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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 100
ANO DE 1955 29 DE ABRIL
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.º 100, EM 28 DE ABRIL.
Presidente: Ex.os Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.os Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas o 5 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.os 95, 96 e 97 do Diário das Sessões.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Mário de Figueiredo, que se referiu ao significado da. visita do Chefe do Estado do Brasil, tendo o Sr. Presidente igualmente feito referência ao mesmo assunto; Paulo Rodrigues e Ernesto de Lacerda, que se referiram ao centenário do nascimento do pintor José Malhoa; Galiano Tavares, que abordou a situação aos funcionários corporativos quanto a melhoria de vencimentos e abono de família; Agnelo do Rego, que se referiu, a propósito da visita do Dr. João Café Filho, à contribuição dos povos tias ilhas adjacentes para a formação da nação brasileira; Azeredo Pereira, que aludiu ao problema das estradas, mormente pelo que se refere ao distrito de Viseu; Marques Teixeira, a corroborar as palavras tio orador antecedente, c Augusto Simões, que se referiu às boda.» do diamante do Orfeão Académico de Coimbra.
Ordem do dia. - Continuou a discussão das Contas Gerais do Estado e das da Junta do Crédito Público relativas a 1953, tendo usado da palavra o Sr. Deputado Paiva Brandão e ficando depois suspenso o debate, para prosseguir na próxima sessão.
Na segunda parte da ordem do dia iniciou-se e concluiu-se a discussão da proposta de lei sobre alterações à Lei Orgânica do Ultramar, tendo a mesma sido aprovada com alterações apresentadas pela Comissão do Ultramar.
Usaram da palavra sobre a referida proposta os Srs. Deputados Pereira Jardim, Mário de Figueiredo, Castilho Noronha, Manuel Aroso, Monterroso Carneiro, Pinto Cardoso, Pacheco Jorge e Vá e Monteiro.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 19 horas e 20 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 15 horas e 55 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Antão Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteres Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
António Russell de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
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Daniel Maria Vieira Barbosa.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Ameal.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José dos Santos Bessa.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Sebastião Garcia Ramires.
O Sr. Presidente:-Estão presentes 66 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.
Eram 10 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.os 95, 96 e 97 do Diário das Sessões.
O Sr. Camilo Mendonça: - Sr. Presidente: o meu aparte ao discurso do Sr. Deputado Melo Machado, e que consta do Diário das Sessões n.° 97, a p. 918, col. 2.ª, 1. 48 a 53, vem truncado, e portanto desejo que ele seja rectificado como segue:
E é minha convicção, apoiada em números, que a simples distribuição equitativa corresponde a um aumento, porquanto em 1938 esses encargos representavam 13 por cento do produto nacional bruto, e em 1953 representavam apenas 10 por cento.
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado pede a palavra, considero aprovados os referidos números do Diário das Sessões com a alteração apresentada.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Mário de Figueiredo.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: foi aqui saudado, & sua chegada, o Sr. Presidente dos Estudos Unidos do Brasil e, na sua pessoa, toda a nação brasileira. A representação nacional exprimiu o que estava segura de ser o pensamento e o sentimento da Nação a respeito do Brasil.
Hoje devemos congratular-nos ao reconhecer que as manifestações que se produziram no País confirmaram e ultrapassaram tudo o quo dissemos c exteriorizámos em sua representação.
Foi um plebiscito por aclamação!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - U acolhimento da chegada, a sagração do Presidente como doutor do preclara Universidade, o esplêndido entusiasmo do Porto e o delírio de Guimarães não deixam dúvidas: suo u respiração ofegante da alma da Pátria, que não pode reprimir-se.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Já não falo de todos os pontos por onde o Presidente passou.
Viu-se bem que o Brasil ó metade de uns mesmos, que não poderíamos, sem amputar a alma. separá-la da dele!
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador:-Aí está um plano em que todos nos encontramos, em que não há divergências entro portugueses.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador:-A simpatia comunicativa do Presidente quebrou o acanhamento, o retraimento do nosso povo, e quase se perdeu o ar de expectação respeitosa, para se criar o ambiente de confraternização afectuosa, em que desaparece a distância a separar a alta magistratura o homenageado, para esto se encontrar confundido com os que o aclamam, como irmãos a abraçar irmãos!
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - Houve sorrisos acolhedores - um sorriso imenso, cheio de afecto; houve lágrimas de comoção - as que traduzem os sentidos da alma, plenos de ternura. E o Presidente não se distinguia do povo: sorriu e comovia-se, tal e qual como ele!
Diz-se que os mortos comandam os vivos. Os grandes mortos de Portugal e do Brasil suo os mesmos. O sentido da trajectória a percorrer deve ser o mesmo. Ai está u segurança de que as virtudes -e os defeitos! - da raça não desaparecerão da face da terra! Alguma coisa a terra, o ambiente lhes porá de novo; mas o fundo latino e universalista permanecerá idêntico.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O Presidente leva no peito a mesma saudade que lhe levaram hoje, à despedida, e o sentimento de amizade que todos comungámos no seu convívio. A saudade fá-lo-á voltar, como ao seu povo. muitas vezes paru Portugal; o sentimento de amizade far-nos-á, a nós e aos Brasileiros, participar das alegrias uns dos outros e sofrer dos respectivos sofrimentos!
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Termino como comerei: a representação nacional interpretou bera, ao receber o Presidente, o pensamento e o sentimento da Nação. Congratulemo-nos
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com isso e deixemos consignado no Diário das Sessões aquele facto e esta congratulação! Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente:-Srs. Deputados: se alguma vez uma voz interpretou nesta Assembleia, com toda a certeza, o pensamento e os sentimentos da Câmara, essa voz foi hoje a do Sr. Dr. Mário de Figueiredo, ilustre leader desta Assembleia.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - E eu não teria, portanto, nada a acrescentar às palavras que S. Ex.a proferiu. Se algumas palavras proferirei é porque, em razão da minha função, elas podem dar uma expressão mais solene ao actual momento nacional a propósito da viagem que se dignou fazer a Portugal o Sr. Dr. João Café Filho, ilustre Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil.
A estas horas o Dr. Café Filho sobrevoa o Atlântico, rumo às terras de Santa Cruz, levando no seu coração e na sua alma exactamente aquilo que o Sr. Dr. Mário de Figueiredo acaba de frisar com tanta veemência: abraços, sorrisos, lágrimas, ternura- tudo aquilo que o povo português sabe exprimir melhor do que ninguém, na sua incomparável riqueza interior.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Sr. Presidente: - Podemos assegurar-lhe que deixou entre nós, com uma chama mais viva de um afecto ao Brasil, uma encantadora impressão de inteligência compreensiva, de aprumo, de bondade e simpatia irradiantes.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Entre todas as manifestações que foram feitas ao Chefe do Estado da nação brasileira avultam aquelas que partiram do nosso povo - humilde, mas generoso e nobre.
Sem tais manifestações a viagem do Dr. Café Filho não teria, nem cá dentro, nem no Brasil, o significado, a repercussão que nós esperamos que ela tenha, para uma maior aproximação das duas nações que marginam o Atlântico.
Devemos, como representantes da nação portuguesa, frisar aqui e pôr no mais alto relevo a sinceridade, o calor, a compreensão que o povo português manifestou a este propósito e a maneira como exprimiu os seus sentimentos a respeito da nação brasileira.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente:-Isto é muito no que toca à amizade entre os dois países, mas ainda é mais no que toca ao actual momento político português.
Foi possível que os dois Chefes de Estado, do Brasil e Portugal, atravessassem as ruas a pé no meio das aclamações e dos abraços da multidão das nossas cidades, despreocupados da sua segurança, confiados apenas e inteiramente à guarda e protecção do povo.
Este facto impressionou, sem dúvida, vivamente o Chefe do Estado brasileiro, e é de salientar sobretudo quando pensamos que lá por fora se faz um conceito tão errado da integração da situação política na consciência nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente:-Os dois Chefes de Estado puderam passear despreocupadamente, repito, confiados ao carinho da nossa boa gente - que é humilde, mas nobre e generosa.
Seja-nos licito este movimento de justo orgulho, que nos compensa de muita injustiça das paixões políticas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Neste momento só nos resta fazer votos pela boa viagem do Sr. Presidenta da República dos Estados Unidos do Brasil, aonde vai chegar com a certeza e a alegria de ter bem servido o seu pais ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - ... e desejar que esta visita, que tanto nos honrou e nos deu satisfação, sirva para integrar cada vez mais a comunidade luso-brasileira. Essa será a substância perdurável do transcendente acto político que acaba de realizar-se.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente:-Tão elevado acto diplomático só pôde ser possível devido à política externa que o Brasil e Portugal têm realizado ultimamente.
E a este propósito permitam-me VV. Ex.as que, em nome da Assembleia Nacional, me congratule com esse alto pensamento da nossa política externa que inspirou esta viagem.
É superiormente responsável por, ela S. Ex.a o Presidente da República Portuguesa. É seu grande inspirador o Sr. Presidente do Conselho. Foi seu colaborador e seu executor, com evidente inteligência, tacto e patriotismo, o- Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Não quero, meus senhores, terminar sem prestar em nome da Assembleia Nacional as homenagens desta Câmara à colónia portuguesa no Brasil.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - As nossas aclamações ao Brasil e ao sen Presidente onde devem ter encontrado maior vibração e alvoroço é precisamente no coração dos portugueses que mourejam nas terras hospitaleiras de Santa Cruz.
É graças ao trabalho infatigável e honrado dos nossos irmãos portugueses no Brasil, trabalho que vem sendo realizado desde séculos, é graças às suas qualidades, ao sangue e suor dos nossos irmãos portugueses, tão largamente derramados naquelas terras amigas, que foi possível continuar ao longo das gerações a fraternidade de sentimentos que está na base dda comunidade luso-brasileira
Ergamos os nossos corações pelo futuro do Brasil e dessa comunidade!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente:-Meus senhores: finalmente é ainda um acto de justiça que quero prestar.
A Assembleia Nacional recebeu no seu seio o Presidente da República Brasileira. Todos têm presente o esplendor dessa sessão. Mas para o brilho dela, para o prestigio desta Assembleia e do País, concorreu de forma relevante um dos mais destacados membros desta Camará, o Prof. Lopes de Almeida. Quero congratular-
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me, com a Câmara, pela maneira como se saiu da responsabilidade que sobre ele impendia nesse delicado momento.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente:-Inútil acrescentar quanto a magna sessão conjunta ficou a dever à palavra de oiro e à autoridade do eminente académico e Digno Procurador à Câmara Corporativa Sr. Dr. Júlio Dantas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Paulo Rodrigues: - Sr. Presidente: completa-
se hoje, precisamente, um século sobre o dia era que, nu vila do meu circulo que é agora a cidade das Caldas da Rainha, nasceu o grande pintor José Malhoa.
Numa casa modesta, à sombra tutelar da velha matriz de Nossa Senhora do Pópulo, nasceu de pais humildes José Vital Branco Malhoa, e a história da sua juventude é a história de tantos que só a preço de vontade tenaz conseguem fazer render e impor os seus talentos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Bem novo o mandaram para Lisboa e aqui, onde o destinavam ao oficio de entalhador, ensaiou Malhoa os primeiros passos duma carreira de artista que havia, de tornar-se gloriosa.
Nascido na região tão linda daqueles velhos coutos onde os frades de Alcobaça ergueram, nos alvores da nacionalidade, a escola primeva do nosso ruralismo, Malhoa, no seu talento omnímodo de grande artista, iria ser, sobretudo, o pintor da terra e da gente portuguesa, na» suas alegrias e nas suas penas, exaltando, em milagres de cor e de luz, a própria vida da grei.
Pintor por vocação, Malhoa legou-nos uma obra prodigiosa : durante sessenta anos - que tantos decorreram entre o primeiro e o último quadro do mestre- cerca de dois mil trabalhos seus enriqueceram o património artístico deste pais.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador:-Traduzindo, em humana linguagem, na expressão mais rica das cores e dos tons, os reflexos da beleza infinda de Deus, pode dizer-se que nenhum género de pintura foi estranho à obra fecunda de Malhoa: desde a paisagem ao retrato, desde os motivos religiosos (recordo ao acaso), como os retábulos do «Baptismo de Cristo» e de «Nossa Senhora da Consolação», aos temas nacionais e históricos, como «Â partida de Vasco da Gama para a Índia» e «O descobrimento do Brasil», até aos quadros magníficos da vida simples dos campos, como «As promessas», «A volta da romaria», (Festejando o S. Martinho» e tantos, tantos outros, onde sobre todas as centelhas do seu génio ficou marcado o portuguesismo deste grande pintor português.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Nascido nas Caldas da Rainha e vivendo grande parte da sua existência na linda vila de Figueiró dos Vinhos, Malhoa trazia no sangue e nos olhos o sentido mais alto da luz que do céu se espalha a jorros sobre aqueles campos férteis do nosso distrito; por isso a expressão suprema da sua mensagem é o serviço e louvor da beleza das coisas criadas - quase um novo cântico do sol, vivido em franciscana, humilde singeleza.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quando um dia Malhoa quis retribuir a afeição do povo da sua terra, ofereceu-lhe, cm nobre simbolismo, o retrato majestoso da Senhora Rainha Dona Leonor - figura altíssima da caridade, da caridade que é na escala cristã a maior das virtudes e, tendo inspirado a instituição genial das suas Misericórdias, permanece na moderna assistência social, através de todos os progressos da técnica, como o espirito quo vivifica.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A gente da minha terra, que a rainha fundou e onde o artista nasceu, junta-se agora, em consagração unanime, a Festejai e honrar a sua memória.
Já essa homenagem se alarga por Portugal além.
E eu sinto que obedeço a claro imperativo das gentes do meu circulo ao evocar nesta alta Camará - e faço-o com sincera emoção- o nome do grande artista e grande português que foi José Malhoa.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Ernesto de Lacerda: - Sr. Presidente: passando hoje o centenário do nascimento do grande mestre da pintura portuguesa José Malhoa, seja-me permitido, em simples mas sentidas palavras, prestar tributo de sincera homenagem à sua memória.
Além da minha qualidade de Deputado, eleito pelo círculo de Leiria, onde Malhoa nasceu, viveu uma grande parte da sua vida e morreu, uma outra circunstância, de especial significado para o meu espírito, me comanda o dever de evocar o seu nome e ;i sua obra nesta Assembleia, no dia em quo se estão realizando várias cerimónias comemorativas do seu centenário.
É que, se Malhoa nasceu na formosa cidade das Caldas da Rainha, se viveu muito do seu tempo em Lisboa, ele passou a maior parte da sua vida de artista insigne em Figueiró doe Vinhos, a linda vila do norte do distrito de Leiria, que é a minha terra natal, e foi nela que realizou n mais valiosa parcela da sua obra admirável, e nela, na sua vivenda «O Casulo», se lhe fecharam para sempre os olhos, em 20 de Outubro de 1933.
Figueiró dos Vinhos foi, assim, pode dizer-se, a terra adoptiva do grande artista, terra que ele amou carinhosamente, a ponto de dela fazer o seu viveiro de arte, pois nela encontrou, nu sua paisagem de maravilha, a luz que ilumina as suas tela» de beleza verdadeiramente incomparável.
Malhoa foi a Figueiró pula primeira vez por sugestão de outro grande artista, o ilustre figueiroense o escultor Simões de Almeida, seu professor de Desenho, e tão encantado ficou com os vastos horizontes, a pureza dos ares, a luminosidade do sol e a exuberância da vegetação que emoldura esta terra, que a ela só prendeu para sempre e com seus pincéis de ouro, em verdadeiros poemas de arte, gravou e imortalizou as belezas naturais, os costumes tradicionais e os tipos característicos desta formosa região.
Daqui o tributo de veneração e de homenagem que, de forma especial, é devido pêlos figueiroenses à memória desse extraordinário pintor naturalista, cuja presença parece ainda hoje sentir-se na contemplação das coisas belas eternizadas pela mugia do seu pincel na galeria prodigiosa da sua arte.
Figueiró dos Vinhos não esquece, nem poderá jamais esquecer, o que deve a Malhoa, como intérprete genia dos encantos da sua paisagem, que ele tão bem soube reproduzir em criações de beleza sem par, que são da
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mais soberbas que o génio do homem pode criar, porque são devidas a um dos maiores artistas ide Portugal. Por isso a minha terra se prepara, tal como a linda cidade onde o Mestre nasceu, e com o mesmo amor e veneração, para homenagear a sua memória neste ano do centenário e para a perpetuar no bronze, erigindo o seu busto no Jardim Público da vila que ele tanto amou e honrou.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: -Sr. Presidente: falar de Malhoa é falar do homem que dedicou uma vida inteira ao serviço da arte, dessa arte que neste esmerado cultor atingiu aspectos de beleza inconfundível.
Malhoa nunca visitou 05 grandes centros, considerados como fontes, onde iam beber todos os que na pintura pretendiam ocupar lugar ide destacado relevo.
Talvez por isso ele tem sido justamente considerado como o mais português dos pintores de Portugal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Assim, livre de influências desnacionalizantes, a obra de Malhoa, devida apenas à sua inspiração, ao seu génio e ao seu amor à terra portuguesa, é caracteristicamente nacional
A par desta faceta, uniu outra a domina: a paixão pela luz e pela cor e o culto pela paisagem e pelas cenas alegres da vida rural.
Nas suas telas perpassam muitas vezes e com um realismo sublime, como se fora em mágico écran, os quadros em que se desdobra a vida simples do campo, tão característicos que nunca até hoje tiveram melhor ou mais profundo observador, nem mais verdadeiro e brilhante intérprete.
Ao culto da paisagem e à escolha dos motivos rústicos aliou Malhoa as suas extraordinárias virtudes de «pintor de género».
Como disse Ramalho Ortigão: «o vasto campo cm que fundamentalmente se exerce a acuidade visual de Malhoa, a vibratilidade do seu sentimento, a fecundidade da sua veia, a bela irradiação do seu talento, é a paisagem ».
Mas, dado o espírito de sociabilidade do artista, nas suas telas ao Indo do paisagista revela-se exuberantemente o «pintor de género», porque- na natureza o que ele ama, o que mais o prende e se destaca é o homem.
Por isso mesmo em muitos dos seus trabalhos «desfilam quase todas as cenas rústicas do coração de Portugal» - a lavra, a sementeira, a poda, a ceifa, a vindima, as fainas da eira e do lugar e tantas outras que no seu conjunto reproduzem a vida alegre dos campos.
Malhoa foi uni pintor completo, não apenas nos aspectos que ficam Levemente referidos, mas também como figurista, desenhador e decorador, «a sua arte, cultivada com uma perícia extraordinária, assume unia perfeição e um virtuosismo tais que justificam plenamente o que dele se afirmou: «uma, das mais altas individualidades artísticas do seu «tempo».
Vozes: - Muito bem !
O Orador: -Sr. Presidente: «um as breves palavras que deixo proferidas .não pretendi comentar a obra do grande artista que foi José Malhoa, pois paia tanto me escasseiam inteiramente «o engenho e a competência».
Não apoiados.
Essa honrosa tarefa pertence a outros e será certamente desempenhada com o brilho requerido mós actos comemorativos que se estão realizando, ou irão realizar-se, nas Caldas da Bainha, em Lisboa e em Figueira dos Vinhos.
Por mim, pretendi apenas cumprir o grato dever de me associar à homenagem, que se vai prestar à sua memória no dia em que passa o centenário do seu nascimento. Faço-o sentidamente, como Deputado da Noção eleito pelo círculo de Leiria, em que Malhoa nasceu, viveu e morreu, e ainda como figueiroense, um reconhecimento pelo amor que ele dedicou à minha terra, onde, em contacto com as belezas da SUA paisagem e com a vida simples dos seus habitantes, buscou a inspiração para uma obra que é das mais perfeitas e das mais belas e deslumbrantes que o génio de um artista pode criar.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Galiano Tavares: - Sr. Presidente: desde Janeiro de 1944 e conforme o aumento do custo de vida, o Estado tem melhorado os vencimentos-base dos seus funcionários por meio de suplementos de vencimento e subsídios eventuais. A última dessas beneficiações entrou em vigor em 1 de Outubro do ano passado e corresponde a duplicar os vencimentos da tabela constante do artigo 12.° do Decreto-Lei n.º -26 115, de 23 de Novembro de 1935.
Paralelamente, o Sr. .Ministro da Economia tornava extensiva aos servidores da organização corporativa as melhorias decretadas para os funcionários públicos. Até à presente data os funcionários corporativos não foram ainda beneficiados com a melhoria dos vencimentos idêntica à decretada em Outubro para os funcionários públicos, e, como terminou uni ano económico sem se conceder a esses trabalhadores o benefício de 10 por cento, teme-se que, pelo menos, esteja perdida a verba correspondente aos três últimos meses do ano findo.
Fenómeno idêntico se verificou em fins de 1948, em que, por efeito de decisões tardias em aplicar à organização corporativa as determinações do Decreto-Lei n.º 37 115, de 26 de Outubro de 1948, se perderam dois meses ide melhoria.
Presentemente, esta demora, além dos prejuízos próprios, acarreta ainda uma consequência inesperada, que se traduz em diminuição das importâncias efectivamente percebidas pelos funcionários públicos requisitados aos serviços do Estado e autarquias.
É a que resulta de ter passado de 4 para 6 por cento o desconto obrigatório para a Caixa Geral de Aposentações, como foi decretado em Outubro para o funcionalismo público que beneficiava do novo vencimento então criado.
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - Quer dizer: os funcionários públicos em serviço em organismos corporativos e de Coordenação economia têm hoje os seus vencimentos diminuídos de ,2 por cento em relação ao que percebiam antes de Outubro de 1954.E, assim, uma disposição legislativa tomada com o fim de atenuar as dificuldades de vida do funcionalismo traduz-se em prejuízo para alguns, porque a Caixa Geral de Aposentações exigiu para todos o pagamento integral da nova contribuição, queira tivessem quer não beneficiado do aumento de suplemento instituído em Outubro.
Sr. Presidente: outra consequência resultante da não aplicação à organização corporativa das beneficiações de vencimentos decretadas é a seguinte:
Há funcionários cujos vencimentos na organização foram fixados, não pelas categorias da organização, mas pela tabela do Decreto-Lei n.º 26 115, por estarem prestando serviço na qualidade de destacados, embora os
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Seus vencimentos constituam encargo do organismo em que trabalham.
Pois esses, que seriam beneficiados com o aumento se não trabalhassem na organização corporativa, porque continuam como se estivessem em serviço no Estado, não podem também receber a melhoria porque ela ainda não foi tomada extensiva à organização. E encontram-se em situação mais precária do que os requisitados, porque estes, por via de regra, ao passarem à, organização corporativa, embora não percam a sua qualidade de funcionários públicos, sobem de categoria e, por conseguinte, também de vencimento, com a agravante para os primeiros de verem as suas pensões de reserva ou de reforma, se entretanto uma ou outra destas situações vier a surgir na sua vida funcional. calculadas por um vencimento mais baixo.
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - Por outro lado, u» desconto obrigatório com fins de previdência, que os funcionários da organização já suportavam, veio ùltimamente juntar-se para muitos deles - e são precisamente os de mais baixas remunerações - a obrigatoriedade de pagarem quota para um sindicato a que não pertencem os empregados dos organismos de coordenação económica, no qual, embora pagando as quotas, não ficam todavia inscritos.
Esta disposição, oriunda do Ministério das Corporações, aplica-se ao pessoal de carteira, todo ele com vencimentos-base inferiores a 1.500$.
Se levarmos mais longe a análise, poderemos verificar que a situação do pessoal da organização corporativa é ainda mais precária, porque lhe; tem estado vedado o benefício de promoções.
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - Com efeito, desde 1 de Janeiro de 1948 que, por determinação superior, se não fazem promoções de pessoal de qualquer categoria. Como também se não admitiram novos empregados desde 1951.
Relativamente ao abono de família, vejamos o que se passou após a data em que por despacho do Sr. Ministro das Corporações o abono, até então a cargo da Caixa de Abono de Família do Pessoal dos Organismos Corporativos e de Coordenação Económica, foi integrado na Caixa de Previdência dos Empregados dos Organismos Económicos.
A) Dirigentes e funcionários públicos requisitados:
A Caixa deixou de satisfazer o abono, sem que, aparentemente. a tanto a autorizasse o despacho de integração, só voltando a pagar depois de novo despacho ministerial o ler ordenado. mas limitando o período de tempo durante o qual a Caixa de Previdência assumiria esse encargo: até Janeiro ide 1950. E em 18 de Novembro o mesmo Ministério determinava que:
A partir de Janeiro de 1955 fossem canceladas na Caixa de Previdência dos Organismos Económicos as inscrições, quer «n relação à previdência, quer quanto ao abono de família, referentes a;
a) Dirigentes e delegados do Governo dos organismos corporativos e de coordenação económica não funcionários públicos;
b) Dirigentes e delegados do Governo dos mesmos organismos que exerçam as suas funções como funcionários públicos requisitados ou em acumulação com a função pública;
c) Empregados ou funcionários dos aludidos organismos que, sendo funcionários públicos, exerçam aquelas funções em regime de requisição ou em acumulação tom a função pública.
De facto, a Caixa já não pagou os abonos de Janeiro, e até hoje ainda se não indicou a entidade que deve suportar-lhes o encargo, embora ninguém tenha posto dúvidas ao direito de tais funcionários receberem esse abono.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Quanto aos aposentados pela Caixa Geral de Aposentações um serviço activo nos organismos, deixaram de receber o abono referente ao mós de Junho de 1054, sendo hoje os únicos empregados da organização corporativa que não beneficiam dessa regalia a que têm direito pela Caixa de Previdência.
Estão abrangidos pelos artigos 1.º e 2.º do Decreto n.º 33 513, de 29 de Janeiro de 1944, por serem empregados permanentes de organismos de coordenação económica, contratados nos termos da legislação aplicável -n.º 3.º do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 26 757 -, serem do nacionalidade-portuguesa e residirem em território nacional, isto é: satisfazem todas as condições exigidas para terem direito ao abono de família, sem qualquer fundamento para a exclusão. Pelo contrário, em despacho esclarecedor de 21 de Dezembro de 1944 taxativamente se elucida que:
Um funcionário público aposentado ou reformado que esteja empregado em qualquer actividade ou por conta de qualquer entidade abrangida pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.° 33 512 é beneficiado pelo regime de abonos de família regulado neste decreto-lei, mesmo que a pensão de reforma ou aposentação seja de quantitativo superior ao salário ou ordenado que recebe.
Parece não restarem dúvidas sobre o direito destes funcionários ao Abono de Família. Mas quem deve suportar esse encargo?
Até Maio de 1954 foi o abono liquidado pela Caixa de Abono de Família, que para o efeito cobrava as respectivas contribuições, patronal e beneficiária. Aliás, o despacho ministerial de 6 de Fevereiro de 1948 determina que o trabalhador está, em princípio, abrangido pelo regime de abono de família e tem direito a ele uma vez que na respectiva actividade exista instituição que o conceda. Quer dizer: o encargo do abono estava legalmente bem cometido à Caixa de Abono de Família do Pessoal dos Organismos Corporativos e de Coordenação Economia.
Por efeito da integração do abono na Caixa do Previdência, esta tomou o lugar da primeira e a ela compete dar execução ao Decreto-Lei n.º 33 512, que abrange, os empregados públicos reformados em serviço activo nos organismos de coordenação económica, como o próprio despacho de integração de 2 de Junho de 1954 claramente decidia quando na base III, fixava doutrina:
Os sócios (...) efectivos da Caixa de Abono de Família que não estão presentemente abrangidos no âmbito da Caixa de Previdência serão inscritos nesta última para efeito de abono de família, contribuindo com (...) 0.5 dos ordenados ou salários (...) recebidos.
Essa obrigação da Caixa está, aliás, prevista no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 35 410. que manda as caixas sindicais de previdência e as caixas de reforma ou do previdência assumir o encargo da concessão e pagamento do abono de família, conforme o disposto no Decreto-Lei n.º 33 512.
Embora se não trate agora de fusão de caixas de previdência, não será, descabido ver o que, por analogia,
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ocorre quando se fundiu associações de socorros mútuos com instituições de previdência da mesma ou de diferente categoria:
A instituição que resultar da fusão fica, para com terceiros, com todos os direitos e obrigações das instituições que se fundirem (§ 2.º do artigo 7.° do Decreto-Lei n.º 33 674, de 20 de 20 de Fevereiro de 1943).
Sr. Presidente sei que o Sr. Ministro da Economia está interessado, vivamente interessado, em modificar, melhorando-a, a situação dos servidores dos organismos corporativos e de coordenação económica, e tenho como certo que tomará todas as providências para que da demora não resultem prejuízos, que, além de não serem justos, podem provocar a amargura de não se sentirem protegidos como merecem.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem ! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Agnelo do Rego: - Sr. Presidente: pedi a palavra apenas para fazer uma ligeira anotação de carácter histórico-rogionalista -mas, suponho, nem por isso com menos interesse nacional- acerca da reemite visita presidencial brasileira a Portugal.
Sr. Presidente: com justificado regozijo recebeu o País a visita honrosa do venerando Presidente dos Estados Unidos do Brasil, a quem esta ilustre Assembleia, na mais luzida e expressiva representarão nacional, prestou as merecidas homenagens, às quais nada mais há a acrescentar.
Desejo, porém, salientar, em breves palavras, as razões do particular júbilo com que participaram do regozijo nacional os povos das ilhas adjacentes, de que represento aqui o distrito açoriano de Angra do Heroísmo.
Vozes: - Muito bem !
O Orador:-Claramente se evidenciam tais razões ante o papel que na formado da nacionalidade brasileira desempenharam as ilhas, precisamente porque, não obstante u relativa pequenez destas e o seu recente povoamento, bastante importante foi esse papel, por sua influência profunda e duradoura, para que mereça ser recordado nesta ocasião.
Na verdade, mercê de investigações e estudos, em que avultam os de ilustres açorianos, pode afirmar-se que já em 1647 e 1648 foram para o Brasil cem casais da ilha de Santa Maria; de 1771 a 1774 emigraram com o mesmo destino algumas centenas de pessoas das ilhas de S. Jorge, Graciosa, Terceira, Faial, Pico, Flores e até do Corvo - só da ilha Terceira, nos anos de 1766 a 1787, sabe-se haverem partido quinhentos e setenta e três emigrantes.
Assim se compreende que tenha sido possível fixarem-se então no Rio Grande do Sul, idos das diversas ilhas do arquipélago, cerca de dois mil e trezentos açorianos, que ali exerceram na vida, usos, costumes e linguagem influência perdurável até aos nossos dias.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Maior ainda foi o contributo insular relativamente a Santa Catarina, onde, na segunda metade do século XVIII, se estabeleceram aproximadamente quatro mil e quinhentos emigrantes dos Açores, cabendo, desta maneira, no povoamento de Santa Catarina assinalada missão aos casais açorianos, que lá deixaram ficar até agora seus nomes e usanças e, mais que tudo, a soa própria alma e o seu vincado modo de ser e de sentir.
Não deixará também de ser interessante, o vir até muito a propósito dos dias de festa que acabam de passar-se, recordar a ascendência originariamente açoriana dos Presidentes brasileiros Gaspar Dutra, Washington Luís e Getúlio Vargas.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador:-Perante razões tão fortes, não admira que, antecedendo a publicação de um trabalho do cônsul Euclides Costa acerca do problema da emigração para o Brasil, se encontrem em nota preliminar da redacção do Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, ao tempo presidido pelo eminente jurista e estudioso terceirense, há pouco falecido, Dr. Luís da Silva Ribeiro, as seguintes palavras: «os Açorianos orgulhara-se da sua contribuição étnica para a formação da grande nação brasileira ...».
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Como em todas as horas grandes da vida nacional, estiveram, pois, as ilhas também presentes na hora festiva que acaba de viver-se, e com elas em sentidos transportes de patriotismo o heróico e glorioso distrito de Angra.
Não lhes faltaram para tanto os motivos ponderosos. Eis porque vibraram em uníssono com o coração desta pátria querida, que, para a mais alta missão de paz e civilização a que sempre tem sido fiel, de Deus recebeu a vocação sublime de dar ao Mundo novos mundos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Azeredo Pereira: - Sr. Presidente: em Março do ano findo, ao terminar o primeiro período legislativo da presente legislatura, a Assembleia Nacional, jubilosamente, teve a honra de aprovar a proposta de lei do Governo que definia o novo plano de financiamento da Junta Autónoma de Estradas para o período de 1956 a 1970, num total de 6 milhões de contos.
Porque então sòmente estava em debate um plano de financiamento, sobre o qual apenas podíamos discutir as respectivas fontes de receita e o critério da sua distribuição, e não um plano de realizações, o qual se continua já no plano rodoviário aprovado pelo Decreto n.º 34 593, de 11 de Maio de 1954, abstive-me de intervir, votando, porém, em perfeita consciência e com o mais elevado orgulho de português tão louvável esforço do Governo, que é, incontestàvelmente, um largo e seguro passo em frente no engrandecimento da Nação e na prosperidade de toda a terra portuguesa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O Governo, sempre atento aos altos interesses nacionais, reconhecendo que importava não perturbar o ritmo da actividade da Junta Autónoma de Estradas e que era imperioso facultar-lhe possibilidades financeiras mais latas, de modo a acompanhar o progresso verificado na utilização das nossas estradas, por virtude do aumento do tráfego automóvel, e a prosseguir a ingente tarefa de construção de novas estradas nacionais, de modo a completar-se a respectiva rede, decidiu, com o melhor senso das realidades e com perfeito sentido do bem comum, dotar com vultosos meios aquele departamento do Estado, o qual, mercê da sua prestante actuação, dos seus excelentes técnicos e dos
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seus métodos de trabalho, nos assegura e garante a plena realização da sua importantíssimas missão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Sr. Presidente: a verba de 6 milhões de contos a conceder à Junta Autónoma de Estradas, como é sabido, terá início a partir de 1956 e será dividida nas seguintes dotações anuais:
Contos
1.º período. - Nos anos de 1956 a 1958 330 000
2.º período. - Nos anos de 1959 a 1961 380 000
3.º período. - Nos anos de 1962 a 1970 430 000
O aumento das dotações anuais previsto no plano é de 74 000, 124 000 e 174 000 contos, respectivamente, para cada um dos períodos referidos.
Na primeira, fase, de realizações mais urgentes, situam-se, como também é sabido, as obras seguintes:
Construção de 1800 km de estradas e respectivas pontes.
Alargamento e pavimentação de 4000 km de estradas importantes.
Pavimentação de 5000 km de estradas secundárias.
Supressão de cem passagens de nível.
Substituição de cem pontes antigas.
No ano em curso a dotação da Junta soma 256 000 contos, dos quais 156 000 de verba ordinária e 100 000 de verba extraordinária.
Sr. Presidente: um dos assuntos largamente discutidos ao apreciar-se este plano de financiamento refere-se à prioridade nas obras.
Foi nítida a orientação expressa de dar primazia às obras de construção.
Estabelecer uma ordem de preferências em que se situe, em primeiro lugar, o que é essencial sobre o acidental, o prático e o útil sobre o sumptuoso e secundário, como foi dito nesta Assembleia, torna-se não só indispensável, como imperioso e urgente.
Faltando ainda construir, do plano rodoviário em vigor, 3641 km de estradas e prevendo-se para os próximos quinze anos a construção de apenas 1800 km, chegamos à conclusão de que sòmente cerca de metade da extensão daquele plano será construído, o que é manifestam ente pouco.
Desde a vigência do actual plano até fins de 1953, ou seja nos últimos oito anos, construíram-se 762 km e destes havia 719 ainda em terraplanagens, sem pavimentação.
Verificou-se, porém, um aumento de pavimentos aperfeiçoados, que atinge a elevada cifra de 2900 km, o que denota por parte dos serviços uma exagerada preferência por esta espécie de obras, que concorre para impedir a abertura de novas estradas de considerável importância e de improrrogável urgência.
Não sendo possível elevar as dotações já previstas no plano de financiamento para a construção de novas estradas incluídas no plano rodoviário, por maneira a dar às populações o direito de também poderem usufruir vias de comunicação e melhorar as suas condições de vida, há que reduzir os gastos nas obras de aperfeiçoamentos, algumas vezes dispensáveis ou, pelo menos, de urgência muito discutível.
A primazia em obras de construção não é, porém, aceite por todos. Sei que uma certa corrente de opinião, buscada no intenso tráfego automóvel de certas estradas, na comodidade e segurança da circulação e ainda no fomento e desenvolvimento turístico, defende o critério da melhoria e aperfeiçoamento dos pavimentos.
Sem negar o valor destas razões, entendo, porém, que, acima de melhorar e beneficiar o que, em razoável estado, já existe, deve antes preferir-se realizar aquilo que não existe.
Em vez de um pavimento moderno, dispendioso e caro, certamente útil, seguro e cómodo, uma nova estrada que sirva zonas povoadas desprovidas de qualquer comunicação e que será factor decisivo no desenvolvimento regional e na melhoria dos rendimentos e do nível de vida das respectivas populações deve merecer a preferência de quantos desejam transformar o atraso e a estagnação económica de muitas regiões do País.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Isto não quer dizer, porém, que deixemos de efectuar grandes reparações nas estradas, aperfeiçoando os pavimentos, mas somente que neste domínio deverá usar-se de um rigoroso critério de indispensabilidade e urgência.
Este é o primeiro aspecto para que desejo chamar a atenção do Sr. Ministro das Obras Públicas e da própria Junta Autónoma de Estradas.
Sr. Presidente: outra ordem de considerações que me proponho fazer diz respeito à distribuição geográfica das obras de estradas já efectuadas ou em curso.
Os números que vou apresentar são extraídos do notável parecer sobre as Contas Gerais do Estado para 1953 e foram fornecidos pelos próprios serviços.
No período que vai de 1946 a 1953 as dotações utilizas em estradas foram as seguintes:
Contos
Conservação e reparação ........... 820 800
Construção......................... 662 042
Diversos........................... 25 694
Ilhas.............................. 133 834
Total.............................1 642 370
Do exame destes números torna-se evidente que o despendido com a construção é inferior em 158 758 contos ao que se gastou com a conservação e reparação, o que vem confirmar a preferência por esta espécie de obras.
Se atendermos agora à distribuição por distritos das verbas mencionadas, verificaremos que os mais beneficiados foram os de Lisboa, Porto, Beja, Santarém, Aveiro e Setúbal e os menos afortunados os de Viseu, Bragança e Vila Real.
Enquanto o de Lisboa absorveu na construção 80 284 contos, no de Viseu, de maior área, não chegou a gastar-se no período de oito anos 20 000 contos. E o mesmo se passa quanto à conservação e reparação.
O Sr. Pinho Brandão:- V. Ex.a dá-me licença?
Desejo significar que, se no distrito de Aveiro e com a respectiva rede rodoviária vem despendendo-se verbas mais avultadas do que no distrito de Viseu, tal facto se deve, pelo menos em parte, à natureza do solo daquela região, que na sua maior parte é constituído por terreno alagadiço e arenoso.
Quero frisar ainda que a parte nordeste daquele distrito está pessimamente servida de estradas, que se encontram em mau estado de conservação, com deficientes pavimentos e curvas apertadíssimas, achando-se, além disso, por construir estradas de grande interesse que fazem parte do plano rodoviário.
O Orador: - Agradeço a interrupção de V. Ex.a, a qual não contesta as minha; afirmações e só vem confirmar que no sector rodoviário, mesmo no distrito de Aveiro, ainda há muito que fazer.
Se neste aspecto o distrito de Viseu não foi dos menos contemplados, pois foram despendidos 41 605 contos, a, verdade é que, se se atender à sua extensíssima área, ocupada por vinte e quatro concelhos, deve aquela verba reputar-se das mais exíguas.
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Nas dotações para o ano de 19533 verifica-se igual disparidade, que reflecte o abandono a que parecem votadas as estradas de um dos maiores distritos do País. O consumo de verbas neste ano foi de 6736 contos no distrito de Viseu, e só o de Faro, com muito menor área, foi inferior em cerca de 500 contos.
Se examinarmos o plano rodoviário de 1945, em vigor, e se atendermos à rede de estradas que falta construir, chegaremos mais uma vez à conclusão de que é ainda o distrito do Viseu o mais atrasado na construção, logo seguido dos de Bragança e Vila Real, onde falta construir respectivamente 339, 337 e 330 km.
E a igual conclusão chegaremos no que respeita à pavimentação da nossa rede de estradas. Novamente o distrito de Viseu e o de Trás-os-Montes figuram nos últimos lugares, com cerca de 70 por cento das suas estradas em macadame e em terraplenagem.
Em contrapartida, porém, tanto no aspecto da construção como no da pavimentação, os distrito do litoral, de solo fértil e de maior (prosperidade económica, apresentam-se como os mais afortunados.
Esta desigualdade de verbas na sua repartição geográfica, que até certo ponto, num período de um ou dois anos e conforme o grau de adiantamento dos respectivos estudos, projectos e pareceres do Conselho Superior de Obras Públicas, admito, apresenta-se, porém, com um carácter sistemático e persistente, e isto é outro aspecto para que ouso chamar a atenção das entidades competentes.
Sei bem que não é possível fazer unia distribuição de verbas perfeitamente uniforme para todos os distritos do País, nem tal seria prático nem eficiente para os serviços. Mas não concebo também que sejam sempre os distritos de Viseu e de Trás-os-Montes os que recebem menores dotações.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: -Sr. Presidente: o distrito de Viseu, desgraçadamente, continua a ser o menos contemplado e o mais abandonado dos distritos do País. sem quaisquer razões plausíveis. Pelo contrário, existem fortes motivos, até de ordem política e de sentimento, que tornam imperiosa e urgente a adopção de diverso tratamento.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O distrito de Viseu, mais acentuadamente o norte, vive em condições precárias no que respeita a comunicações. Existe nele uma enorme zona que não possui qualquer estrada e as comunicações ferroviárias ficam a muitas dezenas de quilómetros.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Permanece em lamentável atraso, a sua vida económica e social.
A população desta zona, sem recursos suficientes e sem possibilidades de desenvolvimento económico, emigra.
O concelho de Castro Daire no aspecto de despovoamento é, proporcionalmente à sua população, o concelho do País de maior contingente emigratório, como refere um dos últimos relatórios da Junta da Emigração.
E é precisamente este concelho o pior servido de lustradas, o que denota a íntima correlação existente entre a falta de comunicações e o fenómeno da emigração. Nele falta construir cerca de 50 km de estrada - quase tanto como em todo o distrito do Aveiro- e no que respeita aos pavimentos existentes desconhece-se ali o alcatrão ou o betuminoso, pois as estradas são 100 por cento de macadame e terraplanagens.
Mas o que se passa com este concelho é mais ou menos idêntico ao que se verifica com os demais concelhos do norte do distrito, nomeadamente Vila Nova de Paiva, Penedono, S. João da Pesqueira, Tabuaço, Armamar, Resende e Cinfães.
Urge acabar com este estado de coisas.
Torna-se indispensável estabelecer um programa de acção tendente à recuperação destas zonas atrasadas, por maneira a chamá-las, primeiro, ao convívio da civilização o a fomentar o seu desenvolvimento económico e a criar melhores condições de vida aos seus habitantes, fixando-os à terra, depois.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A Junta Autónoma de Estradas, nos próximos quinze anos, com. as verbas que lhe serão concedidas de cerca de 400 000 coutos anuais, ficará sendo um valioso e eficaz instrumento de progresso nacional.
É sua missão importantíssima fomentar o desenvolvimento regional de zonas atrasadas, auxiliar as regiões em certo estado de desenvolvimento e estabelecer rápida e fácil ligação entre o interior e o litoral do País.
Pelo que respeita ao distrito de Viseu, que represento nesta Assembleia, ouso dirigir a S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas e à prestigiosa Junta Autónoma de Estradas um veemente apelo no sentido de dispensar ao meu distrito toda a solicitude e zelo que vem dispensando a outras regiões do País.
Solicito para o norte do meu distrito, nomeadamente para as estradas n.° 2-1.ª, entre Viseu e Calde, n.º 229-2.a, entre Viseu e Cavernães, cujas reparações prosseguem em tão vagaroso ritmo, n.º 228-2.ª, entre Castro Daire e S. Pedro do Sul, n.° 225-2.ª, nos troços entre Enmida do Paiva e proximidade de Ester e Castro Daire e Vila Nova de Paiva, e estradas Cinfães-Castro Daire, pela serra de Montemuro, e Penedono-S. João de Pesqueira, por Trovões e Castanheiro do Sul, a ligar esta região da Beira com a linha férrea do Douro, a mesma desvelada atenção e igual carinho que presentemente estão prestando às obras da cidade de Viseu.
Estas estão seguindo um belo ritmo, que denuncia o poder realizador de tão prestante organismo do Estado - a Junta Autónoma de Estradas.
A cidade vive com entusiasmo a realização de tão importantes obras e mostrasse, desde já, reconhecida ao Governo e em especial ao seu insigne chefe pelo grande empreendimento em curso.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Deste lugar e com o mais vivo empenho formulo o voto de que as obras de construção e de reparação de estradas que é urgentíssimo realizar no norte do distrito de Viseu não sejam por qualquer forma afectadas pelas que se estão fazendo na sua capital.
Torna-se necessário e inadiável colocar o distrito de Viseu, no que respeita a vias de comunicação rodoviária, em nível idêntico ao dos distritos do litoral, e, futuramente, como é de elementar justiça, em nível superior, uma vez que ou não possui quaisquer comunicações ferroviárias ou as que possui são, em parte, deficientes e anacrónicas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Termino, confiado, como sempre, no bom acolhimento de tão justo como legítimo pedido. Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem ! O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Marques Teixeira: - Sr. Presidente: pedi a V. Ex.ª o uso da palavra, por forma emergente, a fim de corroborar, também como Deputado que me honro de ser pelo círculo de Viseu, o que acaba de ser expresso polo nosso estimado colega Sr. Dr. Luís de Azevedo Pereira.
Na verdade. Sr. Presidente, particularmente a parte norte do distrito de Viseu tem estado deficientemente, direi mesmo muito mal servida de vias de comunicação. É de inteira justiça que tão lamentável situação continue a ser modificada, de modo ininterrupto e intensivo, porquanto custa a compreender que uma tão vasta região, povoada por tantos e esforçados portugueses da melhor fibra nacionalista e têmpera patriótica, não esteja convenientemente servida por rodovias que lhe fomentem ou, ao menos, acresçam o progresso, criando-lhe fontes de maior riqueza e facultando àquela boa e laboriosa gente do meu distrito condições inteiramente justas, porque lhe são devidas, de comodidade, conforto e bem-estar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quando em Março de 1954 tomei parte na discussão da proposta de lei -mais uma notável proposta de lei - contendo um novo e substancial plano de financiamento da Junta Autónoma do Estradas para um período de quinze anos, num total de 6 milhões de contos, logo um vivo clarão de esperanças brilhou no meu espírito, porque pude pensar que oportunamente, viria a ser quebrado o isolamento em que muitas povoações se encontravam e ainda encontram e, por outro lado, se iria progressivamente acudindo à premente necessidade de conservação, correcção e, sobretudo, perfeita pavimentação de muitas estradas. E acentuei que a efectivação de trabalhos dessa natureza era de manifesta indispensabilidade para alguns distritos do País, mencionando expressamente o de Viseu.
E porque não queremos pormenorizar, descendo à minuciosa enunciação de grandes vias rodoviárias que de tais cuidados urgentemente carecem, cita-se, a mero título exemplificativo, a estrada nacional n.º 228-2.ª, que, ligando S. Pedro do Sul a Castro Daire, segue mais adiante e se prolonga através da vetusta e histórica cidade de Lamego.
Pois, Sr. Presidente, renovando o meu fundamentado e veemente apelo ao Governo, confio abertamente na ânsia incontida de servir o bem comum e na apurada visão do estadista ilustre que é o Sr. Ministro das Obras Públicas, credor de gratidão do País e já tão querido- merecidamente querido!- de Viseu, alentando-me com a ideia de que a Junta Autónoma de Estradas- serviço público modelar do organizarão e de actuação, a que gostosamente rendo as aninhas homenagens- não afrouxará no desdobramento da sua comprovada capacidade realizadora. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem ! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidenta e Srs. Deputados: como é do conhecimento de VV. Ex.as. está o Orfeão Académico de Coimbra a comemorar, na linda e sempre rejuvenescida cidade do Mondego, as suas bodas de diamante, e as justas razões por que tão jubilosamente as celebra valem também para que nesta Câmara se reconheça ao acontecimento a importância de que se reveste e o seu alto significado nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Efectivamente, para além de ser um muito notável agrupamento artístico, em que, ao longo dos anos -e já conta setenta e cinco!- se tem caldeado as vozes de tantos e tantos jovens provindos das mais variadas parcelas da terra portuguesa, criando momentos da mais alta espiritualidade, o que já é pergaminho de excepcional valia, o Orfeão Académico de: Coimbra poda ainda orgulhar-se duma brilhante folha de serviços galhardamente prestados à Nação, quer representando-a e valorizando-a no estrangeiro com o mais destacado prestígio, quer acorrendo sempre carinhosamente a conceder o seu desinteressado contributo nas obras sublimes da solidariedade perante o sofrimento.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Fundado em 1880, aquando das celebrações com que a sempre generosa Academia de Coimbra marcou o tricentenário de Caimões, pelo então escolar de leis João Marcelino Arroio, moço de irradiante inteligência que tanto se projectou nesta Câmara, quando mais tarde, já ,na plena pujança da sua vida pública, enfileirou entre os maiores oradores desta Casa, o Orfeão Académico de Coimbra tem podido contar, ao longo da sua existência, toda esmaltada dos mais brilhantes sucessos, com o carinho e devoção duma larga plêiade de destacadas figuras da vida portuguesa, que sentem a ufania de poderem ter contribuído para os seus incontáveis triunfos.
Sr. Presidente: setenta e cinco anos vividos a difundir nas melodias magníficas da sua polifonia, não só as melhores expressões dos cantares da nossa terra, como ainda os grandes poemas líricos que o Mundo celebrizou, interpretando-os com perfeição e devoção inexcedíveis, quer perante os grandes auditórios do Brasil, da Espanha, da França e da África do Sul, quer ainda através de todo o território nacional, que tão carinhosamente o tem escutado, conferem ao Orfeão Académico de Coimbra o direito a um reconhecimento do seu muito valor, que não poderia negar-se-lhe quando precisamente comemora tão auspiciosa existência.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Assim o entendeu o Governo da Nação ao conferir-lhe agora, e para juntar àqueles que já anteriormente lhe havia tributado, o grande-oficialato da Ordem de Benemerência - um novo galardão que ficará a demonstrar o alto apreço em que são tidos os reais méritos deste organismo da Academia de Coimbra, que, um dia, perante o túmulo rio Soldado Desconhecido, guardado pela majestade do Arco do Triunfo da Cidade da Luz, ante o comovido respeito das gentes dessa França sempre ilustre, entoou os empolgantes acordes da Portuguesa.
Sr. Presidente: pelo seu elevado nível artístico pelo seu demonstrado e desinteressado carinho pelos que sofrem, por quanto tem feito em representação da nossa pátria, cimentando amizades e concitando consideração e deferência pela terra lusíada, pelo seu prolongado labor em tornar Portugal conhecido dos próprios portugueses e pelo que representa, enfim, de séria manifestação de cultura e de civismo, bem merece de todos nós uma palavra de sincero aplauso e um voto de crescente, prosperidade o pundonoroso Orfeão Académico de Coimbra, quando -eternamente jovem !- comemora setenta e cinco anos de uma vida sempre dedicada ao serviço do bem.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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29 DE ABRIL DE 1955 1043
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão as Contas Gerais do Estado e as da Junta do Crédito Público relativas a 1953.
Tem a palavra o Sr. Deputado Paiva Brandão.
O Sr. Paiva Brandão: - Sr. P: chegou n oportunidade do V. Ex.a incluir na ordem do dia a discussão das Contas Gerais do Estado e das da Junta do Crédito Público relativas ao ano de 1953.
Conhece esta Assembleia os pareceras da Comissão de Contas, de que foram relatores os ilustres Deputados Srs. Engenheiro Araújo Correia e Dr. João Neves.
É com última satisfação que preito a minha homenagem sincera aos distintos colegas, que mais uma vez, ao realizarem tão aturado e substancial labor, prestaram uma valiosa informação ao País facilitando notavelmente o estudo da matéria em debate.
Vozes: - Muito bem !
O Orador:-(Mais um ano económico que passa, mantendo-se o equilíbrio orçamental a que há muito nos acostumámos. A constância de um hábito não lhe tira, porém, o valor, antes põe em evidência a firmeza de um benéfico principio, a força de um preceito que não conhece excepções.
as contas fecharam com um saldo de gerência superior a 80 600 contos. Se há aí razão para aplaudirmos, há também certamente motivo de regozijo para um Governo que tão vincadamente se preocupa com a regularidade e a eficiência da administração.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A Nação, como principal contribuinte do Estado, a Nação, que amealha para dar tem, no entanto, o direito de ser completamente esclarecida sobre os principais dispêndios efectuados e também o dever de reflectir, pelo menos, nos grandes números das contas, já que tão arduamente concorra com o seu esforço e também com o seu dinheiro para a obtenção da receita.
Na mesma ordem de ideias, devemos meditar no activo ou nu passivo do ano, nos benefícios que resultam para a colectividade dos investimentos produtivos, materializados em obras que ficam como garantias do aumento de riqueza nacional, o também considerar os dispêndios, porventura supérfluos, que possam ser eliminados ou reduzidos.
Seja-me permitido ocupar-me, um particular, dos gastos que contribuem pura a tranquilidade e segurança da Nação e que são condição indispensável do seu progresso.
Sr. Presidente: quem se der ao trabalho de coligir os dados respectivos, esparsos pelas Contas Gerais do Estado relativas ao ano económico de 1953, verificará que os gastos com as forças armadas subiram a cerca de 1700 milhares de contos, representando 26.7 por cento da despesa total, percentagem que largamente sobreleva a respeitante a qualquer Ministério civil.
Ao notar, porém, que tal cifra se refere ao conjunto de très departamentos do Estado, põe-se em evidência que estes prosseguem uma finalidade comum, unidos por um vinculo que tende a tornar-se cada vez mais estreito.
Parece, portanto, que para a Nação terá, mais interesse e fará talvez mais sentido, o conhecimento global das despesas nos três ramos das forças armadas. Poder-se-á, assim, apreciar as cifras que exprimem os principais gastos, sem prejuízo, no entanto, para efeito de clareza de exposição ou melhor apreensão dos números, de prévia referência especial a cada um dos departamentos interessados.
Parece ser este o caminho mais seguro, e também o mais simples, para apresentar a VV. Ex.as os gastos militares.
Pena é que tal estudo ainda não possa este ano, por falta de elementos, incluir o ultramar, para confirmação de um sentido de unidade imperial, que em todos os campos se ambiciona efectiva.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Desejaria que esta intervenção não fosse demorada. Para o conseguir tive de socorrer-me da elaboração de alguns mapas, com base num longo trabalho de selecção e arrumação de dados. Esses quadros, deixados para publicação no Diário das Sessões, foram organizados, fundamentalmente, a partir das Contas Gerais do Estado e neles se mantêm as suas rubricas essenciais.
Os gastos nos três ramos das forças armadas serão apreciados pela ordem que a estas compete, segundo a hierarquia militar: Marinha, Exército e Aeronáutica.
Precederá o estudo a referência ao departamento da Defesa, criado pelo Decreto-Lei n.º 37 909, de 1 de Agosto de 1950, que tem a seu cargo a coordenação da política militar nacional e os dedicados problemas que respeitam à defesa do País. Satisfizeram-se assim importantes e modernas, exigências que para a direcção das forças armadas se impunham como inadiáveis.
Como fecho, analisar-se-ão os dispêndios totais com o conjunto da defesa nacional, nele abrangido todos os departamentos militares.
Gabinete do Ministro da Defesa Nacional e Secretáriado-Geral da Defesa Nacional
O quadro I refere-se à despesa ordinária do Gabinete do Ministro e Secretariado.
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Quadro I
Defesa nacional
(Despesa ordinária, em milhares de escudos)
[Ver tabela na imagem]
Deste quadro que deduz que os dois organismos despenderam cerca ide 3168 contos, repartidos pelo Gabinete e Secretariado, respectivamente nas percentagens de 41,7 por cento e 58,3 por cento.
Da importância total, o pessoal absorveu 57,5 por cento, enquanto o material e os diversos encargos representam 14 por cento e 28,5 por cento.
A quantia apontada constitui pequena parcela dos gastos gerais com as forças armadas, o que ide resto não surpreende, dado que os organismos superiores da defesa nacional dispõem de escasso pessoal e, pelas suas características orgânicas, a despesa com o material também será normalmente exígua.
Ministério da Marinha
Os gastos totais do Ministério foram de 403 356 contos, dos quais 395 455 respeitam às despesas ordinárias.
Apesar de as forças aéreas terem passado para o Subsecretariado de Estado da Aeronáutica e ide a despesa extraordinária ter sofrido, relativamente a 1952, uma diminuição de 3188 contos, verifica-se um acréscimo da despesa total mo valor de 21 565 contos.
Os principais aumentos nos gastos deram-se na Direcção do Serviço de Abastecimentos, no Arsenal do Alfeite e na Direcção-Geral da Marinha, com, respectivamente, cerca de 20 000, 10 000 e 6000 coutos.
A primeira verba respeita quase totalmente a combustíveis e lubrificantes para fornecimento às diversas unidades e estacões de marinha.
A segunda foi devida a maiores despesas com o pessoal.
Finalmente, os 6000 contos destinaram-se a um subsídio à Companhia Nacional de Navegação, já orçamentado e não gasto em 1953, a fim de atenuar o déficit da carreira do Oriente, que, por motivos óbvios, deve manter-se.
No capítulo das economias, em relação ao ano anterior, já foi notada n resultante da transferência das forças aéreas para o Subsecretariado de Estado da Aeronáutica, o que deu origem a uma diminuição de gastos, no Ministério da Marinha, superior a 5500 contos. De facto, esta é aproximadamente a quantia que só em material e pagamento de serviços e diversos encargos despenderam, em 1952, o Comando Superior cias Forças Aéreas da Armada, a Direcção da Aeronáutica Naval, o Centro de Aviação Naval de Lisboa e a Escola de Aviação Naval Almirante Gago Coutinho, conforme se pode ver nas Contas Gerais do Estado daquele ano. Quanto ao pessoal, foi pago por rubrica que se não inclui nas anteriormente citadas.
No Ministério da Marinha houve ainda outras economias, embora de menor importância.
No mapa da página seguinte, que se refere apenas à despesa ordinária, discriminam-se os gastos dos principais serviços, e bem assim os que se referem ao pessoal, material e pagamento de seiviços e diversos encargos.
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QUADRO II
Ministério da Marinha
(Despesa ordinária, em milhares de escudos)
[Ver tabela na imagem]
(a) Despesas com o pessoal (rendimentos, salários e outros).
(b) Material e outras despesas.
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Da análise deste quadro II pode ajuizar-se que os maiores dispêndios foram realizados pela Superintendência dos Serviços da Armada, com 72,5 por cento do total, pelo Arsenal do Alfeite, com 14,1 por cento, e pela Direcção-Geral da (Marinha, com 10,6 por cento.
AS despesas fundamento is referem-se às remunerações ao pessoal, à conservação e aproveitamento do material de defesa e segurança pública, aos combustíveis e lubrificantes para fornecimento às diversas unidades e estações de marinha e a géneros alimentícios e artigos de fardamento pura aprovisionamento dos depósitos, a fornecer às mencionadas unidades e estações.
Pode notar-se que neste quadro se não incluiu despesa, com pessoal em determinados serviços, como sejam o Comando-Geral da Armada, o Estado-Maior Naval, a Inspecção da Marinha e a Intendência de Marinha do Alfeite.
Tal anomalia verifica-se também, total ou parcialmente, em outros quadros, porque as Contas Gerais do Estado não lhe fazem referência directa. O caso deve-se certamente ao facto de nesses serviços a despesa com o pessoal ser contabilizada em conselho administrativo pertencente a outro organismo.
Seria preferível que as Contas Gerais do Estado estivessem organizadas de modo a permitir ajuizar completamente em todos os casos dos dispêndios em cada serviço.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - No conjunto do Ministério da Marinha, a despesa ordinária respeitou nas percentagens de 52,5 por cento ao pessoal, 26,4 por cento ao material e 19,4 por cento ao pagamento de serviços e diversos encargos.
Ministério do Exército
As despesas ordinárias e extraordinárias do Ministério do Exército foram, respectivamente, de 589 877 e de 112 000 contos, num total de 702 377 contos.
No ano anterior as mesmas despesas tinham sido de 641 206 e de 82 316 contos, somando 723 522 contos.
Verifica-se, assim, que a despesa ordinária diminuiu 51 329 contos e a extraordinária aumentou 30 184 contos, havendo, portanto, no ano de 1953, em relação ao que o precedeu, uma economia de 21 145 contos.
A principal redução da despesa ordinária proveio da transferência da aeronáutica militar para o novo Subsecretariado. A diminuição dos gastos daí resultante foi de, pelo menos, 67 370 contos, quantia que se obtém das Contas Gerais do Estado no ano de 1952 somando à Aeronáutica militar a base aérea n.º 4. então incluída nas forças eventualmente constituídas.
Os principais acréscimos Já despesa ordinária, no valor de 15 734 contos e 10 390 contos, deram-se, quanto à primeira cifra, nos serviços de instrução, fundamentalmente, com os cursos de oficiais e de sargentos milicianos e com as manobras e exercícios a anuais, e, quanto à segunda, com a alimentação e fardamento das praças de pré, campo de instrução de Santa Margarida. Escola Militar de Electromecânica que aparece em rubrica própria, despesas com o material da rubrica «Despesas gerais».
No quadro III indica-se como ocorreu a despega ordinária no Ministério do Exército.
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QUADRO III Ministério do Exército
(Despesa ordinária, em milhares de escudos)
[Ver tabela na imagem]
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Do citado quadro III se deduz que as principais despesas respeitaram, por ordem decrescente, aos corpos, armas e serviços, com 62,2 por cento; às classes inactivas pagas pelo Ministério, com 12,9 por cento; aos serviços de instrução militar, com 9,3 por cento, e cios serviços gerais, com 7,6 por cento.
Além das despesas com o pessoal, as cifras anais vultosas dizem respeito aos encargos administrativos com as escolas de recrutas (cerca de 39000 contos), às despesas de conservação e aproveitamento do material (semoventes) da rubrica «Despesas gerais» (cerca de 36 500 contos), às despesas de conservação e aproveitamento do imaterial de defesa e segurança pública dos «Serviços gerais» (cerca de 20500 contos).
Os encargos administrativos com os cursos de oficiais e sargentos milicianos ultrapassaram também a quantia de 20 000 contos.
No conjunto do Ministério, o pessoal absorveu 64,2 por cento da despesa, enquanto o material e o pagamento de serviços e diversos encargos consumiram 16,1 por cento e 18,4 por cento.
Subsecretariado de Estado da Aeronáutica
É esta a primeira vez que as Contas Gerais do Estudo se referem ao Subsecretariado de Estado da Aeronáutica.
Congratulamo-nos com a existência de uma força aérea independente, capaz, sem liames, de mais rápido progresso e, portanto, de maior eficiência no conjunto as forças armadas.
Na época da energia atómica, dos projécteis dirigidos, da rapidez e mobilidade, tanto na defesa como no ataque, ao jovem poder aéreo cabe importantíssimo papel na segurança da Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É difícil, dado o modo como estilo organizadas as Contas Gerais do Estado, estabelecer confronto entre o ano de 1953 e o de 1952.
A soma da despesa ordinária do Subsecretariado foi de 133 990 contos, em especial consumida pelas forças aeroterrestres, com a seguinte discriminação: sargentos e praças, 59,3 por cento; bases e unidades, 16,8 por cento; oficiais, 10,8 por cento, conforme se indica no mapa IV.
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QUADRO IV
Subsecretariado de Estado de Aeronáutica
(Despesa ordinária, em milhares de escudos)
[Ver tabela na imagem]
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Note-se, porém, que as Contas Gerais do Estado incluíram nos sargentos e praças muito importantes despesas com o material, que parece, melhor teriam ficado arrumadas numa rubrica de serviços gerais.
De facto, a despesa mais volumosa que através das contas se nota com a Aeronáutica respeita à conservação o aproveitamento do material de defesa e segurança pública, que, somando perto de 49 500 contos, se inseriu na rubrica «Sargentos e praças».
De entre as bases aéreas merece especial referência a das Lajes, com 11,6 por cento da despesa total do Subsecretariado.
No conjunto dos dispêndios, que totalizaram cerca de 133 000 contos, o pessoal consumiu 38,8 por cento, o material 53,3 por cento e o pagamento de serviços e diversos encargos 7,7 por cento.
É no entanto, possível que os gastos do Subsecretariado tenham sido um pouco superiores ao total indicado, em virtude de alguma percentagem lhe caber no abono de família aos funcionários, acidentes em serviço e despesas de anos económicos findos, que as Contas Gerais do Estado, na parte respeitante ao Ministério das Finanças, não discriminam por serviços.
A despesa total com a defesa nacional
Analisada a despega no âmbito dos Ministérios militares, poder-se-á agora avaliar dos gastos com a defesa nacional no seu conjunto.
Em 1952 o dispêndio com as forças armadas foi de cerco de 1 391 500 contos, o que, em relação à despesa total do Estado, representa uma percentagem de 23.8 por cento.
No ano de 1953 os gastos com a defesa nacional somaram perto de 1 710 400 contos, quantia que, relativamente à despesa total do Estado, se traduz na percentagem de 26,7 por cento.
Apesar de as despesas do Estado terem aumentado, verifica-se, nas forçam armadas, portanto, um acréscimo proporcionalmente superior e da ordem dos 319 000 contos. Este agravamente deve-se, em grande parta, a maiores dispêndios ao abrigo do plano suplementar de defesa.
Note-se, porém, que as Contas Gerais do Estado incluem nas despesas dos Ministérios da Marinha e do Exército determinados gastos que, em bom rigorismo, se não devem considerar, pelo menos na sua totalidade, como efectuados com a defesa nacional. É o caso, no primeiro dos referidos Ministérios, dos gastos com vencimentos a pessoal civil de organismos de fomento marítimo, organismos estranhos à marinha de guerra, duplicações orçamentais e reembolsos; no segundo Ministério é o que acontece com a despesa do Museu Militar e de certos serviços de instrução.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: O quadro V indica como foram realizados os dispêndios com as forças armadas.
QUADRO V
Despesa com a defesa nacional
(Em milhares de escudos)
[Ver tabela na imagem]
Deste mapa infere-se que, do total da despesa ordinária, coube ao Exército 52,6 por cento, enquanto a Marinha e a Aeronáutica tiveram nos gastos, respectivamente, as percentagens de 30,3 por cento e 11,8 por cento.
No capítulo da despesa extraordinária, que apenas corresponde a 7 por cento dos gastos com a defesa nacional, os dispêndios verificaram-se no Exército e na Marinha com, respectivamente, cerca de 112 500 contos e 8000 contos, para ocorrer ao pagamento de todas as despesas com a manutenção de forças militares e navios destacados no ultramar.
Parece desnecessário comentar este gasto, que, embora de não elevado valor quando considerado no conjunto dos dispêndios com as forças armadas, merece, pelo fim a que se destina, ser objecto de especial menção.
Para satisfação de despesas militares em harmonia com compromissos tomados internacionalmente despendeu-se em 1953 a quantia de 468 500 contos, que representa 27,4 por cento dos gastos com a defesa nacional.
É um contributo pesado, que de boa mente, a Nação deve aceitar, dada a actual conjuntura europeia e mundial.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Na totalidade dos gastos com as forças armadas, corrigidos agora com a despesa extraordinária e plano suplementar de defesa, verifica-se que o Exercito consumiu 52,8 por cento, a Marinha 28,5 por cento e a Aeronáutica 13,4 por cento, isto é: os dispêndios relativos podem, sensivelmente, representar-se pela proporção 4:2:1.
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julgamos, no entanto difícil atribuir desde já especial significado a estes números, que apenas podem traduzir o começo de uma evolução iniciada no ano agora em causa com a criação do Subsecretariado de Estado da Aeronáutica.
Finalmente o quadro VI indica a distribuição da despesa (com excepção da despesa de anos económicos findos de que não foi possível em tempo obter a discriminação por classes, mas tal facto não pode alterar as percentagens referidas na quadro VI dado o diminuto valor dessa despesa de anos económicos findos), couberam aos departamentos militares, mas também que o pessoal, material e pagamento de serviços e diversos encargos absorveram, do total dos dispêndios, respectivamente 46,3 por cento, 37,9 por cento e 15,8 por cento.
A maior percentagem dos gastos coube, portanto, ao pessoal, apesar de neles se não terem incluído as classes inactivas pagas pelo Ministério das Finanças.
Pode concluir-se também da analise do quadro VI, por confronto das despesas com o pessoal e o material, que a proporção destes gastos foi de 1,3:1 na Marinha, 1,8:1 no Exercito e de 1:2 na Aeronáutica.
Quadro VI
Despesa com a defesa nacional (por classes)
(Em milhares de escudos)
(ver tabela na imagem)
(a) Arredondamentos
(b) Não inclui as despesas de anos económicos findos.
(c) Inclui o abono de famílias nos Ministérios da Marinha e do Exercito. Não inclui a despesa com as classes inactivas pagas pelo Ministério das Finanças (115932 contos) considerada «Encargo geral da Nação».
(d) Inclui a despesa com acidentes em serviço.
Sr. Presidente: ao apreciar o facto de as despesas totais do Estado se elevarem a cerca de 6400 milhares de contos de que couberam as forças armadas perto de 1700 milhares de contos poderá tirar-se apressada conclusão pouco favorável aos dispêndios militares.
Não se julgue, porem, que o nosso esforço de defesa é superior ao de países com semelhantes responsabilidades. Com efeito indicam-se a seguir para o ano de 1953 as percentagens que as despesas com a defesa nacional relativamente aos orçamentos nacionais, couberam a algumas nações que se integram na O. T. A. N.:
Holanda, 24,2 por cento; Bélgica, 28,1 por cento; Dinamarca, 28,8 por cento; Noruega, 29 por cento; Itália, 29,3 por cento: Turquia, 49,5 por cento, e Grécia, 57,5 por cento elementos estes que foram colhidos em fonte não oficial, mas se supões digna de confiança.
De resto para formar juízo completo e imparcial, é preciso olhar para além dos números, até subir, em primeiro lugar, aos elevados objectos que eles permitem atingir.
É o caso, por exemplo da segurança e manutenção da inviolabilidade das nossas fronteiras espalhadas pelo Mundo.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
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O Orador: Conquanto a situação pareça apresentar alguma melhoria, não cessaram as ameaças e os agravos que uma potência asiática vizinha tem dirigido a Portugal e aos portugueses da índia.
Temos esperança de que o direito mais uma vez triunfará da força. No entanto, se a união Indiana levar a guerra ao território nacional, já foi tornada pública, pelo voz sábia e superiormente autorizada do Sr. Presidente do Conselho, em memorável sessão desta Assembleia, a natureza da honrosa missão que actualmente ali incumbe às nossas forças armadas: «Bater-se, lutar, não no limite das possibilidades, mas para além do impossível».
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: Confiemos em que o Governo e o povo indiano não queiram macular a sua reputação internacional insistindo na ilegítima reivindicação do que física e espiritualmente lhes não pertence.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Outro aspecto, não menos relevante, não só pela incidência, mas também pelo volume dos gastos, é o que deriva da situação internacional.
De facto, 27,4 por cento do total das despesa» com as forças armadas são consequência, como vimos, dos compromissos internacionais firmados pelo nosso país.
Se os particulares entregam ao Estado parte dos seus réditos, para satisfação das necessidades colectivas, também as nações que amam os mesmos ideais têm de pôr em comum uma parcela dos seus recursos, a fim do proverem à defesa dos princípios em que deve assentar uma sã estrutura da comunidade internacional.
É indispensável que o esforço defensivo do Ocidente se não deixe ultrapassar pelos preparativos bélicos que os orientais persistentemente acumulam, visando a conquista do Mundo por imposição da força e pela acção demolidora de uma doutrina revolucionária.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - É consolador verificar que Portugal se mantém fiel às obrigações que internacionalmente assumiu e, mais do que isso, fiel a si próprio, colaborando na salvaguarda de uma civilização de que tem sido estrénuo defensor.
Mas importa notar também que,, apesar do encargo que as forças armadas impõe à nossa economia, o País pode dizer que as realizações prosseguem, mantendo-se o ritmo de um firme progresso, e que as gerações vindouras, aqui e no ultramar, certamente encontrarão uma vida melhor, propícia a novos empreendimentos e a mais rasgados horizontes.
Vozes: - Muito bem!
U Orador: - Na justificação das despesas militares há ainda outro relevante aspecto a considerar: a valorização individual e colectiva resultante da incorporação anual de várias milhares de indivíduos. Já no ano passado tive ocasião de tratar deste assunto, evidenciando como a prestação do serviço militar contribui para a melhoria do nível cultural, moral, social e profissional das populações. Julgo-me, por isso, dispensário de insistir neste ponto.
As forças armadas concorrem ainda para o desenvolvimento de importantes. indústrias, absorvem a mão-de-obra, dão lugar à movimentação de capitais, favorecem a luta contra o desemprego, o que tudo representa benefício para a colectividade.
Por fim, as forças armadas, na medida em que asseguram a paz e a tranquilidade gerais, constituem condição básica e sólida do progresso nacional.
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - .Sr. Presidente e Srs. Deputados: não é fácil perscrutar o que o futuro nos reserva.
Preparados para- todas as eventualidades, pedimos a Deus que ilumine no caminho da paz aqueles que têm responsabilidades na política mundial.
Só assim poderá avançar-se, mais e mais, no caminho do engrandecimento nacional, que exige - e bem merece - o generoso empenho, o esforço persistente, a incondicional doação de todos os portugueses.
Tenho dito.
Vozes : - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Suspendo por agora este debate e vai passar-se à segunda parte da ordem do dia, que consiste na discussão da proposta de lei sobre alterações à Lei Orgânica do Ultramar.
Está em discussão na generalidade a referida proposta de lei.
O Sr. Pereira Jardim: - Sr. Presidente: a proposta de Lei n.º 506 e o douto parecer da Câmara Corporativa que sobre a mesma proposta incidiu foram atenta e demoradamente examinados e discutidos em reuniões da Comissão do Ultramar desta Assembleia Nacional. E reconheceu-se ser o único caminho, para produzir trabalho profícuo e útil, examinar de por si, com a profundidade devida, cada uma das alterações que se pretendem introduzir em oito das bases da Lei Orgânica do Ultramar, votada e promulgada em 1953.
Na verdade, Sr. Presidente, afigurou-se inviável realizar um debate na generalidade sobre problemas tão diversos, que vão desde certos aspectos de fundo- como é o adiantamento de novo preceito aos já contidos na base V- até ao simples esclarecimento interpretativo das atribuições da secção permanente do Conselho do Governo nas províncias de governo simples- como o é a nova redacção sugerida para as bases XXXIV e XXXV.
Perante problemas de natureza e amplitude tão diferentes, entendeu a Comissão do Ultramar, aliás dentro do mesmo critério seguido pela Câmara Corporativa, não ser praticável ùltimamente o debate na generalidade e que o seu estudo- como a apreciação e discussão na Assembleia- deveria incidir sobre a especialidade, por forma a definir-se, em relação a cada uma das alterações propostas, o seu sentido, a sua conveniência e a sua necessidade, com a eventual introdução de modificações tidas por úteis.
Um debate na generalidade só poderia ser conduzido sobre os próprios fundamentos da Lei Orgânica do Ultramar, mas esses nem estão em causa em qualquer dos casos contidos na proposta do Governo, nem parece que pudessem vir a ser postos em discussão depois da esgotante análise que a Câmara deles fez há dois anos, dado que de então até hoje não se verificaram nem motivos, nem evolução de circunstâncias que impusessem ou aconselhassem alteração à tradicional política ultramarina portuguesa, reafirmada, com notável segurança de rumo, nos debates aqui havidos em 1953.
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - Portugal, através da voz autorizada dos seus representantes nesta tribuna, teve ensejo de evi-
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denciar, perante um imundo que a cada momento hesita, discute e ensaia novas directrizes, o exemplo de uma nação civilizadora que não se afasta nem cede perante modas internacionais passageiras, uma vez que temi a certeza do seu destino e da segurança dos seus métodos. É que possuímos uma doutrina própria e uma experiência que nos define o caminho a seguir, e que parece faltar, infelizmente, a outros que, nos areópagos internacionais ou à margem deles, tanto se ocupam da vida alheia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A evolução natural, no quadro político-administrativo, dos nossos vastos territórios do ultramar há-de realizar-se no rumo da nossa, própria experiência e das nossas melhores tradições.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Para nos governarmos, e portanto para evoluirmos segundo os interesses da Nação, temos como base uma experiência que é nossa e vem de séculos e como rumo uma doutrina que é permanente como a permanência da nossa missão. Não necessitamos, nem queremos arredar-nos dessa firme directriz.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Afirmado isto, a Comissão do Ultramar entende dever sugerir a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que a Assembleia, evidenciando expressamente a sua concordância com os fundamentos invocados, entre na apreciação imediata dos novos preceitos e alterações propostos à Lei Orgânica do Ultramar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: quero apenas afirmar a V. Ex.ª e à Assembleia que a Comissão de Legislação e Redacção concorda com a posição que sobre a matéria foi tomada pela Comissão do Ultramar e que acaba de ser expendida pelo Sr. Deputado Pereira Jardim.
Na verdade, dado que não são tocados os princípios gerais informadores dos regimes instituídos na Lei Orgânica, mal se compreenderia, que sobre esses princípios se estabelecesse agora uma discussão na generalidade.
Não se pretende, com a proposta, em discussão, atingir os referidos princípios; por outro lado, como se trata de disposições fragmentárias que não têm economia autónoma, esta só poderia ser considerada na economia geral da própria Lei Orgânica, que não está em discussão.
Assim, não se explicaria que sobre a matéria fosse estabelecida uma discussão na generalidade.
A única razão que poderia justificar uma discussão na generalidade e a disposição regimental que permite, durante .essa discussão, a apresentação, por cada um dos Srs. Deputados, individualmente, de propostas de alteração. Essas propostas de alteração, nos termos do Regimento, não podem ser apresentadas durante a discussão na especialidade.
É claro que a esta dificuldade de ordem puramente regimental obtemperava-se com facilidade, quer apresentando as propostas de alteração antes propriamente de ser aberta a discussão na especialidade, quer admitindo que, por analogia, ao caso se aplicava a disposição regimental que permite a apresentação de propostas de alteração na generalidade por cada um dos Deputados individualmente.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à discussão na especialidade. Vou mandar ler a alteração proposta pelo Governo à base V, em consequência do artigo único da proposta de lei.
Foi lida.
O Sr. Pereira Jardim: - Sr. Presidente: de todas as alterações que a proposta em discussão pretende introduzir na Lei Orgânica do Ultramar, sem dúvida que o do aditamento de novo preceito à base V é a que oferece maior importância pelo seu significado.
Por isso a Comissão do Ultramar lhe dedicou a maior atenção no decurso de largo e intenso debate, em que mais uma vez se evidenciou uma firmeza de critério que me cumpre sublinhar pelo que representa, ante a diversidade de características dos territórios ultramarinos, de unidade e segurança de directrizes em tudo o que se prende com o interesse e o destino do conjunto da Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E, também mais uma vez, a generosidade dos ilustres Deputados que fazem parte daquela comissão me traz a esta tribuna para tentar traduzir o que é pensamento comum, porque apenas posso ter tido o mérito de o recolher e sistematizar ao longo das nossas sessões de trabalho.
Visa o novo preceito, proposto pelo Governo para ser incluído na base V da Lei Orgânica do Ultramar, consentir que, perante certas características e para determinado caso - o do Estado da Índia -, possa o estatuto vir a dispor diferentemente do que se encontra estabelecido nessa lei quanto ao funcionamento e às atribuições de órgãos de governo e a outras regras de administração.
E com isto quer dizer-se, como acentua o parecer da Câmara Corporativa, que se definem possibilidades de maior latitude na elaboração do Estatuto Orgânico da Índia Portuguesa, por forma a atender às suas condições peculiares e à realização mais perfeita das finalidades que a própria lei se impôs.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Em nada se alterando as disposições constitucionais, que permanecem imutáveis e válidas como limite que a consciência nacional não consentiria que fosse transposto, visa-se, afinal, atender ao resultado das próprias diligências prescritas pela Lei Orgânica - e dar satisfação plena ao que determina a Constituição no artigo 134.º, quando afirma que os territórios ultramarinos de Portugal devem ter «organização político-administrativa adequada à, situação geográfica e às condições do meio social».
Sendo a Lei Orgânica um diploma complementar, quanto à execução dos princípios claramente definidos pela Constituição, não se poderia admitir que viesse a apresentar-se como obstáculo para a exacta realização dos preceitos constitucionais e se introduzisse como asfixiante tampão entre a doutrina prevista, com nítida percepção das realidades, na lei fundamental do País e os estatutos que terão de considerar a natural tendência para a evolução sadia dos territórios ultramari-
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nos na sua vida político-administrativa integrada na unidade da Nação Portuguesa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Ao tomar a iniciativa de oferecer à Assembleia este projecto de aditamento aos preceitos contidos na base V da Lei Orgânica, o Governo chamou a si a responsabilidade e o mérito de evidenciar, e pertence à representação nacional, única detentora de tais prerrogativas, a função de apreciar e decidir da conveniência e das vantagens de se adoptar o princípio proposto.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Julgo que interessa, perante nós e perante estranhos, sublinhar o facto, que traduz efectiva capacidade para escutarmos os anseios dos portugueses dispersos por esse vasto ultramar, considerarmos objectivamente os honestos fundamentos das aspirações reveladas e darmos - ou negarmos - o nosso acordo de nação livre e consciente, norteada apenas por interesses e razões próprios. Intenções e pressões estrangeiras, neste como noutros problemas, não podem acelerar nem retardar o que só aos portugueses, de quaisquer raças ou latitudes, compete resolver.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - Esta afirmação, Sr. Presidente, querem fazê-la os representantes de todos os territórios ultramarinos ao saudarem o Governo pela coragem de seguir princípios de há muito afirmados e que, pela simples análise da cronologia, não é possível confundir com a jovem aparição, 110 tablado internacional, de doutrinas ou pretensões que não interessam ao nosso caminho de povo livre.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - No estudo feito pela Comissão do Ultramar algumas vozes se levantaram - e entre elas a minha - no sentido de se estabelecer um preceito que admitisse a generalização do princípio proposto pelo Governo para o Estado da índia, por forma a poder aplicá-lo a outras províncias ultramarinas, sempre que isso fosse julgado aconselhável.
O largo debate estabelecido veio, porém, esclarecer que a admissão de tal preceito genérico seria contraditório do rumo oportunamente definido péla Assembleia. Procurarei esclarecer a Assembleia dos fundamentos da conclusão.
Quando em 1953 se discutiu a Lei Orgânica do Ultramar, por fornia tão ampla e aberta, esclareceu-se que a regra a seguir com vista ao regime político-administrativo das províncias ultramarinas haveria de ser aquela que conduziria à promulgação de um estatuto próprio a caída uma, segundo normas definidas então, com a variante, expressamente incluída na lei, da possível integração num sistema análogo ao dos arquipélagos da Madeira e Açores.
Mas, embora da Lei Orgânica não conste qualquer preceito que especialmente o refira, a leitura do Diário das Sessões revela que foi pensamento da Câmara deixar a possibilidade de viram a ser considerados, no futuro, os casos especiais que pudessem resultar de características peculiares notoriamente reveladas.
Julgou-se conveniente nada legislar em tal sentido polo melindre de tais problemas e, daí, pela conveniência de não deixar nas mãos do Governo a capacidade de resolver em matéria em que só a Assembleia
Nacional seria competente para decidir. Na verdade, não podendo a Câmara derrogar as possibilidades que a própria- Constituição contempla - e até por a isso se opor, para além dos textos legais, a tradicional política ultramarina da Nação - , a omissão de tal preceito genérico só pode ter tido a intenção de fazer apreciar no âmbito desta representação do País os casos que, fundamentalmente, lhe viessem a ser presentes pelo Governo ou por outra das vias constitucionais.
Deixou-se ao Governo a- faculdade, que não lhe podia ser retirada, de trazer à Câmara qualquer dos problemas que em tão transcendente esfera se pudessem oferecer, mas negou-se-lhe a de decidir ,por si.
Daqui resulta a necessidade desta proposta de lei para poder ser considerado o caso do Estado da Índia e daqui se conclui que, sem quebra da orientação afirmada, não seria possível adoptar agora o preceito genérico que alguns de nós desejaríamos ver incluído na Lei Orgânica. Fazê-lo conduziria, muito simplesmente, a entregar ao Governo a capacidade de tomar decisão em assuntos que só ao conjunto do País, nesta Assembleia representado, pertence resolver.
Mantendo tal critério como parece aconselhável, não se fecham as portas a qualquer aspiração legítima que, fundamentalmente, possa ser formulada. Apenas se entende que o seu mérito terá, em cada caso, de ser discutido e analisado por todos os portugueses, através Da voz dos seus representantes nesta Assembleia.
Assim o exige, como fàcilmente se compreende, o interesse da Nação.
Vozes : - Muito bem, muito bem !
O Orador: - Sr. Presidente: definidas estas premissas, é o momento de nos ocuparmos do mérito das aspirações dos portugueses do Estado da Índia, que nos são transmitidas pelo Governo na sua proposta o que, mais completamente, foram esclarecidas no decorrer dos trabalhos da Comissão do Ultramar.
O problema residia, afinal, em verificar se seria do admitir, pela sua necessidade e conveniência, baseadas um argumentos próprios daquele território português, a adopção de regime excepcional para o Estado da índia, nos precisos termos anteriormente referidos. Por outras palavras: cumpria-nos analisar se a índia Portuguesa reuniria as características e atributos que levassem a admitir a possibilidade de vir o seu estatuto a ser diferente, quanto aos aspectos mencionados na proposta de lei, daqueles que, segundo o regime geral em vigor, haverão de ser atribuídos às restantes províncias ultramarinas.
A conclusão foi afirmativa.
Em primeiro lugar, a legitimidade dos anseios do Estado da índia haveria de basear-se em factores significativos, que teriam de traduzir-se pela existência dum escol apto ao desempenho das missões a confiar-lhe, pela afirmação da presença duma população com nível capaz de o apoiar conscientemente, de o seleccionar o de lhe dar origem, pela legitimidade representativa de tais elementos e pelas garantias de fidelidade espontânea às constantes da vida portuguesa e à unidade da Nação. Quanto a estes fundamentais aspectos, a resposta aos quesitos formulados não pode deixar de ser favorável, e acontecimentos recentes bem o vieram comprovar, a partir das reacções exteriorizadas pelos portugueses do Estado da Índia, vivendo fora ou dentro do território nacional.
Vozes : - Muito bem, muito bem !
O Orador: - Aqueles que, como eu, têm tido ensejo nos últimos anos, de contactar com os [...] - em [...]
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çambique, no Quénia, nas Rodésias, na Uganda, em Zanbibar, no Paquistão, na União Indiana e no Estado da Índia Portuguesa - em momentos de dramática e viril expectativa podem dar testemunho vivo disso e devem apontá-lo ao conhecimento de todos.
As qualidades dos portugueses na Índia caldeadas em quatro séculos de acção lusíada no Oriento, formaram um agregado nacional que responde positivamente de forma inequívoca, aos factores significativos que tive ensejo de mencionar mais por cuidado de método do que pela dúvida na resposta a dar-lhes.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - No entanto, o enquadramento positivo naqueles pontos fundamentais, sendo característico do Estado da Índia Portuguesa, apenas se revelaria indispensável para basear as pretensões formuladas, mas não se apresentaria como bastante para justificar tratamento de excepção. É que, Sr. Presidente, essas características não são, felizmente, exclusivas da índia Portuguesa, porque são comuns a outros territórios e populações de Portugal no ultramar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Levando a admitir quo determinado tratamento fosse concedido ao Estado da Índia, com vista ao seu estatuto, não chegariam para justificar as condições de excepcionalidade atribuídas.
Para isso militam outras razões.
Na verdade, a Lei Orgânica do Ultramar, votada e promulgada em 1953, ofereceu a todos as províncias ultramarinas novas perspectivas para a sua vida político-administrativa. Para algumas, até a amplitude das suas disposições, o seu exacto significado e o esgotamento integral das suas possibilidades não puderam ainda ser completamente, apercebidos ou demorarão tempo a ser realizados. Para outras, traduziu a satisfação de anseios de há muito afirmados, mas que carecem de ser transpostos para o campo da vida prática, experimentados e adaptados às realidades da sua evolução.
Para o Estado da índia, porém, os preceitos da Lei Orgânica do Ultramar ficaram aquém das pretensões de há muito afirmadas e que correspondiam a características particulares, evidenciadas e confirmadas nos últimos anos.
Quer com isto dizer-se: enquanto para as outras províncias ultramarinas a Lei Orgânica significava um passo para o futuro ou a satisfação de uma realidade presente, para o Estado da Índia apenas representava como que o reconhecimento de situação já pretérita no âmbito das suas prerrogativas tradicionais e dos seus desejos actuais.
E é esta condição - filhas das suas características particulares - que parece dar-lhe direito a prioridade para um tratamento excepcional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - De facto, desde 1946 que o Governo iniciou o estudo do regime adequado à vida político-administrativa do Estado da Índia (e sublinhe-se que o fez antes de que se pudesse confundir este nosso caso com outros problemas a ele estranhos), ouvindo as aspirações locais, que vieram a concretizar-se em dois projectos formulados em 1947.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O último destes foi submetido a uma vasta comissão do sessenta e dois membros, que se procurou que representasse os diversos sectores e tendências daquele território português. Eleito um grupo de trabalho, composto de vinte e uma personalidades, que apreciou o projecto básico, daí surgiu nova proposta, à qual veio juntar-se, com diferenças de pormenor, uma outra resultante de discussão em Concelho de Governo.
Estudadas atentamente todas as soluções preconizadas, e respeitando as características do Estado da Índia, procurou o Governo, naturalmente, enquadrar os seus conceitos no regime jurídico definido, por forma genérica, para o conjunto da Nação Portuguesa. Trabalho moroso, de na natural melindre e impondo consultas e diligências que, a distância, as circunstâncias e os acontecimentos forcaram a prolongar mais do que seria desejável, mas tanto como era indispensável.
Conduziu especialmente a esta demora o ter-se verificado, pela apreciação no Conselho Ultramarino, que não eram totalmente compatíveis com o texto constitucional então vigente algumas das disposições contidas naqueles projectos.
Isto impunha que se aguardasse a oportunidade de revisão do diploma fundamental do País e a publicação dos diplomas complementares necessários.
Revista a Constituição em 1951, seguiu-se, em 1953, a discussão e publicação da Lei Orgânica do Ultramar.
Nesse momento, porém, julgou-se conveniente não tomar posição definitiva, e exactamente para que esta pudesse corresponder de forma mais actualizada, às necessidades e aspirações do Estado da índia. Como bem ficam evidenciado ao longo dos debates, a Câmara quis deixar, em certo modo, pendente este caso de real importância, havendo o objectivo de recolher da discussão do estatuto, com vasta participação dos órgãos locais, elementos de apreciação e decisão que ainda interessasse obter.
O sentido da recente discussão no Conselho de Governo, embora circunscrita aos preceitos da Lei Orgânica, foi na realidade do maior valor até para se esclarecer da insatisfação que resultaria da aplicação das disposições já amplas daquela lei, às quais, no entanto, só constrangidamente se poderia amoldar a vida do Estado da índia, como o faz notar a Câmara Corporativa no seu parecer.
Fàcilmente se compreende, depois de se analisar toda esta longa e cuidadosa evolução do problema, que a Índia Portuguesa carece no seu estatuto político-administrativo de diferente estrutura pelo que respeita ao funcionamento e às atribuições de órgãos de governo e a outras regras de administração.
Como exemplo, que é apenas um índice, recordam-se as características tão específicas do seu meio social, em que interferem, com relevância, agrupamentos morais e económicos que impõem cuidado atento e especializado de órgãos governativos locais dotados de capacidade executiva.
Quanto à redacção do preceito, pareceu à Comissão do Ultramar conveniente propor que se substituísse, a expressão «circunstâncias peculiares», contida no projecto inicial, de modo a que a redacção assumisse a seguinte forma:
Na medido em que as características particulares do Estado da Índia o aconselhem, poderá o respectivo estatuto dispor diferentemente do preceituado na presente lei pelo que respeita ao funcionamento e às atribuições de órgãos de governo e a outras regras de administração.
Na verdade entendeu-se que a fórmula «características particulares» melhor dá o sentido, que é o exacto e afirmado pelo Governo, de resultar a conveniência de diferenciação do estatuto da Índia Portuguesa de
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factores ou condições intrínsecos da vida daquele território e nunca externos a essa mesma vida.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A análise feita às diversas fases que este problema, atravessou bem revela, aliás, que assim foi e bem faz vincar a consoladora certeza de que a estrutura política ultramarina da Nação contêm, em si mesma, elementos que permitem fazer surgir, à luz das realidades, os anseios legítimos dos diversos territórios, discuti-los e aceitá-los segundo o seu mérito.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Em 25 de Novembro de 1947 afirmava ao País o Sr. Presidente do Conselho: «Se novas circunstâncias ou anseios da população que deseja aumentar as suas responsabilidades justificam modificações no estatuto ou regime administrativo, isso é problema que à Índia Portuguesa e a nós próprios respeita e que, estando já em estudo, terá oportuna solução».
Ao relembrar essa declaração inequívoca do Chefe do Governo, feita há mais de sete anos, é oportuno sublinhar como ela evidência hoje a permanência de uma política, a serenidade de um método de governar, o respeito pelas aspirações legítimas, a indiferença pelas perturbações vindas do estrangeiro e a observância da promessa feita.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Restam agora por definir os termos do próprio estatuto, mas, aceitando o princípio da excepção no sentido em que é proposto, a Assembleia terá cumprido a missão que lhe pertence e confiado ao Governo o encarou de, seguindo tais directrizes dar ao Estado da Índia Portuguesa o estatuto apropriado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: para concluir desejo ainda formular o voto de que se continue a acarinhar a evolução nos termos constitucionais das províncias ultramarinas, por forma a que, evidenciada a diferenciação entre elas, possa cada uma revelar plenamente as características particulares que conduzem à adopção - em qualquer dos sentidos que a Lei Orgânica já prevê ou porventura em outros - dos estatutos diferenciados que melhor se coadunem com a sua situação geográfica e condições do meio social.
Permito-me recordar, Sr. Presidente, palavras que o ano passado tive a honra de proferir desta tribuna, com o apoio da Câmara, e que julgo traduzirem o rumo que mais nos importa seguir: «A justa medida estará em concentrar nas mãos capazes do Governo Nacional tudo o que importe ao conjunto e à unidade da Nação Portuguesa e descentralizar, corajosa e inteligentemente, aquilo que pertença ao âmbito administrativo de cada uma das províncias ultramarinos».
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Cada vez que votarmos em tal sentido teremos a satisfação maior de estarmos a caminhar para a realização da mais transcendente missão de Portugal, como povo civilizador, e de estarmos a estreitar mais fortemente os vínculos da unidade nacional.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai ser lida a proposta que se encontra na Mesa, apresentada pela Comissão de Ultramar, de alteração ao n.º III da base V.
Foi lida. É a seguinte:
Proposta de alteração
BASE V
I - ..........................................
II - .........................................
III - Que as palavras da 1.ª e 2.ª linhas «circunstâncias peculiares» sejam substituídas por «características-particulares».
Lisboa. Sala das Sessões, 25 de Abril de 1955. - Augusto Cancella de Abreu - Jorge Pereira Jardim - Castilho Serpa do Rosário Noronha - Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa - Alberto Pacheco Jorge - Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso - Manuel Monterroso Carneiro - António de Almeida - Manuel Mário de Lacerda de Sousa Aroso - Ricardo Vaz Monteiro.
O Sr. Castilho Noronha: - Sr. Presidente: com o mais vivo entusiasmo dou o meu voto à base em discussão.
E que vejo que com ela estão em via de ser satisfeitas as aspirações do Estado da índia, das quais fui intérprete nesta Câmara quando foi discutida a proposta relativa à Lei Orgânica do Ultramar, e designadamente na sessão de 23 de Janeiro de 1953. em que intervim no debate sobre a generalidade da mesma proposta.
A minha posição em face da base que estamos a discutir é bem diferente da que me havia sido imposta pela proposta de 1953.
O que se concedia nessa proposta estava muito longe de corresponder às aspirações do Estado da índia, apesar de no n.° I do artigo 32.° se afirmar isto:
Conforme a tradição histórica e o preceito do artigo 1.°, n.° 4.°, da Constituição, a província portuguesa da índia designa-se «Estado da índia» e terá organização político-administrativa correspondente, sob a autoridade de um governador-geral do Estado.
Sim, Srs. Deputados: a proposta da Lei Orgânica estava longe de corresponder às aspirações do Estado da índia, aspirações que elo formulou e concretizou a solicitação do Governo Central.
E por isso dizia eu nessa ocasião que faltaria à verdade e trairia o meu mandato se dissesse que aquela proposta, convertida em lei, satisfaria ao Estado da Índia.
Hoje é bem diferente a minha atitude. Não possa furtar-me ao dever de exprimir o meu sincero aplauso ao Governo pela nobre iniciativa que tomou de apresentar uma tão oportuna proposta, revelando a largueza de visão com que encarou um tão importante problema
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Cumprido este grato dever, quero dixe umas breves palavras em justificação da proposta. Na quero, porém, ocultar que para o fazer me sentiria num situação embaraçosa se tivesse de desdobrar perante VV. Ex.ªs os pergaminhos do Estado da Índia, exaltando as qualidades dos seus habitantes. As minhas palavra seriam suspeitas e poderiam ser apodadas de laus in on próprio, e, portanto, de vitupério.
Felizmente o Sr. Engenheiro Pereira Jardim veio tirar-me desse embaraço com a sua intervenção, ele-
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tuada de uma forma brilhante, com a qual o ilustre Deputado revelou mais uma vez os primorosos dotes do seu cintilante e formoso espirito.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pelas palavras que S. Ex.ª proferiu a favor do Estado da índia, e que muito nos desvaneceram, apresento ao meu distinto colega - em meu nome e em nome do Estado da índia - a expressão do profundo reconhecimento, assegurando que, dizendo o que disso. S. Ex.ª não está em má companhia, como vamos ver.
participação dos elementos locais na administraram pública está na tradição do Estado da índia. Este estado teve desde os mais afastados tempos uma das mais perfeitas organizações político-sociais. O Estado da índia orgulha-se de importantes instituições, como o Senado de Lisboa, criado por Afonso de Albuquerque, com os mesmos privilégios do Senado de Lisboa; Conselho do Estado, Chancelaria e Torre do Tombo, Tribunal da Relação, Casa da Moeda, Vedoria, Arsenal, Mesa do Paço, Seminário, Liceu, Escola Médica e tantas outras que opulentam a sua história.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Referindo-se à Índia, o eminente estadista Rebelo da Silva dizia no preâmbulo do seu Decreto de 1 de Dezembro de 1869:
O Estado da índia, pela civilização, pela difusão do ensino e pela aptidão dos habitantes, há muito que está no caso de ser considerado apto para entender de mais perto na gerência dos seus interesses morais e físicos.
Em províncias assim constituídas a influência do Poder Central ainda aproveita muito, mas regulada de modo que a acção individual e colectivo não seja comprimida ou anulada e que possa ser empregada com vantagem, concorrendo com a inteligência e com as forças para a criação e direcção dos aperfeiçoamentos mais necessários, como são as obras públicas, a instrução, a educação, a beneficência e a saúde pública.
Da mesma forma o Decreto de 3 de Novembro de 1881 fazia referência especial ao Estado da índia nestes termos:
É necessário chamar o elemento local às funções públicas, fazendo-o interessar nos negócios da colónia; no dia em que, por exemplo, na Índia, a mais adiantada das nossas possessões, o gentio e o mouro, o brâmane e o sudra foram chamados ao exercício das funções públicas, reconhecida a sua igualdade civil e política perante a lei, aquela província não será apenas uma colónia.
No brilhantíssimo relatório à proposta da administração financeira das províncias ultramarinas o homem público de larga visão que foi o Dr. Almeida Ribeiro cm abono da sua tese de descentralização administrativa e autonomia financeira apontava a índia, pondo em relevo:
Os resultados de uma intensa acção militar e política, as fundas tradições do regime municipal, a existência de uma classe superiormente instruída que se tem distinguido, não só na colónia, mas fora dela, em trabalhos históricos, literários e científicos e no exercício de funções públicas importantes.
E acrescentava:
A índia oferece uma modalidade acentuadamente diferente na maneira de apresentar as suas reclamações.
Desfrutando uma maior cultura, contando numerosos elementos aptos para os trabalhos da inteligência e exercício do funções públicas, orgulhando-se do tantos filhos seus que na história, na literatura e na ciência se notabilizaram, dá ás suas representações unia feição mais académica e, ao mesmo tempo, mais calma e prudente.
Não posso esquecer, neste momento, as regalias que nos foram dadas em várias diplomas emanados do Poder Central, o designadamente na Carta Orgânica de 1917.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tão-pouco esquecerei as insistentes reclamações dos congressos provinciais, que só reuniam no Estado da índia e que eram as assembleias mais representativas das forças vivas do País, no sentido de ser dada à Índia uma ampla descentralização.
A proposta em discussão não indica os direitos que o Governo vai atribuir ao Estado da Índia.
Tudo, porém, me leva a esperar e a desejar que venhamos a ter uma larga descentralização administrativa, com um Conselho Legislativo exercendo funções verdadeiramente deliberativas, e também uma larga autonomia financeira, por forma que os órgãos locais possam organizar e aprovar o orçamento.
Partindo desta convicção, saúdo novamente o Governo pela sua atitude, digna dos maiores encómios num tão momentoso assunto.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Como não se encontra inscrito mais nenhum Sr. Deputado, vou submeter votação a alteração à base V constante da proposta de lei, com a emenda apresentada pela Comissão do Ultramar e que já foi lida.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão as alterações à base XXIII propostas pelo Governo.
O Sr. Lacerda Aroso: - Sr. Presidente: a base XXIII tem completa aplicação nas províncias de Angola o Moçambique. As alterações introduzidas pela proposta do Governo à Lei Orgânica tem em vista, nos seus n.ºs II e III, definir expressamente a equiparação, em categoria, dos secretários provinciais ao secretário-geral e todos a inspector superior. Porque claramente se deduz da leitura da discussão parlamentar de 1953 sobre a Lei Orgânica que foi vontade do legislador não estabelecer distinção hierárquica entre eles, como acentua o parecer da Câmara Corporativa, que concorda com esta proposta do Governo, é opinião da Comissão do Ultramar só haver vantagem em expressamente se dizer na lei o que foi então pensamento e vontade da Assembleia.
Entende mais o Digno Procurador que relata o parecer dever aproveitar-se a oportunidade para não limitar a dois o número de secretários provinciais - demonstrando na argumentação aduzida profundo conhecimento do meio ultramarino, das suas realidades e aspirações - e sugerindo que aos estatutos de Angola e Moçambique se deixe a liberdade de indicar quantos devem ser.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Acontece, porém, que os estatutos de Angola e Moçambique já foram discutidos e aprovados para envio ao Ministério do Ultramar em meados do ano passado e tudo se apreciou e definiu de acordo com o número de secretários provinciais estabelecido pela Lei Orgânica. Não foi possível ainda pôr em execução os estatutos naquelas províncias, e, a ser aceite a sugestão da Câmara Corporativa, a Comissão do Ultramar teme, fundamentada na realidade que as datas afirmam, correr-se sério risco de protelar por mais tempo a desejada e necessária entrada em vigor daqueles diplomas regularizadores da administração pública ultramarina.
Acresce, como é evidente, não haver ainda experiência alguma do funcionamento dos estatutos, e, consequentemente, falta de conhecimento directo e profundo das modificações ou aperfeiçoamentos que a evolução do meio venham a indicar como necessários; quer dizer: na realidade, nenhuma vantagem adviria agora para Angola e Moçambique se se viesse a seguir a sugestão da Câmara Corporativa de não limitar o número de secretários provinciais, e antes parece ser risco que se não deve desprezar o evoluir rapidamente da esgotante concentração que existiu para uma possível pulverização, que se traduziria num aumento exagerado da máquina burocrática e em peias e delongas na resolução dos problemas instantes, relativos aos interesses gerais e particulares.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Aliás, a redacção do n.° IV da base, embora torne indelegável a competência financeira dos governadores-gerais, por motivos de boa o sã administração, que não precisam de ser mais justificados para merecerem o nosso acordo, também torna delegável nos secretários-gerais para Angola e Moçambique qualquer capítulo das funções executivas, assim permitindo unia mais eficiente distribuição de atribuições entre os colaboradores directos do primeiro magistrado da província, e desta forma aumenta a divisão de extenuantes obrigações, consentindo maleabilidade que a todos os títulos seria muito vantajosa, e, creio, resolve para já as dúvidas suscitadas no parecer da Câmara Corporativa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pelos fundamentos expostos, exprimindo a opinião unânime da Comissão do Ultramar, dou o meu voto à base XXIII tal como está redigida na proposta de lei do Governo.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação das alterações à base XXIII propostas pelo Governo.
Submetidas à votação, foram, aprovadas.
O Sr. Presidente: - Está em discussão a alteração à base XXIV que consta da proposta de lei.
Vai ler-se.
Foi lida.
O Sr. Castilho Noronha: - Sr. Presidente: eu desejaria pedir ao Sr. Deputado Mário de Figueiredo a fineza de me dizer se o Conselho Legislativo pode, em qualquer altura, apresentar uma proposta de revogação ou de alteração a um diploma que o governador tenha publicado ao abrigo desta disposição que agora se discute.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente.: para responder à pergunta que acaba de formular o Sr. Cónego Castilho Noronha devo observar o seguinte: o regime instituído na disposição em discussão para o ultramar, para as províncias de governo-geral, é um regime que está no prolongamento do regime constitucional que funciona na metrópole.
Efectivamente, como V. Ex.ª e a Câmara sabem, segundo a nossa orgânica constitucional à Assembleia e ao Governo, e por maneira que o Governo tem, mesmo durante o funcionamento da Assembleia, com a restrição de que os diplomas emanados do Governo durante o funcionamento efectivo da Assembleia hão-de, por disposição constitucional, ser submetidos a ratificação, melhor direi: pode qualquer dos Deputados pedir que sejam submetidos a ratificação.
Isto não acontece relativamente aos diplomas emanados fora do funcionamento efectivo da Assembleia.
Esta é a nossa orgânica constitucional, ou seja a orgânica constitucional que funciona para a metrópole.
Como se passarão as coisas no ultramar?
Uma vez votada a disposição em discussão, as coisas no ultramar passar-se ao assim: os conselhos legislativos do ultramar, que, considerados os limites da sua competência, correspondem à Assembleia Nacional, poderão e deverão intervir na emanação de todos os diplomas de carácter legislativo.
Isto quer dízer que durante o funcionamento efectivo dos conselhos legislativos o governador não pode emanar princípios normativos, não de pura execução sem a colaboração dos conselhos legislativos.
Vai-se, portanto, mais longe para o ultramar do que o que está previsto na orgânica constitucional para a metrópole.
Fora do período do funcionamento efectivo do Conselho Legislativo atribui-se ao governador, ouvindo o Conselho de Governo, a faculdade de, sem a intervenção, portanto, do Conselho Legislativo, legislar para o domínio territorial da sua competência.
Trazida a questão até aqui, passo agora a responder o mais precisamente que poder- e suponho que posso responder com toda a precisão- à pergunta formulada pelo Sr. Deputado Cónego Castilho Noronha.
A pergunta é esta: pode o Conselho Legislativo tomar a iniciativa de modificar os regimes jurídicos instituídos pelo governador, quando aquele Conselho não esteja em funcionamento efectivo?
É esta a pergunta?
O Sr. Castilho Noronha:- Sim senhor.
O Orador:- Ora temos que distinguir. Ou se trata diplomas legislativos em geral, ou se trata diplomas legislativos que criam receitas ou estabelecem despesas.
Se se trata de diplomas legislativos em geral pode o Conselho Legislativo, visto que, nos termos da orgânica, cada vogal tem iniciativa na apresentação projectos de lei, provocar a sua modificação.
Se se trata de diploma legislativo de carácter particular, diploma legislativo que cria receitas ou [...]despesas, então existe para as nossas províncias ultramarinas a mesma limitação que existe para a Assembleia Nacional.
Na Assembleia Nacional, nos termos da Constituição, não podem apresentar-se projectos nem propostas de alteração que importem aumento de despesa diminuição de receitas.
Pois bem!
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Os vogais do Conselho Legislativo também não podem, porque não têm - como os Deputados não têm - direito de iniciativa para tanto, apresentar projectos propostas de alteração que envolvam diminuição de receitas ou a aumento de despesas.
Não tenho a mais ligeira dúvida de que o regime jurídico instituído pal Lei Orgânica e o agora instituído ao votar-se esta disposição nos termos em que V. Ex.ª, Sr. Presidente, acaba de a fazer ler, não tenho dúvida, repito, de que o regime jurídico é precisamente, e sem qualquer possível contestação, aquele que acabo de dizer.
E coloco-me à disposição do Sr. Cónego Castilho Noronha para qualquer esclarecimento sobre esta maioria ou outra que deseje eu lhe preste.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Castilho Noronha: - Sr. Presidente: pedi a palavra para agradecer ao Sr. Deputado Mário de Figueiredo o esclarecimento que, com a autoridade que tem e que todos lhe reconhecem, me acaba de dar.
Uma vez que o Conselho Legislativo pode, em qualquer altura, salvo, claro, para os casos de criarão de receita ou fixação de despesas, apresentar uma proposta de modificarão de diploma que porventura seja publicado ao abrigo da disposição em causa - como S. Ex.ª acaba de dizer que pode - , julgo que esta disposição se torna mais aceitável e, portanto, dou o meu voto à alteração proposta.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se.
Submetida à votação, foi aprovada a alteração à base XXIV tal como consta da proposta de lei.
O Sr. Presidente: - Vai entrar-se na apreciação da alteração à base XXV, constante da proposta de lei.
O Sr. Augusto Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: suponho tratar-se do um lapso o que se verifica tanto na proposta do Governo como no parecer da Câmara Corporativa.
Na proposta do Governo devia constar a indicação do que há outras coisas que se mantêm depois da alínea a) do n.º III.
Assim, nesta base XXV, falta indicar «pontinhos» depois de terminada a alínea a), porque há mais alíneas, e indicar em seguida o n.º IV também com «pontinhos».
O Sr. Presidente: - Fica esclarecido que aquilo que está em causa é apenas uma alteração à alínea a) da base XXV. De resto, a base subsiste, com suas alíneas e números, tal como se contêm na lei.
O Sr. Monterroso Carneiro: - Sr. Presidente: a alínea a) do n.º III da base XXV da Lei Orgânica do Ultramar incluía no número das entidades com direito a voto as pessoas singulares e colectivas, e portanto as sociedades comerciais.
O Governo, na emenda que ora propõe, elimina este direito, e justifica este direito, e justifica a sua razão.
Por seu lado, a Câmara Corporativa declara-se de acordo com esta proposta, e apresenta também as razões do seu esclarecido parecer, pois não é de admitir que, podendo essas sociedades aparentemente nacionais ser compostas por maioria de sócios ou capitais estrangeiros, nenhum a ter interferência em assuntos de política nacional interna, que sòmente a portugueses diz respeito - tal o caso da escolha e eleição de vogais para os Conselhos Legislativo e de Governo.
E assim, esta emenda à alínea a) do n.º III da base XXV é de aprovar incondicionalmente, tão flagrante é o seu sentido nacionalista.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Devo esclarecer - como já há pouco fiz - que o resto da base se mantém tal como consta da Lei n.º 2066.
Vai votar-se a alterarão à base XXV referida na proposta do Governo.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Ponho agora à votação as alterações à base XXX constantes da proposta de lei.
O Sr. Augusto Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: quero notar que nessa base falta pôr o n.º III com «pontinhos».
O Sr. Presidente: - Regista-se a observação de V. Ex.ª
O Sr. Pinto Cardoso: - Sr. Presidente: a base XXX da Lei Orgânica do Ultramar (Lei n.º 2066, de 1953) tem na sua alínea b) do n.° II a seguinte redacção:
b) Declarar provisòriamente o estado de sitio em um ou mais pontos do território da província, no caso de agressão efectiva ou iminente por forcas estrangeiras ou no de a segurança o a ordem públicas serem gravemente perturbadas ou ameaçadas, dando imediato conhecimento ao Ministro do Ultramar pela via mais rápida.
O Governo, na sua proposta de lei n.º 506, quo está sendo apreciada, entende necessário modificar a citada base, suprimindo-lhe o que se dispõe na alínea b) a que acabei de me referir.
Alega o Governo como justificação que apesar de o Conselho de Governo não ser muito numeroso, pode revestir dificuldades a sua consulta em casos que, por natureza, se apresentem com extrema urgência.
O parecer da Câmara Corporativa reforça e amplia as razões apresentadas.
Na realidade, é do considerar que o tempo necessário para convocar, reunir e ouvir o Conselho de Governo pode prejudicar grandemente a urgência de uma rápida decisão.
A Comissão ao Ultramar concorda inteiramente com a alteração à base XXX proposta pelo Governo, com a redacção que nela se contêm.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Ponho á votação o n.º 11, com as alíneas a) e b), da base XXX da Lei n.º 2066, ficando entendido que o resto dessa base se mantém tal como consta da lei.
Submetida à votação foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Ponho agora à votação as alterações às bases XXXIV e XXXIV constantes da proposta de lei.
O Sr. Pacheco Jorge: - Sr. Presidenta: as alterações propostas são pràticamente de curador interpretativo.
O Governo ao propor a alteração das bases XXXIV e XXXV, teve em mente definir as atribuições dos dois órgãos de consulta do Governo - o Conselho de Governo e a sua secção permanente -, ligando aquele
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- Conselho de Governo - apenas à competência legislativa do governador e este - secção permanente - à competência executiva do mesmo governador em todos os assuntos de governo e administração da província.
Entendeu a Comissão do Ultramar, de acordo com o douto e bem elaborado parecer da Câmara Corporativa, que nesta parte perfilha inteiramente, que ao Conselho de Governo das províncias de governo simples se não deveria retirar a possibilidade de ser ouvido pelo governador em outros assuntos, além dos de carácter legislativo, respeitantes ao governo o administrarão da província.
Por isso resolveu a Comissão do Ultramar adoptar a redacção das bases referidos proposta pela Câmara Corporativa, em que se mostra claramente que nos assuntos respeitantes ao governo e administração da província têm os dois órgãos competência cumulativa, podendo a secção permanente ser ouvida, em vez do Conselho, de Governo, nas hipóteses de consulta obrigatória, nomeadamente do n.º II da base XXX, ficando, contudo, adstrita exclusivamente ao Conselho de Governo a função legislativa.
Disse.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Vão ser lidas as propostas do substituição mandadas para a Mesa pela Comissão do Ultramar.
Foram lidas. São as seguintes:
Propostas de substituição
Base XXXIV
(De acordo com a redacção sugerida pela Câmara Corporativa):
O Conselho de Governo será ouvido pelo governador para o exercício da sua competência legislativa, de acordo com a Constituição, a presente lei e o estatuto da respectiva província, e pertencem-lhe as funções consultivas atribuídas no n.º I da base XXX ao Conselho de Governo das províncias de governo-geral.
BASE XXXV
(De acordo com a redacção sugerida pela Câmara Corporativa):
I.- Em cada província funcionará, junto do governador e por ele presidida, uma secção permanente do Conselho de Governo, à qual compete emitir parecer, em lugar do mesmo Conselho, sempre que lhe seja pedido, e designadamente nos casos referidos pelo n.º 11 da base XXX, nos outros em que o seu parecer seja exigido na lei e sobre os assuntos respeitantes ao governo e administração da província que para esse fim lhe forem apresentados pelo governador.
II- ...................................................
Lisboa, Sala das Sessões, 25 de Abril de 1955.- Augusto Cancella de Abreu- Jorge Jardim - Castilho Serpa do Rosário Noronha- Jerónimo Constantino Sócrates da Costa - Alberto Pacheco Jorge- Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso - Manuel Monterroso Carneiro - António de Almeida - Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso - Ricardo Vaz Monteiro.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se a proposta de substituição apresentada pela Comissão do Ultramar em referência à base XXXIV.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Ponho agora à votação a proposta do substituição apresentada pela, Comissão do Ultramar em referência à base XXXV.
Submetida à aprovação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Está em discussão a alteração à base LVIII, que vai ser lida.
Foi lida.
O Sr. Augusto Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: faço uma observação análoga às anteriores: falta nesta base a indicação de que prevalece o seu n.º V da actual Lei Orgânica.
Portanto, deve pôr-se: V e «pontinhos».
O Sr. Presidente: - Fica registado o esclarecimento prestado pelo Sr. Deputado Augusto Cancella de Abreu.
O Sr. Vaz Monteiro: - Sr. Presidente: para melhor se compreender o alcance da proposta do Governo relativamente ao n.º IV da base LVIII, convém indicar as três fases seguintes pelas quais terá de passar o orçamento de cada província ultramarina: primeiramente é organizado, depois é votado e por último é mandado pôr em execução.
Durante a fase preparatória reúne-se o Conselho Legislativo nas províncias de governo-geral ou o Conselho de Governo nas outras províncias, para votar o diploma legislativo em que serão definidos os princípios a que deve obedecer o orçamento.
Votado e publicado este diploma legislativo, que é afinal a lei de Meios da província, os serviços de Fazenda e contabilidade procedem à elaboração do orçamento.
Resumidamente esta é a fase preparatória.
Passa-se depois à fase da votação do orçamento, quando este já estiver completamente organizado de conformidade com o respectivo diploma legislativo.
A votação do orçamento está determinada no n.º IV da base LVIII, e é sobre este n.º IV que incide a proposta de alteração.
Vejamos, pois, o que sobre a matéria em discussão está determinada na Lei Orgânica do Ultramar e em que consiste a alteração proposta.
No n.º IV está estabelecido que o orçamento é votado pelo Conselho de Governo. Não está determinada se o Conselho de Governo. Não está determinado se o Conselho de Governo é das províncias de governo-geral ou de governo simples.
A proposta de alteração vem esclarecer que o orçamento é votado pelo Conselho de Governo nas províncias do governo-geral, e nas outras províncias é votada pela secção permanente do Concelho de Governo.
Esta alteração é um esclarecimento necessário, que em nada altera da Lei Orgânica do Ultramar.
É como muito bem se diz no douto parecer da Câmara Corporativa: «o proposto pelo Governo quando a esta base será uma consequência lógica do que se disse sobre as bases anteriormente referidas».
A proposta de alteração ao n.º IV da base LVIII vem esclarecer qual será o órgão da província que terá de votar o orçamento.
Tal como está redigido na Lei Orgânica do Ultramar poderá compreender-se que nas províncias de governo simples o orçamento, por ser votado pelo Conselho e Governo, ficará sujeito à aprovação ou rejeição, em sequência de o Conselho de Governo ter nestas províncias funções deliberativas, ao passo que nas províncias de governo-geral o projecto do orçamento submetido apreciação do Conselho de Governo tem significado ...
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ferente, visto que nestas províncias aquele Conselho funciona como órgão de consulta.
A alteração proposta pelo Governo acaba com esta dúvida e tem a concordância da Câmara Corporativa e da nossa Comissão do ultramar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: eu poderia dar aqui por concluídas as minhas considerações no esclarecimento a prestar à Assembleia Nacional. Nada mais seria necessário dizer.
Entendo, porém, ter de me referir à pequena divergência notada entre a redacção do Governo e a redacção proposta pala Câmara Corporativa.
A alta consideração que nesta Casa se tributa à Câmara Corporativa ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... consideração sempre revelada na ansiedade com que aguardamos os seus elucidativos e doutos pareceres, impõe-me o dever de me referir à pequena proposta de substituição de uma só palavra.
Na proposta do Governo mantêm-se a redacção da lei vigente: «votado» pelo Conselho do Governo ...
o parecer da Câmara Corporativa propõe-se a substituição da palavra «votado» pelo vocábulo «ouvido»: «ouvido» o Conselho de Governo ...
No douto parecer da Câmara Corporativa justifica-se a alteração do vocábulo para vincar que neste caso o órgão tem função consultiva e não deliberativa.
Não há dúvida de que assim é, Sr. Presidente, e nesse sentido apresentou o Governo a sua proposta de alterarão ao n.º IV da base LVIII.
E desde que na Lei Orgânica do Ultramar se determine que o orçamento é votado pelo Concelho de Governo ou pela secção permanente do Conselho de Governo, conforme as províncias, fica perfeitamente esclarecido que se trata de função consultiva.
Não haveria, pois, grande motivo para substituir a palavra «votado» pela «ouvido», embora tenhamos de prestar a justiça devida aos merecimentos dos Dignos Procuradores que subscreveram o douto parecer e ao seu ilustre relator, Sr. Prof. Dr. Afonso Rodrigues Queiró.
Porém, Sr. Presidente, razão mais alta se levanta para que a palavra «votado» seja mantida. É a obediência à nossa Constituição Política.
No artigo 168.º da Constituição determina-se que o orçamento privativo de cada província ultramarina será «votado pelos seus próprios órgãos, nos termos que a lei declarar».
Em obediência a este preceito constitucional, a Lei Orgânica do Ultramar terá de declarar que o orçamento é votado pelos próprios órgãos das províncias.
Os órgãos votam, pois, o orçamento ou aprovam por meio de voto a consulta que entenderem prestar sobre se o orçamento se encontra elaborado de harmonia com o respectivo diploma legislativo, que eu por semelhança com o que na metrópole se pratica, ousei chamar Lei de Meios da província.
Creio, Sr. Presidente, ter prestado esclarecimento bastante para a Assembleia Nacional ficar perfeitamente, habilitada a votar a alteração ao n.º IV da base LVIII com a redacção proposta pelo Governo.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Visto que mais nenhum Sr. Deputado deseja, usar da palavra, vai passar-se à votação.
Submetida à votação, foi aprovada a alteração constante da proposta do Governo ao n.º IV da base LVIII.
O Sr. Presidente: - Está concluída a votação desta proposta de lei.
Vou encerrar a sessão.
A próxima será amanhã, à hora regimental, e a sua ordem do dia abrangerá os seguintes assuntos: Contas Gerais do Estado e da Junta do Crédito Público relativas a 1953; autorização para o Chefe do Estado se ausentar em visita oficial a Inglaterra; proposta de lei do revisão do Plano de Fomento, e Convenções entre os Estados Partes no Tratado do Atlântico Norte.
Está encerrada a sessão.
Eram 10 horas e 20 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a
Abel Maria Castro de Lacerda.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Calheiros Lopes.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Baltasar Leite Rebelo de Sousa.
Eduardo Pereira Viana.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Jorge Botelho Moniz.
José Garcia Nunes Mexia.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Paulo Cancella de Abreu.
Rui de Andrade.
Tito Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Adriano Duarte Silva.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Júdice Bustorff da Silva.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
João Afonso Cid dos Santos.
João Alpoim Borges do Canto.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Sarmento Vasconcelos e Castro.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel de Magalhães Pessoa.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Teófilo Duarte.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA