílios de trabalho; velar pela melhoria das condições de habitação; conceder subsídios para alimentação e agasalho; auxiliar as famílias numerosas; divulgar as noções de previdência; organizar as «Jornadas das mães de família»; prestar socorros especiais para reduzir a mortalidade infantil; promovera obrigatoriedade da prestação de alimentos e a investigação da paternidade ilegítima; conceder socorros urgentes em casos de calamidades públicas; colaborar com os outros institutos, com as Misericórdias e com os organismos particulares de assistência.
Nesta miscelânea há de tudo: funções que especificamente pertencem às delegações de saúde, ao Instituto Maternal, aos dispensários de higiene social, aos serviços distritais de assistência a inválidos, etc.
Não seria um organismo criado para tratar exclusivamente da protecção às famílias, como o título subentende, mas um estabelecimento para quase todas as facetas da medicina social, um órgão polimorfo de assistência pública em duplicação de variados serviços especializados.
De adequado ao carácter específico que devia ter só há, entre tanta atribuição: a acção educativa nus famílias, a concessão de subsídios paru alimentação e agasalhos, o auxílio às famílias numerosas e ainda a de- promover a investigação da paternidade e a prestação de alimentos às mães abandonadas. E afinal é a isto que realmente se limita quase toda a actividade assistencial do Instituto, como não podia deixar de ser.
Quis fosse ouvida aquela lista dos propósitos legais da instituição, para ter ocasião de mais unia vez me manifestar contra a falta de especificação clara dos fins de cada entidade assistencial. contra as duplicações dispendiosas e perturbadoras. Na maquinaria da assistência pública falta ao esquema formulado que cada peça esteja no seu lugar, a desempenhar o seu papel e só o seu papel.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Limitada a actividade do Instituto àquilo que realmente devia executar, tudo estaria bem só o conceito de família fosso o devido, e não o político-administrativo. Adoptou este conceito e. portanto, passou n fazer assistência a rodos os que tenham uni lar ou seja a toda a gente. Diluiu-se, assim, na massa geral a protecção da verdadeira família a defender.
O movimento do Instituto pode avaliar-se pêlos seguintes números, relativos, a 1954:
Subsídios em mensalidades ...... 64 780
Subsídios por invalidez ........ 28 750
Subsídios eventuais ......... 74 940
Peças de vestuário e calçado,
colchões, roupas de cama e
diversos artigos .............. 43 567
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Refeições fornecidas .......... 2 129 057
Colocações e empregos ......... 939
Casamentos .................... 238
Baptizados .................... 175
Além destes serviços promoveu a ida a consultas, tratamentos e hospitalização e concedeu 170 empréstimos gratuitos a necessitados, iniciativa esta original e muito interessante, na qual despendeu 838 contos, contra um reembolso de 428 contos. Destaque-se, como expoente da acção moral, a promoção de casamentos e baptizados.
Por esta série de números se vê ser grande a actividade do Instituto. Se não distraísse a assistência por indivíduos que não fazem parte da verdadeira família a proteger, esta seria muito mais cuidadosamente atendida, exercendo na sua vida social mais eficiente do que suponho seja a que presentemente efectua.
Com a soma de todos os auxílios materiais, exceptuando os socorros aos protegidos da Misericórdia de Lisboa, que o encarregou da distribuição despendeu o Instituto a importância ,de 24 512 contos.
Realizou 49 764 inquéritos e no fim do ano ficaram prontos 299 433 processos, a que chama familiares; mas há uma parte diz respeito à família legítima, à família que exclusivamente devia proteger.
No entanto, a tarefa de fazer um cadastro da situação social dos agregados domésticos é indispensável e, a meu ver, foi uma feliz ideia a de anexar ao Instituto o Centro de Inquérito Assistêncial, de cujos serviços deviam socorrer-se, obrigatoriamente, todos os estabelecimentos, públicos ou particulares. Além desta utilidade, tem a de basear a coordenação com os variados serviços a-ssistenciais de outras finalidades, função que deve pertencer ao Instituto.
Quanto à distribuição de socorros materiais, sou de parecer que, uma vez esquematizada a orgânica da assistência pública, deve limitar a socorros eventuais e a um ou outro caso de permanente e precária situação económica do lar mas tudo, evidentemente, só para as famílias de casa dos, e especialmente para as que têm filhos. E pagar, sendo preciso, as despesas com o casamento dos amancebados.
Como já afirmei na primeira parte deste trabalho, não sou partidário da larga assistência oficial à pobreza, por socorro pecuniário directo. Salvo situações de forçosa miséria, por incapacidade para o trabalho, não me seduz a caridade oficial, que tende sempre, à burocratização e origina a profissão de pobre. Admito-a em circunstâncias de inabilidade que não seja permanente, ou que se preveja a possibilidade de o não ser; tal, para citar o como frequente, o dos tuberculosos, enquanto não forem entregues aos serviços do respectivo Instituto Nacional. E para as famílias com filhos, como solução urgente, que não admitia demoras, o auxílio eventual por donativo ou empréstimo, e em raros casos com certa permanência.
Tudo o que sair muito para fora deste círculo de necessidades é caminho andado para a socialização, no mau significado da palavra.
A caridade, como proclamou S. Paulo, é a maior de todas as virtudes. Ela foi sempre muito grande em muitos portugueses, e, apesar da dispersão afectiva da vida de hoje nas cidades, ainda vale muito, graças a Deus. Aponto aqui um exemplo frisante: as Conferencias, de S. Vicente de Paulo, no ano passado, na diocese do Porto, distribuíram donativos no valor de 2143 contos, tendo recebido das entidades públicas, para auxílio, apenas 44 contos. Beneficiaram 3767 famílias, com dadivas em dinheiro. camas, peças de roupa e pão.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - É preciso, repito, estimular a assistência, e não proceder por forma a enfraquecê-la, a descoroçoá-la, invadindo um domínio que lhe pertence.
Não quero deixar de mencionar uma outra instituição cuja actividade se prende intimamente ao tema deste aviso prévio: a obra das Mães pela Educação Nacional.
A missão principal da Obra das Mães consiste em exercer acção social moralizadora e educativa, nos seus várias aspectos espirituais, culturais e técnicos, com a finalidade essencial de estimular e dirigir a habilitação da mulher, em geral, para a educação familiar.
Neste sentido mantém ou protege centros de formação, onde se professam cursos de aprendizagem de indústrias caseiras, actividade de alto interesse, pois, como já referi, é nelas que a mulher pode encontrar o necessário suplemento ao salário do marido, sem ter de abandonar a casa e os filhos. Procura estender esse principal sector da sua acção aos meios rurais e servir-se, fugindo à burocratização, das dedicações voluntárias. Por enquanto é só de trinta o número desses centros. Faço votos pelo seu desenvolvimento por forma a estender-se por todo o território.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - Subsidiara a mente, superintende em caulinas escolares, a que adiante me referirei, e como propaganda da instituição familiar criou a Semana e Dia da Mãe, exaltando as famílias numerosas de exemplar conduta moral, por meio de prémios.
Sr. Presidente: a acção do Instituto de Protecção à Família, como a de quase todos os organismos de assistência exerce-se quase exclusivamente em Lisboa, Porto e nas capitais de distrito. Nas aldeias, o que existe é, no conjunto, insignificante. Os socorros aos que precisam vêm dos vizinhos; todos se conhecem, ajudam--se mutuamente, mas, como pouco podem, em geral há muitos carecidos. Há que olhar para a população rural, que não tem sido atendida como tem sido a população urbana, tanto mais que é lá, na aldeia, que a família é mais prolífica e em regra, mais sã.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As Casas do Povo estão naturalmente indicadas para centros de toda a assistência preventiva e curativa das deficiências colectivas e, sobretudo, das respeitantes às famílias.
Já mais de vinte anos passaram sobre a data de 23 de Setembro de 1933 que marcou uma pedra branca na história da legislação social portuguesa. E ainda só há 304 Casas do Povo - uma sexta parte das que deviam existir. Tem de se apurar a causa ou causas do pequeno incremento e anulá-las por meio de nova regulamentação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Reconheci que contra a descrença de alguns, os factos mostram que o volume das actividades desenvolvidas nas suas várias atribuições é muito animador. Quanto à assistência, aprecia-se pêlos seguintes dados, relativos a 1952: assistidos na doença, 16 340; inválidos socorridos 5550; subsídios por casamento, 612; idem por nascimento, 6944; idem por morte, 1940; por outros motivos, 719. O dispêndio foi de 15 794 contos, o qual repartido pelo número de Casas, dá uma média superior a 31 contos, devendo notar-se que há Casas relativamente ricas e outras pobres, pelo que o valor médio está sujeito a sensíveis variações.
Poderá instaurar-se o abono de família para a população rural? Penso que sim, desde que as Casas do Povo
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sejam mais fortemente protegidas, com eficiente comparticipação do Estado; bem a merece o trabalhador da terra.
Vozes: - Muito bem. muito bem!
O Orador: - Algumas palavras agora, sobre escolares. A protecção que se lhes dispensa é também protecção às famílias a que pertencem, refiro-me somente a cantinas e propinas nos estabelecimentos oficiais do ensino.
A importância das cantinas, tanto no respeitante à saúde como ao ensino, é incontestável. Supre insuficiências alimentares de lar pobre e facilita a regular frequência à escola.
Não tomaram ainda, a expansão necessária, mas o Ministério da Educação Nacional ultimamente tem-lhe dado notório impulso. Hoje assiste a 780, o dobro das que havia em 1948, sendo as 170 de Lisboa e Porto administradas pela Obra das Mães pela Educarão Nacional. Sobe a 52 800 o número dos alunos beneficiados e a 3500 contos a importância dos subsídios concedidos às cantinas.
Ainda em matéria do assistência escolar, o Ministério emprega anualmente uns 1500 contos em subsidiar caixas escolares, cujo número foi no passado ano de 11 688, beneficiando 470 000 alunos.
Relativamente a propinas, iniciou-se pelo ensino superior, quando era Ministro o Sr. Doutor Mário de Figueiredo, o princípio da isenção aos filhos de famílias com limitados recursos. O benefício foi depois ampliado e a sua extensão é já suficientemente grande. Na maneira da atribuição é que me parece dever dar-se maior preferência ias famílias numerosas, nos termos já anteriormente apontados.
Para findar, poucas palavras são precisas para dizer o que se tem feito no campo moral, porque de todos é conhecida a propaganda pelo melhoramento da vida social, pela expansão e firmeza da moral cristã. Boa significação tem o movimento de legalização de situações irregulares e de baptizados dos filhos. Traduzem uma catequese eficiente. Destaca-se ainda aqui a Obra Vicentina nessa frutuosa tarefa.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Num plano mais geral o superior, de estudo e propaganda de princípios, é à Acção Católica que tem cabido o maior papel, que é justíssimo exalçar.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Entre os paladinos mais entusiastas dessa alta missão, apraz-me citar os nomes de dois colegas, sen anteposição de adjectivos laudatórios, os quais tão usados andam que já quase não têm cor: o Prof. Luís de Pina, meu colega na Universidade, e o Dr. Dinis da Fonseca, meu colega nesta Assembleia.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Não repetirei agora as opiniões expostas no primeira parte deste trabalho. Insisto, porem, na afirmação de que o fundamental é a educação da juventude, por palavras e por actos, por estes mais do que por aquelas.
No campo jurídico, ao Estado Novo se devem disposições de grande valia para a defesa da família, de entre as quais destaco a isenção do imposto sucessório, a filhos, sobre quotas até 100 contos, a validação civil do casamento católico, que a Concordata permitiu, e a lei, há dois anos decretada, relativa ao abandono da família. Mas neste campo ainda muito há a fazer. Deve elevar-se o limite da isenção do imposto sucessório, pois a moeda desvalorizou-se e os filhos devem ser mais eficazmente protegidos podendo os cofres públicos ser compensados por meio da exclusão do direito a herdar de parentes afastados que dele gozam ainda. É indispensável rever a lei do divorcio, restringindo os casos em que pode efectuar-se. O combate à ilegitimidade ganhará positivo alento quando a investigação da paternidade, para prestação de alimentos, seja oficiosa, partindo da declaração da mãe, na ocasião do registo , do nome do pai. E deve ainda decretar-se o imposto sobre os celibatários, como meio de incitamento ao matrimónio e para angariação de dinheiro a gastar com as medidas tendentes a uma efectiva defesa da família legitima, de pai, mãe e filhos. Ouso chamar para estes pontos a atenção dos senhores juristas encarregados de elaborar o novo Código Civil.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: -Decretou-se, e muito bem, a limitação do direito de frequência do cinema por crianças e adolescentes. Mas é extremamente lamentável que a censura, para maiores de 18 anos, tolere a exibição de filmes em que a moralidade anda de rastos e que se representem peças teatrais de tese claramente imoral, como ainda há pouco aconteceu.
Sr. Presidente: foi longa a peregrinação por princípios e factos, por propósitos e realizações, como extensa foi a série de ambições e sugestões.
Foi muito longa e no entanto, bem menos do que pretendia, ao anunciar este aviso prévio; aflorei apenas alguns pontos que desejaria aprofundar e omiti outros por mais dispensáveis, tudo no intento de abreviar a exposição do meu modesto estudo.
É habitual fechar um aviso prévio com solicitações. Podia emitir tantas quantas os alvitres formulados, e só farei uma. Não faço outras porque reconheço o esforço dos Poderes Públicos em matéria de assistência e a intenção de cumprir o dever constitucional do protecção à família, e, portanto, confio em que estudará as soluções que venho preconizando, e que, pouco a pouco, as irá pondo em prática. Seria estulto pretender que de um ano para o outro as coisas mudem muito. È preciso que se crie o ambiente necessário para que as medidas a tomar, de certo modo revolucionárias, sejam favoravelmente recebidas pelo público.
Nesta ordem de ideias o meu pedido consiste no patrocínio do Governo para a fui ura Liga dos Pais de Família, para cuja organização vou trabalhar.
Creio que será a mais eficiente colaboração que pude receber para conseguir a finalidade de colocar a família em condições de ser, efectivamente, a célula-mãe do futuro Portugal, que todos nós queremos seja cada vez maior, mais digno e mais próspero.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado..
Quadros demonstrativos de quantias referidas no texto do discurso do Sr. Deputado Almeida Garrett:
I) Quadro da despesa mínima familiar (por mês)
Para casal sem filhos
Renda de casa ......................... 200$00
Agua, luz e combustível ............. 100$00
Géneros alimentícios .................. 309$70
Vestuário e calçado .................. 135$00
Sabão, utensílios, louças, etc. ....... 170$00
....................................... 905$00
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Para cada filho
[Ver tabela na imagem]
Para adulto do sexo feminino
A conta feita dou quantia aproximada de 70 por cento da relativa ao homem, ou seja 668$50.
O Sr. Santos Carreto: - Sr. Presidenta: requeira a generalização do debate.
O Sr. Presidente: - Concedo a generalizarão do debate.
O Sr. Santos Carreto: - Sr. Presidente: o problema, sobre o qual o nosso ilustre colega Sr. Prof. Doutor Almeida Garrett, com impressionante viveza, acaba de efectivar oportuno aviso prévio é um dos problemas que mais profundamente interessam à vida do homem e a vida da Nação. E se a ninguém é lícito manter, perante ele, cómoda indiferença, muito menos o seria, ao homem da Igreja, consciente das graves responsabilidades que o sagrado ministério imperiosamente lhe atribui.
É, pois, em obediência a irrecusável imperativo da consciência sacerdotal e também ao mandato que a Nação me conferiu que ouso subir a esta tribuna para intervir em tão sério debate, não me animando outro empenho que não seja o de que a minha pobre e humilde voz se torne eco fiel da mesma voz da Igreja, a cujo serviço decididamente consagrei a minha vida toda.
Decerto que, ao agitar problema desta natureza, haverá que fazer graves afirmações, apelos instantes, sérias considerações sobre as duras realidades que a hora presente nos oferece, sobre injustiças que ainda se verificam e que importa remediar com urgente decisão.
Tudo isto com olhos e coração postos ùnicamente no sagrado interesse da Pátria e sempre preocupados em dar ao Governo da Nação a dedicada e eficiente colaboração que o mandato gravemente nos impõe e a que não podemos furtar-nos por motivos de qualquer natureza.
Surgirão, certamente, Sr. Presidente, de determinados sectores de desorientação político-social, estranhas e arrevesadas interpretações do que nesta Câmara se afirma, e, consequentemente, antipatriótica e condenável exploração política, contra a qual não podemos deixar de protestar decidida da nossa própria dignidade e criminosamente contrária aos melhores interesses da Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Absolutamente perfeita a obra magnífica de renovação que o Estado
Vem realizando de há mais de vinte e cinco anos a esta parte?
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Ninguém pretenderá afirmá-lo. Nada que saia das mãos do homem logra- ser absolutamente perfeito. A perfeição absoluta é impossível de atingir sobre a Terra. Mas temos de trabalhar, temos de lutar como se possível fosse chegar ao máximo da perfeição. Este, o nosso maior e mais vivo empenho; .este, o constante cuidado da nossa devoção patriótica.
Anotar deficiências, fazer sugestões, solicitar providências, não é, porém, deixar de reconhecer e admirar tudo quanto de bom vai feito em todos os sectores da vida nacional e em condições de justificado- orgulho para o nosso brio de Portugueses. Só o não vê e não sente quem não tenha coração para sentir, nem olhos paru ver e admirar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Um só pensamento domina e inspira os homens que nesta Câmara trabalham - colaborar dedicadamente com o Governo na promoção do maior e melhor bem comum. Um só sentimento lhes toma o espírito e o coração - amor encendrado à bendita terra portuguesa, vivido em anseios de total e gloriosa imolação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Porque assim é, Sr. Presidente, porque outra não é a nossa função, entremos confiadamente no interessante debate que neste momento toma o melhor cuidado e atenção desta Câmara.
Sr. Presidente: que é a família, na sua essência e nos seus fins?
Atentemos em que para a constituição da família não basta um coração. São necessários dois corações, que, instintivamente sequiosos de afecto e de amparo, se procuram, se encontram, se prendem, se unem, se fundem nos mesmos sentimentos, nas mesmas aspirações, nos mesmos anseios, nos mesmos destinos.
A família é, portanto, essencialmente obra de amor. É neste sentimento, de todos o mais humano e o mais divino, que ela nasce, que ela se desenvolve e robustece, que ela se vivifica, se embeleza e se consome.
Dois corações fundidos num só coração, duas almas fundidas numa só alma, duas vidas fundidas numa só vida!
Eis o que a família fundamentalmente tem de ser para que, sem qualquer mistura, se torne «célula viva da própria vida nacional, forja indefectível e fecunda das melhores e mais altas virtudes humanas, santuário bendito dos mais nobres e puros sentimentos».
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O homem, a cabeça da família; a mulher, o seu coração. O homem, o chefe; a mulher, a sua dedicada e constante colaboradora - adjutorium simile sibi, ma linda expressão do Génese; e ambos tendo em suas mãos as fontes mesmas da vida. Unidade perfeita, que naturalmente importa rigorosa indissolubilidade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Porque a família é isto e estes são os objectivos altos que, por divina instituição, lhe foram impostos, não podia a Constituição Política Portuguesa deixar de atribuir-lhe o lugar de relevo que lhe compete como «fonte de conservação e desenvolvimento da raça, como base primária da educação, da disciplina e harmonia social e como fundamento da ordem política e administrativa da Nação».
Há, pois, que proteger e defender a família contra todos os perigos de desagregação, prodigalizando-lhe todos os meios para que ela possa intensamente viver o seu espírito e plenamente realizar os fins para que foi instituída. Está nisto o melhor e maior interesse da própria vida da Pátria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ao Estudo compete, como dever grave e imperioso, promover essa protecção, realizar essa defesa, conforme expressamente determinado está na Constituição, e em termos consoladoramente inequívocos.
Tem-se procurado viver na sua plenitude, como convém, essa doutrina admiravelmente concebida e afirmada?
Muito vai já feito, graças a Deus! Mas tudo quanto se pode e deve?
Sr. Presidente: seja-me permitido usar mais uma vez da costumada linguagem, toda feita de clareza e lealdade, que outra não sei eu ter nem ia consciência ma consentiria.
Falar da família, Sr. Presidente, é falar, sobretudo, da mulher. Quero, pois, e devo, antes de tudo, dirigia do alto desta tribuna à mulher portuguesa, tão digna e distintamente representada nesta Câmara pelas ilustres Deputadas Sr.ª D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis e D. Maria Leonor Correia Botelho, as minhas mais (respeitosas saudações, que importam homenagem efusiva à nobreza da sua alma cristianíssima, à riqueza das suas singulares virtudes, aos anseios generosos da sua imolação heróica, que, tornando-a vido, de todas as grandes coisas, soberanamente a distinguem entre as mulheres do mundo inteiro.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Afirma-se, e com rigorosa exactidão, que a família vale o que valer a mulher. E que, Sr. Presidente, sendo a família fundamentalmente amor e sendo a mulher o seu coração, lógico é concluir - e os factos asseguram a justeza da conclusão - que a mulher é o, alma da família, o seu anjo tutelar, a sua beleza e salvaguarda constante.
E tanto assim é que à união dos esposos se chama «matrimónio», palavra admirável, que, decomposta, nos dá esta linda expressão: matriz munus - múnus da mãe. É que, na verdade, à mulher pertence a principal parte na sociedade conjugal, a maior responsabilidade ma orientação familiar.
E a Santa Igreja confirma seguiram ente o asserto quando sabiamente dispõe que na missa pró Sponso et Sponsa seja para a mulher que especialmente e instantemente se implorem as melhores bênçãos de Deus e as saias mais santas inspirações.
Realmente, sejam quais forem as funções que a Providência lhe haja marcado, dentro ou fora do casamento, e quaisquer que sejam as circunstâncias que envolvam a sua vida, a mulher é sempre, por excelência, o ser da dedicação e do sacrifício, generosamente pronta a imolar-se em rasgos lindos de gloriosa e impressionante abnegação.
Ninguém como ela sabe conquistar e prender as almas e sobre elas exercer um domínio completo e decisivo. Por isso ela goza, dentro ida família, duma autoridade incontestável e incontestada, tornando-se verdadeiramente um oráculo sempre e docilmente escutado.
Apresso-me, pois, a perguntar: se o lar doméstico é o lugar especialmente determinado à sua actividade redentora, como se tem procurado preparar e formar a
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mulher para missão tão alta e de tamanha gravidade?
Onde as esmolas de formação para o matrimónio?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sai a mulher das mãos de Deus enriquecida idos melhores dons, adornada das mais belas aptidões, que iniludivelmente determinam a sua especial vocação. Mas onde o trabalho de educação que valorize esses dons e os faça render em frutos de benção e de resgate?
Em resposta pressinto já a observação de que, afinal, esse cuidado pertence especialmente à Igreja, cuja missão é essencialmente ensinar, educar, formar, conduzir, valorizar as vocações de Deus.
Assim é, de facto; e posso assegurar que a Igreja em Portugal olha o problema com séria preocupação e solicitude. Simplesmente, a criação e manutenção de escolas de formação para o matrimónio importa pesados encargos materiais, que a Igreja, tristemente despojada de todos os seus haveres, não pode, por si só, suportar.
Também o Estado tem que dizer aqui a sua palavra, que tomar a sua posição, que assumir as suas responsabilidades. E ninguém hesitará em classificar de urgente esta iniciativa, tanto mais quanto mais dolorosamente se acentua e agrava, na mulher de nossos dias, a diminuição do espírito feminino, a ausência de um conceito exacto da vida conjugal e, consequentemente, a repugnância pelos encargos e responsabilidades familiares.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quem não sente a esforçada campanha do masculinização da mulher, que desastrosamente se vai desenvolvendo em sintomas de muito preocupar?
É a deformação da natureza feminina, a inversão do seu próprio ser, a esterilização dos extraordinários dons com que a Providência largamente a enriqueceu!
E não é isto uma desventura e unia ameaça para o futuro da sociedade?
Não podemos, por isso, deixar de lamentar e sentir que a mulher nos apareça, em febril competição com o homem, à procura de ocupações que muito destoam da sua própria índole de mulher. E, quando já tem constituído ò seu lar, mais de sentir e lamentar é o facto, cujas graves e ruinosas consequências ninguém poderá medir em toda a sua extensão e profundeza.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ausente a mulher do lar, quem cuidará dos filhos que Deus lhe der?
A quem se deixam confiados os encargos do arranjo doméstico, por vezes, tão delicado e complexo?
Abandona-se aos riscos do acaso o governo familiar? Estancam-se as fontes da vida que Deus pôs nas mãos dos esposos?
Graves e tremendas interrogações estas que ansiosamente temos de fazer a nós próprios e a quantos têm a consciência exacta das suas responsabilidades sociais.
Não é, Sr. Presidente, que eu pretenda encerrar impiedosa mente a mulher no seu ninho de amor, como em rigorosa- clausuro. Não. O que eu pretendo, o que todos pretendemos, é que a mulher seja sempre mulher e só mulher, fazendo render em frutos de bênção a admirável riqueza, de aptidões com que Deus a distinguiu, e vivendo intensa e apaixonadamente a sua missão, soberanamente prestimosa sob todos os aspectos que possa revestir.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pôs Deus no coração da mulher anseios vivos de maternidade. E se nem todas são chamadas a constituir família, porque diversos e sempre admiráveis são os desígnios divinos, todas são no entanto destinadas a dedicar-se, com estranhas verdadeiramente de mãe, a tantas cruzadas lindas de bem-fazer, onde ninguém pode competir com a mulher em rasgos de delicadeza, de generosidade, de firmeza, de coragem e abnegação, por vezes impressionantemente heróicas.
Impedida então a mulher de exercer quaisquer funções alheias à sua missão familiar ou ao apostolado cristão de bem fazer?
Lastimável insensatez seria pretendê-lo. Funções há, públicas e particulares, cujo exercício se coaduna perfeitamente com a índole da mulher e que não trazem qualquer risco de perda ou enfraquecimento das suas melhores virtudes e encantos, como sejam: a educação e ensino, a enfermagem, o serviço social e outras que supérfluo é enumerar.
Mas são apenas deste género as funções que hoje em dia a mulher procura e consegue?
São de todos conhecidas as razões que se alegam para justificar este assalto -que o é verdadeiramente- a quaisquer funções, mesmo às mais manifestamente destoastes da natureza feminina.
Todas essas razões assentam, afinal, no problema económico-familiar, que, não sendo o problema máximo da vida humana, anda, no entanto, gravemente entrelaçado com outros problemas fundamentais da mesma vida.
É a conhecida insuficiência dos vencimentos e salários, perante o desordenado custo da vida, a manter-se duríssima e dolorosa realidade, amarfanhando corpos e almas em ritmo cada vez mais cruciante.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O chefe da família não consegue recursos bastantes para ocorrer a todos os encargos domésticos?
A esposa julga-se por isso naturalmente obrigada a ajudar, fora de casa, a aquisição dos meios indispensáveis à conveniente manutenção do lar. E temos de reconhecer que é lógica, embora lamentável e cheia de perigos, a estranha consequência.
No entanto, Sr. Presidente, seria interessante verificar-se, avaliadas as especiais despesas que à mulher necessariamente impõe a frequência da repartição ou do escritório e avaliados também os prejuízos que a sua ausência do lar forçosamente acarreta, se apurará saldo verdadeiramente compensador do sacrifício e dos perigos a que a família é sujeita.
Seja como for, a situação, tem de ser considerada com séria e interessada atenção.
Para inúmeras famílias a vida, com as exigências que presentemente tomou e com o desnivelamento das condições que despoticamente se impõem, tornou-se, mais do que aflitiva, verdadeiramente incomportável. E não está também aqui uma das razões por que tantos fogem do matrimónio, como disse o Sr. Dr. Almeida Garrett?
Entre os encargos que a Constituição atribui ao Estado e autarquias locais em ordem à defesa da família encontra-se o seguinte:
Regular os impostos de harmonia com os encargos legítimos da família e promover a adopção do salário familiar.
Eu não sei, Sr. Presidente, se na distribuição e lançamento de impostos se teve alguma vez em conta os encargos familiares, como a Constituição determina.
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Quer-me parecer que não, e que tal disposição não passa, por enquanto, de uma linda e justa aspiração.
Quanto ao salário familiar, continuamos a viver em ansiosa expectativa.
Eu compreendo, todos compreendemos as dificuldades que envolvem a sua organização e adopção. Há, porém, que enfrentá-las com decisão e energia, para que um problema, que tão profundamente interessa à vida da família, receba a solução que a própria justiça reclama e impõe. Deixemos ao Governo o cuidado de encontrar a melhor forma de criar e fazer vingar o tão necessário salário familiar.
Uma coisa temos de proclamar com ansiedade verdadeira:
A economia da vida tem de organizar-se de maneira que ao chefe responsável da família seja assegurado vencimento que baste a ele e aos seus, que o coloque ao abrigo de dolorosas provações e o poupe à desolação que ao seu lar fatalmente traz a forçada ausência da esposa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ao constituir legitimamente o seu lar e ao povoá-lo de frutos de bênção o homem torna-se verdadeiramente credor da Nação, prestando-lhe um alto e precioso serviço que têm incontestável direito a remuneração condigna.
Assim o reconhece a Constituição quando preconiza a adopção do salário familiar. Nada mais clamorosamente justo e urgente.
Preocupado com o problema, criou o Estado o chamado «abono de família», que é, evidentemente, uma solução provisória. Mas o abono de família, tal como está e é atribuído, dá porventura apreciável satisfação às exigências familiares? Traz ele, na verdade, conveniente solução, embora provisória, a tão grave problema?
Sr. Presidente: será impertinência minha voltar insistentemente ao assunto?
Imperativo de dever é certamente e eu não hesito em o acatar e cumprir como sei e posso.
O Decreto-Lei n.º 39 844 trouxe, de facto, uma certa melhoria aos quantitativos do abono de família. Não nos parece, porém, que essa melhoria seja tão notável que permita considerá-la, como no respectivo relatório se diz, «um auxiliar valioso na manutenção da economia dos agregados familiares numerosos».
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Senão, vejamos:
Os quantitativos do abono de família são, pelo referido decreto-lei, fixados, por cada filho e na razão directa dos vencimentos, em 80$, 90$ e 100$.
Note-se: na razão directa dos vencimentos...
Eu creio, Sr. Presidente, que nesta ordenação não houve senão o cuidado de respeitar a categoria do funcionário, que, auferindo maior vencimento, deve também, segundo o critério adoptado, receber melhor abono de família.
Mas, Sr. Presidente, eu suponho - e parece-me que com inteira exactidão e justiça - que o abono de família foi criado e adoptado para ocorrer às necessidades familiares e que, portanto, deve ser atribuído, não em razão da categoria do funcionário, mas em razão das suas necessidades. Ora ninguém dirá que as necessidades familiares, de um modesto funcionário não são bem mais graves e prementes do que as do funcionário de mais alta-categoria, no qual ordinariamente não faltam outros recursos para satisfazer as exigências sociais que naturalmente lhe são impostas.
Sendo assim - e suponho, que é -, parece que a atribuição do abono de família na razão inversa dos vencimentos é que seria o sistema absolutamente razoável c justo.
Concretizemos: um funcionário que tenha um vencimento igual ou superior a 3.500$ recebe por cada filho 100$. Se tiver cinco filhos receberá, portanto, 500$ mensais.
Atentemos, agora num funcionário cujo vencimento seja inferior a 1.500$ e que tenha também cinco filhos. Receberá de abono de família 400$, ou seja menos 100$ do que o funcionário superior.
Julgo, Sr. Presidente, ser legítimo perguntar: que modificação sofrerá a economia doméstica do alto funcionário com mais ou menos 100$ mensais?
Mas os mesmos 100$ mensais para um modesto funcionário representam já uma verba de apreciar.
Permito-me, portanto, acentuar, Sr. Presidente, que será de mais rigorosa justiça que a atribuição do abono de família se faça, não em razão da categoria do funcionário, mas sim em razão das necessidades familiares, que são bem mais prementes na casa do modesto funcionário, cujo vencimento, em muitos casos, mal chega para o pão de cada dia.
Sr. Presidente: sobre certas condições que importam restrições na atribuição do abono de família desejaria fazer também, e mais uma vez, algumas sérias considerações e justos reparos.
Não quero, porém, nem devo abusar da cativante benevolência de V. Ex.ª e da Câmara. Seja-me, no entanto, permitida ainda unia nota, que me parece dever deixar aqui por descargo de consciência.
Na sessão de 11 de Dezembro de 1953 tive-oportunidade de fazer nesta Câmara alguns comentários a certas restrições que o estatuto do abono de família determina na sua atribuição. Desses comentários permito-me reproduzir o seguinte:
Entre essas disposições salientarei mais uma vez, como particularmente estranha, a que determina que um casal de funcionários a viver sob o mesmo tecto só terá direito ao abono de família quando o número dos seus filhos for superior a cinco. Estranha disposição, digo eu, porquanto, se um funcionário, em vez de casado com uma modesta funcionária, o for com uma milionária, já terá direito a receber abono de família a partir do primeiro filho.
Estas as minhas palavras de então. Suponho, Sr. Presidente, estar bem claro e manifesto o pensamento que as inspirou: mostrar a sem razão do que no estatuto se dispõe.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Que traz a, este respeito o referido Decreto-Lei n.º 39 844?
Mantém no seu artigo 11.º a recusa de direito ao abono de família «aos cônjuges funcionários, uma vez que vivam na mesma localidade, salvo se for superior a cinco o número de pessoas a seu cargo».
E no artigo 10.º determina-se:
Não têm direito ao abono de família os servidores que, além do seu Vencimento principal, percebam por acumulação de cargos, por qualquer actividade ou como rendimento de bens próprios ou dos cônjuges, quantia superior a 2.000$ mensais, salvo se for superior a cinco o número de pessoas a seu cargo.
Supérfluo me parece, Sr. Presidente, fazer sobre o assunto novos e justos comentários.
Não passo, no entanto, deixar de perguntar se um modesto funcionário, cuja esposa tenha rendimentos
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próprios no valor de 2.100$, por exemplo, e que tenha quatro ou cinco filhos a educar, terá possibilidade de o fazer sem graves e penosas privações, mormente vivendo em meios desprovidos de estabelecimentos de ensino?
E que dizer do meu pequeno funcionário (por exemplo, uni contínuo ou agente da Polícia de Segurança Pública) cuja, esposa, por imperiosa necessidade da economia doméstica, teve procurar uma humilde função (de servente, por exemplo), da qual receba umas escassas centenas escudos mensais?
Confesso. Sr. Presidente, que não logro descobrir o pensamento de justiça que inspirou semelhante disposição.
Razões de ordem económica?
Mas eu não compreendo nem posso compreender que haja razões de economia que se sobreponham dos problemas fundamentais da vida.
É a economia que tem de servir a vida, e não a vida que há-de vir pôr-se ao serviço da economia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: em muitos lares portugueses continua a viver-se uma vida torturada por dolorosas privações e lamentàvelmente temos de reconhecer que a distância entre famílias pobres ou modestas e as que vivem em larga abastança é como ainda há pouco aqui afirmei, cada vez maior e mais impressionante e importa clamorosa injustiça.
Mais uma vez me cabe, pois, afirmar que ; urge corrigir essa injustiça, reduzir essa distância, prodigalizando a todos os portugueses o mínimo de bem - estar que a vida imperiosamente impõe, que a própria dignidade humana ansiosamente reclama.
Não pretendemos, evidentemente, que a pobreza se extinga sobre a terra. Quimera seria uma tal pretensão. O que pretendemos, o que reclamamos com toda a energia da nossa fé é que a pobreza seja menos pobre e que todos tenham o estritamente indispensável à vida.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
Orador: - É assaz conhecida a feliz afirmação Sr. Presidente do Conselho, toda feita de animosa esperança : «Enquanto houver um lar sem pão a Revolução continua».
Com magoada ansiedade se verifica, Sr. Presidente., que em certos sectores da vida nacional a Revolução não continua, precisamente porque ... nem sequer só iniciou ainda.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E no entanto há que levar a toda a porto os benefícios dessa bendita Revolução, à qual a Pátria devida o seu feliz resgate. E isto com a devida urgência, pois que a oportunidade pode passar e dificilmente voltará.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Problemas há na base mesma da vida que imperiosamente reclamam pronta e segura solução. A actividade do Instituto de Assistência à família é verdadeiramente de louvar pela obra magnífica que vem realizando. Tenho, porém, de afirmar mais uma vez: a assistência não pode, por si resolver o problema. Há que fazer a tão desejada Revolução a que se refere o Sr. Presidente do Concelho
Vozes :- Muito bem, Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente : ao anunciar o presente aviso prévio sobre a instituição familiar, o nosso distinto colega Sr. Prof. Almeida Garrett afirmou que reservava, para outra oportunidade o problema da habitação. Não me deterei pois em considerações sobre este importante problema, que tão intimamente ligado anda à vida da família.
Seja-me, no entanto, permitido, tocar neste momento, e a propósito, dois pontos que me parece carecerem de urgente e séria atenção.
Um já toquei aquando do notável aviso prévio tão inteligente efectuado nesta Câmara, há dois anos, pelo nosso ilustre colega Sr. Engenheiro Amaral Neto. É o que se refere à construção de moradias para classes trabalhadoras e pobres em sistema de bairros.
Volto a perguntar: convirá tal sistema ao futuro que ansiosamente queremos preparar e que anila na nossa maior preocupação?
Deveremos nós afastar do nosso contacto uma classe que, mais do que todas precisa do amparo e influência educativa dos que mais têm?
E o rico não carece também dos serviços e colaboração do pobre?
Vozes: - Muito bem, muito bera!
O Orador: - É ver o que se passa nos numerosos bairros económicos já existentes: c morador desses bairros, que geralmente pertence á classe média, precisa, tantas vezes, de serviços que, só o pobre costuma prestar, e não encontra quem lhos preste.
É que ao pobre não foi dado ali lugar ... Não foi para ele que tais bairros se empreenderam o construíram!...
E quem pode medir toda a sua extensão os desastrosos efeitos de ordem moral que uni tal afastamento necessariamente, produzirá nas classes pobres?
Faça-se um rigoroso inquérito e verificar-se, Sr. Presidente, que não há exagero nesta sobressaltada afirmação.
Para o facto se chama mais uma vez a, atenção de quantos, em gesto lindo de caridade cristã, andam dedicadamente empenhados na bendita cruzada de construção de moradias para classes pobres.
Moradias, muitas moradias sim, mas não em sistema de bairros. Ao pobre pertence também, por direito e por necessidade, um lugar no agregado populacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Regime de castas, nunca Portugal tolerou em qualquer parcela do seu império!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Outro ponto que desejo e devo tocar nesta oportunidade: nos bairros económicos, que vêm construindo-se em ritmo verdadeiramente consolador, as moradias são de três ou quatro tipos, consoante o número de pessoas do agregado familiar a que se destinam.
As casas de tipo l têm apenas dois quartos e destinam-se a casais com um só filho ou com mais do um, mas do mesmo sexo. Ora, os esposos a quem são distribuídas estas moradias têm, em regra, menos de 40 anos de idade.
Ocorre então perguntar: quando vierem mais filhos de diferente sexo, como resolver a situação? Transferência para moradia de outro tipo? E haverá sempre possibilidade para isso?
Vozes: - Muito bem, muito bom!
O Sr. Morais Alçada: - V. Ex.ª dá-mo licença?
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O Orador: - Tenha a bondade.
O Sr. Morais Alçada: - Legalmente, posso afirmar que não há essa possibilidade, a menos que o titular da moradia perca o que deu para as amortizações da casa que ocupava.
O Orador: - Então temos de concluir que terão de estancar-se criminosamente as fontes da vida.
Para tão grave e delicado problema, que afecta profundamente a família no que ela tem de mais sagrado, instantemente chamo também a cuidada e patriótica atenção das entidades responsáveis.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: sinto que estou já abusando da cativante bondade de V. Ex.ª e da Câmara (não apoiados). Há, porém, um problema que, pela sua extrema gravidade, não pode deixar de ser também atentamente considerado neste debate. É o trabalho nocturno da mulher em estabelecimentos fabris.
Se a ausência da mulher do sou lar durante o dia traz à vida da família um sem-número de graves prejuízos e inconvenientes, que dizer da sua ausência durante a noite?
Não me deterei, Sr. Presidente, a apontar as graves consequências que do facto resultam, os perigos que daí advêm para a segurança familiar, as ruínas morais que desgraçadamente se verificam. Nada disto escapa à observação e sentimento dos homens de boa fé e de boa vontade. De resto, os inquéritos já realizados são tristemente eloquentes e dão-nos bem a medida de todo o mal que o sistema comporta.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Na região industrial que melhor e mais de perto conheço há centenas de mulheres ocupadas em trabalhos fabris até quase à meia-noite.
Muitas delas têm de percorrer, àquela hora da noite e por caminhos nem sempre fáceis, alguns quilómetros para regressar ao lar.
Quem poderá calcular com exactidão os riscos do ordem moral a que semelhante regime sujeita as pobres operárias? Não estaremos nós, com tal sistema, a favorecer a total perda do espirito de família e a promover a sua desastrosa desagregação?
Eu sei que os industriais de lanifícios da nossa Beira, sentindo os graves inconvenientes de tal sistema de trabalho, estão, muito louvavelmente, cuidando de organizar novo horário de trabalho, que poupo a mulher ao sacrifício do trabalho nocturno.
Se este sector pode tornar e realizai1 tão salutar iniciativa, porque o não poderão fazer os demais ramos da actividade industrial?
Para justificar a manutenção deste perigoso regime de trabalho alegam-se, em alguns sectores, fortes razões de ordem económica.
Contrista-me profundamente ter de notar e lamentar que também aqui o malfadado factor económico surge a dominar implacàvelmente problemas da vida que deveriam ser-lhe imensamente superiores.
Mas serão realmente de atender as razões alegadas?
Caberia aqui um rigoroso inquérito, inteiramente legítimo, sobre as condições económicas de certas indústrias, a fim de se verificar até onde sobem os lucros auferidos, qual a aplicação dada a esses mesmos lucros e qual a consistência da razão alegada para a manutenção do trabalho nocturno feminino.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Estou certo de que seria estranhamente interessante o resultado desse inquérito.
Aliás, ocorre também perguntar: se em muitos trabalhos fabris a mulher produz tanto como o homem, e por vezes até melhor, como justificar a diferença de salário? Nos serviços do Estado há porventura essa diferença?
O nivelamento dos salários, nos serviços em que a mulher não é inferior ao homem, facilitaria a justa solução do delicado problema, ao mesmo tempo que protegeria a entidade patronal contra a tentação de preferir o trabalho feminino ao masculino, como em alguns meios se está, infelizmente, verificando. Nem tal nivelamento seria, coisa nova no mundo do trabalho.
Um perigo poderia, porém, surgir do sistema preconizado: maior e mais viva tentação para que a mulher, porque melhor remunerada, se apegasse mais fervorosamente ao trabalho fora de casa.
Não se me afigura insuperável a dificuldade. Poderia conjurar-se ou atenuar-se o perigo com a criação de uma caixa de compensação familiar onde dessem entrada os aumentos que o salário sofresse e que viriam a ser mensalmente atribuídos às mesmas mulheres operárias consoante os encargos de família que sobre elas pesassem.
Além do mais, importaria o novo sistema uma linda e interessante modalidade de protecção à família legitimamente constituída. Suponho que nada mais humano nem mais cristão.
Sr. Presidente: em uma sessão de mulheres operárias que há quase um ano se realizou na cidade da Covilhã por ocasião do Congresso Mariano, e à qual presidiu a nossa distinta colega Sr.a D. Maria Leonor Correia Botelho, a numerosa assembleia, constituída exclusivamente por operárias fabris, em brado uníssono e por forma, deveras impressionante, ansiosamente solicitou a total abolição do trabalho feminino durante a noite como gravemente nocivo à sua própria dignidade de mulheres.
E no dia seguinte um grupo de operários procurou a nossa ilustre colega para instantemente secundar e reforçar o pedido que as mulheres haviam formulado e agradecer antecipadamente a S. Ex.ª tudo quanto em seu favor pudesse fazer.
Noutra sessão do mesmo Congresso, destinada só a homens operários, na qual tomou parte activa o nosso ilustre colega e meu velho o particular amigo Dr. Dinis da Fonseca, foi também expressa em termos clamorosos a mesma alta e justa aspiração.
Temos pois, Sr. Presidente, o voto unânime e ansioso da classe interessada, emitido em hora magnífica de Fé e por fornia que a todos comoveu pela sua eloquente e confiante espontaneidade. É afinal d voto de toda a classe operária.
Eu sei, Sr. Presidente, que este e outros graves problemas do mundo do trabalho andam no melhor cuidado do Sr. Ministro das Corporações, que tudo pondera e estuda com superior inteligência e acendrado espírito cristão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Todos compreendemos e sentimos a enorme complexidade de todos estes problemas de ordem social e as incomensuráveis dificuldades que os envolvem. Estamos, porém, certos de que o ilustre Ministro, que tantos obstáculos e resistências tem sabido vencer na boa ordenação da vida de trabalho, logrará também dar triunfante solução a um problema que tanto interessa à dignidade e segurança moral da família e que por isso, anda na nossa mais sobressaltada preocupação.
Confiemos no comprovado zelo, prudência o firmeza de S. Ex.ª
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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690 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 80
O Orador: - Sr. Presidente: não se detém nem abranda a campanha de dissolução de costumes que de há muito se desencadeou sobre a cristianíssima terra portuguesa, antes ela se intensifica dia a dia e com um despudor cada vez mais espantosamente ousado.
E porque a família - célula-base da vida social - vale o que valer a mulher, que em suas mãos tem a fonte de toda a sua grandeza moral, é especialmente contra a mulher que se dirigem os mais ferozes ataques dos inimigos da ordem cristã, em satânico empenho de perversão e corrupção.
E temos de reconhecer que é seguro o caminho e leva direito ao fim que pretendem atingir.
De facto, pervertida e corrompida a mulher, corrompidas e pervertidas ficarão as próprias fontes da vida.
Atentemos, Sr. Presidente, no perigo e decidamo-nos a conjurá-lo sem hesitações e com esforçada e cristã energia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A pátria portuguesa, de tão honradas e gloriosas tradições cristãs, não quer -positivamente não quer!- morrer afogada em ondas de perversão moral!
Imperiosamente se impõe que Portugal, estrénuo, e indefectível guardião da bendita instituição familiar, se mantenha, até no fim dos tempos, inalteràvelmente fiel à gloriosa vocação que a Providência lhe marcou.
Vozes: - Muito bera, muito bem!
O Orador: - É tempo de terminar. Sr. Presidente.
Demasiadamente severas as considerações que, consciente das minhas graves responsabilidades, tive de trazer a esta tribuna?
Seja-me isso relevado em atenção, sobretudo, à sua flagrante oportunidade e também no pensamento que as inspirou e informou: justiçai e raridade.
Tais como são as ofereço confiadamente a todos os homens responsáveis pelo presente e pelo futuro de Portugal, na certeza de que não tirara inteiramente baldado o instante e clamoroso apelo que elas encerram e que profundamente, interessa ao bem comum, que a todos compete seriamente promover e assegurar.
Sr. Presidente: seja toda feita de reconfortante esperança a minha última palavra:
Coroa magnífica de todas as maravilhas da criação, a família não peide viver fora dos olhares de Deus. Se assim é, Sr. Presidente, indicado está o caminho que importa seguir.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrito para este debate. No entanto, tenho conhecimento certo de que alguns Srs. Deputados desejariam intervir nele, mas não se julgam suficientemente preparados; e eu não devo, num assunto de tanta importância, privar a Câmara e o Puís de o debater com toda a largueza. Em face, portanto, desta circunstância, não posso marcar sessão pura amanhã, e designo para a próxima o dia 29, terça-feira, com a mesma ordem do dia da de hoje.
Todavia, aproveito o ensejo para advertir os Srs. Deputados de que os trabalhos pendentes de apreciação da Câmara são ainda muitos e variados e que é preciso dispensar-lhes todo o interesse para que possamos ultimá-los.
Quero recordar às comissões a quem foram distribuídos os diplomas o seu dever de lhes prestar desde já toda a atenção, para que na altura oportuna estejam preparadas para acompanhar a sua discussão.
Convoco desde já a Comissão de Economia e de Política e Administrarão Geral e Local para terça-feira, fim 14 horas, a fim de se ocupar da proposta de lei sobre a execução das olivas de pequena distribuição de electricidade.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 40 minutes
Srs. Deputados que entraram durante a sessão
Abel Maria Castro de Lacerda.
Armando Cândido de Medeiros..
Carlos Mantero Belard.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
João Afonso Cid dos Santos.
João Luís Augusto das Neves.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Ricardo Malhou Durão.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Henriques de Araújo.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Antão Santos da Cunha.
António Carlos Borges.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Russell de Sousa.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Alpoim Borges do Canto.
João Maria Porto.
Joaquim Mendes do Amaral.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Miguel Rodrigues Bastos.
Rui de Andrade.
Teófilo Duarte.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
TUPBENSA NACIONAL DE LISBOA