Página 127
REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 106
ANO DE 1955 10 DE DEZEMBRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.º 106, EM 9 DE DEZEMBRO
Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mos Srs. {Gastão Carlos de Deus Figueira José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues}
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 104.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Mário de Albuquerque ocupou-se da indústria de siderurgia e sua localização.
Sobre o mesmo assunto falou o Sr. Deputado Cerveira Pinto, que também se referiu ao porto de Leixões.
O Sr. Deputado Manuel Cargueira Gomes ocupou-se do novo plano de estudos do curso médico-cirúrgico.
O Sr. Deputado Alberto de Araújo chamou a atenção do Governo para as dificuldades que atravessa o comércio do Funchal.
O Sr. Deputado Amaral Neto leu e mandou para a Mesa dois requerimentos.
O Sr. Deputado Daniel Barbosa falou sobre a industria siderúrgica.
O Sr. Deputado Botelho Moniz respondeu às criticas feitas pelo Sr. Deputado Santas da Cunha acerca do decreto que estabeleceu as bases da concessão do serviço de televisão.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate sobre a Lei de Meios.
Falaram os Srs. Deputados Dinis da Fonseca e Elísio Pimenta.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 2 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Herculano Amorim Ferreira.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
Página 128
128 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 106
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Pedro de Chaves Gymbron Borges de Sousa.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 71 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram, 16 horas e 19 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamarão o Diária das Sessões n.º 104, de 6 do corrente.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto nenhum Sr. Deputado desejar fazer qualquer reclamação, considero aprovado aquele Diário.
Deu-se conta do seguinte:
Expediente
Representação
Da comissão de funcionários que não foram abrangidos pela amnistia votada na Assembleia Nacional a pedir que a Assembleia considere a sua situarão, pois são têm conseguido, nos Ministérios respectivos, andamento às suas petições, por ter sido extinta a comissão encarregada de analisar os pedidos de amnistia.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa um ofício do 2.º juízo criminal de Lisboa a pedir autorização para que os Srs. Deputados Abrantes Tavares, Carlos Moreira e Daniel Barbosa compareçam naquele tribunal, na dia 12 deste mês, em audiência dos réus Cristiano de Magalhães e Couto Rosado.
Os referidos Srs. Deputados informam que há inconveniente para a sua actuação parlamentar em que seja concedida a autorização solicitada.
Submeto, portanto, à votação da Assembleia a autorização de que acaba de tomar conhecimento.
Submetida à votação, foi negada.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Mário de Albuquerque.
O Sr. Mário de Albuquerque: - Sr. Presidente: não vou responder às afirmações do nosso ilustre colega o Dr. Urgel Horta, a quem presto homenagem pela sinceridade com que nesta Casa sempre traia os problemas, mesmo quando, por deficiência de informação ou por legítimo amor à terra onde vive e o elegeu para esta Assembleia, os não consegue pôr com objectivo realismo. Nunca foi mesmo meu intento falar nesta absurda luta entre o Norte e o Sul a propósito de um problema que deve ser posto acima de todos os localismos - sempre simpáticos, mas muitas vezes, pela filia estreiteza, perturbadores -, no plano nacional.
Se pedi a palavra foi porque a isso me obrigou o Sr. Deputado Antão Santos da Cunha, que tenho pena que não esteja presente.
Tendo eu, num pequeno e amigável aparte ao Sr. Deputado Urgel Horta, citado um relatório oficial sobre o porto de Leixões, n Sr. Deputado Antão Santos da Cunha, com o à-vontade do quem traz dentro de si o segredo dos oráculos, declarou que- eu não tinha sabido ler o relatório - não sei s<_ com='com' aveiro.='aveiro.' de='de' chegasse='chegasse' num='num' leixões='leixões' fim='fim' do='do' obriga-me='obriga-me' pelo='pelo' mais='mais' relativamente='relativamente' projecto='projecto' segundo='segundo' mesmo='mesmo' isto='isto' apenas='apenas' sentido='sentido' até='até' ler='ler' um='um' relatório='relatório' pela='pela' ele='ele' inteligência.='inteligência.' ter='ter' em='em' problema='problema' desenvolvimento='desenvolvimento' ao='ao' exotérico='exotérico' eu='eu' este='este' as='as' curteza='curteza' esclarecer='esclarecer' ratos='ratos' norte='norte' que='que' afirmei='afirmei' capacidade='capacidade' região='região' previsto='previsto' forma='forma' assembleia='assembleia' ampliações='ampliações' porto='porto' se='se' por='por' creio='creio' devo='devo' para='para' era='era' si='si' leal='leal' assunto.='assunto.' lealdade='lealdade' contar='contar' devia='devia' próximo='próximo' só='só' à='à' ser='ser' a='a' os='os' e='e' tráfego='tráfego' limitada='limitada' questão.br='questão.br' é='é' podíamos='podíamos' grande='grande' pôr='pôr' o='o' texto='texto' citado='citado' século='século' futuro='futuro' minha='minha'>
Perante ele VV. Ex.as poderão em consciência verificar quem soube e quem não soube ler, ou, se preferem a elegante, amável e protocolar fórmula do Sr. Deputado Antão dos Santos Cunha, quem disse asneiras (foi esta a palavra académica empregada pelo ilustre Deputado, embora em surdina, a respeito da minha afirmação). Passo a ler e VV. Ex.as passarão, decerto, a apreciar.
A p. 6 do relatório:
... é fácil profecia afirmar quo no futuro Leixões não chegará para o movimento marítimo do Norte do País.
Nessa mesma página, depois de um exame da costa:
Quer dizer: o único local da costa do Norte que oferece condições naturais favoráveis para a instalação de- um grande conjunto portuário é Aveiro - extensas áreas terrestres servidas por comunicações aquáticas, excelentes condições para o estabelecimento das indústrias dependentes de transporte marítimo.
A ideia do grande porto futuro do Norte em Aveiro é hoje tão pouco popular como o era há oitenta anos a do porto comercial de Leixões. Por isso mesmo importa firmá-la - e é este decerto o lugar próprio -, para que dentro de outros oitenta anos, quando estiverem esgotadas as possibilidades de ampliar Leixões, não se encontreir
Página 129
10 DE DEZEMBRO DE 1955 129
praticadas, em relação a Aveiro, aquelas decisões irremediáveis que tolheriam o progresso da expansão portuária do Norte do País.
E a p. 8, depois de considerações a respeito de obras em projecto para o porto de Leixões:
A capacidade calculada para as duas docas nos projectos antigos era de l 000 000 t de mercadorias por ano.
Com os métodos actuais de trabalho podem movimentar-se cerca de 4 000 000 t e calculamos que a especialização e o desenvolvimento da técnica de exploração permitam no futuro atingir os 6 000 000 t. Sendo assim, e tendo em conta o ritmo de crescimento verificado até hoje, o crescimento demográfico, a expansão ultramarina e a industrialização, o porto de Leixões deve satisfazer inteiramente as necessidades do Norte do País, pelo menos até ao fim do século.
Teve o Sr. Deputado Antão dos Santos Cunha a protectora condescendência de, no fim do incidente, me procurar para me dizer, com a sua autoridade em matéria de portos, onde- residia o meu erro, para me evitar o tornar a cair em alçapões: eu não tinha tomado em conta que na previsão sobre o porto de Leixões já se entrara com o tráfego provável proveniente da instalação da siderurgia.
Agradeço publicamente a boa, direi mesmo, a generosa intenção do Sr. Deputado Antão dos Santos Cunha, mas a verdade é que aquilo que ele fez chama-se andar a esgrimir com moinhos de vento. Eu podia responder daqui que me limitei a evocar uma conclusão, sem qualquer tentativa exegética, pelo que não afirmei nem neguei que nos cálculos tivesse entrado este ou aquele elemento.
Eu podia responder daqui que é de boa ética quando se citam apenas textos sem comentários não lhes acrescentar o que eles não dizem.
Eu podia responder daqui que, apesar de toda a autoridade portuária do Sr. Deputado Antão dos Santos Cunha, é lícito formular uma dúvida metódica à sua informação, pois, sendo a implantação da siderurgia na área de- Leixões, até este momento, apenas uma simples hipótese, se o ilustre autor do relatório, sempre tão preciso e claro, tivesse ponderado, em particular, o caso da siderurgia, não cairia no grosseiro vício de lógica de não registar o carácter incerto para Leixões desse elemento de cálculo.
Não merece, porém, a pena perder tempo com isto. Para encurtar razões, eu aceito a afirmação do nosso colega. Simplesmente, com a humildade de quem não ostenta capelo em matéria; portuária, eu pergunto, note-se, pergunto somente, se merecerá a pena sobrecarregar com o movimento da siderurgia - indústria que exige grandes volumes e grandes tonelagens de materiais - um porto que caminha, apesar de todas as obras projectadas, a passos largos, como VV. Ex.as viram pelas declarações autorizadas do seu director, para a saturação?
Não conviria mais reservar o espaço que a siderurgia (se aí for instalada) vai ocupar para a multidão de interesses comerciais e industriais que de dia a dia, naturalmente, crescem na cidade do Porto?
Já que as circunstâncias me obrigaram a falar neste assunto da localização da siderurgia aproveito para fazer também o meu depoimento - simples contributo para resolução de um problema.
Pessoalmente, é-me indiferente que ela fique aqui ou ali. Peço apenas, como habitante de Lisboa, que ela não seja instalada nesta querida cidade. Para martírio já basta a Sacor. Os exemplos da Sacor em Lisboa e da Celulose em Cacia são, a despeito de todos os esforços técnicos a de todos os recursos modernos, suficientemente gritantes para podermos dizer: «Deus nos livre de maus vizinhos de ao pó da porta». Deseja o Porto esta vizinhança?
Lamento pelo Porto, tanto mais que os ventos dominantes na região costeira do Norte do País agravarão consideràvelmente o problema. Razão tiveram os técnicos da Gamara de Matosinhos quando, antes de as estreitas reclamações regionalistas terem perturbado este assunto, consideraram com plena serenidade e plena objectividade a instalação da siderurgia no primeiro local previsto para esse fim contrária à urbanização do concelho. Quando eu era vereador da Câmara Municipal de Lisboa, o meu amigo e colega Ortigão Ramos, perante a fatalidade da Sacor na capital, sintetizou ironicamente o problema: «Agora só nos resta, meus senhores, mudarmos a cidade».
Sob a impressão deste comentário visiono o dia em que (se a siderurgia for para a área de Leixões, densamente povoada) muita gente, que hoje aplaude o nosso estimado colega Dr. Urgel Horta, diga: «Via-se logo que o sítio era impróprio; nem ao menos podem alegar ignorância, pois em Portugal já havia exemplos; o
Urgel é que as arranjou ... e nós é que as pagamos». Não se iluda o Sr. Deputado Dr. Urgel Horta, as multidões são sempre inconstantes.
Se, como cidadão, peço que não maculem a nossa amável Lisboa com mais esta praga -perdoe-me a siderurgia o termo, pois eu estou neste momento apenas a encarar o problema pelo ângulo urbanístico -, peço, como português, que evitemos estrangular, à força do cada um querer a siderurgia no seu quintal, esta iniciativa, tão necessária à nossa economia.
Já em 1914 demos, neste capítulo, um triste espectáculo quando Scott tentou, depois de sérios estudos, montar entre nós a indústria siderúrgica, por sinal no local preferido agora pela siderurgia nacional para a sua instalação -Alcochete.
Tantas foram as discussões, as complicações, as sentenças, as malquerenças, que mima conferência sobre o assunto, que corre impressa, o engenheiro Pedro Vieira lembrou que, mais do que a ele, pertencia a outro engenheiro ilustre explicar em público os estudos realizados para a siderurgia, mas que este não quis, receando a suspeição que actualmente, como nunca, campeia à solta neste meio de desorientados, que parece não saber o que querem, nem o que fazem, muito menos o que dizem». Isto compreendia-se naquela época turbulenta, carregada de rancores ê facciosismos e politiquices, mas não se percebe hoje, em que há ordem mas almas e nas ruas ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não façamos reivindicações sentimentais; prestemos testemunhos objectivos. Por mim, confio plenamente que o Governo, que tem à sua disposição numerosos, elementos técnicos e que tem a consciência da importância do problema, resolverá o assunto conforme os superiores interesses da Nação, indiferente ao crepitar das paixões.
Uma só coisa ele não pode fazer: é agradar a todos, pois, meus senhores, têm sido tantas as soluções sobre este capítulo da localização da siderurgia apresentadas a público que só eu já coleccionei mais de uma dúzia. É bem certo que governar implica quase sempre descontentar. Felizmente o Governo tem hoje autoridade imoral para resolver em verdade, e não em função de pressões ou de ruidosos, mas efémeros, aplausos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
Página 130
13 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 106
O Orador: - Sr. Presidente: apresenta o problema em questão, para mim, que não sou técnico, dois aspectos fundamentais: um aspecto económico e um aspecto social e humano. Vejamos os dois rapidamente, pois, embora possua sobre o assunto minuciosos elementos, não os posso utilizar na brevidade de um «antes da ordem».
Podemos sintetizar o primeiro numa fórmula: esta indústria não cumprirá a sua missão se não conseguir fabricar quantidades que se aproximem das necessidades nacionais a preços acessíveis. Para isto é preciso não a sobrecarregarmos com caprichos localistas - como todos os caprichos, muito caros. Deparemos que, ao contrário da maior parte das siderurgias da Europa, que têm os seus equipamentos plenamente amortizados, a nossa jovem siderurgia terá de suportar por - muitos anos todos estes encargos. Sem consciência disto não merece a pena discutir o problema.
Pois bem, Sr. Presidente, a solução de Leixões traz logo um aumento de encargos na montagem preliminar desta primeira fase da siderurgia nacional da ordem dos 130 000 contos.
Explico: em primeiro lugar temos o custo da água. Sem dúvida, o Ave tem quantidade necessária, mas, ao passo que a conduta para a fábrica seria, segundo os cálculos feitos pelos engenheiros que estudaram o assunto, superior a 8000 contos, em Alcochete os furos artesianos necessários (o primeiro está já frito e não há dúvida de que a previsão dos técnicos fui plenamente confirmada, pois encontrou-se água abundante) importam por volta de 800 contos.
Enquanto no Ave se exige uma bombagem de aproximadamente 44 m de elevação, em Alcochete precisa-se apenas de 35 m.
Em segundo lugar temos o despoeiramento, naquela região indispensável. Previu-se a princípio para isso 5000 contos, pois julgou-se que se podia aplicar ali processo austríaco.
Em face dos pareceres dos serviços meteorológicos, o assunto teve porém,- de ser revisto, e verificou-se que para aquela região era preciso recorrer ao sistema americano, o que levaria a respectiva instalação para 20 000 coutos, sem eliminação de cheiros.
Podia, é certo atenuar-se a verba da conduta, aproximando a fábrica do rio Ave, mas neste caso seria preciso construir logo um caminho de ferro e o que é pior, haveria o agravamento dos transportes diários de mercadorias entre as origens e a fábrica e entre esta e o porto de Leixões.
Finalmente temos o problema das escórias. Normalmente, e foi essa a atitude do nosso colega Dr. Urgel Horta, consideram-se estas apenas matéria para deitar fora, como se todos fôssemos muito ricos. A siderurgia nacional não pode, porém, pôr o problema assim, pois elas têm valor económico, desde que estejam numa região em que hajam indústrias que as possam aplicar sem grande peso de fretes.
Ora no Norte não há qualquer indústria nessas condições. Para as utilizar seria preciso instalar propositadamente uma fábrica, que os cálculos dos engenheiros orçaram por 100 000 contos. Ao contrário, montada na região de Alcochete a siderurgia tem perto indústrias que podem absorver as escórias sem qualquer sobrecarga para ela.
Eu sei que se tem argumentado com o benefício resultante da proximidade das matérias-primas - carvão e ferro. Antigamente, quando para se apurar uma tonelada de ferro eram precisas 10 t de carvão, o argumento tinha valor. Hoje, em que para a mesma quantidade de ferro se necessitam apenas cerca de 800 kg de carvão, o argumento tem apenas efeito de parada.
Os economistas modernos que revirem o problema a face das circunstâncias actuais concluirão que o melhor local para a siderurgia - atendendo a uma série de razões que a angústia do tempo não nos deixa explanar - não é perto das matérias-primas, mas dos melhores mercados. Uma das raras pessoas que se tem dedicado,- entre nós, ao estudo das localizações industriais, o Sr. Pereira de Moura, do Instituto de Ciências Económicas e Financeiras, escreveu, a este propósito, que, se ainda agora em muitos países se encontram e montam indústrias siderúrgicas junto à origem das matérias-primas, isso SB deve a outros condicionalismo»:
São os investimentos feitos no passado que - não podem transferir-se facilmente para junto dos mercados; é a população operária já localizada nas regiões tradicionais onde se fazia ferro e aço; são os sistemas de transportes especialmente montados para servir regiões tradicionais; é muita da história dos progressos tecnológicos, dirigidos à defesa de locais obsoletos perante novas condições do produção; é, finalmente, muitas vezes, o próprio mercado, que se sobrepôs historicamente a região siderúrgica por razões diversas. Não nos espantemos, portanto, que ainda haja siderurgias junto do carvão e do ferro, nem sequer que - se montem aí nova; siderurgias - essa não pode ser uma razão para proceder igualmente entre - nós.
Por muito bairrista que se seja não se pode negai que o grande centro consumidor correspondo à área dominada economicamente por Lisboa. Encontra-se isso exuberantemente provado no citado trabalho do Dr. Pereira de Moura, que, com agudeza e inteiro conheci mento das circunstâncias, e serviu de vários índices
- volume, de transacções, número de operários, impor tacões de ferro pelo porto de e Leixões e pelo porto de Lisboa, desenvolvimento da construção civil e dos estaleiros, localização das empresas metalomecânicas nacionalmente conhecidas -, por o número de unidades industriais, por si só, pouco significa, visto entrarem indistintamente - nesta rubrica grandes estabelecimento industriais e fabriquetas de deminuto valor económico.
Mas estarão, de facto, no Norte as matérias-primas E incontestável que aí existem jazigos de carvão e o ferro, mas é preciso não exagerar.
Pelo que diz respeito ao carvão: trata-se de um riqueza não regenerarei, que tem muitas utilizações Acresce que não basta haver carvão; é preciso que indústria extractiva - que não depende da siderurgia - possa acompanhar o ritmo das necessidades, que é muito duvidoso, dada a maneira como nos últimos vinte anos tem correspondido reduzidamente ao que se lhe pede e ao facto de haver agora mas a sobrecarga de 250 000 t/ano necessária para a indústria térmica e ao agravamento que a montagem de indústrias químicas virá trazer ao problema.
Temos ainda a considerar que os nossos carvão - por serem muito finos e pelo seu teor de cinzas - só muito parcialmente poderão ser utilizados na reduções, o que torna necessário também importação de carvão estrangeiro para este fim.
Pelo que diz respeito ao ferro, seria um erro de predomínio ao minério do Norte, abundante mas o inferior qualidade, e continuar sistematicamente a e portar às cinzas de pirites, muito mais ricas de ferro e muito menos carregadas de sílica. Enquanto Montecorvo tem 50 por cento de ferro e 20 por cento de sílica, encontram-se nas cinzas de pirites de 57 % por cento de ferro e apenas 3 por cento de sílica - o que exige muito menos carvão e calcário para reduções. Seria absurdo pormo-nos a roer os ossos e da carne aos outros.
Página 131
10 DE DEZEMBRO DE 1955 131
Tem-se, por vezes, patriòticamente clamado que a siderurgia deve ser exclusivamente nossa, pelo que se impõe a solução eléctrica, tanto mais que a compra do coque fica sujeita aos conluios dos mercados internacionais.
Chega a enternecer este patriotismo. Mas a verdade é que queremos para Portugal impossíveis. Por toda a parte a siderurgia exige importações: a Alemanha importa minério, a Trança carvão, a Bélgica minério, a Inglaterra minérios e sucata, os Estados Unidos minério, a Itália minério e carvão, a Noruega carvão, a Suécia
2 000 000 t de coque por ano.
Podia-se, mesmo por acaso, ir para uma total solução eléctrica? Eu não possuo formação técnica para me pronunciar. Mas recordo que, consultada a
Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos, esta respondeu: «Não é possível garantir a partir de 1058 o regular fornecimento dos 400 000 000 kWh/ano com destino à siderurgia».
Ainda agora, na reunião para o estudo dos aproveitamentos eléctricos, na Ordem dos Engenheiros, se concluiu que, mesmo com a terminação das obras de Picote e a construção das barragens de Miranda e Bem-posta, até 1963, se este ano for tão seco como o de 194S-1949, faltarão para o abastecimento do Puís, sem contar com a siderurgia, 350 000 000 kwh.
Para sossegar os patriotas alarmadas devo lembrar que o coque nos está assegurado, por largos anos, pois as casas fornecedoras do equipamento fabril para a siderurgia comprometem-se a enviá-lo ao preço do mercado internacional, podendo esta reter na importância a pagar pela maquinaria, a título de indemnização, 50 por cento da verba equivalente no que se teria de pagar pelas toneladas de carvão não enviadas, larga margem para se poder adquirir em qualquer outra parte, mesmo com qualquer agravamento acidental de preço.
Por certo, nau se julgará que vamos com esta parte preliminar da 1.ª fase da siderurgia nacional - 150 000 t de produção, quantidade minúscula perante a produção mundial de 200 000 000 t - agravar, revolucionar, perturbar o mercado internacional de matérias-primas. A própria vaidade patriótica precisa de ter limites para se não tornar ridícula.
Por outro lado, recordo ainda que a solução eléctrica não eliminaria as importações. Se para 150 000 t de aços, pelo sistema dos - altos fornos, precisamos de fazer importações da ordem dos 50 a 100 000 contos, teríamos de fazer para uma produção reduzida de 100 000 t pelo sistema eléctrico - por este sistema não nos poderíamos abalançar com segurança a mais - importações talvez da ordem dos 30 000 contos - carvões para reduções, eléctrodos, peças de reserva, adições, ferro-ligas, etc.
Parece à primeira vista haver uma certa desproporção. Se nos lembrarmos, porém, que a solução eléctrica obriga a comprar no estrangeiro mais 50 000 t de ferro, verificamos que ela não só não diminui a importação, mas a agrava.
Sobre o aspecto social do problema - que era mais grato para o meu espírito tratar -, pouco me é permitido dizer já por falta de tempo. Se apenas pudéssemos focar por este prisma o problema, a região indicada não seria nem o distrito do Porto, já fortemente industrializado, nem Alcochete, junto de outros centros fabris, ma s o Alentejo, onde só há trabalho uma parte do ano, ou terias zonas negras de Trás-os-Montes ou das Beiras.
Infelizmente, para se poder produzir ferro em condições económicas aceitáveis - objectivo supremo da siderurgia!-, outros - condicionalismos como a proximidade de um grande porto, existência abundante de água doce, facilidade de recrutamento de operários, etc., se sobrepõem. Uma coisa é o que devia ser, outra é o que pode ser ...
Nesta conformidade, a siderurgia tem de fugir a certas localizações, embora, por vezes, se acentuem alguns males. Todas as medalhas têm o seu reverso, mas o que importa ó o saldo final. Para atenuar este aspecto pôs a siderurgia no seu programa - já que exigências de vária ordem não permitem montar em
Trás-os-Montes uma siderurgia integral - a possibilidade de implantar ali, ainda nesta fase preliminar, um segundo estabelecimento fabril para produção de gusas e aços.
Para o primeiro 'estabelecimento tem, porém, de existir fatalmente o dilema - zona industrializada do Norte, dominada pelo Porto, ou zona industrializada do Sul (distritos de Lisboa e Setúbal). Tão absurdo seria querer acumular toda a indústria na zona de Lisboa como reservar, daqui para diante, apenas para o Porto o direito do desenvolvimento industrial e de trabalho.
Perante isto, parece lógico - e de novo recordo os ensinamentos do Dr. Pereira Moura - escolher para a zona norte, região densamente povoada, as indústrias que empreguem em proporção como o capital investido grande número de operários e para a zona sul - apesar da mancha triste do desemprego em Setúbal - as indústrias que empreguem um pequeno número de operários proporcionalmente ao capital investido.
Ora todos nós sabemos que a siderurgia e as indústrias químicas são os exemplos típicos de indústrias que exigem um número diminuto de operários em relação aos grandes capitais investidos. Basta recordar, por exemplo, que tem sido calculada para a indústria de tecelagem um operário aproximadamente por cada 21.000$ de investimento; a siderurgia só exige um homem por cada mil e tantos coutos empatados. Terá a siderurgia, portanto, nesta 1.ª fase de fazer uma mobilização só de 1200 a 1300 operários.
Não é com isto que se vai resolver o problema demográfico do Norte - que precisa de outras perspectivas, de outras soluções muito mais largas. Este aspecto é tanto mais para ponderar quanto é certo que na fase inicial, pelo menos, muitos operários especializados teriam forçosamente de ser levados para ali, do Sul, isto é, da região onde estão instaladas as maiores actividades metalúrgicas.
Resta felicitar-me por ter com o que disse conseguido que o Sr. Deputado Daniel Barbosa pedisse a palavra.
Tenho dito.
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cerveira Pinto: - Sr. Presidente: não tenho elementos nem conhecimentos técnicos que permitam embrenhar-me na discussão sobre a siderurgia nacional.
Os nossos ilustres colegas e meus companheiros de lista Srs. Deputados Daniel Barbosa e Urgel Horta bravamente têm demonstrado na imprensa e nesta Casa que a siderurgia nacional deve ser - localizada no Norte do País.
Para mim, apenas desejo dar este apontamento: aquando da discussão, na Câmara Corporativa e na Assembleia Nacional, do Plano de Fomento, - partiu-se sempre do princípio, da certeza absoluta, de que a siderurgia nacional iria ser instalada no Norte do País.
Não houve, nem nesta Assembleia nem na Câmara Corporativa, uma nota discordante a este respeito; só depois de a provado o Plano de Fomento é que começou a levantar-se a discussão sobre o local onde devia ser instalada a siderurgia nacional.
Página 132
132 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 100
Ora, se toda a discussão assentou nesta certeza, ir localizá-la agora noutro sítio equivaleria a cometer um erro político. E, como dizia José Fouché, não sei
se com razão se sem ela, os erros políticos são piores do que crimes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pedi a palavra para responder a uma pergunta que o Sr. Dr. Mário de Albuquerque formulou: valerá a pena sobrecarregar o porto de Leixões com - a siderurgia nacional? Quero dizer-lhe que vale a pena, pois que, com as obras de ampliação que estão a ser realizadas, o porto de Leixões irá ter uma capacidade para 6 milhões de toneladas. Isto vem no relatório ...
O Sr. Mário de Albuquerque: - Não vem lá assim, mus sim que com os possíveis melhoramentos técnicos ...
O Orador: - Os cais acostáveis das novas instalações do porto de Leixões vão ter mais de 4000 m; com mais 1000 m ali existentes, haverá mais de 5000 m de cais acostáveis.
Ora, como cada quilómetro de cais acostarei pode movimentar 1,5 milhões de toneladas, o porto de Leixões ,vai ter, pois, uma capacidade de 6 a 7 milhões de toneladas.
Para se fazer uma ideia dessa capacidade basta dizer que ela ultrapassará o dobro da que tem hoje o porto de Lisboa.
Ora, nesta formidável capacidade de 6 ou 7 milhões de toneladas cabem perfeitamente, não só a siderurgia nacional, mas todas as indústrias satélites, dependentes, conexas, parentas e afins da siderurgia.
Quantas toneladas vai movimentar a siderurgia nacional?
400 000 t.
Portanto, a siderurgia quase não ocupará espaço no porto de Leixões. E, de resto, no relatório referente às obras de ampliação já se coutou com a siderurgia, e com todas as actividades que ela fomentará.
Aliás, numa troca de impressões havidas entre o director-geral - do porto de Leixões e os administradores da Siderurgia Nacional essas dúvidas que tinham sido levantadas acerca da capacidade do porto de Leixões ficaram inteiramente desfeitas.
A própria administração da Siderurgia Nacional considerou mortas e definitivamente enterradas as dúvidas que sobre esta matéria tinha de princípio levantado.
O Sr. Dr. Mário de Albuquerque não conseguiu ressuscitá-las e não acrescentou com as suas palavras nada de novo ao assunto.
O Sr. Mário de Albuquerque: - Nem tinha mesmo que acrescentar fosse o que fosse. Reproduzi apenas uma opinião particularmente autorizada, pois é a do próprio director-geral do porto de Leixões.
O Orador: - Nem tem que acrescentar. A Câmara Corporativa estudou o Plano de Fomento; a Assembleia Nacional discutiu-o e aprovou-o. Em todas as suas afirmações feitas numa e noutra Câmara se partiu sempre da certeza incontroversa de que a siderurgia nacional seria localizada no Norte do País. A Assembleia Nacional não podia nem poderá ir mais longe.
Tenho dito.
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Manuel Cerqueira Gomes: - Sr. Presidente: já perto da reabertura desta Assembleia Nacional, em 20 de Outubro última, foi publicado no Diário do Governo um decreto-lei que estabelece o - novo plano de estudos do curso
médico-cirúrgico das nossas três Faculdades do Medicina.
Outras vozes mais categorizadas do que a minha se levantaram desde aí para celebrar o acontecimento, como especialmente se verificou na recente visita de cumprimentos que os professores da Faculdade de Medicina de Lisboa fizeram ao Sr. Ministro da Educação Nacional. Mas, porque o novo plano de estudos abre para o curso médico-cirúrgico propósitos e caminhos que eu também defendi nesta Assembleia e fora dela, entendo do meu dever não silenciar nem a minha alegria nem o meu aplauso, e, por cima deles, sempre superiormente u eles, o valor doutrinarão, formativo, escolar e até nacional que encerra o mesmo diploma.
Há quase dois anos, em Fevereiro de 1954, ou dizia na tribuna da nossa Câmara:
Não quero agora indagar, porque me desviaria do sentido, se no regime actual das Faculdades de Medicina esta formação basilar do médico está devidamente assegurada. Só em breve apontamento posso dizer que o não está: além da má organização cronológica das disciplinas, com erros palmares, a visão do homem é ainda apenas somática e isolada; estuda-se somente o orgânico e o orgânico desconectado de quanto o influencia; falta a perspectiva da biologia geral, falta todo o aspecto psicológico, falta o enquadramento 110 domínio social, partes necessárias para chegar a real dimensão do homem, ele e as suas circunstâncias. No ensino médico estamos ainda com o dualismo cartesiano, alheios ao ressurgimento da síntese global dos valores humanos. O homem continua partido em duas metades distintas e para as disciplinas do ensino médico só o corpo continua a interessar.
E há precisamente um ano, na bela festa de consagração da medicina, a que se dignaram presidir os ilustres Chefe do Estado e Chefe do Governo, eu repetia ainda:
Ouvi um dia ao Sr. Presidenta do Conselho que as nossas Faculdades de Medicina caminharão cada vez menos pura a especialização e cada vez mais para o reforço das disciplinas nucleares mi formação geral do médico. Nade. mais certo pode desejar u medicina de hoje. Só falta que o nosso ensino deixe de estar agarrado ao orgânico, de ser exclusivamente somático, de inspirar-se e modelar-se num dualismo há muito ultrapassado. E preciso dar-lhe as perspectivas da biologia geral, da psicologia médica, do aspecto social da medicina para que acompanhe este novo movimento de ressíntese do homem.
Ora a decreto-lei de 20 de Outubro passado corrige primeiro os erros flagrantes quê desde a reforma do 1948 se mantinham na ordem de colocação das disciplinas.
Não podia continuar a estudar-se a anatomia microscópica sem se saber a macroscópica, nem obrigar-se a compreender o funcionamento dos órgãos sem estar inteirado da sua constituição. Também não tinha cabimento a História da Medicina no primeiro ano de curso; se em Direito assim pode ser, porque a História do Direito serve de introdução ao conheci mento dos sistemas jurídicos, na medicina o desfiar cronológico dos conceitos e das interpretações exige luzes prévias das entidades sobre que repousam. Ouviram-se, afinal, as reclamações dos conselhos escolares; a ordenação das disciplinas passa a fazer-se com mais lógica nos primeiros anos, e
Página 133
10 DE DEZEMBRO DE 1933 133
pena foi que a História da Medicina e n Deontologia, embora já adiantadas na escala, não pudessem fiou r como remate sintético e ético ila formação do médico.
O novo plano de estudos das Faculdades, de Medicina repara, depois, a falta de algumas disciplinam. Certas delas foram suprimidas pela reforma de 1948 e a experiência voltou a impor o seu restabelecimento. Fazem realmente, falta linha de terapêutica geral e noções de ortopedia como, ainda mais a semiótica radiológica, indispensável no juízo diagnóstico, e a pneumotisiologia cuja particularidade de condições a deixa isolada da parte geral da clínica médica». Mas outras são introduzidas, pela primeira vez no curso médico.
Ergueu-se a bibliogia médica para através do estudo da matéria viva, dos factores de actividade e das correlações estruturo-funcionais, da ontogénese, da filogénose é das mutações, chegar à unidade do homem, e, pelo caminho da hereditariedade e do anexo se atingir a genética, com as constituições e predisposições transmissíveis. Impossível é penetrar na eugénica e na medicina preventiva sem esta luz inicial e com bom acerto a ela só juntou o aprendizado das noções fundamentais estatística quer dizer, como em biologia se deve jogar com os fenómenos qualificativos e quantitativos, nas suas distribuições e nas suas relações.
Esta valiosa projecção do homem na linha biogenética geral culmina no novo plano do ensino com a inclusão da psicologia e da medicina social. Passa-se a estudar o homem para além dos órgãos e da soma dos órgãos, considera-se que outras forças entram e se movem na sua equação de vida - que ele também ama, sofre e luta no particularismo do seu mundo próprio e na comunidade do moio que o circunda. São do notável diploma legislativo estas palavras que glosam a melhor medicina de hoje:
Pela primeira vez se inclui no elenco do curso médico a disciplina de Psicologia. Esta medida, a transformação da cadeira de Higiene o Epidemiologia. em Higiene, e Medicina Social e a autonomia e índole atribuídas à Deontologia (questões morais e, sociais da medicina) denunciam a tendência para imprimir à formação do médico, com o espírito científico, o sentido social o preventivo que por toda a parte vai ganhando, ao mesmo tampo que reafirmam o sentido espiritual da profissão; o médico tom de tratar doentes que podem não o ser apenas do corpo e tem de considerar, para lá do caso clínico, o homem na plenitude e na dignidade do seu composto.
E até que enfim ! O que havia, o quo se aprendia, estava senil e o mais ultrapassado, não representava n nossa posição actual. Se é bem certo que o doutrinarismo médico espelha, pelos tempos fora, o conceito psicológico do homem que sobro ele incide, não menos verdadeiro se mostra que a psicologia dos nossos dias, mesmo com todos os seus desencontros de - raiz, vai cada vez mais olhando o homem como uma unidade, um lodo solidário, produto da conjunção dos factores pessoais com os da herança e os do meio.
Há realmente um esforço decidido para considerar esta. plenitude de valores. Não é passar do erro do homem individualizado para o erro oposta do homem socializado, ambos visões parciais, mas abraçar a realidade do homem, abrangendo a totalidade do composto. O homem não é só ele, mesmo que o dignifiquemos num bloco carne-espírito é ele e as realidades naturais em que se integra, desde a família, desde a profissão, até à cidade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Já era tempo, mais que tempo, de sobre o nosso ensino médico irradiar a luz fecunda deste conceito antropológico. Os que tratamos homens, os que lhes custodiamos a verdade dos passos, ganhámos há muito o direito de querer a doença oficial em outro aspecto, em outras proporções, e sabíamos, sentíamos que em horas de acabar com o desacordo entre o homem-manequim, parcial e desarticulado, tal qual se ensinava e se aprendia nas escolas, e o homem que encontramos cá fora na experiência da clínica, lutando e sofrendo na sua totalidade e na sua unidade. Exalto este sentido humano dado ao ensino médico pelo diploma governamental, mas, como das suas melhores riquezas, destaco também os moldes em que ele talha a prepararão do mediou. Vai esta reforçar-se nos conhecimentos nucleares e não se descaminhar na sedução do pormenor ou na preferência do bocado, antes subordinar-se ao conjunto, à visão global. O que se pretende é formar médicos, criar médicos, e, como diz o próprio diploma, so ensino das especialidades só subsidiariamente deve participar na formação do clínico geral através de pequenos cursos em que se ministrem os conhecimentos indispensáveis para o exercício profissional daquele, com exclusão de tudo o que é do foro do especializado».
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sem dúvida que a especialização em medicina é uma necessidade que temos de aceitar. Mas a especialização e, como ela, os serviços especializados devem ajudar, completar, e não deformar a preparação do médico. Havemos de nas escolas ensinar ao médico que uma observação especializada tem sempre de
medir-se no balanço geral das conveniências. Temos de formar o médico em termos, em perspectivas de, num abraço alto de fusão e de síntese, saber interpretar em relação ao modo total e uno da pessoa doente.
Essencialmente reside aqui a função das Faculdades de Medicina: criar o médico geral, o clínico que venha para o contacto do homem capaz de o abarcar e de o compreender na sua inteira e verdadeira dimensão. E neste trabalho se devem ordenar todos os passos do ensino médico, desde a morfologia, pelas funções, pelas propedêuticas, pelos quadros mórbidos, até aos cimos altos da clínica: sempre aos serviços há-de imprimir-se um cunho geral; sempre os professores terão de sacrificar as inclinações ou os cultivos pessoais, e não converter o ensino do todo na preferência de uma parte.
O ensino das especialidades, que é um aperfeiçoamento, uma melhoria, uma valorização das habilitações conferidas pelas faculdades, vem depois, e já não entra obrigatoriamente na função essencial das escolas de medicina. Pode estar nelas por acréscimo, por extensão, como disso há tempos nesta Assembleia; mas pode estar fora, sem que elas sofram na sua legítima razão de ser.
O novo plano de ensino do curso médico-cirúrgico defende os alunos contra os «exageros de escolaridade», fixa o número do horas de aula. 4:0111 o propósito de que haja tempo para o «trabalho individual e reflexão» e para so aperfeiçoamento da cultura geral». Era de facto, exageradamente absorvente o horário das aulas; ao espírito dos que frequentavam as escolas de medicina não restava vagar para a meditação nem era possível distrair-se para a aquisição de cultura extra médica. Fica-lhe agora mais ensejo para o fazer, - e oxalá que as Universidades, no cumprimento do seu justo mandato, se esforcem por diminuir a nossa crise do valores culturais, guiando os que por - elas passam até um -enlace geral e hierárquico dos conhecimentos.
Página 134
134 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 106
O meu regozijo com o novo sentido impresso ao ensino médico não é, Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma alegria de sector, uma festa da medicina ou de médicos: é o júbilo do País inteiro, de nós todos, porque todos somos doentes ou o podemos ser um dia, e a todos interessa que as nossas Faculdades unjam com o poder de curar médicos bem preparados para entender a distinta e peculiar equação em que cada um de nós luta e sofre por entre mil circunstâncias do tempo e do espaço.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E é também a minha satisfação de doutrinário ao ver, enfim, depois do longo transcurso de uma ideologia exaltada na defesa dos direitos e da dignidade da pessoa, que o ensino médico toma em conta a totalidade dos valores humanos. O que havia era matéria exclusiva e fria; naquele ensino não entrava uma luz de espiritualidade. Teimámos, anos sobre anos, num cientifismo naturalista e empirista, do pendor racionalista fácil. E não nos queixemos se, ao longo da nossa teimosia, tantos e tantos, mal defendidos numa tíbia formação extra-escolar, se hajam perdido pelos becos estreitos dos movimentos da matéria e das relações físico-químicas.
Creio, assim, que nesta Casa todos me acompanham na felicitação e no aplauso que sinceramente, alegremente e conscientemente quero dirigir ao Sr. Ministro da Educação Nacional. Não o conheço pessoalmente; traçam-mo com um espírito vivo, aberto, compreensivo, francamente superior; e o diploma a que acaba de ligar o seu nome confirma a amplidão e a plasticidade do verdadeiro homem de ciência. Grandes caminhos rasgou, fecundas directrizes promulgou. Bem merece da nossa gratidão, e Deus o ajude a reparar outros males de que ainda enferma a nossa educação nacional.
Ao seu lado - e porque S. Ex.ª o sublinhou também - é da melhor justiça aclamar o Sr. Subsecretário de Estado da Educação Nacional, nosso distinto companheiro nas lides desta Assembleia. Médico, e médico estruturado à boa maneira, levou para a colaboração de governante a sua esplêndida formação. Todos aqui lhe ouvimos há quase dois anos estas palavras de ouro:
E por demais conhecido o muito valor ligado ao caso clínico e o pouco valor dado ao homem no seu todo e ao condicionalismo em que se integra. Este estreito espirito científico, concentrando-se no estudo dos órgãos alterados e das funções desviadas da normalidade, esqueceu e esquece, lamentavelmente, as preocupações e necessidades psicológicas, económicas e familiares do doente.
À força de preocupar-se com a doença, esqueceu o doente e, mais, esqueceu o homem. E é o homem inteiro que se deve estudar e socorrer. Mais do que um objecto de piedade, de curiosidade ou de experiência, mais do que um caso clínico, à luz dos nossos princípios informadores da vida, o doente é uma pessoa humana. Que o hospital e o ensino médico o não esqueçam !
Viu-se que o não vai esquecer. O nosso ensino médico fica desde agora em normas e sentido da mais justa humanidade. E tenho eu, como temos todos, o dever de aplaudir aqueles que o possibilitaram e de marcar com facho de luz alta este passo tão belo e tão útil da nossa governação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: uma comissão delegada do comércio do Funchal dirigiu recentemente aos Poderes Públicos, através do governador do distrito, uma exposição em que se focam as dificuldades que atravessam algumas das principais actividades comerciais daquela praça e se enumeram as providências que devem ser adoptadas para lhes fazer face.
O comércio da Madeira, pela sua importância na vida económica local, bem merece que sejam superiormente consideradas e estudadas as medidas tendentes a melhorar a sua actual situação. Trata-se de uma classe que, pela sua seriedade, regularidade com que cumpre as suas obrigações e, ainda, pelo seu espírito de iniciativa e de trabalho, dignifica o comércio português e honra a praça do Funchal.
As dificuldades que o atingem no presente momento não afectam apenas a classe patronal. Atingem e afectam também a numerosa classe dos empregados do comércio, para a qual não quero deixar de ter, neste momento e neste lugar, uma palavra de simpatia e apreço.
A má situação do comércio do Funchal reflecte, e, além disso, deriva de um conjunto complexo de causas, entre as quais deve ser destacada a usurpação da actividade comercial por pessoas e entidades que não são comerciantes nem estão como tal colectadas.
A situação de determinados ramos de comércio do Funchal, principalmente dos que vendem directamente ao público, é tão difícil que se vêem em sérios embaraços para satisfazer os encargos fiscais e sociais a que estão obrigados.
Sabemos que o governador do Funchal, actualmente em Lisboa, que está atento I a defesa dos superiores interesses da economia insular e ao qual a Madeira deve um conjunto de relevantíssimos serviços, transmitiu ao Governo as inquietações e anseios do comércio daquele distrito. E porque aos Deputados incumbe igualmente exprimir o pensamento e as aspirações dos círculos que os elegem, aqui estou a pedir ao Governo que estude com interesse e, mais do que isso, com carinho as aspirações de uma classe que está sempre pronta também a dar às autoridades locais e aos Poderes Públicos a sua melhor e mais devotada colaboração.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa os seguintes
Requerimentos
«Requeiro que, pelo Ministério das Comunicações, me seja dada informação dos rendimentos da portagem da ponte Marechal Carmona, por semestres, desde 1 de Setembro de 1903 a 31 de Agosto último, com discriminação das diversas categorias e taxas de bilhetes, das avenças de automóveis pesados e das licenças de utilização por automóveis ligeiros».
«Requeiro que, pelo Ministério da Economia, me sejam prestadas as seguintes informações com respeito a indústrias e estabelecimentos industriais insalubres, incómodos, perigosos ou tóxicos:
1) Lista das indústrias classificadas como insalubres, incómodas, perigosas ou tóxicas;
2) Números dos processos para concessão de alvarás de licença a estabelecimentos desta natu-
Página 135
10 DE DEZEMBRO DE 1955 135
reza ainda em aberto (quero dizer, aguardando os alvarás) à data do presente requerimento, se possível foi- discriminados por anos de entrada dos requerimentos iniciais;
3) Números dos estabelecimentos encerrados ou de funcionamento suspenso por aguardarem alvarás».
Tenho dito.
O Sr. Daniel Barbosa: - Sr. Presidente: não era minha intenção tornar a
ocupar-me nesta Câmara do assunto «siderurgia nacional» antes de receber do inverno os elementos que solicitei na passada terça-feira, ou seja há muito pouco tempo ainda, portanto, para poder, em relação ao seu envio, manifestar o menor ressaibo de impaciência.
Ouvi porém, como todos VV. Ex.ª a exposição do Sr. Deputado Mário de Albuquerque, expiação brilhante como aliás, não podia deixar de ser dado a sua vasta cultura, a sua notável facilidade de dicção e, até a convicção com que se exprime; direi mesmo mais: exposição extremamente curiosa, por mostrar como podem constituir preocupação ou ansiedade do seu espírito, tão dado à cultura das letras, da filosofia e da jurisprudência, problemas técnico-económicos que, a maior parle das vezes, só se conseguem encarar e resolver através de uma matematização de raciocínio, estabelecida à base de números frios, rígidos e tantas vezes também inelutáveis.
Por isso lhe apresento as minhas mais calorosas saudações.
O problema que S. Ex.ª tratou é particularmente grave e, delicado e exige, pela repercussão que tem na vida nacional, ser tratado sem subjectividades de qualquer espécie, visto dever ser encarado com aquela objectividade e segurança que nos garante a certeza de que a solução que se lhe der é aquela que mais interessa ao interesse da Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Exactamente por esta condição, e sem prejuízo do desiderato que referi - só discutir tal problema à base dos elementos pedidos - entendo não dever deixar passar o discurso que S. Ex.ª fez sem umas ligeiras rectificações que reputo necessárias para evitar que fique perdurando nesta Câmara qualquer ideia mal assento capaz de prejudicar aquela objectividade que se impõe. Vou fazê-las, Sr. Presidente, ùnicamente, portanto, em relação a afirmações que podem envolver doutrina ou confusão de qualquer espécie.
Dizer-se que a tendência actual é a de levar as instalações de siderurgia para a vizinhança dos centros de consumo, em sacrifício, portanto, de uma localização na vizinhança dos centros abastecedores de matérias-primas, constitui uma afirmação demasiado ousada e a qual - perdoe-me S. Ex.ª que o diga - carece do mais dementar dos fundamentos.
E vou tentar, apanhado muito embora de surpresa perante ela, explicar a VV. Ex.ª porquê.
A procura da localização para uma instalação siderúrgica depende, entre outros factores como é evidente, da localização das matérias-primas, dos combustíveis da produção de energia eléctrica indispensáveis ao fabrico - do ferro e do aço; assim, e no nosso caso, teremos de considerar, entre outros factores, e por
exemplo, as localizações das hematites de Moncorvo das magnetites do Marão da siderites e das limonites onde quer que se encontrem, das pirites do Barreiro, dos minérios de Orada e de todos quantos com interesse se possam encontrar no Sul, das castinas dos carvões nortenhos para redução, e da produção da energia hidroeléctrica se formos para a electrometalurgia do próprio coque ou ,das hulhas coqueficáveis que teremos de importar se se aventar a hipótese como já -ouvi dizer aqui de uma solução pelo alto forno a coque.
Não nos preocupemos por agora se se vai fraccionar ou não a produção da gasa se a empresa concessionária estabelece um processo fabril à base dia sua importação, ou da dos minérios tal como as minas os fornecem ou já devidamente concentrados.
Impõe-se, e isto é que interessa vincar como demonstração completo de que não há que falar sobre este ponto de vista em tendências, considerar para a determinação da localização de uma siderurgia, uma série de momentos de transporte ou suja de grandeza algébricas, função do custo local da gusa ou dos minérios de ferro e de cálcio, dos combustíveis do kilowalt-hora e das distâncias a que se impõe transformá-los a par do custo de transporte da unidade-quilómetro.
Isto que se aponta em linhas muito gerais e sem preocupações que não sejam a de desfazer certas dúvidas que poderiam ficar no espírito desta Câmara depois da exposição tão viva e tão interessante do Sr. Deputado Mário de Albuquerque chama a atenção para o facto de que, admitindo como melhor a solução a base de determinadas matérias-primas a adquirir pela empresa, a localização óptima tem de ser fatalmente aquela que conduza a um valor mínimo para o sumatório dos momentos em questão.
E como é evidente, dado que temos de considerar as quantidade de ferro e de aço a transportar para os diversos centros de consumo - que se definem em quantidade e qualidade novas grandezas, novos momentos de transporte temos de considerar para o cálculo que referi.
Este é, por natureza, delicado e complexo, muito embora simples na sua formação teórica, visto ter de considerar, entre outros factores, os diversos leitos de fusão admissíveis, o tipo e o estado da matéria-prima que lhe convirá utilizar e até a evolução do volume e da situação dos centros de abastecimento e de consumo no decorrer do tempo.
Como é evidente também há depois que considerar ainda a alterar possivelmente a rigidez do cálculo, que de um certo modo e em boa tese, poderia buscar apoio na aplicação da teoria matemática dos máximos e dos mínimos, certas condições que não deixam de ser determinantes, mas que podemos classificar de qualidade, razões de estratégia, afastamento ou vizinhança de centros, populacionais, condições de abastecimento de água. proximidade do um porto de mar ou de um centro do comunicações, ele.
Pode o Sr. Deputado Mário de Albuquerque ter absoluta certeza de que cada caso que estude ou que considere é um caso específico em si, visto que não é por tendências ou por modas que num caso particular a localização de determinada indústria siderúrgica, se encontra ao pé de um centro de consumo, noutro ao pé de um centro abastecedor e noutro nem ao pé de este nem de aquele.
Eu compreendo que o Sr. Deputado Mário de Albuquerque lenha lido a preocupação, antes de vir aqui dizer o que nos disse, de pesquisar em revistas, em tratados, as características da localização de diversas siderurgias pelo Mundo fora; e aceito também que tenha ficado impressionado pela proximidade em que muitas delas se encontram dos grandes centros de consumo. Mas a razão dessa proximidade poda ser bem diferente daquela que conduziu à interpretação que S. Ex.ª nos deu: se um centro de consumo não tem desde logo peso suficiente para levar junto do si a
Página 136
136 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 106
instalação de uma siderurgia, depois de esta instalada, é ele que normalmente se desenvolvi: à sua volta, com vista a obter os mais baixos custos de produção para a indústria metalomecânica que o representa. Quer dizer: um grande centro de consumo na volta de uma siderurgia é quase sempre muito mais uma consequência da localização dessa siderurgia do que uma causa dela.
E assim há-de ser em Portugal. Na verdade como todos VV. Ex.ª s sabem, os nossos consumos específicos de ferro e aço são demasiadamente baixos para sobre eles podermos apoiar o desenvolvimento económico do País que todos ambicionamos; são tão baixos que me atreve a dizer mesmo que quase mio valeria a pena pensar tanto na siderurgia nacional se eles não houvessem de evoluir rapidamente num futuro próximo.
A volta da nossa siderurgia, portanto, se hão-de criar grandes centros de consumo e por ela fornecidos e fomentados, quer esteja instalada no Norte, no Centro ou no Sul.
O que interessa, portanto, é determinar a sua localização óptima, e esta tem de ser encontrada sem paixões nem razões subjectivas, antes em atenção a razões de ordem técnico-económico-sociais, que são determinantes dessa localização, na certeza de que daqui a uns anos -e muitos não serão decerto - ter-se-á criado um volumoso centro de consumo à sua volta, capaz de induzir também em erro quem depois sobre o assunto se debruce sem a cautela de o pesquisar desde o começo.
Sr. Presidente: muitos mais pontos do discurso do Sr. Deputado Mário de Albuquerque me imprensionaram profundamente, mas, porque são pontos ligados aos elementos que do Governo solicitei, ficarei aguardando o seu - envio para que, com base neles, poder formular oportunamente e a minha opinião; entretanto, seja-me lícito dizer S. Ex.ª quanto me chocou, pelo que ela tem de surpresa e pelo alarme de que ela se reveste, a afirmação de que o processo da
electrometalurgia poderia estar totalmente irradiado das soluções possíveis, pela falta confessada da energia eléctrica indispensável ao processo de fabrico mais consentâneo com o interesse e com a segurança nacionais.
Antes de terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, desejaria unicamente deixar um apontamento, também em relação ao que se poderia induzir das palavras do Sr. Deputado Mário de Albuquerque, relativamente a insuficiências dentro de meio século do actual porto de Leixões.
O Sr. Deputado Cerveira Pinto, com a autoridade que tem indiscutivelmente no assunto, já prestou valiosos esclarecimentos sobre o caso; eu quereria, contudo, juntar às considerações deste Sr. Deputado a minha convicção de que meio século é de certo prazo muito longo ,para pesar demasiadamente nas nossas preocupações, em face da rapidez que caracteriza hoje em dia à evolução da técnica, da ciência aplicada, no que respeita aos transportes e à produção industrial e de energia.
E tanto é assim que se procura exactamente cobrir os riscos consequentes desta rapidez, quer tomando em linha de conta nas despesas correntes de uma indústria as verbas indispensáveis para a actualização constante da técnica empregada, quer procurando fazer amortizações em prazos muito curtos também.
Mas admito que no caso da siderurgia essa preocupação possa existir até pelo facto de que, dado o elevado montante do investimento em causa, a amortização muito rápida poderia onerar demasiadamente o produto, e então o caso de Leixões poderia ser preocupante.
O relatório a que o Sr. Deputado Mário de Albuquerque faz referência foi um dos elementos-base do Plano de Fomento, que aqui discutimos em 1953; não me posso recordar, portanto, das palavras exactas com que o problema se ,punha no relatório em questão, mas avivou-se-me memória pelo que ouvi quanto à ideia: se o desenvolvimento industrial do País continuasse no ritmo em que se encontrava, a parte que caberia ao Norte - e já nesta se incluía a siderurgia - impunha o aproveitamento judicioso de toda a área de terreno adstrita ao actual - ponto de Leixões.
Disse-nos o Sr. Dr. Cerveira Pinto há pouco ainda que o - seu movimento actual se mede por 1 300 000 t e deu-nos a entender que a saturação desse porto só se poderá considerar como efectiva quando o seu movimento orçar ou ultrapassar os ultrapassar os 6 000 000 t.
Ora na mais aberta das hipóteses, considerando mesmo plenamente ultrapassada a 1.ª fase da siderurgia, não creio que o movimento que ela pudesse impor ao porto de Leixões excedesse em tonelagem o quantitativo de 1 000 000 t.
Quer isto dizer que o Sr. Deputado Mário de Albuquerque pode estar tranquilo, visto que tem à sua frente uma larga margem da segurança, quer em quantidade -movimentada, quer em tempo, quanto ao serviço que o porto de Leixões pode prestar um prejuízo do movimento de outras mercadorias que acordam no seu interland.
De resto, a preocupação de que se fez eco o seu ilustre director técnico - o Sr. Engenheiro Henrique Schreck, que é um nome do maior prestigio na engenharia portuguesa e uma das nossas mais brilhantes autoridades em questões
portuárias - ...
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - ... foi de que seria do maior alcance ir pensando que num futuro mais ou menos próximo se viria a impor nina conjugação coordenada entre o porto de Leixões e outro das suas proximidades, como o de Aveiro, por exemplo.
Tratava-se portanto, de uma preocupação com vista a assegurar uma eficiência, e não de demonstrar uma impossibilidade.
Não sejam, assim, razoes invocadas relativamente ao porto de Leixões a comprometer a localização da siderurgia no Norte do País, se esta for a que maior interesse venha a ter, repito, para o interesse da Nação.
Sem prejuízo da convicção em que me encontro quanto à melhor localização da siderurgia, termino, Sr. Presidente, fazendo votos por que realmente tão magno e delicado problema seja resolvido dentro de uma estrita objectividade, sem simpatias nem paixões antes na certeza de que a indústria siderúrgica, sendo a indústria-base de rodas as nossas indústrias, não pode ficar sujeita a sentimentalismo -; de política local ou a soluções regionais cujo interesse se não possa demonstrar com aquela rigorosa objectividade que é indispensável para que ela se acredite junto não só desta Câmara mas junto de todos os portugueses.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Mário de Albuquerque: - Peço a palavra. Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Mário de Albuquerque: eu não queria impedir V. Ex.ª de usar da palavra, mas o tempo ...
Página 137
10 DE DEZEMBRO DE 1905 137
O Sr. Mário de Albuquerque: - Se V. EX.ª me não der a palavra não fico penalizado, porque o Sr. Engenheiro Daniel Barbosa não alterou fundamentalmente o problema que eu pus, mas se V. Ex.ª me conceder um minuto rectificarei as afirmações do mesmo ilustre Deputado.
O Sr. Presidente: - Parece-me que ficou agora dito aquilo que V. Ex.ª queria dizer ...
O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: em 18 de Outubro último foi publicado o Decreto-Lei n.º 40 341, que estabeleceu as bases em que o Governo deve organizar a empresa concessionária do serviço público de radio televisão.
Há quase um quarto de século sou o presidente da direcção da mais antiga associação de radiouvintes de Portugal. Pelo conhecimento directo dos problemas da radioelectricidade particular e oficial, cabe-me a obrigação de esclarecer a Assembleia acerca dos fundamentos s objectivos daquele decreto-lei.
Em 10 de Fevereiro de 1953 o Rádio Clube Português requereu à Direcção dos Serviços Radioeléctricos autorização para o estabelecimento de uma rede de emissores de televisão, que abrangeria, em primeiro lugar, apenas Lisboa e, em segunda fase, o Porto e Coimbra.
Muito claramente, o pedido de concessão afirmava prescindir de quaisquer exclusivos. Procedíamos assim para facilitarmos a tarefa dos serviços oficiais, reagindo contra as pretensões das pessoas ou sociedades que, ao pretenderem instalar emissores de televisão, condicionavam sempre o seu empreendimento à obtenção do monopólio desse serviço em Portugal, ao exclusivo da publicidade ou ainda ao da venda e montagem de receptores. Pode dizer-se que, até à data da publicação do Decreto-Lei n.º 40 341, atrás citado, a tendência geral dos pretendentes, com a única excepção do Rádio Clube Português, fora a de considerar inviável o estabelecimento da televisão portuguesa, a não ser baseada em monopólio de proporções vastíssimas.
Portanto, sinto-me hoje perfeitamente à vontade para contraditar o que o nosso distinto colega Dr. Autuo Santos da Cunha aqui afirmou na sessão do dia 6 do corrente.
Do relato do Diário das Sessões verifica-se que os reparos de S. Ex.ª em relação às bases aprovadas pelo Governo podem resumir-se a dois:
Em primeiro lugar, crítica à tendência, que ao ilustre Deputado aparece como maléfica, de concessão de exclusivos e monopólios em diversos sectores da vida industrial e comercial. Julgo que tal tendência não existe, ou só em casos raros e indispensáveis.
Em segundo lugar, ataque cerrado ao facto de a empresa concessionária, que o Governo vai organizar, ser autorizada a efectuar a venda ou aluguer de aparelhos receptores de radiotelevisão e radiotelefonia. O ilustre Deputado acrescentou que, embora pudesse existir atenuante quanto à permissão de venda de receptores de televisão, ela de modo nenhum poderia justificar-se quanto a receptores de radiodifusão.
Vejamos, primeiramente, o argumento monopólio. Mas antes disso necessito esclarecer a minha posição pessoal na questão.
Não sou aqui advogado em causa própria nem em casa alheia. A função que desempenho no Rádio Clube Português, desde há quase vinte e cinco anos, tem sido sempre totalmente gratuita. Nunca ganhei dinheiro com a rádio nem o vou ganhar. Digo isto porque hoje - dois dias depois de haver pedido a palavra para responder ao nosso colega Dr. Autuo Santos da Cunha e precisamente duas horas antes de começar a falar aqui - recebi a notícia de que todas as emissoras particulares de radiodifusão me haviam indica do paru administrador da futura sociedade concessionária. Respondi imediatamente que não aceitava ser nomeado, por ser Deputado da Nação e não querer renunciar ao mandato parlamentar.
O cargo será exercido, não por mim, mas sim pelo Rádio Clube Português, instituição cuja utilidade pública ninguém contesta legitimamente. Portanto, posso defender esta causa com autoridade plena.
Já vimos que, até à publicação do Decreto-Lei n.º 40 341, o Rádio Clube Português fora a única entidade que defendera o princípio da concorrência livre no serviço público de televisão. Mas durante os trabalhos da comissão oficial, nomeada pela Presidência do Conselho, em que participei como representante da radiodifusão particular, o próprio Rádio Clube Português acabou por concordar com os serviços oficiais na proposta de solução mista, muito aparentada à das empresas hidroeléctricas, que consiste na organização de uma sociedade em que o Estado possuirá um terço do capital e todas as actuais emissoras particulares outro terço, ficando o restante aberto à subscrição pública.
Porque modificou o Rádio Clube Português a sua maneira de ver?
Porque acima do interesse da associação colocou o interesse nacional.
Os estudos técnicos, financeiros e económicos realizados brilhantemente pela Emissora Nacional, que serviram de base aos trabalhos da comissão de televisão, demonstraram ser indispensável a agremiação de esforços por parte de todas as entidades, oficiais ou particulares, ligadas a radiodifusão, a fim de se evitarem duplicações ou triplicações de investimentos de capital B outras consequências desastrosas de uma dispersão, que fatalmente conduziriam a fracassos idênticos aos observados em muitos países, principalmente na Europa e até nalgumas regiões da América.
Onde está o interesse nacional? Como se define neste caso particular? Julgo que consiste em garantir aos radiouvintes e aos telespectadores a maior variedade possível de programas bons e grande número de horas por dia ima condições técnicas mais perfeitas. Estas condições técnicas somente são - possíveis com instalações de grande potência e qualidade superior, que custam caríssimas. Ora, graças à solução adoptada de exclusivo quanto à propriedade dos emissores de televisão, garante-se a qualidade técnica e poupa-se capital. Mas, ao mesmo tempo, pela concorrência na elaboração dos programas entre o Estado, empresa concessionária e as várias emissoras particulares de radiodifusão, destrói-se o único inconveniente deste monopólio sui generis, que seria a falta de incentivo si variedade e melhoria da programação.
Foram chamados a colaborar na sociedade concessionária todos quantos estão realizando hoje radiodifusão particular. A terceira parte do capital, reservada à subscrição pública, abre as portas nos interessados restantes. Portanto, verificasse que a nova empresa não nasce sob o signo do exclusivismo, mas sim dentro do espírito mais perfeito da colaboração de iniciativas.
Posto isto, entremos na apreciação do caso dos comerciantes de rádio: no estudo que apresentaram à comissão de que fiz parte, a ideia inicial dos serviços oficiais era a de que deveria destinar-se um terço do capital da concessionária aos grémios desses comerciantes. Isto demonstra o cuidado posto na defesa dos seus interesses legítimos. Verificou-se que esta fórmula não era legal-
Página 138
138 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 106
mento viável, porque aqueles grémios não portem exercer funções comerciais ou industriais.
Na legislação portuguesa só existe unia excepção, em benefício dos grémios da lavoura.
Mas nada impede que os comerciantes de rádio, individualmente, tomem a posição que os grémios não podiam tomar, e por isso aquela terça parte de capital passou a ser reservada à subscrição pública.
Portanto, eles não serão justos ao queixarem-se de que os seus direitos, não foram considerados, ou que a nova empresa vem prejudicá-los. Pelo contrário, porque a concessionária não possui, directa ou indirectamente, o exclusivo de venda ou aluguer de aparelhos, beneficia o comércio em relação a todas as entidades que pretendiam o monopólio das transacções de receptores e televisão.
Em vez de apresentar protestos, o comércio de rádio deveria agradecer o
Decreto-Lei n.º 40 341, que, por assegurar a instalação rápida da televisão, vai aumentar em grande escala o volume de vendas desse comércio.
Mas como se explica que a empresa esteja autorizada a negociar em aparelhos de radiodifusão: Muito simplesmente: a tendência natural do receptor futuro é para associar a recepção dos canais de ondas médias, ondas curtas, frequência modulada u televisão no mesmo móvel. Se não existissem aparelhos de televisão no mercado e a empresa pretendesse importá-los, teria de limitar-se à televisão simples o mandar inutilizar nu alfândega todo o sistema receptor restante. Cortar ao meio os receptores é totalmente inconcebível.
Além disso, a concessionária acha-se autorizada, como é natural, a realizar radiodifusão através dos canais sonoros de frequência modulada dos seus emissores de televisão. Ora todos os receptores modernos de radiodifusão em ondas médias e ondas curtas possuem sistema receptor de frequência modulada.
Assim, já desapareceram, ou estão em vésperas de desaparecer, muitas das distinções, antigamente existentes, entre receptores de radiodifusão e de radiotelivisão. Isto pode ser ignorado pelos leigos, que s111 matéria de televisão só conhecem os buracos das fechaduras.
Mas não devem ignorá-lo os comerciantes de rádio, habituados a vender aparelhagem muito mais complicada que uma simples fechadura, com ou som olho mágico.
A precaução de autorizar a concessionária, a negociar em receptores de rádio justifica-se com exemplo recente.
Quando se inaugurou em Lisboa o emissor de frequência modulada do Rádio Clube Português, e logo a seguir o da Emissora Nacional de Radiodifusão, quase não existiam à venda no mercado receptores para essa espécie de frequência. Só semanas depois aqui apareceram os primeiros, a princípio importados a medo e pouco depois vendidos em tão grande quantidade que frequentemente se esgotavam.
Isto não deve acontecer de futuro com a televisão.
Em que consiste a doutrina do ilustre Deputado Dr. Santos Cunha?
Afinal de contas, combate um exclusivo que a concessionária da televisão não possui, nem pode possuir. E pretende que contra ela se mantenha o exclusivo de comércio, de aparelhos de rádio em benefício dos vendedores actuais. Existem já mil ou duas mil firmas interessadas nesse negócio.
Que importa que apareça uma outra mais, se não existe limitação legal neste ramo de comércio?
Mas quem nos diz que a concessionária vai utilizar a autorização que lhe foi dada por forma: a prejudicar interesses legítimos já criados? Suponho que ela deverá, e muito bem, limitar-se a possuir essa arma como instrumento regulador do mercado, em defesa do público e do progresso da radioelectricidade, para que não faltem aparelhos receptores de televisão e frequência modulada e para que não haja exagero de preços.
Sr. Presidente: ao terminar estas considerações quero, como representante que fui da radiodifusão particular na comissão oficial de televisão, exprimir ao Governo o agradecimento de todos os homens que desde os primeiros passos da rádio, nela têm trabalhado, desinteressada e delicadamente, pela publicação do Decreto-Lei n.º 40 341: Na opinião de todas essas possuas e entidades, a forma como d Governo, apoiado nos estudos da Emissora Nacional, resolveu o assunto foi pura e simplesmente modelar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O Orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão a proposta de lei de autorização de receitais e despesas para o ano de 1906.
Tem a palavra o Sr. Deputado Dinis da Fonseca.
O Sr. Dinis da Fonseca: - Sr. Presidente: ao tomar a palavra pela primeira voz nesta sessão legislativa apresento a V. Ex.ª as minhas sinceras saudações.
Esta proposta da Lei de Meios para 1906 poderia ser votada sem discussão, pois a competência específica desta Assembleia, tanto em relação as receitas como às despesas, pode dizer-se esgotada em leis preexistentes e em planos ou autorizações votados em sessões legislativas anteriores podia, pois, ser votada globalmente, e sem discussão.
Haveria apenas que saudar e aplaudir o Sr. Ministro das Finanças pelo seu elucidai ivo relatório e o Sr. Relator da Câmara Corporativa polo seu doutíssimo parecer.
Mas, como neste se afirma, o relatório do Sr. Ministro das Finanças representa um passo decisivo na evolução constitucional das relações entre o Governo e esta Assembleia, e por isso a sua apresentarão merece ser anotada nesta tribuna.
Dentro da nossa técnica constitucional, a Lei de Meios tem-se reduzido, de ano para ano, a um documento político em que o Governo traduz o seu plano de gestão pública para o futuro ano económico, perdendo, - a par e passo, o carácter de diploma com sanção jurídica para assumir o duma autorização dada ao Governo para executar o seu plano, sujeita à sanção de unia fiscalização política exercida o curto prazo na apreciação das contas públicas, pontualmente sujeitas a esta Assembleia. O sentido desta evolução veio, pois, acentuar ainda mais o valor político do debate sobre as contas públicas, que insistentemente tenho defendido nesta tribuna.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E, visto poder considerar-se esguiada a competência específica desta Assembleia quanto a receitas e despesas, limitarei as considerações que me proponho fazer a umas ligeiras anotações ao equilíbrio da gestão pública que a proposta do Governo promete realizar.
Página 139
10 DE DEZEMBRO DE 1955 139
Como se colhe do relatório fia proposta e do douto parecer da Câmara Corporativa, o equilíbrio dessa gestão pode considerar-se sob três aspectos:
1.º Equilíbrio da economia nacional com as economias dos vários países que na nossa podem ter maior reflexo ou interferência;
2.º Equilíbrio financeiro entre as receitas e despesas inscritas no plano orçamental;
3.º Finalmente, o equilíbrio profundo entre as exigências das diversas actividades económicas e as necessidades dos várias classes sociais, ou seja o equilíbrio social e político previsto nos artigos 31.º e seguintes da Constituição.
Na primeira parte do substancioso relatório do Sr. Ministro das Finanças acentua-se a importância e a- complexidade do primeiro aspecto do equilíbrio, a que chamaremos o aspecto internacional.
Traduz-se este concretamente no duplo equilíbrio da balança comercial e da balança de pagamentos; nesta há ainda que atender às duas zonas ou áreas em que actualmente se divide e projecta o comércio internacional dos produtos.
Como acentua o douto parecer da Câmara Corporativa, as previsões e soluções a encarar para a realização deste equilíbrio só podem ser feitas a curto prazo e com o carácter empírico imposto por realidades de que não podemos ter o comando, por dependerem de intenções ou objectivos alheios e, não raro, das decisões de Conselhos Económicos internacionais, que temos de acatar.
Para se ver até que ponto pode chegar a interferência internacional na nossa vida interna basta ler o último e recente relatório sobre a economia, portuguesa, elaborado pela Organização Económica de Cooperação Europeia, vulgarmente conhecida pela abreviatura de O. E. C. E.
Nesse relatório estudaram os técnicos internacionais as nossas possibilidades e recursos financeiros, apontaram as nossas fraquezas e necessidades económicas e formularam determinadas conclusões.
E certo que nem jurídica nem politicamente essas conclusões nos prendem ou obrigam, mas seria desconhecer o valor da coacção moral exercida pela consciência internacional, que esses relatórios informam, supor que essas conclusões, apoiadas em razões técnicas, podem ser-nos indiferentes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Seria fechar os olhos à realidade desconhecer que o prestígio internacional de que nesta hora gozamos no Mundo assentou primordialmente na austeridade e no acerto com que levámos a efeito a nossa regeneração financeira e que esse prestígio nos valeu a possibilidade de fazermos na última guerra a defesa a uma honrosa neutralidade e no pós-guerra; a defesa da integridade do nosso império ultramarino, desde Timor até à índia e aos Açores!
Antes de abordar as conclusões do relatório da O. E. C. E. sobre a nossa economia, que respeitam mais propriamente ao terceiro aspecto do equilíbrio da gestão, desejo salientar com merecido louvor, a inteligente defesa feita no -parecer da Câmara Corporativa do valor do equilíbrio da gestão, encarada sob o segundo aspecto, ou seja tio equilíbrio orçamental propriamente dito.
Acentua o donto parecer a ideia, já muita vez focada nesta tribuna, mas em que conquistaa será de mais insistir, de que o equilíbrio do orçamento não é uma conquista feita, mas tem de ser uma construção ou reconstrução permanente! E salienta, era segundo lugar, que este equilíbrio, assente em princípios austeros e firmes, foi, não só a base da nossa regeneração financeira, mas também a condição essencial da nossa reconstituição - económica, reprovando as erróneas ousadas teorias que pretendem fazer da política financeira mero instrumento da política económica e do próprio déficit orçamental um volante das actividades económicas em crise!
Merecem o inteiro aplauso desta Assembleia as lúcidas e autorizadas afirmações do douto parecer da Câmara Corporativa, que, aliás, não fazem mais do que confirmar a decisão enunciada na proposta do Sr. Ministro das Finanças.
Mais grave e menos isento de dúvidas se nos afigura o terceiro aspecto do anunciado equilíbrio da gestão pública, ou seja o seu aspecto social.
O já referido relatório dá O. E. C. E. termina formulando ia seguinte conclusão:
O problema essencial que se apresenta à economia portuguesa é o de atingir um ritmo suficiente de expansão económica e melhorar o nível de vida da sua população.
........................................................................
A economia - portuguesa caracteriza-se, mesmo quando a procura externa é vigorosa - e as - condições agrícolas são favoráveis, por um nível de vida relativamente baixo e subemprego considerável da população rural.
........................................................................
E esclarece:
Portugal não pode esperar que a intervenção dos Poderes Públicos venha a bastar, só por si, para determinar a reforma profunda da economia do País, que é a chave dos seus - presentes problemas estruturais de subemprego e do baixo nível de vida. Mas a intervenção do sector privado tem poucas probabilidades de ser suficiente se o poder de compra dos consumidores não aumentar e se não puder contar-se razoavelmente com a sua melhoria progressiva no futuro.
É para o estímulo desta melhoria que deve tender a política do Governo.
Estará a política anunciada na proposta da - lei de Meios para 1956 de acordo com estas conclusões?
Podemos dizer que sim.
Tanto a proposta em discussão, como o relatório ministerial, ou o parecer da Câmara Corporativa, assentam em bases concordes com as mencionadas conclusões do relatório da O. E. C. E.
Para valer às fraquezas apontadas do subemprego e do baixo nível de vida, sobretudo das classes rurais, propõe esse relatório: a intensificação dos investimentos, tanto públicos, como particulares; uma melhor redistribuição dos encargos fiscais, conducente a repartição mais equitativa dos rendimentos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ora tanto a proposta como o relatório ministerial prevêem o investimento de todos os recursos disponíveis no fomento dos sectores da nossa economia cuja melhoria se considera mais urgente, consoante o Plano de Fomento aprovado por esta Assembleia.
E também pelo Sr. Ministro das Finanças é anunciado o avanço da reforma fiscal em curso, de que se espera uma mais justa redistribuição dos encargos fiscais.
Por seu turno, o douto parecer da Câmara Corporativa encarou a necessidade de corrigir os excessos de
Página 140
140 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 106
concentração capitalista, sugerindo, para esse efeito, uma substituição do texto do artigo 9.º da proposta.
Finalmente, a corrigir as fraquezas do subemprego e do baixo nível de vida podemos dizer que tendem ainda os dois capítulos da proposta que se ocupam da política rural e da saúde pública.
Nestes dois aspectos, porém, ousaremos dizer que a política do Governo carecia de um ritmo mais acelerado.
Bem sabemos que não é de exigir que as providências oficiais possam vencer, u marchas forçadas, os atrasos e fraquezas sociais que de longe vêm; e sabemos ainda que, no comentário à execução da Lei - n.º 1914, enviado a esta Assembleia pelo Sr. Presidente do Conselho, foi já anunciado o estudo de um plano de reconstituição agrária, em que possam ser directamente encaradas as fraquezas das nossas actividades agrícolas, e certamente as de subemprego e baixo nível de vida das nossas populações rurais, especialmente visadas; mas é certo que o desequilíbrio social entre as várias actividades económicas e, sobretudo, a penúria e desequilíbrio de rendimento de algumas das nossas populações rurais revela tais sintomas de déficit familiar permanente que impõem medidas de emergência para aliviar u sua situação, enquanto aguardam o estudo de planos mais radicais.
Pode dizer-se que essa penúria não afecta, ou pelo menos não se nota, as cifras globais das nossas produções e rendimentos, nem o desafogo financeiro das nossas instituições bancárias ou o das classes que vivem dos rendimentos das grandes actividades industriais ou comerciais, e também podemos dizer que o subemprego das classes rurais não se regista em cifras maciças nas estatísticas oficiais, porque na realidade se oculta sob as aparências de trabalho agrícola, cujo rendimento fraquíssimo ou nulo não consegue evitar um déficit económico permanente, saldado com a renúncia a todos os confortos e com um estado de subalimentação que está conduzindo à degenerescência biológica os descendentes de longas gerações de robustos trabalhadores!
Vozes: - Muito bom, muito bem!
O Orador: - Tenho assistido nas regiões rurais que melhor conheço às consultas médicas de assistência infantil, onde impressiona a frequência dos casos de raquitismo, que a medicina explica pela alimentação insuficiente ou deficiente dos pais e dos filhos! À assistência procura salvar-lhes a vida, mas já não consegue salvar-lhes a robustez, antes ficarão seres enfermiços, que virão a pesar, mais tarde, nas instituições de assistência à invalidez!
Ora, se os compromissos internacionais nos obrigam a despesas extraordinárias, que alcançam 28 ou 29 por cento dos nossos gastos públicos, creio ser igualmente urgente e complementar da segurança externa a defesa social e biológica das nossas populações rurais, cujo enfraquecimento já principia a fazer-se notar nas inspecções militares!
Prevê o artigo 16.º da proposta a inscrição do verbas destinadas a dar combate eficiente ao flagelo social da tuberculose. Só temos de aplaudir este passo da política do Governo. Receio, porém, que não possam obter-se resultados completos.
Na XI Conferência da União Internacional contra a Tuberculose, reunida um Copenhaga em 1950, foram reconhecidos como meios essenciais para um combate eficiente estes três:
1.º Diagnóstico precoce, seguido de tratamento imediato;
2.º Profilaxia, com todos os seus meios;
3.º Melhoria das condições do baixo nível da vida humana.
O primeiro e o segundo defendem da inteligente actividade do Sr. Subsecretário da Assistência e vão por isso ser empregados a fundo, e do seu emprego pode esperar-se a diminuição da mortalidade; mas só do terceiro pode advir a diminuição da morbilidade, que infelizmente alimenta nas nossas populações rurais, sujeitas a um regime de subalimentação!
Encara a proposta a política da melhoria dos meios rurais, mas s sabido como têm sido relativamente diminutas as verbas que nos orçamentos dos últimos anos lhe têm sido consagradas.
Reconhece o douto parecer da Câmara Corporativa que essa melhoria impõe urgentemente a realização destas três condições primárias:
a) Acessos e comunicações suficientes;
b) Agua em abundância e razoável saneamento;
c) Energia eléctrica em condições comportáveis com a sua economia regional.
Ora a verdade é que não só a maioria das nossas aldeias carece ainda destas três condições de melhoria social, mas nem mesmo poderão obtê-las a curto prazo, se uni plano de melhoria urgente e, podemos dizer, revolucionária não determinar a sua realização. E não supomos que o custeio desse plano seja incompatível com os recursos de que o Estado poderia extraordinariamente dispor!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Direi mais: seria mesmo de aconselhar que neste objectivo de verdadeira previdência social fossem investidas parte das reservas das instituições corporativas, que o Estado manda, inverter em certificados de divida pública.
Mais difícil e carecida de maior estudo e ponderação se nos afigura a melhoria da fraqueza das nossas culturas agrícolas, nomeadamente da pequena agricultura rural. Segundo um estudo feito pelo Sr. Subsecretário de Estado do Comércio e Indústria, e que este membro do Governo tornou público numa conferência realizada em 20 de Julho de 1954, as nossas produções agrícolas não conseguem obter um terço ou um quinto da produção que tiram da terra os outros países europeus!
O Sr. Subsecretário fazia notar este círculo vicioso: os nossos produtos agrícolas são mal pagos; porque são mal pagos, as culturas tornam-se inferiores; e a inferioridade das culturas mantém os pequenos cultivadores em déficit económico permanente; e já fizemos notar como este déficit é saldado à custa de um baixo nível de vida...
Várias soluções tenho visto apontadas para quebrar este círculo vicioso.
Não é esta a oportunidade para as discutir, mas de há muito estou convencido de que nada se poderá fazer sem a colaboração, a longo prazo, destes três meios:
a) Cultura elementar mais acomodada às necessidades regionais;
b) Crédito mais fácil e bem orientado;
c) Assistência técnica mais eficiente.
Prevê a proposta o prosseguimento da chamada campanha dos adultos. É inteiramente de louvar, mas julgo-a suficiente.
A nossa escola primária, tal como funciona, habilita os que querem deixar a terra, mas faz pouco ou nada em proveito dos que precisam de viver dela!
Vozes: - Muito bem!
Página 141
10 DE DEZEMBRO DE 1955 141
O Orador: - A nossa indústria agrícola, que é R será a maior e a mais fundamental das nossas indústrias, precisaria urgentemente de melhorar as suas técnicas, mas esta melhoria supõe o desenvolvimento duma cultura elementar acomodada às diversas actividades e necessidades regionais.
Vai para dezassete anos que esta Assembleia votou a Lei n.º 1969, que determinou a criação de um ensino complementar da escola primária, de feição regional, prática e utilitária; infelizmente, essa lei ainda não teve execução, e só esta poderia, a meu ver, dar satisfação à verdadeira campanha dos adultos!
Ouso chamar a atenção do Sr. Ministro da Educação, a quem dirijo deste lugar as minhas saudações, para este progressivo é patriótico empreendimento.
Prevê também a proposta uma reforma do crédito, e confio em que o Sr. Ministro das Finanças não esquecerá nessa reforma o estudo das facilidades a introduzir na concessão dos pequenos créditos de fomento agrícola.
Finalmente, confiemos igualmente em que, pelo Ministério da Economia, a assistência técnica à, nossa agricultura possa libertar-se das peias burocráticas e tomar contacto com as realidades, tornando-se verdadeiramente orientadora e protectora eficaz das actividades agrícolas regionais.
Como bem diz o relatório do Sr. Ministro das Finanças, compete a iniciativa privada produzir mais e melhor, mas não o poderá fazer se não for orientada e apoiada com decisiva eficiência pelas estâncias superiores.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Elísio Pimenta: - Sr. Presidente: propõe-se o Governo, ao enunciar os princípios a que deve ser subordinado o orçamento das despesas com a assistência à doença, dar preferência, em 1956, ao desenvolvimento de um programa de combate à tuberculose.
Para se determinar o extraordinário alcance da disposição do artigo 16.º da Lei de Meios em discussão torna-se necessário completá-la com os esclarecimentos prestados pelo Sr. Ministro das Finanças no seu notável relatório, que me permito ler:
Sem prejuízo das realizações em curso e das comparticipações que até aqui se têm considerado, espera-se que durante a execução do orçamento para 1956 seja possível inscrever as verbas correspondentes ao primeiro ano de realização de planos assistenciais que o Ministério competente tenha definitivamente estudados e prontos para execução. Será de mencionar desde já, quer pelo seu estado do adiantamento, quer pela importância e necessidade, a execução de uma campanha contra a tuberculose - campanha que procurará encarar e resolver a totalidade dos problemas que se apresentam na luta contra a doença.
De tudo se conclui:
Que o ano de 1956 será o primeira da realização de planos assistenciais - e não apenas de um plano, que, pelo seu estado de adiantamento e pela premência da sua execução, poderia ser o da tuberculose - estudados pelo Ministério do Interior, sendo de admitir a possibilidade de inscrição no orçamento das verbas necessárias à sua execução;
Que a luta contra a tuberculose revestirá a forma de campanha nacional, para a qual se inscreverão no orçamento as verbas consideradas indispensáveis.
Depois do plano de fomento económico, do plano de fomento da educação popular e de outros, executados ou em execução, e que constituem o valioso activo de uma política de valorização nacional, está finalmente em marcha o plano de saúde pública, tantas vezes reclamado nesta Assembleia.
Louvores sejam dados a quantos por ele se bateram; louvores a quantos o tornaram possível!
Sr. Presidente: a proposta em discussão, luminosamente esclarecida pelas palavras que há pouco li do Sr. Ministro dos Finanças, a par da obra realizada nos sectores da saúde e da assistência pelos Srs. Ministro do Interior e Subsecretário de Estado da Assistência Social, é aval suficiente de que se vai dar um passo decisivo para o prestígio de Portugal como nação civilizada.
Em Portugal - justo é dizê-lo - muito se fez também nestes últimos trinta anos no combate à doença, sobretudo se atendermos a que se partiu quase do zero, como em tantas outras coisas. Os números podem dar-nos um pouco a medida da tarefa.
E que, muito embora levando em conta a desvalorização da moeda, o aumento das verbas destinadas a saúde e à assistência social atingiu nestes últimos anos proporções de vulto.
O aumento em 1955 das verbas despendidas com esse destino, em relação a 1938, isto é, ao último ano antes da guerra, foi superior a 450 por cento.
Em 1938 gastaram-se nos sectores da saúde e da assistência públicas 83 517 contos; em 1955, e somente até 23 de Novembro, atingiram-se os 380 543 contos.
Na luta contra a tuberculose a percentagem de aumento é ainda maior - cerca de 600 por cento -, pois passou-se de 12 915 contos em 1938 para 75 657 no ano corrente e até 23 de Novembro findo.
E, se colocarmos a par dos números o extraordinário trabalho de estruturação dos variados problemas da saúde e da assistência, que vai do Estatuto da Assistência Social, de 1944, até à lei reguladora da luta contra a tuberculose, de 1900, e a que esta Assembleia prestou decidida colaboração, não se pode dizer, com verdade, que esses problemas hajam sido desprezados ou sequer descurados.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Fez-se muito? Sem dúvida, e ninguém de boa fé o poderá negar. Mas poder-se-ia ter ido mais além?
Também me parece que sim, se na hierarquia dos problemas nacionais, tantos e tão variados e por vezes e tão difícil solução, sobretudo - nunca será de mais repeti-lo - quando em tantas coisas foi preciso começar pelo princípio, se tivesse dado lugar mais alto à saúde e à assistência.
Pena não podermos dizer que a tuberculose no nosso país deixou de ser uma doença social, como acontece na Dinamarca, na Holanda e na Suíça, ou que neste momento o nosso armamento antituberculoso se não possa colocar a par do da vizinha Espanha, cujo número de camas aumentou, em curto prazo, de 5 000 para 22 000, e serão 26 000 dentro em breve, e onde se faz um esforço sério no rastreio e na profilaxia da doença. Parece, porém, que estamos u acertar o passo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: é hoje posto à Assembleia Nacional o desejo do Governo de iniciar em 195G uma campanha nacional da saúde, que implica necessariamente o gasto de meios avultados e uma verdadeiro mobilização da Nação.
Página 142
142 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 106
Há menos de um ano tive oportunidade de agradecer no Sr. Subsecretário de Estado da Assistência Social a instalação em Braga de uma enfermaria-abrigo para tuberculosos, só possível graças à maneira generosa como S. Ex.ª soube compreender o entusiasmo de meia dúzia de pessoas, que não era mais, aliás, do que o eco do seu interesse por tudo quanto respeita ao sofrimento humano, que o coração mais do que o dinheiro pode mitigar.
Recordo-me de nessa altura, em palavras de sentidíssimo reconhecimento, ter afirmado ao Sr. Ur. José Guilherme de Melo e Castro a minha arreigada fé, que era a de muita gente, no início breve da campanha nacional da saúde.
Foi com dobrado interesse que, tempos decorridos, em 23 de Maio findo, no salão nobre da Santa Casa da Misericórdia de Braga - honra nunca mais assinalada e agradecida -, no seu belo discurso de encerramento da 25.ª Semana da Tuberculose, lhe ouvimos a primeira afirmação concreta dessa campanha, no apelo à colaboração da Nação, em correspondência com os esforços do Estado, já então a crescer na luta contra o mal.
Mas não têm sido outra coisa, verdadeiramente, essas mil e muitas camas mais postas neste último ano e meio à disposição dos doentes tuberculosos pobres, quando em 1926 na totalidade dos sanatórios do País nos ficávamos por um número inferior - não mais de mil.
E outro tanto a colaboração das Misericórdias do País, hoje ainda, felizmente, o padrão mais elevado da caridade cristã, instalando abrigos para os doentes pobres dos seus concelhos.
E até o labor infatigável do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos, apesar dos reduzidos meios de que dispõe, na luta contra o aumento da morbilidade pela doença ou na preparação dos planos de incremento do rastreio da população pela microrradiografia e da vacinação pelo B. C. G.
Sr. Presidente: o artigo 19.º da proposta de lei, subordinado ao capítulo da política rural, consigna, como aliás as propostas das leis de meios referentes aos anos anteriores, uma ordem de precedência dos investimentos ou auxílios financeiros destinados a promover a melhoria das condições de vida dos aglomerados rurais.
Sem pretender entrar propriamente na apreciação da proposta na especialidade, quero todavia dar desde já o meu aplauso à permanência na Lei de Meios de uma disposição que. bem se adaptando aos fins para os quais os corpos administrativos mais frequentemente solicitam auxílios financeiros, impede, por outro lado, a concessão desses auxílios para despesas não reprodutivas ou de diminuto interesse público, que preterissem muitos vezes a realização de melhoramentos de indiscutível vantagem para a vida das populações.
Vozes: - Muito bem!
0 Orador: - Ainda não há muito procuraram o meu patrocínio junto do Ministério das Finanças para um empréstimo destinado à abertura de uma rua, quando na localidade tudo ou quase tudo está por fazer em matéria de sanidade pública.
Permito-me, porém, discordar da ordem de preferências estabelecida na proposta, à luz das considerações feitas e da necessidade de interessar directamente os corpos administrativos na campanha da saúde, e desde já na que se vai iniciar contra a tuberculose.
Não merece dúvidas que, por maiores que sejam os meios financeiros consignados pelo Estado ;para essa campanha, nunca eles por si sós serão bastantes para a levar a cabo vitoriosamente.
O Governo tem de coutar com a colaboração da Nação, quer pela perfeita compreensão dos problemas que ela traz consigo, entre os quais avulta o da profilaxia da doença, quer ainda pela participação da iniciativa particular, através das Misericórdias e de outras instituições de assistência.
Mais do que isso, e já como processo, deixar a cada concelho do País, embora sob a orientação, coordenação de meios, fiscalização e participação financeira do organismo responsável superiormente pela condução da campanha; a resolução, tanto quanto possível, do problema local da tuberculose.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A experiência permite-me afirmar que será este o caminho aconselhado se, na verdade, se pretende, como é facto, tirar à tuberculose, em poucos anos, o carácter de doença social.
A par de outras medidas de profilaxia não pode deixar de começar-se pelo internamento dos doentes bacilíferos. Puis bem: a luta contra n disseminação da infecção, através da sequestração dos doentes portadores de bacilos, as mais das vezes com formas crónicas, e o internamento imediato dos doentes precocemente diagnosticados, à falta de camas disponíveis nos sanatórios, de difícil ou impossível construção e apetrechamento pelo seu elevado custo, encontram a sua melhor objectivação nas enfermarias-abrigos concelhias instaladas em edifícios de fácil e barata adaptação e mantidas pelas Misericórdias locais em regime de cooperação do Estado.
A construção de sanatórios e o seu apetrechamento são coisas caras em qualquer parte do Mundo. Andam em Portugal por umas boas dezenas de coutos por cama.
Pois o custo das camas nos abrigos já instalados, contando com obras nos edifícios e apetrechamento, não tem chegado, tanto quanto sei, à dezena de contos.
E a mesma amplitude no que respeita à capitação diária dos doentes internados nos sanatórios e no? abrigos.
Em 1904 o custo médio diário de cada doente nos sanatórios do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos foi de 37$47; num abrigo já instalado, e, devo dize-lo, em boas condições, com capacidade para setenta doentes, o custo diário de cada um deles não excedeu em, sete meses os 1S$50 do subsídio de cooperação do Estado, incluindo-se nesse custo a alimentação, os medicamentos, salvo os específicos, as radiografias, as análises laboratoriais, a renda da casa, as gratificações aos médicos e a alimentação e os vencimentos do pessoal de enfermagem menor - ao todo umas vinte pessoas - e ainda algum auxílio às famílias dos doentes mais pobres.
Perante isto, só há que louvar rasgadamente a política do Subsecretariado de Estado da Assistência no sentido de estimular e de auxiliar técnica e financeiramente a criação destes abrigos.
Funcionam já alguns em diversos pontos do País e muitos mais. creio que uns sessenta, entrarão em funcionamento brevemente.
Oxalá em curto prazo possa funcionar um em cada concelho.
Seriam uns milhares de camas postos à disposição de tantos doentes conhecidos, uns, e de outros que o rastreio da população há-de revelar - tantas vexes com surpresa dos seus conviventes-, problemas de prestígio e até de decoro públicos solucionados e mais coroas de glória a acrescer às das nossas cristianíssimas Misericórdias, sempre inexcedíveis na prática da caridade.
Vozes: - Muito bem!
Página 143
10 DE DEZEMBRO DE 1955 143
O Orador: - A objecção que neste momento se me poderá fazer de que os resultados no tratamento dos doentes internados nos abrigos - onde há que levar em couta, por vezes, - a improvisação e a falta de preparação do pessoal médico e de enfermagem - serão, porventura, inferiores aos dos sanatórios responderei com o que há pouco disse ser função dos abrigos:
Impedir a disseminação do mal pelo internamento dos portadores de bacilos e tratar precocemente o número cada vez maior dos condenados n aguardar por longo tempo o seu internamento em sanatórios.
No entanto, poderei acrescentar, tanto quanto me é possível dizer de um dos abrigos em funcionamento, que deles já tiveram alta, em poucos meses, doentes comprovadamente curados e a maior parte dos outros internados apresenta sensíveis melhoras.
É que, além do tratamento adequado e do repouso, têm agora coisas que cá fora lhes faltavam: a alimentação e o amparo moral.
Sr. Presidente: o contributo dos corpos administrativos para a luta contra a tuberculose será, em minha opinião, do maior valor para o resultado final dessa luta.
Julgo não inovar filiando da participarão financeira das câmaras municipais nas obras e equipamento dos estabelecimentos de assistência.
Nada há na lei que a tal se oponha, antes o Decreto-Lei n.º 39 805, que define os princípios fundamentais quanto à responsabilidade dos encargos com a assistência hospitalar, autoriza expressamente que o produto das derramas possa ser aplicado na concessão de subsídios para obras ou equipamento dos hospitais sub-regionais.
Muitos dos abrigos para tuberculosos fazem parte, ou poderão vir a fazer parte, dos hospitais dessa natureza.
E para aqueles que assim não possam ser classificados fácil será tornar-se-lhes extensiva a lei.
Por outro lado, não se diga que u instalação dos abrigos em muitos casos não vem promover a melhoria, das condições de vida das populações rurais.
Infelizmente, Sr. Presidente, a tuberculose já não é um triste privilégio dos meios urbanos.
À disseminação da doença pelas aldeias, sobretudo nas regiões do centro e do norte do País, é verdadeiramente aterradora.
Quais as causas?
Não me proponho neste momento investigá-las, mas não andarei longe da verdade indo buscá-las na imigração - do estrangeiro e dos centros urbanos.
O regresso ao lar de tantos iludidos, que haviam saído dele sem nunca terem tido contacto com tuberculosos, portanto sem alergia adquirida, é facto a considerar no aparecimento da doença em regiões até há pouco virgens da infecção.
Para esse mau estado sanitário contribuirá também, e em grau elevado, o baixo nível de vida das populações rurais, a braços com as suas tradicionais dificuldades.
E muito pouco se podem avançar enquanto se não pensar a sério na valorização dos produtos da terra e em dar à agricultura uma organização que verdadeiramente a defenda.
Esperemos ao menos que o plano de saúde rural, nas preocupações instantes do ilustre Subsecretário de Estado da Assistência, não tarde a entrar em execução.
Entretanto, regozijemo-nos com o propósito do Governo de continuar uma política de melhoria das condições de vida dos aglomerados rurais, como consta de propostas de lei e a que a Câmara Corporativa dá lodo o seu aplauso.
As precedências consideradas na proposta de lei não merecem, em verdade, ser alteradas, salvo quanto a um único ponto.
No momento da mobilização da Nação para a luta sem tréguas à peste branca, ficaria bem conceder preferência absoluta aos investimentos e auxílios destinados à construção ou adaptação de edifícios para fins assistenciais.
Sr. Presidente: disse o Sr. Dr. José Guilherme de Melo ç Castro, no final do seu discurso de Braga a que me referi, que «a tuberculose é uma desgraça a conjurar depressa, é uma vergonha a dirimir discretamente. Precisamos de contra ela, no realismo da nossa era, exercer uma acção galopante ...».
Pois bem, eis a admirável síntese do que vai ser a campanha nacional contra a tuberculose.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Conjuremos depressa a desgraça, para que não seja, na verdade, uma vergonha nacional.
E à acção galopante que contra ela o Governo vai exercer a Nação corresponderá inteiramente, de alma e coração.
A nós, aos que a representamos, só resta, com rendido louvor, aprovar o que o Governo nos - propõe - alguma coisa de novo em Portugal.
Tenho dito.
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A próxima será na segunda-feira dia 12 do corrente, com a mesma ordem do dia da de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 40 minutos.
Srs. Debutados que entraram durante a sessão:
Amândio Rebelo de figueiredo.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Calheiros Lopes.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Augusto Cancella de Abreu.
Manuel Colares Pereira.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Paulo Cancella de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Tito Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Agnelo Ornelas de Rego.
Alberto Cruz.
Alberto Pacheco Jorge.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Antão Santos da Cunha.
António de Almeida.
António Rodrigues.
António Russell de Sousa.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa,
Página 144
144 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 106
João Afonso Cid dos Santos.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Maria Porto.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA