Página 909
REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 97
ANO DE 1955 26 DE ABRIL
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.° 97, EM 25 DE ABRIL.
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Alberto Henriques de Araújo
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão ás 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente informou estar na Mesa o parecer da Câmara Corporativa sobre o projecto de lei relativo à liquidação das remunerações dos corpos gerentes, comissários ou delegados do Governo em determinadas empresas.
Vai baixar às Comissões de Política e Administração-Geral e Local e de Finanças da Assembleia.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Gastão Figueira, que se congratulou com a próxima visita do Chefe do Estado ao arquipélago da Madeira; Alberto de Araújo, ma mesma ordem de ideias, o Amaral Neto, sobre atribuição de certas remunerações a funcionários aduaneiros.
Ordem do dia. - Continuou a discussão das Contas Gerais do Estado e a da Junta do Crédito Público relativas a 1953.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Cortês Lobão, Dinis da Fonseca, Melo Machado, José sarmento e Pereira Viana.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 18 horas e 45 minutos.
CÂMARA CORPORATIVA. - Parecer n.º 26/VI, acerca do projecto de lei n.º 18 (alteração do regime estabelecido no artigo 27.º do decreto-Lei n.º 26 115).
O Sr. Presidente : - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Ornelas do Rego.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Américo Cortas Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Gaiteiros Lopes.
António Cortês Lobão.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
Augusto Cancella de Abreu.
Baltasar Leite Rebelo de Sousa.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Eduardo Pereira Viana.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Ameal.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Página 910
910 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 97
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Sarmento Vasconcelos e Castro.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arautos.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 61 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente:- Vai ler-se o
xpediente
Telegramas
Vários a apoiar as palavras do Sr. Deputado Camilo Mendonça proferidas na Assembleia Nacional a respeito da unificação do preço do gasóleo em todo o Pais.
O Sr. Presidente: - Está na mesa o parecer da Camará Corporativa sobre o projecto de lei relativo à limitação de remuneração dos corpos gerentes, comissários ou delegados do Governo junto de certas empresas.
Vai baixar às Comissões de Política e Administração Geral e Local e de Finanças desta Assembleia.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Gastão Figueira.
O Sr. Gastão Figueira: - Sr. Presidente: como foi dado a conhecer através da imprensa, o Chefe do Estado visitará oficialmente a Madeira no fim do próximo mês.
Esta noticia produziu a maior alegria e entusiasmo entre os Madeirenses, e bem justificadamente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Quando anteontem acompanhei a Belém o Sr. Ministro do Interior, o governador do Funchal e outras personalidades representativas da Madeira, que ali foram formular o convite a S. Ex.ª, vi, com desvanecimento, que esse convite era aceite com imensa simpatia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- O Sr. Presidente da República, depois de nos receber com grande distinção, falou-nos da Madeira demoradamente, mostrando um conhecimento e um sentimento dos nossos problemas que em todos despertou sincera admiração. E não se limitou a generalidades, desceu a pormenores, com a prudência e a segurança de um homem afeito ao estudo e à meditação.
As obras do porto do Funchal, a emigração, a hidráulica agrícola, a indústria dos bordados, as comunicações aéreas, o repovoamento florestal, o turismo e as belezas panorâmicas da ilha foram temas versados com lúcida inteligência e o maior interesse. Não se teria exprimido melhor sobre estes assuntos qualquer madeirense dos mais experimentados e esclarecidos.
É, uma característica dos chefes conscientes das suas responsabilidades viver em cada momento os problemas das várias terras do sen pais, como se cada uma delas fora a sua terra natal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- A Madeira vivo no coração e no espirito do Sr. General Craveiro Lopes.
A Madeira vai receber S. Ex.ª como receberia o mais querido e o mais ilustre dos seus filhos.
A Madeira vai acolher o Chefe do Estado, gostosamente, com a mais alta cortesia e a mais subida honra.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: dignou-se o Sr. Presidente da República aceitar o convite que lhe foi dirigido pelo governador do Funchal para visitar as ilhas da Madeira e do Porto Santo, no regresso da sua viagem a Cabo Verde e à Guiné. Estou certo de interpretar es sentimentos gerais das populações daquelas ilhas ao exprimir ao ilustre Chefe o Estado o seu profundo reconhecimento pela prova de simpatia que S. Ex.ª quis dar-lhes distinguindo-as com a sua visita.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Terminada a sua viagem a Cabo Verde e à Guiné, e quando ainda estiverem bem presentes na sua lembrança e na sua emoção todas as provas de apreço pessoal de que vai ser alvo, e todas as manifestações de dedicação e fidelidade à Pátria que lhe vão ser tributadas por aquelas populações ultramarinas, a Madeira terá a honra de dirigir ao Chefe do Estado a primeira palavra de boas-vindas no seu regresso à metrópole.
Estou adivinhando e antevendo o que vão ser essas horas de fulgor e júbilo patrióticos, de alegria e de apoteose, numa terra que é, ao mesmo tempo, uma dadiva preciosa da Providência e um exemplo constante e perene do que pode a perseverança, o esforço e o trabalho do homem.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: tem a Madeira beneficiado altamente da era de renovação e ressurgimento nacionais em curso, através das estradas que se construíram, dos campos que se irrigaram, da energia que se aproveitou. Ainda dentro do corrente ano, e de acordo com a promessa feita pelo actual Ministro das Obras Públicas, vão iniciar-se as obras de ampliação do porto do Funchal previstas no Plano de Fomento - obras essas que, como por várias vezes afirmei na Assembleia Nacional, correspondem à satisfação da mais importante aspiração de todos os madeirenses e que o Chefe do Governo tem patrocinado com particular carinho e interesse.
Vozes: - Muito bem!
Página 911
26 DE ABRIL DE 1955 911
O Orador:- Simultaneamente estão a ser elaboradas as condições do concurso para o fornecimento de óleos à navegação e prestes a ser aprovado também o novo plano de estradas a executar naquela ilha.
Se a viagem do Chefe do Estado dá ao povo madeirense ocasião para afirmar os seus sentimentos patrióticos e de veneração e respeito pelo mais alto magistrado da Nação, oferece-lhe também uma magnífica oportunidade para testemunhar-lhe o seu profundo reconhecimento por todos os benefícios recebidos.
Sr. Presidente: as terras, como os indivíduos, tom os seus pergaminhos, as suas vaidades e os seus motivos de orgulho. A Madeira ufana-se de ser a primeira e mais bela iluminura no livro das Descobertas, e a sua grande vaidade e o seu maior orgulho é ser parcela viva e valiosa do império português.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: disse alguém certa vez que o nosso direito de apreciar os factos da administração pública é de tão delicado manejo que muitas pessoas não poderão utilizá-lo sem risco de abuso.
Pela superior autoridade de quem a formulou, e porventura, mais ainda, por ter sido feita a propósito e pouco antes da eleição que me abriu as portas desta sala, a observação calou-me muito no espirito, e nunca me propus usar deste direito sem debater longamente comigo próprio o risco do abuso, em que não sei quantas vezes terei já caído e de que me temo por respeito tanto ao mandato como à audiência da Assembleia.
Ainda hoje assim foi, e redobrei na preocupação por vir terceira vez a um assunto que só não direi de somenos pelo fundo que toca aos interesses morais e materiais de um grupo respeitável de servidores do Estado. Que para mim o merecimento das causas não se mede apenas pela vastidão dos seus âmbitos: atinjam o indivíduo ou a multidão, são a qualidade e o grau dos efeitos que mais me comovem, são por onde procuro determinar-me quando por vista ou por notícia me chega a conhecimento uma situação que o fraco apoio das minhas palavras possa ajudar a ganhar em justiça, em eficiência ou em economia.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Mas. não me sofrendo o ânimo saber de uma queixa viva, intensa, persistente?, achá-la justificada, receber reiterada e instantemente o pedido de apregoar para poder ser entendida e atendida, e quedar-me calado, não resisto a pedir de novo ao Governo que repare nos lamentos dos funcionários aduaneiros, ecoados aqui na Assembleia já por mim e anteriormente por Deputados mais ilustres - com esta serão ao todo oito vezes - e repetidamente expressos na imprensa.
Bem sei que o simples facto de a tantas instâncias não ter sido ainda dada satisfação deveria advertir-me de haver razões fortes para a recusar, e não duvido de que as haja; simplesmente, são tão claras as que lhes opõem os queixosos, e tão nitidamente as confirmam os números oficiais, que sou levado a crer serem essas principalmente as da inércia e dos interesses criados, contra as quais o espirito justiceiro e inovador do Sr. Ministro das Finanças se mostra sempre apostado a travar combate em todos os campos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Para S. Ex.ª, a quem me é sempre grato render as minhas homenagens, apelo, pois, pedindo-lhe que não veja nesta minha teima no assunto senão um convencimento muito sincero de que ele é digno da sua atenção e das suas providências.
E constando-me que está sob o seu exame um projecto do reforma de certos serviços aduaneiros, penso que não será inoportuno lembrar este ponto bem digno (lê ser incluído nula.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Não se trata, aliás, de um defeito intrínseco do sistema vigente, que em si mesmo me parece criteriosamente concebido; mas duma deturpação tão grave por males dos homens que só um mecanismo novo a poderá sanear.
Mas de que se trata afinal?
Não falando em certas aspirações quanto a vencimentos, acerca das quais não pretendo tomar posição, embora se apresentem bem deduzidas, tudo gira à volta da atribuição de subsídios de deslocação, de transportes e ajudas de custo a que os funcionários aduaneiros tom direito quando prestam serviços fora dos seus locais de trabalho normal, fora de horas, etc.
Nada parece mais razoável, e é sistema geral no Estado, que a prestação destes serviços nos pontos onde os exigem as necessidades do tráfego ou as conveniências dos interessados do lugar a retribuições suplementares, conforme os incómodos e as despesas que acarretam, e que essas retribuições sejam em benefício dos funcionários sujeitos aos trabalhos e às despesas.
Benefício quase sempre pecuniàriamente positivo, ele pode somar quantias substanciais, como aqui referi nu sessão de 24 de Março do ano passado, e é, pois, muito apetecido como acréscimo a vencimentos modestos, quais são os de todos os nossos funcionários.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - De facto, não parece ser verdade que, como consta de uma informação oficial que o Sr. Ministro das Finanças teve a bondado de me comunicar, os subsídios de deslocação e os transportes só sejam cobrados quando os funcionários se deslocam à sua custa, nem que as ajudas de custo, aliás baixas, sejam apenas, ou sempre, indemnização de despesas efectuadas.
Ainda que o fossem, nem assim as deslocações, mesmo ú custa dos funcionários, seriam desinteressantes. Quando atravessar o Tejo em frente do Terreiro do Paço custa 1$ e dá direito u 103 de transporte, a vantagem, seja embora o caso extremo, apresenta-se nítida, e, segundo pareço, em maior ou menor grau, verifica-se quase constantemente.
Voltando, porém, à suposição de que as partes interessadas não pagam deslocações quando oferecem os transportes, creio que os factos a não substanciam, e surpreende-me por isso que um funcionário - certamente melhor avisado - tenha manifestado ao seu Ministro partilhar dela.
Asseveram-me, com eleito, que é prática corrente, muito corrente, demasiado corrente, os despachantes oferecerem os transportes, que, aliás, debitam aos seus clientes, mas que é igualmente correntio os funcionários não se dispensarem por isto de incluírem as despesas, como se as tivessem suportado, nas suas guias respectivas.
Também será ingénua - se este é o adjectivo próprio - a convicção de que as ajudas de custo, aliás negadas aos funcionários remetidos por meses e meses para os postos fronteiriços, apenas cobrem as despesas com refeições e dormidas. Basta, por exemplo, estar uns minutos além de quatro horas em serviço num armazém - o que não é nada raro e não impede de ir almoçar a casa - para as vencer.
Página 912
912 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 97
De tudo isto e do mais resulta, em primeiro lagar, que as circunstâncias são muito forçadas para fazerem aumentar os rendimentos destas quase sempre proveitosas retribuições suplementares.
Para tanto, torna-se em geral necessária a cooperação dos despachantes ou a dos auxiliares e subordinados, mas todas são fáceis, porque todos encontram suas vantagens numa política de bom entendimento.
Só perde às vezes a independência dos funcionários; creio, porém, que nunca o Estado, porque a acomodação dos seus servidores, honra lhes seja, não ultrapassa os pecados veniais.
Sr. Presidente: pois que entrei no caminho de exemplificar, mostrarei a propósito outra maneira de arranjar satisfatoriamente as coisas, sem o menor receio de ser indiscreto, porque factos destes são conhecidos de todos os que fazem vida nas alfândegas.
O subsídio de deslocação de 5$ a que se refere o § 1.° da observação 5.º à tabela e apensa à Reforma Aduaneira também é hoje cobrado por serviços fora das horas normais do expediente, por exemplo das 12 às 14, tempo do almoço, de modo que é frequente darem-se os serviços como feitos neste intervalo para justificar o subsídio dos 5$. Tenho aqui nota de certo desembarque de milho que carregou catorze camiões; pois, embora só um saísse do entreposto depois do meio-dia, oficialmente todos foram dados como saldos durante o intervalo do almoço, com proveito liquido de 65$ para cada um dos funcionários que intervieram no despacho: artífice, verificador e reverificador.
Sendo assim fontes de boas receitas as deslocações e os serviços extraordinários, portanto apetecidos, acontece que a sua distribuição não é feita por igual, e aqui reside o grande motivo das queixas, as quais são de duas ordens: não só o benefício não é equitativo, como o manejo dele se torna em instrumento duma verdadeira tirania interna, exercida pêlos chefes, nos vários graus hierárquicos, eventualmente ao sabor das próprias conveniências e das dos seus amigos, pois que a seu talante têm o poder de distribuir os serviços.
Das diferenças pecuniárias dei alguns exemplos na minha intervenção que há pouco recordei; mostrei, então, que são na verdade muito grandes, inexplicáveis, precisamente por tão grandes, à simples luz dos textos legais, e portanto demonstrativas de qualquer coisa de muito errado. Quando os chefes das delegações urbanas da Alfândega de Lisboa - vá lá um último exemplo - se nomeiam a si próprios para serviços que pertencem a funcionários de categoria inferior, diminuindo estes nas suas possibilidades de emolumentos, não parece que procedam bem, porque não lhes compete certamente premiarem os seus próprios merecimentos, e não está certo que isto lhes seja lícito.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O outro aspecto a considerar no caso, e que realmente me impressiona, é o do regime de favores que se estabelece nas alfândegas. Das geenas das encomendas postais, que nada dão, ao paraíso do Aeroporto, que é farto de emolumentos, passando por todas as fases intermédias do repartimento discricionário das missões pingues, o bel-prazer dos superiores pesa sobre os subordinados, apto a jogar ao sabor de quantos factores subjectivos possam imaginar-se, e manifestando-se iniludivelmente nas diferenças encontradas.
Não é a esta Assembleia, não é a V. Ex.ª, não é certamente ao Sr. Ministro das Finanças, que eu tenho de encarecer os males de uma situação assim; confiante em que bastará conhecê-los para os procurar evitar, e que ao talento de tão ilustre membro do Governo bastará procurar para encontrar o remédio, posso dar por cumprida a missão que me propus. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito, bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão as Contas Gerais do Estado e as da Junta do Crédito Público relativas a 1953.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cortês Lobão.
O Sr. Cortês Lobão: - Sr. Presidente: vai mais uma vez esta Assembleia Nacional analisar e dar o seu voto às Contas Gerais do Estado.
O parecer elaborado pelo seu relator, o nosso colega engenheiro Araújo Correia, continua a sua tradição: é um notável e valioso estudo, que honra o seu autor, pelo que lhe dirijo as minhas felicitações por mais este exaustivo trabalho.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- A análise dos números mostra-nos que continuamos no bom caminho, mantendo uma sólida orientação, que nos permitiu, apesar do grande incremento dado nas obras de fomento, manter o equilíbrio orçamental, com um saldo de 80 679 contos.
Já nos habituámos a esta inteligente e honesta administração, que nos tem dado o prestigio e a confiança internos e externos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tudo se vai fazendo sem sobrecarregar a massa tributária, sem asfixiar a produção.
Temos de aumentar as fontes de produção, temos de produzir mais e melhorar o existente. É a palavra do momento presente.
Vemos, com satisfação, no campo industrial já aparecerem novas actividades.
Devagar, mas cora segurança, de norte a sul surgem novas indústrias, que nos vão libertando das importações.
E na agricultura o que se passa?
Essa agricultura, muitas vezes tão mal compreendida e criticada por muitos, mas, felizmente, compreendida e amparada pelo Governo do Estado Novo, terá ela procurado acompanhar o esforço despendido pêlos outros ramos da economia?
Apesar da irregularidade do nosso clima, muitas vezes desanimador, por vezes desconcertante para quem tem por missão fazer produzir o seu solo, arrancando dele o máximo que possa, som olhar às grandes despesas indispensáveis a uma colheita incerta; apesar da irregularidade do nosso clima, dizia eu, a agricultura em Portugal continua a ser ainda hoje um dos factores mais importantes da economia nacional. Dela vivem muitas indústrias, continua a viver dela mais de metade da sua população, dela recebe o Estado uma grande parte das receitas. Sendo assim, é justo verificarmos como tem correspondido ao apelo do Governo.
Principiamos pela cultura do trigo, cultura tão contingente, sujeita a tantos riscos, que só a tenacidade do homem da terra consegue vencer, fazendo produzir esse cereal indispensável a toda a população portuguesa e
Página 913
26 DE ABRIL DE 1955 913
que tantas vezes esgotou os cofres do Estado com as importações maciças.
Tenho presentes elementos fornecidos pelo organismo oficial - a Federação Nacional dos Produtores de Trigo -, em boa hora criado e que tem sabido corresponder às necessidades da lavoura, devido à inteligente orientação dos seus dirigentes.
Tirei dos números referentes aos últimos dez anos os seguintes elementos, que são elucidativos e por isso não me dispenso de citar.
O trigo adquirido a lavoura por aquele organismo foi:
(Ver tabela na imagem )
Analisando estes quadros, verificamos que o trigo produzido no Pais, nos primeiros cinco anos, passou de 126 259 736 kg em 1945 para 198 446 100 kg em 1949, o que representa um aumento sensível.
Nos cinco anos seguintes, a principiar em 1949, ano em que a tabela dos preços passou a ser publicada no inicio das campanhas, a produção aumentou de forma mais sensível: de 198 446100 kg nesse ano subiu para 488.517 048 kg em 1954, devendo ainda aumentar este numero, pois está indicado só até 25 de Janeiro de 1955, data em que há ainda trigos a entrar.
As correspondentes importações, que tinham aumentado de 189 447 822 kg em 1945 para 230 270 052 kg em 1949, baixaram em 1950 para 158 040 019 kg, continuando a baixa até 29 210 690 kg em 31 de Dezembro de 1954.
O aumento das produções nacionais, traduzido em escudos, fez baixar o valor das importações de 874 778 contos em 1948, ano da maior importação, para 63 445 contos em Dezembro de 1954.
É possível que tenhamos de importar mais algum trigo da campanha de 1954, mas será apenas aquele que por acordos internacionais nos comprometemos a receber.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Se passarmos agora a analisar a evolução da produção média de trigo por hectare, e limitando a análise, para simplificar, apenas aos trás distritos maiores produtores - Beja, Évora e Portalegre -, temos, segundo os elementos colhidos na mesma origem pela Federação Nacional dos Produtores de Trigo e para o mesmo número de anos, os seguintes dados:
Colheitas por hectare em quilogramas
(Ver tabela na imagem )
A leitura destes números mostra-nos que as produções por hectare, que se mantiveram fracas nos primeiros cinco anos até 1948, aumentaram sensivelmente no segundo período, desde 1949, até atingirem em 1953 as produções respectivamente de 1074 ha no distrito de Beja, 1079 ha no de Évora e 880 ha no de Portalegre, o que representa umas boas médias para um clima tão irregular.
Pode dizer-se que fomos favorecidos por uma série de anos com condições de clima favoráveis às culturas. Em parte pode ser certo, mas não devemos esquecer, para ser justos, que os ensinamentos dos técnicos oficiais e a boa compreensão da lavoura em muito tom contribuído para a melhoria das produções.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As máquinas modernas - a que o lavrador da terra já se habituou e que se encontram às centenas por esse celeiro do País -, além de lhe permitirem o aumento da área cultivada, pela arroteia de muitas terras próprias para trigo, mas que sem a potente máquina não o seriam tão cedo, trouxeram-lhe a possibilidade de fazer uma boa mobilização das terras, com bons alqueives, na época própria, protegendo a futura planta da falta ou excesso de água, e abreviaram as sementeiras, pela rapidez, o que permite escolher a época mais conveniente.
Podemos afirmar que hoje o agricultor da terra se não melhora a sua exploração de forma a torná-la mais económica e progressiva não é por ignorância ou rotina, mas porque tem sempre diante de si o pesadelo das crises periódicas de trabalho, em que é preciso absorver uma grande parte dos milhares de trabalhadores que a indústria ou as culturas de regadio não podem empregar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Sr. Presidente: atrevo-me a afirmar que no ano corrente a presente campanha cerealífera, devido ao excesso de chuvas caído nos longos meses de Inverno, seria catastrófica se as terras tivessem a antiga preparação.
Julgo que esse excesso de água deve ter provocado uma quebra de 25 a 30 por cento na próxima colheita. O trigo que este ano colhermos será em grande parte devido à boa mobilização das terras fortes, quo drenou o excesso de água.
Sem nos determos na análise de outros géneros igualmente necessários à economia, se passarmos aos gados, encontramos uma grande melhoria. Os nossos técnicos
Página 914
914 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 97
veterinários, que tão patriòticamente têm aconselhado e acompanhado os criadores, conhecem a melhoria sempre crescente da lã do gado lanígero.
Temos hoje lotes de lã, que se podem pôr ao lado da boa lã estrangeira.
A melhoria na carne também é sensível. No gado suíno, vacum, como no lanígero, têm-se leito com sucesso cruzamentos com gado estrangeiro para esse fim.
Trabalha a lavoura com o desejo de acertar. Tem muitas vezes insucessos que lhe trazem prejuízos graves, mas teima sempre sem desanimo.
Tudo isto conhece o Governo através dos seus técnicos.
Sendo isto uma realidade, podemos, com satisfação, afirmar que a lavoura portuguesa tem patriòticamente cumprido o seu dever, tem correspondido ao apelo do Governo na sua missão de produzir mais, dando com o sen esforço uma grande contribuição para a melhoria económica do País.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Esclarecida a posição actual da lavoura no conjunto da economia nacional, vou ainda fazer umas ligeiras considerações.
Volto a pedir ao Governo que mande intensificar os estudos referentes ao plano de fomento agrário, que dará à lavoura, como já aqui foi dito pelo nosso colega Prof. André Navarro, o exame conjunto e coordenado em cada um dos sectores agrícola, florestal e pecuário, resolvendo as dúvidas que ainda hoje se apresentam.
Igualmente chamo a atenção do Governo para o actual regime de arrendamentos da propriedade rústica, ou, melhor dito, para a falta de legislação nesses arrendamentos.
Impõe-se um regime que permita fixar à terra por um número mínimo de anos o rendeiro em condições de poder fazer não só rotações racionais nas culturas como benfeitorias nas propriedades.
Hoje, como o normal dos arrendamentos é de três a quatro anos, tira-se da terra tudo o que ela pode dar, apenas com os adubos químicos, sem pensar na matéria orgânica indispensável à sua fertilização.
Não se fazem os mais pequenos melhoramentos na propriedade, entregando-a no fim dos três anos do arrendamento a outro rendeiro, que continua o mesmo processo de exploração.
A terra não é um capital que se tenha fechado num cofre onde se vão cortar os cupões no fim do ano.
A área do arrendamento na zona extensiva do sequeiro do Sul do Pais anda por 40 por cento. Impõe-se diminuir esta área, fazendo uma política de fixação a terra pêlos proprietários da mesma, e, quando isso não é possível, estabelecer nos arrendamentos condições que permitam ao rendeiro fazer nela uma exploração racional, e não de esgotamento, como hoje se faz. Isto aproveitava ao rendeiro, que melhorava a exploração, ao proprietário e aos seus descendentes, que ficavam com a propriedade valorizada, e ao País, que enriquecia o seu património.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Julgo indispensável continuar a criação de estações agrárias e campos experimentais onde a lavoura vai acompanhando o progresso das culturas.
Neste momento reforço o pedido já aqui feito nesta sessão legislativa pelo nosso colega Lima Faleiro para que a Estação Agrária de Beja, tão necessária àquela região, seja em breve uma realidade.
Muito já se tem feito, mas é preciso intensificar os estudos dos aproveitamentos de regadio que ainda se encontram sem solução, não tendo como finalidade única a cultura do arroz, que já deve estar no período de saturação, mas muito principalmente para fixar famílias rurais que por esse Alentejo vivem com grandes dificuldades e que assim as viam atenuadas com alguns hectares de terra de regadio.
Vozes : - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: li, com a maior atenção e interesse, o parecer das contas agora em discussão, e na parte referente à contribuição predial rústica entendi que o nosso colega Araújo Correia considera muito pouco o aumento efectuado nestes últimos dezoito anos. Não se esqueceu S. Ex.ª de que a agricultura da terra não paga só a contribuição a que o nosso colega se refere no parecer.
Tem mais uma série de encargos, a que chamou encargos marginais, e que somados aumentam de forma sensível os impostos pagos.
Se bem compreendi as suas considerações feitas nesta tribuna no sábado passado, sugere um inquérito a esses encargos para avaliar se devem ou não ser considerados tributários.
É fora de dúvida que esses encargos saem da produção, como é fora de dúvida que a soma deles vem aumentar de forma sensível os impostos pagos, ainda com a agravante de alguns sofrerem frequentes aumentos.
Faltam-me os conhecimentos para discutir este assunto e, por isso, não estou habitutado a dizer ao Governo que deve aumentar as receitas deste ou doutro modo; posso, sim, dizer o que vê e sente um leigo, como raciocina um simples contribuinte, que vem do passado anárquico a que o nosso colega se referiu e que, como ele, se insurge contra os erros cometidos, que respeita e aprecia os princípios sãos e patrióticos defendidos por ele nos pareceres.
Esse raciocínio mostra-me uma obra enorme já feita; um grandioso plano de fomento em rápida execução e que se vai projectar em todos os sectores da vida económica portuguesa no curto período de alguns anos.
Vozes: - Muito bem !
O Orador : - Sinto que os encargos tributários que o Estado exige são compatíveis com a economia de cada um; não asfixia a produção.
Daqui concluo que o Governo, autor de toda esta grandiosa obra, conhecedor da situação económica do Puis, seguiu o melhor caminho no momento. Só o devo louvar por isso.
Vozes : - Muito bem!
O Orador: - Apoio calorosamente o nosso colega
Quando diz que se devem envidar esforços no sentido e canalizar o maior somatório possível de recursos para melhorar o modo de vida de uma percentagem importante da população nacional, que se encontra em circunstâncias precárias.
Estou certo de que são também essas as intenções do Governo, que já muito tem feito, mas sabe que muito há ainda para fazer.
Termino aqui as minhas considerações com as palavras do começo: felicitando o nosso relator pelo seu notável trabalho, dando o meu voto ao parecer das Contas e congratulando-me pelo resultado administrativo do Governo no exercício de 1953.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador foi muito cumprimentado.
Página 915
26 DE ABRIL DE 1935 915
O Sr. Dinis da Fonseca: - Sr. Presidente: segundo a rubrica constitucional e regimental, este debate devo versar sobre as Contas Gerais do Estado referentes ao ano económico de 1903.
E forçoso, porém, reconhecer que a realidade muito diverso.
Em primeiro lugar, os resultados das contas públicas cm discussão dizem respeito apenas à metrópole, e não às províncias ultramarinas, que fazem também parte do Estado Português!
Contra o estatuído na Constituição, ainda não foi possível no Ministério do Ultramar vencer a batalha as contas públicas, conseguindo organizar e trazer à apreciação desta Assembleia os resultados referente às províncias ultramarinas.
È certo que esta falta poderá ser facilmente relevada pelos que recordarem a dureza da batalha travada para obter as contas públicas da metrópole, batalha que tive ocasião de recordar nesta tribuna o ano passado.
Mais grave, muito mais grave, se me afigura não poderem as contas da metrópole já abranger os resultados de todos os 'sectores da
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quem fechar os olhos a esta realidade: o quiser apreciar os resultados das contas públicas apenas à luz dos conceitos assentes e dos moldes criados há vinte e cinco anos não poderá deixar de notar uma certa heterodoxia entre eles e as realidades actuais.
A directriz política é a mesma; o mesmo o zelo imperturbável pelos interesses superiores da Nação; mas o génio administrativo que preside às funções públicas, não já meramente administrativas, mas intervencionistas, fomentadoras, orientadoras e defensoras da economia nacional, viu-se obrigado a desprender-se dos moldes assentes, para os substituir por outros que aguardam ainda a sua sistematização doutrinal.
A necessidade de refazer o orçamento do Estado, e, por certo também, os moldes dos resultados da gerência pública, foi já reconhecida e declarada por S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho no seu discurso de 12 de Dezembro de 1950, onde afirmou que só a insegurança dos tempos e as circunstâncias internacionais tinham retardado a oportunidade dessa reforma.
Daqui o poderem notar-se certos desalinhamentos ou certas contradições, que só as novas regras em gestação poderão corrigir ou esclarecer.
Das experiências administrativas em curso poderiam repetir-se as palavras que ficaram no relatório do Decreto-Lei n.° 18 381, que introduziu as primeiras reformas profundas no statu quo da nossa contabilidade pública: «aos cultores do direito compete - não ao legislador (ou administrador) - formular sobre os novos textos (ou métodos) a doutrina que sistematize as novas situações jurídicas criadas».
Nas breves considerações que me propus fazer desejaria chamar a atenção para alguns aspectos que suponho justificarem a urgência da reforma prevista há cinco anos, para que os contas públicas possam continuar a merecer o título consagrado de Contas Gerais do Estado e permitam manter a objectividade e integridade do julgamento político constitucionalmente imposto a esta Assembleia.
O próprio alargamento das funções do Estado torna cada vez mais imperiosa a necessidade desse julgamento e impõe a esta Assembleia responsabilidades políticas cada vez mais pesadas!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Os resultados orçamentais das contas públicas de 1953, em discussão, acusam um excesso de receitas ordinárias sobre as despesas da mesma natureza superior a um milhão e trezentos mil contos!
Segundo os conceitos de há vinte e cinco anos. estaríamos em face de um orçamento superequilibrado, ou talvez «politicamente desequilibrado», por um excessivo peso de impostos ordinários para a cobertura das despesas orçamentadas da mesma natureza!
Mas, segundo o actual conceito, expresso no seu relatório pelo ilustre relator da nossa Comissão de Contas Públicas, estamos em face de um montante desactualizado de impostos, que, como tal, é preciso elevar para obter melhores dotações orçamentais paru certos serviços!
Não seria possível esclarecer facilmente esta aparento contradição, só deixássemos de ter em conta as seguintes realidades:
a) A administração da vida pública portuguesa foi regida durante o ano económico de 1953 e continua a sê-lo no ano corrente, não por uni, mas por dois orçamentos: um orçamento anual e outro cíclico, chamado o Plano de Fomento, e é à gerência c resultados obtidos através destes dois orçamentos quis teremos de atender para formular qualquer juízo completo da situação;
b) Além das finanças públicas, entendidas como há vinte e cinco anos, temos actualmente outras espécies, como sejam as finanças de fomento e as finanças sociais, que poderemos subdividir em finanças corporativas - para cuja. gerência foi criado uni novo Ministério e finanças económicas, cuja gerência compete aos fundos dos organismos de coordenação económica, que constituem um largo capítulo do Ministério da Economia. E podíamos ainda considerar outros aspectos ou subdivisões das actuais finanças públicas.
Mas as realidades que deixamos apontadas permitem--nos já fazer as seguintes afirmações:
1.º O aparente excesso das receitas ordinárias registado no orçamento anual aparece-nos como receita ou cobertura normal para as despesas inscritas pelo Conselho Económico no orçamento cíclico ou Plano de Fomento;
2.° Recaindo sobre o mesmo rendimento nacional tanto as receitas das finanças públicas administrativas como as receitas das finanças públicas sociais, corporativas ou económicas, não parece concludente comparar os encargos
Página 916
916 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 97
das primeiras há vinte e cinco anos com aqueles que as mesmas finanças arrecadam actualmente, abstraindo dos encargos das finanças sociais. Só a soma dos encargos de todas estas finanças permitiria concluir pela sua actualização ou desactualização. E creio que o seu montante nos levaria a concluir que, em vez de desactualizados, se encontram duplicados!;
3.º A terceira afirmação ou realidade é esta: os resultados das finanças sociais, corporativas ou económicas, julgam-se excluídos do julgamento político desta Assembleia e só indirectamente, ou a título informativo, afloram nos resultados das contas públicas referentes às finanças públicas administrativas;
4.º São ainda muito diferentes as origens ou fontes de recursos que há vinte e cinco anos faziam face às despesas extraordinárias, inscritas no orçamento anual, daqueles que actualmente podem abastecer a cobertura das despesas
inscritas no orçamento cíclico ou Plano de Fomento. Assim, além do excesso das receitas ordinárias arrecadado através do orçamento anual, podemos mencionar as origens seguintes:
a) Empréstimos internos a curto prazo ou «promissórias» emitidas através do Fundo de Fomento Nacional;
b) Empréstimo externo, oriundo do auxílio americano, prestado através do Plano Marshall;
c) Empréstimos por aplicação das reservas corporativas; ou das reservas dos Seguros;
d) Aplicações ou autofinanciamentos dirigidos ou ... coagidos.
Todas estas espécies de empréstimos têm normas de emissão e amortização diversas das previstas pela reforma da dívida pública efectuada tem 1936.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tão profundas alterações, bem como as tributações, orçamentos e contabilidades especiais, a que aludia o Sr. Presidente do Conselho em 12 de Dezembro de 1950, têm, quanto a mim, agravado a urgência de reformar os moldes das contas públicas, de forma que possam e devam ser obrigatoriamente incluídos no seu julgamento político os convenientes relatórios dos .resultados das várias autonomias económico-financeiras.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Se a sua autonomia pode justificar-se por maior eficiência administrativa, creio que não encontra igual justificação a falta de publicidade e de apreciação final dos seus resultados.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - No seu notabilíssimo discurso de 28 de Maio de 1953, precisamente o ano da gerência em discussão, justificou S. Ex.ª o Presidente do Conselho a necessidade de alargamento da actividade interventora do Estado, para fomento e apoio das actividades económicas cujo reforço se julga essencial aos superiores interesses da economia nacional; mas, com a sua habitual clarividência e superior visão política, no mesmo discurso deixou assinaladas as dificuldades e os perigos que desse intervencionismo e dos seus excessos podem advir para a independência dos Poderei Públicos e para a saúde moral do País.
Mas dificilmente esses perigos poderão evitar-se se faltar aos resultados dessa acção interventora do Estado a publicidade e judiciosa crítica dum oportuno julgamento político.
E, tão grandes como os perigos que podem derivar da acção interventora do Estado, poderão ainda advir duma excessiva acumulação de comandos económicos nas mãos de poucos particulares, ou de excessivas concentrações de riqueza que, em vem de visarem fins reprodutivos ou beneficiosos, visem apenas à ostentação e poderio económico, ou a uma actividade monopolista ou socialmente opressora.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E no entanto não faltam notórios e perturbadores indícios de tais abusivas acumulações e concentrações, que se torna urgente coibir.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E também cremos que o julgamento político da administração pública não pode permanecer estranho a estes factos e tolerâncias perturbadores do equilíbrio social da vida económica e da sua sã estabilidade. Mas para tanto torna-se indispensável que ao mesmo julgamento sejam fornecidos, pêlos sectores da vida pública que intervêm nus actividades económicas e no seu condicionamento, os elementos essenciais.
Além das actividades económicas, outras há ainda que, pela sua larga projecção na vida intelectual e moral da Nação, conviria enviassem a apreciação desta Assembleia o relatório anual das suas gerências.
Apresentarei, como exemplo, o Instituto de Alta Cultura, e não porque haja qualquer suspeita de falta de competência ou de imparcialidade na sua actuação, mas porque, dada a sua importância social e política, conviria, em sua própria defesa, que os seus resultados anuais fossem sujeitos à publicidade e conveniente apreciação política.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidentes: não quero terminar estas ligeiras considerações sem fazer ao comentário objectivo do ilustre relator do parecer das contas públicas ainda uma ligeira anotação.
Pelo que deixei dito, não considero inteiramente justificado o seu cálculo estatístico quanto à desactualização dos impostos considerados de modo geral, mas estou inteiramente de acordo na possível e, direi mesmo, indispensável valorização de alguns rendimentos fiscais provenientes das mais-valias que os índices económicos indiscutivelmente nos atestam.
Surgiram novas fontes de rendimento e existem mais-valias a que não foi porventura ainda exigida a quota-parte com que deveriam contribuir para o fomento nacional? E de justiça que esta não deixe de exigir-se.
Concordo ainda e dou o meu inteiro aplauso à necessidade, reconhecida pelo ilustre relator, de intensificar a política dos melhoramentos rurais, convertendo-a, de simplesmente beneficiosa, em recuperadora do atraso social em que continuam mergulhadas algumas regiões do nosso país.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Água, caminhos, telefones e energia eléctrica devem, nesta hora, considerar-se factores essen-
Página 917
26 DE ABRIL DE 1955 917
ciais, não apenas duma, melhoria económica e social, mas duma defesa indispensável dos nossos meios rurais contra falaciosas ou subversivas seduções.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sem esses factores não é possível levar a esses meios nem a assistência técnica nem a assistência social a que a justiça distributiva lhes dá direito e que uma política de saudável renovação nacional não pode deixar de assegurar-lhes.
O principio que há dias foi votado nesta Assembleia para a energia eléctrica, assegurando o financiamento ou subsídio na proporção da maior carência ou necessidade, precisa de tornar-se extensivo a todos os melhoramentos rurais, para que estes se tornem verdadeiramente recuperadores do atraso social e reconstituintes das fraquezas dos mais pequenos meios rurais.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: eu não venho a esta tribuna fazer propriamente um discurso. Venho apenas, com licença do Sr. Dr. Mário de Figueiredo, fazer um ligeiro apontamento ao parecer das contas que estamos discutindo.
Antes de entrar nas minhas considerações quero ler a VV. Ex.ªs algumas passagens deste mesmo parecer:
Logo ao princípio se lê:
Não parece, pois, que a carga tributária tenha sido pesada, fora das possibilidades dos rendimentos, dado que, se for considerado o aumento da população no longo período de dezasseis anos, a capitação ainda será inferior à daquele ano.
A que atribuir-se este upuruiile atraso na evolução das receitas?
E mais adiante:
Quer dizer, é possível extrair do conjunto produtor rendimentos proporcionalmente maiores.
E ainda:
Está em causa a possibilidade de aumento das receitas ordinárias.
Nos considerandos que precedem as conclusões lê-se na alínea c):
Que sendo aleatórias ou consignada e as receitas que produziram o aumento notado em 1953, se torna necessário reforçar as que correspondem aos impostos directos e indirectos, onde, em percentagens, se deu a quebra de 72,5 para 67,5 no conjunto das receitas ordinárias em relação a 1952.
Alínea f):
Que se torna necessário, dados os encargos crescentes do Estado, promover o reforço das receitas públicas.
Eis aqui o que me sugeriu as seguintes considerações.
É frequente, e repete-se ao presente parecer, o incitamento ao Governo para aumentar o rendimento dos impostos.
Apesar de toda a consideração que nos merece o ilustre relator, cuja competência e aturado labor tem imposto os seus pareceres e consideração desta Assembleia e do País, apesar da amizade cimentada em vinte anos de convívio nesta Casa, que deixa em todos os que por aqui têm passado nestes últimos vinte anos as melhores recordações, precisamente porque, apesar das discussões e, por vezes, das divergências de critério, a todos sempre tem ligado mútua consideração e respeito, que se funde, afinal, em sólida amizade, não posso, eu, que tenho procurado ser sempre aqui o defensor do contribuinte, deixar de insurgir-me contra essa tendência, tem vincada nos pareceres dos últimos anos, para achar pouco o que se paga e incitar o Governo a cobrar mais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas cobra-se, efectivamente, pouco? Ao olharmos toda a obra gigantesca realizada nestes últimos vinte e cinco a anos, só uma admiração nos pode tomar, e é a de que efectivamente, o contribuinte tenha podido pagá-la.
Suponho que não será fácil encontrar outro país onde uma tamanha obra de regeneração e reconstrução se tenha feito quase exclusivamente com o esforço ingente do contribuinte.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Porque, não esqueçamos, não se trata meramente da obra de reconstrução, que está à vista e que nos vai compensando, de alguma maneira, dos sacrifícios feitos: é indispensável recordar que prèviamente tivemos de suportar penosamente, direi mesmo heròicamente, a obra de regeneração de um passado vergonhoso que trouxera o País à beira da ruina.
Por alguma razão se diz que somos a geração do sacrifício!
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Ora é meu parecer que nos não devemos deixar levar por exemplos de fora, pelos desses países onde a mentalidade é outra e onde as circunstâncias derivadas de duas guerras sucessivas impuseram uma carga fiscal esmagadora, com todas as suas necessárias consequências.
Se caminhássemos para uma tal orientação, acabaríamos por transformar esta nossa tão peculiar maneira de ser, que, ao contrário, me parece, no meio desta onda de internacionalização, cada vez mais devemos caprichar em conservar.
O Português, honra lhe seja, é todo família. Trabalha a vida inteira, através dos maiores sacrifícios, para deixar aos filhos os bens que amealhou.
O imposto esmagador, o imposto socialista, extingue este espírito de poupança, incita a viver ao dia a dia, já que não interessa poupar para que o Estado tudo leve.
Não, este sistema não convêm à nossa maneira de ser, e por isso o Governo e S. Ex.ª o Ministro das Finanças bem fazem em não dar ouvidos a estes incitamentos, sem, aliás, deixarem de estar atentos a todas as oportunidades.
Todos vemos que, se há serviço bem montado, é este de procurar retirar do contribuinte a maior quantidade possível e razoável de escudos.
Vejam VV. Ex.ªs o imposto complementar, que entrou com pèzinhos de lã - 50 254 contos em 1938 -, e em 1938 arrancava já 271 205 contos, isto em apenas quinze anos!
O Sr. Camilo Mendonça: - V. Ex.ª dá-me licença?
Era só para fazer uma observação. É se V. Ex.ª considera o aumento havido na cobrança do imposto com-
Página 918
918 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 97
plementar como sendo proporcional ao aumento e à concentração das riquezas?
O Orador: - Eu não digo que não se cobre este imposto ou ainda mais, mas sim que o cuidado em o arrecadar é manifestamente muito grande.
O Sr. Camilo Mendonça: - O cuidado está limitado por escalões e por taxas.
O Orador: - Recordemos que o imposto sucessório, apesar das isenções concedidas, passou de 118 653 coutos em 1938 para 320 674 tontos em 1953.
E esses 6 milhões de contos de rendimento tributário, rujo aparecimento è celebrado no parecer, não chegaram para saciar a ânsia de mais rendimento que mostra o seu autor.
E, todavia, mesmo através da contribuição predial, cujo baixo rendimento é sempre notado, a sua receita não é obtida sem algumas injustiças flagrantes, para que nos atrevemos a chamar a atenção de S. Ex.ª o Sr. Ministro das Finanças.
É sabido que pela Lei do Inquilinato não podem as rendas de casas de habitação estabelecidas depois de 1943 ser actualizadas, mas o Estado cobra em certos rasos as contribuições sobre a sua avaliação, sem querer saber do rendimento real dos prédios, isto é, sobre uma quantia que sabe que o proprietário não recebe, e não recebe porque o Estado não deixa. Refere-se isto aos prédios de Lisboa e Porto.
Está ? Está mal? Eu penso que está mal e que ninguém deveria ser obrigado a pagar sobre o que não recebe, muito principalmente quando é o Estado o causador desse estado de coisas e tem delas pleno conhecimento.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - A contribuição predial rústica tem subido 21 por cento desde 1036. mas toda a gente sabe que a situação económica da grande, da esmagadora maioria dos proprietários agrícolas, salvo casos excepcionais, não é florescente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Toda a gente sabe que sobre boa parte dos produtos agrícolas pesou e pesa ainda a limitação de preços imposta por conveniências políticas, que nem sempre se coadunam com o livre jogo da economia.
É sabido de todos que a lavoura cerealífera tem atravessado crises gravíssimas e os preços dos trigos estão muito longe da média dos que em estudos profundas foram considerados como preços de custos paru as várias regiões. Toda a gente sabe que no Alentejo se tem pago, além das contribuições ao Estado, essa outra gravosa contribuição social pelo pagamento dos sem trabalho em determinadas épocas e, apesar de tudo, com a ajuda de Deus, no último quinquénio - 1950-1934 - o valor dos trigos entregues à respectiva Federação foi de 3 639 000 contos, correspondendo a 1888 milhões de quilos de trigo.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Este foi o esforço da lavoura cerealífera, a sua contribuição para o bem-estar do País e para a sua economia, poupando a correspondentes divisas estrangeiras, fazendo face ao aumento de consumo, pois que no quinquénio anterior a produção nacional e a importação somaram 1915 milhões de quilos e neste último estes valores se representaram por 2348 milhões de quilos, passando a importação de 3 053 000 coutos, de 1945 a 1949, para 1 236 000 contos, de 1930 a 1954, e tendo sido insignificante (apenas de 63 000 contos) a importação em 1954.
Quer isto dizer que a lavoura cerealífera trabalha denodadamente e presta reais serviços ao País, conquanto não tire do seu labor o bem-estar correspondente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E meu modesto parecer que esta geração deixa para os vindouros um esforço que reputo inultrapassável, uma obra gigantesca que inteiramente pagou com o suor do seu rosto. Porque havemos de continuar a chamar sobre ela mais encargos mais sacrifícios, procurando aumentar o seu peso até a forçarmos a gritar o non possumus fatal e inexorável?
Não creio, de resto, que seja a função das assembleias políticas como esta o incitar constantemente o Governo a aumentar a carga fiscal sobre o País; antes me parece, que precisamente no sentido de moderação que sempre actuam.
Essa é a função desta Assembleia.
O Sr. Camilo Mendonça: - Suponho que há outro modo de ver a questão, e que é este: é evidente que hoje há sectores que têm um encargo tributário demasiado, ao lado de outros que têm um encargo tributário escasso. Parece-me, pois, que a primeira coisa que se impõe é rever a incidência das cargas tributárias, de forma que não sejam os que menos podem, como acontece por vezes, que mais paguem. mas sim exactamente o contrário.
Isto suponho que está no espírito e na letra de algumas passagens do parecer, e também no espírito de nós todos, e constitui, segando penso, uma função política desta Assembleia.
O Orador: - Estou de acordo com V. Ex.ª
V. Ex.ª é novo nesta Casa e, quando há vinte anos entrei nela, a minha primeira acção foi apresentar um projecto de lei sobre o cadastro, porque o cadastro satisfazia esta ânsia que tinha e ainda conservo da justiça da distribuição do imposto.
Simplesmente as coisas não se fazem tão depressa como se deseja e o cadastro tem levado demasiado tempo a concluir.
Haverá outros sectores que efectivamente não paguem o suficiente, e o que interessa é dividir esses encargos, com justiça por todos.
O Sr. Camilo Mendonça: - E é minha convicção, apoiada em números simples, que a simples distribuição equitativa corresponde a um aumento, porquanto em 1938 esses encargos representavam 12 por cento do encargo nacional e em 1953 representavam apenas 10 por cento.
O Orador: - Temos feito já muito, muito ainda poderemos fazer, mas afigura-se-me justo diferirmos para os vindouros ao menos uma parte do que para eles construímos, permitindo alguma alegria de viver aqueles que de tão boa vontade se prestaram a transformar em riqueza, em bem-estar, em progresso e em dignidade as ruínas e o opróbrio que receberam por herança.
Nós, além do orgulho, legítimo aliás, do nosso sacrifício, também temos direito ao nosso quinhão de felicidade.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador foi muito cumprimentado.
Página 919
26 DE ABRIL DE 1955 919
O Sr. José Sarmento: - Sr. Presidente: por já ter sido apreciada nesta Assembleia por ilustres e eloquentes oradores, não me referirei a obra monumental de ressurgimento financeiro operada depois de 1928.
Só destacarei a pontualidade na apresentação das contas, como demonstração segura do cuidado com que o Governo vela a Fazenda Pública, ,por intermédio do seu Ministro das Finanças.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quero também apontar alguns factos que são penhores seguros da nossa estabilidade financeira. Assim:
A margem apreciável, prevista noa orçamentos, entre a totalidade das receitas e respectivas despesas;
O substancial superavit verificado todos os anos na Conta Geral do Estado;
A pontualidade na apresentação dos orçamentos:
A seriedade e segurança que preside à sua elaboração;
Grande parte das despesas extraordinárias terem sido cobertas, nestes últimos anos pelas receitas ordinárias.
Esta última medida é considerada por alguns dura e excessivamente austera; mas se os sacrifícios a que ela nos obriga forem compensados, como espero, por um próximo desafogo económico, bem haja então o sacrifício presente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Passo agora, a apreciar, através da Conta Geral do Estudo, o que se tem feito em política de valorização das nossas províncias metropolitanas. Em particular, destaco n atraso em que se encontram com referência n vias de comunicação determinados distritos do nosso Nordeste. Este facto explica, em parte, a miséria económica em que se debatem. Sem boas comunicações não pode haver desenvolvimento económico apreciável.
Não faz sentido, como muito bem disse o ilustre relator do parecer, que só façam subscrições públicas entre populações pobres para se ligarem povoações às estradas nacionais, quando se dotam largamente as rectificações e alargamentos de curvas das referidas estradas. Bem sei que esses alargamentos e rectificações são quase sempre de grande vantagem, mus mais prementes são as necessidades dos meios rurais, economicamente débeis, ainda não servidos por estradas.
Para ilustrar o estado de atraso, relativamente a vias de comunicação, em que se encontram alguns dos nossos distritos, como, por exemplo, Vila Real, destaco os seguintes números:
De 1946 a 1953 despendeu a Junta Autónoma de Estradas, no distrito de Vila Real, cerca de 52 000 couros. No mesmo período importância total despendida no continente foi de um 1 903 000 contos. Consequentemente a despesa no referido distrito não atingiu V. S. por cento. Isto é, enquanto em extensão territorial esse distrito representa cerca de 1,8 por conto de superfície d j metrópole, ele PÓ recebeu uns escassos 2,8 por cento. Devido ao seu atraso, para haver equidade, ele deveria receber uniu importância bem superior a 4,8 por cento.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Em matéria de melhoramentos rurais também o distrito de Vila Real tem sido até hoje pouco favorecido. Assim, tendo-se, despendido desde 1946 a 1953 em comparticipações para estradas e caminhos municipais cerca de 283 000 contos, verba reduzidíssima para as necessidades dos nossos meios rurais, só 288 000 contos se destinaram ao distrito de Vila Real. Novamente o referido distrito se encontra entre os menos dotados com verbas que lhe permitam atenuar um pouco o seu atraso económico.
E necessário modificar o critério que presido a esta distribuição. Dever-se-ão atender, em primeiro lugar, as nossas províncias mais atrasadas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Como tantas vezes se tem dito nesta Assembleia, é preciso evitar a descolonização dos meios rurais, provocada pela fuga para a cidade tentacular. Dever-se-á por isso favorecer, também, a criação de novas actividades económicas nas nossas províncias que ou nada industrializadas. Só assim, e com a melhoria das condições, da vida rural, se poderá tentar descongestionar a concentração anti-social que se verifica em volta da capital.
Lembro quis a futura indústria siderúrgica pudera, pela sua localização, resolver em parte o problema. Bem sei que a sua situação tem de satisfazer determinados requisitos, para que o empreendimento seja compensador. No entanto, nunca se deverá esquecer o benefício social que poderá advir duma localização acertada.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A navegabilidade do Douro, outro grande empreendimento que se deverá ter em vista, permitiria a oriação duma grande zona industrial numa das nossas regiões mais deserdadas.
Resumindo: a política a seguir deverá ser orientada no sentido duma forte valorização das nossas províncias. Se tal se não fizer, acentuar-se-á cada vez mais o crescimento de certas cidades e concomitante despovoamento dos nossos meios rurais. A obra de colonização intensa realizada pelos nossos antepassados desmoronar-se-á e novos e graves problemas sociais advirão.
O diploma há dias apresentado a esta Assembleia sobre a execução das obras de pequena distribuição de energia eléctrica parece uma indicação segura da orientação política do Governo mo sentido da valorização das nossas províncias. Oxalá que essa política se acentue, pois assim diminuiriam, as causas que arrastam para as cidades os nossos trabalhadores rurais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. presidente: referir-me-ei agora a um outro sector, que bem conheço e que se encontra totalmente abandonado. Começarei por recordar que na sessão de 17 de Fevereiro de 1954, exprimi a minha satisfação pela próxima criação da Junta de Energia Nuclear e do respectivo Centro de Estudos. Apontei então a necessidade, mais que premente, de se modificar o estudo da Física, nas nossas Faculdades de Ciências. Mais correctamente deveria ter dito necessidade de o criar, pois o que agora existe é pràticamente nulo, comparado com o que actualmente é necessário.
Para justificar esta minha última afirmação destaco os seguintes factos e números que dizem respeito à Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, mas que, duma maneira geral, servem para dar uma ideia do que se passa nas secções de Física das restantes Faculdades.
Quando, por Decretos de 12 de Maio e de 22 de Agosto de 1911, foram criadas as Faculdades de Ciências, o estudo da Física fazia-se em oito semestres, através de quatro cadeiras anuais, a saber: Curso Geral de Física,
Página 920
920 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 97
Física dos Sólidos e Fluidos, Acústica, Óptica e Calor, e Electricidade.
Hoje, quase meio século depois, faz-se ainda em oito semestres, por intermédio das seguintes cadeiras: amuais, Curso Geral de Física, Electricidade e Óptica; semestrais, Mecânica Física e Termodinâmica. Não incluo a Meteorologia e a Geofísica, criadas pelo Decreto-Lei n.° 35 850, de 6 de Setembro de 1946, e destinadas em particular aos indivíduos que pretendem ingressar no Serviço Meteorológico Nacional.
Se não considerarmos estas duas cadeiras, teremos que a actual organização do ensino superior ignora por completo o desenvolvimento extraordinário da física operado neste último meio século. Senão, vejamos: Todos temos bem presente, mesmo aqueles que anais afastados se encontram destes assuntos, o prodigioso desenvolvimento da física nestes últimos cinquenta anos.
Para dar uma pálida ideia da profundidade atingida pela revolução neste sector das ciências aplicadas limito-me a destacar os seguintes pontos fundamentais:
A teoria da relatividade, criada para se poderem interpretar determinados factos experimentais, veio modificar profundamente os conceitos clássicos de espaço e tempo. Permitiu também prever e calcular as colossais reservas de energia existentes na natureza.
A física quântica, cujo aparecimento proveio da necessidade de se poder abordar o estudo do sistema atómico, levou-nos a romper de vez com os laços que ainda nos prendiam à física clássica; os seus conceitos fundamentais, tais como: partícula, individualidade, determinismo, etc., sofrem uma transformação radical.
No período a que me estou a referir, de plena expansão da física, nasce nesse sector das ciências aplicadas uma série de novos capítulos, dos quais destaco os seguintes: a electrónica, a cibernética, a teoria do estado sólido, a física atómica e nuclear.
Foi a criação destes novos ramos da física que permitiu o progresso observado nos miais variados sectores da técnica, tais como: transmissões de sinais, sons e imagens, radar, automaticismo, aproveitamento da energia nuclear, etc.
Mas mesmo que a física não tivesse sofrido a expansão apontada, o «eu estudo continuar-se-á a fazer em péssimas condições, se medidas adequadas não forem tomadas.. Se não, vejamos:
Em 1911, aquando da criação da Faculdade de Ciências, encontravam-se inscritos nas cadeiras de Física da Faculdade- de Ciências da Universidade do Porto cerca de cento e vinte alunos. Passados uns vinte anos o seu número já excede quatrocentos. Hoje, média dos anos de 1900 a 1955, atinge setecentos e oitenta. Para acompanhar este aumento de população escolar, vejamos qual a evolução dos quadros do pessoal docente.
Desde a criação da Faculdade de Ciências e até 1926 o quadro era constituído por dois professores ordinários, dois primeiros-assistentes (actualmente designados por professores extraordinários) e dois segundos-assistentes. Total: seis.
Pela reforma de 1926 quadro passou a ser constituído por dois catedráticos, um primeiro-assistente e trás segundos-assistentes. Total: seis também.
Hoje mantém-se ainda o mesmo número, a saber: dois professores catedráticos, um professor extraordinário, três assistentes. Isto é, enquanto a população escolar sextuplicou o pessoal docente manteve-se.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não quero, no entanto, deixar de apontar que, por volta de 1940, se começaram a contratar assistentes extraordinários para acudir às dificuldades provenientes da estagnação dos quadros. O número de assistentes contratados, que nunca excedeu quatro, atenuou um pouco as dificuldades, porém, não resolveu o problema.
Mas também gravíssimas deficiências se observam no que diz respeito ao pessoal menor dos laboratórios de física. Por volta de 1911 o serviço era feito por um guarda-preparador e dois contínuos assalariados. Em 1926 criou-se mais um lugar, ficando o quadro constituído por dois preparadores e dois contínuos. Foi de pouca dura este alargamento, pois já em 1930 se suprimiu um preparador. Hoje o pessoal menor em serviço no laboratório, constituído por um preparador e dois contínuos, é o mesmo que era há cerca de cinquenta anos, apesar de a população ter sextuplicado.
Fácil será ajuizar os prejuízos originados pela insuficiência do pessoal menor. Má conservação do material, impossibilidade de se realizarem determinados trabalhos, etc. Resumindo: o rendimento dos serviços laboratoriais é extraordinariamente baixo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A insuficiência de verbas em materiais e diversos encargos está também asfixiando a vida dos laboratórios de física das nossas Faculdades de Ciências. Para o demonstrar destaco que em 1953, 1952, 1951 o 1950 as verbas despendidas em aquisições de móveis (material de laboratório) não atingiram, respectivamente, 17, 15, 29 e 25 contos. Em resumo, uma verdadeira miséria.
Sr. Presidente: não quero também deixar de apontar uma disposição hoje em vigor, que de tal maneira compromete o ensino laboratorial da física que praticamente corresponde à sua pura e simples extinção. À disposição referida não permite que haja turmas de trabalhos práticos com menos de 25 alunos. Deste facto resulta, quase sempre, uma tal acumulação de alunos nos laboratórios que quase impossibilita a realização dos trabalhos.
Como poderá um assistente acompanhar simultaneamente os trabalhos individuais de 25 a 49 alunos, se nem pode contar com um auxiliar da laboratório que permanentemente o auxilie?
Mesmo que as instalações dos nossos laboratórios de física tivessem capacidade suficiente e possuíssem material conveniente, nunca se poderá melhorar sensivelmente o rendimento do ensino enquanto tal disposição se mantiver.
Acudamos, quanto antes, a este ramo do ensino superior, que tanto e tanto convém acalentar e desenvolver. Se o não fizermos, onde procurar amanhã aqueles indivíduos que serão os auxiliares preciosos e indispensáveis do nosso futuro desenvolvimento económico?
Sr. Presidente: para não alargar excessivamente esta exposição, na qual apontei o abandono a que tem sido votado o ensino da física, sòmente destacarei mais uma questão: as péssimas condições que presidem actualmente à selecção do futuro pessoal docente das Faculdades de Ciências.
Devido à própria natureza dos conhecimentos que nelas se ministram, os futuros professores só podem ser escolhidos de entre os actuais assistentes. Conviria portanto atrair às Universidades os melhores alunos acabados de formar. Ora quase sempre, e pondo de parte honrosíssimas excepções, verifica-se o seguinte: os alunos mais capazes afastam-se da Universidade, pois encontram fora dela melhores condições económicas e futuro mais garantido.
Página 921
26 DE ABRIL DE 1955 921
Em consequência, os que nela ingressam já não são os melhores. Por vezes fixara-se bons elementos, mas infelizmente, pouco tempo permanecem, pois a vida extra-universitária solicita-os pelas razões acabadas de apontar. Deste facto resulta, por vezes, a necessidade de escolha dum elemento menos datado, mas que ofereça uma certa garantia de continuidade de serviço.
Resumindo: a selecção do futuro pessoal docente do ensino superior está a fazer-se ao contrário. Não são em geral os melhores que ficam nas Universidades, mas sim aqueles que por determinadas circunstâncias não puderam, ou não quiseram, fazer carreira extra-universitária. Fácil será ajuizar as consequências bem funestas de tal política.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Sr. Presidente: alonguei-me talvez mais do que deveria sobre este assunto momentoso, que me é tão caro. Se o fiz, não foi pelo prazer de apontar defeitos e deficiências, mas sim por julgar poder prestar o meu desvalioso contributo para que tão lamentável situação se não mantenha.
E só mais uma meia dúzia de palavras para indicar alguns pontos que, no meu entender: se deveriam tomar em consideração quando se reformar o estudo da física.
Dever-se-á criar uma licenciatura em Física. A sua duração não deverá ser inferior a cinco anos. Todos os cargos para os quais seja necessária uma sólida preparação física se deverão ser desempenhados por licenciados em Física. Como é totalmente impossível estudar-se esta ciência sem uma profunda preparação matemática, dever-se-ia dar-lhe particular relevo, sem esquecer que a matemática, se destina no seu estudo. Para estimular o espírito de crítica e iniciativa organizar-se-iam, no último ano do curso, seminários onde determinados assuntos seriam apresentados e debatidos.
Termino, chamando a atenção do Governo sobre a necessidade premente de se melhorar e actual ensino da física.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentada.
O Sr. Pereira Viana: - Sr. Presidente: estão a ser apreciadas por esta Assembleia as Contas Gerais do Estado relativas ao ano de 1953.
A leitura do parecer elaborado pela Comissão de Contas da Assembleia Nacional, e de que é relator o nosso ilustre colega engenheiro Araújo Correia, a quem eu aproveito a oportunidade para dirigir os meus cumprimentos de sincera admiração pelo pormenor e clareza do estudo feito . . .
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - ... mostra a necessidade de criar condições propícias ao fortalecimento da economia nacional.
Com efeito, conforme se menciona no parecer, tem sido principalmente a sobrevalorização de alguns produtos que tem provocado o saldo positivo da balança de pagamentos e determinado um período de euforia para as actividades económicas da Nação.
O facto, porém, de a cotação desses produtos estar sujeita a circunstâncias externas e alheias à nossa vontade pode acarretar situações perigosas para a posição económica do País.
Urge, portanto, valorizar a riqueza nacional, provocando o aumento e melhoria da produção, alargando a exportação uns limites das possibilidades e reduzindo a importação no mínimo indispensável.
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - No Plano de Fomento, em boa hora elaborado pelo Governo da Nação, procura-se valorizar os recursos que a natureza nos proporcionou, extraindo deles maior rendimento e melhorando as condições de produtividade de forma a garantir, a par de uma consolidada situação económica, o fortalecimento da posição política do País perante o Mundo.
Ora como no Plano de Fomento, de cuja execução virá a depender a evolução económica do País, por nos libertar em parte de factores estranhos e incontroláveis, está incluída a expansão da frota portuguesa, parece-me razoável que eu procure elucidar a Câmara sobre a forma como se tem operado o desenvolvimento das marinhas do comércio e da pesca e a contribuição delas para a economia da Nação.
A configuração e situação dos territórios que constituem o agregado português não podiam passar despercebidas dos governantes que com tanto empenho se têm esforçado por elevar Portugal à situação de emparceirar desassombradamente ao lado dos outros povos na comunidade das nações.
A existência de excelentes portos em qualquer desses territórios e o facto de as transacções comerciais entre eles e com o estrangeiro se fazerem na quase totalidade por via marítima implica naturalmente a ideia de confiar tal tarefa à bandeira nacional, por isso que, além de se evitar a saída de divisas no pagamento dos fretes, se obteria a garantia das comunicações em qualquer emergência.
E os recentes acontecimentos da Índia mostram bem a importância de que se reveste a possibilidade da garantia das comunicações.
Vozes : - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A última guerra e as suas nefandas consequências, as dificuldades surgidas no transporte dos produtos que constituíam necessidades vitais, os altos fretes pagos nos poucos navios estrangeiros que apareciam, o deplorável e até perigoso estado a que chegaram os navios nacionais, grande parte adquiridos em segunda mão, e ainda as grandes sacrifícios feitos pelas suas tripulações num trabalho árduo e constante sem as correspondentes comodidades nem mesmo condições de segurança, contribuíram para a reacção do País a favor de uma frota própria que servindo os interesses nacionais, pudesse, como outrora, ostentar orgulhosamente o pavilhão português em todos os mares do Globo.
E a revolução deu-se com o contentamento geral e até espanto, principalmente daqueles que nunca acreditaram na possibilidade de realização do plano preconizado no célebre despacho n.º 100 e que deletèriamente o criticavam por não suporem viável o regresso de Portugal ao mar.
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - A renovação da frota foi levada a cabo e hoje dispomos da capacidade de transporte para satisfazer cerca de 60 por cento das nossas necessidades de importação e exportação.
Reparem VV. Ex.ªs que à data de 1 de Janeiro de 1945, isto é, antes do despacho, as possibilidades da marinha mercante nacional limitavam-se ao transporte de, aproximadamente, 230 000 t de carga e 3533 passageiros, contando já com os navios alemães que entretanto se tinham adquirido.
Página 922
922 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 97
Em 1 de Janeiro de 1955 essas possibilidades aumentaram para o transporte de 385 000 t de carga e 8345 passageiros, isto é, a execução do plano superiormente concebido e facilitado pelo Governo deu-nos um aumento de 68 por cento no transporte de mercadorias e de 136 por cento no transporte de passageiros.
E, se tivermos em conta que a maior velocidade dos novos navios aumentou consideràvelmente a sua eficiência, reduzindo o tempo de duração das viagens, seremos forçados a concluir que o rendimento da nova frota, relativamente à sua capacidade de transporte, se torna ainda bem superior.
Sr. Presidente: em 1945 a marinha mercante nacional movimentou 1 947 888 t de carga. Em 1953 o transporte de cargas em navios portugueses ascendeu a 3 785 876 t, ou seja um aumento de 94 por cento.
O número de passageiros transportados em .1945 foi de 75 000. Em 1953 o movimento de passageiros em navios nacionais atingiu 141 019, o que representa um aumento de 88 por cento.
O grande realizador desta extraordinária obra, é justo dizê-lo, foi o almirante Américo Tomás, actual Ministro da Marinha, a quem desta tribuna presto as minhas homenagens e o preito da minha sincera admiração.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ao seu espírito clarividente, à sua prudente reflexão, u sua sempre delicada persistência, à sua extraordinária vontade de vencer as dificuldades ou críticas destrutivas, ao seu corajoso ânimo de prosseguir, lutando contra os velhos do Restelo, fica o País devendo uma obra que poderá classificar-se como uma das maiores realizações da nossa época.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - A frota nacional atingiu um desenvolvimento que não teve igual nos anais da marinha mercante e inclui navios de carga com as características essenciais para acudir às necessidades de qualquer transporte, não esquecendo mesmo os casos especiais dos combustíveis líquidos, frutas e gado vivo.
No que respeita à condução de passageiros, temos hoje navios que emparelham ao lado dos grandes transatlânticos e constituem os melhores embaixadores de Portugal nos portos em que ufanamente mostram a sua bandeira.
Gastaram-se na construção das novas unidades perlo de 4 000 000 de contos.
Para ajuda dessa despesa contribuiu o Estado com um empréstimo de 865 000 contos ao juro de 2,75 por cento e cuja amortização deverá efectuar-se em vinte anos.
De juros receberam os cofres do Estado, até hoje, 120:302.007$90. As amortizações pagas até à data totalizam 53:250.000$.
Sr. Presidente: ocupemo-nos agora dos resultados que a economia nacional colheu pêlos serviços da nova frota de comércio, dentro do quadro das chamadas exportações invisíveis.
Para tal teremos de distinguir entre os serviços prestados ao País no tráfego de importação e - exportação e os serviços executados entre portos estrangeiros, a que se dedicam os navios que são dispensados do tráfego nacional.
No primeiro caso, a utilização da marinha mercante portuguesa evita a saída de cambiais correspondentes aos fretes que haveria a pagar aos navios estrangeiros se não possuíssemos navegação própria.
No segundo caso, pelos serviços prestados aos países estrangeiros recebem-se fretes, em moeda estrangeira, que entram no País como divisas importadas.
O quadro seguinte dá-nos ideia da forma como evolucionou a contribuição prestada a economia nacional pela marinha mercante nas duas modalidades acima referidas no decorrer dos anos e à medida que se foi operando o engrandecimento da frota:
(Ver tabela na imagem)
O abaixamento na economia de cambiais nos anos de 1950 e 1951 foi motivado pelo recurso ao Plano Marshall, que, como se sabe, reservou apenas 50 por cento dos transportes aos navios nacionais.
As baixas na importação de divisas verificadas nos anos de 1952 e 19õ3 não foram devidas ao menor volume de carga movimentada entre portos estrangeiros, mas à baixa dos fretes no mercado internacional.
Quer dizer: o benefício para a balança económica, que em 1948 foi de 166000 contos, ascendeu em 1903 461 000 contos, o que representa um aumento de 187 por cento.
O quadro a seguir mostra a posição assumida pela marinha mercante nacional na importação de dois produtos essenciais à vida do País.
(Ver tabela na imagem)
A redução do transporte de cereais em navios portugueses nos anos de 1950 e 1951 foi devida, como se disse, ao recurso do Plano Marshall.
Os números falam por si e dispensam comentários.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Na distribuição dos navios pelos diferentes tráfegos houve sempre a preocupação de, em primeiro lugar, ligar todos os territórios nacionais por linhas regulares de navegação que correspondessem às necessidades de expansão do seu comércio marítimo. Em segundo lugar, levar ao 3 núcleos mais importantes
Página 923
26 DE ABRIL DE 1905 923
de Portugueses dispersos pelo Mundo o conforto mural que a vista do pavilhão nacional flutuando altivo nos mastros de um transatlântico lhes pode proporcionar.
E a certeza de que o seu indestrutível patriotismo os animaria a preferência pela bandeira nacional e ainda a existência em escala crescente de grandes correntes emigratórias de portugueses para o Brasil, Argentina e Venezuela levaram ao estabelecimento ide carreiras regulares de passageiros para as Américas do Sul e Central.
É o êxito foi, de facto, o esperado. Nem só os emigrantes manifestam o desejo de viajar em navio nacional; também os portugueses que regressam ou vem de visita à Pátria dão preferência à nossa bandeira.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Dificuldades de natureza financeira protelaram a construção dos novos paquetes, mas a sua entrada ao serviço, depois de se ter perdido em parte a excelente oportunidade de uma exploração extraordinariamente rendosa, quando havia poucos navios estrangeiros naquela linha, marcou ainda posição animadora no movimento dos emigrantes.
Assim, em 1951 o número de emigrantes transportados para a América do Sul em navios nacionais atingiu apenas 23 por cento da emigração total.
Em 1952 aquela percentagem subiu para 25 por cento e em 1953 atingiu o valor de 38 por cento.
As carreiras para a América Central iniciaram-se em 1953 e nesse ano os navios nacionais transportaram 775 emigrantes. No ano de 1904 o número de emigrantes transportados subiu já para 2600.
Dos números referidos pode verificar-se facilmente a posição que o armamento nacional vai assumindo à medida que os seus serviços se desenvolvem. E como as importâncias das passagens pagas a navios estrangeiros são transferidas para os países da bandeira do navio que efectuou o transporte, é fácil avaliar a economia de divisas resultante do recurso aos navio nacionais, cujas passagens são pagas em escudos que ficam no País.
E para se fazer uma ideia mais completa das receitas cobradas, cuja saída se evitou, elaborou-se o quadro seguinte, que engloba as entradas provenientes de todos os passageiros, incluindo os emigrantes, transportados em navios portugueses para a América do Sul.
(Ver tabela na imagem)
O apuramento das receitas proveniente das passagens para a América Central deu 7570 contos para o ano de 1953.
A estas verbas, que constituem cambiais poupadas, há a juntar as divisas importadas e correspondentes às receitas das passagens compradas nos portos estrangeiros, em moeda do país, para a viagem de regresso. No que respeita a paisagens adquiridas na América do Sul, a receita foi, em 1953, de 32 000 contos aproximadamente.
Poderá dizer-se que Portugal também exportou divisas quando da construção dos navios em estaleiros estrangeiros. Mas esse facto verifica-se em quase todas as indústrias em que há inicialmente necessidade de adquirir apetrechamento fora do País.
Porém, a partir de determinado momento as divisas exportadas são compensadas pelos rendimentos nas indústrias e o número de famílias que cada indústria por si sustenta, não pode deixar de tomar-se em consideração para premente resolução do problema social.
Citando, como exemplo, um navio feito para a carreira da América do Sul, e cujo custo foi de cerca de 400 000 contos, verifica-se que em menos do três anos a receita bruta das passagens cobradas ascendeu a perto de 278 000 coutos.
E este navio, além de contribuir para sustento de muita gente que vive em terra de trabalhos prestados à navegação, emprega 346 homens efectivos na sua tripulação.
De exposto facilmente se conclui que a marinha mercante, além dos serviços inestimáveis prestados ao País na ligação permanente dos seus territórios e no sustento de cerca de 30 000 famílias que vivem das actividades ligadas à indústria dos transportes por mar, pode constituir um elemento importantíssimo no equilíbrio da balança monetária.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É por todos conhecido que alguns países de fracos recursos industriais e limitadas possibilidades de exportação procuram, através dos serviços das suas frotas de comércio, angariar as divisas de que necessitam para o equilíbrio da sua posição económica.
Entre eles citarei a Noruega, país com 3 milhões de habitantes e que hoje dispõe de uma frota de mais de 7 milhões de toneladas, principal fonte das suas receitas.
Desta tonelagem apenas 15 porcento é empregada no serviço nacional. A parte restante percorre todos os mares do Globo, angariando fretes que entram no país sob a forma de cambiais e constituem precioso contributo para a balança dos invisíveis.
Sr. Presidente: entrando agora na apreciação da importância que para a economia da Nação representam as carreiras reservada; por lei à bandeira nacional, isto é do tráfego destinado a manter ligações frequentes e cómodas entro todos os territórios da comunidade portuguesa, é também do conhecimento geral que o extraordinário desenvolvimento das províncias de Angola e Moçambique obriga a desviar para os seus portos a maioria da tonelagem do armamento nacional.
O povoamento daqueles territórios e o fluxo crescente do passageiros levaram à organização de itinerários especiais, com o aumento do número de navios na carreira do passageiros privativa de Angola, aumento que só o desenvolvimento da frota tornou possível.
A forma como tem evolucionado o movimento de cargas e de passageiros nessas carreiras pode ver-se no quadro abaixo:
(Ver tabela na imagem)
Não é de pôr a hipótese de o tráfego entre territórios português; não ser reservado à bandeira nacional, embora haja, em Portugal quem defenda tal teoria.
Não deverá, porém, esquecer-se que o nosso país faz quase 100 por cento do seu comércio externo por via marítima. Um país nestas condições, se não dispuser de
Página 924
924 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 97
marinha mercante, ficará sujeito à vontade e às contingências da navegação estrangeira. Esta, em primeiro lugar, servirá os interesses do seu pavilhão e em seguida dará preferência, nos transportes que fizer, aos produtos mais altamente cotados e que, portanto, melhor paguem. De uma ou do outra maneira comprometo a regularidade das nossa s correntes comerciais, a colocação das nossas mercadorias nos mercados externos c o próprio abastecimento do País.
Todos os países ribeirinhos assim o compreenderam e até alguns que amo dispõem de fronteira marítima, como a Suíça.
Além disso, o exame do quadro atrás referido dá uma ideia da avultada soma de cambiais que haveria a despender se a navegação portuguesa não estivesse cm posição de satisfazer todo o tráfego com as nossas províncias, de África.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Referindo-se agora particularmente à marinha de pesca, forçoso é dizer que ela ocupa também lugar de destacado relevo na economia da Nação.
Por um lado, o peixe constitui um elemento indispensável na alimentação das populações e, por outro, às actividades da pesca estão ligados muitos milhares de braços.
A indústria da pesca, uma das mais antigas do País, abandonada durante largos anos ao fatalismo da sorte, sem organização eficiente, nem protecção adequada por parte dos Poderes Públicos, está agora a atingir enorme desenvolvimento, graças à solução que tem sido dada aos problemas que nos variados aspectos a afectam.
Justo é lembrar aqui o nome do comandante Henrique Tenreiro, também nosso colega nesta Câmara, como o grande impulsionador da obra magnífica que está a realizar-se e que a par de uma organização corporativa digna dos- maiores elogios e de uma assistência aos pescadores e suas famílias, notável um todos os aspectos, soube encontrar os recursos para elevar as pescas ao nível que a evolução social e o progresso económico do Paus exigem.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O facto de se dispor em 1934 para a pesca do bacalhau de trinta e quatro navios com a tonelagem média de 277 t e 1317 tripulantes e pescadores e a campanha de 1954 ter já empregado sessenta e sete navios com a tonelagem média: de 885 t e 4619 tripulantes e pescadores mostra bem o grau de desenvolvimento que nesta modalidade de pesca se tem conseguido.
Evidentemente que constituindo o bacalhau um dos alimentos preferidos do povo português, e havendo por isso necessidade de manter os mercados abastecidos, a expansão do armamento de pesca, além de garantir emprego a maior número de trabalhadores do mar, acarreta como consequência imediata uma apreciável redução na importação dos bens do consumi o e consequente economia de divisas.
Não quero fatigar VV. Ex.ªs com números, mas julgo que elucidarei melhor a Câmara se disser que em 1948 a quantidade do bacalhau pescado pelos nossos navios representava apenas 00 por cento do consumo do País e que em 1953 a produção nacional atingiu já 80 por cento das necessidades.
E apuradas as contas no que respeita: à economia de cambiais, economia que gradualmente aumenta à medida que a dispensa a importação de bacalhau de origem estrangeira, verifica-se que enquanto em 1948 se pouparam 178 000 contos em divisas, em 1953 a economia realizada foi já da ordem dos 378 000 contos. Na importação de bacalhau de (países estrangeiros despenderam-se 352 000 contos em 1948; em 1953 essa despesa baixou para 106 000 contos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas não é só a pesca do bacalhau que contribui de forma notável para a balança económica. O peixe fresco, que diariamente entra nos mercados, constitui base de alimentação de uma grande parte da população portuguesa. Se não fora a abundância de peixe que os pescadores normalmente oferecem ao consumo haveria que procurar outros alimentos e teria naturalmente de recorrer-se aos mercados estrangeiros, uma vez que o gado destinado à alimentação é insuficiente. E para mostrar o desenvolvimento da pesca do arrasto, principal fonte de abastecimento dos grandes mercados nacionais, basta dizer que em 1941 se empregavam nessa actividade 2360 homens e o rendimento do pescado foi de 77 500 pontos: cm 1954 o número de pescadores empregados era de 3073 e o rendimento foi e 203 800 contos.
Para o abastecimento dos marcados e das fábricas de conservas concorrem as traineiras e pequenos barcos de pesca, cujo rendimento é muito variável, por depender de circunstâncias diversas, alheias a maior parte das vezes à vontade do homem.
Citando particularmente a pesca da sardinha como a mais importante das pescas costeiras, e que desde longe se tem mantido à altura das necessidades, deve dizer-se que o seu rendimento está sujeito u oscilações, sendo, por exemplo, de 293 000 contos em 1946, 183 000 contos em 1949, - 204 000 contos em 1953 e de 270 000 contos em 1954.
Vozes: - Muito bem!
O' Orador: - Não quero abusar da paciência de VV. Ex.ªs com outros dados numéricos. Apenas direi, quanto à pesca dos cetáceos, que o seu rendimento atingiu 13 000 contos em 1954.
Creio que os números apresentados são já suficientes para mostrar a importância da marinha de pesca no progresso económico da Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não posso, contudo, deixar de salientar que é ainda a marinha de pesca que está a sustentar a maioria dos estaleiros do País.
A renovação e expansão de frota do pesca está a efectivar-se de acordo com um plano superiormente sancionado e a construção dos novos barcos em sido dada aos estaleiros nacionais, contribuindo-se assim para a solução de um problema social que ameaçava lançar no desemprego algumas centenas de operários da construção naval.
O Decreto-Lei n.º 39 283, de 20 de Julho de 1953, criou o Fundo de Renovação e de Apetrechamento da Indústria da Pesca, destinado a financiar a renovação e modernização das respectivas frotas, bem como a melhorar o equipamento e processos de pesca.
O Fundo é autorizado a contrair um empréstimo até ao montante de 250 000 contos, à taxa de juro de 3,75 por cento ao ano.
O decreto estabelece ainda quo só os armadores que recorram aos estaleiros nacionais para a construção dos novos barcos poderão receber financiamentos através do Fundo.
A protecção da indústria da pesca fica assim ligada a protecção da indústria da construção naval.
Página 925
26 DE ABRIL DE 1955 925
Sr. Presidenta: com os elementos apresentados pretendi apenas demonstrar que uma marinha mercante eficientemente organizada, devidamente enquadrada no plano económico do País e patriòticamente compreendida por todos os sectores da actividade oficial e privada poderá trazer à balança económica incalculáveis benefícios.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - E estarão já esgotadas as autuais possibilidades da frota de comércio? Está a tirar-se dela o máximo rendimento? Certamente que não.
A expansão comercial do ultramar português não foi ainda aproveitada para uma completa utilização da capacidade actual da frota. Angola e Moçambique são territórios de largas possibilidades, possuindo recursos naturais susceptíveis de próspera exploração. Dos produtos exportados por essas províncias ultramarinas apenas uma pequena parte (cerca de 1/4,) vem paru a metrópole e é transportada em navios nacionais. A restante é exportada directamente para o estrangeiro e neste tráfego, como no da importação, a marinha portuguesa coopera em escala muito reduzida. E os resultados que adviriam da participação dos nossos navios naqueles tráfegos não podem ser indiferentes à economia do País.
Talvez possa mesmo encontrar-se na marinha mercante um daqueles meios a que se faz referência no parecer, e cujo desenvolvimento conviria fomentar para o fortalecimento da melhoria já acentuada na posição económica de Portugal.
A integral utilização e mesmo a expansão da frota mercante pode, com efeito, constituir condição básica para aumentar os meios de pagamento. A selecção das indústrias a desenvolver ou a criar far-se-á. naturalmente, tendo em couta a aptidão ou inclinação natural da massa popular para o género de trabalho a produzir, uma vez que os resultados provirão do esforço do homem. Ora o passado mostra que fomos grandes no mar e demos, no capítulo da navegação, lições ao mundo. O regresso fio Portugal à vida marítima não constitui, portanto, uma experiência, mas apenas o ressurgimento de uma tradição que anda ainda na mente do povo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ao contrário do que acontece com outros países, que têm de recrutar guarnições entre os marítimos estrangeiros, Portugal dispõe, sempre de gente para enfrentar as lides do mar.
As marinhas do comércio e da pesca empregam hoje muitos milhares de homens.
Pois bem! Eleve-se para o dobro ou para o triplo a possibilidade do emprego em quaisquer daquelas actividades e teremos de continuar a manter as inscrições marítimas fechadas, porque o número de voluntários excederia sempre em extraordinária percentagem o número de lugares a bordo.
Temos incontestavelmente uma tradição marítima que devemos transmitir aos nossos filhos, procurando no desenvolvimento das indústrias dos transportes por mar i: da pesca o rendimento de que o País precisa para a consolidação do seu potencial económico.
Os melhores portos de Portugal ultramarino pela sua posição geográfica, constituem a saída natural de um hinterland generoso. No seu planalto continental vivem variadas espécies marinhas em abundância extraordinária. Aproveitemos essas vantagens que a natureza nos confere, e quo são já de si uma riqueza incomparável, para o integral aproveitamento da marinha mercante e contribuiremos para a resolução de um problema integrado no quadro dos interesses nacionais e que decerto muito interessa à administração financeira do Estado.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A próxima será amanhã, com a mesma ordem do dia da de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 45 minutos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Alberto Cruz.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Antão Santos da Cunha.
António de Almeida Garrett.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Carlos Borges.
António Júdice Bustorff da Silva.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Rodrigues.
António Russell de Sousa.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
João Afonso Cid dos Santos.
João Alpoim Borges do Canto.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim de Sousa Machado.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José dos Santos Bessa.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Azeredo Pereira.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Marques Teixeira.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Rui de Andrade.
Teófilo Duarte.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
Página 926
926 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 97
CÂMARA CORPORATIVA
VI LEGISLATURA
PARECER N.° 26/VI
Projecto de lei n.º 18
A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 103.° da Constituição, acerca do projecto de lei n.° 18, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Política e administração geral e Finanças e economia geral), sob a presidência do Digno Procurador assessor Afonso de Melo Pinto Veloso, o seguinte parecer:
I
Apreciação na generalidade
1. O projecto de lei n.° 18, acerca do qual a Câmara é chamada a dar o seu parecer, visa a alteração do regime estabelecido no artigo 27.° do Decreto-Lei n.º 26 115, de 23 de Novembro de 1935, diploma fundamental, que veio disciplinar um importante sector da vida administrativa do .Estado.
2. Esse diploma, que costuma designar-se por «Reforma de vencimentos do funcionalismo civil», excede em muito - como é sabido - o âmbito suposto por aquela restrita designação, pois interfere em tantos outros aspectos relevantes, desde a rectificação e fixação de quadros e categorias de funcionários, habilitações mínimas para ingresso nos quadros e promoção, até às acumulações e aposentação dos funcionários, bem como a limites de vencimentos para o funcionalismo e corpos gerentes de certas empresas privadas.
Pode dizer-se que, ressalvadas pequenas modificações, a estrutura da reforma de 1935 se mantém através duma já longa existência de quase vinte anos. Obviamente que, neste largo período onde se enxertou a conjuntura da guerra de 1939-1945, houve necessidade de ajustamentos, ocasionados pela diminuição do valor aquisitivo da moeda, mas foi na base da escala de vencimentos fixada pelo Decreto n.º 26 115 que tais correcções gradualmente se fizeram; e foi, ainda, respeitando as premissas ali consignadas que se levou a efeito o recente reajustamento de remunerações aos servidores do Estado, elevando-se ao dobro a tabela de vencimentos-base vigente desde 1935 (Decreto-Lei n.° 39 842, de 7 de Outubro de 1954).
A estrutura da reforma operada pelo Decreto-Lei n.° 26115 permanece, pois, quase intacta; e a razão primordial do facto é que nela se consubstancia um conjunto de princípios de administração cuja validade se tem julgado conveniente manter.
Na economia do sistema então criado se integra o citado artigo 27.°, que está em causa perante o projecto de lei sujeito à apreciação da Câmara.
3. A aludida disposição legal refere-se a limite de vencimentos e está redigida nos seguintes termos:
Fica expressamente proibida a atribuição de vencimentos superiores aos dos Ministros aos directores e administradores de estabelecimentos do Estado, de sociedades, companhias ou empresas concessionárias ou arrendatárias em que o Estado tem direito a participação nos lucros ou é accionista por força do diploma legal a que a constituição das mesmas entidades está sujeita.
Por outro lado, o artigo 1.° do projecto em análise começa por estas palavras:
Nas empresas em cujo lucro o Estado tenha comparticipação ou em que possua acções por efeito da lei especial da sua constituição . . .,
o que denota claramente o desígnio do seu autor em intervir na matéria do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 26 115. Isto, além da referência expressa que no relatório do projecto se faz a essa mesma prescrição legal, salientando-se o facto de ela «ter fixado um limite demasiadamente baixo de retribuição».
Regista-se tal circunstância apenas com o fim de deixar suficientemente esclarecida a intenção quase confessada de alterar, em parte, a regra do artigo 27.°, e arredar desde já quaisquer possíveis interpretações baseadas exclusivamente na letra do artigo 1.° do projecto e que pudessem conduzir a resultado diferente. É que se não faz no projecto uma revogação expressa, mas untes uma revogação tácita, embora parcial.
E parcial - talvez escusado dizê-lo - porque permaneceria em vigor o limite máximo de vencimentos estatuído no artigo 27.° para os «directores e administradores de estabelecimentos do Estado», apenas se aumentando extraordinariamente tal limite quanto às empresas por aquele artigo abrangidas, ou, mais rigorosamente, deixando-as mesmo sem qualquer limitação.
Página 927
26 DE ABRIL DE 1955 927
4. Por uma evidente razão de ordem, não deve deixar de assinalar-se, desde já, uma relativa disparidade entre o articulado no projecto e a fórmula usada no artigo 27.° do Decreto-Lei n.° 26 115.
Enquanto por este último diploma entram na esfera da limitação apenas as «sociedades, companhias ou empresas concessionárias ou arrendatárias em que o Estado tem direito a participação nos lucros ou é accionista . . .», o projecto parece, à primeira vista, Ter um alcance muito mais amplo, por compreender todas as «empresas em cujo lucro o Estado tenha comparticipação ou em que possua acções . . .».
Sem embargo de certa diferença de amplitude, há-de reconhecer-se, no entanto, o seu carácter mais aparente do que real, por isso que não será corrente ter o Estado participação nos lucros duma empresa, ou ser seu accionista por força do diploma legal da constituição, sem que ela tenha a natureza de concessionária ou arrendatária.
Adoptar-se, pois e simplesmente, a designação de «empresa» ou acrescentar-se-lhe o atributo de «concessionária ou arrendatária», são coisas que no fundo se equivalem, para os efeitos práticos da incidência da limitação, desde que se figure a hipótese de o Estado ser accionista ou participante nos lucros.
Sendo assim, supõe-se não ter havido no projecto o propósito de ampliar o campo de aplicação do preceito consignado no Decreto-Lei n.° 26 115, mas apenas, e talvez, o mero intuito de reduzir o articulado à sua expressão mais simples. Realmente, nada autorizaria a partir de um pressuposto contrário, nem nos considerandos do projecto se descortina qualquer indício a tal respeito.
Em última análise, pois, há todas as razões para acreditar que o projecto de lei em estudo se situa precisamente no campo definido pela reforma de 1935, quanto às empresas vinculadas ao Estado, e tem como objectivo essencial - para não dizer único - o alargamento em proporções consideráveis do limite de remuneração ali arbitrado.
E desta premissa se parte para o exame subsequente.
5. É este aumento substancial um dos dois pontos fundamentais em que se concretiza o presente projecto de lei e que se impõe examinar.
Nos considerandos declara-se fundamento da inovação, como já anteriormente se apontou, o facto de o Decreto-Lei n.° 26115 «ter fixado um limite demasiadamente baixo de retribuição, muito aquém da usada para os corpos gerentes de empresas privadas».
Ora o legislador da reforma de 1935 não ignorava que, em muitos casos, as remunerações percebidas pêlos administradores das grandes empresas particulares, sem ligações directas com o Estado, se situavam muito acima do estalão ministerial. E, ao arbitrar o limite do artigo 27.°, fê-lo, portanto, intencionalmente.
Os motivos determinantes do critério seguido não aparecem desenvolvidos no relatório tio Decreto-Lei n.° 26 115, que os filia resumidamente num «princípio de hierarquia social». (Vide suplemento ao Diário do Governo de 23 de Novembro de 1935, 1.ª série, p. 1764). Mas pode conjecturar-se um pouco mais sobre eles.
Uma consideração acorre logo ao pensamento. As empresas compreendidas no artigo 27.º - «concessionárias ou arrendatárias, em que o Estado tem direito a participação nos lucros ou é accionista ...» - têm posição especial perante a coisa pública, estão de algum modo vinculadas ao Estado, não constituem rigorosamente empresas privadas, no sentido estrito da expressão.
E, porque assim é, o Estado não pode desprender-se das bases em que essas empresas assentam e deixar de subordiná-las a certas normas que, embora não tolhendo a iniciativa económica ou a necessária elasticidade de acção, se conformem com a sua ética. Ali se encontram representantes seus, administradores ou delegados do Governo; e se, quanto a eles, não pode pôr-se em dúvida a legitimidade do Estado para impor fórmulas de remuneração, logicamente relacionadas c harmónicas com os níveis do serviço público,- também, quanto aos outros, nem seria justa uma desigualdade, num esses -só por serem representantes do capital privado - deixam de participar em organismos de índole peculiar e, se não com carácter tipicamente público, pelo menos em relação directa com o Estado.
Objectar-se-á que, assim, pode suscitar-se uma flagrante disparidade de remunerações entre estas empresas, que o Estado subordina aos seus princípios éticos, e quaisquer outras desfrutando de maior independência para com ele, em regime de inteira liberdade no tocante aos réditos dos seus corpos gerentes. E essa é, exactamente, a objecção sublinhada no relatório do projecto em causa.
Contudo, esta razão de possível injustiça, se quer significar que alguma coisa está mal, não implica necessariamente a culpa por parte do Estado, quando este actua - em sector que lhe está afecto -, limitando e moralizando, em ordem a cercear a tendência natural para exageros ou abusos, na sua alta função de supremo fiscal e garante do bem comum.
Mas, tratando-se do campo puramente privado - cuja autonomia o Estado respeita e deve promover, na sequência de uma ideologia política nitidamente! marcada -, já os governantes responsáveis, não podendo desinteressar-se do problema pêlos seus evidentes reflexos de ordem pública, estão todavia inibidos, em regra, de disciplinar por meios directos aqueles casos excepcionais em que se verifiquem anomalias mais salientes.
Restam-lhes, no entanto, os meios indirectos - e esses, entre os quais figura primacialmente o imposto, devem utilizá-los pelo modo mais inteligente c profícuo, sempre que a oportunidade se apresente paru tanto.
6. Mas o autor do projecto de lei não se contenta com afirmar ser baixo o limite estipulado para as remunerações dos corpos gerentes das empresas submetidas ao Decreto-Lei n.° 26 115, nem se queda em preconizar a sua elevação em termos proporcionados - o que ainda poderia admitir-se. Ao contrário, no artigo 1.° do projecto fixa-se implicitamente, para tais remunerações, um novo limite, que as pode fazer subir vertiginosamente para nada mais, nada menos, do que o triplo.
Com um salto brusco, galga-se do «escalão-Ministro» para o « escalão-Chefe do Estado», em matéria de vencimentos, ou seja um aumento aproximado de um para três. E, com maior exactidão, deveremos dizer, mesmo, que cessa qualquer limitação nessas remunerações, visto prever-se a hipótese de serem excedidos os honorários do Chefe do Estado e só para o excedente se criar uma pesada tributação.
Tem de concordar-se em que se não cuida já de um vulgar aumento, mas de uma completa mutação de situações, envolvendo até a subversão do princípio em que se apoia o aludido artigo 27.°, harmònicamente integrado na economia do Decreto-Lei n.° 26 115.
E o mais estranho ainda é que o espírito informador do projecto em apreciação, segundo se depreende dos considerandos preliminares, contende com esta elevação maciça de remunerações.
Assim, começa logo por se escrever ali que «a opinião pública vê com legítimo desagrado receberem por um só lugar, como directores ou administradores de companhias concessionárias, mais do que na sua totalidade
Página 928
928 DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 97
percebe o Presidente da República; e acrescenta-se, mais adiante, serem «perfeitamente actuais as afirmações do magistral relatório do Decreto-Lei n.º 26 115», onde o autor do projecto foi recortar duas frases bem expressivas do Presidente do Conselho e que realmente condensam, no aspecto agora focado, o pensamento orientador da reforma de 1935.
A primeira frase, escolhida com feliz acerto porque aí se formula um conceito modelar, diz assim:
É doloroso que alguns se vejam constrangidos a perder o supérfluo; mais doloroso é, porém, que muitos não tenham o necessário.
E a segunda afirmação, que respeita concretamente ao caso, aparece ditada nestes termos:
Este mesmo princípio de hierarquia social e limitação de honorários se achou razoável aplicar-se aos corpos gerentes de empresas em cujos lucros o Estado participa ou de que possui acções por efeito da lei especial da sua constituição.
A simples transcrição destes passos parece suficientemente elucidativa para demonstrar que o espírito determinante do projecto, de manifesta inclinação restritiva, não se coaduna logicamente com o seu articulado, o qual se revela largamente ampliativo quanto ao limite fixado no Decreto-Lei n.° 26 115.
7. Por certo que o articulado proposto no projecto oferece também uma faceta de limitação, como, em presença do seu relatório, não poderia deixar de ser: e é esse o segundo ponto fundamental que encerra o diploma posto à consideração da Câmara.
Reporta-se ele à imposição de tributar com a taxa de 75 por cento - a título de «imposto especial de salvação pública» - tudo quanto na remuneração dos corpos gerentes das empresas ligadas ao Estado exceda a totalidade dos honorários que aufere o Presidente da República.
Pondo de parte o epíteto de «salvação pública» - manifestamente inadequado para o sobredito imposto -, sublinhe-se, mais uma vez, que o projecto, começando por dar a impressão de que tem uma índole essencialmente limitativa, acaba na realidade por se concretizar quase exclusivamente num alargamento brusco do limite fixado no Decreto-Lei n.° 26 115.
Assim, o que aconteceria triunfando a doutrina exarada no projecto era que os administradores de todas as empresas actualmente submetidas ao regime daquele decreto-lei, ou que de futuro o viessem a estar, poderiam ver as suas remunerações substancialmente acrescidas, como por encanto. E, em contrapartida, a forte tributação proposta adquire um significado prático muito pouco visível ou convincente.
Em primeiro lugar, porque seria escasso o número dessas empresas vinculadas ao Estado e em condições de ultrapassarem o limite de remuneração alinhado pêlos honorários do Chefe do Estado. Depois, e supondo-se existirem empresas nessa particular situação, porque o duro imposto alvitrado, de 75 por cento, apresentando-se com índole proibitiva, bem poderia conduzir ao resultado, diametralmente oposto, de fazer subir ainda mais as remunerações dos administradores atingidos, para que os 25 por cento sobrantes, e deixados livres, alcançassem as cifras pretendidas.
8. Em rigor, nenhuma dessas empresas satisfazendo às características fixadas pelo Decreto-Lei n.° 26 115 pode exceder o limite consignado no seu artigo 27.°, que é lei do País.
Mas afirma-se no relatório do projecto que a mencionada prescrição legal «viu, por despachos interpretativos, alterada a sua fisionomia e restrito o seu alcance legal, e, por consequência, não teve, na prática, a aplicação generalizada que era de esperar».
Ora, como despacho interpretativo genérico, acerca da matéria condensada no artigo 27.º da reforma de 1935, salvo erro, existe apenas uma resolução do Conselho de Ministros, datada de 23 de Junho de 1948, que considera incluídos na expressão «vencimentos», não só os ordenados e gratificações, :nas também as participações em lucros e remunerações de qualquer outra espécie que os administradores das empresas abrangidas percebem pelo exercício das suas funções.
A citada resolução interpreta também o artigo 27.° no sentido de que a palavra «Estado», nele inserta, abrange as autarquias locais e as províncias ultramarinas.
A não existirem, como se julga, outros despachos interpretativos genéricos - e o indicado acima - nada contém que «altere a fisionomia» do artigo 27.°, antes a reforça - e, ficamos em crer que o autor do projecto teria em mente um de dois f ao tos: ou despachos interpretativos singulares - com mais propriedade, simples despachos de aplicação -, respeitando isoladamente a alguma empresa sobre a qual se tenham levantado dúvidas quanto u sua inclusão no âmbito do Decreto-Lei n.° 26 115, ou porventura quaisquer possíveis diplomas legais que contemplem, na especialidade, o caso particular de uma ou outra empresa que deveria normalmente integrar-se o sistema da reforma de 1935 e, por essa via legislativa, deixasse de o ser.
Consideremos ambas as hipóteses perante a nova doutrina do projecto de lei, a fim de averiguar se, com ele, a situação passaria a apresentar por forma diferente da actual.
Relativamente aos despachos singulares, eles só podem dizer respeito à simples decisão, por parte do Governo, sobre .se uma determinada empresa deve ou não ser abrangida pelo limite do artigo 27.°, consoante reúna os requisitos consignados neste preceito legal ou a eles não satisfaça inteiramente. Trata-se de despachos que, tecnicamente, não poderão chamar-se c interpretativos», porque revestem a natureza de simples aplicação, e muito embora a tarefa de aplicar a lei seja sempre, precedida do trabalho preliminar da sua interpretação; mas, de qualquer maneira, nada do que se articula no projecto de lei colidiria com eles. As características eleitas pelo legislador do Decreto-Lei n.° 26 115, para determinação das empresas, sob o regime limitativo do artigo 27.°, são - como se viu já - exactamente as mesmas que figuram no projecto, sem o acrescentamento de 'outros pormenores restritivos que pudessem atingir algumas novas empresas, hoje libertas. Isto é, quer pela reforma de 1935, quer pelo projecto de lei, as empresas sujeitas ao regime especial e limitação não seriam mais nem menos. E porque o condicionalismo limitativo era idêntico, tanto monta a dizer que, lavrado despacho sobre o caso especial duma certa empresa, desde que através dele se houvesse concluído pela sua não inclusão no regime do artigo 27.°, do mesmo modo continuaria a concluir-se quando colocado o intérprete perante o projecto de lei proposto à consideração da Câmara.
E resta examinar a possibilidade de existir diploma especial para regular o caso particular de uma qualquer empresa, com desvio do regime-regra estatuído no Decreto-Lei n.° 26 115.
Mas aqui também a situação presente não se modificaria, quando encarada à luz do projecto de lei.
Assim - e tendo presentes os princípios jurídicos consagrados em matéria de revogação -, o projecto em causa, admitindo que vingava e como lei geral que seria, não revogava normalmente as leis especiais anteriores,
Página 929
26 DE ABRIL DE 1955 929
as quais permaneceriam válidas para o seu campo de aplicação peculiar. E isto equivale a dizer que tais empresas de excepção, com estatuto legal próprio, também não cairiam na alçada do projecto de lei que se está analisando.
Em resumo, para qualquer das duas hipóteses aventadas, o projecto de lei, se é que tinha o objectivo de melhor disciplinar o sector privado abrangido pelo Decreto-Lei n.° 26 115, em nada modificaria o seu estado actual.
9. Da análise feita fica ainda um ponto em aberto, que pode originar uma possível objecção.
Dir-se-á que o autor do projecto foi demasiado longe no ânimo de exceder o limite de vencimentos fixado no artigo 27.° do Decreto-Lei n.° 26 115, que é o estalão ministerial; mas que, se tivesse sido mais comedido, situando-se em plano bastante inferior ao do Chefe do Estado, a sua posição já seria aceitável.
Quer dizer: a dificuldade reduzia-se, então, ao simples arbitramento de uni limite equilibrado, em função de certo número de factores. Meritória era a substância do projecto, construído sobre um fundamento válido, e só atacável o pormenor do quantitativo escolhido. Tudo se resumiria, assim, a um mero problema de cifras, mais ou menos arbitrário.
A questão, no entanto, parece não poder apresentar-se em moldes tão elementares. E vejamos porquê.
Mesmo quando se admitisse a tese, sustentada nos considerandos do projecto, de ser baixo o limite estatuído para as empresas ligadas ao Estado e, consequentemente, se demonstrasse a conveniência em o fazer subir - mas moderadamente! - deparar-se-nos-ia logo um óbice fundamental.
É que, ao aceitar-se o facto como bom, implicitamente se havia de reconhecer que, então, o problema a pôr já não era o de alterar, mesmo parcialmente, o aludido artigo 27.º, antes seria o de considerar a hipótese de elevar de algum modo o vencimento-padrão que nele se contém.
Realmente, não faria sentido que o Estado fosse atribuir aos administradores das empresas em que intervém ou participa uma remuneração superior à dos seus mais altos servidores, os membros do Governo. Só com absoluta quebra daquele «princípio de hierarquia social» que norteou o legislador da reforma de 1935, segundo confissão expressa no relatório que a precedeu.
O problema ganhava, assim, maior acuidade, porque poderia ultrapassar o restrito compartimento das empresas submetidas à disciplina do Decreto-Lei n.º 26 115, para se erguer ao plano duma reforma de vencimentos no sector do Estado. E acuidade, não porque a hipótese de um aumento, neste limitado domínio, se reputasse injustificada ou censurável - mesmo observada pelo ângulo da reconhecida modéstia dos nossos costumes -, mas sim porque semelhante atitude implicaria porventura uma revisão geral do problema de vencimentos do funcionalismo.
II
Conclusão
10. As considerações aduzidas aconselha a rejeição do projecto de lei n.º 18/V, embora a Câmara faça justiça às intenções que ditaram a sua apresentação e reconheça que possa haver vantagem na revisão do artigo 27.º do Decreto-Lei n.° 26 115.
Palácio de S. Bento, 18 de Abril de 1955.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Afonso Rodrigues Queiró.
Guilherme Braga da Cruz.
Luís Supico Pinto.
Manuel Gomes da Silva.
António Carlos de Sousa.
Ezequiel de Campos.
José Gonçalves Correia de Oliveira.
José Pires Cardoso, relator.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA