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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 88

ANO DE 1955 l DE ABRIL

ASSEMBLEIA NACIONAL

VI LEGISLATURA

SESSÃO N.° 88, EM 31 DE MARÇO

Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mos Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente
Foi[...] autorização para os Srs Deputados [...] Horta e Antão Santos da Cunha deparou como testemunha no tribunal plenário do Porto
[...] da palavra os Srs Deputados Bartalumeu [...] sobre problemas ligados á electrificação do Alto Alentejo : Rui de Andrade que se referiu ao centenário do nascimento do conhecido João Franco e Urger Horta

Ordem do dia. - Continuou o debate do aviso prédio do Sr. Almeida Garrett sobre a protecção da família. Usaram da palavra os Srs Deputados Ricardo Durão Almeida Garrett.
O Sr. Presidente declara encerrada a missão ás 18 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente : - Vai proceder-se á chamada
Eram 16 horas.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Américo Cortês Pinto.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves .Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
António Russell de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Eduardo Pereira Viana.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Ameal.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Pinho Brandão.

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Joaquim de Sonsa Machado.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Airriaga ,de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria M uri as Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 69 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 10 minutos

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente : - Vai ler-se o

Expediente

Telegramas

Da Liga Operária Católica de Roriz (Negrelos), dos operários católicos da paróquia do Santíssimo Sacramento, do Porto, da secção da Juventude Independente Católica da Paróquia de Fátima, de Lisboa, de vários lares portugueses e do Sindicato dos Operários Gráficos do Porto, a apoiarem o aviso prévio do Sr. Deputado Almeida Garrou.

O Sr. Presidente: - Encontra-se na Mesa um oficio do tribunal plenário criminal do Porto, a pedir autorização para que os Srs. Deputados Antão Santos da Cunha e Urgel Horta possam prestar os seus depoimentos, como testemunhas de defesa, no próximo dia 18, pelas 14 horas, no Tribunal da Relação do Porto.
Informo a Assembleia de que estes Srs. Deputados julgam inconveniente para a sua actuação parlamentar o terem de depor nesse dia.
Vou consultar a Câmara sobre se concede ou não a autorização solicitada.

Consultada a Assembleia, foi negada a autorização.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Bartolomeu Gromicho.

O Sr. Bartolomeu Gromicho : - Sr. Presidente : nu sessão desta Assembleia de 12 de Março de 1953 tive a honra de me referir a vários problemas ligados a electrificação do Alto Alentejo.

Estava nessa altura o Baixo Alentejo de parabéns por ter sido incluída a electrificação do Sul no Plano do Fomento. Continua de parabéns, porquanto já está constituída a empresa que irá executar os trabalhos, cujo plano está a ser estudado activamente, segundo creio.
No que respeita ao Alto Alentejo, aquela perspectiva de levar a corrente de alta tensão às vilas de Alcáçovas, Viana do Alentejo, Portei, Reguengos e Mourão parece continuar em vago projecto.
Dissera eu nessa intervenção de 12 de Março de 19553 que apenas Estremoz, Borba e Vila Virosa, do distrito de Évora, eram servidas pela corrente de alta tensão fornecida pela Hidroeléctrica Alto Alentejo. Existe uma segunda linha, que penetra no distrito pelo sul, proveniente de Setúbal, pelo Pego do Altar, e que, depois de servir os ramais de Montemor e suas freguesias de S. Cristóvão o Escoural, vai abastecer Évora.
Por iniciativa dos Municípios desta cidade e de Arraiolos, construi-se uma extensão até esta importante e histórica vila.
Ainda por iniciativa da Cariara de Évora, construíram-se e estão a funcionar as extensões dos Canaviais, de S. Miguel de Machede e da industrial Azaruja.
Entretanto a U. E. .P. substituiu a linha construída de emergência em 104;) por outra de requisitos técnicos adequados.
E eis tudo o que há de alta tensão no distrito de Évora. Os restantes concelhos utilizara ;is precárias instalações antieconómicas de centrais térmicas, propriedade das câmaras ou de moagens em regime de contrato.
É evidente que desta norma rudimentar de obter corrente eléctrica resulta um cortejo de inconvenientes fáceis de calcular: luz precária, tarifas elevadíssimas e incomportáveis para as classes menos abastadas, tempo limitado a escassas horas do utilização e privação frequente de corrente eléctrica por avarias e até por capricho das empresas moageiras, que por vezes só fornecem energia quando lhes convém.
As minhas esperanças, as esperanças do distrito de Évora na solução deste premente problema voltam-se agora para a lei que irá surgir da proposta para breve discussão sobro electrificação rural.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Poderia parecer mais atilado que reservasse estas minhas palavras para quando for posta à discussão a referida proposta de lei.
A verdade, porem, é que estas ligeiras considerações vêm a propósito de um importante problema local, que na minha mencionada intervenção de 12 de Março de 1053 pus em foco e que não depende da próxima lei de electrificação rural pela simples razão do. estar ao alcance de todas as possibilidades actuais.
Refiro-me à electrificação da importante e laboriosa vila de Vendas Novas.

Vozes: - Muito bem !

O Orador:-Já na altura em que tratei desse problema estava em construção o ramal de Aguas de Moura para a emissora ultramarina da Emissora Nacional, na estrada do Cabo, com passagem pêlos Quatro Caminhos de Pegões, a 12 km de Vendas Novas.
Existia orçamento ou, pelo menos, estimativa desse ramal no montante de 800 contos.
Debatia-se entre a Camará cê Montemor e a U. E. P. a questão sobre qual das duas entidades deveria arcar com as despesas de montagem da linha. Segundo julgo saber, a Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos entendeu que é à U. E. P. que. cumpre instalar a linha.

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A U. E. P. recorreu para anular a imposição de construir a linha, e o caso está pendente de um tribunal arbitral.
É evidente que esta discussão de direitos e deveres da Câmara de Montemor e da U. E. P. tem produzido até agora o clássico efeito de delongas enervantes para os habitantes do Vendas Novas.
Já em 1 de Dezembro de 1953 os jornais anunciaram que tinha havido acordo entre a Câmara de Montemor, a U. E. P. e o Ministério do Exército - este pelo interesse da Escola Prática de Artilharia - para a montagem do cabo condutor entre Pegões e Vendas Novas.
Decorridos mais de dois anos depois das primeiras negociações e mais de um ano do anunciado acordo, que de facto só existiria em desejo platónico, pouco ou nada se avançou.
De construtivo foi entregue há poucos dias na Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos o projecto elaborado pela U. E. P. para a implantação do traçado da linha Pegões-Vendas Novas.
É mais um passo importante, mas não decisivo, pois que a pergunta «quem paga?» continua a ser o pomo de discórdia entre a Câmara e a empresa.
Nesta altura parece que se impõe, da parto de quem de direito, a ordem de se executar a construção, segundo o pensamento da Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos, sem prejuízo do que o tribunal venha a decidir quanto à obrigação de quem tiver de pagar por fim.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - De resto, não se trata de uma aldeia sertaneja ou vitória de importância secundária.
Vendas Novas, disse-o então, abriga uma população de 5000 habitantes no núcleo principal e 12 000 na respectiva freguesia.
Além de iluminação particular e pública - esta apenas possível na rua principal, de cerca de 3 km, pelo poder iluminante dos faróis dos automóveis que a cruzam, pois essa rua é um troço da estrada Lisboa-Caia -, aguarda a energia eléctrica uma importante e próspera indústria corticeira, de que existem catorze fábricas, além de uma fábrica de moagem e massas alimentícias, três do cerâmica, uma de mosaicos e três do refrigerantes, três lagares e até uma tipografia.
Isto, só por si, provo um avultado consumo de energia eléctrica. Mas é preciso acrescentar que existem ali quatro oficinas de reparação de automóveis e outras oficinas para fins diversos.
O comércio, que serve a avantajada população de 6500 habitantes da vila e arredores e os inúmeros viajantes que por ali transitam, é concomitantemente importante, o que se verifica pela existência de vinte mercearias e sete cafés, alguns de certo aparato.
Também a Escola Prática de Artilharia, hoje iluminada por central própria e deficiente, será beneficiada com o projectado ramal de alta tensão.
Poucos serão os automobilistas portugueses que não conheçam esta vila, que teve seu início com a construção de uma estalagem, ordenada por D. João III, para a mala-posta, em .1526, e sou nome pelo aparecimento de vendas, que inspiraram a designação de Aldeia das Vendas Novas.
D. João V aditou-lhe o palacete, mandado construir em 1729 para albergar na passagem o cortejo nupcial dos príncipes, vindos do Caia.
Nesse palacete instalou-se a Escola Prática de Artilharia em 1861, por ordem de D. Pedro V.
Tem, finalmente, Vendas Novas direito a que o seu instante problema da electrificação seja resolvido pelos motivos populacionais e económicos aduzidos, que são irrefragáveis e a que não falta uma certa pincelada de história.
E também notório o desenvolvimento da população dos arredores, que num esforço meritório transformou a charneca de aparência estéril em belas pequenas propriedades, por aforamento de terras da Casa de Bragança, Monte Branco e Misericórdia.
Vendas Novas deu, nestes últimos vinte e cinco anos, um salutar exemplo de colonização interna do pura o eficaz iniciativa particular.
Bem merece, pois, ver rapidamente solucionado o sou problema de electrificação

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pela segunda vez, em dois anos, apelo para o Sr. Ministro da Economia, a fim de que o conflito paralisante entre a Câmara de Montemor e a U. E. P. seja resolvido sem prejuízo da execução urgente da obra imperiosa da electrificação de Vendas Novas.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Segue-se no uso da palavra o Sr. Deputado Bui de Andrade. Creio que V. Ex.ª tinha pedido a palavra sobre o Centenário de João Franco.

O Sr. Rui de Andrade: - Exactamente. Desejo falar sobre o centenário do nascimento do conselheiro João Franco.

O Sr. Presidente: - Se V. Ex.ª o deseja, poderá falar da tribuna.

O Sr. Deputado Rui de Andrade subiu à tribuna.

O Sr. Rui de Andrade: - Sr. Presidente: único supérstite do Parlamento franquista de 1916 aqui presente e quase único vivo, porque só vive ainda o meu caro amigo Dr. Carlos Lopes, não desejo ver passar o centenário do nascimento do grande parlamentar e homem de estado e meu muito particular amigo João Franco sem dizer algumas, infelizmente desadornadas, palavras nesta ocasião.
A minha vida longa permite-me hoje fazer esta evocação, mas também o facto de ter sido o mais jovem dos Deputados de então.
A personalidade de João Franco pertence já hoje à história de um período há muito tempo passado e que a maioria conhece por tradição e pelos livros que acerca daquele período se escreveram; porém, eu assisti a todo o desencadear dos acontecimentos, e é por isso que vos venho evocar aquele período de luta e falar daquele grande que foi João Franco, um beirão, nascido em Alcaide, que se revelou muito novo um rijo homem de acção e um parlamentar de invulgares dotes oratórios.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Depois de ter marcado nos períodos parlamentares do decénio de 1890 a 1901, durante o qual foi Ministro da Fazenda, das Obras Públicas e do liei no e leader do Partido Regenerador, em 1901 separa-se deste partido por divergências de métodos de governo, e a seguir procura que a política do rotativismo, emaranhada nas questões partidárias, se modifique de forma que seja possível a Nação dedicar-se a grande tarefa de salvação nacional e da monarquia, que pela incompreensão dos grupos políticos estavam a soçobrar.
Para compreender o que foi a tarefa, à qual dedicou toda a sua coragem e a sua extraordinária capacidade

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de homem de estado, é necessário ter vivido como eu vivi, bem novo e cheio de fé, aqueles tempos; ter. assistido àquela, luta e adquirido a experiência que a minha vida destes últimos quarenta anos de labuta constante me consentiu. Porque depois daqueles tempos, continuando na luta, fui Deputado no tempo de Sidónio e no da demagogia de 21 a 20 e trabalhei nos movimentos militares de Monsanto, de Gomes da Costa e depois no de 28 de Maio. E se agora venho tomar a palavra é porque fui testemunha viva de todos estes acontecimentos que encheram a minha vida, nos quais me envolvi e donde tantas feridas físicas, materiais e morais me vieram, e porque desejo fazer-vos parte desta, experiência dolorosa, da qual Salazar conseguiu livrar-nos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Entrei na vida política, não por interesse, mas porque era um dever, e os novos do meu tempo, sinceros, não podiam ser indiferentes ao perigo da Pátria e ao esforço, do rei, e fui franquista pelas relações de família, que me colocaram logo muito próximo do conselheiro, untes, durante e depois dos acontecimentos e no exílio até à sua morte.
Meu sogro foi quem afiançou então o conselheiro João Franco.
Não é possível que VV. Ex.ªs façam uma ideia, mesmo que ligeira, do encadeamento dos factos que então sucederam, e por isso permitam-me VV. Ex.ªs que lhes descreva um pouco o panorama da política internacional e interna daqueles tempos.
Não se deve esquecer que Portugal até ao início do século XIX era, ainda uma grande potência colonial.
O Atlântico era o nosso mar - o continente, as nossas ilhas, toda a costa africana e o Brasil continuam esse mar entre as mossas costas marítimas - e a nossa frota era ainda a de uma grande potencial.
O movimento maçónico republicano, que do fim do século XVIII ao começo do XIX, com as agitações aia Península e nas colónias americanas, deu cabo da nossa hegemonia atlântica, ao mesmo tempo que arruinava a Espanha com aquela série de sucessivas revoluções na Europa- e na América- que fizeram desaparecer a importância ibérica, no Mundo, feria também o Empório Português, destacando-lhe o Brasil.
Mas ainda mantínhamos um largo poderio em África. A estirpação que nos fizeram do Congo e de muitos lugares das costas ocidental ,e oriental da África, onde tantos interessas tínhamos mantido; o Tratado de Berlim, com a penda das zonas cedidas à Alemanha e à Inglaterra; mais tarde a nova invasão do Niassa e do Tanganica tinham reduzido de muito aquilo que nós, em bom direito, considerávamos nosso. Isto passara-se durante os reinados de D. João VI, de D. Maria II, de D. Pedro V e de el-rei D. Luís, que, apesar de esforços heróicos, não tinham conseguido que - enfraquecidos pela invasão francesa, pela guerra peninsular e pelas graves e longas lutas liberais - pudéssemos salvar serião uma parte.
El-rei D. Carlos logo nos primeiros anos do seu reinado foi também surpreendido pelo ultimato de 1893.
Naturalmente para salvar o resto, aquilo que ainda temos, teve do tomar enérgicas medidas, e a primeira foi a obra de ocupação da nossa África pelas duas costas, onde os nossos heróis africanas actuaram com uma energia, rapidez e acerto que surpreendeu quantos estavam à espera de ver facilmente ruir o resto do nosso poderio africano.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Os Zulos foram vencidos, apesar de auxílios estranhos, e o Sul de Angola foi ocupado; Enes, Mouzinho, Aires e Coutinho, numa costa, e Paiva Couceiro, João de Almeida, Freire de Andrade e tantos outros, que não cito para me não alongar, são os nomes dos nossos grandes africanos que fizeram frente ao perigo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas a cobiça, não afrouxava: Angola e Moçambique eram consideradas ainda muito grandes para um país pequeno e pobre ter o direito de as administrar e desenvolver.
E então o País viu-se estranhamente apertado economicamente, ao mesmo tempo que a tranquilidade interna era sacudida e complicada por uma surda e vigorosa campanha- de descrédito da monarquia.
Foi então que toda a sanha se concentrou contra o grande incompreendido e por isso desgraçado rei D. Carlos, porque, intelectualmente, patriòticamente e mesmo fisicamente de figura imponente, era o verdadeiro anteparo e a defesa da nossa pátria.
E para o poder destruir recorreu-se a uma miserável e caluniosa campanha de difamação, em que se não pouparam o rei, a rainha, a monarquia e os homens políticos que a serviam.
E esta campanha, que, em nome da liberdade de opiniões, deixaram criar e crescer, infectou e perverteu de tal modo a opinião pública que foi possível surgissem, tidos como salvadores, aqueles alucinados que puderam, perante a Nação atónita, mais que revoltada, perpetrar o regicídio de um dos nossos maiores reis.
E tão pervertida estava a vida política da Nação que os próprios políticos -pior, os próprios chefies políticos - se não aperceberam da voragem em que a Nação ruía. Foi contra esta decomposição nacional que el-rei D. Carlos, cônscio do perigo gravíssimo, se decidiu actuar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Afastados do Governo os políticos demasiado ligados às intrigas partidárias e por isso não livres de actuar, chamou ao poder João Franco, que se tinha já dantes revelado um homem enérgico e são, inteligente e audaz, livre de compromissos políticos, que por isso pareceu o único capaz de pôr maio à enorme obra de regeneração de que o País em tal momento necessitava.
Foi assim que João Franco subiu ao poder.
Mas sanear um país no estado de desordem em que o nosso estava, agravado ainda com a malevolência dos que nas queriam ver perdidos para nos forçar a entrega, depois de reduzidos à pobreza; apaziguar os adversárias, convencer os indiferentes, vencer a propaganda republicana, animada e talvez subvencionada por quem tinha interesse na ruína, foi obra titânica e tão difícil que em tal momento não conseguiu vingar.
El-rei D. Carlos e João Franco actuaram numa época eivada daquelas ideias liberais, filhas das teorias da Revolução Francesa, consequentemente, num meio que os não podia compreender.
Tentaram livrar-se delas valendo-se das modernas concepções filosóficas e políticas de onde surgiram depois os governos autocráticos de Mussolini e de Hitler, mas no tempo de João Franco a experiência da primeira grande guerra não tinha frutificado e não tinha ainda amadurecido a psicologia dos povos modernas, porque ainda não tinham surgido aquelas doutrinas que entre nós os integra listas difundiram. Incompreendidos, todos se lhes puseram contra, os acoimaram de tiranos e os fizeram soçobrar.

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Só quem, como eu, assistiu e foi envolvido naquele período parlamentai!1 de 1UÜG pode fazer ideia da luta que João Franco os seus homens do Estado, seus amigos, tiveram de travar; só quem esteve, como eu, no Parlamento ou leu -dia a dia os jornais daquele tempo pode ter uma pequena impressão do que se dizia e se escrevia. porque os jornais não tinham censura.
O Ministério estava -presente na Assembleia à mercê dos ataques da oposição.
No Parlamento tinham pendido o respeito a tudo e a todos e -não se poupavam nem as instituições, nem o rei. como chefe do Estado, nem os membros da família real na própria vida privada, espalhando-se as piores

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Afonso Costa, António José de Almeida, Alexandre Braga. João de Meneses e muitos doa monárquicos dissidentes e mesmo vários regeneradores, despeitados por terem sido afastados do Poder, combatiam uma batalha constante, à qual tinham, sem trégua, de responder, conforme as ocasiões e os Ministérios visados, os diversos Ministros: Sechroeter, José Novais, Teixeira de Abreu, Magalhães, Malheiro Reimão, Vasconcelos Porto, Aires de Orneias, que não tinham tempo de fazer outra coisa, e todos os outros Deputados franquistas, distinguindo-se entre eles especialmente aquele vigoroso e subtil argumentado]- que. era Martins de Carvalho, só tinham que fazer uma coisa: defender-se e demolir calúnias.
Mas, acima de todos, o mais ardente, o mais vigoroso. o mais arguto e o mais oportuno, nos momentos mais árduos, era o chefe - João Franco -, que, com a sua dialéctica e a sua vivacidade de controvérsia, com a sua palavra fulgurante, com a sua memória sem falha acudia a tudo.
Porém, o Governo esgotava-se nesta batalha permanente sem trégua. Qualquer incidente servia para discussões e diatribes.
A discussão do orçamento, com a desgraça da injusta que tão dos adiantamentos, foi um dos grandes pretextos para diatribes, e assim cada capítulo do orçamento era. discutido com má fé, artigo por artigo - o do armamento, das colónias, da. marinha; por fim a questão do contratos com a Companhia dos Tabacos, última e final grande batalha antes do encerramento das Câmaras, antes da deserção dos progressistas.
A oposição enchia as galerias de povoléu, que chegava a interferir nos debates com gritos e ameaças.
E então todo o problema da administrarão da Nação, as obras de fomento, as estradas, as escolas primárias, os liceus, a Universidade, os aproveitamentos hidráulicos, a electrificação, o progresso agrário, as obras civis, a colonização africana, os portos, os vinhos, o comércio, a navegação, a pesca, o Exército. a marinha de guerra, todos os assuntos aos quais nós os novos de então, nos dedicávamos e já então estudados, não puderam avançar, porque, sempre atrapalhado por inoportunas intervenções, o Governo não lhes podia ligar a necessária atenção; João Franco, porém, com a sua energia indomável, fazia frente a tudo.
Ao Parlamento vinha os Ministros, que eram constantemente interpelados e atacados a todo o momento. Sem trégua, o presidente Pizarro protestava, agitando a sua campainha, e as coisas chegaram a ponto que um mau dia teve de intervir a Guarda Municipal para expulsar os Deputados republicanos, que tinham insultado o rei. Por todos os meios, todos os monárquicos oposicionistas e os republicanos queriam demolir o Governo com o fim de se criar uma opinião pública favorável, ajudados por uma propaganda jornalística sem freio. Conscientemente um e os outros inconscientemente, trabalhavam todos para interesses recônditos, contrários aos interesses da, Pátria.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - E assim a obra de reconstrução que então se encetara não pôde nem crescer nem amadurecer, mas. como mesmo assim não conseguiam seus fitos, pouco tempo depois, preparado nas alfurjas o regicídio, o rei D. Carlos era imolado, Roto o dique, a aluvião republicana submergiu tudo.
Só a grande guerra entre a Alemanha e a Inglaterra nos veio salvar: Inter [...]
Não esqueçam, amigos colegas, que este homem singular e grande, quando com o seu "rei se meteu pelo caminho de iniciar uma forma de governar mais robusta e menos sujeita ao capricho das eleições, dos partidos e das maiorias parlamentares, males de que sofríamos então e continuámos a sofrer nos primeiros quinze anos de república, males de que sofreu a Espanha e de que ainda hoje sofrem a França e a Itália, não fazia senão encetar a senda que muitos anos depois nos levou à larga estrada pela qual marchamos hoje.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A ideia, a tentativa, o início desta obra de reconstrução, de reconstrução, deve-se a el-rei D. Carlos e; ao seu grande ministro João Franco, e não há dúvida de que foi esta a primeira tentativa feita na Europa, e no Mundo, para reconstituir os países enfraquecidos por longos períodos de paz.
E é a experiência do sistema moderado que nos rege temperado pela experiência destes desastres passados o dos males dos sistemas demagógicos, que prova CIHIIO el-rei D. Carlos e João Franco, tinham razão, tinham visto o perigo e procurado o remédio, mas só os acontecimentos foram mais forte do que eles e os surpreenderam e venceram.
Depois de mais de quarenta anos de ter encetado a minha vida política permite-me Deus vir aqui dizer estas desadornadas palavras de saudade à memória de João Franco, ao qual não posso deixar de associar a memória do nosso grande rei D. Carlos e do inocente príncipe Luís Filipe, vítimas todos do grande amor da Pátria que os animava e da coragem que os levou, conscientes, ao lugar do suplício, infelizmente..
D. Carlos sabia do perigo, eu próprio o avisei, mas deu a na vida em holocausto à Pátria, como D. Sebastião em Alcácer Quibir mas lá quem matou furam os Mouros e aqui os antipátridas.
Que este sacrifício ao menos sirva para aos Portugueses lembrar quanto devemos a estes reis pelo seu sacrifício e ao homem que com eles pensou um tempo em criar um Portugal cada vez maior e mais digno parece-me que à sua memória deveríamos neste Parlamento, onde tanto lutou, uma memória mais duradoura que as minhas palavras.

Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Urgel Horta: -Sr. Presidente: o mandato que a cidade do Porto nos confiou impõe-nos responsabilidades que voluntariamente assumimos, dando cumprimento às Aluía nobres aspirações e aos seus justificados anseios. Dando-lhe inteira satisfação, procuramos, com inteira consciência, dignificar e honrar a posição em que nos encontramos investidos.

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Na legislatura comente tivemos oportunidade de nos ocupar de três varões muito ilustres, que à Cidade Invicta estão profundamente ligados, quer pelo berço, quer pelo coração.

Almeida Garrett, Ramalho Ortiga o e António Barroso foram motivo forte de intervenções por nós avalizadas nesta Câmara. intervenções justificadas por tudo quanto, como homens de, reconhecido valimento intelectual, moral e espiritual, revestidos da maior nobreza e da mais alta dignidade, fizeram na sua fugidia passagem pela terra. Hoje. em modesto e despretensioso apontamento, :na sequência do caminho trazido, queremos nesta tribuna lembrar e exaltar um dos seus filhos mais ilustres, a maior português de Iodos os tempos, o infante D. Henrique, que lia perto de 500 anos penetrou nos ombrais da imortalidade, a aureolado pelo prestígio da sua alta hierarquia, fautor de glórias sem par e sem igual, obreiro de grandes cometimentos, sábio, marinheiro envangelizador. ao servido da Pátria, ao serviço da Humanidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E tomar-se oportuno louvá-lo e exaltá-lo, atrevendo as comemorações de mais um centenário da sua imortalidade e enviando uma carinhosa saudação á nobre- e cavalheiresca .Espanha, pela homenagem que, dentro em breve, vai prestar-lhe :no cabo Bojador, dobrado por Gil Eanes. que marcou, no domínio do «mar [...], vitória brilhantíssima na missão atlântica em que os dois povos peninsulares despenderam lodo o seu valioso esforço.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Sr. presidente: o infante D Henrique, «espírito admirável de pensador e de aventureiro. de monge e de solidado, de sacerdote e de profeta ardente austero, frio e duro, impenetrável ás paixões, casto, abstémio e solitário». bem mereceu pêlos seus méritos e pelas suas virtudes o alto lugar que a História lhe dedicou .

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: na sessão de 20 de Janeiro passado o ilustre Deputado e meu querido amigo Sr. António Russell de Sousa, numa intervenção parlamentar feliz e oportuna, apresentou a sugestão de ser adquirida pela Nação e oferecida ao Porto a casa onde a tradição diz haver nascido o Infante, casa que seria destinada a escola náutica para a Mocidade Portuguesa e onde novos infantes, afeiçoando-se pelas coisas do mar, aprenderiam a amar a nossa terra.
Apoiamos inteira e incondicionalmente ião legítima aspiração, que se reveste do mais expressivo e patriótico significado e que a mocidade, na sinceridade e na nobreza das suas atitudes, tão bem sabe compreender e louvar.
E, porque assim é. a nossa intervenção de hoje ;não representa mais que um reforço a tu o justa proposta e um apelo à consciência da Nação, chamando-a a colaborar, com a elevação e o sentido de sempre, na homenagem centenária que Portugal prestará ao Infante Navegador, que bem mereceu da Pátria agradecida.
O infante D. Henrique nasceu na nobre e gloriosa cidade do Porto, a 4 de Março de 13Ü4, e foi baptizado na sua velha e história Sé Catedral. Falar do Infante, o portuense e português mais destacado de todos os tempos. o filho mais notável e que melhor soube honrar a cidade da Virgem, é tarefa de pesada responsabilidade.
Mas perdoe-se-me a ousadia, nascida de uma admiração, de um culto e de uma veneração bem compreendida e dedicada, a quem foi e será. através de infindas gerações, um dos mais notáveis vultos da humanidade, que, dando mundos novos no Mundo, lhe deu também, e primacialmente, a luz viva, rutilante e sublime do Evangelho.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Afirmou-se eloquentemente como verdadeiro precursor e criador de um alto pensamento europeu, na defesa intransigente de uma doutrina religiosa e política, defensor da civil zação ocidental, encarnando um ideal de liberdade que subsiste, em toda a sua magnitude, no momento actual.
Gigante do mar como alguém o apelidou, D. Henrique nasceu marinheiro, e a bênção recebida à sombra da velha Sé Catedral inoculou na sua alma de crente uma fogueira de fé e de amor, por Deus e pela Pátria. D. Filipa de Lencastre foi a mãe sublime e educadora austera dessa plêiade brilhante e ousada de infantes, que à Nação deram todo o esforço da, sua inteligência na valorização de um património tão invejado e tão disputado.
Destaca-se entre eles o infante de Sagres, inigualável figura de herói, idealizador e realizador da nossa grandiosa epopeia marítima, que soube pêlos seus méritos elevar Portugal aos mais altos paramos da glória.
Foi em Sagres., sobre esse cantado promontório, onde a terra acaba e o mar começa onde cada pedra é recordação eterna e motivo evocador de um passado, orgulho da raça, que se forjaram «m toda n sua grandeza os destinos morredouros de um Portugal maior e se talharam novos destinos a humanidade.
Ali fundou e manteve o Infante essa notável [...] dos Mares, onde os problemas respeitantes à navegação foram meditados, estudados e resolvidos em ioda a profundidade.
Ali se aperfeiçoaram a bússola e o astrolábio e se alargaram os conhecimentos da geografia, da cartografia, da cosmografia, da astronomia, da matemática, indispensáveis para a travessia dos mares.
De Sagres partiu essa afirmação vibrante e [...] de energia, de vitalidade, de fé que iria nas caravelas, escudadas com Cruz de Cristo, prestar à humanidade incalculáveis serviços, no conhecimento de uma doutrina que salvaria, então como agora, a civilização cristã, civilização d«i Ocidente, ameaçada pelas hordas da barbárie asiática.
E é em Sagres que a sua figura gigantesca, sobre granito duro, como a firmeza inquebrantável do seu carácter, vai elevar-se, na grandeza de um monumento - o símbolo merecido e devido à sua obra.
E o bronze dessa estátua, no simbolismo da sua imponência e da sua majestade, guardado pelas ondas alterosas do mar tenebroso, que ele dominou; batido pelo vento, auxiliar precioso da grande 'empresa, atlântica; beijado pelo sol, que o aqueceu e o glorificou; e na escuridão da noite, iluminado ao tremular das estrelas, marcos milenários, guia das suas rotas, ficará ali como sentinela- vigilante e imortal, farol acesso à eternidade de uma pátria.
Assim pagará a Nação inteira uma dívida contraída há longos séculos para com quem soube li mirá-la, dignificá-la, engrandecê-la.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Sr. Presidente: a vida do Infante é vida de um ente iluminado pala fé divina. A conquista de Ceuta. onde obrou [...] de valentia e heroici-

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dade, representa para- Portugal a abertura do pórtico do Império, na aspiração supremo, de alargar o reino da cristandade, dilatando a Fé e o Império, combatendo os Sarracenos, salvando a velha Europa das suas audaciosas investidas.
Grão-mestre da Ordem de Cristo, fundada por D. Dinis para combater os Mouros fora da Península, nobilíssima ordem de cavalaria, que dominou toda a epopeia dos Descobrimentos, soube o Infante agir em todas as circunstâncias na defesa intimorata da doutrina cristã, que colocou em plano igual aos interesses da Nação.
Os. árabes tiveram no Infante o seu adversário mais temível. Sem ele Portugal poderia ter vacilado na sua independência, que consolidou, fortalecendo a obra de D. Afonso Henriques e contrariando os desejos absorventes de Castela. Deus deve a Portugal, pela acção do Infante, a expansão do Evangelho, pregado por milhares de missionários.
E foi ainda pela sua acção inteligente e constante, que a civilização cristã iluminou o Mundo e deu à velha Europa, mini período de grave crise, um valor comercial necessário e preciso, trazendo das terras de além-mar o ouro, as mais variadas matérias e especiarias, contribuição valiosa para a transformação do seu ambiente económico, social e político.
Bem merece ser louvado e exaltado português de tão alta estirpe, de tão notável envergadura, que claramente compreendeu a tragédia que pretendia subverter o mundo cristão.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O seu reconhecido valor político afirmou-se eloquentemente na enérgica e cerrada oposição feita a entrega de Ceuta, em troca da libertação de D. Fernando, seu irmão bem-amado, porque em Ceuta via poderosa posição estratégica, donde seria possível tentar a reconquista da Península, planeada pelos Mouros, no meditado ataque ao velho continente.
Os seus aturados estudos alargaram-lhe os conhecimentos, que tanta utilidade mostraram na vitorioso, campanha da descoberta ide novas terras. Destes factos lhe advinha toda a autoridade e o maior prestígio para a organização das armadas que, contornando a África, atravessariam o Indico e atingiriam a índia, seu sonho distante, vendo na sua conquista a queda do império árabe e a prosperidade, em toda a sua grandeza, do mundo cristão.
O destino, na crueldade dos seus altos desígnios, não lhe permitiu ver terminada a tarefa; mas ele foi precursor, iniciador e realizador de uma empresa que marcou a época de mais esplendor na História de Portugal.
A nossa era de poderio avassalador e refulgente grandeza, motivo de admiração paira o Mundo, foi produto da sua inteligência fecunda, do seu trabalho exaustivo, do estudo persistente e ordenado, tudo sacrificando ao ideal que nos tornou o maior povo colonizador, em maravilhosa aliança com a bandeira de Cristo tremulando no alto das suas caravelas.
Soube como ninguém despertar a alma e a consciência de um povo, incutindo-lhe fé, insuflando-lhe energias, contagiando-o com o seu exemplo de audácia e vontade, escudados na firmeza do seu bem temperado carácter.
E à sombra de tão nobres atributos, qualidades e virtudes de um grande chefe, criou aquela maravilhosa plêiade de navegadores - Gonçalo Velho, João Gonçalves Zairco, Tristão Vaz, Nuno Tristão, Antão Gonçalves, Diogo Gomes e tantos outros- que em íntima comunhão com os missionários de Cristo, através de mares ignotos, descobriram, colonizaram e evangelizaram terras distantes, para honra e glória do Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - «Portugal era nação desde o dia em que saiu a cruzar os mares. E desde então foi o cavaleiro ida Cristandade, oleiro da Civilização. Até então era apenas Portugal.
Daí por diante começou a ser a Europa, a ser o Mundo, a ser o herói, a ser a inteligência, a ser a força, a ser luz, a ser liberdade, progresso, glória e civilização». Assim o afirmou, e com justo motivo, Latino Coelho.
Sr. Presidente: contando com a nunca desmentida benevolência de V. Ex.ª, produto da alta dignidade posta no desempenho de tão alta, função, fui demasiado longo na minha exposição, mas insignificante, pequeno, em relação à personalidade focada, cuja vida e obra têm sido forte motivo para estudo profundo de numerosos e consagrados investigadores e historiadores.
Não eram necessárias as minhas palavras como incentivo às homenagens que ao infante D. Henrique são inteiramente devidas, e a que a anui nobre, sempre leal e invicta cidade do Porto se entregará e associará na comemoração centenária que se aproxima.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não lhe faltarão entusiasmo, vontade e fé, bem claramente demonstrados já, quando das festas do 5.º centenário do seu nascimento, realizadas em 1894.
E mais tarde o mesmo facto se verificou, quando da inauguração do seu monumento, em 1900, a que presidiram Suas Majestades o Rei D. Carlos e a Rainha D. Maria Amélia, atingindo as manifestações festivas um grau de elevada e bem merecida grandeza.
Terão cunho verdadeiramente nacional, imposto pela alta e representativa figura do Infante, portuense nato, e marcarão na história da cidade data luminosa, assinalada ainda pela inauguração das grandes realizações-materiais que o Governo se propõe fazer e que deverão ser inauguradas em 1960.
Mas não bastará a acção do Governo, sempre empenhado na valorização de tudo quanto represente engrandecimento da Nação, prestígio da Grei.
É necessário que o País inteiro, desde o Minho a Timor, todos os portugueses espalhados pelo Mundo, unidos no mesmo pensamento de verdadeira comunhão nacional e de amor patriótico, saibam compreendeu o significado dessa data, ligada à vida de um dos maiores expoentes da latinidade.
O Porto, através da sua Câmara Municipal, que conta à frente dos seus destinos um conjunto de homens dignas da maior confiança, portuenses de alma grande e coração aberto, prontas a todos os sacrifícios em favor da sua terra, precisa congregar, num voluntário esforço, todas as suas actividades criadoras, desde as mais representativa às mais modestas, para definirem e organizarem um programa eminentemente festivo, compatível com a grandeza, e a projecção histórica ido Infante Navegador.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A Universidade, os liceus, todas as escolas, Associação Comercial, Associação Industrial, o Ateneu, e todas, as colectividades e agremiações do mais diferenciado carácter, culturais, artísticas, desportivas ou recreativas, e muito especialmente a imprensa, que é, sem favor, da melhor do Mundo, deverão

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ser chamadas a prestar o valioso e indispensável concurso num centenário a que está ligado o período mais brilhante da História de Portugal.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. -Presidente: vou terminar as minhas considerares, e julgo assim ter dado cumprimento a um imperativo de consciência, evocando a memória do Infante, tão querido e amado pela, cidade do Porto.
Torna-se necessário que todos os esforços e todas as vontades se fundam, mostrando ao Afundo que os Portugueses sabem compreender a história maravilhosa do seu passado glorioso e que no seu peito arde a clima de um patriotismo igual ao daqueles que fizeram deste cantinho da Europa nação digna do respeito do Mundo inteiro.
Sr. Presidente: hoje, como ontem, amanhã e sempre. através dos séculos, Portugal, depositário fiel de bens materiais e espirituais de reconhecido valor, manterá no concerto das nações a posição que lhe criaram os seus antepassados, defendendo o património herdado com fé, devoção e sacrifício iguais ao daqueles que bem souberam servir valorizando a Grei e valorizando a nossa civilização. E é com homens da estatura moral, mental e espiritual do Infante, grande entre os maiores, que se constroem e engrandecem as pátrias, tornando-as imorredouras mima eternidade gloriosa.

Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio do Sr. Deputado Almeida Garrett, sobre a protecção à família. Tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Durão.
O Sr. Ricardo Durão: - Sr._ Presidente.: o cónego Alves Mendes, esse gongórico de primoroso rendilhado, que deixou nos anais da oratória páginas de ouro de inconfundível relevo, disse nas exéquias do grande solitário de Vale de Lobos: "Herculano retumbava como o bronze; Garrett retinia como o cristal".
Continua a retinir no Parlamento Português a voz de Garrett, transmitindo-nos as inquietares da sua alma, pela boca de um dos seus mais lídimos representantes.
E é como se ouvíssemos ainda a sua voz cristalina e brilhante proclamando aos liberais do seu tempo esta verdade esmagadora: "a liberdade é a ordem".
Para Sidónio Pais, que o Sr. Deputado Almeida Garrett acompanhou desde a primeira hora, a liberdade era a força, a força do seu carácter, a força do seu prestígio, que morreu com ele pura ressurgir mais tarde na nossa Revolução, sob a forma que impusemos e um que insistimos: na liberdade é a moral, a moral cristã".

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - "Deus, Pátria a Família" - é o nosso lema inalterável: e foi sob o mesmo signo que o Sr. Deputado Almeida Garrett subiu a esta tribuna, para travar o bom combate.
Bem haja pela sua generosa iniciativa e pela sua edificante prelecção, a que não poderei, pobre de mim, corresponder com o mesmo brilho e a mesma proficiência. Além de que apenas mo abalanço a juntar ao seu aprofundado estudo alguns ligeiros apontamentos e despretensiosos comentários, que mais traduzam uma -reflexa do meu sentir do que um produto da minha meditação.
Ainda há poucos -dias, ao encontrar-me com um amigo meu, pessoa por sinal de elevada posição social, falei vagamente na hipótese de intervir neste aviso prévio. E ele reagiu desta maneira: "acho muito bom, e já agora aproveite a ocasião para dizer lá no Parlamento que um dos motivos da perversão moral da família é a Concordata com a Santa Sé".
O assunto é arriscado e portanto interessante, tanto mais que essa afirmação agita de facto um numeroso sector da opinião pública, cujos clamores temos sempre o direito e o dever de fazer ressoar neste hemiciclo, para os secundarmos, para os esclarecermos ou para os desmentirmos, Em qualquer caso, na convicção profunda e honesta de que assim provaremos o nosso respeito pelo artigo 22.° da Constituição.
E quer se trate dum apelo, dum esclarecimento ou dum desmentido, há-de sempre resultar das nossas palavras, se não a medida salutar, pelo menos a intenção construtiva. Pode transparecer por vezes a paixão; o que não se dispensa, em circunstância alguma, é a lealdade nos princípios e o anseio ardente de servir.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas reatando, Sr. Presidente, estou convencido de que a Concordata tem causado realmente prejuízos tremendos ... à igreja católica.
Um dia o P. António Vieira começou um dos seus melhores sermões por estas palavras apocalípticas: "Maldito seja o Padre, maldito seja o Filho, maldito seja o Espírito Santo ..." - e logo acrescentou: "dizem os condenados no Inferno".
Esta maldição do grande jesuíta poderia eu também aplicá-la à Concordata, porque são com efeito os condenados ao fogo eterno que a amaldiçoam.
O argumento máximo dos detractores é que a Concordata favorece o concubinato, considerado como a única possibilidade de os dois cônjuges refazerem a sua vida afectiva, uma vez desfeitos os primeiros laços.
Não há dúvida de que a educação moderna, amputada de preconceitos ancestrais, vegetando à margem dos grandes sentimentos, das transigências mútuas e dos sacrifícios voluntários que o casamento impõe, não ó de molde a integrar a mulher na prática das virtudes essenciais de esposa e de mãe. Ora a Igreja não tem culpa da dissolução dos costumes e, por mais que faça para lhe opor os diques da fé, o epicurismo e a crápula galgam todos os obstáculos. Compete de facto à Igreja, mais do que ao próprio Estado, contribuir para sanear o ambiento. Mas como, se a acusam de se imiscuir na vida particular?
Diz o Sr. Cardeal-Patriarca que é necessário levar a presença de Cristo a todos os lares. Compreende-se, pois, que o Estado lhe abra todas as portas, facilitando a sua missão salteadora, visto que a boa norma em política é tornar possível o que é necessário.
Ainda há poucos dias, nesta mesma sala, outro cónego, como Alves Mendes e como ele orador do mais fino quilate, afirmou também que a família não pode viver fora dos olhares do Deus.
Se isto é intervir na vida particular, benvinda seja a intervenção da Igreja. É a melhor forma do responder aos que pretendem arredar dos lares, das escolas e das oficinas a presença tutelar de Cristo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Nunca compreendi certos ataques sectários a igreja católica, que em geral descambam no ódio

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sistemático ao padre. Nunca vi que os padres mo fizessem mal.
É certo que já por mais duma vez fui alvejado a tiro, debaixo de escolta, mas pêlos anticristos. É certo que já fui traído - eu e a minha família - na defesa de direitos morais iniludíveis, perante a justiça, em tribunais portugueses, mas por indivíduos sem escrúpulos religiosos de espécie alguma.
Não sou positivamente um familiar da Igreja; lia mesmo quem me considere um atou . . . E, no entanto, posso atestar que o dilema amarfanhante do "crê ou morres" só me fui posto até hoje pelos inimigos da Igreja.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mal conheço as regras do culto; não sei benzer-me; não sei ajoelhar; e, todavia, em parte alguma me sinto homem livre como diante do altar de Deus.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A igreja não obriga ninguém. Só lá vai quem quer. O Estado garante a todos os cidadãos os direitos civis de uma união legal, com a vantagem, para quem quiser usá-la, de suprimir muitos dos encargos morais que o sacramento exige. O mal está em que uma grande parte dos nubentes não toma a sério esses encargos, optando pelo casamento religioso, sem se lembrar que com Deus não se brinca.
A indissolubilidade do matrimónio é elemento básico da protecção a família. Quem assim não pensar - e está no seu direito - tem sempre o recurso do registo civil.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há muitos noivos - e noivas, sobretudo - que só por vaidade, ostentação e luxo são atraídos ao templo iluminado e florido, donde partirão de ânimo leve para a sua viagem a Citera. Esses não interessam à alta missão espiritual da Igreja.
Santo Agostinho, o sublime padre que confessou com uma sinceridade admirável os erros da sua mocidade e considerava como suprema ventura o estado de alma em que não se pode pecar, dizia: "Todos olham a Cristo sentado no trono celeste, entre nuvens douradas pelo sol da glória. Olhai antes a Cristo prostrado à vossa porta vede n 'Ele um caminheiro que tombou cheio de fome, sede e frio".
Não conheço, de facto, definição mais eloquente, mais arrebatadora da caridade cristã.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Surge agora uma questão delicada, que pode porventura colidir com a sensibilidade religiosa. Refiro-me à inspecção médica pré-nupcial, que neste aviso prévio me parece constituir matéria pertinente. Ouso preconizá-la, com as devidas reservas, claro está, mas com a consciência de que a eugenia também tem os seus direitos.
Consta-me de boa origem que o Ministério do Exército, patrioticamente e compenetrado do papel que lhe pertence na defesa do vigor da raça, exige aos dois nubentes, em todos os casamentos de militares, a apresentação de atestados em que se prove que não são portadores de doenças infecto-contagiosas, nomeadamente tuberculose.

O Sr. Santos Carreto: - V. Ex.ª dá-me licença?
Tratando-se de uma afirmação que me parece tão gravemente ligada ao problema familiar, desejava que

V. Ex.ª me esclarecesse se esse atestado pré-nupcial exigido pelo Ministério do Exército é apenas a título informativo ou importa de facto um impedimento para o matrimónio?

O Orador: - Não conheço ainda nenhum caso de impedimento, por isso não posso informar V. Ex.ª

O Sr. Santos Carreto: - Devo dizer a V. Ex.ª que a Igreja nada tem a opor a uma cuidadosa inspecção médica autos do casamento, pois que a própria Igreja, desejando as famílias robustas, é a primeira a aconselhar aos nubentes doentes que adiem o casamento até ao restabelecimento da saúde. Se, porém, apesar do insistente conselho, os nubentes persistirem em fazer o seu casamento, nenhum impedimento poderá haver por parte da Igreja.

O Orador:-Suponho que a acção do Estado não irá além do pensamento da Igreja, determinando, quando muito, o adiamento do enlace matrimonial.
Seja-me permitido apresentar um caso concreto em que o Estado não teve necessidade de intervir.
Conheço um oficial do Exército que aos 25 anos contraiu uma tuberculose pulmonar. Estava para casar e não casou; e não casou de sua livre vontade. Curou-se ao fim de um ou dois anos; casou passados dez e teve e tem filhos robustos, o que provavelmente não teria sucedido se tivesse casado em plena crise.

O Sr. Santos Carreto: - fui prudente esse oficial e só merece louvores.

O Orador: - Foi honrado. O que não podemos ó confiar em que todos procedam da mesma forma.
Considerando que a saúde se transmite de geração em geração, iluminando as loiras cabeças dos pequeninos lutadores do porvir, acho esta medida perfeitamente legítima e operante, e pergunto apenas porque não se torna extensiva a todos os casamentos entre civis.

O Sr. Cortês Pinto: - V. Ex.ª não sabe se esse atestado é ou não operante. Ora eu entendo que se o Estado o exige é para ser operante e acho mesmo que ele pode e deve ser operante, sem contudo ser impeditivo.

O Orador:-Operante, na acepção de impeditivo, não deve ser.

O Sr. Cortês Pinto: - Pode ter uma acção sobre os nubentes, levando-os voluntariamente a desistir, pelo menos de momento, duma ligação que poderão fazer mais tarde, como aconteceu com o exemplo do oficial que V. Ex.ª citou. Aí está como o caminho traçado pelo atestado pode conduzir realmente a uma acção operante, útil e não impeditiva.

O Orador:-V. Ex.ª, nessas condições, aprovaria que essas medidas fossem extensivas aos casamentos civis?

O Sr. Cortês Pinto: - Certamente.

O Sr. Trigueiros Sampaio: - Até hoje só o Ministério do Exército é que tomou tais medidas.

O Orador: - Sim, senhor, e a meu ver salutares.

Mas continuando: seria talvez a melhor garantia para aqueles a quem algum dia havemos de transmitir o facho da nossa Revolução, na certeza de que hão-de empunhá-lo mãos fortes e valorosas.
Outro assunto que vem a propósito: o desemprego que se está verificando entre os chefes de família com mais de 30 anos de idade.

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A situação é esta grosso modo e é sem espírito froudeur que a exponho: depois dessa idade o Estado não os admite como funcionários, com as regalias inerentes, podendo quando muito assaluriá-los sem qualquer garantia; os organismos corporativos só podem recebê-los com a sanção do Ministro respectivo; a indústria particular segue por comodidade o exemplo do Estado, e, suspeitando do seu rendimento de trabalho, rejeita-os simplesmente, sem avaliar das suas possibilidades.
Na minha via dolorosa a pedir pêlos outros tenho encontrado casos verdadeiramente aflitivos: homens de 40, 50 ou mais anos, com reconhecidas aptidões e em pleno vigor tísico e mental, alguns com numerosa família a seu cargo, postos de parte como farrapos inúteis. Não exagero... E notem VV. Ex.as que não estou aqui a blasonar de padre Cruz. Tenho a convicção ou, melhor, a consolação de que não há nesta Assembleia ninguém que não tenha a sua via dolorosa. Estou apenas a apresentar o meu depoimento. Como W. Ex.1*, trago na algibeira o meu sudário; e só peço a Deus que a minha sensibilidade não acabe por se embotar.
Consegui até hoje empregar uns poucos, devido certamente à boa vontade, compreensão e ambiente humanitário que encontrei em alguns Ministérios e organismos; aqui lhes deixo os meus agradecimentos e muito me apraz fazer nesta Sala esta declaração.
Quase todos os empregados, talvez pela experiência adquirida ou pelo desejo intenso de servir - soube-o depois pelas informações que colhi-, forneceram mais trabalho útil do que muitos outros na força da vida.
Não é este o lugar nem o momento para alvitrar soluções, quase todas elas discutíveis e nebulosas. O que se verifica, a todas as luzes, é que esta chaga existe e esta gente sofre. Justifica-se, portanto, o nosso apelo ao Governo, em cuja acção confiamos, na demanda da solução adequada, e reconhecemos ao Comissariado do Desemprego autoridade e competência para estudar o problema com conhecimento de causa.
Quando se trata, como agora, da defesa e protecção da família, sobretudo nas circunstâncias descritas, dar trabalho é mais do que dar pão.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Eis tudo, Sr. Presidente, quanto se me oferece dizer sobre a família. "A família - aviário sublime onde as gerações se emplumam" -, como dizia o já citado, o mavioso Alves Mendes. Outro vibrante cultor da forma, o seu contemporâneo Guerra Junqueiro, o "nosso Junqueira", como galhardamente lhe chama o Sr. Cardeal-Patriarca, poderá servir de fecho às minhas considerações:

Ver os lírios das campinas,
Todos cheios de alegria,
E tantas mãos pequeninas
Sem o pão de cada dia.

E dizer que havendo Deus,
Fonte de imensa piedade,
Há criancinhas sem berço
E almas sem caridade!

Falou o poeta.

O Sr. Carlos Moreira: - O poeta só, não, mas sim o filósofo, porque na citação que V. Ex.ª faz está uma critica a Deus.

O Orador:-Já esperava essa interrupção de V. Ex.ª Não vejo aqui uma crítica a Deus, mas sim um ataque aos egoístas.

Portanto, repito: falou o poeta e o filósofo se V. Ex.ª quiser. Tem agora a palavra o chefe da Revolução Nacional. E foi assim que ele falou, na inauguração da primeira Casa do Povo, aos trabalhadores de Portugal: "enquanto vós pensais nos vossos filhos, tenho eu que pensar nos filhos de todos vós".
Estas palavras ressoam como um hino do esperança e de conforto no coração dos deserdados.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Almeida Garrett: - Sr. Presidente: não esporava fazer hoje uso da palavra, por erradamente me haverem informado de que havia ainda dois roletas a entrar no debate, e possivelmente três; por isso deixei em minha casa apontamentos que colidi para puder comentar alguns dos pontos que aqui foram versados mais particularmente. No entanto, vou fazer algumas considerações prescindindo desses apontamentos, porque certamente V. Ex.ª fará o favor de me reservar a palavra para a sessão de amanha, a fim de que, possuidor dessas notas, eu possa dar algumas explicações que considero indispensáveis. Assim, por hoje, ocupar-me-ei apenas de alguns pontos que, mesma sem tais notas, poderei tratar.
Antes de mais, tenho a obrigação, aliás muito agradável, de agradecer, extremamente penhorado, as palavras generosas que me dispensaram os oradores que tornaram parte neste debute. A todos estou muito reconhecido.
A Mons Santos Garreto, que, com a sua autoridade superior de eminente eclesiástico, aqui veio defender, como sempre, os princípios eternos da caridade e da justiça; ao Prof. João Porto, colega muito ilustre da Faculdade de Medicina de Coimbra, que trouxe para a discussão o meu saber profundo em todos os assuntos de medicina social, de que é exímio cultor; a Gastão Figueira, que, entusiasticamente, veio dar a sua contribuição, com um calor verdadeiramente sentido de quem compreende os problemas sociais e os quer tratar com profundidade e clareza; a Marques Teixeira que está sempre na brecha quando se trata de tudo aquilo que interesse à colectividade e que mais uma vez provou como sabe trabalhar os assuntos com uma distinção que todos nós conhecemos, e, finalmente - porque os últimos serão os primeiros -, às senhoras que tomaram parte neste debate: D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis e D. Maria Leonor Correia Botelho. que foram aqui bem as representantes da mulher portuguesa naquilo que fia tem de soberana mente sublime.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Cheias de coração, mas também de cabeça. Quer dizer: não trazendo apenas a sua sensibilidade feminina, mas também o conhecimento profundo dos problemas a debater, oferecendo-nos, assim, úteis, utilíssimos ensinamentos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A todos estou profundamente reconhecido.

Sr. Presidente: apraz-me, se me permite, começar por um assunto que foi aqui tratado há pouco, tendo provocado muitas interrupções, a provar o interesse que despertou. Refiro-me ao certificado antenupcial.
Ë um assunto que tem sido muito discutido no meio médico, havendo sobre ele as opiniões mais divergentes. Pensam uns que é indispensável, não só para evitar a contaminação por agentes de doenças contagiosas, mas principalmente por uma razão eugénica, porque se presume que os descendentes de indivíduos coin

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taras de qualquer natureza transmitem aos descendentes essas taras, esses defeitos orgânicos, que se reflectirão na descendência. Os que têm esta opinião, em ânsia de aperfeiçoamento da espécie humana, pensam que é de proibir a procriação por indivíduos nas referidas condições. Mas Sr. Presidente, o assunto esta muito longe de ser cientificamente esclarecido.
É certo que há um pequeno grupo de afecções que são hereditàriamente transmitidos. Ë certo! Todavia, a grande maioria das espécies patológicas representa uma incógnita pelo que respeita à transmissão hereditária.
Todos nós, médicos que lidamos anos e anos com a prática da clínica, e sobretudo com a clínica de crianças, saltemos bem que há crianças inteiramente normais por vezes excelentemente dotadas, nascidas de pais com graves defeitos orgânicos e mentais.
Não há. relativo, a este respeito nada de concludente, a não ser num campo muito limitado, excepção que não pode fazer a regra.
As vezes uma criança, filha de pessoas de aponcada inteligência, sai com uma vivacidade intelectual invulgar. E quantas vezes sucedo o contrário: de pessoas de grande capacidade mental saírem filhos coitados, que pouco estão acima de idiotas.
Posto assim o problema neste aspecto, o atestado antenupcial visaria apenas evitar a propagação da doença por indivíduos portadores de infecções altamente contagiantes. Mas, a este respeito, o problema deve ler uma solução -diferente da do certificado, antenupcial; o problema tem uma solução que provém do dever profissional do médico. Concretizemos:
Um indivíduo que pretende casar está atacado de uma doença contagiosa evolutiva, por exemplo, a tuberculose, e não me refiro à sífilis, porque ela hoje se cura com grande rapidez. Vai consultar o seu médico e diz-lhe que vai casar.
O médico deve falar-lhe não apenas como ao portador de um caso clínico vulgar, nau apenas indicar-lhe um tratamento, mas aconselhar-lhe a que nau case enquanto não estiver curado. Um médico que assim não proceda não pode considerar-se verdadeiramente médico, porque não cumpre o dever de proteger a saúde, não só daquele que lhe está confiado, mas também a dos outros, dos que. sofrerão por via um contágio evitável.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ma? há mais fora do âmbito clínico. Para mini o certificado pré-nupcial tem um aspecto moral que não se pode "esquecer e que deriva de se impor uma proibição ao enlace matrimonial; seria ofender unia liberdade pessoal que de maneira nenhuma pode ser coarctada.
Faz bem a Igreja, como há pouco disse Mons. Santos Carreto de não olhar a isso para impedir qualquer casamento.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Eu somente compreenderia o certificado para -aqueles casos que fossem referentes a doenças claramente hereditárias. Mas para esses há o remédio do cumprimento pelo médico de outro dever: o de avisar a família dia mulher com quem o indivíduo nestas condições vai contrair matrimónio, do caso-clínico em questão.

O Sr. Cortês Pinto: - Eu concordo com todos os pontos de vista que V. Ex.ª e muito bem tem frisado. Entretanto, não sou inteiramente adversário desse atestado pré-nupcial nas condições a que há pouco me referi, pois ele pode dar ocasião a que se tomem medidas que de outra maneira não poderiam ser adoptadas. e, por outro lado, pode impedir a fraude, isto é, que uma pessoa venha a casar...sem que a noiva, ou o noivo, lenha conhecimento dessa doença.
Eu acho que o atestado pré nupcial é uma prevenção útil que dá justamente origem a que possam ser dados os conselhos a que V. Ex.ª se referiu há pouco. Útil, portanto claro está desde que o atestado tenha apenas em vista estas circunstâncias e não possua, realmente o valor impeditivo que, alias não é de desejar.

O Orador: - Fico muito obrigado a V. Ex.ª pelas suas explicações, mas deve dizer-lhe que não convencem. O certificado pré-nupcial, como preconizam os seus defensores não é para o esclarecimento que refere, mas para ser aplicado sistematicamente em todos os casos de futuros matrimónios. E eu pergunto se por umas quantas excepções que nos milhares de casamentos em cada amo serão de unidades ou quando muito, de dezenas será lícito exigir esse documento.
Os defensores desse certificado, como V. Ex.ª muito bem sabe, visam, muito mais do que a transmissão de doenças contagiosas aquele objectivo, que mencionei pensando que ele tem valor eugénico, real e positivo. E é esse valor que eu contesto -para -a quase totalidade dos indivíduos a casar.

O Sr. Cortês Pinto: - Nesse ponto estamos de acordo.

O Sr. Pinho Brandão: - Se o legislador vai exigir esse certificado claro que o cônjuge; que não estiver em condições de poder casar não o poderá fazer. E, portanto, se a lei o estabelecer, terá em certas circunstâncias efeitos impeditivos, que, em meu entender, não são de aprovar.

O Sr. Cortês Pinto: - Contesto, Sr. Dr. Pinho Brandão, que a exigências do certificado implique a necessidade de a mesma lei ser impeditiva. Outras funções pode ter o certificado. O Sr. -Dr. Almeida Garrett admitiu que desde que o médico intervenha junto do doente há sempre possibilidade de este receber o conselho. O certificado pré nupcial torna possível que os benefícios destes conselhos sejam sempre aplicados. Se a fraude é rara nestes casos também o é, graças a Deus, numa multidão de circunstâncias diferentes, sem que essa raridade tenha como efeito dispensar os numerosos atestados naturalmente exigidos.

O Sr. Santos Carreto: - O erro de pessoa é que constitui impedimento.

O Orador: - Eu explico ainda outra vez o meu pensamento. No caso de uma doença transmissível, citemos o caso mais frequente a tuberculose. Um indivíduo nessas fundições tem o seu médico, porque se trota do uniu doença em que o indivíduo quer tratar-se, e nestes casos o certificado é dispensável, mesmo sem ler efeitos proibitivos. O problema só se põe para certas perturbações do sistema nervoso central que são hereditárias, e que na maioria são visíveis, quer dizer, a própria noiva as vê.

O Sr. Cortês Pinto: - Há doenças que não são visíveis.

O Orador: - -Mas essas são raríssimas.

O Sr. Cortês Pinto: - Mas também há doenças que os cônjuges ocultam.

O Orador: - Mas se esfolo casados, não há já lugar para certificado ...

Página 748

748 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 88

O Sr. Presidente: - como a hora vai adiantada e V. Ex.a manifestou o desejo de continuai no uso da palavra amanhã, se assim o entender, suspenderá agora as suas considerações, ficando com a palavra reservada para a próxima sessão.

O Orador: - Muito obrigado a V. Ex.ª Suspendo, então, por agora, as minhas considerações.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar A sessão.

O debate terminará amanhã com o discurso do Sr. Deputado Almeida Garrett, autor do aviso prévio.
Da segunda parte da ordem do dia constará a discussão do Acordo Cultural Luso-Britânico.
Está encerrada a sessão.

Em m. 18 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
Armando Cândido de Medeiros.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Jorge Botelho Moniz.
José Gualberto de Sá Carneiro.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Tito Castelo Branco Arantes.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agnelo Orneias do Rego.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Antão Santos da Cunha.
António Calheiros Lopes.
António Júdice Bustorff da Silva.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Artur Proença Duarte.
Baltasar Leite Rebelo de Sousa.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
João Afonso Cid dos Santos.
João Alpoim Borges do Canto.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Maria Porto. João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas. Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira. Manuel Lopes de Almeida:
Manuel Marques Teixeira.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Miguel Rodrigues Bastos. Teófilo Duarte.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

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