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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 91
ANO DE 1955 15 DE ABRIL
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.° 91, EM 14 DE ABRIL
Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mº Sr.s Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. - O Sr. Presidente anunciou ter recebido um oficio, assinado pelo Sr. Presidente do Conselho, informando ter sido dirigido, por Sua Majestade a Rainha Isabel de Inglaterra, convite a V. Ex. o Presidente da República para visitar Londres em Outubro próximo.
Em conformidade com os preceitos constitucionais, o Chefe do Estado necessita de autorização da Assembleia para se ausentar do território nacional, pelo que este assunto vai baixar à Comissão de Negócios Estrangeiros da Assembleia, para oportunamente ser discutido em ordem do dia. O Sr. Presidente informou haver recebido, remetidos pela Presidência do Conselho, elementos respeitantes As contas do Fundo de Fomento Nacional, que ficam à disposição dos componentes da Comissão de Contas Publicas da Assembleia e dos Srs. Deputados.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Carlos Moreira, para se referir ao próximo centenário do nascimento do conselheiro Fernando de Sousa; Elísio Pimenta, para um requerimento; U r gel Horta, sobre assuntos de interesso para o Norte, e Bartolomeu Gromicho, que se congratulou com a entrega da biblioteca da Manizola à Biblioteca Pública de Évora.
Ordem do dia. - Continuou a discussão da proposta de lei relativa à execução de obras de pequena distribuição de energia eléctrica.
Usaram da palavra- os Srs. Deputado* Manuel Vás, Augusto Simões, Azeredo Pereira e Magalhães a Couto.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 18 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se á chamada. Eram 16 horas.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Américo Cortês Pinto.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida Garrett.
António Bartolomeu Gromicho.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Pinto de Meireles Barriga.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Russell de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Baltasar Leite Rebelo de Sousa.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
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Eduardo Pereira Viana.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa A roso.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário de Figueiredo.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
O Sr. Presidente:-Estão presentes 67 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente:-Está na Mesa um ofício, assinado pelo Sr. Presidente do Conselho, em que o Governo tem a honra de comunicar ter sido dirigido por Sua Majestade a Rainha Isabel um convite a Sua Excelência o Presidente da República Portuguesa para uma visita oficial a Londres, a realizar em Outubro próximo. Este convite, que se situa na linha s estreitas relações de aliança e amizade existentes entre Portugal e a Nação Britânica, é considerado pelo Governo como acto do mais alto significado, e da realização da visita se esperam benéficos resultados para o entendimento e política das duas nações.
Não podendo, porém, o Chefe do Estado ausentar-se para pais estrangeiro sem assentimento da Assembleia Nacional e do Governo, e tendo este no Conselho de Ministros de 5 do corrente dado por sua parte assentimento àquela visita, solicita-me S. Ex.a o Presidente do Conselho que submeta o caso à Câmara para efeito do artigo 76.° da Constituição.
Este assunto vai baixar à Comissão dos Negócios Estrangeiros desta Câmara e oportunamente será dado para ordem do dia.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa um oficio da Presidência do Conselho remetendo, em cumprimento do despacho de S. Ex.a o Ministra e como elemento complementar de aprovação das contas do Fundo de Fomento Nacional, que constituem a m parte da Conta Geral do Estado relativa ao ano de 1953, cópia dos elementos elaborados pelo serviço de contabilidade daquele organismo, com vista à execução do relatório previsto no n.° 3. do artigo 10.° do Decreto-Lei n. 39164, de 14 de Abril de 1953.
Estes elementos estão à disposição da Comissão de Contas Públicas desta Cilmara o dos Srs. Deputados.
Pausa.
O Sr. Presidente:-Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Carlos Moreira.
O Sr. Carlos Moreira: -Sr. Presidente: «os grandes sóis brilham no espaço, porque condensam a luz; as grandes almas vivem no tempo, porque condensam a ideia».
Assim disse, em 1888, a respeito de Alexandre Herculano, por ocasião da trasladarão das suas cinzas para o Mosteiro dos Jerónimos, um dos nossos maiores oradores sagrados, o cónego Alves Mendes, nessa belíssima peça oratória que foi o seu discurso, proferido naquele templo, erguido a Deus e às glórias da Pátria.
E verdade que o tempo gasta e diminui, como constrói e agiganta.
Consome, dilui, desfaz. Mantém, vivifica, fortalece.
Ora é tufão violento, que destrói ; ora brisa benéfica, que alimenta; faz injúrias e cimenta a justiça.
O tempo! O tempo que decorreu é a história, o tempo que se vive é a luta o tempo que falta é o caminho da Eternidade!
Eternidade para as almas, transitoriedade para a matéria.
O tempo é juiz incorruptivel, a profligar desvios, a desfazer Ídolos falsos, a elevar humildades, a consagrar virtudes.
Faz esquecer, mas também rememora. Questão é que se trate do que é passageiro e efémero ou do que é permanente na essência, em heroísmo ou em santidade, na ciência ou na arte, acima de tudo, no alto exemplo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: completa-se, dentro de poucos dias, o centenário de um homem que foi exemplo de dignidade, em toda a sua vida vivida ao serviço dos ideais a que inteiramente se votou: na fé religiosa, a Deus e à sua igreja; na fé política, ao rei.
Não o demoveram nem a busca de interesses nem a ânsia de glórias; não se curvou às conveniências mais ou menos convencionais, nem só submeteu às imposições mais ou menos violentas; nunca fugiu à luta, em que sempre galhardamente se bateu, firme como o roble que desafia as iras das tempestades.
Podia ter-se recolhido ao exercício da sua profissão, em que foi respeitado por sua competência e saber; teria vivido comodamente. Mau não: exercendo-a, repartiu-se ao mesmo tempo pela apologética, pelo jornalismo e pela polémica, numa actividade verdadeiramente prodigiosa. Criou admiradores e discípulos. Fez escola de jornalismo e a sua voz ainda soa aos nossos ouvidos em apologia calorosa de verdades e em condenação violenta de erros.
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Chamou-se a si próprio «nemo» - ninguém; e, todavia, foi alguém.
Tal foi, Sr. Presidente, o conselheiro José Fernando de Sousa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Foi em Viana do Alentejo que, em 30 de Maio de 1855, viu a luz do dia José Fernando de Sousa, em casa bafejada por um alto sopro de espiritualidade cristã, que havia de aviventar toda a longa e prestante vida do jovem alentejano.
Não vou, Sr. Presidente, fazer uma extensa e demorada biografia, a que não faltariam, aliás, nem os acidentes da vida, nem a dignidade do esforço, nem a firmeza dos ideais que o levaram a lutar até à morte.
Esta não foi mais do que o cessar da labuta na hora do descanso, labuta que não retomou só porque Deus o chamou a si!
Com 21 anos completava José Fernando de Sousa o seu curso de engenheiro militar, com a primeira classificação.
Em 1900, sendo tenente-coronel, após uma viva polémica jornalística, foi desafiado para se bater em duelo. Fiel à doutrina da Igreja, recusou-se a aceitar o desafio e a ser comparticipante da farsa, que lava muitas vezes a honra com o sangue do inocente ou ofendido.
E, entre a traição aos princípios morais que informavam o seu espírito e o abandono da profissão militar, que constituía o enlevo da sua vocação, não hesitou e abandonou o Exército.
Mas o jornalismo e a polémica continuaram a ocupar as horas que a sua actividade de engenheiro lhe deixava livres.
No Correio Nacional, na Palavra, no Portugal, em A Ordem, a sua acção em defesa da Igreja e das instituições tradicionais é continuada e brilhante.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-São vinte e cinco anos de luta constante, desde 1895 a 1919, data em que o Governo suspende o jornal A Ordem.
É então que o conselheiro Fernando de Sousa atinge o apogeu de grande jornalista e movimentador eficaz da opinião pública.
É o período notável do jornal a Época. E ai, nesse admirável órgão da imprensa, que Fernando de Sousa toma o lugar de relevo na defesa dos direitos da Igreja e dos princípios monárquicos.
Veremos em breve como el-rei D. Manuel e a rainha D. Amélia ser lhe referiram.
É em A Época que o jornalista se agiganta no combate à desordem e à decadência da governação desse tempo, aquela «apagada e vil tristeza» em que a demagogia negativa e desordeira foi lançando a Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-E foi com essa campanha em que Fernando de Sousa se lança, que fortemente se ajudou a criação do ambiente que havia de tornar possível e triunfante o Movimento Nacional de 28 de Maio. Campanha não isenta de graves perigos e pesados sacrifícios, que nunca será de mais salientar, para conhecimento das gerações que depois vierem.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Também dou modesto, mas verdadeiro testemunho dela, recordando o entusiasmo viril que nos animava nus horas incertas da Revolução e nas que se lhe seguiram.
Acontecimentos lamentáveis e dolorosos obrigaram ao desaparecimento de A Época e sua substituição pelo jornal A Vos, que ainda hoje vivo sol) a direcção «Io distinto jornalista Pedro Correia Marques.
Os tempos, porém, trouxeram aos espíritos a serenidade que nessa altura tantos perderam, cegos na sua pertinácia.
Fernando de Sousa sofreu horas amargas de violências contra si, fundamentalmente porque marcou a nobre posição de não fugir ou desviar-se da harmonização da sua fé religiosa e política.
Horas torvas que passaram, em que o grande apulogeta e jornalista, o director de A Época, com uma vida longa de lutas pêlos direitos de Deus e da Igreja, o que lhe criou ódios, campanhas e violências, foi tratado quase como um herege ou um réprobo.
A sua profunda fé, porém, na justiça divina deveria ter sido o melhor bálsamo para a dor sofrida por tão grandes violências e injustiças! Teve, porém, muitos -grandes c humildes - a seu lado; e o tempo, sobretudo, com o desenrolar dos acontecimentos, fez-lhe justiça.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Passaram muitos dos que o atacaram, alguns com a maior vileza, e já ninguém deles fala, por muito alto que tivessem subido. Grandezas externas e de aparência, que não resistem ao tempo nem aos baldões da fortuna e que o bolor cobre, sem apelo possível. Mas o nome de Fernando de Sousa, esse ficou, sem que contra ele algo tivesse podido a jactância de pigmeus que pretenderam ser grandes!
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Mas, Sr. Presidente, não foi só no jornalismo e na polémica que o nome do conselheiro Fernando de Sonsa se tornou digno de menção e elogio.
Foi na política, na sociologia, na apologética. Não teria tempo para me referir às obras e folhetos que saíram da sua brilhante pena.
Quanto a alguns deles, recebeu o seu autor o justo, valioso e honroso tributo de elogios do então patriarca de Lisboa, D. António Mendes Belo.
Como engenheiro, Fernando de Sousa foi da mais extraordinária operosidade; sobre portos e caminhos de ferro, especialmente, o seu labor, tanto em escritos como em trabalhos realizados, é de pasmar. E a sua autoridade na matéria foi largamente reconhecida, tendo ultrapassado as nossas fronteiras.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Sr. Presidente: devo a uma atenção penhorante da família do conselheiro Fernando de Sousa a possibilidade da leitura o consulta de alguma da sua correspondência. Através dela se colhe exuberantemente quanto ele era admirado e estimado por gente humilde e também por personalidades do mais alto relevo. Apenas algumas ligeiras referências e transcrições: Referindo-se, em carta do mês de Junho de 1U23, carta inédita, dirigida a Fernando de Sousa acerca da conferência que este realizara na sede das Juventudes Monárquicas, sob o tema «A Religião na Monarquia», o rei D. Manuel escreveu:
É mais um serviço, e relevante, que prestou, vindo com a sua excepcional autoridade elucidar os Portugueses do que deve ser a situação da Igreja na Monarquia.
E, já que me referi ao assunto, quero aproveitar a oportunidade para dar a conhecer o sentir e posição do rei de Portugal D. Manuel II neste problema.
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Assim, escreveu o monarca na mesma carta:
Hoje, mais do que nunca, a Causa Nacional tem de sor composta dos Monárquicos e dos Católicos. Mais do que nunca, hoje só a Monarquia pode dar à nossa Santa Religião a indispensável e completa liberdade; como católico praticante e cheio de fé, como português que tanto ama a sua Pátria, como Rei Fidelíssimo cônscio dos seus deveres, assim o penso e, com a ajuda de Deus e da Padroeira do Reino, assim o farei.
Numa outra longa curta, datada de 10 de Agosto de 1925, em que el-rei D. Manuel aprecia as actividades republicanas de certos elementos católicos e versa o problema candente do chamado Centro Católico, refere--se o seu autor nos seguintes termos ao conselheiro Fernando de Sousa:
Deverá, como acima digo, falar especialmente com o Conselheiro Aires de Orneias e D. Tomás de Vilhena. Para si, meu querido Fernando de Sousa, que tanto tem sofrido pela nossa Religião e pela Causa do Rei Fidelíssimo, com uma abnegação, coragem e dedicação inexcedíveis, esta carta deve apenas ser considerada como uma prova da minha absoluta confiança e da minha grande e profunda estima.
Também a propósito da campanha violentamente desencadeada por certos elementos contra o jornal a Época e o sen director, a rainha D. Amélia, em carta que lho dirigiu em 4 do Março de 1925, escreve:
Não é de hoje que sigo com mágoa essa deplorável questão -refere-se à questão que se levantou com a chamada política do Centro Católico - que só aproveita aos inimigos da Igreja e da nossa Causa que é a da Nação. Tem-me indignado a perseguição feita à Época, que com tanta coragem, elevação e abnegação tem defendido a Religião e a Igreja; para isto todos os riscos, e os maiores, tem corrido o seu Director e amargamente tem sofrido as consequências da sua dedicação; mas não é de hoje, meu caro Fernando de Sousa, que não sabe transigir com os seus princípios.
Como a saudosa e grande rainha conhecia e admirava o carácter integro do grande lutador!
E não resisto a referenciar ainda a carta que a mesma excelsa senhora, alanceada de profundas dores morais, dirigiu a Fernando de Sousa, em 11 de Julho de 1932, pouco após o falecimento do seu augusto filho, o rei D. Manuel:
É a sua uma carta de amigo que sente as minhas tão cruéis dores e amarguras.
E são o sentimento e o amparo de amigos fiéis que, aliados à minha fé e conformidade com altos desígnios de Deus, me dão alento para ir suportando a tão pesada cruz que a Providência faz pesar sobre mim ... Teve o meu caro Fernando de Sonsa a iniciativa tão justa de lançar a ideia de que os restos mortais de El- Rei, meu tão querido Filho, fossem repousar em terra de Portugal, que Ele tanto serviu e amou. Esse acto de piedade e justiça vai realizar-se e eu comovidamente agradeço a sua ideia e a sua iniciativa, bem como a forma justa e generosa como o Governo procedeu, afirmando-lhe que isso fala bem alto. embora bem dolorosamente, ao meu coração amargurado de Rainha e Mãe. Bem hajam!
Vozes: - Muito bem !
O Orador: -Sr. Presidente: esta carta, mais do que pelas justas referências ao meu biografado de hoje, sobressai ainda pela maravilhosa beleza de inspiração e de forma que tal documento representa e dá-nos em plena luz o retrato fiel da bondosa e inteligente senhora que foi a rainha D. Amélia.
Seria longa a narrativa de homenagens e de louvores prestados a Fernando do Sousa através de livros, de jornais e de cartas.
Não devo alongar-me, e, por isso, farei somente mais duas citações, também inéditas, ao que julgo: uma de S. E. o Sr. Cardeal-Patriarca de Lisboa, D. Manuel Gonçalves Cerejeira; a outra de S. Ex. o Presidente do Conselho, Sr. Doutor António de Oliveira Salazar.
Escreveu o Sr. Cardeal-Patriarca, ao agradecer os cumprimentos que o conselheiro Fernando de Sousa lhe dirigira, em seu nome e no de A Voz:
Muito gratos me foram (os cumprimentos e protestos de respeito e obediência), embora não constituíssem surpresa para quem segue com tanto interesse e agradecimento a sua dedicação à Igreja e à Pátria.
E a seguir formula sinceros votes de restabelecimento que lhe permita retomar ca sua operosa vida».
Palavras deste teor e provindas de tão alto, como elas devem ter sido bálsamo e consolação a tantos golpes vibrados e a tantas feridas sofridas pelo operoso lutador!
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Terminava citando algumas expressões de uma carta escrita de Coimbra e dirigida ao conselheiro Fernando de Sousa pelo então ainda só professor Doutor Oliveira Salazar, já vão passados trinta e tantos anos.
Assim -entre outras expressões- se lhe dirige quem nessa altura gozava já de um alto prestigio como mestre universitário e de marcado relevo na luta pela reabilitação nacional:
As suas altas qualidades de cidadão e de católico; o sen merecimento de jornalista e mestre dos nossos jornalistas; a sua vida de trabalho e enormes sacrifícios a causa da religião; a dedicação h Igreja, de que a sua vida tem sido um nobre exemplo ...
Que mais do que aquilo que fica dito será preciso, Sr. Presidente, para enaltecer o nome do conselheiro Fernando de Sousa?!
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Poucos dias após eu ter decidido levantar neste lugar a minha voz para recordar a figura do grande jornalista li a grata notícia que me coloca um boa e qualificada companhia: a de que o sindicato dos jornalistas portugueses projecta comemorar o acontecimento.
Seria honroso para um velho e desconhecido colaborador dos jornais - que, ainda jovem, sofreu o influxo aliciante da imprensa, criando e dirigindo em Coimbra um semanário académico e ajudando a fundar outro, e que mais tarde se viu atirado, por mão amiga de ura mestre inesquecível, para as responsabilidades de director do Diário Nacional - seria honroso, dizia eu, alinhar na homenagem dos jornalistas, cuja acção muito prezo e gostaria de ver sempre cada vez mais valorizada e defendida.
E, se esta Assembleia estivesse em funcionamento em 30 de Maio, bem gostaria eu que desta tribuna saísse a minha voz em coro comum com os jornalistas portu-
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gueses, que tiveram em Fernando de Sousa um mestre do mais paro quilate.
Falando hoje, antecipo-me, pois, forçadamente às comemorações, por certo dignas, que vão realizar-se.
Mas também aqui, nesta tribuna, não fica mal que seja lembrado o nome do pujante jornalista a quem muito se deve na preparação do ambiente para a Revolução Nacional.
Fez parte o conselheiro Fernando de Sousa desse escol de lutadores que, pela pena ou pela espada, tornaram possível o advento de 8 de Maio, na manhã gloriosa de Braga em 1926, como já anteriormente aviam preparado o movimento precursor de 18 de Abril.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Vão passados vinte e nove anos, durante os quais se abriram já muitos túmulos e embranqueceram e envelheceram muitos fiéis o devotados.
Mas valeu a pena ter vivido esses tempos de decisão e devotação à causa pública, mesmo que, por vezes, tenham advindo os desgostos e até (porque não dizê-lo?) algumas desilusões.
A vida é semeada deles, mesmo porque é luta; e certo é também que os que, porventura, nunca lutaram não sabem o que é viver, no alto sentido que exprime a vida.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: o conselheiro Fernando de Sousa condensou uma ideia e nobremente a defendeu até ao fim.
Por isso a sua grande alma ainda vive no tempo. Na história das lutas em defesa de Deus e da Igreja e pela restauração das instituições tradicionais da nação portuguesa, lutas travadas por vezes no fragor dos assaltos da turba ignara e sanguinolenta, conduzidos em comandos de subsolo, ele foi o homem forte a quem Deus concedeu já neste mundo o prémio de uma morte serena, como se diz ser a dos justos. Lembra-me, simbolicamente, ser ele um alteroso galeão, em flutuação constante de mar proceloso, que ao porto de bonança só chegou para tombar e morrer.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Elísio Pimenta: - Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Roqueiro:
a) Que, pelo Ministério da Justiça, me seja fornecida cópia do parecer da Procuradoria-Geral da República (processo n.° 96/53-L. 50) acerca do reconhecimento da existência de formas de propriedade e de explorarão comunitárias, e bem assim cópia do projecto de decreto-lei anexo ao mesmo parecer;
b) Que, pelo Ministério da Economia, Direcção--Geral dos Serviços Florestais e Agrícolas, me seja fornecida cópia de todos os despachos, informações, pareceres e relatórios lavrados ou elaborados sobre o parecer e o projecto de diploma indicados na alínea anterior.
O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente problema da tuberculose está na ordem do dia em todos os países que dedicam à saúde da população o interesse compatível com a gravidade do mal. cuja mortalidade c cuja morbilidade representam prejuízo incalculável na economia da Nação. Evitar e combater a doença, desde o alvorecer da vida, combate iniciado no ventre materno, é tarefa meritória, imposta a todos quantos sabem que no programa de ataque a tão grave flagelo reside a salvação de tanta mocidade necessária ao progresso, à manutenção e à grandeza da Pátria.
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - Tem sido valiosíssimo o esforço despendido pelo Estado nestas últimas décadas, mas este generoso e bem justificado esforço, longe de abrandar, tem de intensificar-se, porque, apesar da mortalidade haver sofrido baixa sensível, a morbilidade mantém-se n a disseminação bacilar, que ela acarreta, fonte inesgotável de perigoso contágio, continua produzindo frutos bem amargos.
Aqui, Sr. Presidente, em plena Assembleia Nacional, foi por variadas vezes exposta, com toda a clareza e com toda a objectividade, a gravidade do problema. cuja resolução não admite soluções de continuidade. A luta necessita de ser cada vez mais persistente, fornecendo as estâncias oficiais todos os meios materiais necessários a tal finalidade.
Renda-se a melhor homenagem à compreensão do Governo e, em especial, aos Ministros das pastas pelas quais correm os problemas assistenciais, e bendito seja o capital investido em medidas de protecção â saúde pública, visto de nenhum outro se colher o rendimento que deste se obtém.
Vozes : - Muito bem, muito bem !
O Orador: - Sr. Presidente: os nossos ilustres colegas Santo Bessa e Moura Relvas, individualidades do alio prestígio na medicina portuguesa, possuidores de uma cultura científica que lhes dá autoridade para abordarem problemas de tanta actualidade e magnitude, ocuparam-se, nesta legislatura, de um problema de alta importância no ramo médico - tuberculose osteoarticular, tuberculose extrapulmonar - , que bem mereceram o interesse com que a Câmara os ouviu.
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - Com a mais viva sinceridade e a melhor compreensão, louvamos a sua tarefa, dando inteiro apoio à sua actividade em prol da causa dos pobres e infelizes doentes portadores de lesões osteoarticulares, bem dignos de ser aliviados e furados de tilo graves sofrimentos, readaptando-os depois para a luta pela vida. Apoiamos inteiramente todas as suas afirmações, portadoras de anseios bem justificados.
O nosso colega Moura Relvas, na defesa de uma obra cuja realidade será um farto, deu-nos, e com prazer o confessamos, uma soberba lição de climatologia não esquecendo mesmo a propaganda turística da que é indubitavelmente a mais linda praia de Portugal. São facilmente defensáveis os princípios e razões apresentados para a criação de um sanatório heliomarítimo na Figueira da Foz. ideia em marcha, cuja efectivação marcará mais um grande passo na luta anti tuberculosa.
Mas não quero dispensar-me; de afirmar também que desde Caminha a Vila Real de Santo António são em grande número os pontos da nossa costa possuidores de todas as condições inerentes à construção de sanatórios. localizações admiráveis com que generosamente a Nação nos dotou.
Vozes : - Muito bem !
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O Orador: - Sr. Presidente: é por todos claramente reconhecido o interesse existente no aumento e aperfeiçoamento do arsenal terapêutico na luta contra a tuberculose pulmonar, tão grave como mortífera, e contra todas as formas extra pulmonares com que semelhante flagelo se apresenta.
São necessárias mais camas, visto o número existente ser insuficientíssimo para poder fazer-se o internamento precoce e sempre prolongado de doentes portadores de tuberculose ostearticular, internamento necessário para evitar certas deformações e atitudes viciosas e ainda como preparação básica e fundamental para, em muitos casos, actuar cirúrgicamente.
E facto demonstrado que os antibióticos específicos da tuberculose, associados inicialmente ao regime sanatorial de cura climática, podem, cm certas circunstâncias, conduzir à melhoria e á cura, com restabelecimento funcional.
Mas para facilidade de evolução é necessário que os internamentos se façam o mais cedo possível, evitando assim estágios sanatoriais muito prolongados, justificados algumas vezes pela fase adiantada da doença, que não foi dentro do período próprio observada e tratada convenientemente.
Não é admissível nem compreensível que na época em que vivemos, detentores de poderosos armas anti-bacilémicas, continuem chegando aos sanatórios doentes num estado de adiantamento das suas lesões, de que só será possível a cura à custa de graves deformidades.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E é criminoso haver doentes para internamento e não haver camas que possam recebê-los, visto existirem na sua totalidade setecentas, das quais aproximadamente duzentos no Norte do País. Mas está eloquentemente provado e demonstrado que a maior morbilidade tuberculosa pertence ao Norte, devendo, consequentemente, pertencer a esta região o maior número de leitos destinados a tal fim.
Preste-se a justiça devida ao Estado, que na luta contra a tuberculose pôs gigantesco esforço, a que não podem nem devem regatear-se todos os louvores. Mas ponha-se em relevo também a assistência particular, bem merecedora do carinho e do interesse das entidades oficiais pela obra realizada.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ë função do Estado estimular e favorecer todas as instituições assistenciais, que pela saúde do povo -o seu maior e mais valioso património- trabalham devotadamente, com abnegação e carinho, auferindo-se de semelhante trabalho os mais proveitosos resultados.
Existe no Norte um instituto fundado há trinta e oito anos, que vem desde então prestando ao País uma assistência de reconhecido valor caritativo e social, como grande elemento de luta anti tuberculosa.
Queremos referir-nos ao Sanatório Marítimo do Norte, situado na praia de Valadares, Francelos, realização de um médico muito ilustre, que dedicou inteiramente a sua vida de intenso e competentíssimo labor clínico à cura da tuberculose óssea, o Dr. Joaquim Ferreira Alves, lutador intimorato pelo bem comum, a quem neste instante presto a justiça que lhe é devida e que morreu no cumprimento da nobre missão, que sempre soube honrar e dignificar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pois bom, Sr. Presidente: essa obra, que um alto espírito de homem e médico concebeu e realizou e pela qual passaram até hoje mais de dois mil doentes em regime de internamento, dispondo de 1917 a 1930 apenas de trinta camas, que nessa última data foram elevados a- cento e vinte pela criação de um pavilhão central, precisa neste momento do auxílio e da protecção material do Governo, que estou certo lhe não será negado; tem necessidade de ver aumentado o número de leitos indispensáveis ao desempenho da sua alta e magnífica função.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Em 1943 , por um subsídio concedido pelo então Subsecretário de Estado de Assistência Social, Sr. Dr. Dinis da Fonseca, nosso muito ilustre e considerado colega nesta Assembleia, foi iniciada a construção de um novo pavilhão, para mais setenta camas, tendo-se conseguido com auxílios particulares construir as fundações e o rés-do-chão, faltando para sua conclusão o 1.° andar. Dadas as circunstâncias (sistema de enfermaria), pode considerar-se de pequeno custo a conclusão desta obra, de tão alta e significativa importância.
Sr. Presidente: depois do exposto, ouso lembrar ao Governo sejam concedidos os necessários recursos, em forma de subsídio, a fim de ser ultimado esse pavilhão, cuja construção se iniciou há mais de doze anos e onde poderão ser recolhidos mais setenta doentes. Assim só consagrará uma verdadeira maravilha de piedade humana. Asilo de dores com a maior esperança, que torna alegres os que a ele se recolhem, como escreveu no seu livro de honra o saudoso bispo do Porto D. António de Castro Meireles, aqui por nós recordado há poucos dias.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Bartolomeu Gromicho: - - Sr. Presidente: pela última vez vou falar do já célebre caso da biblioteca da Manizola. Desta vez final para ter o prazer de anunciar que se encontra essa notável biblioteca a bom recato na posse da Biblioteca Pública de Évora, inclusive o rico núcleo de cimélios, este na vasta e bem defendida casa forte desta Biblioteca Pública.
Como era costume nos actos da velha e nobre Universidade de Coimbra, também agora vem a propósito recitar o início clássico da oração costumeira:
Post tot tantosque labores, chegou a bom termo este longo, arrastado e ziguezagueante problema, que levou cinco anos a solucionar nesta última fase de diligências.
Desde 1934, após a morte do visconde da Esperança, sen organizador e proprietário, que o caso do legado da biblioteca se agitou, tendo sido anulado judicialmente. Com a compra pelo Estado do edifício do Convento dos Lóios, anexo à Biblioteca Pública, ficou resolvido o problema do espaço para a recepção de tão volumoso núcleo - cerca de 20 000 volumes.
Simplesmente, as negociações da compra pelo Estado ficaram anuladas por não terem chegado a acordo de preço as partes contratantes: Estado e herdeiros. Isto aconteceu em 1933.
De então até 1950 tudo permaneceu em completo ponto morto, com excepção de diligencias platónicas junto do Ministério da Educação Nacional em 1946.
Eu próprio, quando pela primeira vez levantei a nesta estão nesta Assembleia, em sessão de 26 de Abril 1950, senti e reconheci que bradava em pleno deserto.
Entre parêntesis, há uma denúncia que eu devo fazer, em nome da verdade, nesta altura de liquidação deste
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grave problema eborense. É que toda a minha actuação, quer nesta Assembleia, em intervenções várias, quer pessoalmente junto das estações oficiais, não teve carácter pessoal.
Actuei, sim, como presidente do Grupo Pró-Évora, orientado pelo espirito e responsabilidades dessa antiga agremiação cultural eborense, que, embora representada por outras pessoas, teve interferência decisiva já na primeira fase, quando da expropriação e compra pelo Estado do Convento dos Lóios, anexo à Biblioteca Pública de Évora, para se conquistar o espaço para a futura instalação do núcleo do visconde da Esperança. Não fiz mais do que fazer renascer e activar uma questão que vinha sendo tratada desde a origem pelo Grupo Pró-Évora.
O presidente da direcção, que eu sou há muitos anos, utilizou o Deputado, que eu também tenho sido, para mais eficaz defesa de um interesse cultural eborense.
Logo após a subida ao Poder do actual ilustre Ministro das Finanças, renasceu em mim a esperança de que talvez encontrasse eco no espirito culto e compreensivo de S. Ex.a, que conhecia o assunto até de conversas
particulares havidas nesta sala, quando da sua situação e Deputado.
E não me iludi.
Fiz então nova intervenção, em 18 de Janeiro de 1952, e logo a seguir verifiquei pessoalmente que existia a melhor receptividade da parte do Sr. Ministro das Finanças.
Assim, provocados os contactos entre os herdeiros e o Ministro, a questão avançou até à compra por parte do Estado.
Não devo, não vale a pena ressuscitar aspectos desagradáveis do problema, que durante cinco anos se arrastou, mudou de rumo e até originou intervenções nesta Assembleia, animadas de certo espírito polémico.
De resto, a Assembleia tomou conhecimento dos principais passos do processo.
E, como diz o provérbio francos: tout est bien Qui finira bien, neste momento de encerramento desse processo há que passar a clássica esponja sobre o que de desagradável e injusto se passou.
Assim, o núcleo de cimelios, isto é, a nata dessa famosa biblioteca, que tinha há dois anos e meio sido carreado para Lisboa, regressou à base no sábado de Aleluia, apenas diminuído nalguns exemplares sem maior interesse para a rica biblioteca, que já possui, de quase todos eles, duplicados.
Também é de pouca importância a colecção camoniana, que foi, atribuída a outros serviços, porquanto a Biblioteca de Évora é já rica nesse sector.
Triunfou o bom senso e a justiça, e, mais do que a vitória de uma importante causa eborense, ficou reforçada uma política, a política do respeito pêlos patrimónios locai?, a política da valorização desses patrimónios, com larga projecção no grande turismo, do turismo da cultura e da arte.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Portanto, liquidado e encerrado este processo, resta-me agradecer a V. Ex.a, Sr. Presidente, e a W. Exa., Srs. Deputados, a paciência e interesse com que acompanharam e tacitamente apoiaram as minhas impertinentes intervenções.
Devo agradecimentos ao, Sr. Ministro das Finanças por ter promovido a compra do núcleo do visconde da Esperança e por ter, na última fase, concedido as necessárias facilidades pura a incorporação desse núcleo na Biblioteca Pública de Évora.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Também são devidos agradecimentos ao Sr. Ministro da Educação pelas facilidades que agora surgiram da parte do seu Ministério para se efectivar a recepção.
Vozes: -Muito bem !
O Orador:-Não ficaria quite com a minha consciência se não salientasse, neste momento, a rainha gratidão para com o ilustre director da Fazenda Pública, a quem Évora ficou devendo um alto serviço de franca e de leal cooperação, e para com o Ex.mo Governador Civil de Évora, pondo tio serviço da causa a sua influência e prestígio.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Reservei para o fim, pura maior destaque, os agradecimentos ao Governo e, em especial, ao Br. Presidente do Conselho.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Sempre tive convicção arreigada de que justiça seria feita a Évora, se o Sr. Presidente do Conselho pudesse no maré nalgum dos seus afazeres prestar atenção ao desenvolvimento deste processo.
Estava no exacto estado de espirito do homem simples, a quem algumas vezes tenho ouvido dizer, quando ao lamentar-se de qualquer injustiça: «Se o Sr. Doutor Salazar soubesse disto, não teria sido vítima desta prepotência».
E realmente neste caso da Manizola não foi o Sr. Presidente do Conselho o símbolo da justiça, mas a própria justiça que interveio e decidiu.
Vozes: -Muito bem!
O Orador:-Não tenho palavras para lhe manifestar a minha gratidão, a gratidão da cidade de Évora, senão fazendo votos ardentes por que Deus lhe conceda longa vida para bem de Portugal.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: -Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão a proposta de lei sobre a execução de obras de pequena distribuição de energia eléctrica.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Vaz.
O Sr. Manuel Vaz: -Sr. Presidente: tudo o que só faça no sentido de melhorar as condições de vida no campo e suas povoações, dando-lhes mais trabalho, bem-estar e conforto, nunca será de mais.
Trata-se do cumprimento de um dever patriótico, que é simultaneamente uma obrigação social.
Patriótico porque é precisamente à nossa ruralidade que o País confia a defesa da integridade nacional, exigindo-lhe a entrega dos seus filhos, que conservam no arcaboiço forte dos seus peitos a chama ardente de amor da Pátria e nos seus corpos o vigor físico indispensável à realização de tão nobres destinos.
São esses filhos do campo os que, em maior número, arcam com essa gloriosa tarefa.
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Não será de mais, portanto, garantir a conservação e aumentar o caudal dessa fonte perene de vida e de renovação nacionais.
É ainda aí que se conservam, na sua maior pureza, as virtudes ancestrais da raça, no santo temor de Deus, no sentimento orgulhoso da sua lusitanidade e no carinhoso respeito pela família, célula primária do lodo orgânico da nação.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Dever social, porque no abandono a que, durante muito tempo, o campo foi votado ele nunca perdeu a confiante esperança em melhores dias e soube, com resignação, esperá-los.
Pobre, sim, mas sempre esperançado. E, apesar de pobre, muito se lhe tem pedido em esforço e sacrifício e pouco se lhe tem dado em compensações materiais; quando muito, um vogo reconhecimento pelo esforço e sacrifício feitos.
Mas ele tinha a certeza de que havia de chegar a hora em que as preocupações dos homens do Governo se haviam de voltar para ele, e este sentimento era profundo e inabalável, emergindo do seu subconsciente. Este sentimento dava-lhe a certeza de que essa obra de reparadora justiça surgiria um dia, quando a Pátria reencontrasse os seus destinos e o seu ressurgimento fosse uma realidade viva e palpitante.
Esse dia, felizmente, chegou.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O campo e a sua gente já não estão esquecidos e apenas, episodicamente, recordados em épocas de eleições, em que eram embalados com enganadoras promessas que nunca mais se cumpriam.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: como demonstração do que acabo de dizer não vou referir-me ao que nos diversos sectores do agro português a situação saída da Revolução Nacional tem realizado.
À obra educacional, por exemplo, agora em curso revela o interesse do Governo da Nação pela cultura popular, a ânsia de elevar o seu nível espiritual e o desejo de melhorar a sua vida económica, fornecendo-lhe novas e melhores armas para a luta pela vida.
A mancha negra do analfabetismo, que aos nossos próprios olhos nos degradava, vai-se extinguindo rapidamente e desaparecerá dentro em breve, dando a toda essa gente, que permanecia nas trevas, o clarão luminoso dos primeiros e mais elementares conhecimentos.
E é consolador verificar como ela soube compreender o esforço ido Governo neste sentido, correspondendo com galhardia ao seu apelo.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - A defesa da família, o amparo dos velhos, a protecção à criança, toda essa magnífica obra assistência! e hospitalar, florindo nas mais diversas e. por vezes, nas mais grandiosas realizações, vão cobrindo gradualmente a superfície do território nacional, no afã de suprir deficiências, de aliviar dores, de amparar desamparados, de restituir saúdes perdidas e de resgatar almas em transes de perdição.
No capítulo de melhoramentos rurais o trabalho realizado é imenso; cresce de ano para ano, torna-se anais intenso, de maior amplitude e realiza-se num ritmo que, se não corresponde inteiramente à nossa impaciência, representa, no entanto, a vitoriosa concretização de uma política executada com firmeza e prosseguida com devoção, dentro das possibilidades escassas das exíguas dotações orçamentais.
Anseia-se que estas alcancem mais largas proporções, ainda que, para tanto, se tenham de sacrificar outros empreendimentos de menor urgência, de mais reduzido significado, ou de menos vigorosa projecção suciai.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O campo, todos o sabemos, é um inesgotável reservatório humano de precioso valor. E u sombra da sua forte potencialidade física e moral que o País se reconstitui e constantemente se renova.
E nele que a Nação se compensa das perdas demográficas e dos valores morais e até intelectuais que a vida esgotante idas grandes metrópoles, sem cessar, vai queimando na pira devoradora do seu materialismo, que faz do conforto, do bem-estar, da riqueza e do prazer os objectivos supremos para que tendem todos os seus esforços.
Já Taine fizera a observação c a acentuara: que os mais profundos génios humanos ou eram aldeãos ou filhos de camponeses.
A maneira mais eficaz de evitar o êxodo dos campos e o consequente e monstruoso crescimento das grandes aglomerações urbanas está precisamente em tomar mais sã, mais alegre e mais cómoda a vida no campo e nas suas povoações, fornecendo-lhe os meios de trabalho de que necessita e proporcionando-lhe um grau mais elevado de cultura, bem-estar e conforto, porque ninguém ignora que as causas desse êxodo são tanto de origem psicológica como de natureza económica.
Melhorem-se as condições de vida da gente do ágio. Estas não se limitam à satisfação as necessidades mais elementares dum viver simples, sem grandes exigências, mas que não se circunscrevem às de habitação decente, alimentação «adia e vestuário simples, comuns a todos os homens, tanto das cidades como das aldeias.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Acrescentando a estas condições mínimas de vida as de ordem higiénica e sanitária essenciais para a defesa da saúde e protecção das suas vidas, uma regular rede rodoviária, abastecimento de águas potáveis, escolas e pouco mais, estarão quase inteiramente satisfeitas as suas mais gratas aspirações, eliminando assim a causas psicológicas que provocam esse êxodo, libertando-a do esmagador isolamento duma vida puramente vegetativa.
E, se a tudo isto ainda pudermos juntar meios materiais que permitam facilitar-lhes o trabalho árduo do campo e possam concorrer paia uma maior valorização e produtividade dos elementos de trabalho de que dispõe, tornando-lhes a vida menos dura, o trabalho mais produtivo, o seu nível de vida mais elevado, podemos ter a certeza de que o homem do campo dele não desertará e se conservará fiel no amor à terra onde nasceu e repousam os seus.
Racionalizemos a agricultura, porque só assim poderemos elevar o nível de vida do agricultor.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - No momento actual, um dos mais poderosos elementos de fixação à terra é a energia eléctrica, pelas facilidades do trabalho que fornece, pela possibilidades que faculta, pelo conforto e bem-estar que leva a todas as regiões aonde chega e pêlos cor l actos diários com o mundo inteiro que permite. Cor
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ela o homem pode se quiser, deixar de estar só, mesmo num deserto.
É por isso que, ao discutir-se nesta Assembleia a proposta do Governo sobre a projectada electrificação rural, como homem do campo e seu representante, eu senti o dever de subir a esta tribuna para exprimir, em meu nome e em nome de todos aqueles que vivem e mourejam nas terras das províncias, todo o meu aplauso a essa iniciativa governamental, que é do mais largo alcance político, económico e social.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Convençamo-nos. Os três problemas básicos que maior influência exercem no ânimo dos rurais e em maior escala contribuem para o estado depressivo que provoca a fuga do campo consistem na falta de:
a) Aguas para rega e gastos caseiros;
b) Energia eléctrica para força e luz;
c) Acessos cómodos e fáceis por boas estradas e caminhos municipais, que lhes permitam evadir-se do seu monótono viver quotidiano, procurar mais ampla convivência e mais fácil escoamento aos produtos da terra.
Sr. Presidente: fui eleito por uma região que é; pode bem dizer-se, o solar da energia eléctrica do Pais.
De facto, na província de Trás-os-Montes e Alto Douro encontram-se os maiores fontes desse poderoso factor da prosperidade dos povos. E ali q me se situam os sistemas do Cávado e do Rabagão e algumas centrais doutros importantes organismos produtores de energia.
Em Trás-os-Montes procede-se actualmente ao aproveitamento hidroeléctrico do mais potente o mais volumoso caudal de energia que o País possui, o Douro internacional.
O Douro nacional oferece-nos, para um futuro próximo, n possibilidade de grandes numerosos aproveitamentos desse preciosíssimo fluido, ao atravessar a província em direcção ao mar.
É só lançar mão deles.
Na província de Trás-os-Montes encontram-se, sem discussão possível, as maiores fontes de riqueza hidroeléctrica do País. E, no entanto, o caudal enorme de energia eléctrica que nela se produz escoa-se ao longo dos cabos de alia tensão e vai vivificar e fazer progredir outras regiões e engrandecer outras terras, despojando-a do que legitimamente lhe pertence.
A província de Trás-os-Montes que é a matriz da energia eléctrica nacional, fornecendo-a aos outros, não e nem ao seu dispor. É uma vasta zona quase totalmente às escuras. Se bem que actualmente e nalguns dos seus aglomerados populacionais se disponha já de alguma energia, ainda que em muitos deles insuficiente e cara, o seu agro na totalidade, encontra-se às escuras.
Foi até por esta circunstância que uma das minhas primeiras intervenções nesta Assembleia, na última legislatura, incidiu sobro este magno problema, a fim de chamar a atenção d n Governo para o deficiente e irregular abastecimento da cidade de Chaves, o centro populacional mais importante de toda a província, que estava a sofrer prejuízos económicos superiores a algumas dezenas de milhares de contos por ano e cujo progresso e desenvolvimento se encontravam paralisados, por não dispor de energia capaz, em qualidade, e suficiente, em quantidade. Felizmente que, no que diz respeito a Chaves, o problema se encontra hoje resolvido quanto a abastecimentos urbanos. Mas para os conseguir foi preciso que a sua Câmara fizesse um doloroso esforço financeiro e comprometesse a satisfação imediata de outras necessidades urgentes, durante um
período que será de dez anos, se a electrificação da província não for decretada, como está prometido.
Outras terras importantes do distrito de Vila Real tiveram de fazer sacrifícios idênticos, atrofiando, por isso a acção a desenvolver noutros sectores das suas actividades municipais.
Foi por todos estes motivos que já nesta cessão legislativa tive ocasião de pedir ao Governo o cumprimento da promessa feita, tão ansiosamente esperado. Mas se a situação do distrito de Vila Real não é boa no distrito de Bragança ainda é muitíssimo pior.
Tá aqui n descreveu o nosso ilustre colega engenheiro Camilo Mendonça, por uma forma impressionante. E o quadro por ele descrito não peca por abuso de cores sombrias. Fica ainda aquém da realidade !
O distrito de Bragança, como reconhece o douto parecer da Câmara Corporativa, tem uma capitação baixíssima, a mais baixa do País. A população servida de electricidade é de 10 por cento; o consumo, por habitante, é de 14,6 kWh e, por quilómetro quadrado, de 40,51 kWh. Estes números não definem com clareza, porém, a situação, porque não revelam a precariedade desses abastecimentos, aliada á sua escassez. Não referem que a energia consumida é produzida por pequenas e velhas centrais térmicas de propriedade dos câmaras ou de alguma pequena empresa particular que, pelo primitivismo das suas instalações, torna proibitivo esse consumo como elemento criador de riqueza.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Porque Sr. Presidente, sem deixar de proporcionar conforto, importa utilizar a energia como elemento fomentador das riquezas potenciais existentes, como a força propulsora de melhorias dos meios de produção, tornando-os mais fáceis, mais eficientes e mais poderosos, reduzindo o esforço do braço humano e diminuindo os custos de produção. Só por meio dela se pode implementar a produtividade da terra e tornar economicamente viáveis as pequenas indústrias caseiras, complementarem da economia rural e de todas aquelas que encontram na produção agrícola ou pecuária a matéria-prima indispensável à sua laboração.
As indústrias de transformação agrícola devem tender para dois fins: evitar a í a fia para as cidades, dando a garantia de trabalho diário ao trabalhador rural, e proporcionar um melhor aproveitamento das matérias-primas de origem agrícola ou pecuária, transformando-as em bens de consumo que contribuam para levar o nível de vida da sua população. Estas indústrias hão-de ter em muitas ocasiões a fisionomia de artesanato, mas não excluem outras modalidades, que bem se podem enquadrar no campo da verdadeira, indústria.
São inúmeras as indústrias adequadas para este efeito ao meio agrário. Entre as de tipo artesanato ao acaso a indústria do linho caseiro, de tão belas tradições nos ricos braga is das nossas avós, e de outras fibras de produtos vegetais; os trabalhos em junco, em bunho, em vime, amieiro e castanheiro, a fiação manual da lã e linho, tecidos de lã, tapetes, carpetes e trabalhos em madeira, cerâmica regional, produção de seda natural, etc.
Nas de tipo industrial, a produção de ácidos cítrico e tartárico; de queijos e outros produtos lácteos; a indústria de carnes e enchidos; a de destilarias, sumos, amidos, enfim, um mundo infinito de aproveitamentos.
Seria necessário, para tanto, intensificar a nossa organização corporativa e fomentar paralelamente o cooperativismo, arrancando o homem do campo ao seu isolamento e anulando o seu individualismo, que até politicamente o prejudica.
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De outra maneira o campo tenderá a proletarizar-se, pela difusão do minimifúndio.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - A classe média que tinha ali a sua sede está, por esse motivo, ameaçada de desaparecer. E não é sem apreensões que estou assistindo a uma concentração da riqueza, que, devendo repartir-se pelo maior número e dar-lhe uma confortável mediania, flui e se reúne nas mãos de poucos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Temos de evitar a todo o custo a proletarização do campo. Se na cidade o fenómeno parece inevitável, dadas as exigências sempre crescentes da vida moderna e o afluxo constante de novos elementos que do campo desertam, julgo, no entanto, que no campo é ainda possível evitar esse mal, desde que se lhe dêem condições de vida capazes e armas adequadas para a conquista dessas condições.
No que se refere à província de Trás-os-Montes. volto a insistir na necessidade urgente de ser electrificada, cumprindo-se assim a promessa governamental, feita há já bastante tempo, da publicação do decreto outorgando a respectiva concessão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não sei os motivos da demora no seu cumprimento nem me preocupa por agora sabê-los. O que importa é que a prometida electrificação se faça. Não interessa por quem. O que é preciso é dar-lhe energia. Divergências de critérios, modos de ver, questões de simpatia ou antipatia ou interesses de qualquer outra natureza não podem estorvar, não devem protelar a solução de um problema de importância vital para o progresso de uma zona do País que, podendo ser pelas suas riquezas naturais, abundantes como em nenhuma outra região, uma das mais prósperas e ricas províncias portuguesas, é de todas a mais pobre, a mais atrasada, a que vive em piores condições económicas.
A publicação ido decreto da concessão impõe-se como da maior urgência, mas mão julgo que a sua publicação seja o suficiente. Torna-se necessário que o organismo ou entidade encarregada de lhe dar realização possua os meios técnicos e financeiros , com brevidade, efectuar a obra que e concessão lhe garante.
Estou convicto de que o realismo ido ilustre titular ela pasta da Economia e dos seus dedicados colaboradores, os Srs. Subsecretários de Estado do Comércio e Indústria e da Agricultura, vai solucionar este magno problema da electrificação rural da província de Trás-os-Montes, abrindo novas e brilhantes perspectivas nos até aqui obscurecidos horizontes do agro trasmontano, fornecendo-lhe energia abundante e tanto quanto possível barata.
Vozes: - Muito bem !
O Orador:-Sr. Presidente: num trabalho do técnico espanhol nestes assuntos, Francisco Vidal Burdils, encontrei um interessante quadro que não resisto à tentação de transcrever, pelo que tem de elucidativo, e que se intitula «O que se pode fazer no campo com l kW de energia».
Para luz:
Economizar 4 l de petróleo, para iluminar durante vinte e cinco horas.; uma cozinha, uma sala de jantar ou um pátio de 1500 m2, ou iluminar durante cinquenta horas: um quarto de dormir, alguns pequenos corredores, uma cave ou uma forja.
Na oficina:
Serrar 90 m de madeira e afiar 200 lâminas da ceifeira.
Na preparação de alimentos para o gado:
Triturar 400 kg de aveia.
Triturar 600 kg de tortas alimentícias.
Triturar 100 kg de centeio.
Triturar 300 kg de milho.
Triturar 200 kg de trigo.
Cortar 5000 kg de beterraba.
Cortar 500 kg de palha.
Misturar 500 kg de adubas químicos.
Moer SOO kg de cevada.
Isto é uma simples indicarão, mas bem elucidativa quanto u necessidade da electrificação rural.
Sr. Presidente: na electrificação rural, um dos grandes problemas, sobretudo nas zonas de fraca densidade populacional, em que as respectivas povoações se encontram a grande distância umas das outras, é u do transporte, em alta, da energia até essas povoações. O transporte é caro e impossível de fazer-se, no todo ou em parte, pêlos recursos ordinários das câmaras, que devem ser dotadas de meios especiais para o realizar, se se quer dar realidade ao disposto na base XXI da Lei n.° 2002.
Nos contratos vigentes em regiões cuja electrificação não esta entregue, por enquanto, a empresas concessionárias, esse transporte faz-se, em regra, por meio de um subsídio a combinar com as empresas transportadoras, a título de indemnização pelo custo das respectivas linhas, encargo que as autarquias não podem suportar, pelo que a almejada electrificação só a muito custo, com enorme dificuldade e grande lentidão, se poderá realizar. Este empecilho tem de desaparecer, se de facto se quer electrificar as zonas rurais do País que de energia carecem, e são a quase totalidade.
Para este efeito é necessário, repito, subvencionar as câmaras, dando-lhes possibilidades que não têm actualmente. Adiante direi como, uma vez que esta electrificação não oferece seduções económicas.
As dificuldades para efectivar um tal empreendimento e u que u proposto governamental faz referência, ainda os menos versados em assuntos desta natureza as compreendem facilmente. O parecer da Câmara Corporativa a este respeito i; elucidativo. Elas forniu grandes nos Estados Unidos, na Inglaterra e nu Trança, países fortemente evoluídos e industrializados; nos outros países, de menor grandeza e riqueza económico, essas dificuldades foram ainda maiores. No entanto, estes países lançaram mão de vários processos para as debelar e efectivar essa obra, que, além do seu valor para as economias nacionais, tem um imenso alcance social.
Na proposta em discussão o sistema adoptado é o de comparticipação pelo Estado, nos termos da base XXIII da Lei n.° 2002, de 26 de Dezembro de 1944, e pelo Fundo de Desemprego, concedida às câmaras municipais ou às federações de municípios, quer a distribuição seja feita directamente, que em regime de concessão.
Por mim, entendo que a distribuição deve ser feita sempre pelas câmaras ou federações de municípios, sendo as concessões existentes ou resgatadas ou entregues no fim da concessão, nos termos da base XIX da alínea l da base XXII da Lei n.° 2002.
Toda a concessão pressupõe um lucro razoável, no fim de cada ano de exercício, porque as janelas que não
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dão lucro não interessam e nenhuma empresa as toma. E é legítimo que as câmaras desejem para si esse lucro, uma vez que as suas despesas por imposições legais crescem constantemente e as suas receitas não aumentam na mesma proporção, lucro que servirá para cobrir, parcialmente, ao menos, a deficitária distribuição rural.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Por outro lado, os concessionários não têm, como as câmaras, unicamente em mira bem servir os seus clientes e á medida que o termo da concessão se vai aproximando, deixam de melhorar as redes, com o fim de a verem renovada, ante o receio, pelas câmaras, de grandes despesas com a sua remodelação. E o que na prática se tem verificado em muitas das concessões de que tenho conhecimento.
O processo de financiamento tradicional entre nós, desde que se trate de melhoramentos públicos, rurais ou urbanos, é n das comparticipações pelo Estado, através do Fundo de Desemprego ou de dotações orçamentais. No caso da electrificação rural é ainda através daquele Fundo e nos lermos da Lei n.° 2002, de 20 de Dezembro de 1944, que esse financiamento se opera, em colaboração com as câmaras ou os concessionários. Calculo, porém, que será muito demorada a electrificação rural nos termos em que financeiramente ela é encarada na proposta.
Talvez a maneira mais simples e mais rápida fosse a criação de um Fundo de Electrificação Rural, com a aplicação de uma taxa sobre todos os consumos do País, de $U2, por exemplo, o que renderia, no mínimo. 32 000 contos anuais. A Holanda e a Noruega, mais ou menos, assim procederam.
Com o emprego anual de uma quantia desta ordem, quantia que iria aumentando gradualmente com o desenvolvimento de consumo, poderia fazer-se obra considerável, a curto prazo, para a qual todos contribuiriam, na medida dos benefícios de que já desfrutam se deseja sejam extensivos a todos.
O primeiro estádio da obra electrificadora seria, portanto, levar a energia a todos os cantos, por mais pequenos que fossem. Certamente que uma electrificação desta amplitude não seria compensadora, pelo menos de início, por causa das distâncias e da pequenez dos consumos. E, então, tratar-se-ia, numa 2. fase, «Ia uniformização das tarifas, como a aspiração comum, expressa já na Lei n. 2002, por forma a eliminar desigualdades gritantes, como actualmente acontece. Se a electricidade é um bem nacional, nada mais justa que por todos se reparta em iguais condições e preços.
As receitas do Fundo de Electrificação Rural seriam então, finda a fase da distribuição, aplicadas na solução do problema da uniformização tarifária, que daria a todos iguais possibilidades de consumo e aumentaria este considerávelmente.
Para que a energia se consuma na escala desejada é indispensável que o preço do kilowatt-hora se torne acessível a todos os consumidores. Seria ainda encargo do Fundo, no que respeita à electrificação rural.
A energia cara não realiza nenhum dos fins em vista. E não compreendo lá muito liem os lucros astronómicos das empresas produtoras revelados nas suas contas de gerência anual. Talvez daí se pudessem extrair fundos para a desejada electrificação rural.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: -Sr. Presidente: a Câmara Corporativa No seu parecer sugere algumas alterações à proposta governamental. Não me parece que elas tenham grande razão de ser. Antes pelo contrário, julgo que algumas, pelo menos, oferecem certos riscos.
No que respeita aos pedidos de comparticipação, a proposta estabelece que eles serão feitos até 31 de Setembro de cada ano (base IV) e que a Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos os submeterá à aprovação ministerial até 15 de Dezembro desse ano (base III).
A Câmara Corporativa entende que, para os efeitos orçamentais, os pedidos devem ser apresentados até 31 de Agosto de cada ano e que a Direcção-Geral os deverá submeter à referida aprovação até 30 de Novembro desse ano, de maneira que em 15 de Dezembro a câmaras saibam o valor das comparticipações concedidas.
A modificação proposta tem, como se disse, mera importância orçamental para as câmaras, mas poderá aceitar-se, sem reparas de maior.
Já assim não acontece, Sr. Presidente, com ti eliminação sugerida do limite de -30 por cento fixado para o valor global das obras a comparticipar no mesmo ano
que deverá ser elevado, no meu entender, para 60 por cento do final da base IV e que se destina a estabelecer um justo equilíbrio entre as comparticipações concedidas, consoante a ordem de preferência nela estabelecida. Tão pouco concordo com a inclusão na mesma base da preferência dada às obras que impliquem maior despesa para o consumidor a servir, que se traduziria num processo disfarçado de beneficiar as entidades transportadoras ou distribuidoras, quando estas acumulassem as duas funções. Esquece-se que n objectivo da proposta não é servir o indivíduo, anãs n região onde ele vive, e que acima: do seu interesse pessoal está o colectivo, o social.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Procura-se pela proposta dar energia a todos que dela carecem, pelo preço mais económico possível, sem demasiadas preocupações sobre os custos por que ficam as instalações entre as diversas zonas servidas e que podem implicar mais despesa para o consumidor, isto é, tornar o kilowatt mais caro. O preço da energia é uma função dos custos da sua produção, transporte e distribuição. E, enquanto não atingirmos um estádio em que os preços dos consumos de energia
sejam uniformes e iguais para todos, teremos de aceitar as inevitáveis diferenças desses preços.
Não se esqueça que o fim principal desta espécie de electrificação consiste em dar ao rural melhores meios de trabalho e maiores possibilidades de elevar o seu nível de vida desenvolvendo a sua indústria agrícola actual e ,criando novas fontes de riqueza. O conforto que daí lhe advém será uma consequência, mas não um fim.
Sr. Presidente: também não concordo com a eliminação da alínea a) da base vir, proposta pela Câmara Corporativa.
Parece-me que se se comparticipassem as obras destinadas a melhorar sensivelmente e a curto prazo as condições económicas do conjunto das instalações pertencentes à entidade que requereu u comparticipação se trataria, não de uma electrificação rural, mas de um melhor apetrechamento do equipamento eléctrico urbano, o que é coisa muito diferente de uma electrificação rural.
Corria-se dessa, maneira o risco de os centros urbanos pretenderem comparticipações para melhorar o conjunto das suas instalações, sob os fáceis pretextos de que essas obras não podem tornar-se exequíveis sem as comparticipações e de que n melhoria das instala-
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coes contribuía para o distribuidor ampliar a sua acção electrificadora, estendendo-a ao campo.
Está-se a ver a que perigos nos conduziria semelhante critério, que era nem mais nem menos serem os recursos destinados à electrificação rural aplicados em beneficiar as condições económicas das instalações dos aglomerados urbanos, que, por mais exigentes e poderosos, absorveriam o maior volume das comparticipações.
O Sr. Melo Machado: - V. Exa. quando diz «electrificação rural» quer dizer electrificação dos concelhos rurais?
O Orador: - Quero dizer electrificação total dos conselhos, não só das sedes.
O Sr. Melo Machado: - E que a electrificação rural tem outro sentido: o da disseminação da electricidade até ao mais pequeno agricultor.
O Orador : - Exactamente.
E então poderíamos dizer adeus à electrificação rural.
Não. A alínea a), cuja eliminação a Câmara Corporativa propõe, deve ficar como travão a possíveis pretensões que falseariam as intenções e os objectivos de proposta em discussão.
Sr. Presidente: não basta compadecer-se a gente da sorte adversa do nosso homem do campo. Não basta lamentar a pobreza em que vive. Não basta proclamar as virtualidade» da terra, que é quase sempre madrasta para quem dela vive ou a explora.
Não basta, numa palavra, explorá-la a ela. É preciso explorar o homem do agro - na totalidade de todas as suas múltiplas e poderosas faculdades de trabalho racional, de energia, de tenacidade e de inventiva, e pô-las ao serviço do social, do nacional e do humano, pura o maior bem dele e para o maior bem comum.
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - A aldeia é uma unidade social, com um conjunto de interesses, de desejos, de paixões t- de inteligências. E, quanto maior for o número de consciências e vontades que actuam e lutam solidariamente dentro desta unidade social, maior será a sua força. Esta, somada às demais forcas de idêntica natureza, no seu conjunto é que fazem o progresso, a riqueza e a grandeza das nações.
A proposta em discussão vem ao encontro das mais vivas aspirações e fortes necessidades do campo. Bastava esta circunstância paira aplaudir com calor, com entusiasmo, a iniciativa pelo Governo, e em especial os nossos ilustres colegas que são actualmente os titulares das pastas da Economia e das Finanças, sem requerer ; competência e o dinamismo do engenheiro Magalhães Ramalho). subsecretário de Estado do Comércio e Indústria.
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - O País, só por ela. e, se outros motivos não houvesse, ficar-lhe-ia a dever uma obra grande, de incalculável valor e da mais extensa projecção económica e social e ide eminente carácter nacional. Assim as obras correspondam às suas intenções.
Ajudemos a realizá-la com o carinho que merece e com a fé que tudo vence, porque, realizando-a, teremos construído um Portugal maior, mais próspero, mais digno e mais feliz.
Por mim, votarei a proposta tal como foi apresentada e sem qualquer alteração que lhe modifique o sentido rural de que vem embebida.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente: a apreciação da proposta de lei sobre o fomento das obras de pequena distribuição de energia eléctrica fez nascer, naturalmente, a oportunidade de se dedicar ao mundo dos problemas da difusão desta poderosa força no País uma rápida mirada para se fiei ir com mais actual conhecimento das realidades e esperanças de ontem e das realizações a que chegámos eu nossos dias e poderem, assim, emitir-se, com mais segurança, alguns juízos do valor.
O bosquejo rapidíssimo a que procedi, com olhos de leigo, mas ansiedades de quem procura esclarecer-se, deixou-me a funda convicção de que. entre os relevantes serviços que têm prestado à Nação os seus governantes dos últimos três lustros, o menor não é certamente aquele a que suponho possa chamar-se, a porfiada luta contra a «barreira da sombra».
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Efectivamente, os números que a estatística nos fornece, com relação ao ano de 1940, demonstrando-nos que da energia eléctrica de que então podíamos dispor, e não era muita, apenas escassos 30 por cento eram de natureza hídrica e provinham de 109 centrais, com potências instaladas que não atingiam os 100 000 kW, dão-nos conta da descrença em que vivêramos e vivíamos nas nossas possibilidades naturais para o aprovisionamento da energia eléctrica que por inaproveitadas, muralhavam, como em fortaleza, n maior parte da nossa ânsia de progresso.
Havia, assim, colocada entre a possibilidade do momento e a necessidade do futuro, no tocante á disponibilidade de energia eléctrica como que unia barreira que era necessário vencer, paia se abrir franco caminho ao progresso do povo português, reorganizando o fomentando a indústria nacional, para se demonstrar perante o Mundo e até perante nós próprios - onde eternos Velhos do Restelo bramiam a sua descrença- - que era mais ido que tempo de começarem a banir as causas tão conhecidas do nosso atraso ao baixo nível de vida.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: -E a batalha contra a «barreira da sombra» começou.
Convenientemente estudados e seriados os problemas principais, que se cifravam em produzir energia eléctrica em condições economicamente aceitáveis, partindo tanto quanto possível do aproveitamento racional dos nossos rios, em transportá-la; um distribuí-la, para que a pudessem utilizar as forças vivas da Nação, apresentou o Governo á consideração da Assembleia Nacional, em 1944, a proposta de lei que, promulgada sob o n.° 2002, se tornou conhecida como o Estatuto da Electrificação Nacional e no douto parecer da Câmara Corporativa agora emitido sobre a proposta tem apreciação apropriadamente, se classifica como marco miliário na história da electrificação portuguesa.
Nessa lei, o Governo, definindo campos e traçando directrizes, propõe-se disciplinar as desencontradas actividades produtoras de então e carrilar os seus esforços no melhor sentido da verdadeira utilidade Nacional.
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Ás empresas, eliminadas as suas maiores dificuldades, podem prosperar, pois que lhes fica assegurado largo quinhão na distribuição .e transporte da energia eléctrica, em condições de equilibrada conveniência.
À grande urbe e aos importantes centros fabris que se lhe situam proximamente não faltará, portanto, o fornecimento de energia suficiente ao fomento do seu progresso, comodidade o engrandecimento.
E, completando o quadro magnífico do seu patriótico plano de ressurgimento, essa lei de tão notável alcance não esqueceu - e como poderia tê-lo feito! - que as nossas vilas e aldeias, pedaços da terra portuguesa e partes integrantes da realidade da Pátria, tinham também os seus direitos, e, por isso, a pequena distribuição que se destinava a servi-las viu ali definido um regime que, tomando em consideração os valores clássicos, a quem pertence a especial missão de engrandecê-las - os municípios -, lhes entregou as importantes tarefas da sua electrificação, que procurou favorecer e facilitar de maneira notável nas sete bases que lhe dedica.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Ficara com inteira propriedade e inultrapassável justeza estabelecido o conjunto técnico- táctico de planos para que a batalha contra a "barreira da sombra" pudesse ser ganha; e ninguém ficou a descrer na vitória.
Vejamos agora, Sr. Presidente, sempre com a leveza que tem de ser atributo deste modestíssimo trabalho, como se movimentaram os elementos básicos, n quem competia pelejar para o eficiente desenvolvimento dos planos tão cuidadosamente estruturados.
Formadas novas empresas ou fortalecidas as existentes, já pelo conjunto de facilidades financeiras postas à disposição pelo Governo, já pela fixação do ordenamento geral dos seus campos de acção, onde qualquer luta de competência se torna impossível, puderam estas ocupar, nos sectores da produção, transporte e grande distribuição da energia eléctrica, o lugar proeminente que lhes estava reservado.
Desta sorte, porque não minguaram nem os auxílios que o Estado prometera, nem os capitais da finança particular, atraídos pela assegurada rendabilidade dos investimentos, a curto ou a longo prazo, foi possível erguer a obra importantíssima idos novos aproveitamentos hidroeléctricos que todos conhecemos e que ou já prestam relevante utilidade, ou começarão a prestá-la muito em breve.
Por outro lado, os problemas do transporte da energia, desde as barras das centrais até aos grandes centros consumidores, também atingiram soluções de relevante conveniência, e, desta sorte, ficou plenamente comprovada a eficiência ido sistema que a Lei n.° 2002 introduzira e, mais tarde, o Plano de Fomento reforçara.
Entretanto, as grandes empresas, que, justiça é reconhecê-lo, prestaram a colaboração que Ideias era lícito esperar, empenhando-se até em interessante luta confira o tempo, para mais rápidos resultados - e uni certo número de quezílias surgidas perante os grandes Consumidores não empalidece muito o valor da sua proveitosa acção nestes campos -, tocadas talvez pela magia das grandes causas, adquiriram uma noção específica da sua qualidade de concessionárias, por via da qual, sempre prontas a invocar direitos, tantas vezes desconhecem as obrigações inerentes e, desinteressando-se totalmente da rendabilidade social idos empreendimentos, pensam exclusivamente na sua produtividade material a curto prazo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: -Sr. Presidente: quanto à pequena distribuição, objectivo importantíssimo que a mencionada Lei n. 2002 igualmente cobiçava atingir na árdua batalha que começara, talvez porque a mancha sombria, por muitíssimo mais vasta, apresentasse desde logo maiores dificuldades, os resultados obtidos não emparceiram, infelizmente, com os brilhantes sucessos alcançado aos outros sectores.
Tão perfeito quanto os anteriores o eram na sua essência, o plano estruturado nas sete bases da Lei n. 2002 para o fomento da pequena distribuição não alcançou como eles o mesmo devotado carinho e a mesma cuidada execução. E pena foi que assim tenha sucedido.
Como as federações de "municípios, entidades a quem, principalmente, ficariam a incumbir as tarefas de electrificação do meio rural, não houvessem ainda sido criadas, ao longo dos dez anos que vão .passados depois da promulgação da lei que tanto com elas coutou, cada município tem sido forçado a resolver o seu próprio problema de distribuição, o que vem fazendo à luz dos mais díspares critérios.
Já tive oportunidade, Sr. Presidente, de relatar perante a Assembleia, na última sessão legislativa, o impressionante conjunto de dificuldades com que as câmaras municipais se têm encontrado quando procuram difundir a electricidade nos pedaços da terra portuguesa confiados à sua administração.
Relembrarei somente que, se os (municípios não tom sido felizes nas suas relações com as poderosas empresas distribuidoras, que, aferradas ao seu subjectivo critério económico, se furtam, por sistema, h colaboração que seria forçoso manter para que a pequena distribuição acompanhasse o ritmo progressivo dos sectores congéneres, também é certo que nem todos têm encontrado na Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos como era legítimo esperar, as prontas e exequíveis decisões exigidas pêlos frequentes dissídios que lhe são submetidos.
Do assim exposto, Sr. Presidente, se alcança que, por um lado, ao compreensível mas não justificável - desinteresse das grandes empresas distribuidoras, especialmente quando concessionários exclusivos da pequena distribuição de energia eléctrica nos concelhos, e, por outro, à bem conhecida, mas sempre oficialmente ignorada, debilidade financeira das câmaras municipais, ainda somadas à interpretação que se elegeu para a base XXIII da Lei n.° 2002, única disposição que tem comandado os auxílios financeiros do Estado, se fica a dever o atardamento da nossa electrificação rural, de que se dá pormenorizada conta no douto parecer da Câmara Corporativa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: para remediar, na medida do possível e com a maior brevidade, os graves inconvenientes dessa batalha, até agora perdida, na grande luta contra a "barreira da sombra", onde tanta" vitórias já alcançou, propõe-se o Governo alargar o seu auxílio financeiro aos municípios e estrutura em nove bases de uma proposta de lei o regime das comparticipações a conceder-lhes.
Merece, Sr. Presidente, o maior aplauso essa iniciativa, da mais flagrante utilidade nacional, pêlos magníficos resultados que permitirá certamente alcançar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Quem vive em estreito contacto com as nossas populações rurais e lhes conhece, portanto, o desenvolvimento do seu viver, que decorre ainda aferrado :i normas rotineiras de arcaico conteúdo e preso a aflitivas dificuldades, semelhando intransponíveis baluar(...)
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lês da fortaleza cio progresso, não pode deixar de sentir-se tocado pela forte irradiação de esperança que se desprende dessa proposta de lei.
Corolário lógico de toda uma política de valorização nacional, que não pode, por isso mesmo, minimizar os direitos das grandes massas rurais, subalternizando-os perante os altos interesses da urbe, nessa proposta se concretiza um dos princípios de acção cuja necessidade deixou luminosamente expressa o ilustre titular da pasta da Economia quando, na sua muito notável conferência, proferida a propósito do Plano de Fomento, em Junho de 1953. afirmou que «perante a existência de obras de distribuição eléctrica de eminente interesse
social, mas de fraca densidade de consumo e custo elevado que não ofereçam rendabilidade estimulante, dos capitais particulares, tem o Estado de lhes conceder os necessários apoios técnicos e financeiros», pois que dessas obras, reconhece ainda o mesmo ilustre Ministro, «depende, em grande parte e de modo especial, o conforto da vida dos campos, o incentivo às pequenas actividades, a melhor distribuição demográfica e a defesa da ruralidade, como refúgio das formas humanas e equilibradas de vida e de trabalho».
Mas poderão Sr. Presidente, alcançar-se, efectivamente, por via do normativo da proposta em apreciação objectivos de tão eminente alcance social?
Sou deliberadamente pela afirmativa, muito embora me pareça de utilidade introduzir-lhe ligeiros retoques, que não a desviam, contudo, do acertado rumo que nela se procura.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não se tendo achado conveniente ou possível pôr em execução todo o sistema de fomento da pequena distribuição previsto na Lei n.4 2002, que permitiria criar, com as federações de municípios, unidades de forte estrutura económica e robusto poder de comando, a quem pertenceria o ordenamento geral e a execução de planos elaborados em face da premência das necessidades locais, deverá conferir-se aos municípios um poder de imediata realização semelhante ao que, naquela lei, se consignara para as suas federações, i Desta sorte a base I da proposta deverá ter o seu âmbito enquadrado nus moldes da base XXI da Lei n. 2002, por forma a que as modalidades de auxílio possam atingir o mesmo escopo de realizações que na tal base se previam. Há manifesta conveniência da se definirem o mais concretamente possível os campos cm que o Estado estará presente, para se evitarem as amarguras e as desilusões.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Não vejo inserta na proposta que apreciamos, Sr. Presidente, cláusula de conteúdo semelhante ao da base XXV da lei de 1944.
O conjunto de razões u sombra das quais fui julgado conveniente deixar ali expressas as faculdades e possibilidades da contracção de empréstimos na Caixa Geral de Depósitos, Crédito- e Previdência pelas federações de municípios para obras de electrificação não sei que tenha sido invalidado ou desactualizado por qualquer regulamentação contemporânea. A não ser ter editado medida geral nesse sentido, entendo que se deveria assegurar expressamente aos municípios esse recurso no mercado oficial de capitais, facilitando-o tanto quanto possível, quer por via de amortizações a longo prazo, quer por taxas de juro mais reduzidas, que, para coda caso, seriam encontradas em conveniente estudo económico da obra a que se destinassem.
Na base II, ao deixar-se expressamente consignado que também acesso as comparticipações aqueles municípios cuja distribuição se opera em regime de concessão, fez-se terminar recuado duma dúvida cruciante, que, sem embargo da sua muito discutível legitimidade perante o espírito c perante a letra da base XXIII da Lei n. 2002, um que se fundava, no entanto supliciou muitas câmaras municipais naquelas condições, contra as quais sempre foi resolvida.
Para além da injustificada restrição que tal procedimento representava, com ele muito se favoreceu determinado número de desvios aos princípios da boa ética, como, por exemplo, a prática utilizada por uma poderosa empresa concessionária da distribuição da energia eléctrica um muitos concelhos rurais do distrito de Coimbra, de substituir a demonstração do custo das obras que lhe são pedidas e só ela pode valorizar e executar com a apresentação, como é prática normal e corrente, de detalhados orçamentos, por «notas de requisição» por si emitidas e nas quais, com uma brevíssima discriminação das obras, apenas se indica o seu custo total, noticiando-se o depósito que terá de ser efectuado para que elas possam ter início.
E a tal ponto a prática se generalizou que até para as baixadas a utiliza a referida empresa, mesmo sem temer os inconvenientes a que pode conduzir e, de entre muitos, cito u que se traduziu na exigência, há cerca de dois anos, de um depósito prévio da importunem de 47.088$20 para a ligação de uma instalação industrial à sua rede que, depois da vigorosa intervenção dos serviços oficiais competentes, acabou por efectuar apenas com um depósito reduzido a 1.967$20, por ter podido considerar unicamente a aplicação de 2 kg de
o de cobre de 6 mm2 ao preço de 40$ o quilograma. . .
O Sr. Melo Machado: - Em todo o caso a empresa concessionária pediu 40 contos por isso.
V. Exa. concorda que a intervenção da Direcção-Geral aí foi eficiente?
O Orador: - Nem podia ser de outra maneira. Primeiramente actuou a Câmara Municipal, mas sem qualquer resultado; só a intervenção da Direcção-Geral conseguiu pôr termo a este caso, que brada aos céus e demonstra que, com companhias a agir assim, a electrificação do meio rural haveria de ser sempre um velho mito.
O Sr. Melo Machado: - Tal não sucederá só a Direcção-Geral agir sempre com eficiência.
O Orador: - O preciso é que a Direcção-Geral actue sempre e também que tenha uma estrutura. robusta para acompanhar os municípios de todo o País, que t H o empenhados andam pela luta a bem do interesse nacional.
O Sr. Melo Machado: - Esperamos que isso sempre assim aconteça.
O Orador:- Devo dizer que V. Ex. que este caso levou mais de um ano a resolver.
Citam-se estes factos em abono da necessidade da imediata revisão do Decreto n.° 29 782, que os tornou possíveis, para que não se comprometam os elevados objectivos da proposta de lei em apreciação com exigências que. não cabendo na escala de possibilidades dos municípios muito menos podem ser suportados pelas restritas economias da maioria dos habitantes dos meios rurais, que teriam de continuar, portanto, privados de poderem utilizar a electricidade.
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Tal ideia contém se, de resto, no douto parecer da Câmara Corporativa, alinhando no conjunto de princípios ali expostos, a definir a linha de rumo que não poderá deixar de ser seguida para que a electrificação rural se torne prática c eficiente.
Sr. Presidente: contém a proposta de lei que apreciamos um princípio da mais alta moralidade administrativa e perante o qual se não pode ficar indiferente. Pelo que representa de consciencioso conhecimento das realidades e de evasão à tirania de métodos que já se deveriam ter banido dos cânones da governação, o princípio de diferenciar os auxílios do Estado, para os prestar na não directa das necessidades daqueles a quem se destinam e na inversa das suas efectivas possibilidades, só por si define e acredita o texto legislativo em que foi criado.
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - Efectivamente, partindo-se do pressuposto, que nenhuma observação permite justificar, de que, perante problemas da mesma natureza, a mesma é também a posição dos municípios, tem-se seguido o princípio geral de, na concessão de comparticipações, a todos se aplicar a mesma tabela de quantitativos. Dispenso-me, Sr. Presidente, de procurar pôr em evidência os nenhumas virtudes do sistema, que vejo agora sofrer os primeiros golpes de apropriada derrogação.
Quero apenas formular o desejo de que essa derrogação o atinja também nos amplos sectores onde os municípios, sempre tão carecidos, se encontram com o Ministério das Obras Públicas, colaborando nas vastas e importantíssimas tarefas de servirem o necessário progresso do meio rural.
Sr. Presidente: a batalha contra a «barreira da sombra» vai experimentar novos e mais apropriados meios de acção por mercê do normativo eficiente que nos é lícito esperar da regulamentação da proposta de lei que nos foi submetida.
Luta porfiada contra o sofrimento e contra a carência, ela não pode deixar de interessar todos os sectores da vida nacional.
Posso assegurar a V. Ex.a, Sr. Presidente, e ao Governo da Nação que, no distrito de Coimbra, essa luta em que os seus dezassete municípios tanto se têm empenhado, multiplicando os seus débeis esforços, em clara compreensão dos irrecusáveis direitos dos povos que vêm servindo, não abrandará e antes recrudescerá até se atingirem estádios aceitáveis de valorização e dignidade, que são naturais atributos da pessoa humana.
E os municípios do meu distrito sabem que não se encontram desacompanhados do melhor e mais proveitoso interesse dos seus munícipes, porque mais de uma centena de agremiações regionalistas, altos exemplos de devoção e abnegação ao engrandecimento das terras beiroas, apoiadas numa imprensa modesta mas probíssima, também lutam denodada e sacrificadamente pelo bem-estar e progresso dos seus pequenos rincões, em admirável demonstração das virtudes ancestrais de que tanto se podem orgulhar os Portugueses.
Termino, Sr. Presidente, reafirmando a minha fé na vitória que se adivinha e por via da qual celebraremos o magnífico triunfo de havermos sabido vencer a temerosa e apavorante «barreira da sombra».
Tenho dito.
Vozes : - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado!
O Sr. Azeredo Pereira : - Sr. Presidente : o período alto de autêntica renovação e de acentuado .progresso em que temos vivido nos últimos anos - lógica e natural consequência do ressurgimento nacional iniciado com o advento de Salazar - prossegue (metodicamente, graças ao ingente esforço do Governo, à superior concepção dos seus planos, à sua extraordinária capacidade realizadora e, sobretudo, à estabilidade de condições financeiras e económicas, tenazmente assegurada por uniu administração zelosa e honesta.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - À proposta de lei n.° 21. enviada à Assembleia Nacional, que estamos discutindo, demonstra inequivocamente e por forma clara e perfeita que o Governo, como sempre, está atento aos verdadeiros interesses nacionais e se propõe realizar e realiza com o mais vivo empenho o bem comum.
Ao estabelecer as bases gerais do regime jurídico--económico a que devem obedecer as obras de pequena distribuição de energia eléctrica, assinala-se como principal objectivo da proposta levar esse magnífico fluido eléctrico, indispensável à vida moderna, a todas as freguesias e, logo que for possível, a todas as povoações ou locais onde residam e trabalhem portugueses.
Tão superior intento do Governo, pêlos resultados que dele advirão -elevação progressiva do nível geral de vida, aumento de riqueza e fixação do homem à terra-, é de louvar e de agradecer.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Muito gostosamente, pois, e em perfeita consciência darei o meu voto na generalidade à proposta em debate.
Sr. Presidente: a Lei n. 2002, ide 36 de Dezembro de 1944, base de electrificação nacional, deu começo em Portugal a um período magnífico de grandes realizações, à construção de obras espectaculares e de grande envergadura.
Em execução das disposições dessa lei, ignoram-se as obras de produção e de transporte de energia eléctrica. Começou-se, como era natural, pelo princípio, lançando-se os primeiros empreendimentos hidroeléctricos e construindo-se a rude primária de transporte e interligação a 150 kV.
Posteriormente e numa segunda fase de realizações, inclui-se no Plano de Fomento a conclusão dos sistemas do Zêzere e do Cavado iate integral aproveitamento dos troços concedidos, iniciou-se o aproveitamento do Douro, em Pacote, que será no futuro a maior fonte ide produção de energia hídrica, e começou de executar-se uma nova rede de interligação e transporte a 220 kV.
Como consequência deste enorme impulso dado pelo Estado, é consolador verificar que a produção de energia hidroeléctrica, que no quinquénio de 1941-1945 era de cerca de 200 milhões de kilowatts- hora, passou em 1904 para 1450 milhões e deverá atingir em 1908, quando o primeiro aproveitamento do Douro entrar em funcionamento, o número avultado de 2300 milhões.
A posição derivada do substancial aumento de produção hidroeléctrica verificado nos últimos dez anos, que atinge sete vezes a produção de 1945, não tem confronto com aquela, reduzidíssima, em que o País por largos anos se debutou.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Isto que é uma verdade incontestável, não obsta, porém, a que se afirme que no domínio da electrificação ocupamos ainda uma posição modesta, que há que prosseguir sem desfalecimento no intenso esforço de produção de energia eléctrica, criando novos centros produtores e acelerando os estudos do sistema do Douro e doutras bacias hidrográficas.
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Cabe aqui referir, em breve apontamento, BB aã ideias adoptadas e que vêm sendo executadas na nossa política nacional de electricidade não virão em breve a ser suplantadas pela autêntica revolução económica derivada da nova forma de produção - a energia nuclear.
Os diversos pareceres das coutas públicas, pela voz autorizada do nosso esclarecido colega engenheiro Araújo Correia, têm levantado a questão, chamando a atenção de quem de direito para tão magno problema. Não se fazendo o aproveitamento integral das bacias hidrográficas por maneira a utilizar a água na obtenção de energia hidroeléctrica, rega e abastecimento doméstico e industrial e presumindo-se a energia nuclear a baixo preço, não estaremos a comprometer seriamente os nossos capitais em dolorosas perdas de investimentos?
Seja como for: o que interessa sobremaneira é aumentar a produção de energia.
Enquanto nos países do Centro da Europa o consumo anual, por habitante, é de cerca de 1000 t Wh, no nosso país em 1930 era de 35,3 kWh e em 1905 de 180 kWh.
O que já se fez, porém, em execução da Lei de Electrificação Nacional e os investimentos contidos no Plano de Fomento em curso asseguram-nos que no domínio da produção e do transporte de energia se atingirá uma favorável posição internacional em futuro próximo.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - A produção e transporte de energia, porém, base da resolução do problema de electrificação nacional e autênticas realidades do Portugal de hoje, vêm sendo acompanhadas, embora lentamente, .pela criação e desenvolvimento das actividades que têm a seu cargo a distribuição da electricidade.
Os objectivos económicos e sociais a alcançar com a electrificação do País só, na verdade, terão plena satisfação mediante uma larga e profusa rede de distribuição que possa servir todas as regiões e todos os povos.
Garante-nos o Governo que a grande distribuição, logo que promulgados os diplomas legislativos em estudo, destinados a regulamentar o exercício da sua actividade e a tornar possível a revisão dos cadernos de encargos das actuais concessões, em execução dos princípios fixados na Lei n.° 2002, acompanhará sem desfasamento o ritmo de progresso da produção e do transporte e desempenhará satisfatoriamente a missão que a lei lhe atribuiu.
Sr. Presidente: torna-se, na verdade, imperioso e urgente desenvolver um enorme esforço no sector da distribuição de energia eléctrica.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A Câmara Corporativa,, no seu bem elaborado parecer sobre a proposta em debate, assevera-nos que existe um atraso neste sector da electrificação, o qual se agravará se não se dedicar à distribuição a soma, de esforços e de capitais em proporção com o que se faz na produção e no transporte.
O aumento da produção hidroeléctrica, até ao presente, só em grau mínimo veio beneficiar as populações rurais, uma vez que tal aumento foi quase inteiramente absorvido pela substituição de energia térmica por hidráulica, pelo consumo em larga escala pela indústria electroquímica e pelo alargamento da rede dê distribuição para os grandes centros com fins exclusivamente comerciais, de rendimento certo e assegurado para os respectivos concessionários.
A pequena distribuição, sobretudo a rural, cuja importância social e política se torna desnecessário encarecer, tem-se desenvolvido em vagaroso ritmo e as comparticipações pelo Fundo de Desemprego no último decénio não ultrapassaram uma média anual superior a 8000 contos.
É que estas obras de electrificação rural estão a cargo dos municípios e estes, como é sabido, não possuem recursos financeiros para acelerar a realização de tais obras, e os empréstimos que o Estado para este fim lhes vem concedendo são demasiadamente onerosos para a sua diminuta e por vezos quase nula capacidade financeira. E, não obstante o grande esforço realizado nos últimos anos pêlos municípios e pelo Estado, existem ainda no continente dez sedes de concelho, duas mil cento e vinte e três freguesia rurais e um número muito superior de povoações não electrificadas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: lançadas as bases de uma superior e inteligente ordenação e executados em grande escala já os problemas materiais directamente ligados à produção, transporte e grande distribuição da energia eléctrica em todo o País, vem o Governo agora com a proposta de electrificação rural em discussão coroar naturalmente toda essa estrutura.
Fazendo-o, vem ao encontro dos mais legítimos anseios de grandes massas de população e vem ainda satisfazer velhas e justíssimas aspirações dos povos rurais. Difundir por toda a parte a corrente eléctrica, por maneira a poder ser usada com facilidade e comodidade por todos os portugueses, é obra de grande alcance económico, social e político. Fornecer a energia produzida para ser aplicada nas actividades industriais, comerciais, agrícolas, artesanais, domésticas, etc., é dar um grande passo em frente no aumento da riqueza económica da Nação e na melhoria das condições de vida rural em que andamos tão fortemente empenhados. Levar a todos os recantos do País esse fluido magnífico, absolutamente necessário e indispensável nos tempos modernos, é contribuir favoravelmente para o aumento da capacidade produtiva das populações e sua fixação à terra. Ampliar a rede de pequena distribuição aos agregados populacionais de modestas e desfavoráveis condições económicas, proporcionando às respectivas populações o mínimo de conforto e de meios de trabalho, é satisfazer necessidades colectivas, é realizar o bem comum.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para além do enriquecimento da Nação e da prosperidade pública, a proposta de lei do Governo vem satisfazer uma premente necessidade da vida dos nossos dias. E bem legítima e bem compreensível a alegria das populações, quando beneficiadas, por verem a lâmpada eléctrica a iluminar-lhes os lares e a desfazer nas ruas lôbregas das suas terras as seculares trevas da noite.
Sr. Presidente: o problema é de grande magnitude, é vasto e complexo e envolve uma soma de capital e um esforço de trabalho que tornam impossível equacioná-lo para uma solução a curto prazo.
A obra de electrificação rural, pela sua enorme vastidão e amplitude, tem de resultar da colaboração prática e eficiente do Estado e autarquias locais, dos seus concessionários e da população em geral.
O estabelecimento de redes rurais é, pelo seu próprio carácter -disseminarão dos seus consumidores, seu reduzido número e fraco consumo-, um empreendimento dispendioso e caro, pelo que nau pode prescindir-se,
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como se faz em toda a parte, cia ajuda material dos beneficiários e interessados.
Uma tão extensa e complexa colaboração não se obtém tão rapidamente, pois na que congregar vontades, desfazer atritos e incompreensões e, sobretudo proceder à organização, estudo e orientação de trabalho de tão grande monta. Estas razoes e as que resultam do custo incerto da obra, da sua extensão e dispersão e do seu carácter eminentemente municipal, que exige se conceda aos municípios a Uberdade de iniciativa e o escalonamento das obras a realizar dentro de cada concelho, tornam impossível ao Governo estabelecer um plano de conjunto, preferindo antes, por mais prático e conveniente, tornar o auxílio às obras de pequena distribuição dependente das disponibilidades financeiras e possibilidades de utilização eficiente das verbas que forem concedidas.
O objectivo de intensificar o auxílio do Estado às obras de pequena distribuição merece o meu melhor aplauso, e a sua coordenação, evitando a dispersão, que o Governo se propõe fazer reunindo num único diploma as normas por que hão-de reger-se as comparticipações previstas na base XXIII da Lei n.° 2002 e as que já vinham sendo concedidas pelo Fundo de Desemprego, é perfeitamente lógica e racional.
E, ao conceder esse auxílio, o Estado não poderá abdicar de orientar e coordenar no plano nacional as iniciativas dos municípios, estabelecendo o princípio da elaboração de planos anuais das obras a comparticipar, dando preferência às obras de electrificação das populações rurais ainda não servidas e graduando o valor das comparticipações segundo a natureza de cada obra, o seu interesse social e os recursos do respectivo município.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Sr. Presidente: o auxílio financeiro que o Governo se propõe conceder para obras de pequena distribuição, nos termos da base IV, não poderá exceder 50 por cento do valor global dos orçamentos das obras a comparticipar no mesmo ano, mas prevê-se, para efeitos de comparticipação, o estabelecimento de várias categorias de obras com diferentes percentagens de comparticipação, até ao máximo de 75 por cento.
É de louvar e de aplaudir a determinação de se conceder o máximo de percentagem de comparticipação às obras de construção de novas redes em zonas rurais de limitados recursos, pois, assim, dar-se-á um grande passo para a solução do problema da electrificação rural.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Quanto às demais obras de electrificação, apenas devem ser excluídas de comparticipação as já executadas ou em execução.
Pelas razões invocadas pela Câmara Corporativa, com as quais concordo, as obras de cuja realização resulte, a curto prazo, sensível melhoria nas condições económicas da exploração devem também ser comparticipadas, pois podiam não ser exequíveis sem a comparticipação e a melhoria de condições económicas é um estímulo para o distribuidor alargar a sua acção electrificadora.
Sr. Presidente: as duas modalidades de auxílio - comparticipações do Estado, nos termos da base XXIII da Lei n.° 2002, de 26 de Dezembro de 1944, e comparticipações do Fundo de Desemprego, nos* termos das disposições aplicáveis- serão concedidas, nos termos da base e, apenas às câmaras municipais e às federações de municípios.
Para que o resultado que se pretende alcançar -ampliar as redes de distribuição, difundindo a electricidade por todo o País- se mostre plenamente assegurado, prevê a proposta do Governo, com perfeito sentido de servir a Nação, que as comparticipações abranjam a construção dos ramais de alta tensão, cujo custo é quase sempre superior ao da restante obra, construção que compete ao concessionário directo do Estado, que a integra na sua concessão.
Sr. Presidente: para desenvolver e realizar a electrificação rural de modo a abranger todo o território nacional, é indispensável produzir a energia eléctrica e levá-la até ao consumidor por preços baixos, que permitam usá-la em todos as suas aplicações e actividades.
Energia cara, dado o baixo padrão de vida e o reduzido poder de compra das populações rurais, é como se não existisse.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Importa produzi-la em condições económicas favoráveis, por maneira que todos possam comprá-la sem sacrifício incomportável. À economia nacional não convém fixar o preço da energia em nível que dificulte ou impeça o seu uso. Torna-se indispensável fixar normas tendentes a criar um razoável e são equilíbrio entre a necessidade de mobilizar capitais para a produção de energia e sua distribuição e o preço a que esta é fornecida, em nível que assegure a produtividade dos meios de produção, como se diz no parecer das Contas Gerais do Estado de 1953.
Importa também providenciar no sentido de financiar as instalações dos consumidores, como se faz em outros países, e fomentar o estabelecimento de motores e electrobombas nas actividades agrícolas, de modo a poderem ser utilizados sem gravame das precárias condições económicas do consumidor rural.
Dar-se-ia, assim, uma ajuda interessante à lavoura nacional, facultando-se-lhe um meio de aumentar a sua deficiente produção.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Importa ainda tomar medidas destinadas à uniformização de tarifas para todo o País. Para se alcançar, tão breve quanto possível, tão desejado resultado, sugere a. Câmara Corporativa a adopção de uma base nova, que será a IX, na qual se estabelece o princípio da aplicação de tarifas degressivas para a venda de energia nas redes das entidades que solicitaram e obtiveram comparticipações para os seus trabalhos de expansão ou reforço das instalações. Se este princípio, como me parece, pode contribuir para a gradual uniformidade tarifária, acabando com situações injustas e pouco admissíveis, deve desde já ser adoptado, e por isso lhe dou o meu voto.
Sr. Presidente: modesto defensor das justíssimas aspirações das populações rurais, procurador consciente dos seu» ardentes anseios de uma vida melhor e paladino do nivelamento crescente da vida rural com a da cidade, posso sinceramente afirmar que a proposta do Governo em debate é flagrantemente oportuna, vai ser recebida com verdadeiro entusiasmo em todo o Portugal e enche de contentamento e alegre satisfação todos os portugueses que com ela vão beneficiar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Aos municípios abrem-se agora novas perspectivas para darem aos povos que administram aquilo a que têm incontestável direito.
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Louvor e aplauso são devidos, pois, no Governo, pedindo licença para destacar 8. Ex. o Sr. Subsecretário de Estado do Comércio e Indústria, Eng. Magalhães Ramalho, nosso ilustre colega nesta Casa, que tem demonstrado no exercício do seu alto cargo uma superior competência e um elevado patriotismo e nesta proposta deixou bem vincada a marca inconfundível do seu talento.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Com palavras suas, recentemente proferidas, ponho fim às singelas considerações que venho produzindo:
A nossa principal preocupação em matéria de electricidade deve, pois, apontar ao aumento de riqueza nacional e à distribuição justa das respectivas oportunidades e benefícios por todos os portugueses, qualquer que seja o ponto do território em que eles se encontrem.
E mais adiante:
Conforto, sim, pois na medida em que tal seja economicamente possível, mas sobretudo pão e trabalho para todos os portugueses de boa vontade, onde quer que eles se encontrem e labutem.
Essa deve ser, e não outra, a nossa verdadeira divisa.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Magalhães e Couto: - Sr. Presidente: pela vez primeira subo a esta tribuna para tomar parte nos trabalhos desta Câmara e não quero eximir-me -faço-o até com íntima satisfação- ao dever de apresentar a V. Ex.a os meus cumprimentos, com a afirmação da minha muita estima e profundo respeito, e a toda a Câmara as mais sinceras saudações.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Sr. Presidente: o Sr. Ministro da Economia, que já tão relevantes serviços tem prestado ao Pais, vem, com a lei agora sujeita à análise desta Camará, juntar ao seu activo mais um título de gratidão, que todos os portugueses lhe ficam devendo.
Na verdade, a electrificação rural tem tal importância que muito difícil é poder avaliar-se antecipadamente a soma de benefícios que por ela irão receber as populações que vivem disseminadas por todo o País, fora dos centros urbanos.
É a comodidade inestimável da luz sadia e abundante; a possibilidade da montagem e exploração das indústrias caseiras para melhoria económica da lavoura; é a garantia da utilização das águas profundas para alimentação animal e usos agrícolas; é o aligeiramento de custosos trabalhos rurais, e, enfim, a possível fruição de tantos e tantos bens que a civilização trouxe e o progresso faculta.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Em desenvolvido relatório a Câmara Corporativa vem dizer-nos que o problema tem sérias dificuldades e que há necessidade de uma criteriosa selecção de meios para se chegar ao fim desejado.
A prevenção é de receber e airosamente andou o autor da lei entregando a electrificação rural especialmente às câmaras municipais ou suas federações.
Na distribuição eléctrica nos meios rurais há sempre que contar com o elevado custo das redes de distribuição e com o baixo nível do consumo especifico por consumidor, o que se traduziria em preços impossíveis de atingir e impraticabilidade da electrificação rural se se tivesse apenas em mira os fias lucrativos da exploração.
As câmaras municipais operando em largas áreas - todo um concelho - sem preocupações de lucro além do que é necessário à manutenção e desenvolvimento dos serviços municipalizados, pretendendo apenas servir, podem operar como verdadeiras cooperativas de consumo, estabelecendo preços para todos os consumidores, sem ter em conta se determinada freguesia lhe dá lucro ou lhe dá prejuízo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Norteada por estes princípios, houve, no Norte do Pais, uma câmara municipal que pretendeu, há cerca de dezasseis anos, estender a todo o concelho os benefícios da electrificação, que deveria concluir-se, conforme plano estabelecido, dentro de reduzido número de anos.
O projecto pareceu ousado aos míopes da administração pública, e, não obstante ter passado incólume por todas as malhas das leis, não pode ter seguimento, para satisfação de interesses particulares e da baixa política.
A câmara foi decapitada, D pode perguntar-se agora porque desígnios da Providência se encontra dando inteira aprovação a uma lei que consagra os princípios então defendidos precisamente por aquele para quem eles foram motivo de fartos aborrecimentos.
Mudaram os tempos, louvado seja Deus!...
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Compreende-se assim, Sr. Presidente, que a minha aprovação a esta lei não seja só de satisfação plena, mas que seja até de entusiasmo e que o meu louvor ao Sr. Ministro da Economia e ao Governo seja acompanhado de profundos sentimentos de gratidão.
Preciso é, porém, Sr. Presidente, que às câmaras municipais seja facilitado o necessário crédito e que para execução desta lei se não vejam impedidas pelas cláusulas de contratos anteriores que não consignem nos respectivos cadernos de encargos disposições de que sejam levadas em conta para afeito de resgate ou entrega no fim da concessão as comparticipações que tiverem recebido, seja qual for a sua origem.
Os contratos de concessão nestas circunstâncias devem poder ser objecto de imediato resgate no caso da recusa, por parte do concessionário, da aceitação de tais cláusulas.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Sr. Presidente: para um outro ponto que reputo de muita importância desejo chamar a atenção da Câmara e do Governo.
Não é difícil prever que pela execução da presente lei se multipliquem, em elevado grau, os traçados das linhas de alta tensão.
Causam reparo aos menos prevenidos, especialmente no Norte do País, as largas faixas desarborizadas que o traçado dessas linhas exigir. São muitos e muitos hectares de terreno que os respectivos proprietários se vêem impossibilitados de utilizar para a produção de lenhas ou madeiras, e isto sem a menor compensação Compreendo que isto tenha de ser assim por necessidades de utilidade pública, mas não compreendo que empresas industriais ou comerciais, apresentando ao
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fim do ano lucros de muitas dezenas de milhares de contos, estejam isentas de pagamento das justas compensações aos proprietários dos terrenos em que estabelecem onerosas servidões.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Se for inconveniente o pagamento a dinheiro do valor dos terrenos, lembro a possibilidade do pagamento em acções das respectivas empresas dos prejuízos que elas causam, avaliados por comissões onde entrem delegados das câmaras municipais e dos grémios da lavoura. O rendimento das acções seria, pêlos seus dividendos, a compensação dos prejuízos suportados, e os proprietários, tornados assim accionistas, seriam participantes e naturais defensores das riquezas que ajudavam a criar.
Eu não sei se o preceito sagrado de não atar a boca ao boi que debulha terá aqui judiciosa aplicação.
Sr. Presidente: para terminar, e pedindo a V. Ex. e a Câmara todas as desculpas pelo tempo excessivo que lhes tomei (não apoiados), faço os mais sinceros votos por que o Governo tire desta lei, para todos os portugueses, todas as vantagens e benefícios que ela me parece comportar.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A próxima será amanhã, com a mesma ordem do dia de hoje.
Esta encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 45 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda
André Francisco Navarro
António Augusto Esteves Mendes Correia
António Calheiros Lopes
António Raul Galiano Tavares
Armando Cândido de Medeiros
Caetano Maria de Abreu Beirão
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão
Joaquim Dinis Da Fonseca
Jorge Botelho Moniz.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Rui de Andrade.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agnelo Orneias do Bego.
Alberto Cruz.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Antão Santos da Cunha.
António de Almeida.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Rodrigues.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Mantero Belard.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
João Afonso Cid dos Santos.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim dê Sousa Machado.
José doa Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Teófilo Duarte.
O REDACTOR - Luís de Avillez
Proposta enviada para a mesa no decorrer da sessão:
Proposta de alteração
BASE III
Substituir por 30 de Novembro a data de 15 de Dezembro.
Francisco de Melo Machado.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA