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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 109
ANO DE 1955 15 DE DEZEMBRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.° 109, EM 14 DE DEZEMBRO
Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mos Srs Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 14 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
Foi apurado o Diário das Sessões n.º 107.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Urgel Horta, sobre o universitário da morte de Sidónio Pais: Mendes Correia e Cid dos Santos, para se referirem induzimento
Ontem ocorrido do Prof. Egas Moniz: Pereira Viana, que chamou a atenção do Governo para a necessidade de a parte Viana que chamou a atenção do Governo para a necessidade de a parte de Viana do Castelo ser tornado acessível á navegação, nomeadamente aos navios da frota bacalhoeira: António Rodrigues, para solicitar providências quanto a certos problemas de interesse da cidade da Guarda: Teixeira de Sousa , para um requerimento: Mário de Albuquerque, Teixeira de Sousa para um requerimento: Mário de Albuquerque, para responder a consideração a uma sua anterior intervenção feitas pelo Sr. Deputado Santos da Cunha: Santos da Cunha para responder ao Sr. Deputado Mário Albuquerque: Melo Machado, para enviar um requerimento á Mesa.
Ordem do dia. - terminou o debate na generalidade sobre a lei de Meios.
Usaram da palavra os Srs. Deputados André Navarro, Augusto Gomes. Amaral Neto, Galiano Tavares, Almeida Garrett e Furtado Mendonça.
Passo-se seguidamente á decisão na especialidade, tendo sido votados e aprovados todos os artigos da proposta de lei, bem como algumas, adiantamentos e eliminações propostas durante o debate na generalidade.
Usaram da palavra no decorrer da discussão na especialidade os Srs. Deputados Mário de Figueiredo, Mendes do Amaral, Melo Machado, Moura Ribras e Amaral Neto.
O Sr. Presidente encerrou a sessão ás 20 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 3 minutos.
Fez-se a chamada, á qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Alberto Cruz.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteres Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
António Russell de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Artur Águedo de Oliveira.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Curiós de Azevedo Mendes.
Carlos Monteiro Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
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Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
João Afonso Cid dos Santos.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azevedo Pereira.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Sebastião Garcia Ramires.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 75 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 14 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.° 107.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto nenhum Sr. Deputado desejar fazer qualquer reclamação àquele Diário, considero-o aprovado.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofício
De Maria José Matos Veloso e outras remetendo cópia duma representação, que apoiam, de algumas mulheres do Porto pedindo uma amnistia para todos os que, por motivos políticos, se encontram presos ou com a liberdade dependente do decisão judicial.
Representações
Do S. Ex.ª Rev.ma o Bispo de Aveiro e outros pedindo uma amnistia, para todos os presos.
De Armindo Ricardo Moreira Pires Pereira e outros, no mesmo sentido.
De algumas mulheres do Porto pedindo ampla amnistia para todos os que, por motivos políticos, se encontram presos ou com a liberdade dependente de decisão judicial.
De Jorge da Trindade Vilares, capitão de cavalaria na situação de separado do serviço, por motivo de processo disciplinar, solicitando amnistia.
Telegramas
Do Grémio dos Armazenistas d Materiais de Construção do Norte apoiando as considerações do Sr. Deputado Santos da Cunha sobre concentrações e monopólios.
Da direcção da Associação Académica do Coimbra aplaudindo e agradecendo as considerações do Sr. Deputado Santos Bessa relativamente aos estudantes tuberculosos.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Urgel Horta inscreveu-se para usar hoje da palavra antes da ordem do dia. Qual é o assunto sobre que V. Ex.ª deseja falar?
O Sr. Urgel Horta: - Desejo falar sobre Sidónio Pais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Urgel Horta. Convido V. Ex.ª a subir à tribuna.
O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: em missão delicada, plena de emocionante responsabilidade, ao mesmo tempo dignificante e honrosa, sinceramente grata ao nosso espírito, criado e educado no culto e na admiração dos que, por seus altos méritos, prestigiaram e elevaram bem alto o nome de Portugal, subo a esta tribuna, cumprindo uma determinarão da minha consciência.
Recordar um período político já distante, na exaltação bem merecida de um Homem - Sidónio Pais - que foi em momento grave, encarnação viva da Fé, de Esperança, da Certeza no futuro de uma pátria, tarefa inteiramente justa e profundamente humana, bem própria de sentimentos que perfilhamos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sidónio Pais, o grande Presidente, detentor de um curriculum de tamanha grandeza; expoente de nível mental extremamente superiorizado, demonstrativo da valorização alcançada dentro de todos os sectores de actividade que exerceu, adquiriu, no conceito nacional e internacional, uma consideração e um respeito só concedidos às individualidades de real envergadura e merecimento.
Professor notável de Ciências Matemáticas, na velha e sempre renovada Universidade de Coimbra, soube dignificar e honrar, com a maior distinção, a cátedra, a que ascendeu por direito próprio. Oficial distinto da arma de artilharia, enobreceu a sua farda na prática de actos de coragem e valentia.
Diplomata, fino, fidalgo no trato e profundo no conhecimento da psicologia dos povos, desempenhou, com o mais alto aprumo e a mais perfeita distinção, missões
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de grande responsabilidade junto dos governos onde se encontrava acreditado.
Ministro de Estado do primeiro Governo constitucional da República, sobraçando a pasta do Fomento, o seu nome ficou vinculado a trabalhos preparatórios de reconstrução e progresso da nossa terra.
Foi verdadeiramente personalidade de uma rara e radiosa envergadura mental, com intensa preparação intelectual, social e política, bem adequada ao desempenho das altas fundões que o destino lhe havia reservado.
Mas é especialmente no plano político - e a política é a fonte vital das instituições - que neste instante o queremos Lembrar, fazendo justiça e prestando homenagem à sua memória, ao seu espírito e ao seu carácter, bem modelado em ouro e em aço finamente temperado.
A data cuja comemoração celebramos na Assembleia Nacional é data, tristemente assinalada pelos horrores de um crime, motivo de uma grande tragédia, que conduziu ao limiar de eternidade um dos nossos mais ilustres e mais representativos homens de Estado.
E esse crime abominável, sangue generosamente derramado em espírito de sacrifício, vendaval de trágica catástrofe, perpetrado contra todos os sentimentos de amor pela Pátria, lançou por terra a obra de verdadeira redenção nacional, iniciada desventurado Presidente, obra que, após largo interregno, pôde ser recomeçada em 28 de Maio, como fruto de abençoada sementeira precursora da época de grandeza, ordem, tranquilidade e tolerância em que presentemente vivemos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: para se compreender o significado ideológico tia revolução de Dezembro de 1917 é necessário conhecer-se o clima instável, a atmosfera pesada em que o País vivia na hora em que esse movimento deflagrou; movimento verdadeiramente nacional e republicano na sua origem e nos propósitos que o tornaram vitorioso.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - As suas causas originárias {oram as mesmas que alguns anos depois fizeram eclodir a revolução pacífica e salvadora do 28 de Maio.
As lutas partidárias assumiam carácter de viva intensidade. O respeito pela lei, obediência à autoridade, reconhecimento da hierarquia, sofria um desprestígio constante.
A ignorância ou não aplicação dos princípios essenciais, base em que assenta a vida da sociedade, revelavam fraqueza governativa como corolário consequente da sua débil acção.
A política estéril tudo dominava e os mais prementes interesses da grei eram esquecidos, esquecidos eram os grandes problemas nacionais: financeiro, económico e social, relegados para o perigoso plano inclinado das promessas vãs.
Tudo se perdia na agitação e na desorganização das actividades necessárias ao progresso e à vida da Nação. E Sidónio, na sua exaltação de amor patriótico, inteiramente dominado pela mística plena de devoção pela Pátria, quis pôr termo a período tão agitado, num sonho de redenção, integrando a República na sua pureza, como ele afirmava. E o 5 de Dezembro surgiu, e com a vitória iniciar-se -ia novo ciclo na, vida nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Foram as virtudes sempre comprovadas dos nossos soldados, levando como guarda avançada essa plêiade entusiástica e brilhante dos rapazes da Escola de Guerra, comandados por oficiais distintos e capazes, algum dos quais eu vejo e saúdo neste instante, depositários das mais altas virtudes militares - valor, lealdade e mérito -, património e orgulho magnífico da grandeza e da responsabilidade da sua alta função, que tornaram vitorioso o 3 de Dezembro, abrindo clarão de esperança na vida sombria da Nação.
Mas esse rutilante clarão, labareda intensa de fé, depressa se extinguiu. A morte do Presidente é página criminosamente negra na História de Portugal...
Vozes: - Muito Item!
O Orador: - . . . como páginas igualmente negras são aquelas que o sangue do grande rei que foi D. Carlos e do esperançoso príncipe real D. Luís Filipe manchou, para satisfação de sentimentos de ódio, vingança, e traição albergados em corações que têm na prática do crime o seu mais forte estímulo.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Quais as razoes que levaram a cometer-se tão horrendo atentado? Sidónio Pais quis opor à tirania dalguns a liberdade de todos. Ao ódio e à mentira que dividiam a família portuguesa, a verdade c, o amor. A injustiça, a razão e o direito. Quis ordem e moralidade na administração do Estado, em harmonia com a formação do seu carácter, da sua mentalidade.
Individualidade de grande projecção intelectual, moral e cívica, dotado de uma sólida formação política e humanística, inspirando séria confiança à nação inteira, mostrou sempre grandeza de alma no conceito que possuía da liberdade, defensora dos deveres e dos direitos essenciais da pessoa humana. E a Igreja não pode esquecer que um dos seus primeiros actos governativos foi a anulação dos castigos aplicados aos bispos e a outros ministros da religião católica e o restabelecimento de relações com Santa Sé.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E, -.10 falar no restabelecimento das relações com a Santa Sé. não posso nem devo, no instante supremo em que fazer inteira justiça- se impõe, esquecer o grande ministro de Sidónio Pais. Egas Moniz - defensor acérrimo desse memorável e transcendente acto, que ao Presidente prestou toda a sua leal, dedicada e valiosíssima colaboração e apoio.
O Prof. Egas Moniz, que acaba de desaparecer, entrando no reino da imortalidade, individualidade das mais notáveis du mundo actual, grande pensador e cientista, médico eminente, Prémio Nobel da Medicina de 1948, investigador profundo, diplomata e Ministro de Estado, merecedor das maiores homenagens perante a humanidade inteira, é bem digno, na hora que passa, de ser lembrado ao lado de Sidónio Pais, com quem colaborou tão devotadamente.
Austero, corajoso, enérgico, voluntariado e valente, de um idealismo sincero, vivia as aspirações, os anseios e as necessidades do povo, trabalhando devotadamente pelo seu bem-estar.
Firmemente situado no plano das ideias resolutivas dos magnos e variados problemas em que assentava o progresso da terra portuguesa, tentou dar novo rumo à vida nacional nos seus variados aspectos, combatendo o negativismo anárquico e proclamando os benefícios de uma política construtora e realizadora, inspirada
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na, confiança e RO respeito pela ordem, pela disciplina e pela moral.
E durante o curió período de um escasso ano Sidónio Vaia, gozando de um enorme prestígio de chefe, vitoriado e aclamado de norte a sul do País como nenhum outro o havia sido, multiplica-se e trabalha intensamente no traçado das directrizes supremas que iriam renovar o Estado, que ele queria autoritário e corporativo em todos os sectores da sua actividade.
E no campo da política, no seu aspecto financeiro, económico, social, intelectual e moral, revelando tis suas naturais qualidades de estadista, adoptou medidas verdadeiramente revolucionárias para a época, mas indispensável à boa e normal marcha dos negócios públicos, e a sua enumeração seria muito longa.
Sidónio tinha o culto da sua missão e, como republicano de princípios que sempre professou e jamais traiu, quis dar ao regime, como ele afirmava, aquela pureza que sempre sonhou.
E do alto desta tribuna, quando presidia à abertura solene da legislatura, que em novos moldes, semelhantes aos de hoje, se inaugurava em 25 de Julho de 1918, traçou eloquentemente o seu programa de governo, justificando todas as medidas decretadas até ao momento uni que ia entrar-se no novo regime constitucional. E esse discurso, que eu tenho na minha frente, contém afirmações que claramente definem personalidade de tanta valia:
Nunca trairei os princípios republicanos que defendo, sendo necessário que todos trabalhem para o engrandecimento da Pátria. Quem tiver a compreensão dos seus direitos e dos seus deveres saberá servi-la.
Assim falava quem à sua volta quis reunir todos os portugueses de boa vontade, fossem quais fossem os credos políticos, ambição que não teve a alegria, de viver realizada. Desfrutando da inteira confiança das massas populares, que nele viam o seu incontestado chefe, encarado nenhum outro as virtudes da Raça e batendo galhardamente pêlos seus princípios, faltou a Sidónio o apoio dos partidos políticos organizados, que, na sua cegueira, não quiseram compartilhar da sua obra sincera, obra de renovação, iniciada por um alto espírito de grande; e respeitado português.
Mas sempre, em todas as circunstâncias - é preciso afirmá-lo, e afirmá-lo bem alto -, encontrou Sidónio Pais o apoio - eminentemente patriótico do partido monárquico, que colocou no plano mais alto do seu programa u paz, o progresso e o ressurgimento da Pátria. E se o seu lema a sua divisa, a trilogia Deus, Pátria e Rei não podia viver em toda a sua grandeza, em todo o seu esplendor. Deus e a Pátria eram um vínculo suficientemente forte para selar perante Sidónio Pais um compromisso de honra que não podia quebrar-se.
Sr. Presidente: o desaparecimento de Sidónio Pais criou gravíssimos problema* à vida da Nação. Aos momentos de dúvida sucederam-se períodos de inquietação, que sacudiram fortemente a tranquilidade em que decorria a vida portuguesa.
São decorridos trinta e sete anos e temos bem viva e bem presente a lição, dura lição, recebida e aprendida no período que se lhe sucedeu. Não podem e não devem esquecer-se acontecimentos e ensinamentos colhidos nesse passado distante, desprezando miragens enganadoras, e continuando a nossa marcha serena e firme, sem desvios, no caminho da renovação e do engrandecimento da Pátria a quem todos dedicamos o mesmo afecto.
Sr. Presidente: Fernando Pessoa, o grande e inolvidável poeta nacionalista, que hoje ocupa, por direito de conquista, unanimemente reconhecido, o mais elevado grau na hierarquia do pensamento português contemporâneo, dedicou a memória do Presidente o seu Poema, Heróico, em que são cantadas com mística e sentimental beleza a vida e a morte de Sidónio.
Na leitura e na meditação desse poema, sinfonia heróica que um sopro trágico culmina, vive assombrosamente, em toda a sua grandeza e em todo o seu esplendor, o idealismo nacionalista de um homem cujo nome ficou gravado no coração do povo.
Sr. Presidente: à sombra das majestosas arcarias das naves do Mosteiro dos Jerónimos, cujas pedras seculares são evocação sentida das imorredouras glória» de como pátria, grande e respeitada pelo abnegado e hierárquico esforço dos seus filhos, dorme Sidónio Pais na tranquilidade perpétua de uma consciência, produto do dever honrado e dignamente cumprido.
A seu lado descansa da longa vigília o marechal António Oscar de Fragoso Carmona, nome que e um símbolo de bondade, de sacrifício, de lealdade e da grandeza de Portugal, que com tanta inteligência, tanta distinção e tanta dignidade presidiu à obra gigantesca de renovação, que a História apontará como período dos mais brilhantes da nacionalidade.
Um e outro bem mereceram Pátria, como grandes Chefes de um povo, que dedicadamente serviram e amaram. Glorifiquemos neste momento o sacrifício heróico de Sidónio Pais, cujo último pensamento foi ansioso apelo dirigido à Nação: «Rapazes! Salvem a Pátria!».
E a sua derradeira exortação foi escutada e foi cumprida. O presente assim o afirma.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente: não é um elogio académico que vou proferir, mas simplesmente algumas palavras assinalando nesta Casa um lutuoso acontecimento de que há pouco tive conhecimento.
Todos presumem decerto qua se trata do desaparecimento da figura, por muitos títulos ilustre, do Prof. Egas Moniz.
Não vou falar dos variados a complexos aspectos da sua personalidade. Não vou traçar uma sua biografia pormenorizada ou vincar os passos mais importantes da sua obra científica e cultural.
Procurarei apenas registar, rapidamente, com o realce que merece, parte da acção, por vezes fulgurante, desenvolvida neste pais e fora dele, pelo eminente académico e médico que foi Egas Moniz.
É sobretudo ao seu labor investigador, coroado de um êxito único entre os dos trabalhos de investigadores portugueses -o Prémio Nobel-, que eu farei nestas minhas sumárias palavras uma alusão, que entendo ser absolutamente cabida, como expressão duma homenagem colectiva e pessoal.
Egas Moniz foi o nosso único consagrado pelo Prémio Nobel, num pais que tem tido, graças a Deus, através da sua história e sobretudo em períodos culminantes desta, manifestações bem patentes, bem impressivas, do valor da sua contribuição para o progresso da ciência e da cultura.
Fez Egas Moniz uma brilhante carreira universitária; primeiro na velha e gloriosa Universidade de Coimbra, onde foi professor, e depois também na Universidade de Lisboa, na cátedra de neurologia. Há, a meu ver, na sua vida cientifica, na sua vida de investigador, um encadeamento lógico que a muitos poderá ter escapado.
Como neurologista, interessou-se pêlos problemas candentes postos nos domínios da neurologia e da psiquiatria pelas desgraças da guerra de 1914. Escreveu um livro.
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cheio de interesse sobre a Neurologia na Guerra, e do estudo dos espantosos traumatismos, sobretudo cerebrais e de várias ordens, recebidos por vitimas dessa grande conflagração militar, Egaz Moniz passou à aplicação de processos novos em diagnóstico e no tratamento das doenças nervosas e mentais. Há um encadeamento lógico entre a Neurologia na Guerra e a sua descoberta, de inegável merecimento, que foi a angiografia cerebral, como existe também um mesmo encadeamento com os seus trabalhos anteriores de leucotomia frontal.
Eu fui, meus senhores, aqui o confesso, uma voz algo discordante em plena Academia das Ciências, na presença de Egas Moniz, quando ele apresentou pela primeira vez o seu método da leucotomia. Eu tinha a sensação de que se cortava um pouco ao acaso e não me agradava uma neurocirurgia fundada em cortes feitos de tal modo. Mas a verdade é que alguns resultados da aplicação da leucotomia eram francamente satisfatórios; traziam consigo algumas modificações mal esclarecidas da personalidade, mas traziam inegáveis, maravilhosos, benefícios no combate aos sofrimentos de muitos doentes. Quem, como eu próprio, tem estado em contacto com a tortura, com a dor imensa de alguns doentes mentais, não pôde deixar do considerar benvindo um processo técnico que aliviava mal tão impressionante.
Muitos destes doentes consideram uma verdadeira bênção caída do Céu tudo que possa servir de bálsamo para dor tão alanceante, tão profunda, mais até que as mais violentas e lancinantes dores físicas.
Comecei, entretanto, a ter noticia de alguns dos seus êxitos clínicos. Porém, numa viagem a Londres, procurando curiosamente - com a curiosidade de quem estuda - nas prateleiras da Imprensa Nacional britânica, com as maiores facilidades de acção da parte da respectiva direcção, para ver quais as publicações oficiais ali existentes mais directamente ligadas a assuntos que me interessavam, encontrei e adquiri o relatório oficial inglês sobre o método de Egas Moniz. Esse relatório, baseado em centenas de casos, concluía pela apologia aberta desse método.
Não creio na deformação do espirito de justiça, do espirito critico e do espirito científico dos médicos ingleses, que calmamente fundaram em numerosa série de observações o estudo do valor do método Egas Moniz. Mas este continuou suscitando algumas discussões, o que não impediu que, ampliado ou substituído, porventura, por outros métodos, viesse a fornecer material, precisamente, de observação, de análise, de um dos problemas mais inquietantes, perturbantes, do espirito humano : o mecanismo do pensamento, a psicofisiologia.
A verdade é que, graças a um tal processo experimental, foi possível dar alguns passos em frente na matéria importantíssima do esclarecimento da fisiologia cerebral e da psicofisiologia, mas não estou falando como médico, nem, como disse, com o propósito de fazer um elogio académico. Estou apenas a procurar mostrar como, a pouco e pouco, no meu espirito, que a princípio recebeu este novo trabalho com dúvidas, se fez uma evolução, se fez justiça ao esforço e labor cientifico de Egas Moniz.
E não quero também deixar em silêncio, deixar de falar na brilhante falange dos colaboradores do Mestre. Não quero deixar de assinalar que contribuíram valiosamente para o êxito das suas investigações trabalhadores dos mais distintos deste pais no terreno da medicina.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não se confinou Egas Moniz à medicina e ao estudo da fisiologia do sistema nervoso central. Somos-lhe devedores de monografias que o seu talento como homem de gosto, como homem de cultura, nos deixou sobre alguns ternas literários e de outra natureza. Citarei apenas os seus estudos sobre Júlio Dinis, aliás médico também e romancista, sobre o abade de Faria e o hipnotismo, sobre p papa João XXI, sobre a necrofilia de Camilo, sobre Oscar Wilde, etc.
Egas Moniz, na sua carreira científica, começara por publicar um livro que não é seguramente a sua melhor obra e que suscitou no entanto uma curiosidade, a meu ver, mórbida. Esse livro foi A Fida Sexual. Não era seguramente uma prova brilhante da originalidade e mérito do investigador que viria a ser, o qual viria a compensar, largamente, como vimos, a banalidade algo escandalosa desse primeiro trabalho.
A política atraia-o. Foi Deputado, um dos mais buliçosos na velha Câmara monárquica, na antiga dissidência progressista, na qual acompanhou José de Alpoim. Chegou a ser revolucionário militante, chegou a conhecer a prisão, tendo-se voltado depois, felizmente, pelo desfavor (para ele e para os seus trabalhos providencial) do ambiente político, para os assuntos de neurologia e da ciência. Teve um largo interregno na sua actividade cientifica, para depois, com o advento de Sidónio Pais (ainda há pouco aqui recordado com a mais devida das homenagens), surgir no plano político para uma transformação política do País.
Foi parlamentar, leader da antiga Câmara dos Deputados, Ministro dos Estrangeiros, presidente da delegação portuguesa à Conferência da Paz depois da guerra de 1914-1918. Mas uma nova situação sucedia à situação malograda de Sidónio Pais, e Egas Moniz recolheu de novo à penumbra activa da sua actividade cientifica, certamente muito mais meritória e fecunda.
Estou convencido de que, se as circunstâncias dessa época tivessem sido diferentes, Egas Moniz teria sido um político brilhante, graças às suas qualidades de fluência o de vivacidade, mas não teria tido o Prémio Nobel.
No meu convívio com Egas Moniz senti sempre o seu charme, o encanto da sua actuação.
Tendo parecido a muitos um epicurista, uma pessoa que procurava gozar calma, tranquila, e agradavelmente a sua existência, foi, porém, como muitos saltem, o homem que passou dores alanceantes, por virtude de uma doença que durante anos o não abandonou, e foi vitima, como alienista, de um atentado de um doente mental, no próprio consultório, atontado esse que lhe deixou cicatrizes indeléveis.
A par da elegância, da distinção, da intensidade de vida social que havia em Egas Moniz, ele possuía, algumas das grandes qualidades que caracterizam o génio.
Não seriam, por vezes, a erudição e os estudos mais profundos que o conduzir iam aos seus resultados, mas sim a iniciativa, a vivacidade de imaginação, o próprio ardor da sua coragem intelectual.
Outros recuariam em actuar como ele, por virtude da timidez, do respeito quase religioso que merece a integridade do nobilíssimo órgão que ó o cérebro humano, tanto como o devido à vida quer física quer psíquica. Mas Egas Moniz teve o denodo necessário e coube-lhe a felicidade de triunfar de escolhos que a sua iniciativa e a sua coragem lhe podiam ter proporcionado.
Prestou Egas Moniz inegáveis serviços a um sector médico-cirúrgico da maior importância, actualidade e transcendência. É espantoso o que no campo da neurologia e da psiquiatria se tem avançado nos últimos decénios. Tem-se progredido muito na terapêutica neuro-psiquiátrica, que ainda conheci reduzida a processos e medicamentos que se podiam contar pêlos dedos da mão. Progrediu-se simultaneamente no conhecimento dos mecanismos fisiopsíquicos, conhecimento a que Egas Moniz deu valiosíssima contribuição.
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Desapareceu uma grande ligam nacional, uma figura destacante da sociedade portuguesa, desapareceu um alto valor da ciência e da nossa cultura. Um tal facto não pode ser assinalado apenas nas noticias dos jornais e nos elogios académicos. A meu ver, deve ter o devido oco nesta Assembleia, que representa a Nação, que é a voz da Pátria, duma pátria feita não só do labor e do mérito de muita gente anónima, humilde, ignorada, mas também da actividade de grandes figuras mentais, como Egas Moniz. Se devemos culto e reconhecimento aos primeiros, a essa gente anónima, devemo-los também aos que na ciência e na investigação dignificam o prestigiam este país. Devemo-los aos grandes homens de Portugal, e Egas Moniz foi, sem dúvida, perante o Pais e o Mundo, uma das mais gloriosas e brilhantes personalidades, portuguesas du nosso tempo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cid dos Santos: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: permitam-me VV. Ex. ªs que por uma vez, eu não trate do assunto no qual me tenho fixado.
Como único professor aqui presente da Faculdade de Medicina de Lisboa, julguemos direito, e com o dever, de dizer duas palavras sobre o homem de ciência que acabamos de perder.
É evidente que Egas Moniz, como todo o homem muito inteligente de com um espírito aberto, distribuiu a sua actividade intelectual por vários sectores.
Sabemos todos que foi um homem de letras um e activo, além da sua vida du cientista, ver professor ilustre.
Mas para se julgar esses aspectos é necessário que a crítico trabalhe nos mesmos terrenos. Particularmente do campo da política é necessário ser-se um político - e aí de mim que não tenho essa honra, pois sou apenas um cirurgião.
Mas o que eu julgo essencial vida de Egas Moniz e torna o sou nome perene é a obra científica.
É curioso verificar como chegou a essa obra.
Começou a sua vida em Coimbra, como oftalmologista, e foi por mera casualidade que passou para Lisboa, piara a madeira de Neurologia.
Egas Moniz não era um neurologista, foi só a partir desse momento que ele se interessou por tal ciência.
Mas, apesar disso, foi neurologista que se tornou conhecido, tratando bem e ensinando bem. Não teria, todavia, passado daí se na segunda parte da sua vida. ele não enveredasse nesse caminho da investigação, com uma actividade extraordinária. Isso mostra que não há períodos electivos para a imaginação e que iodo o momento é de produção, e Egas Moniz é, talvez, um dos exemplos mais frisantes do que acabo de dizer.
De facto, os dois aspectos essenciais que vão fixar o nome de Egas Moniz entre os nossos homens de ciência foram aqueles- a que se dedicou no outono da sua vida ou sejam da angiografia e a leucotomia cerebral.
Não deixa, de ser interessante examinar em resumo a criação da angiografia cerebral.
O que determinou esse estudo foi o desejo de conseguir localizar os tumores do cérebro, o que até aí era muito difícil, pois todos os métodos que se tinham descoberto eram insuficientes.
A ideia de Egas Moniz foi a de tornar possível localizar esses tumores. Isso leve uma importância capital, pois conduziu à criação de um método novo, isto ó, à abertura de um novo sector na investigarão clínica do homem doente. Assim, foi depois de Egas Moniz ter visualizado os vasos do cérebro que meu pai, vendo
na opacificação dos vasos do cérebro as bases de um método de aplicação geral, se lançou no estudo do da arteriografia dos membros e criou a aortografia. Foi a partir desta ideia que Lopa de Carvalho criou angiopneumografia e que eu próprio, mais tarde, iniciei o estudo do sistema venoso. Foi a partir deste núcleo de investigações que depois outros autores estrangeiros conseguiram a visualização do coração e dos grandes vá sós e dos da circulação do sistema porta.
Foi por tudo isto que Portugal pôde ser colocado no primeiro plano dos trabalhos sobre este novo sector.
O método seguido por Egas Moniz para chegar à visualização dos vasos cerebrais no homem vivo foi modelar. Após o nascimento da ideia fundamental, estudou os aspectos radiográficos dos vasos cerebrais no cadáver; depois realizou os- primeiros ensaios no animal vivo, procurando corrigir os inconvenientes depois foi a angiografia ensaiada pela primeira voz no homem vivo em casos perdidos e, enfim, entrou na realização do método nos casos em que ele estava indicado.
Isso tudo nunca o teria conduzido, porém, ao Prémio Nobel.
Poucos sabem que o espírito do Prémio Nobel não se dirige a uma pessoa, a uma inteligência, a uma mentalidade. Dirige-se a uma ideia nova. Por isso nós conhecemos untos homens que exerceram extraordinária influência sobre a vida humana, pela forma como consideraram os problemas, pelo seu espírito filosófico, pela sua inteligência ou pelo seu exemplo, e não receberam qualquer Prémio Nobel. O Prémio Nobel da 'Medicina é concedido à ideia ou à descoberta que transforme um sector desta ciência, para bem da humanidade.
A obra de Egas Moniz que abriu um sector novo para bem da humanidade foi a leucotomia.
Com a leucotomia consegue-se modificar cirurgicamente a mentalidade do homem. A sua aplicação na doença abriu perspectivas inteiramente novas. A ideia é, na realidade, extraordinária e seria digna de um H. G. Wells, com a diferença de ([110 Wells apenas realizava as coisas no papel e no espaço, enquanto que Egas Moniz teve de realizar a ideia a valer, no próprio homem.
A leucotomia realiza assim a, condição-tipo para um Prémio Nobel. Ainda não sabemos hoje até que ponto essa ideia pode conduzir a cirurgia do cérebro. Mas, se a possibilidade de alterar a própria mentalidade de cada homem levanta, evidentemente, graves problemas de ordem moral, não se discute u importância do novo campo aberto no tratamento das doenças mentais.
Foram estas duas realizações que colocaram Egas Moniz no plano em que se encontram os grandes cientistas internacionais. É necessário que nos representemos bem o que isso significa mima época como a nossa, cm que os homens de valor e os medíocres são misturados á custa dos mesmos adjectivos. Egas Moniz foi um dos raros homens que ocupam um lugar de destaque dentre os poucos homens de ciência que preconizamos.
Foi o que se pode dizer, com toda a propriedade, um homem ilustro. Conseguiu mais do que isso - ganhou a vida.
A vida de um homem pública - seja qualquer for o sector em que ela se exerça - exige mais alguma coisa que o seu valor pessoal. É preciso que esse homem possa olhar para trás e reconhecer que da sua personalidade e da sua actividade resultou um bem para a colectividade. Só assim, se ganha a vida.
Podemos dizer que Egas Moniz foi um homem que, através dos seus inevitáveis defeitos, das suas fraque-
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zás e das inferioridades, soube ganhar a vida pública, e eu não conheço que melhor elogio se possa fazer a uma personalidade.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pereira Viana: - Sr. Presidente: permita-me V. Ex.ª que peça a atenção do Governo, e em especial do Sr. Ministro das Obras Publicais, paru o porto de Viana do Castelo no que respeita principalmente às dificuldades que oferece o acesso da sua burra.
Duas razões me levam a fazer o pedido: a primeira è a necessidade premente da utilização das docas secas existentes naquele porto; a segunda é a manifesta conveniência de evitar o agravamento das despesas dos navios bacalhoeiros que ali têm a sua base com a entrada nu porto de Leixões antes de poderem demandar a barra de Viana.
Outra, razão existe ainda, a essa de natureza político-militar.
É de facto do conhecimento de V. Ex.ª que os métodos de guerra modernos aconselharem a dispersão dos centros industriais, para, no caso de inutilizarão de alguns deles por actos de guerra, haver ainda a possibilidade do alguns recursos.
Na costa de Portugal metropolitano e mesmo em todo o seu território nacional, apenas os portos de Lisboa e de Viana dispõem de docas secas.
Este facto, só por si, justificaria a conveniência de não mantermos apenas as docas de Lisboa em posição de serem facilmente utilizadas, mas de preparar, prudentemente, o aproveitamento dos outros recursos existentes.
Conhece a Câmara o desenvolvimento atingido pela marinha mercante nacional nos últimos dez anos o não voa, por isso, fazer-lhe qualquer referência especial.
Ora da indústria dos transportes marítimos vivem outra s indústrias ou actividades - anexas, cujo desenvolvimento também se verificou, por virtude da necessidade de acompanhar o ritmo do acréscimo de tráfego que o aumento de tonelagem fez surgir.
Criaram-se novos estaleiros, adaptaram-se os antigos à construção naval de ferro e hoje é possível e fácil a reparação dos navios da frota mercante, no que respeita ao seu equipamento ou ainda à reparação das obras mortas. Para beneficiações periódicas do fundo, alinhamento de veios, substituição de hélices, obras de cadaste, reparação de capas de fundo, etc., já as facilidades faltam por vezes.
É que o problema de querenagem dos navios ainda não foi resolvido convenientemente.
Entendeu o Governo, e muito bem que os meios de querenagem deveriam acompanhar a par a passo a evolução da frota, e para a apreciação das soluções mais adequadas mandou por portarias de Janeiro de 1948 e de Julho de 1952 respectivamente dos Ministérios das Comunicações da Presidência do Conselho, nomear comissões de estudo.
Previu-se então a construção de uma grande doca seca no porto de, Lisboa, com o comprimento de 230m a 250m e possibilidade de aumento para 300m apresentando também a segunda comissão um estudo sobre 05 vários locais em que a doca poderia ser construída.
E no Plano de Fomento pura o período de 1953-1958 foi inscrita uma verba de 200 000 contos para a construção de uma dona seca no porto de Lisboa que pudesse comportar, não só os maiores navios nacionais, mas ainda a quase totalidade dos estrangeiros que frequentam este porto.
Entretanto não consta que até à data tenha sido tomada qualquer resolução sobre o assunto, possivelmente por não estarem ainda concluídos, os estudos relativos à localização da doca.
E não devemos, contudo, esquecer que os primeiros navios do plano de renovação da marinha mercante, não falando mesmo dos antigos ainda ao serviço, estão a fazer dez anos entrarão efusivamente num período em que a assistência técnica vai exigindo maiores atenções e mais prolongadas demoras em doca seca.
Para os beneficiações normais e pinturas do fundo as docas existentes já se mostram - insuficientes, e o facto é que, devendo o intervalo das docagens não ir além de seis nesses, a maioria dos navios suporta períodos bastantes maiores por falta oportuna de dota, com prejuízo evidente da conservação do material sujeito à corrosão e da própria exploração, tendo em conta que, para manter a velocidade do cruzeiro quando o fundo está sujo, se exige maior potência via máquina, o que se traduz naturalmente em maior consumo de combustível.
Quando os navios não estão empenhados em carreiras nacionais, os armadores aproveitam às vezes as escalas por portos estrangeiros para ali procederem ás reparações normais. Mas listo significa a exportação de divisas e prejuízo para a indústria nacional e, por isso, se procura evitar, tanto quanto possível.
Mesmo assim o número de navios que no ano em curso utilizaram docas no estrangeiro foi de vinte o cinco, a que correspondeu a despesa de 1722 contos.
A grande doca a construir em Lisboa atenuará certamente a maior parte destes encargos porquanto basta dizer que só o Santa Maria ou o Vera Cruz, sem contar com os gastos de viagem, tom uma despesa média da ordem dos 104 contos por cada entrada na doca de Cádis, por não haver doca em território nacional que os possa receber.
Além disso a utilização dessa doca irá aliviar o serviço das outras docas do porto de Lisboa e permitirá até sem prejuízo da navegação nacional, a querenagem de navios estrangeiros.
Infelizmente, porém, como se disse, a sua construção está atrasada e um bom par de anos decorrerá sem que possamos utilizar as suas vantagens.
Como recurso imediato, aparecem-nos as duas grandes docas de Viana do Castelo.
E foi ainda o Governo que previa a necessidade da sua utilização, por ter reconhecido não serem as ide Lisboa em número suficiente, e já no relatório do Plano de Fomento se dizia:
Em Viana do Castelo prevêem-se obras de acesso ao porto, de modo a tornar viável a plena utilização das docas recentemente construídas em condições naturais excepcionalmente favoráveis. Diminuir-se-á assim á querenagem em portos estrangeiros, com sensível economia de divisas e de tempo.
Como porto de pesca e bacalhoeiro, o conjunto ficará também consideravelmente valorizado.
E no Plano de Fomento foi, de facto, inscrita a verba de 20000 contos, distribuída pelos anos de 1953, 1954,1955 e 1956.
Vamos entrar no ano de 1956 e infelizmente, somos obrigados a constatar que os trabalhos estão atrasados e que as dificuldades de acesso ao porto persistem, por canal estar, praticamente, no que respeita á altura de água, nas mesmas condições.
Justo é salientar que o atraso das obras prejudica não só os navios que pretendem utilizar as docas mas todo o movimento do porto, e principalmente o dos
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(...) navios da importante frota bacalhoeira que ali tem o seu porto de armamento.
E que, sendo o calado dos navios, quando regressam da pesca, superior à altura de água nu barra, há necessidade de os mandar a Leixões para descarregar parte do peixe.
Esta operação de entrada em dois portos, descarga de bacalhau em Leixões e transporte ein camionetas por estrada até às secas em Viana, acarreta um excesso importante, de despesas e traz uma depreciação ao bacalhau de cerca de 10 por cento, por aumento dos refugos resultantes de avarias sofrias na movimentação.
Segundo elementos que me foram fornecidos, os encargos provenientes da arribada a Leixões foram:
Em 1952:
Despesa efectuada - 366.127$.
Bacalhau descarregado em Leixões - l 937 500 kg.
Em 1903:
Despesa efectuada - 598.041$.
Bacalhau descarregado em Leixões - 3 027 841 kg.
Em 1954:
Despesa efectuada. - 500.119$.
Bacalhau descarregado em Leixões - 2 473 641 kg.
Parece, portanto, que a necessidade da utilização das docas secas de Viana, a conveniência de evitar o agravamento das despesas dos armadores dos navios de bacalhau, cuja vida não parece muito próspera, e ainda a possibilidade de contribuir para a resolução do problema social, que graves aspectos oferece nas terras do Norte, garantindo o pão a cerca de mil pessoas que trabalham nos estaleiros, seriam, se outras não houvesse, razões de, peso para determinar a maior urgência nas obras de aprofundamento do canal da barra.
Por isso, e na minha qualidade de Deputado por Viana, ouso pedir a melhor atenção das estâncias superiores para as difíceis condições que oferecem o porto e a barra de Viana do Castelo, consciente de que; S. Exa. o Ministro das Comunicações, como bom minhoto que é, dedicará ao assunto o maior carinho e determinará sem demora as providencias para que se cumpra o plano preconizado pelo Governo com a urgência que o caso requer.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. António Rodrigues : - Sr. Presidente: a cidade da Guarda tem importantes problemas a resolver.
Entre todos, justo é destacar o do abastecimento de água, tão angustiante se me afigura.
A Organização Mundial da Saúde vem alimentando uma campanha tendente ao fornecimento de água potável a todos os aglomerados populacionais.
O Governo, câmaras municipais e juntas de freguesia do País inteiro têm considerado esse problema entre oa mais urgentes a satisfazer, dando-lhe especial relevo nos seus planos de actividade. E os resultados obtidos estão bem patentes aos olhos de todos: as distribuições domiciliárias, com água abundante e pura, multiplicam-se, e chafarizes e marcos fontanários surgem por toda a parte.
Só na Guarda o mesmo iproblema está longe de encontrar solução capaz, antes se vem agravando ano após ano, até que ultimamente assumiu aspectos gravíssimos. Por mais doloroso que isso me seja, não posso deixar de os referir do alto desta tribuna, sob pena de trair a missão que me foi confiada.
Devo, no entanto, afirmar que pouco importa saber a quem imputar responsabilidade.
O que é preciso, antes de tudo, é acabar com o facto estranho de ainda haver uma cidade, capital de distrito, que nào tem água suficiente para o consumo dos seus habitantes. A manter-se o actual estado de coisas, a chamada «cidade da saúde» só ironicamente poderá usar esse titulo.
Como haver saúde sem água? Como haver saúde com águas inquinadas, coloridas e fétidas?
E tudo isto foi possível na Guarda no último período de estiagem.
No sanatório e prisào-sanatório ali existentes cerca de mil doentes de todo o País vão procurar cura ou alivio para a sua doença, que exige sérios cuidados.
Como são possíveis estes cuidados sem água em abundância? Como é possível racioná-la em estabelecimentos daquela natureza ou fomecer-1ha em pequenos depósitos, como já se procedeu? E a Guarda a «cidade da saúde»? Não me atrevo a responder. Limito-me a formular o desejo de que aqueles doentes não venham a contrair ali doenças, em vez de curarem a de que são portadores.
A cidade da Guarda é justamente considerada uma «sala de visitas» de Portugal.
Assim deve ser, sobretudo para os estrangeiros que entram no País por Vilar Formoso.
Mas, a tal respeito, ocorre-me perguntar: como receber visitas sem água que permita o necessário saneamento da cidade, a rega das suas árvores e jardins e o abastecimento perfeito de hotéis e pensões?
Um dos nossos grandes hoteleiros dizia que o turista pode desculpar uma má refeição, mas exige que possa tomar um banho quente, a qualquer hora.
Tem havido a preocupação de tornar possível esta exigência no Hotel de Turismo. Convém, porém, nào esquecer que nem todos os turistas se instalam nele, e que a grande maioria se hospeda em pensões, onde tudo faltaria, se não fosse a dedicação das suas gerências. Convém também não esquecer que não é aconselhável dar a uns com abundância, até às portas da prodigalidade, e deixar que aos restantes falte um mínimo absolutamente necessário.
E não se vá supor que estou a exagerar, pois numerosas casas, no último Verào, nào tiveram 1 l de água na sua rede durante semanas consecutivas.
Os seus habitantes foram obrigados a recorrer a fontes, a quilómetros de distância, ou a esgotar os poços dos quintais, em delicadas condições higiénicas.
A Câmara Municipal não podia ficar indiferente a este estado de coisas e procurou, por todos os meios, acudir aos clamores que lhe chegaram, principalmente dos bairros novos, em que a situarão era mais aflitiva. Como os bombeiros que lutam desesperadamente no combate a incêndio devorador, utilizou toda a água que encontrou, sem curar de saber, é certo, as consequências terríveis que daí podiam advir.
Assim, foram lançadas na rede de distribuição águas de poços em exploração, que veio a saber-se estarem inquinadas, conforme análise feita no Instituto Superior de Higiene. A quantidade de terras que essas águas arrastavam tornavam-nas, por vezes, inutilizáveis e nào podiam deixar de prejudicar a já velha rede; mas era preciso fornecer alguma água, boa ou má, pura ou não. E, como esta solução ainda não bastasse, na camioneta dos serviços de limpeza, durante algumas horas do dia, era improvisado depósito para abastecimento dos menos favorecidos.
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Não se pode dizer que fosse solução ideal, por desagradável à vista e higienicamente duvidosa, mas nem por isso a camioneta deixava de ser recebida com justificada alvoroço, formando-se junto dela «bichas» intermináveis à procura de alguns litros do precioso líquido. O importante diário O Século publicou uma fotografia bem elucidativa a tal respeito e a quase totalidade da imprensa local e diária referiu-se à gravidade da situação, a que é necessário pôr termo.
Sr. Presidente: não preciso de me alongar mais a expor as condições actuais de abastecimento de água à Guarda. Tive a preocupação do nào carregar as tintas de um quadro já de si tão sombrio, mas a que não podia deixar de me referir. Felizmente que o Governo, sempre pronto a satisfazer as justas reivindicações dos povos, não podia, deixar de ouvir os clamores ingentes dos habitantes daquela cidade.
Creio poder afirmar que está altamente interessado na resolução daquele problema e que comparticipará as respectivas obras, logo que; esteja concluído o seu projecto. E, se uma solução definitiva não for possível desde já, tudo leva a crer que serão tomadas as providências necessárias para que a Guarda esteja suficientemente abastecida de água no próximo Verão.
A Câmara Municipal do seu concelho, a que compete especialmente tratar do assunto, estou certo não deixará de diligenciar nesse sentido. A Guarda será então, na realidade, a «cidade da saúde» e a «sala de visitas» de Portugal, para nacionais e estrangeiros, como bem merece.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Teixeira de Sousa: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a mesa o seguinte
Requerimento
«Roqueiro que, pelo Ministério das Finanças, me sejam prestadas as seguintes informações respeitantes ao regime sacarino da Madeira e aos anos sacarinos (l de Março a 28 de Fevereiro) de 1942-1943 a 1954-1955:
1) Quantidade total da cana produzida em cada ano:
a) Quantidade destinada ao fabrico do açúcar o de álcool;
b) Quantidade destinada ao fabrico de aguardente;
c) Quantidade destinada no fabrico de mel.
2) Preços estabelecidos em cada um dos referidos anos para a compra de cana sacarina;
3) Qual o número de autorizações concedidas para novas plantações em cada ano, número total do plantas e área correspondente;
4) Qual o número de autorizações concedidas para renovação da cultura, em cada, ano, número total de plantas e área correspondente;
5) Quantidades de açúcar, álcool, aguardente e mel fabricadas em cada um dos anos referidos;
6) Quantidade do açúcar vendida em cada ano:
a) Para consumo público;
b) Para adoçamento de vinhos.
7) Quais os preços estabelecidos na venda do açúcar em cada ano e para cada um dos fins indicados;
8) No caso do os preços não serem os mesmos, quais as razões justificativas da sua diferença;
9) Quantidade de açúcar importadas um cada ano:
a) Preço C.I.F. Funchal;
b) Taxas, direitos e outras despesas com que foi onerado;
c) Preço de venda.
10) Quantidade de álcool puro vendida em cada ano:
a) Para beneficiação de vinhos;
b) Para outros fins.
11) J Quais os preços estabelecidos na venda do álcool em cada ano e para cada um dos fins indicados;
12) Motivos por que se não prepara e vende álcool desnaturado;
13) Quantidade de aguardente vendida em cada ano;
14) Quais os preços estabelecidos na venda de aguardente;
l5) Quantidade de mel vendida em cada ano;
16) Quais os preços estabelecidos na venda de mel.
Roqueiro também que me sejam fornecidos os mesmos elementos já apurados em relaçào ao corrente ano sacarino (1955-1956)».
Tenho dito.
O Sr. Mário de Albuquerque: - Sr. Presidente: não tendo estado presente quando o Sr. Deputado Santos da Cunha se me referiu, não pude logo responder-lhe. E, pela fatalidade do atraso do Diário das Sessòes, não me foi possível responder no dia seguinte.
Faço-o hoje.
Em primeiro lugar quero agradecer a amabilidade da frase final do Sr. Deputado Santos da Cunha, onde se afirma eu ter ajudado a fundar a siderurgia e conhecer muito bem os seus problemas, pois isto confere-me uma importância industrial que nunca sonhei. Para um homem que tem levado uma vida quase estóica e é, numa cidade cheia de automóveis, um simples pedestre, este inesperado atestado de capacidade industrial pode talvez, deslumbrar a burguesia do seu bairro. Mas julgo conveniente, para evitar ilusões, repor a verdade dos factos.
Em primeiro lugar, quero declarar que, ao contrário do afirmado pelo Sr. Deputado Santos da Cunha, não tenho qualquer competência em problemas de siderurgia. Limitei-me a focar um aspecto económico e humano sobre o restrito prisma da sua localização, para o que pedi, honestamente, todas as informações às entidades que as podiam fornecer.
Em segundo lugar, a minha contribuição para a fundação da siderurgia entre nós é tão diminuta que se pode chamar irrisória. Limitei-me, a pedido do Sr. Ministro da Economia, o Sr. Dr. Ulisses Cortês -meu velho condiscípulo e a quem me prendem lagos de uma estima quo sinto só poderem desaparecer quando nós desaparecermos -, a fazer uma rápida revisão juridico-literária de um projecto apresentado de estatutos onde manifestamente apareciam alguns defeitos, pelo menos formais.
Creio que é pouco para a afirmação de talento ou posição industrial, como creio que é também pouco, para isso, a escolha posterior para um cargo que até hoje de lacto não exerci e que, para desilusão máxima dos admiradores que o Sr. Deputado Santos da Cunha me possa por acaso ter feito surgir, não tem qualquer remuneração.
Presto justiça ao Sr. Deputado Santos da Cunha de não ter com as suas palavras querido insinuar qualquer limitação da minha parte na análise do problema da localização da siderurgia ou de qualquer outro problema. Mas as palavras rolam, e muitas vezes deturpam-se, consciente ou inconscientemente ...
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É sempre bom fechar a porta às más interpretações, contra as quais - e de novo faço justiça, ao nosso ilustre colega- o autor dessas palavras seria o primeiro a protestar.
Suponhamos, contudo, por mera hipótese dialéctica, que eu tinha sido um dinamizador da indústria siderúrgica em Portugal. Pergunto à Assembleia se isso me tiraria, a possibilidade de apresentar uma opinião sèriamente estudada.
Se perceber de um assunto, ter interesse por um assunto fosse uma limitação para se depor objectivamente sobre essa matéria - trata-se apenas de um depoimento -, ficariam privados de aqui falar sobre agricultura os agricultores, sobre a simples localização de uma estação ferroviária - eu exemplifico apenas - os engenheiros de caminhos de ferro ... O nosso próprio sistema constitucional estaria errado, pois os pareceres da Câmara Corporativa exprimem sempre opiniões de sector de interesses materiais ou espirituais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Parece-me que na discussão de ideias se devem ponderar, analisar, julgar os argumentos e os factos evocados, e não as pessoas - afirmação que faço apenas por um princípio de ética. Pelo que me diz respeito, a deslocação do problema para o campo deselegante das insinuações pessoais é-me indiferente, pois uma vida inteira de isenções protestaria por mim, se eu já não tivesse forças para protestar.
Posto isto, entro no segundo capítulo da questão.
O Sr. Deputado Santos da Cunha estranhou que eu tivesse comentado publicamente afirmações suas, pelo facto puramente formal de não virem no Diário das Sessões. Quando ou falei ainda o Diário das Sessòes não me tinha chegado às mãos. Não digo isto a título de desculpa. Se já conhecesse o seu texto, teria feito os mesmos reparos. O facto de os taquígrafos não terem registado o comentário do Sr. Deputado Santos da Cunha não altera o problema.
Não se trata de uma mera conversa particular, como se pode deduzir das afirmações do Sr. Deputado Santos da Cunha. Escrupulosamente separei bem a conversa do comentário feito durante a discussão, e não para mim, mas para todos os circunstantes. Muitos Srs. Deputados o ouviram e o podem testemunhar.
Durante esta discussão o Sr. Deputado Daniel Barbosa, a quem cumprimento pela elegância com que divergiu dos meus pontos de vista, fez-me um aparte, que não vem no Diário das Sessòes, e o Sr. Deputado Camilo Mendonça fez-me uma tentativa de aparte, que igualmente o Diário das Sessões não registou.
Estou absolutamente convencido de que nenhum destes Srs. Deputados, só eu tivesse evocado esses apartes, levantaria a questão meramente ritual de saber se ela tinha ou não sido apanhada pela taquigrafia.
Eu, pelo menos quando faço uma afirmação, nenhuma dúvida tenho em a dar como feita, quer ela figure quer não no Diário das Sessões. Mas, desde que o Sr. Deputado Santos da Cunha entende que aquilo que não vem no Diário das Sessòes equivale a não ter sido dito, eu aceito a explicação.
Finalmente, o Sr. Deputado Santos da Cunha passou-me o diploma de humorista. Não houve nas afirmações que então fiz a seu respeito nenhum humor. Houve um protesto grave e sério contra a natureza dos seus apartes. Mas nem por isso lhe deixo de agradecer o diploma.
É com orgulho que conservo, na minha idade, através de todos os contratempos da vida, a faculdade do riso, própria do homem, como escreveu o velho Rabelais. Só os pedantes - já o disse, no Estúpido Século XIX, Leão Daudet- detestam o riso.
Em Robespierre tem V. Exa. um caso tipicamente pedantesco e grave de ódio ao riso e à ironia.
Devo confessar, porém, que no capitulo do humor estou muito longe de alcançar o Sr. Deputado Santos da Cunha, que neste capítulo nos tem dado verdadeiros e imprevistos mimos.
Tenho dito.
Vozes : - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Santos da Cunha : - Sr. Presidente : com uma serenidade que de algum modo espero poderá contrastar com a aparente agitação com que o Sr. Deputado Mário de Albuquerque se quis referir mais uma vez a um lamentável conflito, que, afinal, S. Exa. criou e vejo que está disposto a alimentar, vou fazer um brevíssimo comentário as explicações que S. Exa. quis trazer à Câmara.
É claro que, como já aqui disso, não me sinto com qualidades bastantes para acompanhar o Sr. Deputado Mário de Albuquerque nos primores da sua oratória, da sua ironia, da sua erudição e da sua cultura, por isso que não faço citações de espécie alguma.
Quero apenas dizer duas coisas claras e objectivas. A primeira é esta: não nego qualquer minha afirmação; disse apenas que não tinha feito ao Sr. Deputado Mário de Albuquerque qualquer aparto que justificasse a sua referència, porque eu não poderia ter feito apartes a quem não estava no uso da palavra.
Consequentemonte, não nego a afirmação: estou disposto a mantê-la, como mantenho todas as afirmações que faço.
O que disse e repito é que aquilo que eu tinha dito não tinha expressão parlamentar e não estava no Diário das Sessòes nem podia estar.
A segunda questão é esta, e ó simplicíssima: há problemas que nascem mal postos.
E nada e ninguém, com muito ou pouco talento, consegue alterar os seus contornos e o seu significado.
Penso ser esse exactamente o caso do problema levantado pelo ilustre Deputado Sr. Mário de Albuquerque.
Tenho dito.
Vozes : - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: pedi a palavra, para mandar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Requeiro, pelo Ministério da Economia, que me seja prestada a informação sobre quantas toneladas de manteiga foram vendidas em 1954 e os preços, e quantas toneladas foram ou vão ser importadas ultimamente, a origem e os preços».
O Sr. Presidente: - Vui passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1956.
Tem a palavra o Sr. Deputado André Navarro.
O Sr. André Navarro: - Sr. Presidente: as minhas primeiras palavras, ao subir a esta tribuna - a pri-
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(...)meira vez na presente sessão legislativa -, são de respeitosos cumprimentos para V. Exa., e elas exprimem todo o meu respeito pela figura moral e intelectual que dirige esta Assembleia.
Desejo que esta minha intervenção no debate sobre a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1956 seja curta, para não causar a atenção do VV. Exas., Srs. Deputados, e assim poderem melhor dispensar-me o favor da vossa atenção para o que julgo oportuno trazer à consideração desta Câmara.
De resto, o facto de o diploma presentemente em discussão ter sido já, quanto a muitos aspectos, objecto de cuidadosa análise desta assembleia política noutras sessões legislatlvas, sessões em que tive também a honra de intervir no debate, permite-me que me limite nas observações que me proponho fazer em referência ao principal instrumento legislativo que o Governo apresenta anualmente à consideração desta Câmara.
Um dever de justiça obriga-me desde já a manifestar ao Sr. Ministro das Finanças e ao ilustre relator do parecer da Câmara Corporativa as minhas sinceras felicitações ipelo valimento do estudo preambular que o primeiro se dignou fazer como prólogo do diploma em discuçào e pela superior forma - conteúdo e forma - do bem fundamentado parecer do Dr. Costa Leite, e ainda as judiciosas considerações que este ilustro Mestre de Direito faz, justificando, em alguns casos, a apresentação de algumas emendas ao texto governamental.
Bem estruturada a gestão administrativa pelo diploma em discussão e já devidamente regulados por outras leis os largos investimentos fomentadores da riqueza nacional, julgo que o que se deverá analisar é se o esforço que se vai realizando - o normal regulado pela lei orçamental e o extraordinário condicionado por leis especiais - está, de facto, a ser levado a cabo com o máximo de produtividade para a Nação, ou se, pelo contrário, o condicionalismo conjuntural ou, mesmo, se o surgir de novas determinantes políticas e sociais aconselham que se faça de novo o ponto para correcção da rota no caminho a percorrer no futuro nos domínios da economia e da finança.
Saído o Mundo de uma guerra, que, em face dos actuais meios de destruição, geria possivelmente considerada de diminuta violência, mas que, então, há pouco mais de uma década, destruiu ou perturbou, profundamente, a vida económicia, social e política de quase todos os povos da Terra, esse Mundo reencontrou, em novos moldes, é um facto, um novo estado de equilíbrio, embora precário.
Leste e 0este, porém, envolvidos, desde então, em contínua e acesa guerra fria, ou morna, limitam os seus contactos a conferências periódicas, que redundam, normalmente, em simples actos de propaganda política, e a tentativas cautelosas da conquista de novas posições, sem provocar o deflagrar de conflitos guerreiros, segundo os moldes que, ainda há poucos anos, era uso entre nações desavindas.
Mais de um terço da população da Terra - cerca de 900 milhões de almas - está hoje subjugado pela tirania moscovita, formando satélites que gravitam em torno dessa estrela, que não guiará, decerto, o homem no caminho da Verdade.
É possível, será mesmo muito provável, que, dentro de período curto, se formem novos núcleos, núcleos que venham a emergir do caos comunista e que Titos chineses ou indianos ou de outras raças venham, pelo menos aparentemente, dar ao Mundo ideia de libertação da tutela do imperialismo russo.
E é possível, como disse, que assim aconteça e, que, ainda mais, o hábito de simular venha a acordar finalmente, no âmago desses povos escravizados, a luz da
verdade que ilumine a desejada aurora da liberdade.
Até lá, e difícil será prever a duração do reino da sombra, teremos de aceitar a perda quase total dos contactos políticos e económicos com a zona europeia do Loste o do Sudeste, e da influência no Extremo Oriente asiático, e queira Deus que a falta de visão de certos políticos, cujas responsabilidades ultrapassam em muito as suas possibilidades de visão, nào leve o Ocidenta a perder também posições-chave no Médio Oriente e no próprio continente africano.
E nào se subavalie esta perda. Se nos lembrarmos o que ficou, para as bandas de lá da «cortina de ferro», em matérias-primas de origem mineral e agrícola, que em tempos ainda não muito recuados eram alimento dominante das actividades industriais de muitos países da Europa, julgo que se poderá antever o que significará, para as possibilidades de sobrevivência do mundo ocidental, qualquer novo recuo.
Já o acentuou, perante, portugueses da América, o nosso ilustre Ministro dos Negócios Estrangeiros, Proí. Paulo Cunha, na sua viagem triunfal ao Novo Mundo. E não só julgue também nesta velha Europa, que foi centro donde irradiou a civilização que abraçou o Mundo, quo as Américas ou a África não sentem já os efeitos demolidores das guardas avançadas da estepe, nesta nova tentativa de conquista.
Os nacionalismos exacerbados de povos de várias raças, as greves experimentais que, aqui e acolá, vão delapidando as economias de ingénuas ou mais ou menos sabidas democracias, as crises do unidade da própria força armada -último guardião das pátrias- em países vários da América Austral e tantos outros prenúncios graves marcam bem onde já chegaram as quiutas-colunas do bolchevismo.
E a forma de combater estas múltiplas armas do que se servem o» continuadores dos filósofos da revolução marxista, se é difícil, não é contudo impossível levá-la a cabo. Na realidade, o joio germina e cresce apenas onde a terra é ingrata, isto é, onde o meio social é arruinado por convulsões mórbidas, consequentes das diminutas possibilidades de existência humana.
Dar consistência ou realce a contrastes da vida social ou pretender, pelo contrário, nivelar, por baixo, como total aniquilamento da iniciativa privada, são tudo caminhos que levarão, nào a Roma, decerto, mas à capital vermelha.
Por isso foi de aplaudir, por previdente, a política que ficou conhecida, no findar da última guerra, pelo nome do seu ilustre impulsionador, o general Marshall, mais tarde continuada pela organização que levou a América do Norte a comparticipar largamente na batalha da paz.
Embalada, porém, por tão frutuosa, conquista, a América do Norte desejou ir mais longe, estimulando a criação, à sua imagem, de uma federação de estados europeus, com o desaparecimento progressivo de fronteiras económicas e políticas.
Mas, como era de esperar, pela radicada diferenciação dos ambientes nacionais, cimentados por séculos de tradição neste Velho Mundo - costumes, idiomas, pensamentos políticos díspares -, nada poderia levar a prever o êxito então desejado.
E foi esse caminho errado que determinou perdas irreparáveis de tempo na consolidação do novo equilíbrio europeu e ainda a perda de novas e importantes posições.
Contudo, algo ficou de bom da tentativa feita, e esse algo terá sido a criação do terreno fértil para germinar mais facilmente a liberalização comercial e o estabele-
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cimento, em bases sólidas, da convertibilidade das moedas, digamos, para um mais activo intercâmbio multilateral das várias e variadas economias do Velho e do Novo Mundo.
E, se assim não fosse, teríamos de assistir a um canhar infalível para a ruína da civilização ocidental ou, então, para um degrau a descer e a conduzir ao mesmo triste fim, pela formação, no mundo da economia da civilização ocidental, de dois blocos distintos - o da tradicional zona do esterlino e o da jovem zona do dólar.
Mas não será, como disse muito bem o nosso ilustre colega Dr. Alberto de Araújo, apenas na libertação do comércio que se fundamentará o progresso económico do Ocidente, especialmente dos países agrários não evoluídos ou pouco evoluídos, mas sim na profunda revisão do modo de ser pautal, extirpando todas as peias e óbices que dificultem o movimento natural das trocas.
Mas quanto a este aspecto estamos ainda muito longe do desejado, o que não será de admirar se atendermos que ainda não conseguimos nós próprios levá-lo a cabo dentro das próprias fronteiras.
Hoje, mais do que nunca, será assim de aplaudir que os homens responsáveis das várias nações acordem nas formas de orientar as actividades económicas no sentido da completa integração das economias nacionais no campo internacional.
E só então é que a produtividade, a rendabilidade e o plenn emprego serão socialmente meios de conseguir, em bom nível, o bem-estar geral dos diferentes povos.
Procurar, ao invés, fazer viver indústrias ou agriculturas om regime de estufa, trabalhar a terra em condições de a cansar pôr destruição da fertilidade, despertar desequilíbrios da natureza que apressem, por esclerose, o envelhecimento das vias circulatórias fluviais, arrasar mais florestas para conseguir matéria-prima para novas indústrias ou para outros fins, sem se atender à necessária compartimentação e equilíbrio da paisagem, ou destruir pela pesca de arrasto os fundos oceánicus, onde se acoita preciosa fauna marítima, ou ainda pulverizar até ao minifúndio ou ampliar até ao limite máximo do latifúndio os horizontes da exploração agrária, são tudo formas que, mais tarde ou mais cedo, conduzirão a humanidade a níveis de existência perigosamente baixos. E, como já disse e agora acentuo, é nesses baixos níveis que germinará, com acentuado vigor, não o trigo, mas sim o joio.
A economia norte-americana é presentemente, quanto a inúmeros aspectos, fecundo exemplo de urna boa coordenação de actividades agrárias e industriais tendentes a criarem condições de progressivo aumento do nível de existência dos povos. E não se diga que não tem havido também neste grande país, que é quase um continente em extensão, ameaças, como outrora, de violentas crises financeiras e económicas semelhantes à que gerou os tristes tempos de 29.
Porém, os actuais meios de previsão económica têm permitido fazer proginóslico rápido dessas crises e assim combater a tempo influxos deflatórios ou inflmatórios, e a própria resistência da sua estrutura económica e social tem facultado também reduzir ao mínimo os efeitos do inevitável arfar de uma economia de um tão grande volume.
Isto nào significa, porém, que mesmo na América do Norte não haja ainda muito a fazer para melhor estruturação das suas actividades económicas e de uma sociedade que abrange no seu seio mais de 6O milhões de homens das mais variadas raças.
A par do muito que já há feito no campo da racionalização industrial e agrícola, a criação de uma melhor harmonia da paisagem tem de ser continuada com firmeza para a segurança do futuro.
Assim, a notável realização do Tenessi terá de ser continuada pela do Missuri e seguidas estas por outras iniciativas capazes de restabelecerem o equilíbrio da natureza, que o homem imprevidente dos primeiros tempos da colonização e do que se lhe seguiu na esteira destruiu profundamente.
É este exemplo que devia ser seguido, à escala europeia, neste velho continente, sem preocupação do destruir o que a tradição radicou como diferenciação nacional.
Porém, não devemos deixar de dizer que hoje se partirá, para essa tarefa, de uma posição muito mais difícil que antes da última grande guerra, pelo artificio da separação das duas Europas, que quase vêm a coincidir com as Europas A e B do economista francês Delaisi.
Já não falando das regiões industriais decepadas da Alemanha, basta lembrar, na verdade, a perda para o conjunto ocidental da quase totalidade das regiões de cereais panificáveis das terras negras da Rússia e dos Balcãs e dos melhores territórios florestais da Europa.
Não é preciso, porém, fazer observação mais do que perfunctória para se verificar que, infelizmente, é diminuto o caminho percorrido no sentido desejado.
A anarquia que ainda reina neste campo é quase geral. Salvo algumas tentativas meritórias feitas principalmente no campo da investigação agronómica e florestal sobre a égide da F.A.O. para a melhoria dos cultivos, e de alguns, mas poucos, acordos de carácter industrial, envolvendo principalmente indústrias extractivas, mas que não abrangem, de qualquer forma, o todo europeu, e ainda recentemente a valiosíssima iniciativa a que Portugal aderiu e a que o ilustre Ministro das Comunicações tem dado o mais inteligente apoio e iniciativa tendentes à padronização do material ferroviário sob a égide da Eurofima, e de um pool verde que, infelizmente, passou ràpidamente a amarelo, tudo o mais que se verifica é exactamente o contrário desta sensata orientação.
Veja-se, por exemplo, o que se passa com uma das principais indústrias europeias - a dos automóveis ligeiros e de carga -, e o nosso país é excelente repositório, quanto à composição do parque de material rodoviário, dessa insensatez, a de uma indústria produtora de um sem-número do tipos e marcas, a que correspondem milhões de unidades. No dia em que nào for possível conseguir, por dificuldades de guerra ou outras, o normal abastecimento du sobresselentes para as inúmeras marcas deste variado material, então se poderá verificar o valor da delapidação realizada.
E não será conclusão análoga a que se tirará da observação do que se está passando com a indústria das máquinas agrícolas e dos tractores? E o que se verifica ainda, salvo raras excepções, com os aproveitamentos hidráulicos e hidroeléctricos das bacias hidrográficas que se projectam pelos territórios de vários países nào será igualmente sintoma alarmante dessa falta completa de coordenação das economias nacionais?
País como o nosso, cuja exportação se baseia, fundamentalmente, em produtos da terra e do mar, e retirados os primeiros, em grande parte, de um meio ingrato e alguns deles considerados hoje como produtos de luxo, como não devemos estar, na realidade, apreensivos pelo caminho insensato que a Europa está trilhando, sem condutores à altura do tempo que passa!
As nações com uma economia agrária da índole da nossa tèm sido conduzidas, assim, por necessidade de sobrevivência, no sentido de uma luta pelo auto-abastecinvento de produtos alimentares, fundamentais, obtidos estes a todo o custo e por qualquer preço. E esta situação é, como é fácil de compreender, a mais difícil para se
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(...) conseguir, a partir dela, um acréscimo apreciável de nível de existência das populações rurais.
Para melhor compreensão do que me proponho dizer, procuremos, em poucas palavras, definir a estrutura do processo produtivo agrícola do nosso país. E assim podemos resumir: predomínio acentuado da floresta - pinhais, soutos e montados, em vastas regiões do território, e, quanto ao caso dos pinhais, em regiões de elevada densidade demográfica; extensa superfície de solo montanhoso, desnudada ou numa fase adiantada de degradação florestal, sendo este aspecto mais acentuado ao norte do Tejo, mas ainda muito evidente nas elevações alentejanas e enrugamentos algarvios. Só nestes últimos a superfície degradada ultrapassa, por via de acção delapidadora recente, 500 000 ha.
Neste reino da floresta o homem não utiliza todas as possibilidades de acrescer a produtividade e a mutabilidade, considerando produtos últimos - cortiça em bruto, resina, pasta de papel e outros, que são apenas, ainda, fases atrasadas da sua completa valorização.
Quando entramos no domínio da árvore e do arbusto fruteiros, nota-se o predomínio do disperso quanto a árvores de fruto, aspecto já menos acentuado em relação a vinhas e olivais. Mais ainda convirá dizer que, quanto ao arvoredo fruteiro, já hoje muito numeroso, e, também, numeroso debaixo do ponto de vista do número de variedades cultivadas, é difícil a redução dos custos, por via, em grande parte, da quase impossibilidade da prática da defesa sanitária.
O mesmo se poderá dizer, com referência ao carácter disperso da cultura, relativamente a inúmeras manchas olivícolas, e daí as mesmas consequências económicas. E a dispersão do cultivo de olivais, aliado ao do fabrico, traz, como resultado, acentuado encarecimento deste óleo e diminuição das suas qualidades como produto susceptível, ainda hoje, de larga exportação. Ainda haverá a notar, que em inúmeros e extensos olivais modernos de encosta se desprezaram por completo os princípios elementares de luta contra a erosão.
O Sr. Melo Machado: - V. Exa. dá-me licença?
Efectivamente as nossas produções agrícolas são inferiores àquilo que podiam ser, mas é evidente que a causa desse facto reside numa falta absoluta de assistência técnica.
Hoje a agricultura é uma ciência por demais difícil e complexa e não se compreende que ela possa estar ao alcance de pessoas sem cultura nem conhecimentos.
Se falta a assistência técnica, não temos de nos admirar de os resultados das culturas serem inferiores.
O Orador: - Estou de acordo com V. Exa., mas também estou convencido de que, com o desenvolvimento que está tendo a organização corporativa da lavoura, se poderào aproveitar os grémios como núcleos de assistência regional.
O Sr. Melo Machado: - Efectivamente pretende-se fazer uma assistência técnica atrvés dos grémios, mas, simplesmente, os técnicos, por este ou por aquele motivo, não põem lá os pés.
O Orador: - Quanto a vinhedos, há que salientar, quando a viticultura toma o aspecto intercalar ou bordando campos, como no Noroeste e Beira Litoral, melhor vai suportando as crises derivadas dos elevados custos. Quando ela reveste o aspecto predominante de monocultura há que refirir entào três casos, com características distintas.
Assim, nas regiões, como a duriense, de cultivo e instalação ultradisipendiosos, o produto que originam não pode deixar de ser considerado hoje como produto de luxo, e, consequentemente de mercado muito limitado e sensível. E o custo a que me refiro vem ainda deformado, porque engloba, um salário de miséria.
O segundo caso é o das vinhas de encosta, ainda em regime de monocultura, mas em solo de melhor fertilidade, embora esta ainda diminuta, e em que o produto final é o vinho de consumo corrente. Neste caso, como é fácil de compreender, os custos de produção são também elevados, embora os salários anuais recebidos pelos trabalhadores sejam ainda assaz diminutos. A videira sofre aqui, em determinados períodos da sua vegetação, de nítida carência hídrica, que, não afinando o produto, lhe aumenta apreciavelmente o custo. Como a cultura se encontra pulverizada, sendo predominantes as pequenas explorações, não só os custos de produção são elevados como também a infinidade dos tipos vínicos diificultu a venda desses vinhos, a preço remunerador, nos mercados de largo consumo.
Finalmente, nos vinhedos que formam um terceiro tipo, os produtores de vinho de consumo derivado de terras baixas, nota-se, embora aqui não se verifique carência hídrica e o índice héliotérmico seja excepcionalmente favorável e haja ainda maior extensão em cada unidade produtora, que os custos são ainda afectados prejudicialmente pela instalação defeituosa das plantações, o que não permite a conveniente mecanização na prática de granjeios, onde a presença da máquina se justificaria plenamente.
Vejamos agora, muito resumidamente, porque a hora já vai adiantada, o caso das culturas cerealíferas - milho, centeio e trigo-, que ocupam grande parte do território arvense continental: o milho na zona húmida, o centeio no montanhoso e o trigo no peniplano do Sul.
O primeiro, em cultura no minifúndio, destina-se fundamentalmente para alimento das populações. O seu rico aproveitamento, a partir de formas melhoradas híbridas, para ulterior transformação em proteínas animais, é pouco usado, como são quase desconhecidos os rendosos aproveitamentos como matéria-prima industrial. Cereal de riqueza,está transformado entre nós em cereal para alimento dos povos e em moeda rural para o pagamento de rendas várias.
No Sul, onde o solo e o índice heliotérmico permitiriam, em regadios, obter médias excepcionais de produção de 5000 a 6OOO kg por hectare, a custos de produção baixos, o milho é apenas mero acidente nas explorações agrícolas.
Quanto ao centeio - pão da montanha, tem largamente contribuído para a diminuição da área cultivada, como autor que é dos mais destacados da erosão do nosso extenso território transmontano e das Beiras. E a área podia ser igual e não defeituosa a sua cultura se se seguissem à risca os métodos corrente de defesa das terras de montanha contra os perigos da erosão.
Finalmente, quanto ao trigo, aproveitam-se para o seu largo cultivo as terras, delgadas ou profundas, mas areentas, dos peniplanos do Sul e algumas mais férteis de pequenas manchas dos barros e pouco mais.
E tem-se verificado -e isto vem desde tempos já remotos - o deslocamento contínuo desta cultura do ambiente propício do Norte para o Sul, tornando-se a cultura do principal cereal panificável numa verdadeira roleta agrária.
A agravar a situação, como o custo é alto com salários baixos, quando se caminha para a mecanização levanta-se logo grave problema de desemprego rural.
Por falta de água na estação própria e de excesso no período invernal, a cultura do trigo em Portugal terá
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(...) de viver permanentemente em regime, de protecção aturada, se não forem contrariadas, por acção fomentadora. as causas determinantes removíveis do estudo actual.
Quanto ao cercal de regadio, o arroz, porque do milho já disse o que considero suficiente, apenas notarei que a auto-suficiência conseguida, por notável trabalho da nossa agricultura, carece, para que a Nação possa dela tirar todo o proveito, que ele seja localizado apenas onde os custos de produção, incluindo salários satisfatórios, possam permitir a sua concorrência nos mercados externos.
Tendo sido este o principal destino das terras beneficiadas pela hidráulica agrícola extensiva, é justo que a Nação possa tirar todo o benefício dos largos investimentos já realizados neste sector.
Finalmente, quanto à batata, cultura em que se conseguiu, mercê do esforço notável da lavoura, o abastecimento quase completo dos mercados nacionais, haverá ainda algo o fazer, especialmente no que se refere à produção de batata de semente, melhoria das condições de conservação, organização racional dos transportes e do seu comércio.
Porém, em relação a este produto agrícola, atingiram-se já médias de produção muito satisfatórias, quando comparadas com as produções de outros países da Europa de condições mesológicas semelhantes à nossa. Muito haveria ainda a dizer, mas difícil é em período tão curto fazer resumo que seja espelho de estrutura tão diversificada.
Ao apontar as características dominantes desta estrutura, fomos denunciando já, como VV. Exa. Srs. Deputados, tiveram ocasião de ouvir, aqui e acolá, soluções parciais para os males de que enferma a nossa estrutura agrária.
Mas para modificação radical das nossas condições de existência só por via de profunda alteração dessa estrutura, especialmente em referência a um aspecto que está, digamos, na base de todos os outros.
Quero referir-me à melhoria acentuada das condições hídricas do território cultivado. Só a ela me vou reportar, por julgar desnecessário neste lugar analisar outros aspectos que são simples corolários do importante teorema que pretendemos demonstrar, e que pode ser assim enunciado: a queda pluviométrica anual, correlacionada com as condições helitérmicas, é de molde a permitir a realização, em grande parte do território, de uma cultura intensiva capaz de determinar aumento sensível do nível de vida do nosso rural. E, com o desejo de abreviar o tempo desta intervenção, vou apenas enunciar as grandes linhas em que se desenvolveria essa demonstração.
l) Distribuição das chuvas:
a) No território metropolitano português:
I) Uma parte apreciável do território tem uma precipitação total anual superior a 1000 mm - máximo 3000 mm -, uma das maiores da Europa!
Nesta zona de regadio tradicional temos podido, devido à abundância fazer uma má administração da água e continuar a viver numa relativa abundância, embora com prejuízos graves, noutros aspectos (erosão e assoreamento de rios e portos, abastecimento das populações, etc.).
II) Outra parte - a quase totalidade do restante território - tem uma queda
pluviométrica anual compreendida entre 500 mm e 1000 mm. Não pode considerar-se este total insuficiente, nem sequer baixo, mas agora já nào é possível mal administrar! Ou se aproveita com a mais estrita economia a água, ou faltará para homens, gados e plantas.
III) Duas pequenas manchaas do território apresentam quedas pluviométricas mais baixas ainda - o Algarve, na zona costeira, e a zona de Pinhel. Mas a primeira recebe, porém, das serras do Algarve, água suficiente para um regadio intenso.
O Sr. Sebastião Ramires: - Não é exacto!
O Orador: - Estou plenamente de acordo que as serras do Algarve não dão água suficiente, como acontecia quando estavam inteiramente revestidas de arvoredo, mas o que é facto é que há ainda uma parte das águas que se infiltra nesse território. E desde que se fizesse o devido aproveitamento com trabalhos do rega, principalmente hoje com as possibilidadps que esse sistema nos dá, ainda se poderiam aproveitar para a cultura muitos terrenos algarvios.
O Sr. Amaral Neto: - V. Exa. dá-me licença? V. Exa. entende que se trata de uma área suficientemente grande para influir de qualquer modo na economia algarvia?
O Orador: - Conforme. Direi, a propósito, que ainda este ano se regaram, com assinalado êxito, numa província ultramarina portuguesa, cerca de 90O há, com despesas que nào se podem considerar elevadas.
Mas prosseguindo:
b) No decorrer das estações verifica-se, em todo o País, uma acumulação da precipitação nos meses mais frios e uma época seca nos meses de Verão. No extremo norte litoral a época seca quase não existe (quer dizer, é só relativa: 30 mm em Agosto), ao passo que se torna cada vez mais extensa à medida que avançamos para o Sul, onde chega a atingir seis meses, praticamente, sem chuva.
Conclusão. - Impõe-se a redução máxima do escoamento superficial, tanto da água da chuva como das águas de degelo (a água de escoamento superficial em regime torrencial é toda perdida para o mar!).
Para tanto importa armazenar ao máximo a água no solo e a sobrante em reservatórios (muitos pequenos reservatórios são mais eficazes do que poucos muito grandes - efeitos secundários microclimáticos!).
2) Distribuição das temperaturas. - O exame das médias mensais e, melhor ainda, das décadas, nos meses de maior pluviosidade, mostra-nos que, sobretudo nas zonas mais secas, são superiores às temperaturas mínimas de vegetação da maior parte das culturas - nalgumas regiões privilegiadas mesmo para culturas muito exigentes (Algarve e alguns pontos do litoral ao sul do Tejo).
Conclusão :
l) Ao contrário do que geralmente se pensa, a chuva não cai no Sul do País numa época de
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repouso vegetativo absoluto. A própria formação climace da Durilignosa tem o seu repouso vegetativo absoluto ou relativo no Verão (carência hídrica).
2) Está por isso, certo que a agricultura de sequeiro seja inverno-primaveril, com tendência para o emprego de formas precoces.
3) Por outro lado, o equilíbrio da exploração só pode conseguir-se através do regadio. Este, no Sul, tem maiores possibilidades, derivadas do maior coeficiente heliotérmico, donde resulta maior produção possível por unidade de superfície e, portanto, necessidade de menores áreas em proporção;
4) A distribuição das chuvas mostra haver períodos de excesso de água temporários. Este facto prejudica ou impede o desenvolvimento invernal das plantas anuais e acentua a carência hídrica de Verão das plantas vivazes, por diminuir a profundidade do seu sistema radicular (diminuição da capacidade utilizável efectiva, diminuição da fertilidade!);
5) Portanto, necessidade urgente de proceder ao enxugo das terras ocupadas por culturas de sequeiro;
6) Para as terras de regadio a necessidade de enxugo, é evidente .para que o regadio possa ter bom rendimento e fazer-se com economia de água.
3) ENXUGO. - Não quer dizer «deitar água fora». Pelo contrário, toda a água de enxugo deve ser armazenada e voltar a entrar no ciclo biológico da paisagem: evaporação espontânea das superfícies de água livre, transpiração de plantas com sistemas radiculares profundos ou superficiais e rega.
4) FERTILIDADE. - A água só faculta rendimento económico quando exista o necessário fundo de fertilidade, que, no entanto, não é fácil elevar sem introduzir o regadio e, assim, aumentar a capitação de gado.
Conclusão - Os benefícios do regadio só se manifestam lentamente, ao menos nos seus resultados últimos e duradouros. É, pelo contrário, prejudicial forçar a elevação rápida do rendimento com rega intensa sem fundo de fertilidade correspondente. Lavagem, empobrecimento, erosão.
5) REVESTIMENTO DAS COSTAS. - Ligado aos problemas anteriores da fixação da água no solo, e, assim, ao enriquecimento dos lençóis freáticos o do enxugo, encontra-se o problema da defesa das encostas. De facto antes de pensarmos em enxugar as terras baixas temos de diminuir a afluência das águas de terrenos mais elevados. O problema é portanto, de primeiro tornar mais lento e em regime diferente o escoamento das águas pluviais e só depois tratar de escoar o excesso de água.
Além do combate sistemático à erosão, fixando a água no solo e da construção de albufeiras para o armazenamento da água, outro problema geral pode encarado - a regularização das margens e caudais dos cursos de água naturais.
A regularização das margens feita de modo a evitar a sua erosão, utilizando os revestimentos vegetais que as fixarão, além das obras de engenharia civil que se imponham nalguns casos. Só assim se conseguirá, igualmente, o repovoamento piscícola dos nossos cursos de água.
Quanto à regularização dos caudais, basta citar o exemplo do que sucedeu no Tejo, em que a construção das barragens do Castelo do Bode. Belver, etc., permitiu já a rega com água bombada do Tejo de terrenos mais a jusante de que anteriormente.
Cremos mesmo que o projecto do vale do Sorraia sofre por esse motivo alteração apreciável, pois que, pelo menos, a Luziria Grande de Vila Franca de Xira deixará de ser regada pela água armazenada nas barragens previstas naquele projecto, para passar a sê-la por água proveniente directamente do Tejo.
Mas com efeito mais louro, embora não menos seguro, regularização virá a obter-se também pelo melhor abastecimento de toalhas freáticas, com enorme diminuição das perdas de água por evaporação.
(6) O PROBLEMA DA EROSÃO. - Há por isso necessidade urgente de revestir as encostas, não só das altas serras, mas também de muitos cabeços alentejanos - com vegetação adequada.
Note-se que esta pode ser:
1) Povoamento florestal, mas em condições de exercer, a protecção em vista.
II) Matos explorados convenientemente, ao menos como forma de transição.
III) Pastagens permanentes devidamente, tratadas e regulamentadas.
IV) Culturas forrageiras invernais suficientemente rápidas para protegerem o solo na época das maiores chuvas.
7) AUMENTO GERAL DO FUNDO DE FERTILIDADE. - Só assim se conseguirá aumentar o fundo de fertilidade em todo o País e não continuar a roubar uns milhões de hectares para beneficio de uns escassos milhares. O que fica dito permite-nos ver o problema, difícil, é um facto do nosso fomento agrário em condições, porém, de um maior optimismo. E dentro do vário que se apontou para apoiar a melhoria das condições económicas da agricultura nacional, quero destacar a possibilidade do melhor aproveitamento dos lençóis freáticos, enriquecidos pela nacional restauração do equilíbrio da natureza.
É toda o capítulo da rega o hoje em lugar de relevo a rega por aspersão, sistema que em poucos anos levará à cultura intensiva, em Itália, cerca de meio milhão de hectares, economizando-se água (25 a 50) por cento nas dotações nacionais). permitindo ampliar os benefícios a terras não sistematizadas ou de difícil e cara regularização para o regadio pelos processos clássicos, ou ainda a terras marginais das inúmeras várzeas e terras altas das nossas regiões de sequeiro.
Poderão ser, assim, conquistados para a cultura a baixo custo, e rapidamente, milhares do hectares no Norte, Centro e Sul do País, destruindo-se progressivamente o carácter aleatório das nossas culturas arvense, arbórea arbustiva.
Será assim também verificável a possibilidade de ir intercalando, entre as grandes manchas de sequeiro do Sul, territórios irrigados capazes de enriquecer o complexo agro-pecuário. Se assim, em última análise, se proceder, tornar-se-á também praticável a possibilidade de fixar em zonas de baixa densidade demográfica, e em condições de boa remuneração de trabalho, muitos milhares de portugueses.
Concluindo: a sábia política financeira de Salazar permitiu-nos, na realidade, realizar, nestas últimas três décadas, o esforço monumental a que estamos assistindo, de construir uma nova economia, solidamente estruturaria, única forma de se conseguir a verdadeira felicidade dos povos.
Como também a sua miraculosa antevisão dos grandes problemas internacionais, rasgando horizontes e esclarecendo aqueles míopes que, como meteoros, têm
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passado pelas governações dos vários povos, facultou a Portugal o retomar o seu lugar proeminente no Mundo. E quando os seus prognósticos não foram atendidos, mais algumas chagas ficaram a sangrar no corpo dilacerado desta civilização multissecular.
O que direi, pois, ao terminar? Apenas: continuar!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente: no início dos trabalhos da presente sessão legislativa, é-me sumamente grato apresentar a V. Ex.ª as minhas mais respeitosas saudações e reafirmar a mais alta consideração pela destacada personalidade de V. Ex.ª, pessoa ilustre a todos os títulos.
Por igual, desejo dirigir aos Srs. Deputados os meus cumprimentos e fazendo-o, sinto que cumpro o meu dever.
Sr. Presidente: para todos aqueles que, conhecendo o viver das populações rurais, sentem as dificuldades e as parcas alegrias desse vasto mundo de almas nas quais se guardam os mais nobres sentimentos de devoção pela Pátria, tem sido particularmente agradável o escutar as vozes autorizadas dos ilustres Deputados que, com autoridade e luminosa consciência, têm feito nesta sessão legislativa e nesta tribuna a afirmação dos direitos que a esses bons portugueses pertencem.
Num compreensivo sumário, podem, segundo creio, classificar-se todas essas brilhantes e doutas orações, como dirigidas a procurar a elevação do nível de vida da gente das nossas vilas e aldeias, pela beneficiação, criação ou fortalecimento dos meios indispensáveis a tão elevado propósito.
É que a lei da vida ensina que o rol de dificuldades da resolução de certos problemas importantes que tanto têm preocupado as Administrações provém exactamente do teor defeituoso dessa forma de viver, teimosamente agarrada a inamovíveis conceitos, que por isso mesmo, o tornam igual a si próprio no tempo e no espaço, refractário a gradações sensíveis de apreciável melhoria...
Assim o continua a compreender a Lei de Meios para 1956, como já o haviam compreendido as suas congéneres de anos anteriores, ao sumariarem nos seus capítulos oferecidos à política rural um conjunto de directrizes que, o Governo entende dever erigir e seguindo-as, alcançar por via delas aquela apreciável melhoria por todos tão apetecida ...
Mas nem só por intermédio de verbas destinadas à realização de uma apropriada política rural se conseguirá o fortalecimento que anda na mente da Administração.
Se é certamente muito importante uma potencialidade de acção devidamente estruturada em criteriosa atribuição dos dinheiros públicos aos diversos sectores governativos, nos quais especialmente, cabe o fomento, no seu mais lato sentido, não pode deixar de ter-se em conta, se se quiser extrair a mais rendosa utilidade dos recursos da Nação, que «ao poderão ser monosprezados todos os elementos activos de trabalho e cooperação, quer estes sejam as autarquias locais, corpos e corporações administrativas, quer ainda os núcleos da iniciativa particular, onde avultam as agremiações regionalistas, que no meu distrito de Coimbra são especialmente numerosas e profundamente delicadas e úteis ao progresso e engrandecimento do rincão que entronizaram nos seus corações os abnegados obreiros que as formam.
Cabe desde, já afirmar que os corpos administrativos continuam colocados em angustiosa situação financeira, sem estrutura para poderem fazer face às suas situações específicas, liberalmente ordenadas nos ... do artigo 44.º do Código Administrativo para as câmaras municipais e no artigo 311.º do mesmo código para as juntas de província.
A falta de suficiente estrutura financeira reflecte-se, como não podia deixar de ser, no rendimento global das dotações de alguns Ministérios, as quais, não podendo os corpos, administrativos comparticipá-los, ou não são aproveitadas ou, sendo-o, obrigam a situações de muita dificuldade, nada dignificantes de uma sã política de administração.
Não se trata de males novos, situações novas perante as quais haja de extasiar-se a compreensão dos responsáveis.
Já tive oportunidade, Sr. Presidente, de fazer reviver, arrancando-as da penumbra cm que mergulharam, as conclusões da moção aprovada depois da efectivação do aviso prévio do que foi Deputado muito ilustre, Sr. Dr. Rocha Páris, em que o problema das finanças municipais foi largamente tratado nesta Câmara.
Sem embargo do compreensivo vigor das recomendações então feitas, continuamos vivendo sob a pendência dos mesmos males, que, nem por pretensamente ignorados, se podem considerar de virulência atenuaria. Não se julgou ainda oportuno combatê-los, ou ao menos estudar convenientemente os seus fenómenos causadores.
Muitos municípios, representando os meios rurais, se encontram, por isso, um situação de verdadeira angústia.
Colocados perante os problemas do básico fomento de um viver aceitável a conceder aos seus munícipes, por mais contas que façam os seus administradores, por maior que seja a diligência e a vontade de caminhar firmemente na senda do progresso - não progresso voluptuário, mas somente progresso necessário - , uma arrepiante onda de impossibilidade, faz sempre esboroar, como meríficos castelos erguidos na areia, os planos que sacrificadamente se vão elaborando.
Alcança-se, neste terreno movediço de tantas dúvidas, uma situação inibitória, que, por demasiadamente reiterada, cobre então todas as iniciativas, e por tal motivo, o concelho, ou estagna em primário desenvolvimento, ou a mover-se, é tão retardado o ritmo da passada que mais justamente se considerará em pura estática ...
A colaboração com os departamentos do Estado, sempre prontos a vitalizar com os seus recursos as iniciativas locais, torna-se impraticável, pois tal colaboração pressupõe comparticipação, e esta exige sempre uma prestação pecuniária, que nestes casos apenas se torna admissível em pura ficção.
Converge então para os municípios mais favorecidos financeiramente todo ou quase todo o poder dessa importantíssima força de realização, e não se sai do círculo vicioso dentro do qual vive ou estiola o município pobre, que pode, segundo creio, enunciar-se em termos seguintes: não recebe esse município porque não mostra actividade justificativa de lhe serem concedidos as benefícios da comparticipação do Estado; contudo, para patenteá-lo e entrar no franco caminho do progresso, era condição indispensável que, tais benefícios lhe fossem amplamente concedidos...
O Sr. Amaral Neto : - Quando foi do lançamento do imposto de lucros extraordinários de guerra, houve câmaras municipais que solicitaram a imposição sobre essa receita de um adicional para os municípios. Porém a solução não foi bem recebida pelo Ministério do Interior, segundo veio casualmente a constar-me.
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O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª a sua intervenção, mas devo dizer que não se compreende que os municípios não possam ir buscar ao imposto de rendimento, que é pago exactamente pelas pessoas mais abastadas, um adicional para as auxiliar a custear as suas despesas.
O Sr. Amaral Neto: - Às razões que me disseram da não aceitação a que há pouco me referi nunca me convenceram.
O Sr. Melo Machado: - O Estado tem muito cuidado na arrecadação das suas receitas e tem tal confiança nas câmaras municipais que pensa que elas podem, todos os anos, fazer o milagre da multiplicação dos pães.
O Orador: - Pode ser que um dia o Estado se convença da razão da nossa insistência, e por isso vou falar no assunto.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Haverá também que rever toda a matéria das taxa para se aquilatar se os montantes indicados no Código Administrativo se mantêm ou não em aceitável plano de normalidade.
Aparece agora o oportunidade de uma referência, ligeira embora, a um problema já tantas vezes focado nesta Câmara e que ainda não mereceu uma aceitável solução. Refiro-me à compensação a pagar pelo Estada às câmaras municipais pela supressão das taxas que estas lançavam sobre veículos automóveis.
No fim do ano de 1929, tendo o Governo reconhecido, e muito bem, a necessidade e a conveniência de eliminar dificuldades nas comunicações rodoviárias, favorecendo a viação acelerada, foi publicado o Decreto n.º 17 813, de 30 de Dezembro, em que se aboliu o imposto de trânsito que onerava os veículos que o serviam e as múltiplas taxas que também sobre eles lançavam as câmaras municipais, passando a cobrar-se, em substituição, determinados direitos sobre a importação de acessórios e de gasolina, em que as câmaras comungariam segundo taxas fixadas para cada qualidade de veículo e nas condições em tal decreto claramente estabelecidas.
O sistema assim criado sofreu o primeiro golpe pelo Decreto-Lei n.° 25 754, de 16 de Agosto de 1935, que reduziu o montante das taxas a pagar pelo Estado às câmaras municipais em cerca de 25 a 30 por cento, porque - lê-se na justificação oficial constante do relatório deste decreto - foram consideradas exageradas aquelas que deveriam ter sido anteriormente entregues. Depois foram essas taxas ainda mais reduzidas pelo Decreto-Lei n.° 29 168, de 23 de Novembro de 1938, e ainda novamente encurtadas pelo Decreto-Lei n.° 31 172, de 14 de Março de 1941, o qual, sem dó nem piedade, as fixou em cerca de 50 por cento dos seus montantes iniciais.
Sem desejo de me alongar para além dos razoáveis limites que às aninhas considerações naturalmente são impostos, parece-me de certa utilidade fazer uma revisão a traço larguíssimo do panorama financeiro dos corpos administrativos no quadro geral das disposições que o comandam.
No âmbito das receitas ordinárias, sabe-se que a ema mais importante fonte reside nos adicionais cobrados com as contribuições e impostos do Estado, nos termos do artigo 706.° do Código Administrativo, que indica taxativamente quais sejam os tributos que tal cobrança de adicionais pode atingir e o seu limite de imposição.
A recolha de meios para os erários municipais pela forma aludida não acompanha, porém, a generalidade do sistema tributário criado pelo Estado.
Estão fora do alcance de imposição para os corpos administrativos, entre outras importantes fontes dos réditos do Estado, o imposto complementar, para só citar o mais importante, o que muito mal se compreende, dado que este imposto, sendo um factor de correcção de todos os impostos directos do Estado, tributa quase somente as economias robustas.
Não seria justo e perfeitamente compreensível que o caudal necessariamente avultado destas fontes fosse chamado a socorrer os depauperados cofres municipais?
E porque não se considerar em justa medida o valor das transmissões dos imóveis, quer inter vivos, quer causa da morte, chamando-as também à necessária colaboração no fortalecimento financeiro que se pretende? Não é devido a pesados encargos que os municípios têm de suportar que os valores de tais bens aumentam ou estacionam?
Contudo, esta dança espiralada das taxas nunca representou verdadeiramente o seu papel, porque no artigo 2.º do mencionado Decreto-Lei n.° 31 172 aparece a trágica figura do «rateio», vestida das roupagens que tentam impô-lo como instituto da maior naturalidade.
Desse citado artigo sai a peregrina conclusão de que deixou de interessar o número efectivo de veículos existentes para se fixar a verba que, no orçamento do Ministério das Finanças, se haveria de inscrever para o pagamento daquilo que às câmaras viesse a pertencer, segundo a aplicação das taxas novamente diminuídas agora; esse número começou apenas a funcionar como mero divisor de uma verba fixa que desde 1937 se vem inscrevendo no respectivo orçamento do Estado, com notável constância, muito embora de antemão se saiba que ela é manifestamente insuficiente para ser paga a dívida que o Estado legalmente assumiu para com as câmaras municipais, pelo que se terá de proceder àquele famoso rateio.
Como o número de veículos tem aumentado progressivamente, também tem diminuído na mesma razão o quociente obtido, sendo, assim, cada vez menor a percentagem que as câmaras vêm recebendo, muito embora, com o aumento do trânsito, maiores e muito mais consideráveis sejam os encargos que têm de suportar.
O Sr. Teixeira de Sousa: - O Estado fica com bastante dinheiro, efectivamente, mas temos de considerar a despesa que faz com a reparação das estradas, pontes, etc.
O Orador: - Também tenho aqui resposta para essa questão.
Ora essa situação, de legalidade verdadeiramente discutível e reprovado cabimento perante o conjunto de normas que comanda a elaboração do orçamento do Estado, não pode manter-se, tornando-se de verdadeira urgência retornar ao espírito que presidiu à criação do sistema instituído pelo Derreto n.° 17 813, em 1929.
O Sr. Melo Machado: - Repete-se o fenómeno: para o Estado, mais automóveis, maior rendimento; para as câmaras municipais, mais automóveis, menor rendimento ... Continua a considerar-se que os administradores municipais são taumaturgos, capazes de fazer milagres ...
O Orador: - Tem V. Ex.ª razão!
Como parece óbvio, Sr. Presidente, a solução pela forma mais conveniente dos problemas agora ligeiramente indicados e de todos aqueles que pesam na vida mais ou menos difícil dos municípios servirá para me-
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lhorar-lhes sensìvelmente a sua difícil situação financeira.
Esta melhoria, porém, só será amplamente consolidada quando se revejam também as suas despesas classificadas como obrigatórias, para delas serem extirpadas todas quantas, com lógico rigor, se possam considerar estranhas às suas atribuições específicas.
Na verdade, não pode haver justo equilíbrio enquanto às câmaras municipais se exija substancial comparticipação ou entrada avultada ou total em gastos que elas não podem controlar ou que transcendem o interesse comum dos respectivos munícipes.
As vultosas despesas com o internamento de doentes pobres nos hospitais - gastos que repugnaria ver acomodados às forças de um erário sempre em dificuldades, por terem de encarar-se com certa liberalidade as necessidades efectivas das populações, a quem ninguém poderá negar o irrecusável direito à saúde do corpo e do espírito -; os encargos referentes à construção das escolas primárias, nos termos dos comandos legais que disciplinam a efectivação do Plano dos Centenários, e as despesas de conservação desses edifícios, de que nos propomos tratar com maior detalhe em outras oportunidades; todos os encargos com a instalação dos mais variados serviços do Estado e mais um m mero elevado de exigências, quer relativas ao pagamento de impostos ao Estado, que os municípios têm de efectuar como se particulares fossem, quer concernentes a descontos que o Estado efectua nas importâncias que cobra cumulativamente com as suas - porque não haverá reciprocidade neste capítulo? -, quer ainda a outras imposições, - como, por exemplo, a que se destina ao Fundo de Cadastro e atinge 5 por cento do produto do adicional sobre a contribuição predial rústica, formam um tremendo conjunto de importantes problemas, carecendo efectivamente de apropriado e urgentíssimo estudo.
É absolutamente necessário datar os corpos administrativos, com especialidade para os municípios, com uma estrutura financeira que lhes permita tomar a sua parte que não poderá ser a menor, nas amplas tarefas para elevação geral do nível de vila dos povos que servem.
Sr. Presidente: torna-se necessário que retorne ao convívio da lei que me, propunha apreciar, de que me havia afastado insensivelmente, conduzido não só pela premência dos problemas versados, mas muito especialmente pelo termo de comparação que se me ofereceu, depois da repousada leitura do douto e bem elaborado relatório de que o Sr. Ministro das Finanças fez acompanhar a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1956.
Nesse notável documento pude aperceber-me da naturalidade com que efectivamente decorre, toda a vida financeira do Estado e avaliar a verdade do equilíbrio que tão facilmente se apreende.
Foi então que encontrei essa vida calma, precisa, regrada, com a vida incerta, esmaltada de dificuldades e de perigos, dos sacrificados corpos administrativos. Nessa comparação, a razão do meu apelo, que não é voz única a clamar por justiça, mas a expressão de um pensamento generalizado em muitos servidores que a desejam.
Sr. Presidente: a doutrina contida no capítulo VII da Lei de Meios, dedicado à política rural, abarca efectivamente um conjunto de utilíssimas iniciativas, na realização abundante das quais repousa em grande parte a expressão de uma vida melhor para a boa gente dos nossos centros rurais.
Não é, porém, nesse referido capítulo apenas que se fundamentam as alegadas esperanças, uma vez que também os capítulos III e V, versando, respectivamente, a «Política de crédito» e a «Saúde pública», legitimam essa esperança, em melhores dias.
Merecem todos esses capítulos uma individualizada, embora ligeira, referência.
Pelo que concerne ao capítulo III, se assevera na alínea b) do seu artigo único a intenção do Governo de promover «a organização do mercado de capitais, com vista, ao financiamento do fomento».
Não sei se em tal propósito se contém a ideia de tornar mais simples a obtenção de numerário, por via de empréstimo a contrair na Caixa Geral de Depósitos, , Crédito e Previdência pelos corpos administrativos, com destino às suas obras de fomento.
A expressão feliz do Sr. Ministro das Finanças quando assevera no notável relatório com que emoldurou tão magnificentemente a sua proposta do lei que «as despesas públicas, tal como as privadas, geram rendimentos» permite-me supor que tenha sido considerada oportuna a conveniente revisão daquela forma de antecipação de receitas, cercada hoje de teia burocrática, prenhe, de complicação e de demora e o que não é menos de considerar, sujeita a taxas de juro elevadíssimas (4 e 4,5 por cento, com expressa possibilidade de serem elevadas ou aumentadas).
Torna-se claro que para fomentar o progresso por via do crédito a conceder aos seus mais directos colaboradores - os municípios- não poderá o Estado, por intermédio dos serviços oficiais, fazer exigências do semelhante conteúdo, tanto mais que, ao tomar os capitais da economia particular que se lhe oferecem largamente, lhos assegura uma rendibilidade muitíssimo mais modesta ...
o capítulo V, que vai ser apreciado se cria com a mais flagrante justiça - importa desde já afirmá-lo - a merecida preferência da luta contra o flagelo temível da tuberculose, no quadro geral das despesas da assistência à doença.
Merece o mais inteiro aplauso esta apropriada norma de conduta do Governo. Conhece já a Câmara, não só pelas brilhantes orações aqui produzidas, como ainda pela observação pessoal dos seus membros, o valor nacional e profundamente humano da luta que neste renovado país está travada contra a «peste branca», pelo que pode bem avaliar da sua extensão.
Não pode, portanto, ficar-se indiferente perante a inteligência do superior comando do Sr. Subsecretário de Estado da Assistência, tão largamente revelado na verdadeira abnegação do seu consciencioso labor, mercê do qual, galvanizada a consciência da Nação e dinamizados os seus recursos, se levantará em toda a terra portuguesa o baluarte perante o qual tem inexoravelmente de baquear essa traiçoeira doença, que deixará assim de continuar a sua insidiosa rapina mas vidas e na fazenda da grei.
Plenamente se justifica, portanto, a preferência consignada, que, muito embora não exclua o investimento dos dinheiros públicos nas restantes valências da utilíssima obra assistencial, em franca evolução, haveria de ser expressamente extensiva à assistência materno-infantil, tão singularmente necessária e socialmente desejável como a luta antituberculosa.
Sr. Presidente: ao encarar finalmente o capítulo VII, já referido, aquele em que mais avultam as bases materiais da desejada melhoria das condições de vida dos povos rurais, fico com a certeza de que se deixa ali criada a possibilidade de importante realização.
Porém, o desenvolvimento do largo plano de acção, necessàriamente extenso por derivar, por um lado, das inadiáveis reivindicações desses povos, de elementos básicos duma vida aceitável, por conforme com a dignidade humana, e, por outro, da força que se adivinha nos recursos materiais que se prometera, vai encontrar
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a quase totalidade dos municípios - obreiros indispensáveis das tarefas da valorização nacional - sofrendo do complexo de inferioridade financeira que pretendi deixar esclarecido ao longo das minhas considerações.
Vai ser então, para muitos, de extrema dificuldade ou de impossibilidade total o poderem acompanhar o ritmo da obra de altíssimo proveito nacional que o Sr. Ministro das Obras Públicas vive apaixonadamente e serve com inexcedível devoção, como ainda ontem, muito justamente, esta Câmara reconheceu com aplauso geral, obra em que se consubstanciarão os auxílios do Estado.
Como os inconvenientes geradores desse alegado complexo carecem de tempo paru serem devidamente eliminados, mas não podem ser ignorados, haverá que reduzir, quanto possível, o seu poder inibitório, o que me parece poder alcançar-se temperando o sistema actual de comparticipações, amarrado a índice predeterminado e fixo para cada espécie de iniciativa, sem tomar, por isso, em conta o poder de realização de quem dele carece, com os ensinamentos ministrados pela natureza das coisas, sempre mais rica do que a inteligência ...
Então abandonar-se-ia esse sistema e, tomando-se em consideração a urgência e a necessidade do melhoramento, conceder-se-ia tanto quanto se mostrasse necessário para se erguer a realização pretendida, e abrindo-se o círculo vicioso atrás aludido nivelar-se-ia o poder realizador dos nossos municípios.
Não faltam ao Estado os recursos para tão justo remédio!
Sr. Presidente: vou dar por findas as minhas despretensiosas (não apoiados) considerações sobre alguns aspectos que a proposta de lei, altamente valorizada pelo relatório verdadeiramente notável do Sr. Ministro das Finanças, me sugeriu.
Concederei o meu voto a essa proposta e nos termos em que foi elaborada; quero, porém, exprimir a minha esperança de que sejam revistos os problemas que deixei sumariados, para serem solucionados como melhor parecer para o alto interesse público, contra o qual não podem prevalecer ideias inamovíveis ou princípios já ultrapassados pelo talvez inquietante ritmo deste viver ignaro desta ignara era atómica ...
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: a prática, em boa hora iniciada e continuamente aperfeiçoada pelo nosso ilustre colega Doutor Águedo de Oliveira, de fazer preceder a proposta anual da Lei de Meios de uma colectânea de elementos informadores da conjuntura em que havia sido elaborada parece-me puder dizer-se que só foi melhorada pela decisão do seu sucessor, que, sem nos faltar com análogos dados, quais mais, através de um relatório tão minucioso como clara, dar-nos a perceber os seus íntimos pontos de vista e intenções, de modo tal que este relatório é indissociável da apreciação da proposta que estamos discutindo, para ajuizar de como será executada.
Partindo de quem não viveu o ambiente desta Assembleia, e pode pois desconhecer a viveza do interesse com que cada ano acolhemos o diploma orçamental, a inovação é particularmente de aplaudir e digna das saudações que desta tribuna tem motivada, às quais me associo, pois, com todas as veras da razão e da sensibilidade.
Transpira da proposta o forte desejo de chamar cada vez mais ao fomento da produção nacional e das condições de melhor vida do povo a poderosa alavanca
dos gastos públicos e dos favores do Estado e o investimento dos dinheiros privados, e sobre este desígnio louvabilíssimo creio que não podem dividir-se os votos.
Assim haja o cuidado e se encontrem os processos de trazer à obra mais urgente e socialmente útil os capitais e a diligência dos particulares, que importa chamar como colaboradores estimados e incitar com humanas compensações, segundo a sua natureza e fins legítimos, para que não se esvaiam, sem maior vantagem para a colectividade, no exagero dos gastos voluptuários, no labirinto dos negócios an- acaso ou no calor das especulações economicamente estéreis.
Parece, com efeito, não haver muitas discordâncias quanto ao facto de as épocas de pletora monetária que temos atravessado não haverem sido, apesar de tudo, tão bem aproveitadas como conviria na criação de riqueza permanente e na melhor repartição dos rendimentos, por falta de aplicações bastante convidativas para desviar os capitais, até agora tão abundantes por aí, do se atropelarem pelos estreitos caminhos dos investimentos tradicionais, em inflação mais ou menos evidente e de doloroso contraste com a estagnação - para não dizer pior - de tantos sectores da actividade geral.
Títulos representativos de valores enormes, sem dúvida, mas de liquidação não menos, certamente, improvável, e entretanto do baixo ou baixíssimo rendimento, foram objecto de procura desenfreada, porventura comandada pelo jogo de especuladores, mas de todo o ponto impossível se massas muito grandes de capital não andassem em busca de se aplicarem por qualquer preço e por pouco que fosse a segurança, não já de renderem, mas tão-sòmente de não se anularem.
A propriedade não foi menos disputada, e aparentemente com equivalente desatenção à sua verdadeira rendabilidade, na febre de converter os valores judiciários em bens concretos, enquanto novos caudais afluíam e antes que a fartura os aviltasse.
Nos campos sobrepuseram-se àqueles para quem a terra é modo de viver, mais do que meio de vida, os citadinos desinteressados de todos os problemas locais, alheios ao ambiente social, distantes no trato dos trabalhadores; nas cidades- - e de modo especial em Lisboa, onde a capitalização urbana mais fortemente se concentrou -, grandes imóveis, blocos contínuos, ruas quase de enfiada, a que o vulgo sabe frequentemente ligar tão bem os nomes dos proprietários como os dos produtos ou negócios com que enriqueceram, atestam a avidez e a continuidade de uma procura que a ininterrupta subida dos preços uno desviou para outras aplicações, nem desviará enquanto à segurança do emprego em bens permanentes e ao gosto da sua contemplação se juntar a confiança - quase exclusiva deste modo de capitalizar - de remunerações crescentes pela crescente exploração de um inquilinato condenado a todos os sacrifícios para não dormir ao tempo.
Decerto por isto, as transacções sobre prédios não fazem senão aumentar. Dizem as nossas estatísticas que, exclusivamente na compra de prédios urbanos e apenas na cidade de Lisboa, os capitais empregados subiram de 500 000 contos no decurso do ano de 1950 a mais de 757 000 em 1954 e no 1.º semestre do ano corrente atingiram 460 720 contos, contra 398 458 em igual período do ano anterior.
Foram ao todo mais de 3 600 000 contos aplicados na cumpra de prédios urbanos, só na cidade de Lisboa, repito, nos últimos cinco anos e meio, com mais de duas terças partes do total investidas em prédios de custo superior a 1000 contos e cerca de uma sexta parle em prédios de 500 a 1000 contos.
Ainda que deduzidos os capitais cobertos pelo crédito imobiliário, supostos - e o erro será por exagero - iguais à importância total de de hipotecas, aca-
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bamos por encontrar um excesso na média de mais de 400 000 contos por ano, conforme o pormenor dos números:
Cidade de Lisboa
«Ver quadro na imagem»
Tudo indica capitalização em largo excesso da que pressupôs o Plano de Fomento, e que para os fins deste não houve necessidade daquela atenuação de ritmo da construção urbana que incluiu no seu condicionalismo; mas indica, sobretudo, a relativa enormidade dos recursos que se têm deixado gastar sem cuidar bastante do seu mais proveitoso encaminhamento.
Tenho para mim, com efeito - e não me creio nesta convicção nem só nem mal acompanhado -, que os investimentos na construção de habitações, como se fizeram até agora em Lisboa, absorvendo proporções enormes dos capitais livres e correndo, salvas excepções insuficientes para lhes mudarem as tendências, sob o signo do mais desenfreado negócio, alentado por incessante procura e indiferente às verdadeiras conveniências dos moradores, oferecem, do ponto de vista do interesse mais geral, um exemplo de verdadeira delapidação de capitais.
Que não têm servido sequer quantitativamente é facto de tão geral observação que não se faz mister insistir em referi-lo. Bastará recordar que nos dois anos de mais intensa actividade da construção de que há memória (1953 e 1954) se concluíram em Lisboa habitações com 5512 fogos, enquanto o número de novas famílias constituídas se aproximou de 13 000; e esta carência somou-se às de uma longa série de anos de iguais ou maiores deficits de moradas.
Tão-pouco a qualidade da obra feita contribui positivamente para valorizar a nossa capital, tão modesta nos seus edifícios civis. Reconhece a Câmara Municipal de Lisboa, no seu último relatório, há semanas vindo a público, que o claro predomínio do material sobre o artístico conduziu a um conjunto de soluções em que, com raras excepções, nada houve de valoroso ou notável do ponto de vista arquitectónico; e, ainda pior, reconhece mais que nem sempre se ponderou devidamente a própria questão da habitabilidade. Mas tão-pouco isto surpreenderá a quem se haja detido a olhar as fachadas ou a percorrer os interiores do que por aí se edifica; ou a quem pondere que, construídos os prédios para vender, compradas para renderem, nada defende o interesse final dos moradores senão regulamentos fáceis de iludir.
E porque construídos para vender logo, e comprados com a certeza de, de qualquer modo, se encontrarem inquilinos, a solidez da construção e o cuidado dos acabamentos não buscam senão a primeira aparência; de modo que as deficiências das obras a prazo mais ou menos breve redundarão em encargo para os proprietários, e mormente em desconforto para os moradores, verdadeiras e finais vítimas, porque nem assim poderão animar-se a deixarem casas de rendas já ultrapassadas pelas mais recentes no mercado.
Pela simples força da especulação sobre uma das mais primordiais necessidades das criaturas, também sabemos como as rendas têm subido; sem que a construção encarecesse apreciàvelmente, é notório que as rendas de habitações novas comparáveis quase duplicaram, nos últimos dez anos. Daqui o construírem-se casas cada vez mais pequenas ou associarem-se correntemente várias famílias modestas para poderem alojar-se num mesmo fogo.
Nem poderia ser de outra maneira, com os vencimentos que correm e as rendas como estão. É tudo por demais sabido, por demais deplorado e continua por demais sem remédio para que convenha ou agrade insistir.
Ocupado agora somente com a produtividade social is económica desta classe tão importante de investimentos, resta-me pôr a questão de quem lucra com eles.
Á parte os que resolvem os seus problemas individuais de capitalização, e bom proveito lhes faça, pois procedem legitimamente dentro de um condicionalismo que não lhes pertence modificar, vejo só que os industriais da construção civil fazem fortuna, por vezes fulgurantemente e que a Câmara Municipal de Lisboa aufere sólidos proventos dos seus negócios de terrenos, que arranja, maneira de conduzir e manter em ambiente de animação propícia.
Não me compete discutir os seus critérios, nem seria agora e aqui o lugar; mas, porque me parece que o seu procedimento equivale a uma forte imposição indirecta sobre a população, através da quota-parte que tomam nas rendas os sobre preços dos terrenos para construção e porque esta Assembleia sempre se tem interessado pela massa dos tributos de qualquer espécie que impendem sobre as populações, não virá inteiramente fora de propósito um breve apontamento.
Nos dez anos que compreendem os de 1945 a 1954 o Município de Lisboa adquiriu propriedades num total de 8 233 675 m2 de área e 375:199.058$28 de custo, dos quais uma parte pequena em área e grande em valor (respectivamente 33 700 m2 e 88:289.721.$73) foi destinada a uns tão especiais como a remodelação da Baixa, a regularização da Praça dos Restauradores e do Largo de D. João da Câmara, o mercado da Rua de Gomes Freire e o hotel de luxo do Parque Eduardo VII.
Guardou, pois, para outros usos e, designadamente, para urbanizar, quase 8 200 000 m3, pagos por 286 909 contos, ou seja à razão média de 35$ cada metro quadrado. Ora, no mesmo lapso de tempo, a Câmara vendeu para construção apenas cerca de uma sexta parte desta última área, mas obteve por ela mais do que lhe havia custado tudo, o um preço médio excedente do óctuplo do da aquisição; foram ao certo 1 373 409 m2, que renderam 400 043 contos, ou 296$ por metro quadrado.
Tenho por justo que nestas transacções os municípios ganhem para se compensarem das despesas de urbanização, isto é, da construção dos arruamentos que dão o seu valor final aos lotes vendidos; mas afigura-se-me, através das contas da sua Direcção dos Serviços de Obras, que a Câmara de Lisboa consegue um lucro efectivo e muito substancial nas operações fundiárias, que incontestavelmente sabe animar por um hábil doseamento das ofertas de terrenos à venda.
Tal é o interesse que estas despertam que as hastas públicas tiveram de mudar de átrio da Câmara Municipal, seu antigo lugar, para o Pavilhão dos Desportos, no Parque Eduardo VII, aonde chamam centenares do pessoas e onde se excedem frequentemente os cem lanços para adjudicação de um lote estando em cento e quarenta e sete o record do último ano!
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A consequência é que os lotes de terreno são arrematados com grandes excessos sobra as bases de licitação respectivas. Só no ano de 1954 a média geral dos preços de venda de terrenos para prédios de aluguer atingiu 1.828$, excedendo o triplo da base de licitação média; e num conjunto de assenta e cinco lotes, quantos pôs à venda para este fim, a Câmara realizou 37 477 contos de vantagem sobre as bases de licitação que propusera.
Se cada um destes prédios vier a ter catorze inquilinos - e não sei se no conjunto a tantos chegarão, embora se estejam construindo com sete e oilo pisns - conclui-se que, na média, cada inquilino ficará onerado em 40 contos de maior custo do terreno em resultado da excitação das arrematações, e isso corresponderá a mais de 250$ de agravamento em rendas finalmente da ordem dos 1.000$! Mas em certo caso extremo o sobre-preço do terreno por efeito da licitação atingiu 1680 contos, o que, sendo aí os inquilinos vinte a quatro, elevou a incidência nas rendas para a vizinhança dos 400$ ou 500$. Aqui a especulação sobre o terreno terá quase levado as rendas ao dobro do que doutro modo poderiam ser.
Eis, pois, quem ganha com o modo actual de investir capitais na construção de habitações em Lisboa; quem perde é uma população sacrificada pela redução dos níveis de vida que as rendas caríssimas incontestavelmente operam e generalizam, por arrastamento das mais antigas e mais moderadas.
Demorei-me um tanto sobre esta forma de investimento nacional porque ela é de natureza conspícua, e assim de observação acessível; porque sem dúvida avulta entre as modalidades da capitalização livre mais procuradas; porque a concentração e o incremento em Lisboa da indústria de construção de prédios de habitação para venda a capitalistas não têm paralelo no resto do País, se bem que se vá desenvolvendo à roda da cidade com características análogas; e porque esta indústria tem sido levada, por uma política que poderia ter sido mais feliz, a oferecer-nos o espectáculo anacrónico de unia produção cada vez mais avultada e cada vez mais cara, isto é, de uma produtividade global decrescente.
Como muito bem faz notar o parecer da Câmara Corporativa, não há-de ser só no campo tributário que a acção estimulante dos investimentos reprodutivos poderá ser exercida, nem seria mesmo suficiente. E como ressuma de toda a proposta a convicção da necessidade dessa acção estimulante, convencimento aliás entrado tão fortemente no espírito de todos nós que ganhou valor axiomático, não será de mais inquirirmos a propósito como se vão exercer os estímulos e que caminhos vão marcar aos capitalistas.
Temos, é certo, em curso o Plano de Fomento, que segue o seu intuito de criar mais largas condições básicas de desenvolvimento das actividades nacionais. Mas
este Plano é essencialmente de investimentos comandados pelo Estado, e nem esgotou a moderada solicitação que previu do capital privado avulso.
Daqui resultou até há pouco uma abundância de dinheiros oficialmente reconhecida.- como davam fé há pouco mais de um ano os relatórios dos Decretos n.ºs 39 698 e 39 830 e tantos outros testemunhos, sem que todavia se vissem grandes esforços para a utilizar ou encaminhar; e ainda que o ritmo da anuência abrande, como parece estar sucedendo, se não só inverter até à anulação - e praza a Deus que assim não suceda, pois grande desgraça seria para toda a gente - teremos sempre entro nós, com cada vez maior número de pobres a pedirem trabalho para seus braços o seus cérebros, uns tantos ricos ou poupados a procurarem emprego para seus dinheiros.
Que lhes vamos propor, para que estes frutifiquem em proveito geral?
Decerto novos investimentos - que habilitem o País a produzir mais e melhor, dirá a Câmara Corporativa; que criem indústrias novas e desenvolvam as existentes, opinará o Sr. Ministro das Finanças.
Muito bem; e o assentimento será, quero crê-lo, universal.
Descendo todavia ao duro terreno das realidades, é forçoso reconhecer como natural o persistente apego às aplicações de rendabilidade experimentada e segurança comprovada, o que, repetirei, permite duvidar, com a Câmara Corporativa, da bastante atracção de medidas como a do artigo 11.º da proposta.
Põe-se a questão, com efeito, se não haverá motivos para rever também certas directrizes da política económica (que parece estar achando mais expediente resolver muitos problemas de industrialização segundo pressões de conjuntura, ou merecimentos de oportunidade), as quais hão-de fazer hesitar sobre as garantias das empresais exigentes de fôlego prolongado.
Já tomei a atenção da Assembleia, há uns meses, com a exposição de algumas preocupações neste sentido, filhas do conhecimento de muitas derrogações ou esquecimentos de princípios votados para se manterem basilares, como os da Lei n.° 2005, que justamente foi citada mais de uma vez na apreciação da presente proposta de lei, e ao considerarem-se os seus objectivos de fomento industrial, dessa Lei n.° 2005, que até agora serviu principalmente para dar isenções fiscais a quem pouco precisava delas.
Porque então o fiz, e por variadíssimas outras razões, à frente das quais a muita estima e consideração que tributo aos responsáveis por essa política, de que apenas posso presumir serem enormes as dificuldades e os constrangimentos, não desejaria alongar-me de novo na matéria; faltaria contudo ao meu dever de Deputado não manifestando mais uma vez, para o que preste, a minha apreensão ante os perigos de minar a confiança dos capitalistas de iniciativa por uma descontinuidade de critérios susceptível de preocupar os mais ousados.
Acabo de ser testemunha de um caso que conheci por dever de representação e não duvido de referir em ilustração do que afirmo. Há alguns anos foi decidido que em certo ramo industrial conviria centralizar determinadas operações, que, dispersas pelas várias unidades fabris, perderiam em técnica e em rendimento.
Assente o ponto, lançaram-se as bases para a instalação da oficina necessária, precedendo convite de participação aos sectores económicos interessados, com forte apoio material do Estado.
Porque estas coisas entre nós são atreitas a andar devagar, só agora o novo estabelecimento, completo a primeira fase da sua instalação, se preparava para começar laborando em pleno, após despesas de dezena de milhares de contos.
Entretanto, algumas outras fábricas, por motivos que não importa referir - duvido de que sejam todos louváveis -, entraram de querer efectuar independente e dispersamente aquelas mesmas operações que antes haviam tido por melhor ficarem concentradas.
E de tal guisa souberam fazer valer os seus novos pontos de vista que por despacho de há dias, foram restabelecidas as condições da sua satisfação, na precisa altura em que chegava à prova da experiência o merecimento da orientação primeiramente gizada e dispendiosamente apetrechada, destarte sujeitando a fortíssimo sobressalto a novel empresa (estabelecida, insistirei, na confiança da orientação do Estado e com o seu apoio financeiro) e aos encargos de um nítido sobreequipamento a economia geral e a balança do mosso comércio externo.
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Decerto houve para tudo boas razões; mas em que há-de firmar-se, vistos estes exemplos, o crédito do fomento oficial, quando seja necessário que se dilate no tempo?
Não, Sr. Presidente, não acho que devamos continuar com estes métodos. Carecemos de revigorar a nossa economia pelo fortalecimento, a diversificação e a inovarão de actividades reprodutivas; carecemos para tanto de viver em clima de confiança nos resultados, e este não poderá criar-se se ao receio do todas as contingências dos negócios houver que somar-se o das inconstâncias da política: já o vimos e sofremos quando as inconstâncias eram de outra ordem! Antes o alheamento total que um apoio flutuante!
Tão-pouco chegaremos ao fim desejado mantendo a dualidade de regimes, de indústria aberta á indústria de saguão. Enquanto a produtos análogos não garantirmos análogas condições de fabrico, sofreremos quase certamente, no campo das unidades medianas, que está mais aberto ao livre investimento, o risco dos efeitos de uma espécie de nova lei de Gresham: a má fabricação expulsará a boa.
O Sr. Nunes Mexia: - Direi a V. Ex.ª que para o estabelecimento de uma dessas empresas o Estado marcou de tal maneira o seu interesse, consideração e confiança que levou várias entidades da lavoura, acompanhadas de elementos oficiais, a fazerem a propaganda junto daquela para que subscrevesse o capital e tornasse possível esse empreendimento.
O Orador: - Muito obrigado a V. Ex.ª
Há ainda que abordar com franqueza um ponto: para o vasto fomento industrial que volta a ser preconizado, sinal de estar longe de ser conseguido, carecemos de iniciativas arrojadas, de capitalistas atrevidos, de autênticos e novos pioneiros da indústria. Ora quem quer pioneiros tem de os pagar, pois tudo tem o «eu preço neste mundo; e pagá-los- em adequada liberdade de acção e de resultados. Anda pelos fabulários, há centenas de anos uma grande lição de economia, como tanta mais coisa sábia: e essa é que quem quer ter ovos de ouro não pode dispensar-se de sustentar a galinha. Vamos trabalhar francamente neste espírito?
Tantas perguntas formulo, Sr. Presidente e Srs. Deputados - e reconheço que as formulei a correr - , para propor em resposta, que demorará algum tempo antes que ganhem momento e «produzam todos os efeitos as medidas fomentadoras da produção nacional, a que o Sr. Ministro das Finanças, quer dar todas as novas forças do seu talento e do seu entusiasmo.
Entretanto continuarão muitos capitais à procura de aplicações, disputando-se estèrilmente os investimentos a que estão avessados, encarecendo com duvidoso lucro seu - e, decerto nenhum da comunidade - os objectos sobre os quais compitam; esta feia perspectiva me anima a ... propor de novo ao Governo a consideração de um tipo novo de investimento que já aqui defendi e continuo a ter como altamente útil pelos fins que servirá e os efeitos que pode produzir.
Quero aludir à ideia, aqui apresentada, no fim do meu aviso prévio de há dois anos e meio, sobre o problema da habitação barata, de um vasto empréstimo de financiamento da construção de casas para trabalhadores, que demonstrei não poderem ser edificadas, nas indispensáveis condições do preço, sem o auxílio do Estado, que esse empréstimo tornaria recuperável.
No final do meu discurso de 19 de Março de 1953, que muitos de VV. Ex.ªs quiseram depois apoiar, reconhecendo a gravidade da carência de moradas acessíveis às classes menos abastadas, expus a conclusão, aliás universal, que sem auxílio financeiro dos poderes públicos não será possível construir casas realmente baratas e acessíveis aos trabalhadores de todos os meios o categorias.
Como dissera incisiva mente uma das nossas poucas autoridades no assunto, o actual Subsecretário de Estado das Obras Públicas, «no estado actual da técnica da construção não se pode construir para as classes menos abastadas sem a ajuda de subsídios». Mostrei então, com efeito, que nas nossas condições de preços e do salários as rendas anuais das casas para gente de recursos modestos não poderiam, sem riscos de excessivo desequilíbrio dos orçamentos domésticos, portanto com prejuízo dos decentes níveis de vida não poderiam ultrapassar 3,5 por cento dos custos da sua construção; e esta taxa para cobrir juros e reintegrações, é claramente incompatível com as possibilidades portuguesas de investimento público ou privado.
A alternativa do recurso à simples dádiva de parto maior ou menor do preço, sob a forma de subsídios não reembolsáveis aos capitais ou às rendas, que, aliás, já praticamos e se usa mais largamente por essa Europa fora, também me não pareceu nem parece de defender porque acumula sobre os erários pesos mais ou menos depressa incomportáveis (como ainda, há pouco vimos numa retumbante - viragem da política financeira de certo grande pais), quando é levada às verdadeiras proporções do problema a nesolver; aliás, por si só não garante o aprovisionamento dos demais fundos.
Preconizei, pois uma forma de subsídio igual aos encargos de amortização dos capitais e conservação dos prédios, recuperável nas rendas após a amortização.
Esta modalidade aparece-me ainda hoje tão ou mais eficiente do que qualquer outra, suave para o Tesouro e particularmente; aliciante, pelo estabelecimento de uma colaboração de capitais privados um fins de superior interesse nacional.
Esquematicamente, consistiria no lançamento de grandes empréstimos à taxa de 4 por cento, amortizáveis em quarenta anos, votados à cobertura integral dos encargos de construção das casas a erguer. Nestes termos o serviço do empréstimo exigiria 5,05 por cento, que as despesas de conservação arredondariam para o encargo anual de 6 por cento dos capitais empregados, pendendo sobre as casas.
Ora, aceitando que os moradores destas não poderiam importar tudo, pensava e penso que o Estado deveria conceder um subsídio igual, digamos, a 2,5 por cento do capital; ficando as rendas anuais em 3,5 por cento valor, por hipótese anterior, perfeitamente aceitável. Completada em quarenta anos a amortização, o Estado poderia, durante os quarenta anos seguintes, tomar as rendas para si, a fim de se reembolsar dos subsídios adiantados e dos encargos de conservação dos edifícios durante este segundo período.
Ao cabo restaria ainda o valor dos edifícios, inteiramente, desonerados, com certeza ainda não de tudo desprezável, no fim dos oitenta anos de ciclo de financiamento.
O esquema culminaria, para ficar perfeito, no estabelecimento de uma escala móvel das rendas destas casas, em função das índices de salários, ou de outros, garantindo os mais das obrigações contra desvalorizações da moeda, para tornar o investimento tão convidativo quanto se faz mister e as condições podem permitir.
Assim, pensava e penso eu, não seria impossível realizar em uma dezena de anos, à custa de dois ou dois e meio milhões de contos, negociados em séries de duzentos e trezentos mil, bem compatíveis com o nosso
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mercado financeiro e com a hierarquia e utilidade dos demais investimentos, aquela obra nacional de alojamento popular, de cuja necessidade e urgência ninguém duvidar.
Assim e creio bem que só assim, pois não sei que haja aonde mais se possa recorrer.
Seja-me lícita apenas uma ilustração concreta dos efeitos que se alcançariam.
No último grupo de casas para as classes pobres levantado em Lisboa, o da Madre de Deus, setenta e oito casas ficarão, tudo pago, pelo preço médio de 42.950$ as de dois pequeninos quartos e de 51.000$ as de três. Contentando-se a Câmara Municipal em fixar para as rendas 4 por cento do custo, equivalentes à amortização em vinte e cinco anos, sem juros do capital, e prevendo-se mais 1,5 por cento para conservação, pôde fixar as rendas, respectivamente em 210$ e 260$ mensais. Pois bem, se se lhes aplicasse um financiamento conforme venho de expor, as rendas poderiam descer para menos de dois terços desta importância, não obstante o capital vencer então juro normal e compensador.
Mantêm-se todas as premissas em que fundei a minha primeira sugestão, e não as vejo senão acentuadas. Continuam a escassear habitações em Lisboa e por todo o País. Há-de haver um ano, o Ministério das Corporações abriu concurso para arrendamento das casas vagas e a vagar nos bairros económicos de Lisboa: pois para o que seriam, quando muito, setenta a cem casas, apresentaram-se 7199 pretendentes!
Às quatrocentas e cinquenta e duas habitações do Bairro do Restelo concorreram mais de 5500 pessoas, às cem do Vale Escuro mais de 3000, assim por diante, sendo de notar que, pelas diferenças de classes e tipos, nem todos os interessados se repetiriam nos pedidos.
Além de escassas,- estão caríssimas, e nem as casas chamadas económicas, pelo preço do seu financiamento, escapam à pecha. Se em Lisboa tudo passa, já em
Matosinhos a Federação das Caixas de Previdência teve, em Junho último, de anunciar baixas nas rendas das casas devolutas, que iam até 33 por cento, certamente prejudicando a remuneração dos capitais investidos. E para tornar acessível o grupo de trinta casas económicas há dias prometido para Gondomar foi forçoso um subsídio gratuito de 1000 contos, que o Grémio dos Industriais da região não poderá, certamente, estender indefinidamente, limitando-se o âmbito do benefício, porventura, nem a simples remedeio.
Depois não faltam, como temos visto, capitais perfeitamente disponíveis, para se aplicarem à obra. Bastarão, talvez, uns jeitos para ns encaminhar! Pelo contrário, o que não vemos são outras aplicações para onde imediatamente pudéssemos preferir que eles se dirigissem, ou esperar que espontâneamente as procurem!
Portanto, existe a necessidade, convertida em agudo problema social, existem os recursos, e convém mesmo aproveitá-los. Só falta a decisão - não quero duvidar do interesse - do Governo. Como não hei-de, tomado de uma devoção ao objecto que ser partilhada pela Assembleia, insistir em propor à sua consideração empresa
tão útil?
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
(O orador foi muito cumprimentado)
O Sr. Galiano Tavares: - O projecto da proposta de lei n.º 510 apresentado à Assembleia Nacional quanto à autorização de receitas e despesas para 1956, e sobre o qual a Câmara Corporativa emitiu o seu parecer, giza um plano de actividade fundamental, fixando uma conduta de orientação geral, relativamente a receitas e despesas públicas, desenvolvido por epígrafes e artigos.
A dois deles me vou referir em especial.
Art. 19.º (política rural):
Diz o corpo do artigo:
Os auxílios financeiros destinados a promover a melhoria das condições de vida nos aglomerados rurais, quer sejam prestados por força de verbas inscritas no Orçamento Geral do Estado, quer sob a forma de subsídios ou financiamentos de qualquer natureza, devem destinar-se aos fins estabelecidos nas alíneas:
a) Abastecimento de águas, electrificação e saneamento;
b) Estrados e caminhos;
c) Construções para fins assistenciais ou instalação de serviços;
e) Melhorias agrícolas;
f) Casais para as classes pobres.
Do parecer da Câmara Corporativa ressalta a necessidade de sobrepor, na ordem estabelecida, as melhorias agrícolas» aos «matadouros e mercados», visto depreender-se dar-se-lhe prioridade, o que se me afigura absolutamente defensável e para que nas comparticipações se não venha a praticar a precedência estabelecida no projecto da proposta.
Na alínea f), a última, faz-se referência às «casas para as classes pobres».
O Decreto-Lei n.º 34 486, de 1945, considerava que as condições exigidas para as casas económicas excluíam efectivamente uma considerável percentagem de possíveis condições quanto às camadas mais modestas da população - as que vivem ainda em miseráveis condições de alojamento.
O Decreto-Lei n.º 28 912, de 1938, já havia autorizado o Governo, a subsidiar a construção em Lisboa de 1000 pequenas casas desmontáveis, destinadas a receber, a título provisório, os ocupantes de alguns bairros clandestinos. No Decreto-Lei n.º 33 278, de 1943, determina-se a execução de mais 1000 dessas modestas habitações, sendo 500 um Lisboa e 500 no Porto, e o Decreto-Lei n.º 34 139, de Novembro de 1944, promove a construção de 100 casas desmontáveis.
Para que no prazo de cinco anos se construam 5000 propõem-se subsídios de 10 contos por habitação, a conceder em partes iguais pelo Estado e pelo Fundo de Desemprego, com rendas mensais muito reduzidas, desaparecendo no diploma a designação de «casas desmontáveis».
Não consegui obter o número de casas, ou habitações construídas. Seja como for, reputo a iniciativa que então se tomou e à, qual se torna a aludir como absolutamente meritória e digna de se intensificar. As casas de renda muito reduzida são apoio moral para muita gente e é a consciência do que é possível que gera a consciência do que é justo.
Ter um lar, por pobre que seja, é uma necessidade primária.
No capítulo «Educação e cultura» menciona-se a redução do analfabetismo, a construção e utensilagem de edifícios para Universidades, bem como de outras
escolas. Não se especifica a natureza dessas escolas.
Nos liceus despenderam-se 51 788 contos em 1953 apenas com a pessoal, quer dos quadros aprovados, quer contratado, e mais de 55 000 em 1954, isto a par
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do ensino particular em estabelecimento, de que não é possível dar quaisquer referências.
Não quero, porém, perder o ensejo de fazer alguns comentários sobre este aspecto do ensino.
Quando em 1954 defendi publicamente o restabelecimento das provas orais, afirmei:
Foi o regime de extinção de provas orais, de anonimato dos pontos, a causa determinante e próxima da melhoria das condições habitacionais e pedagógicas dos colégios e estabelecimentos do ensino particular?
Os colégios tinham de acompanhar o progresso, a profunda ascensão dos liceus, que deixaram de ser os infectos pardieiros que eram, para se tornarem nos aliciantes edifícios que hoje são. Só lamento que se não tenha prosseguido, ficando alguns - poucos - a meio caminho dessa ascensão, não sei porquê.
E cabe lamentar ainda que nem todos os estabelecimentos particulares o tinham feito.
A instituição, que é boa - e há-as desta sorte no nosso país -, resiste a todos os processos de selecção. O problema do ensino secundário em Portugal não é um problema de concorrência mas um problema de construção.
Carece o ensino liceal de profunda e extensa reforma no sentido de criar uma base sólida, de marcada continuidade quanto às modalidades informativa e formativa? Ninguém o contesta, embora as bases psicológicas da educação sejam, a meu ver independentes dos programas.
A nossa indisciplina mental, tal como a nossa estruturação moral, exigem que a escola adapte os seus propósitos a uma série de interesses que variam na proporção directa das necessidades que o tempo impõe e cuja inobservância tantas vezes determina o que em psicologia da educação se chama as «fugas do real» e os «reflexos da defesa».
A forma kantiana, cuja essência nos ensina que a «melhor maneira de aprender é fazer», é um postulado da pedagogia do esforço, que a legenda parenética do «savoir par coeur n'est pas savoir» condensa e traduz.
A iniciativa no próprio desenvolvimento de uma questão, a personalidade, que tende a afirmar-se e que o exame mudo desprezava, mecanizando examinadores e examinandos, requer um ambiente de colaboração por parte de todos os que ensinam, combatendo a atmosfera de descrédito que principalmente se cultiva em determinadas épocas do ano - as dos exames.
E notório que o ensino liceal secundário continua a merecer ao País o maior interesse.
Não obstante, pode dizer-se que o ensino liceal suscita apesar de tudo - escrevia-se recentemente numa revista da especialidade, a Labor - em vários sectores da população queixas por vezes acerbas « muitas delas justificadas:
Se ouvirmos os professores deste grau de ensino, dirão que os alunos aproveitam pouco e o seu nível mental médio tende a descer; se ouvirmos os professores universitários, dirão que é fraca a preparação daqueles que entram nas escolas superiores.
Se consultarmos as classes dirigentes - prossegue o Prof. Francisco Gonçalves - dirão que a percentagem dos alunos que frequentam o curso liceal é excessiva, atendendo às necessidades nacionais de diplomados com esse curso e à percentagem dos que frequentam os outros cursos médios.
Quer dizer: não se vê maneira de conseguir - prossegue o articulista - os recursos necessários para proporcionar ensino liceal à massa cada vez mais elevada que o procura.
Prossigo na transcrição:
O ensino particular não se tem mostrado à altura da missão que lhe compete, e não por culpa do professorado nem dos directores dos colégios.
A culpa está nas próprias famílias, que procuram os colégios a pensar, não no ensino, mãe no diploma; e, porque pagam, julgam-se no direito de exigir a passagem ou a admissão a exame dos seus filhos ou educandos, por má que seja a sua preparação.
Sr. Presidente: adiro, sem reservas, a esta realidade e reconheço que o ensino particular em estabelecimento tem feito quanto tem podido para libertar de onerosos encargos o próprio Estado.
Há que valorizá-lo, purificando-o.
Ensino oficial
Liceal secundário
Movimento de alunos
1951-1952:
Sexo masculino ...... 13 083
Sexo feminino ....... 10 594
Total ............... 23 677
1952-1953:
Sexo masculino .......... 13 854
Sexo feminino ........... 11 055
Total ................... 24 909
1953-1954:
Sexo masculino ......... 14 519
Sexo feminino .......... 12 126
Total .................. 26 645
Ensino particular
Liceal secundário
Movimento de alunos
1951-1952:
Sexo masculino .......... 14 245
Sexo feminino .......... 13 655
Total ................... 27 900
1952-1953:
Sexo masculino ............ 15 167
Sexo feminino ............ 14 294
Total ..................... 29 461
1953-1954:
Sexo masculino .......... 13 545
Sexo feminino .......... 13 493
Total ................... (a) 27 038
(a) Este número não condiz com os dados mencionados na estatística.
O movimento de alunos no ensino particular em estabelecimento é, pois, maior do que no ensino oficial. Por triénio, no ensino oficial, 75 231, e no ensino particular, 84 399.
Quanto ao número de edifícios autorizados pela Inspecção do Ensino Particular, revela-se no quadro seguinte:
1951-1952 ............ 296
1952-1953 ............ 302
1953-1954 ............ 294
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Assim distribuídos e por distritos:
«Ver quadro na imagem»
(a) Estes números não condizem com os dados fornecidas pela estatística.
De entre os números que se referiram foram adrede construídos nos últimos cinco nos trinta e adaptados ou ampliados vinte e sete, despendendo-se quantias que oscilam entre 400 e 1000, 2000 e 5000, 10 000, 15 000 e 16 000 contos.
«Ver quadro na imagem»
O número dos professores em actividade do 1.º ao 9.º grupos nos estabelecimentos particulares traduz-se no seguinte mapa o quanto aos anos de 1952-1953 o 1953-1954:
Professores diplomados para o ensino liceal (do 1.° ao 9.º grupo) em exercício nos estabelecimentos particulares
«Ver quadro na imagem»
(a) A maior parte dos professores que possuem Exame de Estado não o comprovaram quando requereram o diploma de ensino particular; apresentaram só documentos da licenciatura. Por este motivo é de presumir que o número de professores com Exame seja superior ao indicado.
(b) Na designação «Com outros cursos superiores completos estão incluídos os seguintes cursos: Medicina, Veterinária, Farmácia, Agronomia, Engenharia, Direito, Ciências Económicas e Financeiras, Superior de Estudos Ultramarinos e Escolas de Exercício e Naval.
(c) Alguns destes professores possuem cursos universitários incompletos.
Impressionou neste quadro o escasso número de diplomados com Exames de Estado, embora a Inspecção do Ensino Particular esclareça que a maior parte desses professores o não comprovaram quando requereram o diploma, tendo apresentado apenas o documento de licenciatura, presumindo-se, por isso, que o número seja maior. Com efeito, no ano de 1952-1953 o número seja maior. Com efeito, no ano de 1952-1953 o número desses professores foi de oito, sendo um do sexo feminino e sete do masculino, e no ano de 1953-1954 sòmente seis do sexo masculino!
Com cursos superiores completos - Medicina, Veterinária, Farmácia, Agronomia, Engenharia, Direito, Ciências Económicas, Estudos Superiores Ultramarinos, Escolas do Exercício e Naval - nos anos de 1952-1953 e 1953-1954, duzentos e oitenta e um, sendo duzentos e trinta e um do sexo masculino e cinquenta do sexo feminino.
Com cursos universitários incompletos, noventa e seis em 1952-1953, sendo quarenta e um do sexo feminino e cinquenta e cinco do sexo masculino e cento e seis no ano de 1953-1954, sendo quarenta e nove do sexo feminino e cinquenta e sete do sexo masculino.
Sem preparação universitária no ano de 1952-1953 duzentos e setenta e quatro e no de 1953-1954 duzentos e sesenta!
Ao abrigo do artigo 24.º do Estatuto do Ensino Particular, a diuturnidade de um magistério eficiente por cinco anos no mesmo estabelecimento de ensino ou em estabelecimentos dependentes do mesmo instituto é bastante para a obtenção do respectivo diploma. Nos anos de 1952-1953 e 1953-1954 oitenta e seis, sendo setenta e um do sexo feminino e quinze do sexo masculino.
Praticaram o ensino nos anos referidos, 1952-1953 e 1953-1954, respectivamente, mil novecentos e vinte e um mil novecentos e dois professores, sendo, respectivamente, novecentos e nove do sexo feminino e mil e doze feminino e mil e dezoito do masculino.
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Sr. Presidente: o ensino particular em Franga é ainda regulado pelas Leis de 1883 e 1850 - as «providências Falloux», que aboliram monopólios para estabelecer a liberdade de ensino.
Qualquer cidadão francês com mais de 25 anos e não incurso em disposição legal que o impossibilite de ensinar pode solicitar ao reitor da academia onde
pretende estabelecer-se autorização para criar uma escola secundária, desde que prove ter, pelo menos, cinco anos de magistério - aqui se deve ter inspirado a legislação nacional -, quer em estabelecimento público, quer livre, e possuir um diploma de bacharelato, fazendo acompanhar o requerimento para instalação de uma planta quanto ao local.
As autoridades intervenientes. - o reitor, o perfeito do departamento e o procurador da República - podem opor-se por motivos tidos por atendíveis, o que tudo depende, porém, do Conselho Superior de Educação Nacional.
A intervenção, do Estado é, contudo, e afora circunstâncias excepcionais, inteiramente de molde a mão empecer o exercício do ensino, facilitando largamente quaisquer iniciativas.
Do ponto de vista pedagógico, o reitor e inspectores de academias, representando o Ministro, podem exercer funções de inspecção, as quais, contudo, normalmente se limitam a verificar se o ensino desrespeita a Constituição, a moral e os bons costumes.
Do ano de 1893 data uma disposição de natureza sanitária, segundo a qual as actividades discentes estão subordinadas ao parecer do Conselho Departamental de Higiene.
É claro que todos os estabelecimentos de ensino desta índole estão isentos de impostos sobre lucros.
Na Suíça a educação pública é da exclusiva competência dos seus cantões, que constituem vinte e cinco estados soberanos. A instrução pública num país onde se conferem aos cidadãos extensos direitos - o que só pode subsistir e manter-se com a exacta compreensão, por parte de todos, dos seus respectivos deveres e prerrogativas -, o ensino, melhor diríamos a educação, merece os maiores cuidados e atenções.
A maioria dos pais prefere confiar os filhos a escolas não particulares, embora o ensino desta índole esteja amplamente autorizado, em especial quanto a jovens com menos de 15 anos.
Cada um dos vinte e cinco estados da Confederação tem completa liberdade de adaptar a escola e o ensino às necessidades da população e até aos seus recursos financeiros.
Neste, como noutros aspectos, o legislador quis respeitar as diversidades regionais, sem, contudo - e merece a pena revelá-lo -, deixar de manter-se nessa diversidade uma efectiva unidade de propósitos e uma educação notoriamente nacional.
A estrutura da organização escolar suíça está nas escolas cantonais (dos 7 aos 11 anos), momento em que se bifurca em ensino primarão (até aos 15 ou 16 anos), ensino secundário (até aos 18 ou 19 anos) e eventualmente o universitário (escolas técnicas ou económicas superiores ).
Paralelamente ao ensino secundário, embora noutro plano e de criação recente, está o ensino profissional pós-escolar (a partir dos 15 anos), este regulamentado pelas leis federais, embora de organização cantonal.
O ensino profissional visa absorver todos aqueles que não podem ou não querem adquirir cultura académica. Trata-se, com efeito, de uma modalidade de ensino que abrange a maioria da população suíça.
De organização recente na sua expressão actual, é, porém, a revivescência da organização medieval de aprendizes e mestres das corporações, que o século XIX desconsiderou e baniu. Criaram-se os ofícios de aperfeiçoamento para certas indústrias metalúrgicas, bem como para artes e ofícios, e escolas de comércio. Os cantões regulam e regulamentam as condições de aprendizagem, sob o influxo, aliás, de um código federal de obrigações. Este grau de ensino adquire-se em escolas de dois tipos: as escolas profissionais e as de aprendizagem. As primeiras são subvencionadas pela Confederação - cantões e municípios - e até, por vezes, pelas organizações patronais.
A Lei de 26 de Julho de 1930, posta em vigor em 1 de Janeiro de 1933, regula o exercício de diferentes actividades profissionais, planas de estudos e cursos complementares, os quais abrangem já cerca de cento e setenta ofícios, sem excluir a agricultura.
A Oficina Federal da Indústria, Artes e Ofícios e de Trabalho, os cantões, as associações profissionais de patrões e artífices fixam as condições indispensáveis exigidas para a preparação profissional.
A lei federal regula, em especial, os cursos complementares e aos patrões incumbe inscrever o aprendiz paira os exames que a lei impõe.
Seja-me permitido acentuar, Sr. Presidente, que no plano de estudos está incluída a instrução cívica, de certo modo bem diferente daquele ensino da higiene nos liceus, e hoje já banido por simplesmente teórico.
Segundo as últimas estatísticas, frequentam na Suíça a escola primária 131 000 crianças, os cursos secundários e profissionais 262 000, acusando as escolas superiores (Basileia, Berna, Lausana, Genebra, Zurique, Neuchatel, Friburgo) uma frequência de 17 000 estudantes, dos quais, em 1939, 2000 eram estrangeiros.
A Escola Politécnica Federal admite todos os ouvintes, com o objectivo de aperfeiçoamento profissional, desde que demonstrem ter a indispensável preparação científica.
O ensino secundário é ministrado, por um lado, nas escolas secundárias, colégios e liceus, por outro, nas escolas superiores de comércio e nas escolas técnicas secundárias. Abrangem, portanto, as humanidades e os estudos científicos, com vista a uma cultura geral, sem formação profissional - tipo A, latim e grego; tipo B, latim e línguas modernas; tipo C, matemática e ciências.
As escolas superiores de comércio e as escolas técnicas secundárias foram criadas em consequência da transformação económica da Confederação, durante a segunda metade do século XIX, pois que, tendo sido um país agrícola, se industrializou, a ponto de não abranger hoje mais do que 25 por cento de mão-de-obra. Daí a extensão do seu ensino profissional.
O ensino secundário na Bélgica é ministrado nas escolas médias, liceus ou ateneus reais, nos estabelecimentos de ensino normal e nas escolas médias de aplicação, anexas às escolas normais médias.
O rei pode atribuir subvenções a estabelecimentos médios e técnicos par motivos imperiosos de natureza geográfica, económica, social, pedagógica ou demográfica, e em que as instalações e material didáctico o justifiquem, submetendo-se, porém, a frequentes inspecções de índole pedagógica; as subvenções, contudo, abrangem apenas o pessoal docente de nacionalidade belga, e os que possuam qualificação reconhecida pelo Estado.
São os denominados «estabelecimentos particulares subvencionados».
O diploma para o exercício docente, segundo a lei de Julho de 1955, não é concedido senão depois da prestação de provas públicas perante um júri presidido pelo delegado do Ministro da Instrução Pública e constituído
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por professores do ensino oficial e do estabelecimento interessado.
Em Espanha os centros de ensino médio particular estuo agrupados em colégios elementares e superiores. O pessoal docente é constituído por professores titulares, auxiliares e especiais e o estabelecimento tem de ser provido de material didáctico e instalações de educação física convenientes.
Ao corpo de inspectores compete impulsionar a renovação e aperfeiçoamento dos métodos pedagógicos nos domínios intelectual, moral e social e adequada assistência psicotécnica quanto ao corpo docente.
O Estado reconhece a função social dos centros de ensino particular, admitindo a protecção económica c fiscal, a liberdade de métodos e concomitante responsabilidade técnica quanto aos educadores, aos quais se impõem, como fundamentais, os títulos académicos previstos na lei, admitindo, de um modo geral, escolas-modelo e turmas experimentais.
Na Alemanha, na cidade livre e hanseática de Hamburgo, por exemplo, uma vez que o ensino não depende do Conselho Federal, mas dos diferentes estados, ns escolas particulares carecem sempre de autorização para iniciar a sua actividade.
O ensino particular é autorizado sempre que o nível da escola, quanto a instalações e professorado, não seja tido por inferior ao oficial. Não são, portanto, autorizados estabelecimentos em que as condições económicas e jurídicas do professorado não estejam devidamente asseguradas.
Sr. Presidente: não é possível apreciar com mais largueza os problemas do ensino secundário liceal particular em estabelecimento, e que carecem de uma revisão cuidadosa, não obstante reconhecer, com apreço, os esforços do professorado idóneo e da nossa própria Inspecção do Ensino Particular.
As informações que me foram prestadas e que divulgo são bastante elucidativas para que possamos ter dúvidas sobre a urgência de uma intervenção ordenadora no domínio da liberdade irresponsável em que se tem vivido quanto a este grau de ensino.
Tal o caso da aprendizagem doméstica fora de estabelecimento, clandestinamente consentida, sem ambiente, sem meios coadjuvantes e tidos por fundamentais.
Pelas reformas de Costa Cabral e de Passos Manuel as aulas liceais deviam ser instaladas em edifícios públicos devidamente apropriados e o Governo podia estabelecer em locais separados aquelas que fossem convenientes.
Tinha-se em vista evitar que o ensino fosse ministrado pêlos professores nas próprias casas. Com efeito, o Conselho Superior de Instrução Pública dizia que cãs escolas nas casas dos professores nem podem ser vigiadas tão livremente pelo público e pelas entidades inspectoras nem obrigam os professores à decência e asseio, em que devem servir de espelho aos seus discípulos».
Tal o caso ainda das transferências de liceus para colégios e dos colégios entre si, com vista sempre a admissão a exame.
Cada grau de ensino tem valores educativos peculiares, cujo desenvolvimento é a suprema missão da escola.
Valorize-se o ensino particular, mas joeire-se. E agora me ocorre este brado emitido por um inspector da Saúde Escolar, o Sr. Cortês pinto, nosso ilustre colega nesta Assembleia: c Só as almas sem ideal se limitam ao momento que passa e temem a morosidade do tempo».
E não desejo concluir sem uma palavra de reconhecimento à representação diplomática acreditada em Portugal, propiciando-me elementos de informação e, em muitos casos, a própria legislação que lhe solicitei. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Almeida Garrett: - Sr. Presidente: o artigo 16.º da proposta da Lei de Meios, relativo a assistência e saúde pública, com particular menção da luta contra a tuberculose, tem sido o que maior número de intervenções suscitou. Foi já largamente apreciada a matéria que comporta, o que justificaria o meu silêncio, se não fosse a circunstância de ou ser um velho professor de Medicina, que durante muito tempo ensinou Higiene, e ter sido, por largos anos, médico sanitário e clinico da antiga Assistência Nacional aos Tuberculosos. Mal pareceria que não trouxesse qualquer contribuição em assuntos que têm de me ser familiares.
Procurarei evitar a repetição do que aqui se tem dito sobre o combate à tuberculose, que especialmente versarei, na impossibilidade, dado o limitado tempo de que disporei para falar, de alargar a minha intervenção a todo o vasto campo da sanidade. Foram lembrados todos os factores da endemia tuberculosa, todos os procedimentos que podem concorrer para a debelar; a Assembleia ficou a conhecer o assunto em quase todos os aspectos. Creio, porém, que falta um: o relativo à ordem de preferência em que devem colocar-se os meios a utilizar. Não estamos num pais rico, não podem ter volume suficiente para largo emprego de todos eles as verbas a tal destinadas. Há, pois, que seleccionar, que marcar o caminho a seguir, para que do dinheiro gasto se colha o maior rendimento. Este será o tema da minha intervenção.
Para o tratar terei de expor noções de que seria inteiramente inútil falar, se estivesse em reunião de médicos. Mas, como a grande maioria dos componentes desta Assembleia é alheia aos estudos de Medicina, essa exposição é indispensável para a compreensão dos meus pontos de vista.
A tuberculose tem sido uma companheira habitual da humanidade. A tísica era conhecida nos mais antigos tempos. O estudo cientifico da doença, iniciado nos fins do século XVIII, desenvolveu-se extraordinariamente no século XIX, mormente no seu último quartel, cora a descoberta do agente causal, as minúcias da anatomia patológica, novos recursos para o diagnóstico, achegas experimentais, concurso da demografia sanitária.
O conjunto de todos os conhecimentos adquiridos deu uma noção suficientemente sólida sobre o carácter da, endemia e o valor relativo das actuações para a reduzir.
Como todos sabem, a tuberculose é uma doença contagiosa. Há duas fontes principais de contágio: o homem e a vaca. O homem, pela expectoração dos tuberculosos pulmonares; a vaca pelo leite contendo bacilos. Todas as demais origens são do secundária importância.
A transmissão pelo leite requer uma orientação profiláctica de fácil enunciado: vigilância sanitária dos animais, fiscalização da colheita e do transporte, higienização do produto quando a sua inocuidade não puder estar garantida.
A transmissão pelo homem impede-se, como é lógico, pelo isolamento dos contagiantes. Aqui, porém, já as dificuldades são incomparavelmente maiores, para profilaxia eficiente. O número de indivíduos a isolar é tão avultado que a medida é irrealizável, quando se pretenda aplicá-la integralmente, acrescendo que, sendo em geral padecentes de formas crónicas, de lenta evolução, o isolamento teria de ser muito demorado, pura ser efectivo. Quer dizer: só a uma parte dos contagiantes o procedimento
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pode aplicar-se, e o problema está na escolha dos mais perigosos.
O contágio proveniente do homem tuberculoso é directo ou indirecto; esta distinção tem grande importância, porque o directo é muito mais nocivo que o indirecto. Com efeito, os bacilos lançados no meio exterior sofrem influências que vão gradualmente diminuindo a sua virulência. A gravidade da infecção, a este respeito, depende do número e da virulência dos bacilos que entram no organismo; ora, em regra, os que vêm do meio exterior, mais vulgarmente pelas poeiras ou pelas moscas transportadoras de sujidade infectada, que depõem nos alimentos, são em pequeno número e frequentemente de virulência já atenuada. Assim, o maior perigo está no contágio directo, do indivíduo doente ao indivíduo são, mormente no meio familiar e nas convivências profissionais, ou seja quando há mais demorados contactos entre um e outro.
Isto leva à consideração de que a profilaxia, neste aspecto, deve principalmente olhar para o isolamento dos contagiantes que, pela sua posição no meio social, sejam grandes agentes de disseminação da doença, já que não é possível isolá-los todos. Nas escolas, nas fábricas e oficinas, nos estabelecimentos de hospedagem e hospitalização, em casas comerciais, etc.; em todos os locais em que os indivíduos lidem durante horas em cada dia de trabalho, compreende-se bem a facilidade dos contágios. Quanto ao meio familiar, o caso ainda é mais flagrante, pela convivência mais constante.
Uma outra consideração deve apresentar-se a esto propósito, e vem a ser a da maior ou menor probabilidade de o contágio ser operante, dependente da resistência do organismo em face da agressão bacilar. Essa resistência, nos países em que a tuberculose existe desde há séculos, é enorme, impressionante, mas com variantes notáveis, sobretudo dependentes da idade e de certas circunstâncias ocasionais.
A resistência oferece os valores mínimos na infância, e tanto menores quanto a criança é mais nova. Depois vai progressivamente aumentando, com valores máximos na idade escolar. Chegada a adolescência, coincidindo com o desenvolvimento da vida sexual, dá-se uma quebra sensível, que se prolonga pela juventude fora e até um pouco mais além; depois dos 30 anos sobe novamente. As idades mais susceptíveis aos contágios produtores de formas clinicas da doença são pois: em lugar proeminente a primeira infância e logo a seguir a juventude.
O vulto da resistência e suas variações pode avaliar-se pela comparação das percentagens da positividade das reacções à tuberculina com as referentes à mortalidade. Eis números representativos de médias dos valores obtidos em estudos sobre o assunto, feitos em meios, como o nosso é, fortemente tuberculizados:
Positividade das reacções â tuberculina por cada cem indivíduos
Ao ano .................. 15
Aos 3 anos .............. 30
Aos 7 anos .............. 40
Aos 10 anos ............. 50
Aos 15 anos ............. 60
Aos 20 anos ............. 70
Depois dos 20 anos ...... 75
Número de mortes por tuberculose por cada cem indivíduos infectados
Ao ano.................... 7,1
Aos 3 anos ............... 2,1
Aos 7 anos ............... 0,7
Aos 10 anos .............. 0,5
Aos 15 anos .............. 0,5
Aos 20 anos .............. 0,8
Depois dos 20 anos ....... 0,4
Estas cifras são produto de observações feitas três décadas atrás, quando a terapêutica era nimiamente activa, representando por isso, sensivelmente, a evolução espontânea da doença.
Vê-se claramente que a infecção tuberculosa só em reduzida escala dá lugar a formas graves, que levam à morte, principalmente depois de ultrapassada a fase da infância, e dentro desta a dos primeiros dois a três anos de vida. Em compensação, mais tarde, e como regra nos adultos, a doença toma o aspecto de cronicidade, com altos e baixos de manifestações, de sinais, conduzindo à morte depois de uma evolução que dura anos - às vezes muitos. Assim, as quotas da morbilidade não correspondem às da mortalidade, antes se apresentam, até certo ponto, com valores inversos: há muito maior proporção de contagiantes nos adultos do que nas crianças.
A desproporção flagrante entre o número de casos clínicos e o número de infectados resulta do corrente aspecto de benignidade dos efeitos da infecção, apenas manifestados por pequenos transtornos, de passageira duração, quando não são completamente inobserváveis, passando a infecção inteiramente despercebida. Este ponto importa muitíssimo no debate do problema em causa, pelo motivo que passo a expor.
Uma vez inoculado o bacilo, o organismo respondo com um aumento da resistência que anteriormente possuía. Se a tuberculose fosse equiparável a outras doenças infecciosas (como a febre tifóide, o sarampo, a varíola, etc.), o indivíduo infectado, com sinais mais ou menos fortes da doença, ficaria imunizado para sempre contra o respectivo agente. Na tuberculose tal não acontece. A resistência aumenta, mas nem adquire positividade igual à da aludida imunidade, nem tem a mesma persistência, pois dura apenas enquanto o bacilo permanece no organismo.
Os factos passam-se, esquematicamente, da seguinte maneira: efectuada a infecção, vencida a fase aparente, quando esta existe, ultrapassado portanto o período anátomo-patológico da primo-infecção, o bacilo fica acantonado em regra nos gfmglios, adormecido, sem faculdades agressivas, mas continuando a despertar condições de resistência; se desaparece, o organismo volta à situação anterior.
Por isso é impróprio o termo de imunidade para essa resistência, e para ela se criou o termo de premunição.
Esta notável circunstância levou mesmo a pensar que a melhor maneira de ter menos doentes seria a de ter grande número de infectados que oferecessem formas inaparentes ou benignas, por o ataque se ter operado por bacilos pouco virulentos e em pequena quantidade, como é o caso mais corrente da infecção provocada pêlos vindos do meio exterior; uma coisa semelhante ao que se passa com as imunidades sem sinais aparentes, tão vulgares nas doenças infecciosas imunizantes. Em matéria de epidemiologia, há faces contraditórias, ambas apoiadas em seguros argumentos.
Voltemos, porém, à análise da evolução do processo infeccioso pelo bacilo em questão, tendo vincado o fenómeno da premunição como elemento valioso de resistência ao agente da tuberculose.
Os bacilos que ficaram no organismo, em estado do virulência latente, podem readquiri: a faculdade de produzir lesões, se circunstancias ocasionais quebrarem a resistência existente. É o caso de doenças anergizantes, com o sarampo e a gripe à cabeça; é o caso das carências nutritivas e das fadigas esgotantes e o da perturbação funcional da adolescência, pura só citar os mais salientes. Opera-se uma reinfecção endógena, de grande contribuição para a patologia do adulto, apreciada diversamente pelos estudiosos do assunto - uns ligando-lhe maior papel que o exercido pela infecção ou reinfecção
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exógena; outros opinando de maneira inversa. Seja como for, a verdade é que tem de se contar com a importância da reinfecção endógena, e, consequentemente, para a profilaxia, com os meios do evitar a acção dos factores que quebram a premunição.
Esses factores intervém já na frequência da primo-infecção, embora em menor grau.
Posto isto, compreende-se a influencia da falta de higiene geral dos indivíduos, da insuficiência alimentar e do mau tratamento dos estados de doença aguda na produção de casos clínicos de tuberculose; a correcção desses defeitos tem sua apreciável parte na luta contra os prejuízos causados pela endemia, de cuja importância adiante falarei.
Foi o conhecimento da premunição e seus favoráveis efeitos que levou à inoculação de bacilos, de atenuada vitalidade, para substituir a infecção natural, sem o risco de formas graves que esta oferece. A chamada vacinação pelo B. C. G. é o processo geralmente utilizado. Vale a pena ponderar a influência que pode ter na luta contra a tuberculose.
O procedimento é inócuo, no ponto de vista da incapacidade de provocação de uma doença evolutiva; a este respeito não há divergência de opiniões, pois os acidentes que podem ocorrer só muito excepcionalmente revestem algum valor. No que já divergem os conceitos é na extensão a dar à aplicação do método.
A premunição efectuada pelo B. C. G. é inferior à produzida pela infecção natural, tanto na intensidade como na duração. Na intensidade por se dever a um bacilo de origem animal e atenuadíssimo. Na duração porque esta não vai além de alguns anos, exigindo periódicas revacinações; passado um ano sobre a inoculação, já cerca de 20 por cento dos inoculados voltaram a ser anérgicos. Uma campanha de substituição da premunição natural pela artificial, para dar resultados gerais compensadores, deve incidir sobre a grande maioria da população. Não havendo recursos para a instaurar e manter, há que seleccionar os indivíduos a inocular, escolhendo os mais sujeitos ao contágio directo. Por tudo isto, entre nós, é este o caminho a seguir.
Devem vacinar-se, preferentemente, as crianças pequenas e, com relevância, os lactentes, os pré-adolescentes e os indivíduos que, pelo seu modo de vida, podem estar com frequência em contacto com doentes contagiantes. Se puder obter-se a vacinação, com as medidas de isolamento que lhe estão ligadas, destes grupos populacionais, ter-se-á contribuído para o combate sem desperdício de esforços e dinheiro, o que acarretaria uma mais larga expansão do método, que nunca, nas condições da vida portuguesa, poderia tomar o vulto necessário para nele se formar a base principal da profilaxia. Não se peça à vacinação mais do que ela pode realmente dar.
Vejamos agora o que pensar do radiorrastreio e das provas tuberculínicas. São procedimentos destinados a averiguar a existência ou inexistência do processo infeccioso e seu estado evolutivo. Apesar dos erros a que podem conduzir, por estes serem em pequena proporção, são bons meios de apuramento.
A finalidade ó tripla: apartar os casos a vacinar, reconhecer as formas recentes de doença, para as tratar antes que tenham tomado aspecto grave ou evolucionado para a cronicidade, e isolar as formas crónicas, tórpidas, contagiantes. Com o primeiro objectivo, a aplicação deve estender-se aos citados grupos de maior susceptibilidade. Com o segundo, a aplicação só verdadeiramente será útil se houver possibilidades de tratamento eficiente. Com o terceiro, no isolamento dos doentes, estará a utilidade. É evidente que a preconizada expansão do radiorrastreio não trará resultados valiosos sem que se efectivem estas sequências; pode um ou outro caso apurado, por si, pelos recursos de que dispõe o doente, tratar-se devidamente; mas a utilidade só será grande quando a terapêutica puder efectivar-se para a totalidade ou quase totalidade de tais casos. Se não se isolarem os crónicos contagiantes, continuarão a semear bacilos. Se assim não for, os doentes curáveis tenderão a fazer a evolução desfavorável do seu processo patológico, os incuráveis a propagar a doença, e o esforço e o dispêndio terão sido inúteis.
Sumariando o exposto, e considerando o estado actual da expansão da doença entre nós, com uma enorme quantidade de contagiantes a infectar os circunstantes o a provocar a aparição de novos casos contagiantes, é a altura de tirar conclusões sobre a orientação a tomar na luta que se pretende - e com toda a razão - incrementar consideràvelmente.
O que temos, apesar da louvável obra realizada, mormente nos últimos anos, é manifestamente insuficiente, c por isso não tem dado os resultados desejáveis. Mas, como os recursos nacionais não são elásticos, não somos um pais rico que possa destinar muitos milhares de contos numa campanha de larguíssima amplitude, aliás de efeitos limitados pelas condições de vida sanitária de grande parte da população, há que escolher criteriosamente os procedimentos mais económicos e mais eficazes.
Não vou inventariar o armamento existente para a luta directa contra a tuberculose. Já aqui foi relatado pêlos oradores que me precederam; considero-o do conhecimento da Assembleia. Para as considerações que vou fazer, poucas citações do que expuseram será indispensável trazer.
Estão os sanatórios para tuberculose pulmonar pejados de doentes incuráveis, e por isso é pequeno o rendimento que dão. A proporção dos que têm alta por se considerarem clinicamente curáveis anda à roda de 20 por cento; mas por certo muitos dos que saem com esse rótulo voltam a padecer, porque a tuberculoso pulmonar é frequentemente uma doença com períodos de calma c de agravamento, separados por intervalos maiores ou menores, em regra, só podendo afirmar-se a cura efectiva passados uns três anos sobre a cura clínica.
Os sanatórios devem reservar-se para os casos curáveis. Tanto para diminuição da mortalidade, como para redução da morbilidade por meio do isolamento dos contagiantes, muito mais do que mais camas em sanatórios são precisos abrigos para os casos de evolução lenta, resistente à terapêutica. Enquanto não se seguir este critério desperdiçar-se-á muito dinheiro, pois a instalação e manutenção em sanatório são muito mais caras que em hospital-abrigo, e não se terão leitos suficientes para tratar devidamente os casos susceptíveis de cura.
Em matéria de construções e de internamentos, há que promover a possibilidade de ampla, extensa hospitalização dos incuráveis. Esta medida sobreleva em importância todas as demais de profilaxia.
Tem ela de conjugar-se com uma actividade mais útil dos dispensários, aos quais deve competir, com meios de acção suficientes, o tratamento dos doentes que vivam em condições domésticas que permitam um tratamento ambulatório semelhante ao corrente nos sanatórios, aliviando estes de uma sobrecarga de serviço, deixando lugar para os que não estão nessas condições; o que hoje existe, neste sector, é insuficiente em número, em apetrechamento e em orgânica do serviço, faltando quase por completo visitadoras sanitárias para o serviço de vigilância domiciliária do cumprimento das prescrições médicas. Também a assistência económica é em regra deficiente, como o é relativamente às famílias dos doentes pobres internados. É um ponto importante, que não pode ser esquecido; é necessário regulá-lo por forma satisfatória.
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Sendo na infância que a doença mais frequentemente apresenta, formas agudas e mortais, e sendo nela que mais frequente é a primo-infecção, da qual podem resultar mais tarde, por latência microbiana pouco acentuada, as reinfecções endógenas, o afastamento dos doentes do meio familiar onde houver crianças, ou destas se o doente continua em casa, é medida a observar; faz parte do conjunto em questão.
A procura dos anérgicos, para vacinação, nos já indicados grupos populacionais, deve ser tarefa obrigatória dos dispensários de puericultura, pelo que respeita, à primeira infância, em conjunção com os dispensários antitubercolosos, os quais devem presidir, em conjugação de trabalho, à tarefa selectiva dos organismos em que se ocupam os indivíduos a examinar.
Quanto ao radiorrastreio, que não é um fim, mas simplesmente um meio auxiliar, uma preferência absoluta deve dar-se aos indivíduos mais sujeitos aos contágios directos, como já foi citado; mas, pelo que respeita à sua utilidade para despiste de casos incipientes, mais provavelmente curáveis, depende, como é lógico, da mencionada reserva dos sanatórios para os curáveis e da ampliação do tratamento ambulatório, quando este for possível.
É uma utopia pretender rapidamente estender a todo o País uma boa organização de luta directa contra a tuberculose. Às somas a despender seriam tão avultadas que é ilusória a sua obtenção. Há que caminhar aos poucos, embora o mais depressa que possa ser. Nestas circunstâncias, sou de parecer que muito melhores resultados se colherão se, em vez de disseminar esforços, se concentrarem estes numa região do País, organizando nela o combate com todos, os referidos meios de acção em pleno funcionamento. Depois, sucessivamente, continuaria a organização no resto do País, região por região. Isto teria ainda a vantagem de se verificar quais as peças do sistema necessitadas de aperfeiçoamento e demonstraria o vulto do benefício resultante da actividade exercida.
A ampliação do que actualmente existe, se for realizada indiscriminadamente, espalhando-a por todo o território, não poderá dar nada que se aproxime do previsível efeito da orientação que alvitro, pois somente melhorará a situação actual, sem a modificar radicalmente, como é preciso. A ideia deste escalonamento foi já na Câmara Corporativa há anos defendida pelo Prof. Marcelo Caetano, a propósito dos centros de saúde.
Tudo o que acabo de expor se refere à tuberculose em geral, conquanto seja a localização pulmonar a mais importante; à ósteo-articular aplicam-se os mesmos conceitos, mas aqui o problema dos doentes não tem o aspecto de profilaxia pelo isolamento, mas somente o de tratamento precoce, para o que é necessário arranjar mais camas em sanatórios e melhorar o rendimento destes, sobretudo tornando recuperáveis para a vida profissional os respectivos padecentes.
Não quero sair do campo das generalidades, em que me coloquei; abstraio de pormenores, que, sendo muito interessantes, não me parecem necessários para discussão do problema nesta Assembleia, à qual só compete definir orientações gerais de utilização das verbas orçamentais não fixadas por leis preexistentes.
Vou terminar, expondo o meu parecer sobre a luta indirecta. Para avaliação da sua influência o melhor processo é o da verificação da marcha da tuberculose nas épocas em que a luta directa pode dizer-se que não existia.
Nos meados do século passado a tuberculose assolava as populações da Europa, tendo-se desenvolvido a sua expansão com a concentração, urbana, a era industrial, as facilidades de deslocação. A roda de 1880, nalguns países (como na Alemanha, na Áustria e na Finlândia) a tuberculose pulmonar matava para cima de trinta e cinco indivíduos em cada dez mil.
Outros, que então acusavam cifras mais baixas, em breve, com o melhoramento da elaboração das estatísticas, viram subir as suas quotas de mortalidade para cima do valor 20; tais, por exemplo, a Noruega, a Suécia e a Suíça.
Depois, a melhoria das condições gerais de vida, os progressos da sanidade pública e a grande eliminação de elementos constitucionalmente susceptíveis à infecção levaram a um constante decrescimento das taxas mortuárias. Vou dar como exemplo dessa evolução degressiva o da Inglaterra, escolhida por ser a pátria da higiene pública e por ser país em que avultavam as citados factores de tuberculização; A progressiva, degressão da mortalidade por tuberculose pulmonar - a mais significativa - operou-se em ritmo notável, como se vê pelas seguintes quotas:
1866-1870 .............. 24,5
1871-1875 .............. 22,2
1876-1880 .............. 20,4
1881-1885 .............. 18,3
1886-1890 .............. 16,4
1891-1895 .............. 14,6
1896-1900 .............. 13,2
1901-1905 .............. 12,1
Ou seja uma redução de 50 por conto num lapso do quarenta anos, sem que existisse qualquer acção de luta directa contra a endemia.
Com efeito, os primeiros sanatórios foram lá abertos em 1900 e 1901, até então só existindo alguns dispensários (o primeiro criado em 1887) sendo os tuberculosos internados em hospitais sem carácter sanatorial e sem terapêutica que possa considerar-se útil, se não contarmos com a benéfica influência do repouso.
Sustei em 1905 a menção das aludidas quotas de mortalidade porque posteriormente já se foi organizando o combate especial, pouco a pouco, tomando incremento a partir de 1912. A acção dos factores de beneficiação geral da vida das populações passou, desde então, a juntar-se o efeito desse combate - e a taxa foi descendo até ao valor de 5,8 em 1945-1946, ou seja outra quebra de 50 por cento durante outros quarenta anos, agora mais difícil de conseguir, por haver maior proporção de formas benignas ou inaparentes entre os infectados.
A partir desta última data entraram em acção os novos medicamentos: a estreptomicina, o ácido para-amino-salicílico o a isoniazida. O reflexo sobre a mortalidade da actuação terapêutica passou a ser muito diferente, muito mais notável. Observou-se uma quebra, rapidamente acelerada, das taxas de mortalidade, da qual dão ideia as seguintes cifras relativas à tuberculose:
«Ver quadro na imagem»
O que só passou em Portugal exprime-se pelos seguintes números, não indo para mais longe que 1920 por não haver dados estatísticos aproveitáveis; as quo-
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tas anteriores a este ano deviam ser ainda mais altas. São eles, relativamente a todos os casos de tuberculose:
1920 ....................... 20,2
1930 ....................... 20,9
1940 ....................... 16,3
1950 ....................... 14,3
1951 ....................... 13,4
1952 ....................... 9,7
1953 ....................... 6,3
1954 ....................... 6
Em trinta anos a redução foi de mais de 30 por cento. Depois da introdução das novas terapêuticas a redução foi de perto de 50 por cento. Tudo valores mais baixos que os observados noutros países que há pouco citei, o que mostra que nem as condições de vida da população permitem diminuições tão grandes, nem a luta especial contra a endemia dá rendimento semelhante, nela incluindo a utilização profícua e extensa da actual terapêutica.
Já falei da orientação que entendo dever dar-se à luta directa. Relativamente à indirecta, apoio as opiniões aqui expendidas sobre salubrização e melhoria do nível de vida pelos Srs. Deputados Drs. Moura Relvas, Dinis da Fonseca, Elísio Pimenta e D. Maria Leonor Correia Botelho. Não vale a pena repeti-las e comentar alguns dos pontos versados, para graduar as respectivas importâncias.
Por isso, Sr. Presidente, dou por terminada esta minha modesta intervenção.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador fui muito cumprimentado.
O Sr. Furtado de Mendonça: - Sr. Presidente: pronunciaram-se o representante da Comissão de Finanças, bem como o da Economia - a que pertenço - sobre o projecto da proposta de lei n.° 510, ou de autorização de receitas e despesas para o ano de 1936; por isso nada teria a dizer se não desejasse vincar certos aspectos da orientação a dar pelo Governo ao desenvolvimento do País. Como aqui tem sido salientado, tal orientação encontra-se quase inteiramente fixada nos planos já aprovados, cuja realização se vem escalonando por anos sucessivos, dos quais se destaca o Plano de Fomento, pela sua importância.
É consolador verificar, com a clareza permitida pelo notável relatório de S. Ex.ª o Ministro das Finanças e através do parecer da Câmara Corporativa, que a evolução económica e financeira do País não só garante a execução dos planos em curso - e garantia - dentro dos prazos estabelecidas, visto os atrasos serem motivados por outras razões ali mencionadas, como até permitiria antecipar a sua conclusão, sem prejuízo dos nossos compromissos internacionais, e mesmo reforçar, só necessário, as verbas a despender com a nossa indiscutível defesa militar (ainda que isso desagrade aos apátridas pacifistas-) ou encarar o reforço das verbas destinados aos sectores mais necessitados, entre os quais só encontra-se, sem dúvida, os meios rurais.
Estando no uso da palavra, não quero, Sr. Presidente, deixar do agradecer a S. Ex.ª os preciosos elementos que nos forneceu e tanto facilitaram a nossa tarefa, assim como também aproveito o ensejo para significar ao nosso, a muitos títulos, ilustre colega Deputado Aguado de Oliveira os relevantes serviços que prestou ao País, mantendo, na pasta das Finanças, a linha de Governo estabelecida desde os tempos heróicos em que Salazar a ocupou.
Por intermédio do relatório da proposta, o actual Ministro, depois de nos conduzir através do panorama da economia intereuropeia - da sua liberalização progressiva, dos acordos monetários, das possibilidades da convertibilidade das moedas, etc. -, faz-nos regressar às realidades da economia portuguesa, à situação da sua produção e das perspectivas futuros, sem menosprezar a actividade comercial, os valores de consumo, dos investimentos e do crédito.
Após tão instrutiva digressão, conclui:
Os vários indicadores da situação económica ... afirmam a necessidade de activar o fomento da produção, especialmente daquela que mais rápida influência pusera ter na balança de pagamentos ...
E mais adiante:
... regista-se a decisão de tudo fazer no sentido de melhorar o grau de eficiência dos serviços ...
E a seguir:
... a proposta visa favorecer os investimentos tanto na criação de produtos novos como na reorganização das empresas existentes.
Sr. Presidente: não é aqui que eu quero chegar e por isso peço licença para prosseguir.
Baseia o Governo a sua actividade para 1956 nas habituais e severas regras de equilíbrio financeiro e sem agravamento fiscal - salvo no que se refere à elevação da taxa do imposto complementar a aplicar às acções ao portador, não registadas-, prevendo o progresso das receitas pelo acréscimo de matéria colectável, donde resultarão maiores possibilidades de investimento em despesas extraordinárias não correspondentes a planos aprovados, isto é, livres para novos investimentos.
Ao dar a minha aprovação, na generalidade, a proposta do Governo, formulo o voto de que, dentro das possibilidades orçamentais, sejam reforçadas as verbas destinadas a subsidiar as câmaras dos meios rurais, nomeadamente as respeitantes a vias de comunicação, águas e saneamento, energia eléctrica, como aliás propõe o douto parecer da Câmara Corporativa, visto serem condição indispensável ao fomento) do progresso, bem-estar e melhoria de produtividade do País.
Eis-me aqui chegado ao ponto que me levou a subir a esta tribuna:
São já numerosas, é certo, as obras denominadas «melhoramentos rurais» realizadas e espalhadas por todo o País, em regime de comparticipação do Estado, cuja feliz inspiração se deve ao saudoso e grande político nortenho que foi Ministro e ilustre Deputado a esta Assembleia - Dr. João Antunes Guimarães - e todos os que vivem nas aldeias de Portugal, se beneficiaram desses melhoramentos, recordam com saudade e com gratidão aquele eminente Homem Bom.
O distrito do Porto - que me elegeu -deplora ainda a sua perda e não sabe como preencher o vácuo que a sua morte deixou.
O Estado tem dado continuidade a esta política rudos -, assim como elevou as comparticipações para obras reprodutivas - incluindo matadouros e mercados - assim domo elevou as comparticipações para vias de comunicação e abastecimento de águas de 40 para 75 por cento, o que permite às câmaras pobres realizar essa categoria de melhoramentos em colaboração com as populações interessadas, despendendo verbas insignificantes, retiradas dos seus magros orçamentos.
Assim, vai-se modificando a fisionomia de muitas aldeias, com a assistência técnica dos respectivos serviços do Estado, onde se encontram funcionários incan-
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sáveis e dedicados - cuja acção me apraz louvar -, mas impõe-se multiplicar as verbas e com elas o número de obras.
Municípios há, todavia, que pouco ou nada podem realizar, visto não disporem de receitas para fazer face à sua parte na despesa dos almejados melhoramentos. São eles, de um modo geral, os dos concelhos nitidamente rurais, onde a industrializarão não penetrou, onde a principal receita é proveniente do adicional à contribuirão predial rústica.
Ora, se considerarmos que esta, mercê da protecção devida à lavoura, subiu apenas cerca de 20 por cento em relação a 1938 nos concelhos em que não se realizou ainda o cadastro das propriedades, se considerarmos, por outro lado, que as despesas com o funcionalismo - embora mal pago - atingiram o aumento de cerca de 100 por cento e outras despesas obrigatórias suportaram aumentos superiores, sem falar nos novos encargos lançados sobre as câmaras, fácil é concluir quão difícil e ingrata se torna a administração de tais concelhos, quão impossível é satisfazer os anseios mais elementares das respectivas povoações, que vão vegetando por vezes em condições vergonhosas para um país onde se pretende fomentar o turismo ...
Sr. Presidente: as câmaras podem fazer suas as palavras que se lêem no relatório da proposta:
A realizarão de despesas extraordinárias põe, no entanto, um problema que nem sempre se pondera devidamente: estas despesas - para o caso o investimento -, uma vez realizadas, dão origem a outras de carácter permanente e de diferente natureza.
Mais se lê:
E estas despesas de funcionamento há que inscrevê-las no orçamento ordinário e que garantir-lhes a cobertura que a lei lhes determina.
Não quero alongar-me em anais transcrições sobre a matéria, por muito que se ajustem aos orçamentos camarários.
Certo é que muitos municípios são obrigados a dedicar a sua actividade, de um modo especial, para melhoramentos reprodutivos, susceptíveis de serem realizados através de empréstimos.
Cabe aqui avivar, quanto à electrificação dos meios rurais, o facto, já apontado pelo nosso ilustre presidente da Comissão de Economia - Deputado Melo Machado -, de muitos projectos se arrastarem pelas repartições competentes, onde, por falta de funcionários, aguardam a vez de serem estudados e comparticipados.
Já que é propósito do Governo «melhorar o grau de eficiência dos serviços», é de supor que tais inconvenientes serão remediados. Estes e outros serviços tem de possuir os meios necessários ao cabal desempenho da, sua função!
Não quero, Sr. Presidente, deixar de também me referir às dificuldades que muitas câmaras encontram para realizar as obras de construção dos edifícios escolares, assunto que merece ser acarinhado. Além de se tornar necessário rever e actualizar o chamado «Plano dos Centenários», câmaras há que não podem suportar os encargos inerentes, pois, embora o Estado comparticipe com 50 por cento do valor destas construções e adiante os restantes 50 por cento, pagáveis em vinte anuidades, certo é que tais auxílios não abrangem o custo dos respectivos terrenos, cuja área, sendo de 2000 m2 para cada edifício escolar, orca por 20$ cada metro e atinge mesmo 50$ e 100$ junto de muitas vilas urbanizadas, atendendo aos requisitos necessários.
Fácil e portanto, verificar a impossibilidade em que se encontram muitas câmaras de despender 40 a 100 ou 200 contos só para cada um dos terrenos destinados às escolas.
Creio bem que todas as câmaras está o empenhadas em colaborar na solução do magno problema do ensino primário, base de tudo o progresso - cuja campanha, em boa hora lançada pelo actual Ministro das Corporações, quando galhardamente ocupou o Subsecretariado de Estudo da Educação Nacional, está sendo continuada pelo seu digno sucessor e nosso ilustre colega Dr. Baltasar Rebelo de Sousa -, mas Sr Presidente, muitas delas não possuem recursos para suportar os encargos inerentes.
Tem-se insistido no facto de ser necessário melhorar o nível de vida da população portuguesa, reconhece-se que isso tem de ser alcançado através da sua expansão económica, por sua vez dependente da elevação da nossa taxa de produtividade - palavra revolucionária que hoje domina o mundo económico, ela é uma «medida de progresso técnico», tanto agrícola como industrial e comercial.
Concorda-se em que a revolução tem de se realizar por evolução lenta, mas persistente, de ritmo acelerado, para não ser ultrapassada por uma revolução violenta.
Da maior produtividade depende o melhor aproveitamento do capital e do trabalho, a redução dos custos unitários, o aumento do poder de compra do consumidor, em suma, a subida do nível de vida dos povos. Ora, nada se conseguirá sem uma eficiente educação profissional.
Reconhece-se a agudeza do problema, cuja solução se encontra até certo modo dificultada, pela sua interdependência das soluções adoptadas pelas outras nações, pelas nossas possibilidades financeiras e pela conveniente harmonia ou coordenação dos vários interesses em causa, dentro dos princípios corporativos que nos regem, baseados nas virtudes da iniciativa privada.
Não pode, portanto, o Estado fazer tudo; basta-lhe mesmo ocupar-se devidamente das atribuições que lhe são próprias e entre os quais se inclui a maior colaboração com as autarquias locais.
Se cada um de nós se mantiver disciplinado dentro da sua esfera de acção e nos unirmos à luz do interesse nacional, realizar-se-á o sonho de Salazar: «podemos, se quisermos, fazer de Portugal uma grande e próspera nação!».
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrito para falar no período da ordem do dia. Considero encerrado o debate na generalidade sobre a proposta de lei de autorização de receitas e despesas em discussão.
Vai passar-se à discussão na especialidade.
Ponho em discussão os artigos 1.º e 2.º, a respeito dos quais não há na Mesa qualquer proposta de alteração.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto ninguém pedir a palavra, vão votar-se.
Submetidos à votação, foram aprovados os artigos 1.º e 2.º
O Sr. Presidente: - Ponho agora em discussão o artigo 3.º
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Sobre este artigo há na Mesa uma proposta de aditamento da Comissão de Finanças perfilhando o texto da Câmara Corporativa.
Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto ninguém pedir a palavra, vai votar-se.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Vão ler-se os artigos 4.º, 5.°, 6.°, 7.° e 8.º da proposta de lei. Não há na Mesa qualquer proposta de alteração.
O Sr. Mendes do Amaral: - A título de esclarecimento, devo dizer que as palavras «as taxas constantes da tabela mencionada no n.º 2.º do artigo 61.º do Decreto n.º 16 731, de 13 de Abril de 1929» devem ser eliminadas.
Foram lidos os referidos artigos.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vão votar-se.
Submetidos à votação, foram aprovadas.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 9.º
Quanto a este artigo, encontram-se na Mesa duas propostas: uma, das Comissões de Economia e Finanças, perfilhando o texto da Câmara Corporativa; a outra, do Sr. Deputado Mário de Figueiredo, no sentido de se eliminarem as palavras «durante o referido ano», no último período.
Deste artigo devem ser eliminadas as palavras «cujo pagamento seja ordenado durante o ano de 1956».
O Sr. Melo Machado: - É só para dizer que as Comissões aceitam e votam a emenda do Sr. Dr. Mário de Figueiredo.
O Sr. Mário de Figueiredo: - É só para esclarecer, Sr. Presidente, o sentido da emenda que apresentei.
Mas não quero prosseguir sem dizer uma palavra de homenagem e cumprimento ao Sr. Ministro das Finanças e ao Sr. Presidente da Câmara Corporativa, que foi relator do parecer sobre a proposta da Lei de Meios: palavra de homenagem e cumprimento pelo notável trabalho que constitui o relatório da proposta e o parecer da Câmara Corporativa.
Dita esta palavra, esclareço o sentido da minha proposta.
Eu sei que no pensamento do Governo nunca esteve a ideia de elevar a taxa fixa de 12 por cento que incide sobre os dividendos das acções das sociedades portuguesas que não estejam registadas, em relação aos dividendos referentes ao ano de 1955.
Mas pode do contexto da lei resultar conclusão precisamente oposta àquela que eu sei estar contida no pensamento do Governo.
Quero, pois, vincar bem, e desejo que fique esclarecido, que o Governo não pensa, na verdade, modificar a taxa dos 12 por cento quanto aos dividendos relativos a 1955.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vão votar-se.
Para facilidade, vou submeter à votação da Câmara a proposta, das Comissões de Finanças e Economia perfilhando o texto da Câmara Corporativa, com a eliminação das palavras contidas na proposta do Sr. Deputado Mário de Figueiredo.
Submetida à votação, foi aprovado o artigo 9.º com a alteração proposta.
O Sr. Presidente: - Vai ser lido o artigo 10.º
Foi lido.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto nenhum Sr. Deputado desejar fazer uso da palavra, vai votar-se.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 11.º, sobre o qual há uma proposta de aditamento apresentada pelo Sr. Deputado Bustorff da Silva.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: não me parece que seja de aceitar a emenda proposta pelo Sr. Deputado Bustorff da Silva.
Em primeiro lugar, se nos reportarmos às considerações feitas por aquele Sr. Deputado, que aparataram, de alguma maneira, como justificação da mesma proposta, vê-se nitidamente que, através da referiria proposta, não se atinge o resultado que, porventura, se pretendia.
Efectivamente, uma das hipóteses sobre que aquele Sr. Deputado fez algumas considerações desenvolvidas foi a de as sociedades com sede em Portugal e nus quais pode haver capitais estrangeiros investidos não serem tributadas, mesmo quanto aos lucros que delas resultarem, pelas operações que não realizem no território português. E a hipótese de uma sociedade com sede em Portugal que realize uma operação, suponhamos, de compra de trigo na Argentina e de venda do mesmo trigo em França.
É evidente que com o aditamento do Sr. Deputado Bustorff da Silva o problema fica na mesma porque se fala aí de investimentos e não de tributação dos actos de comércio realizados em Portugal ... fora dele.
Mas, se não se trata daquela matéria, a expressão «e outros» só pode referir-se a instituições bancárias ou comerciais. A disposição refere-se a empresas de produção. É evidente. E para essas empresas compreende-se o conteúdo da referida disposição, compreende-se o dispositivo neste artigo. Para as empresas comerciais ou bancárias já o conteúdo da mesma disposição não se compreenderia com a mesma simplicidade.
De maneira que me parece que ou a disposição não satisfaz completamente o pensamento que tinha diante dos olhos o Sr. Deputado Bustorff da Silva ou conduz a isenção, ou redução no terreno da fiscalidade, em relação a empresas que nada justifica recebam esses benefícios.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão. Vai passar-se à votação.
Vai votar-se o texto do artigo 11.° tal como só contém na proposta. Depois submeterei à votação a proposta do Sr. Deputado Bustorff da Silva.
Submetidos à votação, foi aprovado o artigo 11.º tal como se contêm na proposta de lei e rejeitado o aditamento constante da proposta do Sr. Deputado Bustorff da Silva.
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O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 12.º
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vou submetê-lo à votação.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão os artigos 13.º e 14.º, sobre os quais não há na Mesa qualquer proposta, de alterarão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vou submetê-los à votação.
Submetidos à votação, foram aprovados.
O Sr. Presidente: - Relativamente no artigo 15.º, há na Mesa uma proposta de eliminação, firmada pelos presidentes das Comissões de Finanças e Economia.
O Sr. Mendes do Amaral: - Sr. Presidente: aproveito o ensejo para informar a Assembleia que depois da apreciação que as Comissões de Finanças e Economia fizeram da proposta da Lei de Meios - e de que resultaram as propostas que foram enviadas para a Mesa - julgámos nós, os presidentes dessas Comissões, dever de elementar cortesia avistar-nos com o Sr. Ministro das Finanças para lhe comunicar essas alterações.
Devo dizer que S. Ex.ª, logo que soube ao que íamos, nos manifestou a sua boa vontade em aceitar toda e qualquer emenda que a Assembleia Nacional julgasse dever apresentar-lhe, porque tinha por este corpo legislativo a maior consideração.
Faço esta declaração como cumprimentos que desejo endereçar a S. Ex.ª, por quem tenho a maior admiração.
Visto que se trata de uma proposta de eliminação de um artigo, convém explicar à Assembleia as vazões que levaram as Comissões a propor a eliminação desse artigo. São as seguintes:
A primeira é que este artigo da proposta é um artigo essencialmente programático e ultimamente tem-se verificado a tendência para eliminar das propostas de lei de meios todas as disposições que não sejam de natureza taxativa e, portanto, todas aquelas que envolvam uma ideia de programa de realizações futuras e sem indicações precisas sobre o seu alcance.
Em segundo lugar, pareceu em princípio - às Comissões de Finanças e Economia - que esta ideia de concentração em Lisboa e Porto dos serviços de finanças, seccionados segundo a sua natureza, podia conduzir a uma medida que atendesse pouco às comodidades do público no doloroso serviço - digamos - de pagamento dos seus encargos tributários.
A este respeito disse-nos o Sr. Ministro das Finanças que, concordando com as objecções que lhe apresentámos, não tinha dúvida em aceitar desde logo a proposta de eliminação.
Foram estas as vazões que levaram aquelas duas Comissões a propor a eliminação do artigo.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se, visto ninguém mais ter pedido a palavra.
Submetido à votação, foi aprovada a proposta de eliminação do artigo 15.º
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 16.°
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se o artigo 17.°, sobre o qual há na Mesa uma proposta de substituição, apresentada- pelo Sr. Deputado Moura, Relvas, no sentido de ser aprovada a substituição sugerida pela Câmara Corporativa.
O Sr. Melo Machado: - Há uma oposição entre o que estava determinado na proposta do Governo, que exclui o Plano de Fomento, e com justificadas razões, por ser uma coisa já votada e cuja execução já é conhecida no País, enquanto na emenda da Câmara Corporativa se faz referência a melhoramentos públicos e aquisições previstas no Plano de Fomento.
Nestas condições, entenderam as Comissões que não havia lugar para esta emenda.
O Sr. Moura Relvas: - Quando apresentei a minha proposta no sentido de se preferir a redacção do artigo 17.° como é sugerido pela Câmara Corporativa, tive em vista o facto de exactamente neste artigo o Governo circunscrever exclusivamente a objectivos económico-sociais as verbas referentes a este § único do artigo 17.°
Assim, aquando da minha intervenção, disse que estava demonstrado que a nossa medicina rural tinha como base fundamental a educação e a sanidade. E, depois, numa intervenção inteligente e oportuníssima do Dr. Dinis da Fonseca, ficaram também focadas as deficiências, as dificuldades e o baixo nível da nossa vida rural.
Parece-me, pois, que dado esse baixo nível e a cultura, interioríssima dos nossos meios rurais, se torna evidente que o artigo 17.º da proposta de lei não poderá ser aprovado tal como se encontra.
É nestas circunstâncias que eu, salvo o devido respeito pelo nosso colega Sr. Melo Machado, mantenho a minha proposta de substituição do texto do artigo 17.º da proposta de lei pelo texto sugerido pela Câmara Corporativa.
Tenho dito.
O Sr. Melo Machado: - Parece-me que V. Ex.ª não tem razão, porque todos estes casos têm sido considerados nos orçamentos do Estado.
O Sr. Mário de Figueiredo: - A razão essencial que foi produzida para justificar a posição das Comissões não me parece definitiva.
Na verdade, faz-se referência a verbas a inscrever no orçamento em relação ao Plano de Fomento e a leis especiais.
Pode parecer que é uma disposição que porventura, não seria necessária, porque já por outras disposições o Governo tem de inscrever no orçamento as verbas indispensáveis para satisfazer às exigências da lei anterior.
Mas também não vem mal nenhum ao Mundo do fado de essa parte da disposição se manter.
Isto, por um lado. Por outro lado, realmente, não deixam de ser consideradas e aditadas na segunda parte da disposição todas as verbas a que se faz referência na mesma disposição.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Continua em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto mais nenhum dos Srs. Deputados desejar usar da palavra, vai votar-se: primeiramente, a proposta do Sr. Deputado Moura Relvas, que
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perfilha o texto da Câmara Corporativa, integralmente o texto correspondente da proposta governamental.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se o artigo 18.º
Foi lido.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto ninguém pedir a palavra, vai votar-se.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se o artigo 19.º, sobre o qual há na Mesa uma proposta de alteração da Comissão de Finanças e Economia, que também elimina a alínea e) e propõe o aditamento de um parágrafo novo.
Vai ser lido o artigo 19.º com a referida proposta.
Foram lidos.
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: desejo apenas apresentar sucintas explicações.
Afinal de contas, nesta proposta de alteração limitámo-nos a passar as «casas para classes pobres» para o terceiro lugar, em vez de estarem em último e eliminou-se a alínea c), que tem vindo em várias propostas, mas que é perfeito mente inútil, porque é a Lei de melhoramentos rurais que trata dessa matéria. Conservou-se o § único que passa a § 2.º, e adita-se um § 1.º, que efectivamente dispensa o artigo 20.°
O Sr. Mendes do Amaral: - Creio que a proposta das Comissões de Finanças e Economia está suficientemente clara. Adoptou-se o texto do artigo 19.º da proposta do Governo e quando se iniciam as preferências é que se elimina a alínea c), porque foi entendido que essa alínea estava servida pela lei especial, votada com este objectivo. Quanto à restante composição do artigo, como já disse o Sr. Deputado Melo Machado, o § único da Câmara Corporativa passa para § 2.º, e em consequência desta alteração resulta a eliminação proposta para o artigo 20.º
O Sr. Presidente: - Visto mais nenhum Sr. Deputado desejar fazer uso da palavra, vai votar-se em primeiro lugar a eliminação da alínea c.).
Submetida à votação, foi aprovada a eliminação.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se agora o artigo 19.º com as alterações sugeridas pelas Comissões de Economia e de Finanças.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Quanto ao artigo 20.º, há na Mesa uma proposta de eliminação, que vai ser lida.
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: esta proposta de eliminação é devida ao fado de no § 2.° do texto da Câmara Corporativa estar precisamente a mesma disposição.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª muita razão. Vai passar-se à votação da proposta de eliminação do artigo 20.º
Submetida à votação, foi aprovada.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à discussão do artigo 21.º
Relativamente a este artigo há também uma errata, que já foi considerada na leitura que o Sr. Secretário acabou de fazer à Assembleia.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vou submetê-lo à votação.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à discussão do artigo 22.º
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se.
Submetido à votarão, foi aprovado.
O Sr. Amaral Neto: - Requeiro a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que a votação dos artigos 23.º, 24.º e 25.º seja feita em conjunto.
O Sr. Presidente: - Em conformidade com o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado, vou submeter à votação, em globo, os artigos 23.º, 24.° e 25.° da proposta de lei, sobre os quais não há na Mesa qualquer proposta de alteração.
Submetidos à votação, foram aprovados.
O Sr. Presidente: - Aprovados os artigos 23.º, 24.º e 25.º, está concluída a discussão da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1956.
Como a Câmara vai encerrar os seus trabalhos e a Comissão de Legislação e Redacção terá de dar a última redacção à referida proposta de lei, proponho que, a exemplo do que é costume fazer-se, a Assembleia lhe conceda um voto de confiança para esse fim.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Não sei ainda qual o dia da próxima reunião, nem a ordem dos trabalhos para a mesma, e por isso não os marco desde já.
Resta despedir-me de todos VV. Ex.ªs e desejar-lhes umas muito boas-festas.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 45 minutos.
Srs. Debutados que entraram durante a sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Américo Cortês Pinto.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
José Garcia Nunes Mexia.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputados que faltaram, à sessão:
Agnelo Ornelas do Rego.
Alberto Henriques do Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
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Amândio Rebelo de Figueiredo.
António de Almeida.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Maria Porto.
Jorge Pereira Jardim.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro Joaquim da Cunha.
Meneses Pinto Cardoso.
Rui de Andrade.
O REDACTOR - Luís de Avillez:
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA