O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 841

REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 94

ANO DE 1955 21 DE ABRIL

ASSEMBLEIA NACIONAL

VI LEGISLATURA

SESSÃO N.º 94, EM 20 DE ABRIL

Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários : Ex.mos Srs.:
Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16, horas.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente comunicou que recebera o parecer da Câmara Corporativa acerca da proposta de lei de (...) do Plano de Fomento e, da Presidência do Conselho, uma nota do Ministério da Economia sobre uma intervenção do Sr. Deputado Amaral Neto.
Também o Sr. Presidente comunicou que recebera, para a hipótese do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os Decretos-Leis n.os 40 127 e. 40 128.

Ordem do dia. - Continuou o debate sobre o fomento piscícola e a pesca fluvial.
Falaram os Srs. Deputados Baptista Felgueiras, Azeredo Pereira, Carlos Mendes e Cerreira Pinto, que apresentou uma unanimidade.
Essa moção foi aprovada por unanimidade.
Na segunda parte da- ordem do dia discutiu-se, o Acordo relativo à fronteira de- Moçambique com a Niassalândia.
Falaram ou Srs. Deputados Vás Monteiro e Manuel Aroso que apresentou uma proposta de resolução em nome da Comissão de, Negociou Estrangeiros.
Essa proposta foi aprovada por unanimidade.
Na terceira parte da- ordem do dia a Assembleia aprovou por unanimidade a proposta de lei relativa a servidões militares.
Por proposta do Sr. Deputado Mário de Figueiredo foi adoptado o texto sugerido no parecer da Câmara Corporativa.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 18 horas e 33 minutos.

CÂMARA CORPORATIVA. - Parecer n.º 22/VI. acerca da proposta de lei n.º 22 (recisão do Plano de Fomento).

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram l6 horas e 40 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Calheiros Lopes.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Pinto de Meireles Barriga.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Rodrigues.
António dos Santos Carreto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.

Página 842

842 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 94

Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Sarmento Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira,.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.

O Sr. Presidente:-Estão presentes 64 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 18 horas.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o

Expediente

Telegrama

Da Associação Regional do Norte de Pesca Desportiva a apoiar as providências pedidas pelo Sr. Deputado Cerveira Pinto no seu aviso prévio sobre pesca fluvial.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa o parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei de revisão do Plano de Fomento.
Vai baixar às Comissões de Economia, Finanças e Ultramar desta Assembleia.
Está na Mesa um oficio da Presidência do Conselho remetendo uma nota do Ministério da Economia acerca da referência feita pelo Sr. Deputado Amaral Neto, em intervenção efectuada na sessão de 13 do corrente, ao facto de não ter sido ainda declarada a abertura à exploração de duas centrais da Hidroeléctrica Alto Alentejo.
Vai ser lida a mencionada nota.
Foi lida. Ë a seguinte:

«1) O Sr. Deputado Amaral Neto referiu-se, em sessão da Assembleia Nacional de 13 do corrente, ao facto de não ter sido ainda declarada a abertura a exploração de duas centrais da Hidroeléctrica Alto Alentejo, do que resulta desrespeito de contratos legalmente celebrados e, por esse facto, não pontualmente cumpridos.
E explicou que alguns municípios do distrito de Santarém concederam à empresa já mencionada o exclusivo da distribuição da energia eléctrica nas áreas dos seus concelhos, com apreciáveis vantagens pura os seus munícipes, e, entre elas, a baixa das tarifas nalguns escalões, após o início de exploração de qualquer novo empreendimento hidroeléctrico a executor pela mesma empresa.
Verifica-se, porém, que entre 1901 e 1952 foram concluídos e postos em labor a cão dois desses aproveitamentos, sem que a respectiva exploração tenha sido considerada oficialmente aberta, pelo que ambos se mantêm em regime de experiência, com prejuízo para os consumidores, não beneficiados pela devida baixa de tarifas.
E termina o ilustre Deputado por pedir, em nome das populações, que se ponha coiro a esta situação, com» é exigido pela «honorabilidade dos intervenientes nos contratos», pelo «respeito da justiçai e pêlos próprios imperativos da «moral pública».
2) A posição em que se encontra a exploração das centrais de Belver e Pracana nada tem de anormal, pois é análoga u de muitas outras e, entre elas, à das centrais de Castelo do Bode, Cabril, Vila Nova e Salamonde. Quanto a estas últimas, aguardam-se os resultados dos ensaios de recepção do equipamento, morosos por natureza e adiados por imposições de ordem técnica e a consequente verificação das garantias dadas pêlos fornecedores. ;i fim de se preceder à vistoria definitiva e aprovação das obras, para o efeito de se considerarem oficialmente em exploração. Em relação a Belver e Pracana, algumas deficiências encontradas na vistoria, já efectuada, e ainda não totalmente removidas, com graves inconvenientes de laboração, justificam também a presente situação de não declaração oficial da sua entrada em serviço.
Mas a este motivo, que se invoca somente para esclarecer o que de outro modo pareceria de difícil explicação, acresce como razão decisiva a observância de directivas há muito formuladas e através das quais se prosseguem objectivos que se reputam de profunda projecção nacional.
3) Definida a orientação do Governo em matéria de produção e transporte de energia eléctrica, considerou-se urgente enfrentar o problema relativamente a distribuição, começando por introduzir critérios de ordem e de disciplina uns sistemas tarifários de vendas de energia.
De facto, as tarifas praticadas não obedeciam, em muitos casos, a orientações racionais e apresentavam acentuada disparidade de concessão ,para concessão e até, dentro da mesma área, no respeitante à alta tensão.
A subsistência de tarifa» fixadas antes de 1939, afectadas por correcções variáveis, ao lado de outras aprovadas durante o período da guerra ou na época instável que se lhe seguiu, tornava indispensável uma profunda revisão.
Foi dentro deste espírito que se solucionou o problema das tarifas de baixa tensão das Companhias Reunidas Gás e Electricidade, em Lisboa e concelhos vizinhos; se r e vi rã m as tarifas de baixa tensão nas redes da União Eléctrica Portuguesa, e se estabeleceram novos sistemas uniformes de tarificação, em alta tensão, nas redes U. E. P. (sul) e; nas da ,S. E. O. L.
Nas áreas exploradas pela Hidroeléctrica Alto Alentejo é grande, também, a variedade de tarifas e inadmissível a í ai ta de sistematização. Na baixa tensão, em concessões antigas, praticam-se alguns preços

Página 843

21 DE ABRIL DE 1955 843

que são hoje incomportáveis, por desmedidamente reduzidos, e as condições de fornecimento em alta tensão a câmaras municipais distribuidoras são excessivamente elevadas. não permitindo a estas entidades aplicarem tarifas de baixa tendão normais e assegurarem o equilíbrio económico das explorações.
Nos termos dos cadernos de encargos das concessões outorgadas à Hidroeléctrica Alto Alentejo pelas câmaras municipais do distrito de Santarém, a que se refere o Sr. Deputado Amaral Neto, os preços do 2.º e 3.º escalões da tarifa doméstica e comercial e industrial deveriam ser reduzidos a 1$ e 30$, respectivamente logo que fosse aberto à exploração um novo aproveitamento; hidroeléctrico daquela empresa.
A seriedade com que procura resolver-se estes problemas e a ponderação de todos os legítimos interesses em causa determinaram que se ordenasse o competente estudo, a fim de se verificar se o nível destes preços era comportável, em face dos mistos da energia produzida nos novos aproveitamentos e dói encargos da distribuição. Entende-se, por outro lado, que na solução a adoptar convinha operar a remodelação geral dos regimes tarifários de alta e baixa tensão nas rudes da Hidroeléctrica Alto Alentejo, tendo em vista a desejada unidade do critérios dentro da área da concessão e a gradual homogenização de sistemas em todo o País. como impõe a base XXIV da Lei n.º 2002.
4) A solução deste problema, cujo estudo foi demorado, dada a sua complexidade, não teve também facilidades por parte da empresa concessionária, que pretende, simultaneamente, que lhe seja feita justiça na distribuição de baixa tensão, não a obrigando a vender energia a preços incomportáveis, e que se lhe mantenha a sua vantajosa situação actual nos fornecimentos em alta tensão.
O primitivo estudo efectuado pêlos serviços teve, assim, de ser revisto, a fim de poderem ser justamente ponderadas todas as reclamações e se promover uma melhor adaptação às condições técnicas e económicas dos fornecimentos, encontrando-se actualmente concluído.
Chegou, portanto, a oportunidade de resolver a situação. Que, como se vê tem justificação plena e resulta do respeito devido a interesses gerais, indubitavelmente mais relevantes do que os focados pelo ilustre. Deputado.
Todas estas informações, aliás, são do conhecimento do Sr. Deputado Amaral Neto, que as colheu directa e pessoalmente no Ministério da Economia, quando para tal efeito se dirigiu a este departamento da Administração, anteriormente à sua intervenção parlamentar.

Lisboa, 19 de Abril de 1955. - O Ministro da Economia, Ulisses Cortês».

O Sr. Amaral Neto: - Peço a palavra para um esclarecimento.

O Sr. Presidente:- Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: pedi a palavra para esclarecer que essas são as informações que eu apreciaria ter recebido há dois anos, quando formulei primeiro um requerimento sobre o assunto.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho, para efeitos do disposto no § 3.° do artigo 109 da Constituição, o Diário do Governo n.° 83. 1.ª série, do 10 do corrente, que insere os Decretos-leis n.os 40 127 o 40 128.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio do Sr. Deputado Cerveira Pinto sobre pesca fluvial.
Tem a palavra o Sr. Deputado Baptista Felgueiras.

O Sr. Baptista Felgueiras: - Sr. .Presidenta: com vénia de V. Ex.ª, quero apresentar ao ilustre Deputado avisante os meus cumprimentos e felicitações calorosas pela iniciativa que tomou do trazer ao debate da Assembleia o presente aviso prévio e pela forma brilhante e sugestivamente esclarecedora como soube versar os assuntos contidos no enunciado do mesmo aviso.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não constituiu o facto surpresa, nem para mini, nem decerto também para VV. Ex.as, que conhecem como eu a lucidez do seu espírito e o interesse que lhe merecem os problemas da vida do Pais.
Mas nem por isso se torna menos cabida a palavra de saudação e apreço que é de justiça endereçar ao Sr. Deputado Cerveira Pinto pelo mérito incontestável do seu trabalho.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ignoro se a alguém, não certamente dentro desta Câmara, mas fora dela, poderá, oferecer dúvidas a seriedade e magnitude do assunto e a sua projecção no plano nacional.
Mas parece-me que o próprio enunciado do aviso é, só por si, elucidativo da importância real e positiva de que se reveste. E depois da exposição que aqui ouvimos ao ilustre Deputado avisante não podemos ter dúvidas de que estamos em lace de um problema que merece a preocupação da Assembleia, a atenção do Governo e o interesse do País.
Sr. Presidente: para me ocupar da matéria do aviso, já. praticamente esgotada, de resto, pelo Sr. Deputado avisante, não disponho de outra autoridade além da que decorre da circunstância de ser Deputado eleito pelo distrito onde se encontra um dos rios mais notáveis, porventura o mais notável dos rios portugueses, do ponto de vista do interesse piscícola. Essa mesma circunstância limitará, pois, a minha breve intervenção neste debate.
Quero referir-me ao rio Minho. E permitam-me VV. Ex.as que me abone nesta referência com a autoridade de um cientista que aqui já tive ocasião de invocar ao tratar nesta Assembleia de assunto que se prendia de certo modo com a matéria do presente aviso.
Esse cientista é o padre Silva Tavares.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Ocupando-se desse rio, e depois de elogiar a sua beleza, pois o considerava um dos mais belos e pitorescos -se não o mais belo e pitoresco de toda a Península Ibérica -, o padre Silva Tavares afirmava ser o Minho, em toda a Península também, o mais rico de pescado. E o falecido homem de ciência, que intensamente estudou a fauna do rio Minho e os problemas ligados à sua pesca, acrescentava:

Para tanta abundância concorrem a sua posição geográfica, a limpidez e tranquilidade das - águas, os numerosos afluentes que, fora do regime torrencial, se lançam na parte baixa do rio e, bem assim, a falta das construções hidráulicas e a ausência da navegação a vapor, que, polo ruído, afugenta o peixe.

Página 844

844 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 94

Isto escrevia o padre Silva Tavares em 1921. Mas já então o sábio investigador chamava a atenção das entidades responsáveis para o depauperamento, para o declínio que ameaçava essa riqueza.
E de como essa ameaça lamentavelmente se efectivou ficaram VV. Ex.as elucidados através dos factos aqui incisivamente apontados ontem pelo Sr. Deputado Cerveira Pinto.
Numa conferência realizada em Vigo em 1951, e em que se ocupou da pesca fluvial no Minho e da necessidade de defender a riqueza que ela representa, o engenheiro espanhol Maximiliano Elegido acentuava bem merecer a pena
... que nos detenhamos por uns momentos na análise do mais belo e rico dos cursos de água ibéricos ...

E noutro passo do seu trabalho afirmava:

... não haver outro rio atlântico onde se possa reunir tão grande quantidade de exemplares, de tão variadas e selectas espécies. Nele marcaram encontro uma tal série de peixes que enumerá-los tem muitíssima semelhança com a leitura da carta de um restaurante de luxo: enguias, salmão, lampreia, truta marisca, sável, e até o esturjão, produtor de caviar. Donde se vê que se não pode nem pedir mais à natureza, nem fazer menos por ajudá-la, tanto mais que todas, sem exceptuar uma só, das espécies citadas poderiam ser objecto de aproveitamento industrial.

Devo esclarecer que nos últimos anos, como já tive ocasião de salientar noutra intervenção nesta Assembleia, a Espanha tem-se empenhado eficazmente em ajudar a natureza, no aspecto de que se trata, especialmente em relação a outros rios da zona da Galiza, onde o repovoamento, sobretudo no tocante a salmões, se tem feito notar de modo surpreendente.
Mas revertamos ao rio Minho:
Das espécies apontadas, deixou de existir o esturjão, há já bastantes anos. Entre as restantes, o salmão sobressai como peixe de excepcional valor e categoria.
A sua pesca, no entanto, exprime-se por números tão diminutos que a possibilidade da sua extinção definitiva não pode deixar de ser encarada seriamente. Os próprios números concorrem para falsear a realidade do despovoa mento, porquanto, graças à desvalorização da peseta, se torna cada vez mais frequente a importação clandestina de salmões, que aparecem no mercado como provenientes do rio Minho, mas são de facto pescados nos rios interiores da Galiza, onde a sua pesca está a fazer-se em escala crescente, em resultado do repovoamento a que aludi.
Contudo, ó geralmente reconhecido possuir o rio Minho condições especiais para se converter num rio salmoneiro de pesca abundante e rica.
Como consegui-lo?
O engenheiro espanhol a que me referi há pouco dizia na sua conferência que o problema do Minho não existe, porque não pode existir um problema cuja solução é de antemão conhecida.
A solução é na verdade bastante clara, pois não poderá deixar de assentar, necessariamente, nestas bases:

Regulamentação das práticas de pesca, mediante os convenientes acordos com o pais vizinho, impostos pela circunstancia de se tratar de um rio fronteiriço;
Fiscalização enérgica, para aplicação das sanções legais aos infractores;
Adopção intensa de meios artificiais de reprodução.
Para se estabelecer a regulamentação adequada existem em fase adiantada importantes trabalhos preparatórios, efectuados com .1 colaboração de entidades representativas dos dois Países.
Importa, pois, que a partir desses trabalhos se elabore e ponha em vigor o competente diploma legal.
Nele se terão em conta, sem dúvida, os justos interesses dos pescadores profissionais. Mas é de esperar que alguma reacção, inicialmente, se produza, por inadaptação às novas regras ou deficiente compreensão do seu alcance. Ao fim e ao cabo, não deixarão eles de reconhecer que da regulamentação adoptada e fiscalização do seu cumprimento resulta aumento da riqueza piscícola das águas do rio, de que eles são os primeiros a beneficiar. No entanto, e porque nesta matéria estamos largamente ultrapassados pela Espanha, parecia-me conveniente que se promovesse a ida ao pais vizinho de alguns grupos dos nossos pescadores profissionais, a fim de, em contacto com os seus colegas espanhóis das zonas de pesca do salmão, se inteirarem da sua experiência e dos resultados obtidos.
A iniciativa podia caber, por exemplo, à Junta Central das Casas dos Pescadores, que por tantos títulos se tornou já credora do reconhecimento geral do Pais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Julgo que a visita seria da maior utilidade, pois lograria um notável efeito de convicção sobre os pescadores visitantes.
Sr. Presidente: o emprego de métodos artificiais de reprodução para o repovoamento das águas do rio mostra-se de todo o ponto justificado.
O distinto engenheiro silvicultor Augusto Ferreira Machado, que há muitos anos dirige, com a maior competência, a Estação Aquícola do Rio Ave, num notável estudo publicado em 1935 sobre o problema do salmão nos rios de Portugal, depois de apontar as causas que concorriam para o fraco resultado do repovoamento natural, concluía que:

... só com repovoamentos artificiais conseguiremos aumentar esta riqueza piscícola. Foi assim que procederam os Americanos com um salmão que conseguiram aclimatar nos seus rios e cujas conservas inundam os mercados de todas as nações.

Já anos antes o padre Silva Tavares, num estudo publicado em 1930, se manifestava no mesmo sentido, dizendo :

As ciências biológicas mostram a facilidade com que se obtêm artificialmente a desova e fecundação dos ovos dos salmões pescados e a respectiva incubação em viveiros especiais, ao abrigo dos inimigos, sendo depois as crias lançadas nos rios aos milhões.

E no trabalho a que já aludi do engenheiro Maximiliano Elegido dá-se conta de uma experiência concludente levada a efeito pelo Governo do Canadá, que aquele engenheiro descreve nos seguintes termos:

Estudada e conhecida Intimamente a série de factores que actuam na reprodução natural das espécies, o Governo Canadiano propôs-se obter resposta às seguintes perguntas:
Em que proporções aumenta o número de salmões quando se reproduzem naturalmente?
Podem conseguir-se melhores resultados aplicando métodos artificiais?
Para responder a estas perguntas foi nomeada uma comissão, que, presidida pelo Dr. Foerster o

Página 845

21 DE ABRIL DE 1955 845

com uma diligência verdadeiramente notável, começou no ano de 1920 as experiências, que podemos considerar as mais custosas, minuciosas e de maior envergadura realizadas até ao presente.
Decorridos os doze anos de investigação que se haviam previsto, chegou-se a uma conclusão que nem por esperada deixou de causar imensa satisfação. Os processos artificiais quadruplicam o rendimento dos naturais; quer dizer que, só mil pares podem produzir dez mil salmões, quando a postura se faz naturalmente, a desova e incubação artificial dos ovos obtidos destes mesmos pares fará com que voltem ao rio quarenta mil salmões.

Não podem, pois, subsistir quaisquer dúvidas quanto à utilidade, eficiência e rendimento do sistema.
Pelo que respeita ao rio Minho, a sua adopção impõe-se ainda pela circunstância de os salmões já não poderem, pela construção da barragem espanhola de Los Peares, alcançar os pontos altos do rio, que procuram para a desova e reprodução natural.
Felizmente, para intensificar o repovoamento artificial dispõe o Estado no seu serviço próprio - a Direcção--Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas- de técnicos de rara competência e dedicação, há muito comprovada por um labor probo e meritório.
Importa, pois, que se lhe proporcionem os meios indispensáveis ao incremento da sua actividade. Desse modo será licito esperar que dentro de poucos anos o rio Minho veja as suas águas povoadas de salmões em toda a medida em que o permitem as suas excepcionais condições naturais.

Vozes: - Muito bem!

Ò Orador: - Mas, dentro desse labor, a acção dos serviços florestais e aquícolas poderá amplificar-se largamente e tornar-se fértil de múltiplos e valiosos resultados, tais como: extensão do repovoamento de salmões aos afluentes do Minho e outros rios do Norte, como o Lima e o Cávado; adaptação de outras espécies de salmão que seja possível aclimatar, a par do tradicional salmo galar; repovoamento intensivo do rio Minho com truta marisca, espécie magnifica, que nesse rio é susceptível de se produzir em grande escala; numa palavra, o estudo e resolução de todos os problemas que naturalmente suscita o conjunto de variadas espécies que constituem a rica fauna aquática que atrás se apontou.
Porém, esta perspectiva de resultados, brilhantes mas perfeitamente possíveis, não passará de uma miragem fruste se, como ontem aqui vivamente propugnou o Sr. Deputado Cerveira Pinto, os serviços florestais e aquícolas não tiverem possibilidade de defender a sua própria obra, orientando e dirigindo a acção fiscalizadora das actividades de pesca fluvial.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - É que não basta fiscalizar. Importa que se fiscalize bem, e uma fiscalização coma aquela de que se trata só poderá ser ciente e conscientemente praticada se tiver por base os indispensáveis conhecimentos hidrobiológicos, que constituem especialização dos serviços florestais e aquícolas.
Poderei dar a VV. Ex.as um exemplo do que acabo de dizer.
No estudo que citei do Sr. Engenheiro Augusto Machado lê-se que:

Na foz do rio Minho, próximo de Caminha, é pescado nos meses de Julho o Agosto um peixe que vive em grandes cardumes, e que os pescadores dali designam pelo nome de «truta». Não é mais do que o pequeno salmão, quando permanece no estuário daquele rio aclimatando-se à água salgada. Torna-se, pois, necessário proibir esta pesca, a fim de proteger o smolts.
O Sr. Cerveira Pinto: - Já houve tempo cm ijue se chegaram a adubar propriedades com os alevins pescados na foz do rio Minho.

O Orador:-Tenho conhecimento disso; mas, infelizmente, tal facto é hoje impossível em virtude de estarem quase esgotados os salmões nesse rio.
Como este, surgem muitos outros problemas de fiscalização que postulam uma orientação que só pode provir de uma entidade com conhecimentos especializados.
Sr. Presidente: como meio de alcançar uma melhor disciplina das actividades de pesca, entendo, com o ilustre Deputado avisante, ser necessário e urgente terminar com a isenção da licença de pesca nos domingos e feriados.
A manter-se tal isenção, porque não a tornar também extensiva à prática da caça?
Será defensável, porventura, a adopção de uma taxa reduzida para os povos ribeirinhos de determinado curso de água, mas só para esse curso.
A dispensa total de licença é que se me afigura perniciosa, até do ponto de vista psicológico, pois leva muitos dos actuais fruentes de tal regime à falsa ideia de que o que nada custa nada vale.
Daí porventura a explicação, em muitos casos, da falta de respeito pelas águas dos rios e a destruição dos peixes que as povoam pelo processo sumaríssimo do punhado de veneno ou do cartucho de dinamite.
Mas a posse da licença, pela reprodução no respectivo impresso das penalidades em que incorrem os infractores da lei, podia servir ainda, na mão do pescador, como instrumento permanente de intimidação.
Ter-se-á assim, Sr. Presidente, fomentado a criação de uma apreciável riqueza nacional e instituído ao mesmo tempo a forma apropriada de a zelar e defender eficazmente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-A criação dessa riqueza, além do incremento dos nossos recursos alimentares, proporcionará melhores condições de vida aos pescadores que da actividade piscatória fazem profissão. A par disso constituirá um forte incentivo à actividade da pesca desportiva, que hoje, em toda a parte do Mundo, é uma salutar forma de evasão das absorventes preocupações quotidianas.
Vemo-la praticar pêlos homens mais directamente responsáveis pêlos destinos da humanidade. Nos Estados Unidos da América do Norte é quase uma tradição dos seus Presidentes.
Num artigo de há tempos, dizia o ex-Presidente Hoover:

Todos os Presidentes fazem temporada de pesca porque de vez em quando precisam de ficar sozinhos para poderem pensar. Com excepção da oração, a pesca é quase a única coisa em que se respeita a tranquilidade de um Presidente.

Em Portugal o problema não foi até agora digno de preocupações especiais dos Poderes Públicos.
Contudo, no ponto de vista desportivo puro, e em relação ao número dos seus praticantes, não é difícil de compreender que os pescadores desportivos estão em nítida maioria, por exemplo, era relação aos praticantes do futebol.
É certo que nas competições futebolísticas de certo interesse se juntam habitualmente no respectivo recinto

Página 846

846 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 94

milhares de pessoas. Mas não se dirá que são por igual praticantes desse desporto os vinte e dois que se esfalfam no rectângulo o todos os demais que nas bancadas batera palmas ou insultam o árbitro.
Verdadeiramente só os vinte e dois primeiros se podem considerar desportistas da modalidade.
Isto vem a propósito da referência que o Sr. Deputado Cerveira Pinto fez ontem às grandes despesas que o Estado tem efectuado com a modalidade desportiva futebolística, dispêndio que, aliás, mereceu o seu aplauso, que subscrevo sem reservas.
Mas o confronto que fiz serve apenas para pedir que ao menos se não neguem à pesca desportiva as migalhas que caem da mesa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: para terminar as minhas considerações, vou fazer uma referência breve u importância que o repovoamento piscícola podo ter como factor de atracção turística. E, para não maçar VV. Ex.as mais do que já fiz (não apoiados), vou limitar-me a apontar um exemplo preciso o concreto.
No número de Janeiro do corrente ano da revista francesa de pesca e caça Au bord de l'Eau um distinto pescador desportivo do Norte fez publicar um artigo sobre a truta marisca do rio Minho, espécie de notável beleza e categoria, que pesa em média 3 kg a 5 kg, mas atinge, nalguns exemplares de excepção, pesos superiores.
Alguns dias após a publicação do artigo foram recebidas pela Comissão Municipal de Turismo de Monção dezenas de cartas de pescadores desportivos da França e da Bélgica, na sua maior parte pessoas de elevada categoria social, a anunciarem o seu intento de vir à zona do rio Minho, na época própria, fazer uma temporada de pesca daquela espécie de trutas, e a pedirem informes quanto a alojamentos, preços das licenças, etc.
Alguns deles diziam ter intenção de se fazerem acompanhar de pessoas de família.
Por esta pequena amostra podem VV. Ex.as avaliar a intensa corrente de turistas que em certas épocas do ano poderá ser atraída à zona do Minho e a outras regiões do País que disponham de rios devidamente povoados e fiscalizados e providos das indispensáveis condições que tornem agradável essa espécie de desporto. Por tudo isto é de concluir que o Sr. Deputado Cerveira Pinto prestou um real serviço ao País com a iniciativa do seu aviso.
Só é de desejar que o ilustre Deputado avisante não tenha, pura e simplesmente, pregado no deserto.
Disse.

Vozes: - Muito bera, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Azeredo Pereira: - Sr. Presidente: a matéria do aviso prévio do nosso ilustre colega Dr. Cerveira Pinto, ora em debate, pela sua flagrante actualidade e pelo interesse nacional de que se reveste, constitui um dos problemas de administrado que se torna necessário enfrentar e sobre o qual é urgente tomar medidas e adoptar providências tendentes à defesa e protecção de uma grande riqueza nacional, presentemente em vias de desaparecer, a incentivar a prática de um dos mais belos e sadios exercícios físicos - a pesca recreativa ou desportiva - e a criar e desenvolver-se no País altas razões de atracção turística.
A superior elevação com que o problema fui posto, a crítica objectiva ao seu estado actual e as providências que em seu entender, devem ser tomadas revelara da parte do autor do aviso prévio uni aturado estudo e um profundo conhecimento do assunto em debate.
Não lhe regatearei, por isso, o meu sincero aplauso, antes e muito gostosamente lhe endereço as mais vivas e amigas felicitações.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A importância e transcendência, do assunto trazido à Assembleia Nacional motivaram a generalização do debata, pelo que é lícito concluir que ele interessa a todo o País, assumindo, por isso, um carácter verdadeiramente nacional.
Não serei eu, certamente, que não sou amador de pesca, nem proprietário de viveiros ou tanques, nem ainda concessionário de zonas, a pessoa qualificada para intervir neste debate, apresentando trabalho útil.
Mas, porque vivo há longo tempo numa região que se tornou conhecida precisamente pela sua riqueza piscícola - a famosa truta do Paiva -, porque dirigi durante quinze anos uni município e nessa qualidade algumas vezes tive de tomar medidas destinadas ao repovoamento - dos rios do com cílio de Castro Daire e solicitar providências atinentes à defesa e protecção da pesca fluvial, considero-me apto a prestar um modesto e simples depoimento.
Sr. Presidente: a apanha ou apreensão de peixe ou outros animais e de vegetais que vivem permanentemente nas águas salgadas ou doces, - do mar, dos rios, lagos e lagoas, como é definida a pesca, "constitui, pela grande abundância dos peixes, uma enorme riqueza económica.
A pesca fluvial, à qual se circunscreve a, matéria do presente aviso prévio, foi, segundo a mais fundamentada tradição, a que predominou nos primeiros séculos da Monarquia. Mais do que a pesca, marítima, por virtude de o litoral, sempre infestado de piratas, ainda não ser povoado, foi a, pesca nas aguas interiores q m1 absorveu a laboriosa actividade de muitos dos nossos antepassados.
Tal como a caça, foi a pesca um dos mais antigos e preciosos recursos de que se serviu o homem para assegurar a sua subsistência.
Desde o alvorecer da nacionalidade que a pesca mereceu dos nossos reis leis de protecção, tanto no sentido de estimular os pescadores e essa actividade, como no de proteger as criações, considerando-a aqueles soberanos uma autêntica riqueza nacional, digna do mais desvelado carinho e atenção.
Como exemplo eloquente desta asserção podem referir-se as pesadas multas e castigos impostos por D. Afonso V aos que usassem lia captura de sáveis caniços fechados ou de urdidura muito apertada.
Os transgressores peões seriam açoitados publicamente e se fossem de condição nobre pagariam 100 dobras de ouro, além de outro castigo que o rei houvesse, por bem aplicar-lhes.
Também a Ordenação filipina de 11 de Janeiro de 1603 (livro n.º 5, título 88, §§ 6.ª e 8.ª) não permitia a pese;? com redes nos meses de Março, Abril e Maio nos rios e lagoas de água doce, mas permitia pescar à cana com anzol.
Posteriormente, e até aos nossos dias. sempre .se reconheceu o extraordinário valor i» importância das águas interiores do País e da sua enorme riqueza piscícola e se adoptaram medidas destinadas à defesa e protecção das espécies fluviais e ao estímulo e desenvolvimento da pesca.
O princípio de liberdade de pesca, estabelecido por alvará de D. Maria I. de 16 de Julho de 1789 e de 3 João VI, de 3 de Junho de 1802, que se aplica

Página 847

21 DE ABRIL DE 1955 847

a todas as modalidades de pesca - marítima, fluvial e lacustre-, foi mantido em toda a legislação posterior, nomeadamente no artigo 395.º do Código Civil e modernamente na Lei de Aguas (Decreto n.º 5787, de 10 de Maio de 19.10), a qual determina, nos artigos 11.º e 12.º, que é permitido a todos, sem distinção de pessoas, pescar nas águas públicas, salvas as restrições impostas pêlos regulamentos administrativos e sob a condirão do não haver embaraços para os serviços de navegação e flutuação, e é permitido também o exercício de pesca nas águas do domínio público concedidas para usos agrícolas ou industriais, salvo se o direito de pesca tiver sido reservado a concessionários, sendo ainda consentido, por meio de concessão, o aproveitamento de águas públicas em tanques, parques e viveiros destinados à criação e engorda de peixe.
A liberdade de pesca nas águas jurisdicionais portuguesas só é concedida aos naturais ou a embarcações nacionais; nas águas públicas dos rios, lagos e lagoas - isto é, nas águas públicas que constituem o domínio fluvial e lacustre- é permitida a pesca tanto a nacionais como u estrangeiros.
Esta liberdade do pesca nas águas interiores não é, porém, absoluta, pois o seu exercício depende de licença passada pelo engenheiro chefe da secção da respectiva divisão hidráulica, e o Governo pode fazer também concessões de usufruto de locais de pesca nas correntes navegáveis e flutuáveis, quer a indivíduos, quer a sociedades ou corporações, e em determinadas zonas não navegáveis das - correntes públicas pode também o Governo autorizar, sem prejuízo dos direitos de terceiros e dos interesses gerais da agricultura, silvicultura e indústria, a concessão por dez anos do exclusivo de pesca, para fins recreativos e desportivos, às comissões de iniciativa e turismo, câmaras municipais e grémios de pescadores, na extensão de 5 km medidos ao longo do eixo do rio, e, quando nestas zonas desagúem afluentes, poderão também compreender em cada um deles uma extensão adicional até 2 km.
A pesca nestas zonas só é permitida com linha de mão flutuante aos concessionários ou a particulares autorizados gratuitamente por estes.
Sr. Presidente: é o Regulamento Geral dos Serviços Aquícolas, de 20 de Abril de 1893, que regula o modo, o tempo e as condições da pesca - nas águas interiores do País.
É neste diploma que se contém todo um conjunto de normas que ainda hoje se nos afigura modelar porá o conhecimento, estudo, protecção e defesa e desenvolvimento de todos os assuntos relativos à aquicultura nos seus aspectos piscícolas e de piscifactura.
Se o seu rigoroso cumprimento tivesse sido escrupulosamente observado, se a sua execução tivesse presidido, ao longo de mais de meio século, um rígido e seguro critério, certamente que o empobrecimento das águas interiores se não teria tão acentuadamente verificado, o respeito por uma actividade meritória - a pesca fluvial - se teria mantido e a consciência de se tratar duma riqueza económica útil se teria desenvolvido.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quer-me parecer que neste regulamento e noutros diplomas que se lhe seguiram está todo um programa do acção atinente ao fomento piscícola das águas interiores, ao desenvolvimento, protecção e defesa da fauna fluvial e a tudo o que concerne; aos problemas da pesca nas águas doces.
Nos seus diversos capítulos e através do seu longo articulado encontram-se disposições destinadas à inspecção dos serviços de exploração e à polícia das águas interiores do País, à conservação dos rios, rias, esteiros e lagoas em condições favoráveis ao seu repovoamento, com o fim de adaptar as águas interiores à multiplicação da fauna e flora útil, e. de uma maneira geral, ao estudo, propaganda, fomento e consulta sobre todos os assuntos e negócios públicos relativos à aquicultura e às pescas para montante dos limites da jurisdição marítima, para o que se constituía uma comissão técnica permanente de piscicultura, com delegações que se previam nas diversas regiões do País e que jamais foram criadas e a que se atribuam largas funções dentro da área da região.

Vozes : - Muito bem !

O Orador: - .Sr. Presidente: a nossa observação diz-nos que para um grande número de problemas nacionais nós possuímos da legislação adequada, quase perfeita.
Por carência de meios de execução - financeiros e técnicos - e, por vezes, por imperfeita interpretação ou inevitáveis desvios os fins a atingir não se alcançam completamente.
Assim, sobre o assunto em debate existem disposições legais ainda em vigor que têm sido e continuam sendo letra morta.
O dever de vigiar anualmente toda a rede hidrográfica do País, examinando o estado em que ela se encontra do ponto de vista de assegurar à fauna útil destas águas as condições necessárias ou mais vantajosas para a sua multiplicação ou desenvolvimento e aos vegetais aquáticos o seu melhor aproveitamento para a alimentação das espécies, adubos agrícolas e outras aplicações industriais, e a obrigação de dirigir o levantamento e organização das cartas piscícolas das diversas bacias e receptáculos hidrográficos do País, que incluem, bem à inspecção dos serviços de exploração das águas interiores, não me parece que tenham sido integralmente cumpridos.
A curiosíssima e interessante disposição legal que impõe aos directores das circunscrições hidráulicas a obrigação de promoverem a plantação de arbustos e
plantas apropriadas para pasto de insectos que servem K alimentação a algumas das principais espécies de peixes nas margens dos rios da - rede hidrográfica interior não me consta que alguma vez tenha sido executada.
O que se passa com os esgotos de povoações, fábricas o minas, quando são lançados nos rios, demonstra exuberantemente uma manifesto, ignorância e um incompreensível desprezo pela flora e fauna aquática».

O Sr. Gaspar Ferreira: - V. Ex.ª dá-me licença?
Quanto às matérias lançadas pelas fábricas, eu pergunto se há alguma legislação actualmente. Há. na realidade, legislação que não permite a poluição das águas. Até o "Código Civil a não permite. Mas como se realiza a acção proibitiva? É levantado um auto é feito um inquérito.
Há de facto, uma comissão nomeada pelo Governo para fazer o estudo da maneira de defender as águas da bacia do rio Vouga. Não interessa a sua história, mas o que é certo é que ela, se encontra, para acção eficiente em face de uma legislação que ou não a permiti; ou não é suficiente.
Propus a comissão que fosse publicada legislação que permitisse que ela encarasse eficientemente o problema.
Vamos a ver o que sucederá.
O sistema das comissões de estudo é usado por quase todas as nações. Na América cada comissão tem a seu cargo os rios de um estado. Na Inglaterra cada comissão tem a seu cargo um só rio.

Página 848

848 DIÁRIO DÁS SESSÕES N.º 91

O Sr. Cerveira Pinto: - Nus temos uma legislarão que, apesar ide antiquada, é perfeita na enunciação dos princípios. O que é necessário é actualizá-la, de modo a torná-la mais eficiente.
Diz essa legislação que é proibido lançar nos rios qualquer substância nociva aos peixes; portanto, o que é preciso é responsabilizar as fábricas pêlos danos causados pela poluição das águas, e não obrigá-las apenas a pagar multa, aliás ridícula.

O Orador: - Agradeço ao Sr. Deputado Gaspar Ferreira a sua intervenção, e em resposta cumpre-me informar que o Regulamento de 1893 proíbe a poluição das águas, e, se tal proibição não evita a destruição das espécies piscícolas, há que tomar medidas mau severas, responsabilizando as empresas industriais pêlos danos causados.
A extracção de areias e outros materiais do leito dos rios e o estabelecimento de motores hidráulicos suo muitas vezes consentidos sem se atender, como a lei determina, à livre circulação das espécies e à conservação dos domicílios, desovadeiras ou comedouros da fauna aquática.
Sr. Presidente:- as deficiências que deixo apontada?, que não são as únicas, têm determinado, como é óbvio, uma gradual escassez das espécies nos diversos rios do País.
Outros motivos, porém, mais fortes e ponderosos são as causas principais do empobrecimento das aguas interiores do País.
Quero referir-me à defeituosa, quase inexistente fiscalização e ao vandalismo que se observa na apanha de peixe.
Quanto à fiscalização, o artigo 237.° do regulamento para execução do Decreto n.º 8 de l de Dezembro de 1892, sobre serviços hidráulicos, diz-nos que:

Os mestres e guardas das circunscrições hidráulicas, como guardas campestres e de polícia rural que são, devem sempre ter em vista que a sua missão é essencialmente protectora, cumprindo-lhes empregar todos os meios de vigilância e de advertência para evitar que se pratiquem crimes, delitos ou transgressões, e devem usar da maior prudência e circunspecção no desempenho dos serviços a seu cargo, a fim de evitar conflitos.

E o artigo 239.° do mesmo diploma determina:

Os mestres e guardas no desempenho do serviço de polícia procurarão fazer executar os preceitos da legislação civil e penal, que são garantia das pessoas e da propriedade; promoverão o cumprimento dos preceitos deste regulamento, assim como dos de polícia e de posturas municipais do respectivo concelho, observando e fazendo observar igualmente as instruções da direcção sobre o serviço de polícia.

O que se verifica, porém, na prática?
O alto objectivo de evitar a prática de crimes, delitos ou transgressões não tem sido alcançado e nos últimos anos o número de crimes e contravenções das leis da pesca sofreu um considerável aumento.

Vozes : - Muito bem !

O Orador : - Os guardas têm a seu cargo zonas muito extensas e ou meios de que dispõem para a vigilância e fiscalização são escassos e primitivos, pelo que não podem, muitas vezes, evitar a prática de mines e transgressões.
Impõe-se o aumento do quadro desta categoria de funcionários, por forma a caber a cada guarda uma área limitada que possa eficazmente fiscalizar.
E deveriam facultar-se-lhes veículos mecânicos - motocicletas ou bicicletas motorizadas - para facilmente se deslocarem e para com rapidez poderem estar presentes nos pontos onde se infringem, as leis da pesco, e os regulamentos hidráulicos.
Este meio de fiscalização há muito já que é adaptado nas Estados Unidos da América, Canadá e, parece-me, na vizinha Espanha, que ao» assuntos da pesca fluvial dedicam a mais desvelada atenção e o maior carinho.
Por outro lado, por parte tia actual fiscalização, há um predomínio acentuado na vigilância e - polícia de obras de carácter hidráulico, nos rios e suas margens, parece que só com o objectivo de angariar receitas e com menosprezo da defesa da pesca e do desenvolvimento e multiplicação das espécies.

Vozes: - Muito bem !

0 Orador: - Por outro lado, ainda, nota-se um desinteresse, um quase abandono, uma ausência - total de fiscalização quando centos e poderosos proprietários de açudes, por motivo de obras ou limpeza, resolvem proceder a tais obras, fazendo baixar artificialmente o nível da água, apanhando e destruindo grandes quantidades de peixe.
Quanto à segunda causa principal do empobrecimento das águas interiores do País, é ela motivada pela prática abusiva do emprego de substâncias venenosas e explosivas aia apanha de peixe.
Diversa legislação tem sido publicada e se encontra em vigor, nomeadamente os Decretos-Leis n.os 16 609 e 17 371 e as .Leis n.01 1083 e 1514, com o elevado fim de pôr cobro ar uma actividade criminosa tão prejudicial à economia do País.
As sanções aplicada têm-se mostrado brandas, visto persistir o vandalismo do envenenamento dos rios.
A ganância do lucro de alguns e u ignorância e maldade de muitos levam u desobediência da lei e ao concomitante prejuízo de tão fecunda riqueza.
Embora se reconheça que o cumprimento da lei, de todas as leis, está mais no grau de educação do que no fiscal, não me parece inconveniente para o fim a atingir tornar mais severas as penas a aplicar aos infractores- que matam peixe e actuam por maneira u obterem a total destruição das espécies.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Sr. Presidente: no interesse geral da pesca e com o fim de valorizar e enriquecer as águas interiores do País, obtendo peixes miúdos destinados ao repovoamento dos rios ou criando espécies novas ou exótica» com o intuito de as adaptar aos cursos de água, item a nossa piscicultura desenvolvido um esforço território, que bem traduz o interesse que tem merecido aos Poderes Públicos.
Das três estações -mães da piscicultura portuguesa continental-, Norte (Douro, Lima e Minho), Centro ((Mondego e Vouga) e Sul (Algarve, Sado e Tejo), projectadas u preconizadas .pelo visconde de Vilar d'Allen, aumente a Estação do Ave, em Vila do Conde, foi criada.
Foi um dos principais impulsionadores da piscicultura em Portugal o falecido estadista Dr. Bernardino Machado, que, como Ministro da 'monarquia, pugnou pela instalação no Pau das três referidas estações: a- do Norte, para peixes dos rios frios; a do Centro, na ria de Aveiro, para a piscicultura ara tão importante dum

Página 849

21 DE ABRIL DE 1955 849

vasto jazigo de riqueza ictiológica, e a do Sul, perto de Setúbal, para o estudo dos peixes do mar.
Até ao presente, por motivos que ignoro, apenas a Estação Aquícola do Rio Ave tem existência em Portugal, sendo o único estabelecimento oficial de piscicultura.
Está dependente da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas e os seus servi cos entregues ao saber de silvicultores.
Apesar da modéstia dos seus recursos materiais e técnicos, que a impedem de desenvolver um grande esforço no campo da investigação científica e no da divulgação de conhecimentos, a obra da Estação do Ave é digna do maior louvor e a sua acção benéfica vem sentindo-se por todo o País.
Na sua principal função de repovoamento dos cursos de água, a Estação do Rio Ave tem desenvolvido uma acção notável.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O número de alevins lanhados no decénio de 1930-1940 foi de 2 209 350, ou sejam mais 1 397 650 que no decénio anterior, em que foram lançados 811 700.
Estes números reflectem um carácter nitidamente progressivo e tornam salientes as proporções do esforço despendido.
É de inteira justiça também pôr em relevo o esforço desenvolvido pela Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas nos anos da última guerra.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - As dificuldades na importação de ovos foram removidas pela obtenção no País dos necessários ao repovoamento dos rios.
Para tal fim construíram-se dois tanques de reprodutores de trutas em Albergaria, no perímetro florestal do Geres.
Neste viveiro conseguiu-se a produção de 200 000 ovos, número notável, mas ainda insuficiente para as necessidades da piscicultura portuguesa e para garantir o repovoamento satisfatório das depauperadas águas interiores do País.
Na lagoa de Mira foram também criados excelentes viveiros de carpas e de carpas espelhadas, destinadas ao repovoamento das águas de temperatura mais elevada, a sul do Mondego, onde estas espécies se desenvolvem rapidamente, atingindo alguns exemplares em poucos anos 7 kg de peso.
Graças, ainda, aos esforços dos serviços florestais e aquícolas constituiu-se na lagoa Comprida, na serra da Estrela, uma das maiores riquezas aquícolas de Portugal. Em 1932 não possuía ainda uma única truta e hoje é um rico manancial daquela apreciada espécie.
O aproveitamento da riqueza das águas, verdadeiras minas a descoberto, como dizia o visconde de Vilar d'Allen, deveria sofrer um impulso forte dos poderes superiores do Estado.
Bastante se tem feito neste sector da economia nacional, mas o que há a fazer é ainda muito, tanto no que respeita a peixes de águas interiores como aos da costa de Portugal.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Impõe-se a criação de mais tanques reprodutores aias diversas regiões do País, nomeadamente na região do Paiva em cujos perímetros florestais existem a abundância de água e as demais condições favoráveis aos fins em vista.
A criação de tais viveiros é imperiosa e urgente, por se ter verificado em sucessivos repovoamentos do rio
Paiva e seus atinentes a inadaptibilidade dos alevins da estação do Ave às suas frias águas.
Sr. Presidente: dado o notável incremento que a pesca de recreio tem tomado também no nosso país, foi ela oficialmente considerada como desporto pelo § 3.º do artigo 11.º do Regulamento da Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar, aprovado pelo Decreto n.º 32 946 de 3 de Agosto de 1943.
Desde então o número de pescadores desportivos vem aumentando consideràvelmente, constituindo hoje enorme legião.
É que, além de um agradável passatempo, a pesca desportiva, mais do que alguns desportos em voga e de grande popularidade, é uma verdadeira escola das melhores virtudes e é, sobretudo, um dos mais salutares exercícios físicos.
E, para além das vantagens de ordem física e moral que advêm da sua prática, a pesca desportiva exerce já o poderá vir a exercer ainda mais larga acção de fomento turístico, atraindo às regiões piscícolas das mais afamadas espécies muitos pescadores, contribuindo em larga medida para o desenvolvimento e progresso de muitas terras portuguesas.

Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Os dois súbditos britânicos que há anos vieram construir no formosíssimo vale do Paiva, em Reriz, duas pequenas, mas risonhas, habitações, para poderem mais cómoda e eficazmente praticar o seu desporto favorito - a pesca da truta - e cujos sucessores, encantados com o local e com a sua gente, estão contribuindo tão importantemente para a electrificação da região, não são, certamente, caso único e esporádico.
Sr. Presidente: expostas sucintamente as causas que decisivamente têm contribuído para o empobrecimento da fauna aquática dos nossos rios, realçado, por forma apagada, embora, o valor de uma tão grande riqueza que se vai perdendo e salientado o que se fez e o que se torna necessário fazer no domínio da piscicultura em Portugal, é tempo, Sr. Presidente, de apresentar à consideração dos Srs. Deputados e do Governo algumas sugestões, a traduzir em providências a tomar urgentemente, que são o reflexo do pensar e do sentir de um grande número de amadores de pesca, de autênticos pescadores desportivos.
Tais sugestões podem resumir-se assim:

a) Mais e melhor fiscalização e polícia das águas interiores do País, aumentando o número de guardas, seleccionando, por rigorosa escolha, os que derem garantias de bom e integral cumprimento das leis e regulamentos e facultando-lhes recursos destinados ao eficaz cumprimento da sua missão;
b) Repovoamento intensivo dos rios e lagos com espécies adaptáveis e desenvolvimento de piscicultura, criando tanques reprodutores e viveiros nas diversas regiões piscícolas do País;
c) Mais acentuada protecção e defesa das diversas espécies fluviais, por forma a abranger não só as dimensões do peixe e das malhas das redes e a proibição da pesca nos meses em que as fêmeas desovam, mas também a proibição de captura à linha para além de uma certa quantidade de exemplares, bem como o uso de iscos pelos quais os peixes são muito sôfregos e, por isso, facilmente apanhados;
d) Punição severa dos que usarem na pesca substâncias venenosas a explosivas, agravando as actuais sanções;

Página 850

850 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 94

c) Proibição, enquanto se verificar o depauperamento das águas interiores do País, da pesca, a não ser por meio do cana e linha flutuante de mão com anzol, em uma. área que deverá abranger l5 km para jusante .das nascentes dos rios principais e em área Q fixar pêlos serviços técnicos competentes para os seus afluentes ;
f) Suspensão do Decreto n.º 17 900, de 27 de Janeiro de 1920, que permite e isenta de licença a pesca com linha de mão flutuante aos domingos e dias feriados;
g) Diferenciação nitída, na obtenção de licenças para pesca, entre pecadores desportivos e pescadores com aparelhos não proibidos, como são usualmente passadas, aplicando-se às duas categorias taxas diferentes;

h) E, finalmente, promulgação de medidas destinadas a estimular e desenvolver a pesca desportiva, a obter a recuperado de uma enorme riqueza nacional. que convém nau perder, e a estabelecer as condições necessárias ao incremento de certo turismo nacional.

O assunto deste debate, em bua hora trazido ao seio desta Casa, vai certamente merecer a atenção dos poderes superiores do talado.

Vozes : - Muito bem !

O Orador: - O Governo, sempre alento aos mais legítimos interesses da Nação e fiel executor do bem público, há-de encontrar para tão importante problema as mais acertadas e adequadas providências.
Como por outras vezes há-de saber achar, de harmonia com o interesse nacional, a mais ajudada solução.
Pela minha parte, confio absolutamente.
Tenho dito.

Vozes : - Muito bem, muito bem !

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Carlos Mendes: - Sr. Presidente: o aviso prévio apresentado pelo ilustre Deputado e meu prezado amigo Dr. Cerveira Pinto tem um interesse restrito às regiões ribeirinhas.
Mas para estas a poluição das águas acarreta-lhes os mais graves prejuízos para a agricultura, para a saúde pública e para a piscicultura .
As águas de alguns rios apresentam-se, por vezes, com aspecto tão nauseabundo, cheiro tão pestilencial e impregnadas tão deletèriamente pelos resíduos da mais variada origem que a sua acção nos campos c absolutamente prejudicial para todas as culturas.
Em tal meio não é possível o desenvolvimento e a vida de qualquer espécie ictiológica, mas, em contrapartida, grande é o desenvolvimento do autêntico flagelo dos mosquitos, agentes de transmissão, nomeadamente, do paludismo.
Numa parte discordo do ilustre Deputado Dr. Cerveira Pinto: o empobrecimento das águas interiores deve-se não tanto à legislação antiquada ou ã pesca criminosa como à sua poluição.
O problema não é de agora, já se apresentava em 1892, o que Levou à publicação do Regulamento de 19 de Dezembro daquela ano, que determinava no seu artigo 219.º o seguinte:

Quando um estabelecimento industrial localizado na proximidade das lagoas, lagos, valas, canais, esteiros, rios e mais correntes de água navegáveis
ou flutuáveis comunique a essas águas substâncias ou propriedades nocivas à saúde pública, à vegetação ou à conservação e propagação do peixe, o director da respectiva circunscrição hidráulica, ou um seu delegado, ouvidos os interessados, procederá com o administrador do respectivo concelho a uma vistoria técnica e, se ido fundadas as queixas o verificados os factos aludidos, o mesmo administrador mandará suspender o exercício da indústria até que se dê remédio aos males ocasionados, devendo nesse ca

§ 2.º Quando no fim de seis meses o dono do estabelecimento industrial mio tiver empregado o inicio indicado para evita o mal, entende-se que renuncia a continuar a exploração da sua indústria, que será proibida definitivamente pela autoridade competente.

É antiquado de sessenta e três o nos o regulamento, mas se- as suas disposições fossem coercitivamente postas em prática muito diferente seria o empobrecimento das águas dos nossos rios.
E o esforço, verdadeiramente modelar, dos serviços florestais., através da sua Estação Aquícola do Rio Ave e de algumas câmaras, não seria infrutífero.
A culpa, porém, não pertence somente aos serviços hidráulicos, mas é principalmente da falta de colaboração e cooperação de vários outros serviços, como os industriais e de minas.
Aos serviços hidráulicos, só por si, impossível se lhes torna velar pela depuração dos cursos de água, pois, além de não terem pessoal de fiscalização, os outros serviços concedem uivarás sem o indispensável condicionamento quanto aos - resíduos industriais, com completo esquecimento daquele artigo 219.º
E esta situação tornou-se tão alarmante que em 31 de Dezembro de 1948, pelo Ministério das Obras Públicas, foi publicada a Portaria n.º 295, nomeando uma comissão para «estudar e codificar as medidas destinadas a evitar a poluição dos cursos de água do País».
Essa comissão era presidida por um inspector superior e composta por representantes da Direcção-Geral de Saúde, da Direcção-Geral dos Serviços Industriais, da Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas, da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, da Direcção- Geral dos Serviços de Urbanização, da Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos e, mais tarde, por um representante da Direcção-Geral de Minas.
Nas reuniões foi tão fraco o espírito de colaboração entre os vários serviços, a discussão decorreu de tal forma, que o Ministro foi foiçado a dissolver a comissão, sem nada de concreto ter resolvido . . .
E a situação continuou a agravar-se com a poluição sempre crescente dos cursos de água.
Grande tem sido o desenvolvimento industrial operado nestes últimos anos, e o velho regulamento de 1892 é sempre esquecido ao concederem-se os respectivos alvarás.
E os casos de Cacia e outros, vão-se repetindo, com os protestos inconvenientes e prejuízos que vão também surgindo.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - É verdade que se pretende arvorar o princípio de que só a indústria conta, para a vida económica da Nação e de que as restantes actividades possuem um carácter meramente subsidiário». Não

Página 851

21 DE ABRIL DE 1955 851

admitem qualquer restrição nos seus direitos, qualquer limitação à sua vontade, chegando, como já o ouvi muna repartirão pública, a afirmar-se que «se pretende matar a indústria por causa de uns miseráveis quilos de peixe! . . .».
Mas ninguém pretende coarctar os privilégios da indústria, criando dificuldades à sua expansão e desenvolvimento material; pretende-se somente condicionar os direitos e deveres de cada um, de modo u evitar colisão de interesses e consequentes prejuízos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A depuração das águas dos rios seria fácil se todos os serviços trabalhassem numa necessária colaboração.
Obrigar os transgressores do Regulamento de 1892 ao pagamento das irrisórias multas do artigo 290.º ou a indemnizações, como alguns querem, não será eficaz nem fácil.
Mais seguros seriam os resultados se se aplicasse rigorosamente o referido artigo 219.º e para o futuro os alvarás fossem concedidos provisoriamente por um prazo curto, tornando-se só definitivos quando cumpridas todas as condições impostas pelos serviços.
Assim, depurando-se os resíduos industriais, fácil seria acabar com a poluição das águas dos rios e passarem depois a continuar a ter a antiga riqueza, piscí-cola, com as vantajosas consequências turísticas, e a ser benéficos elementos para a vida agrícola e pura a higiene pública.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cerveira Pinto: - Sr. Presidente: subo novamente à tribuna para, em rapidíssimas palavras, encerrar o debate provocado pelo meu aviso prévio sobre fomento piscícola e pesca fluvial.
As considerações que ontem desenvolvi não sofreram, não podiam sofrer contestação, porque tudo o que disse é infelizmente exacto, tragicamente verdadeiro. De resto, toda a gente sabe que assim é.
O Sr. Deputado Carlos Mendes acaba de formular uma pequena discordância daquilo que ontem por mim foi dito, mas na verdade essa discordância é inexistente.
Eu disse ontem que na poluição das águas ó que está a parte mais trágica de toda esta questão, e, em resposta a um aparte do nosso colega Ricardo Durão, salientei que esse constituía o problema número um.
Portanto, não há discordância entre o que eu disse e aquilo que o Sr. Deputado Carlos Mendes acaba de dizer.

O Sr. Carlos Mendes: - Tem V. Ex.ª razão. Eu guiei-me pelo enunciado do aviso prévio e não pelo discurso de V. Ex.a, que, infelizmente, não pude ouvir, por ter chegado tarde à sessão.

O Orador: - Não quero descer da tribuna sem proferir uma palavra de homenagem e agradecimento aos ilustres Deputados que tomaram parte no debate, apoiaram as minhas considerações e trouxeram importantíssimo contributo para o esclarecimento do grande problema do fomento piscícola e da pesca fluvial.
Estamos todos de acordo, absolutamente de acordo, em que, por imperfeição da antiquada legislação, e sobretudo pelo desrespeito aos seus mandamentos e pela impunidade quase absoluta de que vêm gozando os que a infringem, os cursos de água portugueses chegaram, no aspecto biológico, a um estudo de depauperamento muito próximo da sua perda total.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Carlos Mendes: - A minha câmara municipal viu-se na necessidade de pagar a um fiscal para fazer a fiscalização dó rio, mas não no que diz respeito à poluição das águas. Infelizmente, há empresas grandes que não querem fazer despesas e preferem antes poluir as águas.

O Orador:-Urge, portanto, arrepiar caminho e iniciar quanto antes o processo da recuperação da riqueza ictiológica do País. Impõem-no razões de ordem económica, de ordem social e até de ordem política.
O regime, que através das mais temerosas dificuldades tem realizado uma gigantesca obra de ressurgimento nacional, não pode deixar de resolver este importante e fácil problema do fomento piscícola e da pesca fluvial.
No dia 20 de Janeiro foi publicado um decreto, pela pasta do Ultramar, em defesa da caça e pesca nas nossas províncias ultramarinas. Não é pedir de mais solicitar que essa protecção se estenda à metrópole. Deveria ter começado pela metrópole e estender-se ao ultramar!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não é constitucionalmente possível à Assembleia Nacional atacar e resolver esta questão; só o Governo pode fazê-lo. Mas, dentro das suas possibilidades constitucionais, compete à Assembleia sugerir ao Governo a necessidade urgente de encarar e resolver o problema do fomento piscícola e da pesca fluvial.

Vozes: - Muito bem !

O Orador:-Por este motivo e com este fim tenho a honra de apresentar à consideração da Assembleia Nacional uma moção, que leva a minha assinatura e a dos ilustres colegas que tomaram parte neste debate, Srs. Deputados Baptista Felgueiras, Azeredo Pereira e Carlos Mendes.
É do teor seguinte a moção que vou entregar à Mesa:

Moção

«Considerando a grande importância que representa a pesca fluvial, como fonte de riqueza pública, meio de desporto salutar e motivo de atracção turística;
Considerando que as espécies ictiológicas, sobretudo as mais nobres, vão rareando de tal modo que é de temer a sua extinção;
Considerando que este calamitoso estado de coisas é provocado, em parte, por deficiências da legislação e, muito principalmente, pelo seu sistemático e impune desrespeito;
Considerando que os beneméritos esforços realizados pelo Governo, através dos respectivos serviços, no repovoamento dos cursos de água nacionais se têm, em grande parte, frustrado por falta de fiscalização das águas interiores do País:
A Assembleia Nacional formula o voto de que o Governo actualizo e aperfeiçoe a legislação sobre a matéria, intensifique o fomento piscícola e eficazmente o guarde e defenda por meio de fiscalização apropriada que, como a técnica e a lógica aconselham, deverá ficar a cargo da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas».

Tenho dito. '

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

Página 852

852 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 94

O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrito para este debate.
Considero, portanto, encerrado o debute sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Cerveira Pinto.
Vai ler-se a moção que S. Ex.a enviou para a Mesa.

Foi lida.

O Sr. Presidente: - Vou pôr à votarão a moção que acaba de ser lida.

Submetida à cotação foi aprovada.

O Sr. Cerveira Pinto: - Poço a V. Ex.ª que fique registado no Diário das Sessões que foi aprovada por unanimidade.

O Sr. Presidente : - Ficará registado que foi aprovada por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à segunda parto da ordem do dia, que é a apreciarão do Acordo internacional acerca da fronteira de Moçambique com a Niassalândia.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vaz Monteiro.

O Sr. Vaz Monteiro : - Sr. Presidente : o Governo do Estado Novo em matéria de política internacional tem elevado muito o prestígio da Nação, pois tem sabido estreitar as relações de amizade com a Inglaterra, u Espanha, o Brasil, os Estudos Unidos da América do Norte; e também com todos os países ocidentais o Governo vem intensificado dia a dia a política de amizade e bom entendimento.

Vozes : - Muito bem !

O Orador: - A hora que ceamos a viver do sincera amizade- e verdadeira solidariedade espiritual luso-brasileira com a próxima visita de S. Ex.ª o Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil e o reflexo da política do Governo, que anda activamente interessado em fortalecer e estreitar os laços de fraternidade que unem Portugal e Brasil.

Vozes : - Muito bem !

O Orador: - Merece iodo o nosso aplauso esta política do Governo em fomentar e manter boas relações do amizade e de colaboração internacional, quer no sentido de prestarmos o nosso contributo à paz, quer para satisfazer interesses comuns, tanto morais como materiais.
O Acordo submetido á nossa apreciação é realmente o produto do bom entendimento na satisfação de interesses comuns de Moçambique e da Niassalândia de Portugal e da Inglaterra.
O Governo, a que preside a alta e incomparável figura de estadista que ó o Sr. Prof. Oliveira Salazar. tem prestado os mais relevantes serviços à Pátria c à humanidade na sua prestimosa colaboração internacional.

Vozes : - Muito bem !

O Orador: - O instrumento diplomático quo vamos apreciar é caso único na nossa vida de relações exteriores e boa vizinhança na província de Moçambique; pode até considerar-se sequência lógica da política do Governo, revelada na prática de outros actos de colaboração outro Portugal, a Inglaterra, as Rodésias e a Niassalândia, tais como aqueles que dizem respeito ao porto o caminho de ferro da Beira.
É já sabido, e está reconhecido por nós e por aqueles nossos vizinhos, ser absolutamente necessário ao seu progresso e desenvolvimento a utilização dos referidos porto e caminho de ferro.
Nesse sentido, o Governo deu o maior impulso àquele conjunto económico do porto e caminho de ferro da Beira, gastando avultadas quantias para o tornar mais útil. depois de ter resgatado a concessão do porto em 1948, pagando à concessionária a indemnização acordada de 210 000 contos, e de ter adquirido, em 1949 o referido caminho de ferro pela importância de 4 milhões de libras.
Já várias vezes na Assembleia Nacional tenho feito referência ao Governo por este meritório serviço prestado à Nação de integrar o porto e o caminho de ferro da Beira no património nacional e de prestar boa colaboração descongestionando o transporte dos produtos exportados pêlos territórios vizinhos o das mercadorias por eles importadas.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Por esta nossa leal colaboração lemos recebido publicamente palavras de justo e merecido apreço por parte dos nossos vizinhos na província de Moçambique, com quem sempre temos mantido as mais amistosas relações.
Mas, Sr. Presidente, também nós reconhecemos com justiça aquilo que é devido àq- ueles nossos vizinhos das Rodésia s e da Niassalândia. traduzido pela palavra autorizada de membros do nosso Governo.
Na recente visita do Sr. Ministro do Ultramar à província de Moçambique, quando visitou as obras do fomento e povoamento do vale do Limpopo e o caminho de forro para Mabalane, na fronteira da Rodésia do Sul, o Sr. Comandante Sarmento Rodrigues, ao prestar homenagem ao Sr. Presidente do Conselho, Prof. Oliveira Salazar, pelo seu «génio político incomparável o dedicação total ao serviço da Nação, e a quem ficamos devendo a obra grandiosa, do Limpopo, fez as seguintes declarações acerca das nossas relações de mútuo entendimento com os nossos vizi-nhos da Federação da África Central:

Que seria injustiça naquele momento não fazer uma referência ao visconde Malvern ilustre Primeiro-Ministro da Federação das Rodésias e da Niassalândia, que com tanta distinção e dignidade trabalhou para que este caminho de ferro fosse uma realidade para benefício das Rodésias e desenvolvimento dos laços de estreita colaboração que as unem n Portugal.

Estas palavras, proferirias >por utilidade responsável, representam o nosso sentir e traduzem amizade, gratidão e, sobretudo, o perfeito entendimento que existe na .satisfação de interesses comuns.

Vozes: - Muito bem !

0 Orador: - E que direi ou, Sr. Presidente, do honroso convite de Sua Majestade a Rainha Isabel II para o venerando Chefe do Estado Português. Sr. General Craveiro Lopes, visitar oficialmente a Grã-Bretanha?
Esta notícia, que o País recebeu com o maior júbilo, a vibrar intensamente de patriotismo, é uma grande prova a confirmar a amizade secular que une Portugal à nobre nação inglesa.

Vozes: - Muito bem !

O Orador:-.Seis séculos de aliança luso-britânica a mais antiga aliança que existe entre os povos do Mundo, criou já profundas raízes de amizade e mútuo

Página 853

21 DE ABRIL DE 1955 853

entendimento que o Governo de Salazar tem alimentado com a maior dignidade e proveito para as duas gloriosas nações.
Sr. Presidente: há dias foi aprovado por unanimidade pela Assembleia Nacional, para efeitos de ratificação, o Tratado cultural luso-britânico, :para fortalecer a aliança entre os dois povos, tornando mais fácil a sua comunicação intelectual, mais eficaz e proveitosa a sua colaboração futura, como se diz ma respectiva proposta de resolução.
Hoje é submetido à nossa apreciação o Acordo relativo à fronteira de Moçambique com a Niassalândia, assinado em Lisboa pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, Prof. Paulo Cunha, e pelo Sr. Embaixador do Reino Unido, Sr. Nigel Ronald, que vem publicado no Diário das Sessões n.º 62, de 15 de Dezembro de 1954.
Sobre este Acordo a Câmara Corporativa produziu elucidativo e douto parecer, que foi publicado no Diário das Sessões n.º 84, de 24 de Março de 1955.
Pelo que acabei de expor relativamente às nossas seculares relações de amizade e aliança com o Reino Unido e à boa vizinhança e colaboração com a Federação das Rodésias e da Niassalândia, não nos deverá cansar admiração que tivessem chegado a bom termo as negociações havidas entre representantes do Governo Português e do Governo de Sua Majestade Britânica, por si e pela Federação da África Centra], para reajustamento da fronteira entre Moçambique e a Niassalândia.

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O Orador: - O acordo a que se drogou é, afinal o resultado das nossas boas relações e da seriedade e lealdade dos nossos propósitos na colaboração internacional.
Se foi acertada a escolha do presidente da delegação portuguesa, Sr. Engenheiro Bui de Sá Carneiro, pela vastidão dos seus conhecimentos sobre problemas do ultramar e pela clareza e inteligência do seu espirito, a verdade é que os exemplos da nossa prestimosa e leal colaboração, cuidando do nosso interesse sem querer postergar direitos alheios, e procurando promover justamente a satisfação dos interesses comuns, foi, sem dúvida, aquilo que mais contribuiu para o acordo de ambas as partes.
Se nem tudo que considerávamos justo foi por nós alcançado, como nos esclarece o bem elaborado e douto parecer da Câmara Corporativa, e se da nossa parte, em tudo que foi possível, cedemos às pretensões britânicas, temos de reconhecer que o- Acordo tem equilíbrio e é útil às duas partes contratantes.
A antiga demarcação da fronteira de Moçambique com a Niassalândia, pêlos seus defeitos, próprios da época em que fez estabelecida, e pelas deficiências que o tempo fez destacar, criou dificuldades às populações nativas fronteiriças e às autoridades locais, que era necessário atender por meio de mútuo acordo entre os Governos.
Pelo Tratado de 11 de Junho do 1891 estabelecera-se a seguinte demarcação, tanto terrestre como lacustre, entre Moçambique e a Niassalândia: a fronteira terrestre ficou definida pela linha de cumeada que separa a bacia hidrográfica do rio Zambeze da bacia hidrográfica do rio Chire, isto é, a fronteira terrestre ficou vagamente assinalada pela linha divisória das águas daqueles dois rios; a fronteira lacustre estabelecida nos três lagos - Niassa, Chiuta e Ciura- ficou também bastante imprecisa, pois marrou-se pela linha variável da margem do lado nascente dos referidos lagos.
Isto só por si era bastante para se recomendar a necessidade de rever esta demarcação. Nem a linha divisória das bacias hidrográficas das rios Zambeze e Chire pode ser bem definida, porque o terreno entre aqueles rios - não é acidentado e, portanto, não separa nitidamente uma bacia da outro, nem a margem oriental dos lagos se mantém sempre a mesma, para que possa servir perfeitamente de linha de fronteira.
Esta foi uma das razões que leváramos representantes dos Governos do Reino Unido e de Portugal a apresentar sugestões relativas à rectificação do algumas secções da fronteira entre Moçambique e a Niassalândia.
Mas outras razões se impunham para estabelecer acordo entre Portugal e a Inglaterra relativamente àquela fronteira.
Os indígenas estabelecidos nas zonas fronteiriças de ambas as partes foram invadindo os territórios, para estender as suas culturas e para encontrar novas pastagens.
Passou a haver indígenas britânicos em terras de Moçambique e indígenas portugueses em terras da Niassalândia.
Daqui se pode prever as dificuldades que, fatalmente, resultariam para as autoridades locais.
Mas, Sr. Presidente, além destas e doutras situações que se criaram e era conveniente remediar por acordo, já tinha havido conversações entre as altas entidades dos Srs. Embaixador da Grã-Bretanha e Governador da Niassalândia e a delegação portuguesa, presidida pelo Subsecretário de- Estado do Ultramar, sobre a possibilidade de Portugal participar em importantes projectos de regularização das águas do lago Niassa e do rio Chire e do seu aproveitamento na obtenção de energia eléctrica. Ora, para Portugal poder participar nestes importantes melhoramentos fronteiriços era indispensável levar a demarcação da fronteira lacustre à linha média das águas do lago Niassa.
Mas estas conversações sobre aqueles projectos de colaboração internacional, embora feitas entre altos representantes dos Governos interessados, necessitavam de ser confirmadas por quem de direito em instrumento diplomático. É esta outra razão fundamental do presente Acordo luso-britânico.
Mas devo esclarecer que o Governo, ao aceitar n participação nos referidos projectos, para esse efeito fez inscrever 110 Plano de Fomento Nacional a verba de 10 000 contos.
Sr. Presidente: expus as razões principais que levaram os Governos de Portugal e do liei no Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, em seu nome e em nome do Governo da Federação das Rodésias e da Niassalândia, a reconhecer que determinadas disposições do Tratado anglo-português, de 11 de Junho de 1891 já não correspondiam à situação actual e, portanto, necessitavam do conveniente ajustamento.
Sr. Presidente: fez-se o ajustamento na medida do possível e com o equilíbrio indispensável à dignidade as duas partes.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - O parecer da Câmara Corporativa é tão claro e preciso que esclarece perfeitamente o assunto, não havendo necessidade, de mais considerações para a Assembleia Nacional se poder pronunciar pela sua aprovação.
Pela leitura do Acordo e, do parecer verifica-se que houve perdas e ganhos de parte a parte e, naturalmente, outros acordos se hão-de seguir para no decorrer do tempo se proceder a novos ajustamentos.
Dando a nossa inteira aprovação ao Acordo relativo à fronteira de Moçambique com n Niassalândia, assinado em Lisboa em 18 de Novembro de 1954, prestemos também a homenagem devida ao Governo e aos

Página 854

854 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 94

seus delegados que na negociação do Acordo intervieram, desempenhando-se com elevação e patriotismo de missão tão delicada.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Manuel Aroso: - Sr. Presidente: foi presente à Assembleia Nacional, para aprovação, nos termos constitucionais, e a posterior ratificação pelo Chefe do Estado, o Acordo relativo à fronteira de Moçambique com a Niassalândia, assinado em Lisboa em 18 de Novembro de 1954 por SS. Exas. o Ministro dos Negócios Estrangeiros e o Embaixador de Sua Majestade Britânica, em nome dos respectivos Governos.
O Acordo, conforme diz o preâmbulo, destina-se a regular definitivamente os problemas pendentes relativos a várias disposições do Tratado Anglo-Português de 11 de Junho de 1891, atendendo a que, entretanto, surgiram novas condições locais que exigem ajustamento, e tendo em consideração o desejo expresso pelos dois Governos de alterar algumas dessas disposições.
O alto espírito de compreensão dos direitos e deveres que devem presidir às relações entre as nações para o bem-estar dos seus povos, a cooperação na defesa do património comum que é a nossa civilização, o respeito pela moral e pela justiça, são tão evidentes neste Acordo que o tornam notável exemplo a seguir na vida internacional, por ser caminho seguro para a verdadeira paz no Mundo para os homens de boa vontade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E, por ser exemplo a seguir num mundo que assiste atónito a transigências que aviltam e compromissos que desonram, o Acordo impõe-se à nossa consciência de ocidentais como um dos instrumentos diplomáticos mais honrosos para as duas nações que o assinam.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Num âmbito que nos é mais familiar, no plano da nossa tradicional amizade com a Inglaterra, ele faz desaparecer algumas sombras que há sessenta e cinco anos lançavam uma nota discordante no mais extraordinário entendimento entre nações que a História regista, por ser o mais antigo do .Mundo, tornando mais profunda a compreensão mútua; o facto só por si, o maior estreitamento da aliança inglesa, seria suficiente para nos nossos espíritos distinguirmos mais este notável instrumento da nossa diplomacia, entre os numerosos e notáveis êxitos a que, nos últimos anos, o (Governo tem conduzido e habituado o País, fazendo-o ocupar o lugar que lhe era devido na comunidade internacional.

Vão há muito passados os últimos ecos da tempestade ide emoções provocada no País pelo memorando que o (Ministro da Inglaterra - entregou ao Governo Português em 11 de Janeiro de 1890. Retomou-se logo após, com a assinatura do Tratado de 1891, a linha tradicional das cordiais relações de amizade entre as duas nações...

Assim enquadrado na história nacional, pelo Digno Procurador que subscreve o pormenorizado parecer da Câmara Corporativa facilmente se pode avaliar da extraordinária significação que tem para o País o Acordo em apreciação, colocando na sua justa escala de valores os interesses morais e materiais em causa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O Tratado de 11 de Junho de 1891 terminou com o litígio existente desde 11 de Janeiro de 1890 entre Portugal e a Inglaterra sobre os limites das respectivas esferas de influência na África Oriental e, além de fixar as fronteiras terrestres, estabeleceu um certo número de disposições a fim de se permitir o trânsito através de Moçambique para os territórios da Niassalândia e Rodésias e a utilização das vias navegáveis. No seu artigo XIV obrigava-se Portugal a construir um caminho de ferro entre a esfera britânica e o Pungue.
Embora a ideia dessa ligação ferroviária fosse anterior ao Tratado, por já então Paiva de Andrada, que fundara a Companhia de Moçambique em 1888, ter ordenado os seus estudos, esta é a origem do caminho de ferro que liga a Beira a Umtali. Em. vista dos estudos já feitos, o Governo comferiu à Companhia de Moçambique o encango da construção, para cumprimento do compromisso assumido, tendo esta. Companhia outorgado a concessão recebida do Estado a Henry Van Laun, que a (transmitiu, por sua vez, à Beira Rail-way Company, fundada com capital da British South África Chartered e Companhia de Moçambique. Em 28 de Julho de 1948, nona nota do Ministério do Ultramar anunciava ao País o resgate do porto da Beira e estarem iniciadas negociações para a compra da Beira Railway. Em 2 de Abril do ano seguinte (1949) celebrava-se o contrato pelo qual o Estado comprava o caminho de ferro da Beira.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Também a construção do porto da Beira tem a sua longínqua origem nas disposições do artigo XIV; mas teve de esperar até 1925 que tomasse forma o contrato já assinado entre a Companhia de Moçambique e a Port of Beira Development Ltd., formando a Companhia ido Porto da Beira, que, por sua vez, transmitiu a concessão à Beira Works, Ltd.
A integração do porto e caminho de ferro da Beira no património nacional, além de representar o cumprimento dum preceito constitucional, pois o artigo 163.º da- Constituição estabelece que seja reservada para o Estado >a administração e exploração dos portos do ultramar, é um valioso acto de política internacional, por permitir ao Governo Português melhor servir os interesses dos povos vizinhos e amigos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Seja consentido a quem tem a honra de ser um dos representantes de Moçambique nesta Assembleia referir, mais uma vez, como se compreenderam naquela província portuguesa do Indico os desejos do Governo da Nação conseguindo um rendimento do porto e caminho de faro da Beira que excede em muito as mais optimistas previsões de todos, através da competente administração da Direcção dos Serviços de Portos e Caminhos de Ferro de Moçambique, e que se tradua num aumento de mais de 100 por cento, entre 1948 e 1954, da carga total manuseada no porto e cerca de 80 por cento da carga transportada no caminho de ferro da Beira em igual período.
Numerosas notas foram trocadas pelos dois Governos, desde 1906 a 1940, com o fim de aprovar, à medida que os trabalhos de campo avançavam, os vários troços da fronteira terrestre, segundo o Tratado de 1891, havendo-se recorrido à arbitragem, conforme nele previsto, para divergências suscitadas na região de Manica. Ao ministro italiano Paulo Vigliani coube dar a sentença arbitrai em 30 de Janeiro de 1897.
A prática geralmente aceite na delimitação das fronteiras lacustres, fixando na linha média das águas a divisória dos estados ribeirinhos, não foi seguida no

Página 855

21 DE ABRIL DE 1955 855

Tratado de l891 que traçou a fronteira do lago Niassa pela linha da sua margem leste, ficando Portugal sem qualquer direito à água do lago, numa situação sempre sofrida com desgosto. Restabeleceu este Acordo o regresso ao princípio, internacionalmente aceite, de a fronteira coincidir com a linha média das águas, por sugestão do Governo Português, prontamente aceite pelo Governo do Reino Unido, e expressamente se consigna o direito à pesca e outros fins-legítimos em lodo o lago, para Moçambique, e Niassalândia, com direito de abrigo, em qualquer das margens, para a navegação de ambos; o Governo do Reino Unido conservará a soberania sobre as ilhas de Chisamulo e Licoma. São 6400 km2 de superfície do lago que Portugal obtém.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para o lago Chiuta, verificada a dificuldade de determinar a linha. média das águas devido à imprecisão das suas margens pantanosas, umas vezes submersas, outras emersas, adoptou-se o critério de fazer coincidir a fronteira com o meridiano que passa sensivelmente pelo vértice superior.
São aplicáveis a este lago aã mesmas disposições estabelecidas para o Niassa referentes aos direitos de pesca e abrigo; Portugal adquire 6O km2.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao lago Chirua, fica excluído da orientação acordada pelas duas comissões para as restantes fronteiras lacustres entre Moçambique e a Niassalândia; ao longo de cerca de dois anos de negociações, a nossa delegação entendeu dever aceitar o ponto de. vista britânico, defendido com vigor, de aquela fronteira continuar sendo a que vigorava, ainda que não correspondesse ao Tratado de 1891, que seguia critério igual para os três lagos, por se haverem colocado os marcos fronteiriços a oriento da sua margem. Â existência diurnas escassas centenas de nativos da Niassalândia c os problemas, que então se afiguraram insolúveis aos nossos vizinhos, da sua possível transferência para, outro local do seu território, a cargo do Governo Português, condicionaram a actuação dos delegados britânicos que negociaram este Acordo e nos nossos encontraram inteligente e amiga compreensão.
É certo que o lago Chirua tem teimado com os homens e, ignorando a sua argumentação, lia anos que vem avançando para oriente, e já hoje parte das suas águas, a nordeste, são portuguesas, por estar submerso um dos marcos que a comissão mista de fronteiras havia colocado em terra firme há umas dezenas de anos, quando foi feita a delimitação entre os dois territórios. A continuar esto movimento para leste, parece ser a própria natureza a desejar resolver um problema que tem mais valor de princípio do que material, uma vez que os indígenas ali estabelecidos, impossibilitados de obterem na terra portuguesa os elementos essenciais à vida, que o lago, por si só, não pode fornecer, possivelmente terão de se retirar.
Sem querer fazer figura de retórica, parece-me poder afirmar, com segurança, serem os próprios elementos que consolidam a nossa aliança com a Inglaterra, eliminando os factores humanos, que raríssimas vezes não têm compreendido toda a sua grandeza.
Solidários na paz e na guerra, solidários no Mundo, responsáveis perante Deus pelo destino dos povos que a Providência nos confiou, sujeitos nos cinco continentes, notoriamente em África, aos ataques dos mesmos Inimigos e pulas mesmas razões, a defesa da Civilização, sempre nos encontrámos de mãos dadas nos momentos cruciais da História.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Batemo-nos nas mesmas trincheiras da Flandres e de África, prestámos durante a última guerra os serviços que uma aliança exige entre nações que, se estimam e respeitam, não conhecendo nas suas relações sentimentos de servilismo nem atitudes ditadas oportunismos, que são sempre desleais. Ainda recentemente, como muito bem acentua o notável parecer da Câmara Corporativa, tivemos ocasião de sentir e apreciar o valioso apoio moral britânico acerca dos nossos direitos em Goa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Na visita, há dias anunciada. do Chefe ido Estado Português a Sua Majestade Britânica temos a última afirmação dos indestrutíveis laços que unem as duas nações, a consagração duma política, pelo que nos cumpre felicitar o Governo pelo significado e alcance do convite, marcada a exteriorização dos sentimentos que ligam os dois povos que «ao Mundo deram novos Mundos».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Outros pontos onde são acordadas algumas rectificações na linha de delimitação verificam-se nas zonas da Angónia e Mutarara. Foi o desejo da Niassalândia de adaptar ás circunstâncias actuais as fronteiras de 1891 que levou o Reino unido a tomar a iniciativa das (primeiras conversas sobre, as delimitações das fronteiras de Moçambique, e nessas conversas vamos encontrar a causa próxima deste Acordo. Na zona da Angónia é determinada a autoridade do território vizinho. Numerosos indígenas dele dependentes há muito se haviam estabelecido cm Moçambique, tendo mesmo sucedido haver-se construído uma estrada aquém-fronteira, por motivos explicáveis naquelas regiões.
Mereceram a maior simpatia os desejos do Reino Unido, assim começando as reuniões dos delegados dos dois países, nomeados para o estudo das pretensões apresentadas. Alargado o âmbito inicial, estendeu-se a Ioda a fronteira comum a troca de pontos de vista, sempre presente nos espíritos das delegações: fazer da linha de delimitação uma linha que unisse e nunca um muro que separasse. E porque foi possível conseguir-se- um sistema de- «benefícios recíprocos» -como com tanta, justeza o classificou o presidente da comissão portuguesa -, todos se podem congratular com os resultados obtidos. O saldo das rectificações na Augónia é do 30 km2 para a Niassalândia; na Mutarara, motivos similares aos existentes na Angónia, invocados pela nossa delegação, resultaram num aumento de 4,7 km2 do nosso território.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -.Sr. Presidente: ainda que os resultados materiais não sejam os mais importantes, como já se acentuou, parece oportuno salientar, em breve síntese, alguns deles obtidos com o presente Acordo.
A partilha do lago Niassa transforma em situação jurídica a navegação c a pesca; largo futuro é lícito esperar de uma e de unira, sabido o desenvolvimento rápido, até crescimento brusco, por vezes incompreensível para os estranhos ao meio daquelas regiões de África.
Mais importante ainda é a possibilidade de prolongamento do caminho de ferro de Moçambique até à margem portuguesa, transformando-o, imediatamente, após o seu término ali chegue, em linha ferroviária

Página 856

856 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 94

internacional, servindo vastas e ricas regiões, que, ou têm dificultosos e caros transportes, ou estão mesmo impossibilitadas de desenvolver determinados sectores económicos, como o mineiro.
O apetrechamento que está em execução do porto de Nacala, porto natural na costa do Indico, permitirá aumentar rápidamente o tráfego e devo embaratecer o custo dos transportes, pois os seus 300 m de cais acostável, em construção, beneficiam extraordinariamente as excepcionais condições que a natureza deu a este porto. Que consente um aumento praticamente ilimitado de tráfego.
Prevê o Plano de Fomento a continuarão do raminho de ferro de Moçambique, que tem agora o seu início em Nacala, de Nova Freixo a Catur, numa extensão de 184 km; de Catur ao lago Niassa, em Meponda (porto Arroio), distam 96 km.
Se porventura fosse necessária justificação económica para a ligação ao lago, o presente .Acordo, dando-lhe acesso às suas águas e permitindo a construção do porto em Meponda, só por si, creio, é razão suficiente para a sua realização próxima. Toda a região marginal do Tanganica e outras o, que porventura interesse na Niassalândia dão a medida da grandeza - do empreendimento e significado palpável às vantagens auferidas.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - São conhecidas as dificuldades técnicas para estabelecer e apetrechar um porto um a grandeza que as circunstâncias e o grande futuro de caminho de ferro exigem; as variações do nível das águas no lago são grandes, dificultando a construção de cais acostáveis em margens pouco propícias.
Mas já foi encontrada a solução técnica dum cais flutuante, e parece assim resolverem-se completamente as dificuldades encontradas, para o caso do Governo entender, norteado pelo sentido da cooperação que sempre tem afirmado na sua política internacional, que se torna necessário acelerar a execução daquele empreendimento.
Vem a propósito referir ler sido a. preocupação britânica de resolver as dificuldades encontradas para os problemas portuários do lago Niassa uma das causas que conduziram ao estudo em curso da regularização do nível do Niassa e utilização agrícola e hidroeléctrica do rio Chire. Esse estudo, que foi objecto de conversas prévias entre os dois Governos, foi entregue, por comum acordo, à firma inglesa Sir William Halcrow and Partners e tem sido acompanhado localmente por dois engenheiros portugueses. Por troca de notas de 17 do Janeiro de 1903, aceitaram os dois Governos que Portugal custearia um terço dos estudos, ficando com direito à energia eléctrica que venha a produzir-se na proporção em que comparticipar na empresa mista que executará as obras da represa para estabilização das águas do lago e regularização do rio Chire, mais as barragens e centrais hidroeléctricas que neste se construam.
Os largos horizontes que só abrem à colaboração luso-britânica com estes empreendimentos consolidarão a nossa amizade e serão para os territórios que deles venham a sentir os benefícios uma realidade mais da nossa aliança.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Sr. Presidente: para acabar as minhas considerações citarei as palavras proferidas pelo Sr. Ministro do Ultramar, quando abriu a conferência luso-britânica, no início dos trabalhos que conduziram aos resultados que acabo de expor «Encontrarão os nossos amigos e delegados britânico.; toda a boa vontade da parte da delegação portuguesa, assim como estamos certos de que por sua vez hão-de examinar com espírito de equidade as justas pretensões que lhe sejam apresentadas ».
Na medida, que competia à nossa geração, cumpriram-se os votos, em boa hora formulados e que eram uma aspiração de três gerações anteriores.
Voltou-se uma página na nossa história. Encerrou-se um capítulo na história de Moçambique.

Vozes : - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Sr. Presidente: é com muito prazer quis me desempenho do honroso encargo que recebi ,do Sr.Presidente da Comissão dos Negócios Estrangeiros da Assembleia, enviando para a Mesa a seguinte

Proposta de resolução

« A Assembleia Nacional, tendo tomado conhecimento do texto Acordo relativo à fronteira de Moçambique com a Niassalândia, assinado em Lisboa, em 18 de Novembro de 1954, por S. Ex.ª o Ministro dos Negócios Estrangeiros. Prof. Dr. Paulo Cunha, pelo Governo Português e .S. Sx.ª o Embaixador de Sua Majestade Britânica, Sir Nigel Ronald, ;pelos Governos do Reino Unido e da Federação da Rodésia e Niassalândia :
Considerando que este Acordo representa alto exemplo, na política internacional, de compreensão mútua dos povos e traduz a vontade firme de cooperarem na sua missão civilizadora, contribuindo também para maior estreita mento da aliança luso-britànica:
Resolve aprovar, para ratificação, o mesmo Acordo, conforme o texto oficial submetido à Assembleia.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 20 de Abril de 1955. - O Deputado, Sebastião Garcia Ramirez

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou pôr á votação a proposta de resolução que acaba de ser lida.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Augusto Cancella de Abreu : - Peço a V. Ex.ª que se registe que a aprovação foi por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Será registada a aprovação por unanimidade.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Ponho agora, em discussão a proposta de lei n.° 20, relativa a servidões militares.
Está em discussão na generalidade.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto nenhum Sr. Deputado desejar lazer uso da palavra, considero-a aprovada na generalidade.

Pausa.

Página 857

21 DE ABRIL DE 1955 857

O Sr. Presidente:-Vai passar-se à discussão na especialidade.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: a proposta, como o parecer da Câmara Corporativa, foi considerada e estudada pela Comissão de Legislação e Redacção.
Esta Comissão não encontrou qualquer observação a fazer e notou que, pelo menos no aspecto de arrumação e da técnica legislativa, enfim, estava melhor o projecto tal como é apresentado pela Câmara Corporativa, e, nessa orientação, resolveu que se requeresse a V. Ex.ª no sentido de fazer incidir a respectiva discussão sobre o projecto que se integra no parecer da mesma Câmara.

O Sr. Presidente: - Vou pôr à votação o requerimento que acaba de apresentar o Sr. Deputado Mário de Figueiredo.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente:-Em vista da votação da Câmara, a discussão e votação correrão sobre o texto sugerido no parecer da Câmara Corporativa.
Ponho á discussão o artigo 1.° desse texto. Vai ler-se.

Foi lido.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai votar-se.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vão ser lidos, para entrarem em discussão, os artigos 2.° a 7.°, que fazem parte do capítulo 1.°
Foram lidos, sendo depois aprovados sem discussão.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a leitura dos artigos 8.° a 11.°, que constituem o capítulo 2.°, para entrarem em discussão.

Foram lidos e,seguidamente, aprovados sem discussão.

Õ Sr. Presidente:- Vão ler-se os artigos 12.º a 14.º, que constituem o capítulo 3.º.
Foram lidos.

O Sr. Presidente:-Visto nenhum Sr. Deputado desejar fazer uso da palavra, vão votar-se.

Submetidos à votação, foram aprovados os artigos 12.º a 14.º

O Sr. Presidente: - Está em discussão o capitulo 4.°, que abrange os artigos 15.° e 16.°, os quais vão ser lidos.
Foram lidos.

Pausa.

O Sr. Presidente:-Visto nenhum Sr. Deputado desejar fazer uso da palavra, vão votar-se.

Submetidos à votação, foram aprovados os artigos 12.° a 14.º

O Sr. Presidente:-Visto nenhum Sr. Deputado desejar fazer uso da palavra, vão votar-se.

Submetidos à votação, foram aprovados .

O Sr. Presidente:-Está em discussão o capítulo 5.°, que abrange os artigos 17.° a 21.°, os quais vão ser lidos.

Foram lidos.

Pausa.

O Sr. Presidente:-Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vão votar-se os artigos 17.°

Submetidos à votação, foram aprovados.

O Sr. Presidente:-Está concluída a discussão e votação desta proposta de lei e. desse modo, esgotada a ordem do dia que tinha sido designada para hoje.
Vou encerrar a sessão. Antes, porém, convoco a Assembleia para a sessão conjunta do dia 22 do corrente, pelas 17 horas.
A primeira sessão de trabalhos depois da sessão conjunta será no sábado, u hora regimental, tendo por ordem do dia a apreciação das Contas Gerais do Estado e as da Junta do Crédito Público relativas a 1953.
Quero informar a Camará de que na próxima semana terão de ser apreciadas, além de outros assuntos, duas propostas de lei em cuja discussão na presente sessão legislativa, como resulta da sua própria natureza, o Governo tem interesse.
São esses diplomas a proposta de lei relativa a alterações à Lei Orgânica do Ultramar e a proposta de lei sobre a revisão do Plano de Fomento.
A discussão daqueles diplomas pode ser marcada a partir da próxima terça-feira.
A primeira que chegou à Câmara foi a proposta do lei sobre alterações à Lei Orgânica do Ultramar.
Por aqui poderemos começar, depois de aprovadas as Contas Gerais do Estado, se a Câmara estiver suficientemente preparada.
A Comissão de Economia ó convocada para a próxima terça-feira, às l6 horas.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 25 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Raul Galiano Tavares.
Baltasar Leite Rebelo de Sousa.
Caetano Afaria de Abreu Beirão.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
João Ameal.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Mendes do Amaral.
Jorge Pereira Jardim.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Ricardo Malhou Durão.
Tito Castelo Branco Arantes.

Página 858

858 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 94

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Cruz.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Antão Santos da Cunha.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Russell de Sousa.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Mantero Belard.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Herculano Amorim Ferreira.
João Afonso Cid dos Santos.
João Alpoim Borges do Canto.
João da Assunção da Cunha Valença.

oão Maria Porto.
Joaquim de Pinho Brandão
José Garcia Nunes Mexia.
José dos Santos Bessa.
Manuel Cerqueira Cromes.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Teófilo Duarte.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

CÂMARA CORPORATIVA

VI LEGISLATURA

PARECER N.º 22/VI

Proposta de lei n.º 22

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 103.º da Constituição, acerca da proposta de lei n.° 22, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Política e economia ultramarinas e de Finanças e economia geral), à qual foram agregados os Dignos Procuradores António Passos de Oliveira Valença, João Baptista de Araújo, José do Nascimento Ferreira Dias Júnior e Luís Quartin Graça, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

I

Apreciação na generalidade

§ 1.º

Objectivos da proposta de lei em exame

1. Para cumprimento do disposto no n.° 3.° da base III da Lei n.° 2058, devia o Governo, no começo do ano corrente, elaborar e aprovar o terceiro dos planos anuais cm que se divide a execução do Plano de Fomento constante daquela lei.
A experiência de administração do Plano que os dois últimos anos lhe consentiram, a mais exacta avaliação das possibilidades de execução dos empreendimentos previstos, a posse de dados que lhe aconselham a ampliação de certas obras ou aquisições, bem como a aprovação de projectos complementares, permitindo-lhe refazer, com certo rigor, os cálculos iniciais sobre o custo final dos vários empreendimentos, convenceram o Governo da necessidade de uma revisão do Plano e da vantagem de só elaborar o programa anual definitivo para 1955 depois de examinada, discutida e votada essa revisão.
E, assim, foi enviada a Assembleia Nacional a proposta de lei que agora se aprecia.

2. No claro e minucioso relatório em que o Governo justifica a proposta de lei diz-se que ela não visa uma remodelação do Plano de Fomento, mas apenas o seu ajuste aos factos verificados nos dois primeiros anos da sua execução e aos que se prevê venham a verificar-se nos quatro anos que faltam para o seu termo.
A primeira ideia-base a reter será, por isso, a de que, por declaração do Governo no seu relatório, a proposta de lei não visa alteração de fundo na estrutura do Plano de Fomento já examinado pela Câmara, aprovado pela Assembleia Nacional e constante da Lei n.° 2058; bem no contrário, o objectivo da proposta é garantir a máxima execução desse Plano.

3. Mas se o Governo afirma o desejo de não modificar, sensivelmente, a composição de empreendimentos fixada nos quadros anexos à Lei n.º 2058, propõe, no entanto, alterações que importa «salientar: a primeira respeita ao aumento do volume dos investimentos na metrópole c

4. Verifica-se nos quadros anexos à proposta de lei (quadros I e II) e nos elementos constantes do seu relatório ter o Governo concluído que a execução possível

Página 859

21 DE ABRIL DE 1955 859

do Plano (Plano da metrópole e contribuição desta para o Plano do ultramar) impõe uma elevação aparente dos investimentos previstos da ordem dos 2 252 200 contos, a que corresponde um aumento efectivo do custo do Plano a cargo da metrópole de l 242 600 contos.
Este maior custo do Plano tem-no o Governo como suportável, sem qualquer sacrifício pelo mercado financeiro, reavaliados os caudais de financiamento como foram - naquela linha de prudência que é uma constante da sua actuação.
Nota-se, desde já, que na proposta de lei (propriamente dita nada se dispõe quanto ao novo plano de coberturas, nomeadamente no que respeita à maior contribuição que se espera obter do Orçamento Geral do Estado. Este ponto se retomará quando se proceder ao exame do projecto de lei na especialidade.

5. Na Lei n.° 2058 adoptou-se o sistema de descrever, nos seus mapas anexos n.os I a X, todos os empreendimentos previstos e de indicar para cada um o respectivo investimento.
Este sistema vincula fortemente o Governo e informou todo o trabalho de exame e apreciação realizado pela Câmara e pela Assembleia Nacional em 1952.
Na proposta de lei em exame o Governo segue orientação diferente: no relatório justificativo insere mapas onde compara, empreendimento por empreendimento, as dotações fixadas ma Lei n.º 2058 com aquelas que agora prevê, mas, como parte integrande da lei, apenas propõe dois quadros - um para a metrópole, onde a revisão dos investimentos se distribui pelos cinco grandes grupos em que se divide o Plano; outro para o ultramar, em que os novos valores dos investimentos se estabelecem, globalmente, para cada uma das províncias ultramarinas.
Conjugados estes quadros com o disposto na base I do projecto de lei, é-se conduzido a concluir que o Governo pede lhe seja dada maior liberdade de movimentos na condução do Plano. Regista-se no entanto que esta maior liberdade -no entender da Câmara solicitada somente quanto à utilização dos reforços propostos para cada um dos grupos de investimento e para cada uma das províncias ultramarinas - solicita-a o Governo, apenas e só, na previsão de uma qualquer alteração eventual do Plano: na verdade, nos mapas B e C constantes do relatório do projecto o Governo distribuiu rigorosamente o aumento total proposto pelos empreendimentos constantes dos quadros da Lei n.º 2058.

6. A terceira das alterações à legislação em vigor não respeita directamente ao Plano, mas sim à actuação do Fundo de Fomento Nacional. Não há que fazer-lhe mais pormenorizada referência neste parágrafo, que teve como única finalidade determinar o alcance da proposta de lei em exame.

§ 2.º

Limitações ao parecer da Câmara

7. Para a Câmara Corporativa outra tarefa não haverá mais grata que a de colaborar no estudo e a de dar todo o seu apoio às propostas do Governo em matéria de fomento da economia do País - fomento esse que a um tempo será também causa e efeito do aperfeiçoamento moral, intelectual e social da Nação. Por isso em 1952, quando foi chamada a pronunciar-se sobre o Plano de Fomento apresentado pelo Governo, a Câmara mobilizou todas as secções para que o seu parecer correspondesse, em profundidade e extensão.
ao mérito do empreendimento que o Governo tomou a iniciativa de propor ao País.
É com igual interesse que a Câmara olha hoje o projecto de revisão do Plano, embora não possa dar ao parecer de agora a profundidade e a extensão que caracterizaram o exame da proposta inicial do Governo: a Assembleia Nacional viu-se obrigada a diminuir para metade o prazo - já de si tantas vezes insuficiente - que o Regimento concede à Câmara Corporativa para apresentar os seus pontos de vista; os quinze dias que agora lhe foram facultados para angariar elementos, ponderar e discutir o seu sentido, reduzir a escrito o pôr em letra de forma as suas observações e conclusões, caíram, ainda, no período da Páscoa, quadra em que sempre, justa e naturalmente, se verifica certa perturbação nos serviços públicos.
A escassez do tempo é, assim, a primeira limitação posta ao parecer da Câmara e, mesmo, ao seu modo natural de trabalhar: houve que prescindir da elaboração de pareceres parciais e tentar, desde logo, o parecer geral sobre a proposta de lei.
Independentemente da influência do factor tempo, afigura-se à Câmara que os próprios objectivos do projecto de lei desde logo limitam a matéria do presente parecer e impõem-lhe feição muito diversa da que foi ciada aos trabalhos de 1952.
Na verdade, e como se viu no § 1.°, o Governo não propõe uma alteração da estrutura do Plano, mas apenas pede à Assembleia Nacional que vote um reforço das dotações globais inicialmente previstas, reforço sem o qual entende não poder executar o que já está projectado e aprovado.
Nestas condições, considera a Câmara não haver lugar à reabertura da discussão sobre a estrutura de um programa de acção que está já lavrado na pedra da lei. Essa discussão, além de ser difícil de fazer, utilmente, no tempo disponível, poderia ter os maiores inconvenientes: sabe-se que o Governo, tornados definitivos certos projectos e refeitos os cálculos dos seus custos, verificou a necessidade de investir mais milhão e meio de contos, não em obras novas, mas sim em empreendimentos que, na maioria dos casos, se encontram já iniciados e fazem parte da Lei n.° 2058. Perder o dinheiro já gasto ou diminuir a rendabilidade de certos empreendimentos para utilizar em sector diferente os capitais que a administração do Plano julgou deverem ser investidos em obras complementares s que se encontram em curso de execução seria, salvo caso excepcional, caminho que o bom senso não deixaria andar.
Temos, por isso, que pouco campo haverá para a discussão sobre o melhor destino dos l 300 000 coutos com o que n» parecer do Governo as diversas fontes de financiamento podem concorrer para além do previsto: quanto a este montante, a discussão só teria interesse se pudesse corrigir, com mais seguros fundamentos, as estimativas do Governo. Sobre este aspecto nota-se que muitas das correcções de valores agora apresentadas confirmam os cálculos da Câmara em 1952. E, quando o não confirmem, reconhece a Câmara não lhe ser fácil obter numa semana novos elementos de apreciação capazes de a convencerem de que as estimativas que fizesse assentariam em melhores fundamentos que as apresentadas pelo Governo.
A Câmara dará ao seu parecer a orientação resultante das observações que acabam de fazer-se, e, assim, em lugar de descer ao exame casuístico das alterações que o Governo prevê, procurará antes determinar o estado de execução do Plano, no intuito de definir, para serem corrigidas, as causas do seu possível atraso; depois tentará ilustrar com alguns números e outras tantas considerações 'a possibilidade, afirmada pelo

Página 860

860 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 94

Governo, de cobertura dos aumentos previstos; por fim, fará, em síntese, a comparação entre as sugestões iniciais da Câmara e a revisão agora proposta e aproveitará a oportunidade para, retomando as suas recomendações de 1952, sugerir a vantagem de ser considerada pelo Governo, na medida em que as possibilidades de investimento excedam as necessidades do Plano, mais rápida e eficiente solução para dois problemas que são também chave do progresso económico e social do País e que, se mereceram já muitos cuidados legislativos, não os viram materializados na medida necessária: a assistência à agricultura e a reorganização industrial.

§3.º

A execução do Plano da metrópole no biénio 1953-1954

8. O relatório da proposta de lei dá esclarecimentos de pormenor sobre o estado de adiantamento dos principais empreendimentos. Por isso, nas suas notas sobre a execução do Plano a Câmara não repetirá o que no relatório está dito.
Da observação do quadro i verifica-se que durante o período 1953-1904 ficaram por realizar investimentos no valor de 778 100 contos. Convém, todavia, salientar que do total dos recursos mobilizados - 3 156 900 contos- se despenderam apenas 2 595 900, o que, para efeitos de medir a execução efectiva do Plano, aumentaria em 621 000 contos a diferença acima apontada se não houvesse que ter-se em conta estarem assumidos, por força dos recursos mobilizados e para trabalhos em curso, compromissos que se sabem vultosos, mas cujo montante não foi possível determinar com precisão.
O sector da «Agricultura» foi aquele em que houve uma quase completa coincidência entre o realizado e o despendido. Nos outros grandes grupos de investimentos as diferenças foram mais ou menos sensíveis.

QUADRO I

Execução do Plano no biénio 1953-1954

(Em milhares de contos)

[Ver Tabela na Imagem]

Pareceu conveniente, para cornar mais fácil a apreciação do desenvolvimento do Plano, isolar cada um dos anos da sua execução, pari o que se elaboraram os quadros II e III.
A análise do quadro n mostra que em 1953 - fase de arranque - o sector unais fraco na execução foi o das «Comunicações e transpordes», em aposição ao da «Indústria».

QUADRO II

Execução do Plano durante 1953 (Em milhares de contos)

[Ver Tabela na Imagem]

A percentagem entre as previsões revistas e as dotações despendidas atingiu, em 1954, 52,5 por cento, percentagem esta que não traduz exactamente o esforço
feito, dado que no ano findo se realizaram trabalhos no valor de 109 100 contos (ver quadro II, col. 6), cobertos com verbas pertencentes ao Plano de 1953.

QUADRO III

Execução do Plano durante 1954

[Ver Tabela na Imagem]

Página 861

21 DE ABRIL DE 1955 861

9. Quanto às fontes de financiamento, ressalta da consulta do quadro IV que aquando das revisões do Plano em 1953 e 1954 o Conselho Económico decidiu solicitar do capital privado um acréscimo de 485 500 contos sobre a contribuição que lhe fora fixada de início. É igualmente de sublinhar a circunstância de se ter realizado quase completamente o financiamento previsto proveniente do sector privado, tendo mesmo a contribuição das instituições de crédito e particulares
excedido largamente o que inicialmente se fixara.

QUADRO IV
Origem dos financiamentos do Plano em 1953-1954 (Em milhares de contos)

[Ver tabela na imagem]

10. A comparação dos programas revistos com o programa realizado, conjugando a origem dos financiamentos com a natureza dos investimentos a que os mesmos se destinam, fez-se no quadro v.

QUADRO V
Fontes de financiamento da execução do Plano no biénio 1953-1954
Programa revisto (Em milhares de contos)

[Ver tabela na imagem]

Programa realizado
(Em milhares de contos)

[Ver tabela na imagem]

Página 862

862 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 94

§4-°

A execução do Plano no ultramar

11. O relatório que precede e justifica a proposta de lei, acerca da revisão do Plano não apresenta, ao contrário do que sucede quanto à metrópole, informações pormenorizadas sobre o que tem sido a sua efectivação nos territórios ultramarinos.
Pareceu, por isso, de interesse apresentar, quanto ao desenvolvimento do Plano no ultramar, apontamentos que, embora muito gerais, e possivelmente com alguma inexactidão, procuram, no entanto, descer a pormenores que se julgaram dispensáveis ao examinar a execução do Plano da metrópole, uma vez que a ele se refere, com toda a autoridade, o relatório da proposta de lei.
Para uma mais fácil visão global das previsões estabelecidas e das realizações efectuadas, resumiram-se no quadro VI, por província, as dotações fixadas e as quantias despendidas em 1953, 1954 e no biénio 1953-1904.
Da consulta do quadro vi ressalta, como primeira impressão, a circunstância de não se haver conseguido em qualquer província atingir totalmente os objectivos fixados. B, embora não se possa esquecer que o período em análise deve ser considerado como a fase de arranque, e, como tal, de adaptação e subordinação dos serviços a normas e prazos a que não estavam ainda habituados, mão se are que a esse facto se possa atribuir a inteira responsabilidade dos atrasos.
Julgou-se de interesse desdobrar o quadro em dois novos quadros -quadro VII e quadro VIII -, nos quais se destacaram, relativamente às quantias previstas e às quantidades despendidas, a natureza dos respectivos investimentos.
Na análise do quadro VIII deve ter-se sempre em atenção que, regra geral, de 1953 transitaram para 1954 saldos vultosos, e que, por conseguinte, casos houve em que o despendido ultrapassou o previsto, embora de forma a não absorver completamente as disponibilidades existentes e que lhe estavam consignadas.

QUADRO VI

Previsões do Plano de Fomento para o ultramar em 1953 e 1954 e respectivas realizações

(Em contos)

[Ver Tabela na Imagem]

Página 863

20 DE ABRIL DE 1955 863

ivas realizações, discriminadas por províncias

[ver tabela na imagem]

Página 864

QUADRO

Previsões do Plano de Fomento para o ultramar em 1953 e

(Em con

[ver tabela na imagem]

QUADRO

Pevisões do Plano de Fomento para o ultramar em 1954 e

(Em con

[ver tabela na imagem]

Página 865

865 21 DE ABRIL DE 1955

12. A observação dos quadros referidos e as informações que foi possível obter em tão curto prazo permitem o seguinte e ligeiro esboço da situarão do Plano em cada província:
Cabo Verde. - No biénio 1953-1954 ficaram por despender no arquipélago de Cabo Verde dotações no valor de 18 934 contos.
Os empreendimentos em que o progresso foi mais manifesto, ainda que longe de uma realização integral, dizem respeito aos melhoramentos hidroagrícolas, florestais e pecuários.
Quanto às sondagens hidrogeológicas e às obras do porto de S. Vicente, as verbas despendidos ficaram muito aquém das respectivas dotações.
Guiné. - Na Guiné, de uma dotação de 49 200 contos para o período 1953-1954, gastaram-se 25 580 contos.
Das realizações efectuadas há a destacar as que se referem às pontes do Geba, em Bafatá, do Curubal e do Cacheu (a montante de Farim), em que as dotações estabelecidas foram completamente utilizadas. Merece igualmente registo o progresso verificado nos trabalhos do Aeroporto de Bissau.
Os pontos em que o atraso é particularmente sensível respeitam à defesa, enxugo e recuperações de terrenos para n agricultura, assim como aos trabalhos de regularização e dragagem do rio Geba.
S. Tomé e Príncipe. - A dotação global prevista para S. Tomé e Príncipe a utilizar nos anos 1953 e 1954 somava 42 500 contos, tendo sido despendidos 6521 contos.
Em nenhum empreendimento a dotação prevista foi totalmente empregada, sendo as rubricas «Aquisição de terras, aldeamentos para famílias de trabalhadores e assistência pecuária» e «Instalação e apetrechamento do Aeroporto de S. Tomé» aquelas que revelam memores movimentos de financiamento.
Angola. - De todas as províncias, foi a de Angola que teve a maior dotação - 861 850 contos -, dos quais se despenderam 478 035 contos.
A preparação de terrenos para a rega, os aproveitamentos hidroeléctricos, a construção e apetrechamento de caminhos de ferro e os trabalhos nos portos e aeroportos absorveram a quase totalidade das verbas utilizadas.
Entro outros, os trabalhos no vale do Cunene, o aproveitamento hidroeléctrico do Biópio (Catumbela), a prospecção geológico-mineira do território e as obras do Aeroporto do Luanda acusaram um progresso animador.
Quanto ao caminho do ferro do Congo, apenas se gastaram 2480 contos, dos 35 000 que lhe listavam consignados.
Moçambique. - As dotações para a execução dos empreendimentos enquadrados no Plano durante o biénio 1953-1954 somavam 839 000 contos, de que se empregaram 555 797 contos.
Entre os empreendimentos cujas dotações foram quase totalmente utilizadas são de destacar os da rega, enxugo e preparação do terrenos no vale do Limpopo, da construção e apetrechamento dos caminhos do ferro do Limpopo e de Vila Luísa à Manhiça, bem como os do porto de Nacala e dos aeródromos.
Índia. - Em 1953 estava prevista para o Estado da índia uma dotação de l5 000 contos, de que se gastaram 3189 contos; no ano do 1954 a dotação foi
muito maior, pois atingiu 48 700 contos, tendo-se utilizado 6668. .
Foi nos sectores da propecção gcológíco-mineira e das pontes na ilha de Goa e outras que o valor do despendido mais se aproximou da dotação.
Nos restantes sectores houve movimentação de verbas, se bem que nem sempre num quantitativo apreciável.
Macau. - Da verba de 42 000 contos que lhe estava designada durante o biénio de 1953-1954. despenderam-se 9815 contos.
Tanto no sector da urbanização, águas e saneamento, como no das estradas e aeroportos realizou-se importante movimentação das dotações. Quanto ao sector das dragagens e aterros, a dotação prevista não foi utilizada.
Timor. - A Timor coube, para o período 1953-1954, a dotação de 26 000 contos, de que ficou um saldo para 1955 de 11 529 contos.
De uma maneira geral, todas as obras originaram utilizações das quantias que lhes estavam consignadas. A salientar os trabalhos de reconstrução, em que se gastaram 9572 contos, dos 15 000 previstos.

13. Seria do maior interesse analisar o comportamento das diversas fontes de financiamento, em face das solicitações do Plano. Não foi possível obter elementos que permitissem realizar o estudo atrás apontado pelo que se preferiu referir antes as origens dos financiamentos, depois de definativamente fixada a sua contribuição.
As coberturas para Cabo Verde e Guiné saíram, respectivamente, dos empréstimos de 112 000 contos (Decreto-Lei n.° 39 194, de 6 de Maio de 1953) e de 78 000 contos (Decreto-Lei n.° 39 179, de 21 de Abril de 1953) 1.

Os financiamentos de S. Tomé e Príncipe foram feitos por conta dos saldos das contas de exercícios findos para o ano de 1953, verificando-se em 1954 as seguintes alterações:

(ver tabela em imagem)

A origem dos financiamentos foi, para Angola, em 1953, a seguinte:

ver tabela em imagem)

Note-se, no entanto, que no programa de execução estavam previstos financiamentos provenientes do crédito externo (72 000 contos), de um empréstimo a contrair na Companhia dos Diamantes (90 000 contos) e de um adiantamento da metrópole (15500 contos), que não houve necessidade de realizar, saindo as respectivas coberturas dos saldos das contas de exercícios findos (162000 contos) e do excesso de cobrança da

1 No caso da Guiné os lucros da amoedação concorreram com 8200 contos para a construção de pontes.

Página 866

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 94 866

receita ordinária sobre a previsão orçamental (15 500 contos).
Para o ano de 1954 os financiamentos saíram das seguintes fontes:

(ver tabela em imagem)

Embora estivessem previstos dois empréstimos - 100000 contos (crédito externo) e 10000 contos (Companhia dos Diamantes) - , não houve necessidade do seu concurso, pois foram ambos substituídos pêlos saldos das contas de exercícios findos.
Os financiamentos para Moçambique, em 1953, tinham a seguinte proveniência:

(ver tabela em imagem)

Como o empréstimo de 39 000 contos não foi realizado durante o ano económico, eliminaram-se 10 000 contos, visto o empreendimento estar entregue a uma empresa privada, que contraiu directamente os seus encargos. Os 29 000 contos restantes foram substituídos pelo excesso de cobrança ordinária sobre a previsão orçamental.

1 10000 contos para o Revué e 29000 contos para o caminho de ferro do Limpopo.

No ano de 1954 os financiamentos provieram de:

(ver tabela em imagem)

Na índia a origem dos financiamentos ofereceu em 1953 e 1954 aspectos diferentes:

(ver quadro em imagem)

Daqui se conclui que o empréstimo a contrair na metrópole (19 000 contos) não se efectuou.
Os financiamentos para os trabalhos em Macau provieram dos saldos das contas de exercícios findos (1953, 6600 contos, e 1954, 15 500 contos), do fundo de reserva (1954, 2500 contos), e do empréstimo 1 da metrópole (1953, 9400 contos, e 1954, 8000 contos).

Os trabalhos integrados no Plano de Fomento a executar em Timor em 1953 e 1954 foram financiados por subsídio reembolsável de 72 000 contos (Dccreto-Lei n.° 39 194, de 6 de Maio de 1953).
No quadro IX resumiram-se as fontes de financiamento (metrópole e província) a que se recorreu para execução do Plano no ultramar durante 1953 e 1954.

1 Decreto-Lei n.° 39 179), de 21 de Abril do 1953.

QUADRO IX

Previsão dos financiamentos da metrópole e de cada província para a execução do Plano de Fomento no ultramar durante os anos de 1953 e 1954

(ver quadro em imagem)

14. As notas que se escreveram sobre a execução do Plano no ultramar, se não desceram a um rigoroso e pormenorizado exame da situação, bastam, no entanto, para se dar conta dos atrasos existentes e para se ficar com a certeza de que em nada eles se devem a dificuldades de financiamento.
É evidente que a execução do Plano no ultramar apresenta, quanto a alguns aspectos, dificuldades que não surgiram na metrópole. Das informações colhidas ficou, no entanto, a impressão de que o atraso é, de uma maneira geral, devido à falta de projectos prontos para execução e, por vezes, também a certa carência de mão-de-obra especializada.

Página 867

867 21 DE ABRIL DE 1955

Não se duvida de que o Governo tudo fará para recuperar as demoras verificadas nestes dois primeiros anos. Na economia do Plano, como na economia da Nação - metrópole e ultramar -, formam um todo; um atraso nas províncias ultramarinas corresponderá, por isso, a um atraso na metrópole, como verdadeira é também a afirmação contrária.
Mas, tanto no caso da metrópole como no caso do ultramar, o exame do andamento do Plano não interessa só pela avaliação dos inconvenientes que possam resultar da demora no acabamento deste ou daquele empreendimento. Importa também, e muito, por permitir a aferição da nossa capacidade de realizar e a verificação das causas que até agora não consentiram que ela seja tão grande como a desejamos.
Pela sua importância se faz referência a essas causas, comuns à metrópole e ao ultramar, no parágrafo seguinte.

§5.º

Dificuldades na execução do Plano

15. Se o final de 1954, mesmo depois de deduzida a execução aparente, traduz um esforço sério de recuperação do tempo perdido, a Câmara, pêlos motivos expostos, tem de frisar o atraso que se verifica no andamento que o Governo previu para a execução do Plano.
E, como o termo do Plano fixado na Lei n.° 2058 deverá marcar o início de novo plano, não parece fora de propósito que no presente parecer se deixe um apontamento a sublinhar, com vista ao futuro, os ensinamentos colhidos nestes dois primeiros anos de vida do Plano.
A execução de um plano desta natureza depende fundamentalmente da verificação de um certo número de condições de ordem financeira e de ordem técnica. Quanto às primeiras, manda a verdade reconhecer que nem na metrópole nem no ultramar nenhuns obstáculos de natureza financeira se opuseram até hoje à execução do Plano.
E, não sendo devidos a dificuldades de financiamento os atrasos que se verificaram, teremos de fundá-los em problemas de natureza técnica para que não foi possível encontrar solução adequada dentro dos prazos previstos.
A Lei n.° 2058 definiu um plano para seis anos e incumbiu o Governo de, ponderadas todas as circunstâncias, fixar e executar os programas anuais em que esse plano se subdivide; quando ao longo do parecer se fala em atrasos, quer-se apenas fazer referência ao maior ou menor desequilíbrio que se verifique entre os programas anuais fixados pelo Conselho Económico e a execução que foi possível dar-lhes no período a que se referem.
Ao observar a parte do Plano que em 1953 o Governo atribuiu a cada um dos seis anos, é-se levado a reconhecer - e os factos confirmaram-no - que o Governo foi um pouco optimista quando avaliou as possibilidades de realização nos dois primeiros anos. Na verdade, um plano traduz-se na perfeita definição de um certo número de empreendimentos que no seu conjunto devem permitir se atinjam determinados objectivos.
E a execução desse plano impõe se elaborem, discutam e definitivamente se afinem os projectos dos empreendimentos previstos no programa. Os projectos depois de definitivamente aprovados são, por sua vez, condições de uma outra fase preparatória da realização dos empreendimentos: a fase das adjudicações de obras e equipamentos.
Todas estas operações de arranque levam seu tempo e, por isso, natural teria sido que, no nosso caso e desde o início, se contasse com uma execução mais fraca nos dois primeiros anos do Plano, uma vez que ele foi aprovado no fim de 1952 e se iniciou logo no começo de 1953.
Estas reflexões conduzem-nos a aceitar como compreensíveis os atrasos verificados nestes dois primeiros anos - eles resultam, em grande parte, de exagerado optimismo do Governo, quando, ao repartir a execução em escalões anuais, calculou a capacidade de realização nos dois primeiros escalões.
Mas, se estas observações atenuam os juízos pessimistas que somos tentados a fazer ao olhar as diferenças que, em alguns casos, se verificam entre o que se previu nos programas anuais e o que efectivamente desses programas se realizou, as mesmas reflexões salientam aspectos de mecânica de execução dos programas que no futuro se não podem esquecer.
É o primeiro desses aspectos a necessidade de elaborar os programas de investimentos com a necessária antecedência sobre a data em que devam começar a realizar-se. Sem estes programas ou, melhor, sem um plano de acção económica perfeitamente definido, não é possível iniciar-se o estudo dos projectos dos empreendimentos que ele comporte. A nossa experiência não permite duvidar de que tanto a definição do Plano como a definitiva elaboração dos projectos consomem muito tempo e absorvem o trabalho de muita gente. A Câmara julga por isso que, se quisermos evitar soluções de continuidade e a repetição de atrasos na fase de arranque do futuro Plano de Fomento, conviria começar, desde já e com afinco, os estudos necessários à sua elaboração.
Respeita o segundo aspecto à natureza dos obstáculos em que o Governo possa esbarrar quando tente levar a cabo o largo esforço de criação de riqueza que se propõe. Pode dizer-se que, depois de ter colocado o País em condições económicas e financeiras que lhe permitem suportar o custo das novas tarefas de alargamento da riqueza nacional, o Governo só poderá, hoje, ser detido por um obstáculo, e esse puramente humano: a insuficiência de serviços aptos a definirem a hierarquia dos objectivos, a planearem os empreendimentos através dos quais esses objectivos se devem atingir e a prepararem os projectos para execução, com maior segurança e em tempo útil.
Para este ponto entende também a Câmara dever pedir a atenção do Governo. O problema não se põe só quanto ao Plano em execução. Põe-se também para tudo o que há a fazer fora do Plano. Põe-se ainda para a preparação de novos planos.
Tendo em conta a experiência destes dois primeiros anos, afigura-se à Câmara que o Governo deveria reforçar os serviços competentes da metrópole e do ultramar com pessoal técnico bastante para se evitarem as perdas, por vezes incalculáveis, resultantes de um atraso.
E não será mesmo de hesitar no recurso a técnicos estrangeiros, sempre que os nossos não bastem ou não estejam ainda devidamente preparados. Os milhares de contos que esse reforço imporá cobrarão juro muito superior ao que o mercado normalmente paga aos capitais mais diligentes.
De resto, o fomento da economia do País depende tanto da possibilidade de custear obras e de adquirir equipamentos como da existência de serviços, particularmente oficiais, capazes de bem projectarem os empreendimentos que mais interessa levar a cabo. O dinheiro disponível para o fomento económico pode, assim, gastar-se numa e noutra coisa. E será sem dúvida mais barato reforçar serviços para proporem o que deve realizar-se e para realizarem o que se previu, do que abandonar empreendimentos apenas e só porque não houve tempo de os estudar e projectar convenientemente.

Página 868

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 94 868

Manda a justiça reconhecer que a dificuldade não é só nossa. Mesmo os grandes países a têm de resolver: ainda recentemente o Presidente dos Estados Unidos, no seu último relatório económico para o Congresso 1, ao falar da coordenação dos planos de trabalhos públicos, vincou, mais uma vez, a necessidade de ser votado substancial alargamento da verba que no fim do ano havia sido atribuída para a preparação de projectos.
Esses projectos não se destinam a utilização imediata. Preparados com o tempo necessário à sua perfeita e reflectida elaboração, constituem uma reserva de empreendimentos definitivamente estudados que o Governo, federal ou estadual, porá em execução no momento oportuno: «The need for building a reservoir of ready-to-go projects has been recognised...», afirma-se no referido relatório.
O facto de sermos mais pequenos e o de possuirmos máquina burocrática de potencial francamente limitado constituem razão bastante para que entre nós o problema: se apresente com maior acuidade e nos obrigue a preparar ainda com maior antecedência os planos que se seguirão àqueles que estão em curso.

§ 6.º

O aumento dos investimentos e a sua viabilidade no período de 1955 a 1958

16. A revisão do Plano proposta pelo Governo acarreta um aumento de 2 252 200 contos nos investimentos inicialmente previstos a cargo da metrópole.
Se a essa cifra abatermos os agravamentos aparentes, teremos, como se viu ser necessário, segundo as últimas estimativas, de gastar mais l 242 600 contos para executar o plano fixado na Lei n.° 2058.

17. O País habituou-se à segurança que o Governo sempre põe nos cálculos da viabilidade financeira dos empreendimentos que projecta. Este hábito, que é uma verdade nunca desmentida, seria, só por si, razão bastante para dispensar a Câmara de fazer quaisquer considerações tendentes à prova da possibilidade de se realizarem os novos investimentos que o Governo toma a iniciativa de declarar viáveis. Acontece ainda que o montante global agora proposto se aproxima, flagrantemente, do valor total recomendado pela Câmara em 1952, e que a possibilidade de maiores mobilizações de capital para investimentos nos sectores da produção foi tese recentemente defendida por esta Câmara no seu parecer sobre a última proposta de Lei de Meios.
Se o que foi realizado antes do Plano, junto ao que se executar durante a sua vigência, é, em si mesmo, muito, estamos certos que parecerá sempre pouco a um Governo e a quantos se gastam no serviço de encaminhar o País para as alturas a que tem o direito e o dever de subir. Por isso, entendeu a Câmara escrever rápidas notas sobre o comportamento previsível de algumas das fontes do investimento, não para justificar a viabilidade dos aumentos agora julgados necessários para a realização do Plano, mas para sublinhar que a sua execução não absorverá senão uma quota-parte do capital efectivamente mobilizável. E, assim, a Câmara espera que as disponibilidades não necessárias ao Plano permitam ao Governo lançar-se em novos e tão urgentes cometimentos, sem que para tanto quebre aquela linha de prudência que a Administração sempre manteve e se reconhece ser imposição da estrutura económica do País - estrutura que, por isso mesmo, urge modificar.

1 Economic Report of the President, Washington, 1955

18. Se no projecto de lei pròpriamente dito nada se escreve quanto à forma de cobertura dos aumentos de investimento previstos (problema que será tratado ao fazer-se o exame da proposta na especialidade), no seu relatório o Governo aponta do modo seguinte a contribuição que espera das diversas fontes de financiamento:

(ver quadro em imagem)

Se considerarmos, por um lado, a previsão media anual do custo do Plano inicial, deduzida do recurso ao crédito externo

9121 - 1202== 1319,8
6

e, por outro lado, a previsão média anual do custo do Plano revisto para o período de 1955-1958

1875,5 - (87,5+4,4)-1319,8=1765,7
4

teremos que, no quadriénio era causa, a previsão média anual de recurso ao mercado interno de capitais excede em cerca de 446 000 contos a previsão do Plano.
Deixando para uma nota final o problema do crédito externo - com que o Governo entendeu não contar na sua nova estimativa -, vejamos se, mesmo assim, o mercado interno tem possibilidade de satisfazer, sem grande esforço, o referido aumento anual.

19. Ao apresentar as bases de financiamento do Plano inicial, o Governo previu que o Orçamento Geral do Estado pudesse contribuir para a sua execução com 327 500 contos em cada um dos anos de 1953 e 1954 e com 500 000 contos anuais no quadriénio 1955-1958.
Da proposta inicial do Governo se conclui que essa previsão assentou nas bases seguintes:
As despesas extraordinárias poderiam manter-se no nível anual médio de l 250 000 contos e teriam como cobertura:

(ver tabela em imagem)

Estas coberturas destinar-se-iam às seguintes categorias de despesa.

Página 869

869 21 DE ABRIL DE 1955

(ver quadro em imagem)

20. No relatório da proposta de lei em exame esta previsão é corrigida com um aumento de 50 000 contos anuais no período 1955-1958. Averiguemos as possibilidades deste aumento: As origens dos capitais do Estado disponíveis para investimentos estarão:
Nos excedentes das receitas sobre as despesas ordinárias ;
Na colocação no mercado de títulos da dívida pública;
Nos títulos de renda a tomar pelas instituições de previdência;
Nos saldos do Tesouro.

21. Pôr-se-á, desde já, de lado o exame da possibilidade de maiores receitas provenientes da colocação no mercado de títulos da dívida pública e da tomada de títulos de renda pelas instituições de previdência. Nos dois anos de execução do Plano, a situação da tesouraria conduziu o Governo a não utilizar inteiramente as possibilidades de colocação de títulos no mercado, favorecendo assim a tendência para um maior interesse pêlos títulos particulares. Visto o problema sob o ângulo restrito do interesse imediato do Estado, deve dizer-se não haver vantagem nem necessidade de alterar esta orientação, que traduz, de resto, margem de segurança a ter em conta. Se, no entanto, se olharem as características do mercado de capitais e se se tiver em vista, não só o interesse imediato da tesouraria, mas a função que ao Estado incumbe de regularizador desse mercado, afigura-se que merece ser estudado o problema de saber se, nas actuais condições, o Estado não deverá procurar absorver parte dos capitais disponíveis.
No que toca às instituições de previdência se julga conveniente não alterar os cálculos da sua participação, atendendo a que as previsões iniciais assentaram em bases bastante seguras, e pouco flexível é também o esquema da aplicação das suas disponibilidades.
Resta, por isso, considerar os excedentes das receitas sobre as despesas ordinárias e as disponibilidades de tesouraria.
A previsão inicial assentou em que o excedente médio anual das receitas sobre as despesas ordinárias seria durante os seis anos do Plano na ordem dos 700 000 contos.
Acontece, porém, que nos quatro últimos anos essa previsão foi largamente ultrapassada: não se possuindo ainda os números representativos dos resultados do ano findo, registam-se os saldos apurados.

QUADRO X

(Em milhares de contos)

(ver quadro em imagem)


Conclui-se portanto, que as realizações dos últimos anos conhecidas excederam em 562 000 contos a previsão da média anual dos excedentes. Resta agora determinar a evolução provável destes saldos nos próximos anos.
O comportamento das receitas ordinárias nos anos referidos foi o seguinte:

QUADRO XI

(Em milhares de contos)

(ver quadro em imagem)

Da observação destes números globais convirá fixar o sentido crescente das receitas provenientes de impostos directos. E acrescenta-se ser legítima a esperança de que, ainda com repercussão dentro do quadriénio 1955-1958, se tomem medidas que aumentem sensivelmente as receitas provenientes dos impostos directos, assegurando ao mesmo tempo a sua mais justa repartição.
Já no parecer sobre a Lei de Meios para 1955 se fez referência a este ponto e se anotou como é apenas aparente a maior arrecadação de receitas pelo Estado.
Na verdade, se se compararem as receitas do Estado em 1938 e 1952, corrigidas pelo índice de preços por grosso, teremos:

(ver tabela em imagem)

isto é, em 1953 a cobrança real de receitas ordinárias foi inferior em 2 por cento à verificada em 1938.
No que respeita aos impostos indirectos nota-se o peso tão notável com que concorrem para o total das receitas e lembra-se a sua grande sensibilidade às flutuações conjunturais. Estas considerações não impedem que se pense não serem de momento previsíveis alterações da conjuntura que afectem, prejudicialmente, os níveis que estas receitas vêm atingindo.
Estas observações levam-nos a concluir que, em condições normais - e só para elas o plano pode ser estabelecido - o nível das receitas ordinárias deverá aumentar ainda nos anos próximos, tanto mais que não devem ser desprezadas outras fontes de receita do Estado, como os rendimentos do seu domínio privado, que natural é aumentarem, em paga dos investimentos feitos nos últimos anos.
Por tudo quanto foi dito, considera-se não ser imprudente tomar para previsão corrigida dos níveis da receita ordinária a média dos últimos três anos conhecidas: l 202 000 contos.

22. No tocante ao cômputo dos encargos ordinários, haverá que ter em conta os novos encargos conhecidos: o reajustamento dos vencimentos e melhoria do abono de família e o aumento das despesas militares.
O reajustamento dos vencimentos deve provocar encargo anual da ordem dos 140 000 contos.
As despesas militares, cobertas de 1952 a 1954 pelas verbas do plano suplementar de defesa, não devem desaparecer com o termo deste plano.

Página 870

870 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 94

Porque correspondem a aumentos de quadros e a despesas de manutenção de armamentos adquiridos por força do plano suplementar de defesa, devem permanecer enquanto durarem as obrigações militares assumidas na N. A. T. O. Pela consulta dos elementos facultados ao relator, verifica-se que o Governo considera prudente computar essas despesas em cerca de 150 000 contos anuais.
Teremos, assim, de contar com um agravamento das despesas ordinárias em cerca de 300 000 contos.

23. Nesta base o excedente anual médio previsível da receita ordinária sobre a despesa ordinária será:

Milhares de contos

Excedente médio em 1951-1953, arredondado .... 1260
Novos encargos ordinários a abater:
Vencimentos e abonos de família .... 140
Aumento de despesas militares .... 150
290
970

O que significa mais 270 000 contos anuais do que o previsto inicialmente (700 000 contos).

24. Este aumento previsível de disponibilidades - correspondente a cerca de 40 por cento da estimativa de começo feita - não pode, no entanto, destinar-se todo ele à dotação do Plano de Fomento.
Haverá que ter em conta, desde já, a (prorrogação do plano suplementar de defesa por mais três anos, o agravamento das despesas com forças militares no ultramar, em virtude da situação de Goa, e a execução do Plano de Fomento Rodoviário, aprovado pela Lei n.º 2068, de 5 de Abril de 1954, e que imporá nos anos de 1956 a 1958 despesa extraordinária de 180 000 contos anuais, o que corresponde a um agravamento de 80 000 contos, na despesa que vem sendo já feita anualmente.

25. Com base nos dados fornecidos, pode organizar-se o seguinte quadro, em que se comparam as previsões iniciais do Plano e as revisões agora aconselhadas:

QUADRO XII

(ver quadro na imagem)

(a) Abatidas as importâncias inscritas com destino a subsídios reembolsáveis para financiamento de encomendas off-shore.

Verifica-se neste quadro que em 1956 e 1957 os 310 000 contos de aumento de disponibilidades que atrás se previram só podem beneficiar de 49 800 contos em cada um desses anos o Plano de fomento. Em 1958 esse beneficio pode computar-se já em mais de 240 000 contos que o inicialmente previsto.
Temos assim que nestes três anos o Orçamento Geral do Estado poderá contribuir para o Plano de Fomento com, pelo menos, mais 329 600 contos.

ste valor é, como se viu, obtido admitindo, por um lado, a estabilidade das receitas ordinárias (média de 1951-1953), que, todavia, apresentam nítida tendência de crescimento, mesmo que se não entre em linha de conta com as maiores arrecadações resultantes de reformas tributárias, e, por outro lado, tomando em consideração os agravamentos conhecidos e previsíveis nas despesas ordinárias e nas extraordinárias que devam ter prioridade sobre o Plano.

26. É do domínio público a situação de desafogo da tesouraria. No fim de 1954 - fase de pagamentos e não de recebimentos - o Tesouro possuía à sua disposição no Banco de Portugal l 617 000 contos.
Nota-se que as largas disponibilidades que o Tesouro tem mantido nos últimos anos permitiram já a contribuição suplementar de 600 000 contos por ele dada ao Plano de Fomento paia substituição parcial da rubrica «Crédito externo»(Decreto-Lei n.° 39 830, de 27 de Setembro de 1954).
Dessa contribuição já o Fundo de Fomento Nacional utilizou 385 000 contos. Como, por outro lado, o Tesouro, nos termos do Decreto-Lei n.° 38 229, de 25 de Abril de 1952, e de acordo com a base V, n.° 2.°, da Lei n.º 2058, habilitou o Fundo de Fomento Nacional com 206 000 contos, que pode recuperar quando entender, por mais não serem que a substituição por antecipação do valor de promissórias que aquele Fundo tem a faculdade de emitir, temos que, apesar do notável esforço e significado que teve a contribuição suplementar de 600 000 contos, em substituição do crédito externo, o Tesouro, no fim de 1954, mesmo assim mantinha livres l 600 000 contos.

27. Se à maior contribuição a dar pelo Orçamento Geral do Estado ao Plano de Fomento - contribuição que, como se viu, foi estimada em cerca de 450 000 contos nos três últimos anos do Plano - se juntarem as disponibilidades da tesouraria, mesmo depois de deduzida larga margem que se entenda necessária para contrapartida de possíveis erros ou quebras de receitas, far-se-á ideia das possibilidades de contribuição suplementar do orçamento e da tesouraria para a execução do Plano.
Essa contribuição computa-a o Governo em 500 000 contos no período 1955-1958, dos quais 200 000 serão provenientes do Orçamento Geral do Estado.
A Câmara só pode registar a extrema prudência desta previsão.

28. A contribuição própria do Fundo de Fomento Nacional para o Plano não é susceptível de grandes alterações.
Foi ela inicialmente calculada com base na parte ainda não utilizada da ajuda Marshall, na faculdade de emissão de promissórias até ao valor de 500 000 contos e na estimativa da recuperação dos capitais mutuados e dos juros por ele cobrados.
A menos que se encare o alargamento da faculdade de emissão de promissórias - no que se não vê inconveniente, mas antes vantagem, pelo aparecimento no mercado de capitais de um título que oferece todas as garantias e é a prazo relativamente curto -, não se vê que o Fundo possa alterar sensivelmente a posição que inicialmente lhe foi atribuída entre as fontes de financiamento.

Página 871

21 DE ABRIL DE 1955 871

Há apenas a contar com a aplicação, através do Fundo, da contribuição suplementar do Tesouro - 600 000 contos - a que já se fez referência. Por isso, o Governo, e muito bem, atribui na sua estimativa mais 509 000 contos à participação do Fundo de Fomento Nacional.

29. Parece também não ser de contar com uma contribuição suplementar apreciável das instituições de previdência. Já a propósito do Orçamento Geral do Estado se fez referência justificativa do facto.
Acrescenta-se apenas que uma mais intensa chamada ao auxílio destas instituições traria como consequência a sua menor contribuição para o desenvolvimento de outros sectores, como o da construção civil, o que não parece necessário nem aconselhável.

30. Quando no § 3.° se apresentou, em síntese, a execução do Plano da metrópole nos seus dois primeiros anos fez-se especial referência à forma como reagiu a fonte de financiamento designada por «Instituições de crédito a particulares».
A participação desta fonte mede-se facilmente na leitura do quadro seguinte:

QUADRO XIII

Instituições de crédito e particulares
(Em milhares de contos)

(ver quadro em imagem)

Quando procedeu às estimativas iniciais, o Governo atribuiu o valor de 250 000 contos anuais às disponibilidades com que estas instituições poderiam contribuir para o financiamento do Plano. Nesse cálculo, e muito acertadamente, não quis o Governo contar com a acção estimulante do Plano sobre o circuito monetário. Na presente revisão, o Governo não quer desconhecer o valor desse estímulo e avalia-o com toda a segurança: nos dois últimos anos foram, em média, obtidos no mercado de capitais mais 200 000 contos anuais do que o previsto. Sendo de notar, além disso, que no último ano o investimento foi muito maior do que no primeiro.
Na sua previsão revista, o Governo, muito prudentemente, não se baseia na tendência do crescimento dos investimentos feitos pelas instituições de crédito e particulares, nem tão-pouco acerta a sua previsão pela média dos dois anos conhecidos - fixa-a, apenas, em mais 150 000 contos, ou sejam 600 000 contos no período 1955-1958.

31. Vista a forma como actuaram as instituições de crédito e os particulares em relação ao Plano, põe-se o problema de saber se este esforço perturbou o mercado de capitais, diminuindo a liquidez das instituições bancárias ou contraindo a concessão de crédito a curto prazo.

A situação da moeda e do crédito nos últimos quatro anos lê-se no quadro seguinte.

Situação da moeda e do crédito
(Em milhares de contos)

(ver quadro em imagem)

Dos números que ficam alinhados conclui-se que a participação desta fonte de financiamento na execução do Plano não provocou modificação sensível no grau de liquidez daquelas instituições nem obrigou a diminuir a concessão de crédito a curto prazo; pelo contrário, ganha em nitidez a tendência de expansão deste crédito que de 1951 para cá se têm verificado.
Esta situação denota influência do reforço de investimentos sobre a actividade económica - repare-se que de 1953 para cá os saldos da balança de pagamentos vêm a diminuir sensivelmente e que, portanto, à influência desta balança não é de atribuir o sentido de expansão que em 1954 continua a verificar-se no mercado interno de capitais.
Haverá, pois, que reconhecer que o exemplo dado pelo Estado, a confiança inspirada pelas empresas financeiras e a subida das taxas de juro dos títulos emitidos conseguiram acordar a disposição para o investimento privado; em muitos casos verifica-se mesmo que os subscrições excedem largamente as emissões efectuadas por algumas empresas.

32. O quadro em exame permite ainda outra observação, para a qual a Câmara não pode deixar de chamar a atenção: o diferente comportamento dos bancos e particulares e das caixas económicas, praticamente representadas pela acção e possibilidades da Caixa Geral de Depósitos.
À expansão do crédito, ao entusiasmo com que os bancos tem acolhido e intervindo, directa e indirectamente, no movimento de execução do Plano e de criação de outras empresas fora dele corresponde, por parte das caixas económicas, um movimento inverso: de 1951 para cá as caixas económicas têm visto crescer continuamente os seus depósitos e têm seguido a política de manter estabilizado o nível de crédito, aumentando, por consequência, as suas reservas de caixa, que em 1954 atingiram 43,2 por cento.
Reconhece-se que esta política da Caixa Geral de Depósitos em nada prejudicou, até hoje, a execução do Plano - uma vez que nenhum dos atrasos até agora verificados se pode imputar a dificuldades de financiamento.

Página 872

872 DIÁRIO DAS SESSÕES Nº 94

Isto não impede que se afirme ser a Caixa Geral de Depósitos instituição destinada à concessão de crédito a longo prazo e, portanto, particularmente dotada para apoiar a execução de um Plano de Fomento.
Depois de ter atingido em 1949 a sua mais baixa proporção de reserva -cerca de 14 por cento -, a Caixa situa-se agora ao alto nível de 1947 - 45 por cento. Isto significa estar ela preparada para exercer, mais uma vez, a alta missão que lhe cabe desempenhar como propulsora do progresso económico do País. Ao olharmos a sua situação, poder-se-á dizer, sem perigo de cair em exagero, que ela, só por si, estaria em condições de financiar quase todo o aumento de investimentos que o Governo agora considera necessário para cabal execução do Plano.
Estas considerações bastam para se supor que o aumento anual de 150 000 contos a fornecer pela banca, particulares e caixas económicas exprime, por parte do Governo, o desejo de não utilizar na execução do Plano mais do que uma pequena parcela das disponibilidades do mercado.

33. Fizeram-se algumas considerações sobre os potenciais das fontes de financiamento que mais poderão influir não só na execução do Plano como ainda em toda a obra de renovação que, a par dele, é mister acelerar.
A Câmara não se deterá, por isso, em exame pormenorizado das alterações que o Governo entenda convenientes em matéria de previsão inicial dos «Auto-financiamentos» e «Outros recursos». Regista, apenas, o aumento de disponibilidades daí resultante.

34. O recurso ao crédito externo merece, no entanto, referência especial.
Na previsão inicial do Governo contava-se com o concurso de capital estrangeiro: tinha-se por certo que ele acorreria de bom grado ao investimento no Portugal de aquém e de além-mar; e não era menor a orgulhosa segurança com que acolheríamos esse capital, uma vez que nos sabíamos em condições de proceder pontualmente ao seu pagamento.
Os dois anos de execução do Plano confirmam plenamente a certeza de que não nos faltará o concurso externo quando o entendermos conveniente.
Aconteceu, porém, que, não pondo, de resto, a hipótese de lado, o Governo decidiu, até hoje, resolver os nossos problemas com o ouro da casa - no que ganhou em independência e em maior liberdade de encolha dos centros fornecedores de equipamento.
Na revisão para 1955-1958 vê-se que o Governo mantém esta orientação, pois abate 541 000 contos à previsão inicial sobre o concurso do crédito externo. Isto é, na previsão inicial o Governo admitiu que a contribuição do crédito externo seria de l 200 000 contos, e na revisão agora apresentada admite executar o Plano sem qualquer outro recurso a esse crédito, salvo a parte já utilizada.
As considerações que se fizeram quando se examinou a execução do Plano, e se pensou no muito que urge empreender para além e fora dele, levam-nos a desejar se invista mais do que o proposto pelo Governo, que visa, apenas, a execução do programa inicial.
Os apontamentos que se deixaram sobre o volume dos caudais internos de capital corroboram a afirmação, aliás feita também pelo Governo no seu relatório, de que larga margem de disponibilidades próprias nos restam para inteligente utilização.
Todavia, se viesse a verificar-se a hipótese de alteração sensível da actual, conjuntura interna, a Câmara está certa de que o Governo, sem prejuízo da linha que firmemente tem mantido, não hesitaria em recorrer ao capital estrangeiro, como, aliás, continua a admitir.
Significaria esse recurso, na mais pessimista das hipóteses, simples antecipação da parte dos possibilidades reais do País, e, por isso, não é de supor que o Governo viesse a sacrificar o ritmo do fomento nacional só para não utilizar concurso de capital estranho.

35. Mas a vantagem de recurso ao crédito externo pode surgir, ainda e apenas, por conveniência da regularização do caudal de escoamento das nossas reservas de câmbio.
A Câmara Corporativa entende deixar uma nota sobre este ponto e dirigida aqueles que sejam tentados a ver na evolução dos saldos da nossa balança de pagamentos um aviso para diminuição do nosso ritmo de apetrechamento.

36. É sabido que as características da nossa estrutura económica, nomeadamente a da posição que o comércio externo ocupa como factor determinante da situação económica e financeira portuguesa, nos obrigam à manutenção de vastas reservas de câmbio capazes de suportarem as flutuações, tão vincadas, da balança de pagamentos.
E também é do conhecimento geral que a política mais conveniente às características e tendências da balança de pagamentos nem sempre será facilmente conciliável com a política monetária exigida pelas características do mercado interno.

37. Não é fácil avaliar as repercussões que a execução do Plano, e de todos os empreendimentos que estão em curso e não fazem parte dele, possa ter na balança de pagamentos; essas repercussões dependem, em primeiro lugar, do volume das importações de matérias-primas e de equipamentos necessários à execução dos planos e, em segundo lugar, dos gastos internos, que, por reforço do poder de compra, podem originar outras importações.
É a seguinte a evolução da nossa balança de pagamentos:

Balança de pagamentos
(Saldos em milhares de contos)

(ver quadro em imagem)

(a) Saldas da balança cambial do Banco de Pagamentos.

Reconhece-se que os efeitos do boom provocados pelo conflito da Coreia estão praticamente apagados.
Ao período de euforia segue-se um regresso à normalidade, que imporá à nossa produção um esforço duro de concorrência nos mercados externos e no próprio mercado nacional. Prepararmo-nos urgentemente para esse esforço é problema que - ainda que pequenos por exagero - se deve encarar como sendo, para nós, questão de vida ou de morte.
Será também prudente admitir que algum dos próximos anos agrícolas não se mostre tão generoso como os cinco últimos anos que vivemos.
Para acudir a esta previsão de agravamento da balança de pagamentos dispomos de largas reservas de

Página 873

21 DE ABRIL DE 1955 873

câmbio, que se constituíram justamente para serem dispensadas nas aquisições necessárias ao País.
Mas, dada a vantagem, a que se aludiu, de defender-mos uma política de largas reservas de câmbio, o recurso ao crédito externo pode, em determinado momento, aparecer, não como uma necessidade, mas como factor de utilização vantajosa na regularização do débito de cambiais.
Esse facto, porém, se vier a verificar-se, em nada deve impedir o andamento do Plano e as despesas que, para além dele, se venham a realizar em fomento agrícola e reorganização industrial - problemas que, a não serem resolvidos, impedirão se diminua a nossa actual vulnerabilidade: haverá que, e desde já, prudente, mas corajosamente, romper uma espécie de círculo vicioso em que a nossa economia parece enleada - fraco investimento pelo receio da vulnerabilidade económica; vulnerabilidade agravada pelo pecado da fraqueza e nem sempre boa orientação do investimento.

38. Ao verificar a próspera situação do mercado internacional de capitais - que um tanto se deve à firmeza e lucidez da intervenção do Governo - a Câmara sente, apenas, que a execução do Plano de Fomento dificilmente se pode dissociar de todo o movimento de renovação económica que se desencadeou no País e que deve ser intensificado e orientado; por outro lado pensa-se também que as condições actuais permitiriam uma melhor articulação das fontes internas de crédito a longo prazo.
E a Câmara renova aqui uma sugestão que fez no seu parecer de 1952 a propósito da contribuição da metrópole para o Banco de Fomento do Ultramar, contribuição que o Plano agora revisto mantém:

Tem-se a impressão de que há organismos a mais e crédito a menos, porque todas estas instituições exercem a sua acção em campos restritos e nem sempre a exercem com largueza, sobretudo no que se refere a prazos.
A Câmara Corporativa limita-se a fazer uma pergunta: porque é que, em vez de se criar um novo banco de fomento para o ultramar, diferente de tudo que existe, não se cria um banco de fomento nacional, especializado neste ramo, destinado a centralizar as operações deste tipo exercidas pêlos numerosos organismos existentes, alargando-as às actividades produtivas do continente e ultramar; banco com elevado capital, que lhe permitisse exercer uma acção vasta e segura, e onde o Estado tivesse posição para pautar uma sã política de crédito industrial.

Afigura-se à Câmara que a sugestão tem hoje a mesma razão de ser e, talvez, mais fundamento do que tinha em 1952, se for tida em conta a experiência e os bons resultados de actuação do Fundo de Fomento Nacional.
O aproveitamento de todas as oportunidades, a efectivação de princípios de orientação de produção industrial e agrícola, brilhantemente fixados na lei e tão pobremente executados, parece que mais facilmente os garantiria o Governo através de um banco de fomento nacional que coordenasse os recursos disponíveis em ordem à perfeita concretização da política superiormente determinada. A Câmara salienta, no entanto, que a não se considerar conveniente ir desde já para a criação de um banco comum à metrópole e ao ultramar, se deve, pelo menos, dar urgente realização ao Banco de Fomento do Ultramar - empreendimento esse já determinado na Lei n.º 2058.

§ 7.º

Algumas observações sobre a revisão proposta

39. Já no começo do presente parecer se procurou definir o sentido da revisão que o Governo se propõe fazer ao Plano, aprovado pela Lei n.º 2058. O relatório da proposta de lei é, a este respeito, rico de informações e de clareza: não desejou o Governo aproveitar esta oportunidade para, com base na experiência colhida ao longo dos dois anos de execução do Plano e feita nova avaliação das possibilidades de investimento, propor à Assembleia Nacional alterações de fundo na estrutura do Plano. Vê-se que foi outra a sua preocupação: limitar o conteúdo da proposta de lei ao que lhe pareçe indispensável para executar, na medida do possível e nas melhores condições, os empreendimentos que foram objecto do Plano inicial. Nestas condições, a revisão do Plano incide quase exclusivamente sobre as dotações inicialmente previstas para cada um dos empreendimentos.
Essas revisões constam dos quadros anexos ao relatório da proposta e são por ele justificadas.

40. No que respeita à agricultura, da leitura do quadro XIV verifica-se que a proposta de revisão acusa um aumento de 33 953 contos relativamente ao fixado no mapa I da Lei n.° 2058.
Enquanto que a verba consignada ao povoamento florestal permaneceu inalterável, já o mesmo não sucedeu à da hidráulica agrícola e à da colonização interna. A diminuição desta última agora proposta vem dar razão, afinal, ao anterior parecer da Câmara Corporativa .

QUADRO XIV

Investimentos na agricultura

(Em milhares de contos)

(ver quadro em anexo)

41. No tocante à indústria, a proposta de revisão acusa um aumento de l 520 300 coutos relativamente ao fixado no mapa I da Lei n.º 2058.
Exceptuando o caso da «Folha-de-flandres», cuja dotação transitou para a «Siderurgia», e o caso da «Celulose e papel», em que a dotação foi diminuída de 2000 contos, em todos os demais casos as verbas que lhes estavam primitivamente consignadas tiveram acréscimo.

QUADRO XV

Investimentos na indústria

(Em milhares de contos)

(ver quadro em anexo)

Página 874

874 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 94

É, porém, o sector da electricidade - aliás uma das bases de industrialização do País - aquele que absorve maior percentagem do aumento agora previsto para o conjunto do sector industrial.
O relatório da proposta de lei presta todos os esclarecimentos sobre este ponto.
A propósito do aproveitamento do Douro, recorde-se que em 1952 esta Câmara escreveu:
Por tudo isso a Câmara Corporativa, conhecendo a contingência das obras e dos números, e não tendo certos elementos de pormenor nem tempo de os obter, não toma posição quanto à prioridade das centrais do Douro; ao Governo competirá torná-la, em face das informações de que dispõe.
Verifica-se agora que o definitivo estudo do problema conduziu o Governo a iniciar em Picote o aproveitamento do Douro. Daí a necessidade de reforço de dotações não só para a central, mas também para o sistema de transporte e distribuição de energia.
O apoio térmico, cuja dotação é reforçada para 240 000 contos, por virtude do aumento de potência para 50 000 kW, merece a esta Câmara uma leve reflexão. Não podendo contar-se com a entrada em serviço da central hidráulica de Picote e da térmica da bacia duriense antes do princípio de 1958 para a primeira e meados do mesmo ano para a segunda, são de prever em 1957, se o ano for muito seco, restrições no consumo de energia, pela insuficiência das fontes hidráulicas nestas existentes e pela reduzida potência do apoio térmico em condições de serviço. Por isso se afigura de ponderar qualquer solução que permita rapidamente reforçar a potência das unidades térmicas, se a escassez de tempo ainda permitir alguma solução oportuna.

42. E pena que em matéria de siderurgia se continue ainda na fase de estudos, embora já a cargo de uma empresa concessionária.
Quanto a este aspecto, a Câmara apenas emite o voto de que, o mais cedo possível, o Governo tenha a necessidade de reforçar a verba do Plano no que se refere a este empreendimento: será esse um momento de verdadeira alegria, porque marcará o termo de uma gestação que parece não ter fim.

43. Também nas comunicações e transportes se nota aumento sensível em relação à previsão inicial.

QUADRO XVI

Investimento nas comunicações e transportes

(Em milhares de contos)

(ver quadro em imagem)

Os reforços agora propostos aproximam-se, no que respeita à aviação civil e aos CTT, dos montantes sugeridos pela Câmara em 1952.
É de notar que no seu intuito de não alterar o Plano, e certamente também por motivos de ordem técnica e jurídica, o Governo não integrou no Plano de Fomento o plano rodoviário, já aprovado por lei e a iniciar em 1956, como também no sector da indústria nada há no Plano que se refira aos trabalhos em curso no campo da energia atómica.
Estas e outras iniciativas de verdadeiro fomento, embora não constem do Plano, não devem ser esquecidas quando se procure avaliar a actividade do Governo em ordem ao progresso económico do País.

44. Também as escolas técnicas vêem reforçada a dotação inicial. E não parecem necessárias palavras de incitamento ao Governo para que apresse o desenvolvimento dos centros de preparação de técnicos e de mão-de-obra especializada - escolas industriais e agrícolas, sem esquecer as escolas técnicas para indígenas no ultramar-, o que constitui a condição-base da nossa expansão económica.

45. De uma maneira geral, verifica-se, quanto à metrópole, que todas as verbas inscritas no Plano foram objecto de revisão: significa isso que, com maior ou menor velocidade, o Plano está em andamento e será executado.
Junta-se às presentes notas um quadro, onde se faz a comparação entre a proposta inicial, as recomendações da Câmara e a proposta de revisão.

Página 875

21 DE ABRIL DE 1955 875

QUADRO XVII

Investimentos no continente e ilhas

(Em milhares de contos)

(ver quadro em imagem)

(a) A cobrir pelas dotoções ordinárias do orçamento do Estado.
(b) A diferença do 101 8OO contos para mais em relação à verba total do mapa I do Plano provém das rectificações seguintes:
Contos
No aproveitamento hidroeléctrico do Cabril................... +50 000
Nos aproveitamentos hidroeléctricos do Salamonde............. +50 000
Nos aproveitamentos hidroeléctricos da Caniçada.............. +15 000
+121 000

Para menos no custo dos navios-tanques a satisfazer dentro
do período de execução do Plano.........................................- 19 200

101 800

46. No que diz respeito ao ultramar, é muito menor o aumento global proposto e são muitos os empreendimentos para os quais se não prevê agora qualquer rectificação.
Observa, porém, a Câmara Corporativa que, em relação a Angola, o acréscimo de 103 000 contos para o aproveitamento da Matala no Cunene se destina fundamentalmente ao prolongamento da linha de alta tensão de Sá da Bandeira até Moçâmedes e estações de transformação correspondentes, e que os 29 000 contos destinados à preparação dos terrenos do vale do Cunene para a colonização, provêm da passagem à 1.ª fase de igual quantia deixada na 2.ª fase do programa do Conselho Económico.

47. Em conclusão:
Verifica a Câmara Corporativa que o Governo procedeu a rigoroso exame da situação do Plano e se propõe introduzir-lhe os ajustamentos técnicos e monetários que a experiência aconselha e dos quais depende a máxima eficiência dos empreendimentos constantes da Lei n.° 2058.

Nada tem a Câmara a opor a esta revisão; antes a louva pelo que, através do projecto de lei, o Governo revela de firme determinação de realizar o que por ele foi projectado e é lei do País.
Entendeu-se, também, não haver que entrar na discussão dos problemas de ajustamento: a Câmara não possui elementos que lhe permitam dar, dentro do prazo de que dispõe, uma colaboração útil ao Governo, na matéria das revisões por ele agora feitas.

presenta, quanto a este aspecto, uma simples sugestão: reconhecida a possibilidade de erro de cálculo em mataria de despesas e, muitas vezes também, uma certa tendência para gastos nem sempre indispensáveis, não deveria o Fundo de Fomento Nacional ser dotado de um corpo de peritos que, em colaboração com os serviços do Estado, estudasse e discutisse os planos das empresas e apresentasse as suas conclusões ao Conselho Económico?
Se a Câmara só tem que apoiar o firme propósito do Governo de levar a cabo o que já foi discutido, votado e começado, parece-lhe, no entanto, que a revisão do

Página 876

876 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 94

Plano para o período de 1955 a 1958 não absorverá senão uma parte das disponibilidades de investimento que os cálculos mais prudentes prevêem venham a verificar-se naquele período. As reflexões que se fazem no § 6.° deste parecer abonam esta afirmação.
Sendo assim, e sem que isso afecte a economia do projecto de lei em exame, entende a Câmara Corporativa renovar sugestões anteriormente feitas, nomeadamente no seu parecer sobre a primeira proposta do Plano e na apreciação da proposta de lei de meios para o ano corrente.
Neste último parecer escreveu-se então:

73. A par do planeamento das indústrias de base e das obras e empreendimentos que importam por si e pelas condições que criam ao aparecimento ou utilização de novas fontes de riqueza, numa palavra, a margem do Plano de Fomento, tal como entre nós foi entendido e concedido, há todo um quadro de indústria velha e de indústria nova e de indústria futura que se espera aparecerá no País a completar a existente. O Plano - porque teve como objectivo dominante calcular o investimento possível ou conveniente e determinar a hierarquia das necessidades a satisfazer em prazo certo - não cuidou de definir uma política geral de produção - nem tinha que o fazer um plano deste tipo.
Há assim massa considerável de investimento privado que se deverá pulverizar por um sem-número de unidades industriais - existentes e a existir.
O Estado poderia tomar uma de duas atitudes quanto a este investimento: ou não lhe fixar rumo ou definir-lhe uma orientação, sem que por ela se diminuísse a força criadora da iniciativa privada.
A adoptar-se um ou outro dos sistemas, o objectivo seria sempre o mesmo: a realização do interesse nacional, que não coincide necessariamente com o interesse de determinado sector de produção, mas que se situa antes no ponto de equilíbrio de todos os interesses parciais.
Em nome do interesse nacional ou para realização do bem comum, a um clima de inteira liberdade do investimento privado deveria corresponder um clima de muito baixa protecção desse investimento.
Só assim - só fazendo actuar a concorrência como factor de selecção - se forçaria o investimento a dirigir-se para os sectores mais produtivos e se imporia à produção a necessidade de contínuo aperfeiçoamento e embaratecimento.
Somente, reconhecidas as características das estruturas dos diversos países e o seu diferente potencial económico, a adopção de um sistema deste tipo provocaria as maiores perturbações e imporia perdas de riqueza, sem dúvida irrecuperáveis.
O Governo adoptou, por isso, e muito bem, a política da protecção razoável ao trabalho nacional.
No entanto, pelo simples facto dessa protecção automaticamente se criou para o Estado o direito - diremos mesmo o dever - de intervir no investimento privado, orientando-o para os sectores mais produtivos e impondo ao trabalho nacional obrigações de permanente aperfeiçoamento.
Isto é, se o Estado deve limitar a concorrência pelo que ela pode representar de factor contrário ao total aproveitamento das fontes de riqueza do País, deve ao mesmo tempo garantir - por obrigações impostas ao trabalho protegido e por sistema adequado de fiscalização e assistência - a realização de tudo quanto de útil se contém nessa concorrência: a constante melhoria técnica e económica da produção.
Daí a necessidade da intervenção do Estado.
Entre nós essa necessidade claramente se afirma na lei da reorganização industrial, a Lei n.º 2005, de Março de 1945.
Nesse diploma encontra-se definida, com precisão notável, a posição do Governo em matéria de desenvolvimento industrial, desenvolvimento que se procura tanto pela reorganização da indústria existente como pela conveniente orientação dos nossos investimentos.
A lei, na sua grande visão do interesse nacional, não se limita a equacionar o problema da indústria em função da metrópole.
Na sua base XXVIII determina que o Governo promoverá o desenvolvimento das indústrias na metrópole e no ultramar, em obediência ao pensamento de coordenação e unidade que deve orientar as suas relações recíprocas.
E, antecipando-se ao movimento de cooperação internacional, no sentido da substituição dos políticas de espaços económicos fechados pela política de abertura de mercados comuns de vastas dimensões - movimento em que Portugal participa -, a Lei n.º 2005 determina, na sua base V, os limites de protecção:

O Governo assegurará, por meio da organização e de providências adequadas, a defesa das actividades económicas contra a concorrência ilegítima.
Os preços não deverão, porém, exceder os dos produtos similares estrangeiros, salvo o caso de dumping ou de irremovíveis condições de inferioridade, tais como o custo das matérias-primas e a exiguidade dos mercados.

Em execução do disposto na Lei n.° 2005 se criaram comissões reorganizadoras de indústria, que constituem mais uma afirmação da política do Governo em matéria de orientação de todo o investimento.
Como confirmação recente do mesmo pensamento, poder-se-á citar a revisão do condicionamento industrial.
O Decreto n.° 39 634, de 5 de Maio de 1954, embora com alcance limitado às indústrias especificadas no quadro I anexo a esse decreto e em relação a material determinado ao anexo II, estabelece, no § único do seu artigo 2.°, que as autorizações para as modificações ou ampliações de equipamento devem, em regra, impor a montagem de maquinismos inteiramente novos e, quando se referirem a ampliações, exigir a melhoria geral de instalação existente e um grau aceitável de modernização do estabelecimento ampliado.
E no preâmbulo do mesmo decreto diz-se que se inicia a orientação de substituir gradualmente o regime de condicionamento pela exigência, para o exercício da actividade, de condições mínimas de técnica, higiene e segurança, fixadas em regulamento, indicando-se já as modalidades ou fabricos que poderão transitar em breve para o regime de liberdade de iniciativa.
Verifica-se assim que, embora para sectores determinados e a título transitório, o Governo vinca a necessidade de intervir na orientação do investimento privado.
Solução limitada, porque dirigida apenas ao apetrechamento técnico de sectores certos da produção.

Página 877

21 DE ABRIL DE 1955 877

Uma orientação segura do investimento imporá, além da consideração daquele aspecto técnico, amplo estudo económico do sector em causa, a fim de, tidos em conta a situação do mercado e os demais factores, se determinar dimensão conveniente à unidade fabril. Sem esse estudo de natureza económica essa unidade fabril poderá estar modernamente equipada e mesmo assim produzir em condições inadequadas às características e possibilidades do mercado a que se destina ou se deveria destinar. Com o mesmo objectivo de orientação do investimento privado, o Sr. Ministro da Economia nomeou, por portaria de Dezembro do ano findo, a Comissão Reorganizadora da Indústria Metalomecânica e, já no ano corrente, a Comissão Reorganizadora da Indústria de Lacticínios da Ilha da Madeira.
Acontece somente que, até hoje, não vieram a lume, nem foi dada força legal, aos trabalhos de qualquer das comissões reorganizadoras da indústria; também as disposições citadas, se traduzem orientação que se aplaude, enquanto não forem convenientemente regulamentadas e executadas não são suficientes para que possa afirmar-se ter-se definido claramente; uma orientação geral ao desenvolvimento da indústria e terem-se criado os serviços ou institutos de orientação aos quais empresas e capital se possam dirigir para ouvirem conselho.
E, na prática, vai-se consentindo que ganhe novas raízes a ideia de que o Governo não deseja intervir efectivamente na orientação do investimento a realizar por fora do Plano.
De facto, se os serviços se não dotam convenientemente e se diplomas orientadores não surgem, começará entre nós a tomar foros de cidade um sistema misto, que, aliás, já vem de longe, e cujas consequências se afiguram graves: por um lado a inteira liberdade em muitos sectores consentida à iniciativa privada; por outro, uma espécie de obrigação, para o Estado, de proteger, através das pautas de importação, dos tabelamentos de preços, e, quando não, de total proibição da entrada de produtos similares, o trabalho nacional, pelo simples facto de ser nacional.
Vai-se assim criando um peculiar conceito de liberdade que, no campo da economia, se traduz pelo direito, que muitos se arrogam, de investir o seu dinheiro com a precipitação que entenderem e pelo dever, que ao Estado se atribui, de promover o necessário para remediar os males dessa precipitação, sem prejuízo para os precipitados.
Cómodo conceito este seria de liberdade sem responsabilidade; de iniciativa sem risco!
Mas, se os capitais privados são nacionais, portugueses também sao os consumidores, sobre quem, ao fim e ao cabo, recairiam as consequências deste conceito (não falando já na repercussão que ele teria também no sector da exportação).
Poder-se-iam apontar vários sectores da indústria nacional -como a têxtil de algodão, por exemplo- onde se verifica uma espantosa coexistência de unidades modelares e de empresas marginais. Esta coexistência só é possível mantendo um clima de preços determinado em função dos custos dessas empresas marginais.
Ao referir, no seu parecer, a necessidade de definição de uma política industrial capaz de conduzir o investimento para os sectores mais produtivos; capaz de impor às empresas que reclamam a protecção obrigações de progresso constante, sem o qual essa protecção não será concedida; capaz de promover, no mais curto prazo e com o mínimo de prejuízos iniciais, a reorganização da indústria existente, em ordem ao desaparecimento das empresas marginais, a Câmara Corporativa outro objectivo não tem que não seja o de incitar o Governo à rápida concretização de uma política que está a ser por ele ensaiada.
Se o capital souber que só será protegido quando demonstrar ter estudado técnica e economicamente os empreendimentos em que vai investir-se e quando der provas de que está disposto a promover a constante melhoria das condições de produção, então as indústrias surgirão, desde o seu nascimento, em condições que pagam a pena de protegê-la.
Sem dúvida que, para uma conveniente orientação do investimento, se impõe a criação, só possível com o auxílio do Estado, de laboratórios e centros de estudo e informação técnica e económica a que a indústria possa recorrer sempre e em condições compatíveis.
A palavra «produtividade» soa, por vezes, irritantemente a luxo de novo rico e está muito em voga. Terá talvez contra si tudo isso. Mas o quo nela se contém é velho e é verdadeiro e é imperativo: produzir cada vez melhor e mais barato aquilo que o mercado está em condições de consumir.
A evolução da economia do Mundo impõe-nos, se não quisermos correr riscos graves, nomeadamente no tocante à nossa exportação, a melhoria da capacidade concorrencial do nosso trabalho.
Esta Câmara esclarece que não é contrária, antes favorece toda a protecção ao trabalho nacional, sempre que ela seja imposta pela necessidade de reorganização e readaptação da indústria existente, requerida em nome da natural fraqueza das empresas bem nascidas, mas em formação, e ainda quando ditada pela limitação do mercado ou por desvantagem não anulável de outros factores em relação a países altamente industrializados.
Esta Câmara só é contrária à protecção quando ela se traduza em incentivo à ineficiência permanente.

Feita referência aos pontos de vista já manifestados, pouco tem a Câmara a acrescentar.
Em reforço da imperiosa necessidade de dar efectivação aos propósitos legais de reorganização industrial e de intensificação das campanhas para o aumento da produtividade agrícola, pela disseminação das melhores técnicas e pela criação de condições materiais utilizadas pela lavoura, a Câmara Corporativa verifica agora dois factos de diferente natureza: por um lado, o reconhecimento de que a revisão do Plano (admitindo mesmo os reforços que venham a ser necessários para a siderurgia e indústria de azotados até 1958) não absorve inteiramente as possibilidades de investimento que se apresentam ao País; por outro lado, a tendência para a inversão do sinal dos saldos da nossa balança de pagamentos. A ambos estes factos se fez alusão no § 6.º do presente relatório.
De resto, ninguém ignora a medida em que a produção nacional contribui para os resultados da balança de pagamentos e todos reconhecerão também que, em clima de normalidade da conjuntura internacional, o maior ou menor aumento da nossa produção em condições de concorrência determinará, não já a execução do Plano em curso, mas a largueza dos caminhos que o Governo abra ao País depois de 1958.
A assistência técnica e financeira à lavoura não faz parte do Plano, devendo ser garantida por verbas a inscrever no orçamento. Ao tratar do problema no

Página 878

878 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 94

seu parecer de 1952, a Câmara propôs a inclusão de uma verba de 200 000 contos para assistência agrária, que não foi aprovada.
É manifesto que pelas dotações orçamentais que lhe vêm sendo atribuídas o Subsecretariado da Agricultura não pode nem preparar técnicos, nem organizar campanhas, nem prestar auxílio financeiro em volume e com as características exigidas pelo grau de extremo atraso em que nos encontramos.
Se não está em nossas mãos dominar inteiramente os desvarios do tempo e as características do solo, esta verificação constitui mais um motivo para que da técnica tiremos todos os benefícios que ela nos possa dar e de um mais perfeito plano de produção possamos obter o reforço da contribuição nacional para o consumo interno e a melhoria da composição de excedentes exportáveis de produtos agrícolas.
Também para a reorganização industrial a Câmara recomendou o investimento de 200 000 contos em 1952, proposta que não pôde per tomada em consideração.
Já atrás se fez referência à necessidade de definir uma política industrial e de a executar.
Das comissões de reorganização da indústria previstas na Lei n.° 2005 poucas se criaram e algumas completaram já os seus trabalhos. Mas mesmo quanto a estas, arriscamo-mos a ter de as nomear novamente, para readaptarem os trabalhos de reorganização que já apresentaram. E, se agora alguma coisa de mais perfeito se pode introduzir na trabalho antigo, não se julga que essa perfeição compense o tempo perdido e a experiência que ele consentiria.
Se muitos dos sectores da nossa produção industrial se apetrechassem bem e se organizassem racionalmente, teriam condições evidentes para lutar, com êxito, nos mercados externos, garantindo assim ao País maiores possibilidades de ressurgimento e a si próprios maiores ganhos.
Mas, antes mesmo de atingir capacidade de concorrência internacional, grande parte da nossa actividade industrial terá de medir a sério os riscos que corre de perda da sua própria capacidade de competição no mercado interno: as nossas tarifas são especificas, variando por isso a protecção em função das flutuações dos preços, e, além disso, foram fixadas em nível bastante alto e, salvo algum caso excepcional, perfeitamente justificado, não consentem as condições internacionais que pensemos em elevá-lo sem, além de outros, corrermos o risco de graves represálias.
O clima é, quando muito, de trégua aduaneira.
Ora, se não nos prepararmos para produzir em condições de preço e qualidade capazes de, com a ajuda de uma razoável protecção, concorrer com a produção estrangeira no nosso próprio mercado, será certo que, dentro de pouco, esta produção, pelo contínuo esforço de aperfeiçoamento que faz, estará em condições de nos vencer dentro da nossa própria casa. Tanto mais que, a ser pouco sensível a diferença de preços, o consumidor não dominará na maioria dos casos, a vertigem que o arrasta para o produto estrangeiro.
Este perigo - não só pelo que constitui de ameaça à balança de pagamentos, mas pelo que representa para o próprio rendimento do País - não pode ignorar-se.
Sabe a Câmara como são árduos e melindrosos, e por vezes mesmo origem de temporário desfavor público, os estudos e as medidas de reorganização da indústria existente, reorganização que tantas vezes, impõe se faça algum dano aos interesses privados, na aparência legitimamente constituídos. Mas não ignora também que ao longo de vinte e tantos anos o Governo não hesitou em equacionar e resolver problemas mais difíceis.
A Câmara emite, assim, o voto de que se intensifiquem os trabalhos necessários à concretização de uma política industrial que abranja a reorganização das indústrias existentes e impeça a criação em defeituosas condições de indústrias novas.
E sugere ainda que, na medida das disponibilidades verificadas e verificáveis, se invista o mais que se puder na assistência agrária e na reorganização industrial.

II

Exame na especialidade BASE I

Na economia do projecto de lei, as referências directas ao Plano de Fomento constante da Lei n.° 2058 condensam-se nesta base I e nos quadros I eII que dela fazem parte integrante.
O exame do preceito conduz-nos a verificar terem sido três os objectivos do Governo:

1.º Despender na execução do Plano de Fomento mais do que as quantias inscritas na Lei n.° 2058;
2.º Liberdade de utilização das dotações fixadas dentro dos limites propostos;
3.° Liberdade de utilização das fontes de financiamento, quer no que respeita à cobertura dos investimentos previstos na metrópole e participação desta para o Plano do ultramar, quer ainda no que se refere à cobertura dos encargos resultantes da execução do Plano do ultramar (mapas XI e XII anexos à Lei n.° 2058).

No que respeita ao aumento dos investimentos exigido para execução do Plano nada há a acrescentar agora ao que já foi dito, sobre este ponto, na primeira parte do presente parecer.
Nota-se apenas que nos quadros I e II se incluíram os aumentos reais e os aparentes. Estes quadros - que não representam, por isso, o acréscimo real do custo do Plano - devem ser interpretados à luz dos elementos constantes do relatório da proposta.
Feito este reparo, a Câmara nada tem a opor quanto ao primeiro e mais importante dos objectivos expressos na base I da proposta.
A segunda alteração proposta na base I à mecânica da Lei n.º 2058 seria a concessão no Governo de maior liberdade na utilização da dotação do Plano.
Pela Lei n.º 2058 o Governo está ligado aos empreendimentos descritos nos quadros I a X e ao volume dos investimentos que se prevêem serem necessários à sua execução.
É certo que os n.os 2.º e 3.º da segunda parte da base III da Lei n.° 2058 atribuem já ao Conselho Económico a aprovação da ordem de precedência na execução dos empreendimentos e a elaboração e aprovação do plano anual de aplicações, mas esta faculdade, se permite ao Governo certa liberdade de acção durante os seis anos de duração do Plano, não lhe confere, no entanto, poderes de alteração, nem da natureza dos empreendimentos, nem do seu custo.
A base I da nova proposta vem alterar profundamente este sistema, uma vez que o Conselho Económico poderá, dentro dos limites dos quadros I e II anexos à proposta, introduzir as alterações que se mostrem justificadas por qualquer das circunstâncias indicadas nas alíneas a) a d) da base I.
Vê-se, assim, que à liberdade que agora pede o Governo põe duas ordens de limitações. A primeira traduz--

Página 879

21 DE ABRIL DE 1955 879

-se nas quatro circunstâncias constantes das referidas alíneas, a saber:

a) Verificada insuficiência da dotação estabelecida para a realização dos empreendimentos descritos ;
b) Conveniência da ampliação das obras ou aquisições, em ordem ao maior rendimento económico dos empreendimentos;
c) Necessidade de novos empreendimentos complementares dos previstos e realizáveis até ao fim do ano de 1958;
d] Verificada insuficiência dos recursos dos orçamentos ultramarinos para assegurar a contribuição que lhes foi atribuída.

A segunda ordem de limitações à sua liberdade tradu-la o Governo pela expressão «dentro dos limites dos quadros I eII anexos à presente lei».
Não oferece dúvidas o entendimento das circunstâncias em que o Governo poderá alterar o Plano, e não parece que se lhe deva negar a liberdade pedida, quando essas circunstâncias se verificarem. De outra forma colocar-se-ia o Governo na necessidade de fazer à Assembleia Nacional sucessivas propostas de lei para regularização de aspectos de pormenor.
Mas, mesmo quando se verifiquem as circunstâncias referidas, não pede o Governo que a Assembleia lhe conceda uma liberdade total: com precisão lhe deseja definir os contornos quando propõe que as alterações se contenham dentro dos limites fixados nos quadros I e II.
Tal como está redigida, a base I pode levantar dúvidas quanto à definição desses limites.
Um primeiro ponto é claro: o Governo não poderá ultrapassar as verbas fixadas para cada um dos grupos, no caso do quadro I, e para cada uma das províncias, no caso do quadro II.
Não será, no entanto, tão claro o segundo ponto: consiste ele em saber quais as verbas que exprimem os «limites» fixados nos quadros I e II. Essas verbas tanto podem ser as das colunas correspondentes à previsão de 1955, como as das colunas onde se inscrevem as diferenças entre o Plano inicial e o revisto.
O exame do relatório da proposta não deixa dúvidas quanto ao firme propósito em que o Governo está de dar a execução possível ao Plano constante da Lei n.º 2058.
Para de tanto nos convencermos basta examinar os mapas B e C anexos a esse relatório. De resto, nem se compreenderia que o Governo quisesse agora alterar
profundamente a estrutura do Plano, chamando a si a exclusiva responsabilidade dessas alterações, quando, de início, entendeu que - pela sua grandeza e pelo seu significado ainda maior - a Câmara Corporativa e a Assembleia Nacional deveriam ficar ligadas, pelo seu parecer e pelo seu voto, a cada um dos empreendimentos previstos.
A ser assim, os limites fixados nos quadros I e II a que se refere a base I, não podem encontrar-se na coluna que traduz a revisão de 1955. Se assim fosse, o Governo ficaria com a liberdade de modificar toda a economia do Plano. O seu pensamento foi, seguramente, limitar a sua liberdade de movimentos aos aumentos propostos para cada um dos grupos do quadro I e para cada uma das províncias mencionadas no quadro II.
E para o traduzir melhor a Câmara sugere nova redacção para a base I da proposta.
A terceira alteração à Lei n.° 2058 não se encontra expressa no texto da proposta; é a consequência de uma omissão. Os mapas XI e XII anexos à Lei n.° 2058 fixam esquemas de cobertura dos encargos resultantes do Plano, nos mapas que lhe foram juntos XI e XII; o projecto de lei quanto a este aspecto nada dispõe.
Esta omissão traduz, sem dúvida, o reconhecimento, por parte do Governo, da necessidade de lhe ser dada liberdade neste capítulo, única forma de adaptar a execução do Plano à evolução da conjuntura económica, interna e internacional.
Compreende a Câmara que assim tenha de ser, e o reconhecimento da idoneidade do Governo não lhe consente que hesite em propor lhe seja dada a maior liberdade neste campo.
Acontece, porém, que, tal como está concebida, a proposta cria dificuldades ao Governo no que respeita a uma - e a principal - das fontes de financiamento: o Orçamento Geral do Estado. Por força do quadro XI anexo à Lei n.° 2058, e até ao limite de 2 450 000 contos, o Governo ficou autorizado a contrair encargos que excedam as dotações do ano em que são tomados e representam assim compromisso de dotações em anos futuros. À falta de uma disposição semelhante na presente proposta de lei, e mesmo que se considere ainda em vigor o quadro XI da Lei n.º 2058, o Governo ficará inibido de alargar ao aumento de contribuição, que se prevê o Orçamento Geral do Estado forneça nos próximos anos, a faculdade que a Lei n.° 2058 lhe concede.
E essa contribuição suplementar poderá ser, em milhares de contos, a seguinte:

(ver quadro em imagem)

Nestas condições, a Câmara propõe a inclusão de uma nova base, que passará a ser a II, na qual se alargue a mais 750 300 contos a contribuição de 2 450 000 contos respeitante ao Orçamento Geral do Estado prevista no quadro XI da Lei n.° 2058.

BASE II

Nos termos do Decreto-Lei n.° 39 164, de 14 de Abril de 1953, que adaptou o Fundo de Fomento Nacional ao regime criado pelo Plano de Fomento, são atribuições do mesmo Fundo:

1.° Realizar, com os seus recursos próprios e os que obtiver, mediante as operações financeiras e de crédito que legalmente lhe forem autorizadas, as aplicações de fundos incluídas nos planos e programas anuais aprovados pelo Governo e, nomeadamente, a parte que lhe

Página 880

880 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 94

couber nos investimentos previstos pela Lei n.° 2058, de 29 de Dezembro de 1952;
2.º Estudar e propor ao Conselho Económico as modalidades que devem revestir e condições em que devem ser realizadas as operações a que se refere o número anterior;
3.° Organizar, colhendo os elementos para isso necessários, os projectos de programas anuais de execução do Plano de Fomento, aprovado pela Lei n.° 2058, a submeter à apreciação do Conselho Económico para os efeitos dos n.os 1.º a 3.° da sua base III; ,
4.º Apresentar periodicamente ao Conselho Económico, com base nas informações colhidas das entidades competentes, relatórios sobre o estado de realização do mesmo Plano e propor-lhe as medidas necessárias à sua ordenada execução;
5.º Realizar todo o expediente relativo às atribuições conferidas ao Conselho Económico pela base III da Lei n.° 2058.

Pelo Decreto-Lei n.° 37 354, de 26 de Março de 1949, o Fundo de Fomento Nacional fora criado para centralizar e fiscalizar as operações do Estado em financiamentos e comparticipações nos grandes empreendimentos de fomento, incorporando desde logo os empréstimos à província de Moçambique e do Fundo de Renovação da Marinha Mercante, nos termos dos Decretos-Leis n.os 36 446, de 31 de Julho de 1947, e 35 876, de 24 de Setembro de 1946. Ao Ministro das Finanças cabia designar, por simples despacho, os títulos ou créditos que, além dos designados, deveriam fazer parte do Fundo.
O Decreto-Lei n.° 37 724, de 2 de Janeiro de 1950, viera em seguida atribuir ao Fundo de Fomento a incumbência de receber e aplicar, de acordo com as autoridades e organismos competentes, os capitais atribuídos a Portugal pelo programa de auxílio americano à Europa. O Fundo poderia usar na execução desse programa das formas de financiamento mais apropriadas à consecução dos objectivos previstos - subscrição ou compra de acções, tomada de obrigações ou contratos de empréstimo -, sendo-lhe ainda facultado, mediante autorização ministerial, assumir responsabilidades, em nome e representação do Estado, nas operações que os beneficiários dos financiamentos já aprovados viessem a realizar, em antecipação destes, com as instituições de crédito (Decreto-Lei n.° 37 853, de 20 de Junho de 1950).
Verifica-se, assim, que a medida prevista na base II da proposta de lei para a revisão do Plano de Fomento não parece afastar-se das linhas gerais das atribuições que têm vindo a ser conferidas ao Fundo de Fomento Nacional. Encontra-se também dentro do âmbito da hipótese referida pela Câmara, no seu parecer sobre a Lei n.° 2058, da criação de um banco de fomento nacional, instituição «onde o Estado tivesse posição para pautar uma sã política de crédito industrial».
A acção do Fundo nesse campo poderá, na verdade, trazer palpáveis benefícios, actuando nos momentos de carência de capitais ou servindo de instrumento regularizador em caso de agravamento injustificado do seu custo. Sob este aspecto, a intervenção encarada na base II é, de certo modo, contrapartida da faculdade que possui o Fundo de emitir promissórias a uma taxa considerada em função das características do mercado (Decreto-Lei n.° 38 415, de 10 de Setembro de 1951).
Nada, por isso, tem a Câmara a opor à doutrina da base II.

III

Conclusões

A Câmara tomou conhecimento do firme propósito em que o Governo se encontra de vencer todos os obstáculos que surjam na execução do Plano de Fomento, aprovado pela Lei n.º 2058.
Reconhece também, com o Governo, que as possibilidades do mercado interno de capitais, a admitir-se evolução normal de conjuntura económica e política, permitirão a cobertura dos novos encargos que a execução do Plano impõe. A Câmara considera mesmo que essas possibilidades - e não se fala já do recurso ao capital estrangeiro, hipótese que o Governo admite e contra a qual se não vêem objecções - consentem ainda que, sem prejuízo de execução do Plano, o Governo promova investimentos consideráveis na assistência agrária, na reorganização das indústrias existentes e no auxílio a indústrias novas, projectadas em boas condições técnicas e económicas. Sob este aspecto não haverá senão que dar efectiva realização nos princípios fixados pelo Governo e consignados na Lei n.º 2005. Além de todos os outros argumentos que possam apresentar-se em abono da necessidade de uma urgente definição e concretização da política tendente à melhoria da produtividade agrícola e industrial, a Câmara entende dever salientar que sem esta melhoria não será fácil evitar acentuado desgaste das reservas de câmbio do País, facto esse que poderá limitar a grandeza que se deseja ver dada aos planos que o Governo se propõe executar depois de 1958.
Não tendo surgido, até hoje, qualquer dificuldade de natureza financeira à execução dos empreendimentos previstos na metrópole e ultramar, a Câmara conclui que certos atrasos verificados no andamento dos programas anuais fixados pelo Governo (mais salientes no que diz respeito a algumas províncias ultramarinas) se devem, principalmente, ao tempo gasto na preparação dos projectos definitivos dos empreendimentos previstos no Plano. É este um grave problema - tão importante como haver dinheiro para investir é saber-se qual a melhor forma de o utilizar - e que deverá ser convenientemente resolvido, sobretudo em ordem à execução dos planos futuros. A Câmara não hesita, por isso, em recomendar ao Governo o reforço urgente dos serviços que a seu cargo tenham o estudo e o planeamento dos empreendimentos a realizar na metrópole e no ultramar.
No curto prazo de que dispôs não pôde a Câmara obter elementos que lhe permitissem contribuir para o aperfeiçoamento das rectificações de custos feitas pelo Governo. Considera que o cuidado que ele põe nos seus projectos - e o relatório da proposta de lei é clara afirmação de seguro domínio do problema - é bastante para que se aceite a revisão proposta, como conveniente lhe parece também que ao Governo se dê a liberdade de acção que ele pede e à qual toma a iniciativa de impor limites rígidos.
Nestes termos, e tendo em conta as observações feitas ao longo do exame na especialidade, a Câmara aprova a proposta de lei, com as seguintes alterações:

BASE I

No Plano de Fomento, aprovado pela base I da Lei n.° 2058, de 29 de Dezembro de 1952, e nos respectivos programas de execução estabelecidos nos termos dos n.os 1.° a 3.º do parágrafo 2 da base III e nos da base VII do mesmo diploma, o Conselho Económico poderá, dentro dos aumentos fixados nos quadros I e II anexos à

Página 881

21 DE ABRIL DE 1955 881

presente lei introduzir as alterações que se mostrem justificadas por qualquer das circunstâncias seguintes:

a) Verificada insuficiência da dotação estabelecida para a realização dos empreendimentos descritos;
b) Conveniência da ampliação das obras ou aquisições, em ordem ao maior rendimento económico dos empreendimentos;
c) Necessidade de novos empreendimentos complementares dos previstos e realizáveis até ao fim do ano de 1958;
d) Verificada insuficiência dos recursos dos orçamentos ultramarinos para assegurar a contribuição que lhes foi atribuída.

BASE II

Fica o Governo autorizado a elevar para 3 200 300 contos a verba atribuída ao Orçamento Geral do Estado no mapa XI anexo à Lei n.° 2058.

BASE III

O Fundo de Fomento Nacional poderá, mediante despacho da Presidência do Conselho e em aplicação das suas disponibilidades, fazer a favor das empresas incluídas nos programas aprovados e por prazo não superior a um ano, antecipações dos financiamentos neles previstos.

Palácio de S. Bento, 18 de Abril de 1955.

Albano Rodrigues de Oliveira.
António Trigo de Morais.
Francisco José Vieira Machado.
Francisco Monteiro Grilo.
Vasco Lopes Alves.
António Carlos de Sousa.
Ezequiel de Campos (A tarefa já realizada no Plano de Fomento obriga-me a repetir a declaração de voto que fiz, em 19 de Novembro de 1952, no parecer da Câmara Corporativa. É necessário definir-se depressa a solução dos nossos problemas fundamentais e realizá-la).
Fernando Emygdio da Silva.
Rafael da Silva Neves Duque.
António Passos Oliveira Valença.
João Baptista de Araújo.
José do Nascimento Ferreira Dias Júnior.
Luís Quartin Graça.
José Gonçalo Correia de Oliveira, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Página 882

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×