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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 111
ANO DE 1956 2 DE JANEIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.º 111, EM 11 DE JANEIRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia. - Leu-se, o expediente.
Usaram da palavra os Srs. Deputados José Sarmento, acerca da necessidade de se alterar o plano de estudos de física nas Faculdades de Ciências; Bartolomeu Gromicho, que chamou a atenção do Governo para a necessidade de se uniformizarem as férias menores em todos os graus do ensino; Paulo Cancella de Abreu, que se referiu à execução do plano de reconstrução da marinha mercante.
Ordem do dia. - Continuou a discussão da proposta de lei relativa ao regime jurídico do solo e subsolo dos planaltos continentais.
Usou da palavra o Sr. Deputado Águedo de Oliveira.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 20 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Carlos Borges.
Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
António Russell de Sousa.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
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João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Carlos de ASSÍ& Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mandes do Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 77 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Do presidente da Câmara Municipal de Setúbal apoiando a intervenção do Sr. Deputado Calheiros Lopes a favor da localização da indústria siderúrgica naquele concelho.
Da direcção do Grémio dos Industriais de Conservas de Peixe de Setúbal, no mesmo sentido.
Do presidente da comissão concelhia da União Nacional de Setúbal, no mesmo sentido.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado José Sarmento.
O Sr. José Sarmento: - Sr. Presidente: há cerca de um ano chamei a atenção do Governo para a necessidade, mais que premente, de se modificar o plano de estudos da física nas nossas Faculdades de Ciências. Apontei então alguns factos que mostraram não só esse estudo se encontrar totalmente desactualizado, mas também as condições em que ele se realizava, em relação a pessoal docente, auxiliares de laboratório, material, dotações, etc., eram extraordinariamente deficientes.
Se a esta Assembleia compete fazer uma crítica serena e construtiva da. acção governativa, também lhe compete destacar e louvar, perante a Nação, as directrizes tomadas, quando delas há a esperar os melhores resultados.
Por isso me referirei muito por alto aos recentes decretos que modificaram os planos de estudo de alguns sectores do nosso ensino superior. Também destacarei certas afirmações do Sr. Ministro da Educação Nacional, que são a garantia de que o muito que se virá a fazer para actualizar o ensino superior e para dele se tirar rendimento apreciável assentará em bases reais, firmes e bem esclarecidas.
Acerca do Decreto-Lei n.º 40 360. que aprova o novo plano de estudos do curso Médico-Cirúrgico das Faculdades de Medicina "de Coimbra, Lisboa e Porto, nada terei a acrescentar às criteriosas afirmações de sã doutrina feitas em 9 de Dezembro do ano passado pelo Sr. Deputado Prof. Dr. Cerqueira Gomes. Associo-me vivamente aos seus aplausos e regozijo-me por o ensino médico-cirúrgico ter tomado uma nova orientação, alicerçada sobre a verdadeira natureza do ser humano.
Um outro diploma notável é o Decreto n.º 40 364, de 27 de Outubro de 1955. Este veio modificar, em certos pontos, a recente reforma do Instituto Superior de Agronomia, promulgada pelo Decreto n.º 38636, de 3 de Fevereiro de 1952.
Nele se atendeu, e muito bem, à necessidade de se melhorar a formação humanística dos futuros diplomados. É hoje facto assente que uma forte especialização num determinado ramo do saber provoca, por vezes, uma estreiteza de vista que não permite enquadrar os problemas no seu conjunto.
Para evitar esse mal será necessário que o futuro diplomado possua uma sólida preparação geral, que deverá anteceder os diferentes graus de especialização. Em física exprime-se este facto dizendo que uma escala de observação muito fina dificulta a apreensão dos fenómenos na escala humana. Em linguagem corrente dir-se-á que é necessário que a árvore não impeça a observação da floresta.
Entre outras directrizes que orientam hoje a acção do nosso Governo em relação ao ensino superior destaco a reacção contra o excesso de escolaridade. Não era admissível nem humano que os planos de estudo ainda há pouco em vigor obrigassem os alunos de certas escolas superiores a mais de cinquenta horas semanais de aulas e trabalhos práticos.
Dessa disposição resultava a impossibilidade do os estudantes assimilarem convenientemente os assuntos expostos, pois sem tempo para o trabalho de reflexão não é possível assimilação alguma. A formação intelectual do futuro diplomado ficava por este facto fortemente comprometida.
Felizmente enveredou-se no ensino superior por uma política de verdade e não de fachada, pois só se exige aquilo que humanamente é possível. Por isso os meus mais sinceros aplausos pela redução do número de horas de aulas. Esta medida não só permite o individual e indispensável trabalho de reflexão, mas também o de elevar o grau de profundidade do ensino.
Mais detalhadamente me vou referir ao notável diploma (Decreto n.º 40 378, de 14 de Novembro do ano findo), que estabelece um novo plano de estudos nos cursos de Engenharia professados nas nossas Universidades.
Logo no relatório que precede este decreto se destaca que, por enquanto, a reforma se limita ao plano de estudos, pois os pontos susceptíveis de larga repercussão financeira, tais como fixação de quadros, etc., não puderam ainda ser abordados. Esperemos que brevemente todas as dificuldades sejam removidas, para que a referida reforma se complete e dela se possam colher os melhores frutos.
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Muito oportunos foram os elementos estatísticos apontados relativos ao aumento do número cie licenciados em Engenharia e Ciências nos diferentes países. Também merecem a melhor atenção as considerações feitas sobre a penúria, que hoje se nota em certas nações, de cientistas que assegurem a investigação e o ensino.
De esperar será que na futura reorganização das nossas Faculdades de Ciências se atenda a este lacto, para que tal penúria, a observar-se entre nós, não venha mais tarde a afectar o nosso desenvolvimento económico.
O número de cientistas e engenheiros necessários hoje para assegurarem o pleno funcionamento das várias actividades dum pais civilizado é tão elevado que excede todos os cálculos que há umas dúzias de anos se poderiam fazer.
Para ilustrar esta afirmação aponto que somente o Comissariado Americano da Energia Atómica ocupava em Março do 1955 14 955 cientistas e engenheiros.
Dos referidos cientistas e engenheiros, 71 por conto provêm das escola de engenharia, 26 por cento das Faculdades de Ciências e 3 por cento das Faculdades de Medicina.
A propósito destaco que no Reino Unido, e também igualmente para um avultado número de cientistas, ;.50 por cento provêm das escolas de engenharia, 20 por cento das Faculdades de Ciências e 20 por cento do ensino médio.
Como curiosidade lembro que o orçamento do Comissariado Americano da Energia Atómica para os próximos cinco anos é de cerca de 04 milhões de contos por ano.
Como a recente expansão das aplicações da física se não restringe ao domínio da energia atómica, o que se deverá dizer a respeito da expansão total da física nos últimos anos ? Não admira, por isso, que se começo a notar uma penúria de cientistas.
Merecem as maiores aplausos pela sua doutrina que encerra m as seguintes afirmardes apresentadas no relatório do Decreto n.° 40378, a que me estou a referir: «a especialização, quando necessária, não deve nunca sacrificar uma sólida formação gorai, mas deverá seguir--se a essa formação».
De acordo com essa directriz se alargou, e muito bem, a representação das disciplinas de Matemática e Física e se criou uma nova disciplina - Sociologia Geral. Pena foi que esta não tivesse sido reservada para c último ou penúltimo ano do curso, para assim o aluno melhor sentir a sua necessidade.
Também lastimo não ter sido criada uma disciplina de Filosofia, base sólida de toda a cultura superior. Mas, já que não foi possível introduzi-la nos cursos de Engenharia, espero que ela não falte na futura reorganização das Faculdades de Ciências, pois deficientemente apetrechado se apresentará, o cientista se não possuir sólidos conhecimentos de filosofia.
E agora um pequeno reparo sobre um ordenamento de disciplinas. Nunca a Física Atómica deveria preceder o curso geral de Física. Só depois de os alunos terem frequentado este curso é que deveriam iniciar o estudo da física atómica.
Em resumo: o ensino da engenharia está de parabéns. Anularam-se as disparidades existentes entre os cursos de Engenharia do Instituto Superior Técnico e os das Faculdades de Ciências e Engenharia. Consequentemente, desapareceram as dificuldades de adaptação dos alunos transferidos entre as referidas escolas. Reduziu-se para valores aceitáveis a escolaridade. Por se ter dado maior desenvolvimento às ciências de base. melhorou-se a formação geral do futuro engenheiro.
Sr. Presidente: espero que na futura reforma do plano de estudos das Faculdades de Ciências, que confio se não faça esperar, se dê à formação dos cientistas puros a importância merecida. Como atrás apontei, por cada sete engenheiros a trabalhar no Comissariado Americano da Energia Atómica existem três cientistas puros.
Bem sei que nem de longe nos podemos aproximar em valores absolutos do que se passa nos Estados Unidos. Mas talvez que num futuro breve nos venhamos a aproximar da referida proporção. Por isso às Faculdades de Ciências deverá competir a formação dos cientistas indispensáveis para o nosso futuro desenvolvimento económico.
Acho conveniente recordar nesta altura algumas das afirmações que fiz nesta Assembleia em 20 de Abril de 1955 quando me referi ao ensino da Física nas nossas Faculdades de Ciências. Disse então que seria necessário criar uma licenciatura em Física. A sua duração não deveria ser inferior a cinco anos. Na elaboração do seu plano de estudos deveria atender-se ao prodigioso e recente desenvolvimento deste, ramo das ciências e à necessidade duma sólida preparação matemática.
Profundas modificações se deverão fazer nas nossas Faculdades de Ciências, para que o futuro físico adquira uma formação que lhe permita abordar sem dificuldades de maior o estudo de qualquer dos seus domínios de especialização.
Sr. Presidente: para terminar, desejo apontar um facto de alta transcendência no domínio do ensino superior. Nada mais nada menos do que a próxima revisão ampliada do Estatuto Universitário.
O Sr. Ministro, logo a seguir à posse da 4.ª secção da Junta Nacional da Educação, encarregou-a de proceder aos estudos da referida revisão. Devido à competência e saber das altas individualidades que a constituem, espera-se dos seus trabalhos os melhores resultados.
Espero que a futura Universidade seja alicerçada nas bases tradicionais da nossa civilização e se destino à criação de facto dum escol que, pelo seu saber, promova o progresso da Ciência.
Também espero que o conjunto das escolas superiores duma mesma cidade formem um todo, isto é, uma Universidade. Não faz sentido, como acontece na nossa capital, que existam dois conjuntos de escolas superiores.
Uma dita Universidade Clássica, outra dita Técnica, sem outro laço a ligá-las senão a dependência da mesma Direcção-Geral.
È necessário que entre as diferentes escolas superiores KC estabeleçam contactos íntimos, não só entre professores, mas também entre estudantes. Só assim e com uma sólida cultura geral se poderão evitar as deformações provenientes duma cultura fortemente especializada.
Como muito bem focou o Sr. Ministro da Educação Nacional, não devemos continuar a consentir Faculdades estanques.
No novo estatuto universitário, ou nas respectivas leis orgânicas das Faculdades, deverão remover-se as dificuldades postas às transferências de estudantes, dum para outro curso, dentro da mesma Faculdade ou entre Faculdades diferentes.
Também espero que venha u dar-se lugar de relevo ao problema da residência dos estudantes, isto é, aos colégios universitários. Lembro que, debaixo do ponto de vista educativo, as horas extra-escolares valem mais do que as de ensino.
Sr. Presidente: termino as minhas considerações fazendo votos por que a obra de reforma do ensino superior já encetada prossiga a passos firmes.
A obra já iniciada, que tem merecido calorosos aplausos, é penhor seguro de que a reforma iniciada seguirá por bom caminho.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Sr. Presidente: venho trazer à considerarão de V. Ex.ª e desta Câmara um assunto escolar que, por muitas razões, mereço ser ventilado:
Refiro-me, Sr. Presidente, às férias escolares Desde que existem escolas estabeleceram se períodos de interrupção dos trabalhos lectivos, porque desde sempre - e ainda hoje não surgiram novas teorias - se tomou como base a necessidade imperiosa de repouso periódico para os cérebros juvenis assoberbados pelo trabalho intelectual. E essa necessidade de repouso não visa apenas a massa escolar, discente, mas também atinge a camada docente, que se afadiga, e não pouco, no seu pesado múnus de ensinar
Especialmente no capítulo das férias menores foi tradição que em todas as escolas, de qualquer grau, elas tivessem igual duração.
Com as reformas, nos últimos anos, do Colégio Militar (Decreto n°( 34093, de 8 de, Novembro de 1944), dos liceus (Decreto n.° 36 508, de 17 de Setembro de 1947), das escolas industriais e comerciais (Decreto n.° 37 020, de 25 de Agosto de 1948) e' das .escolas de regentes agrícolas (Decreto n.° 38 026, de 2 de Novembro de 1950) as férias menores ficaram totalmente diferentes das que continuaram e continuam em vigor no ensino primário, nas escolas do magistério primário e em todas as Faculdades e institutos superiores.
Nas próprias escolas reformadas, a que aludi também as, ferias menores não são perfeitamente iguais.
Assim no Colégio Militar, são dez dias pelo Natal, três pelo Carnaval e dez pela Páscoa:
Nas escolas industriais è comerciais são onze dias pelo Natal, onze pela Páscoa e a terça-feira de Carnaval Nas escolas de regentes agrícolas são doze dias pelo Natal, onze pela Páscoa e a terça-feira de Carnaval.
Nos liceus são dez dias pelo Natal, onze pela Páscoa e a Terça feira, de Carnaval.
Mesmo nestas ias escolas reformadas só é igual o dia de inicio do ano escolar o dia l de Outubro. Parece, assim, viver-se em países diferentes. Não quero neste momento focar o problema - e tal? vez não seja este o lugar apropriado para tal- da duração das férias, menores. Simplesmente, na minha modesta, opinião, há que uniformizar o que anda desigual e chocante.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - No que respeita à fase do Carnaval então o caso assume posição estranha.
Nas escolas primárias e superiores continuaram e continuam as tradicionais férias de cinco dias pelo Carnaval, ficando em regime de excepção o ensino secundário, liceal, técnico industrial, comercial e agrícola: Inclusive nos seminários mantém-se a tradição desse descanso.
No ensino secundário referido concedeu-se um dia feriado na terça-feira de Carnaval, donde resulta um dia intercalado de aulas: a segunda-feira.
Será necessário pôr em destaque que espécie de dia de aulas é esse, quando alunos e mestres sabem que outras escolas as primárias ë as superiores - estão em pleno gozo de descanso? É peio menos um dia inútil, senão prejudicial, por motivos que são óbvios demais para merecerem- referência esmiuçada.
Vozes: Muito bem !
O Orador: Não defendo o Carnaval; quadra que me é indiferente, até pelo argumento da minha certidão de idade.
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Defendo, sim, o repouso o intelectual, indispensável alunos e mestres para prosseguimento dos trabalhos es colares no tempo próprio.
O problema das férias grandes é mais complexo, pelo fatalidade inexorável dos exames e, pior ainda, das várias espécies de exames de admissão, que se inventaram por falta de confiança e para descrédito das escolas de cursos anteriores.
Assim, os meses de Agosto e Setembro, que deviam ser libertados de trabalhos escolares, já estão largamente invadidos de exames, com a agravante de se reservarem os piores dias de canícula para as crianças que pretendem admissão aos liceus.
É caso para perguntar nesta altura por que razão se não fazem os exames de admissão se forem julgados de manter por quem de direito - na segunda quinzena de Junho, que é climatèricamente melhor época e deixaria livre para exames liceais todo o mês de Julho? Estou absolutamente certo, Sr. Presidente, de que todos estes problemas serão atentamente analisados pele ilustre titular da pasta da Educação Nacional e resolvidos com aquele critério de alta visão e de justiça já demonstrado na solução de outras questões mais delicadas e importantes.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: Sendo a primeira vez que uso da palavra na presente sessão, presto. V. Ex. ª Sr. Presidente, na minhas homenagens. Pretende-se que, por inútil ou desnecessário, já não interessa falar do passado, rememorar os acontecimento? que assimilaram uma era trágica da vida nacional apontar os seus erros e crimes, denunciar as responsabilidades de uma administração ruinoso, da delapidação do património nacional e do depaperumeuto do erário público, até à porta da falência; numa palavra relembrar os vícios, os males de um regime de dezasseis anos de quase monopólio democrático sob a égide da demagogia.
Tenho, porém, como certo que esse passado é sempre uma lição, uma dura lição, mas, por isto mesmo, mais expressiva e proveitosa 110 presente e para o futuro E para todos: para os mais idosos, desmemoriados, esquecidos do espectáculo de que foram testemunhas presenciais e dos ensinamentos de tão dolorosa experiência de que foram vítimas; e pura os novos, como termo de comparação e conhecimento das imperiosas razões morais, políticas e sociais que inspiraram e impuseram Revolução Nacional e possibilitaram o seu triunfo imediato sem derramamento de sangue.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Demais o contraste entre esse passado e o presente é de tal modo edificante que o conhecimento daquele serve para quebrar certas intransigências e moderar impaciência, ansiedades e insatisfaço mal contidas; isto é ensina que, se, infelizmente, muito falta do que se espera, lia coisas que não estão certa ou evolucionam com enervante lentidão e sofrem algumas desilusões, certo é também que muito se faz no sentido de mais e melhor a bem da Nacão
Vozes: - Muito bem, muito bem!
0 Orador: - Têm estas ligeiras considerações a propósito da marinha mercante nacional do passado e agora ou mais apropriadamente, a história trágica
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marítima de ontem e a esplêndida realidade naval de hoje
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E a oportunidade resulta, a toda de luz de um facto recente. bem digno de ficar assinalado também lios anais da Assembleia Nacional. Quero referir-me ao décimo aniversário do inicio da renovação da marinha mercante e à sua coincidência com a chegada ao Tejo da última unidade da primeira fase do respectivo plano.
Km Agosto foram os dois acontecimentos celebrados e leve a merecida consagração a personalidade, a muitos títulos ilustre e prestigiosa, do nobre Ministro da Marinha, almirante ale Américo Tomás, autor e executor do já histórico despacho n.º 100, cujas qualidades de marinheiro, de espirito empreendedor e de competência bem reveladas haviam sido já, no período angustioso da última guerra, como presidente. da Junta Nacional da Marinha Marcante, tornado possível que a velha, e depauperada frota que nos restava abastecesse o País através de enormes dificuldades e perigos sem conta.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Sr. Botelho Moniz: - Com os fretes mais baratos do Mundo.
O Orador: - A situação era tal que o actual presidente da junta Nacional da Marinha Mercante e nosso ilustre colega comodoro Pereira Viana pôde escrever:
A última guerra, com as suas nefastas consequências as dificuldades encontradas no abastecimento do País, o recurso à navegação estrangeira devido à insuficiência dos transportes nacionais, os quase incomparáveis fretes que houve de pagar aos poucos navios que apareciam, o estado melindroso a que chegaram os navios da marinha, portuguesa já de si velhos e cuja ruína se apressou com o serviço ininterrupto que lhes foi exigido, sacrifício das tripulações, sujeitas perigos constantes. Sem descanso, em navios sem conforto, as perda sofridas por actos de guerra, sem possibilidade de recuperação vieram mostrar o real valor de uma frota própria e eficientemente organizada.
E eu julgo poder acrescentar: se na marinha de guerra partimos, como se disse. do zero naval, na marinha marinha marcante do próximo da sua ruína.
Ao abrigo do despacho n.º 100, que estruturou de unido notável o plano, foram construídos cinquenta e nove navios, representando 381 780 e dos duzentos e cinco que ficámos possuindo oitenta e cinco tem menos de dez anos de existência, ao passo que anteriormente apenas quarenta e três estavam nestas condições de cerca de 80 por centos do total eram de exploração antieconómica.
Hoje os nossos os navios não todos os oceanos, aportam a todos os continentes e não são apenas o orgulho da gente do mar: são o orgulho de todos os portugueses, sem esquecer os que mourejam África nas Américas e noutras partes do Mundo, que acolhem e contemplam com entusiasmo e emocão o estes mensageiros da sua patria distante testemunhando irrecusável da senda de progresso encetada.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Só quem uma vez presenciou a chegada da Santa Maria ou da Vera Cru: aos portos do Brasil e notou o orgulho e a comoção dos nossos compatriotas que as centenas de milhares se acumulam nos cais e sôfrega e precipitadamente invadem o navio, sem que coisa ali os conduza que não seja a saudade e o anseio de por instantes, pisarem chão de Portugal só quem o presenciou e sentiu pode medir, além dos benefícios para a economia nacional, todo o transcendente alcance social e político das carreiras do Brasil, Venezuela e outros países, que só a renovação da marinha mercante permitiu regularizar e manter - e que devem manter-se mesmo deficitariamente.
Enfim, regressámos ao mar! E não regressámos apenas pela marinha de transportes, regressámos também pela frota de pesca do alto especificadamente da bacalhoeira organização modelar em todo o sentido, com um serviço social e assistencial sem par em qualquer parte do Mundo.
A renovação da marinha mercante e o aproveitamento da hulha branca através das grandes barragens constituem, sem dúvida, desde já, e especialmente pondo os olhos no futuro, dos mais sólidos pilares da estrutura e da riqueza económica, do Pais e do seu progresso geral.
Mais: são fundamentais medidas de prudência e precaução para, em possíveis conjecturas graves -que Deus afaste! -. assegurar a vida, a defesa e a independência política e económica da Nação.
Veja-se o que se passa já neste momento.
Como podia ser possível ou fácil transportar para o Oriente as tropas, o material, as subsistência e mercadorias que asseguram a nossa permanência ali, se nesse transporte só navios portugueses podem ser utilizados ?
Por outro lado, como exportar para os países do Norte da Europa e outros o minério de Goa. fonte fundamental da sua riqueza, senão principalmente em barcos portugueses, como está sucedendo largamente, em resultado da atitude do Estado da índia contra os navios que aportem a Mormugão?
Sim: regressámos ao mar!
Salazar bem merece fia Pátria, porque tornou possível o grande empreendimento.
Bem merece da Pátria o almirante Américo Tomás, que o planeou e fez executar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O que resta ainda fazer, além do prosseguimento da obra encetada?
Resta contemplar com decisão todos os problemas relacionados com a marinha mercante, em ordem a elevar ao máximo a sua utilização c a sua eficiência, protegendo-a, dando-lhe preferências possíveis sem reacção estranha, o empregando-se esforços no sentido de as mercadorias que importamos do estrangeiro e, especialmente, as que exportamos do ultramar para o estrangeiro deixem de ser transportadas, em larga escala, em navios estrangeiros: para o continente ainda em cerca de 50 por cento dos outros países para cá, e em quase monopólio do ultramar para os outros países, com grande perda de receita em cambiais; deve evitar-se também o peso morto de estadias demoradas, que tanto agravam o custo da exploração e dos fretes, etc.
O «mar da Palha», ali no Tejo, deve ser apenas o ancoradouro do navios moribundos, em almoeda para sucata.
E há que contemplar também, o problema das tripulações, no seu aspecto económico e social e nas condições do trabalho.
E agora faça-se o confronto, Comparemos a obra realizada e os resultados hoje à vista, com o sucedido. 110 passado, com os Transportes Marítimos do Estado, cio T. M. E., letras que ficaram assinalando, como um ferrete em brasa, a administração republicana de então.
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Façamo-lo numa ligeira síntese, embora essas «naus Gatrinetas» tenham muito que contar
Os mais idosos lembram-se e os mais novos, decerto; ouviram, falar do caso do apresamento daqueles setenta navios alemães e dois austríacos, ancorados nos tranquilas águas portuguesas, em 1916.
Sabem que foi este acto que originou a declaração de guerra pela Alemanha a Portugal e depois a nossa intervenção no campo europeu das hostilidades, intervenção que não é oportuno discutir perante o facto, consumado, tanto mais que, se muitos discordaram dela, muitos outros a defenderam.
Apenas um apontamento: Em contrário do que se quis fazer acreditar, á Inglaterra quis marcar posição, pondo-nos restrições, como a de que «a rotura com à Alemanha deveria ser claramente motivada por questão entre Portugal e este país e provocada no interesse de Portugal, e não imposta à Alemanha com uma obrigação da parte de Portugal, para com a Inglaterra». Textual.
Material de guerra? Sim, mas pagando-se ela com o preço do afretamento dos navios que lhe era feito.
Mas, prossigamos:
Apesar da nossa carestia de transportes, sendo setenta ë dois os navios apreendidos, num total de 242 441 t brutas, quarenta e dois, representando 154 008 t brutas, ou 241 564 t deadwteigth, foram afectados à Inglaterra. Portugal ficou apenas com 88 433 t, representadas por trinta navios; e não menos porque a própria Inglaterra renunciou a seis dos que lhe estavam, destinados.
E, então é logo surgiu a grande negociata através de um misterioso contrato com a firma Furness With, Ltd., o escandaloso «contrato Furness», cujos termos completos nunca foram divulgados è os lucros exorbitantes e os seus compartilhantes ficaram e continuam envoltos i uma espessa nuvem de mistério, que, infelizmente, agora, decorridos trinta e cinco anos, já não pode dissipar-se.
Não vou entrar em pormenores, porque a escassez do tempo de que disponho não o permite, e para exemplificação basta recordar alguns aspectos, ou seja:
Que os quarenta a e dois navios foram alugados até seis meses depois da guerra ao preço vil de 14 xelins e 3, pence mensais a tonelada bruta e a Furness, a quem a Inglaterra en regara a exploração, da frota, chegou depois a afrentámos, por seu turno, a outros países por preços muito superiores, como à França, a 50 xelins, e aos Estados Unidos, a 160 dólares a tonelada, etc. e nós mesmo afrentámos por exemplo, o Goa, em 1920, a 190 xelins em time-charter; . Que o segundo dos navios, foi ajustado pelo baixo valor de £ 20 a tonelada bruta, do que resultou um enorme prejuízo para nós com a perda de, nada menos, vinte e dois navios enastrados, representando o total de 69.076 t brutas;
Que nunca exigimos a actualização daqueles preços; com a agravante de apenas dois navios nos terem dentro do prazo estabelecido no contrato, apesar dos esforços empregado pelo Doutor Egas Moniz então Ministro dos Negócios Estrangeiros, junto do Sr. Balfour e terem vindo muitos em péssimo estado - impossibilitados de obter a classifição dos Loyds.
A guerra germinou em 1918 e só em 1921 nos foram devolvidos os últimos navio!
Só do que fica exposto resultou para o Estado Português uma perda superior á 8 milhões de libras, que, ao câmbio médio dê então, correspondiam já a cerca, de 400 000 contos e ao de hoje atingem uma cifra astronómica!
O que venho de exemplificar diz apenas respeito aos quarenta e dois navios cedidos à Inglaterra, pois em relação aos trinta que nos restaram as coisas ainda correram pior, devido a uma administração desordenada, caótica e absolutamente inepta e ruinosa; mal este acrescido de estadias infindáveis, do custo enorme e demoras nos reparações e de negociatas ma compra e venda de canibais e de carvão com as suas enfarruscadelas, calotes, faliu de escrita, ou em parte feita em linguados; de papel, etc.
Mas há mais, muito mais! Pior, muito pior!
Nas vagas alterosas desse mar de lama afundaram-se o prestígio e de crédito do País, o nome e a honra da Nação, enxovalhados, em. todas as partes do Mundo, com arrestos, retenções ou demoras forçadas «biltras providências cautelares, promovidos pêlos numerosos credores dos Transportes Marítimos, sem exclusão dos próprios, agentes!
A fama e o descrédito criados correram Mundo e foram tais que se chegou ao ponto de, por exemplo, em Bombaim, ter sido recusado o fornecimento de carvão ao Quelimane sem pagamento adiantado. E, quanto a arrestos sob a bandeira da República- de então, posta assim • em percalços de almoeda, basta referir os do Gaza, em Baltimore, do S. Tiago, em Nova Iorque, do Lourenço Marquei, em Hamburgo, ao Amarante, em Montevideu, do S. Vicente, em Belford, do Fáru, em Porto Artur, do Lima e do Pangim., em Antuérpia, etc.! ; Quê Vergonha, que miséria!
Vozes: - Muito bem!
O. Orador: - E deu-se então o caso inédito e cómico-marítimo do Sines, que vale a pena recordar.
O Sines, que ainda há poucos anos por aí vogava no transporte de carvão, não foi arrestado pêlos credores, é certo, mas ficou retido em Cardife, sob compromisso de palavra, do agente de que não levantara ferro sem que todas as dívidas estivessem saldadas. Resultado: onze meses de estadia;, e os tripulantes, privados dos seus próprios vencimentos, adoptaram, como solução extrema, o expediente de carrear terra para o convés do navio e plantar uma horta de couves!. Quando, na anos, aqui o referi, um deputado republicano exclamou « Que beleza de hortaliça! . . .».
Mas basta. Para quê mais exemplos, se o libelo foi deduzido mesmo por destacadas e insuspeitas figuras do regime?
O Presidente do Ministério engenheiro António Maria da Silva,, que já exclamara em pleno Parlamento que o País estava a saque, cognominou os Transportes Marítimos do Estado de foco de infecção.
O Deputado Dr. Joaquim Ribeiro, ao iniciar-se o debate da lei-liquidatária daquele valhacouto, exclamou da sua bancada:
Vamos tratar dessa quadrilha de ladrões rios Transportes Marítimos!
O Deputado e inspirado poete, jornalista de combate e director da República, Dr. Ribeiro de Carvalho, que tantas vezes vi aqui revoltado contra a maioria e contra o seu Governo e tão afastado havia de mostrar-se depois perante o Estado Novo, indignava-se, no seu jornal de 22 de Março de 1922, assegurando que o formidável déficit destes serviços provava que eles estiveram alguns anos a saque. E, no mesmo diário, exclamou ainda n propósito:
Pratica um acto de desonestidade quem toma conte de um serviço para que não tem a menor competência.
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E o comandante Nunes Ribeiro. comentando o que apurou sobre os fornecimentos de carvão e os prejuízos daí derivados, exclamou num dos seus relatórios:
No momento de vos relatar este gravíssimo facto, eu não sei se vibre de vergonha ou de indignação!
Fui este o clima. Não houve discordância, mas o regime ficou irremediavelmente amarrado às responsabilidades, pois as culpados, os ladrões e seus cúmplices, não foram denunciados e punidos; os comparticipastes no negócio «Furness» não foram o num denunciados; e de tão ruinosa administração nunca fórum prestadas contas.
Sr. Presidente: os republicanos contrários ao Estado Novo comemoraram o õ de Outubro passado. Estavam no seu direito. Mas ao que se viu, fizeram-no conluiados novamente com os comunistas, pelo menos gastronòmicamente falando.
Parece que, especialmente no Porto, a festa revestiu foros de comício, embora seja certo que dali não partiram uma doutrina, um programa, ou sequer uma ideia. Limitaram-se a comemorar o passado, que venho de exemplificar e o méritos e virtudes dos seus homens, quando parece que o seu interesse devia ser precisamente o contrário, isto é ocultarem-no aos novos que ainda vivem sob a ingénua inspiração de conceitos errados e velhas e falida.- utopias e de erróneas concepções sem conteúdo sobre a liberdade e mais a democracia.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Para cúmulo. Sr. Presidente, um dos oradores, esquecido desse passado ou recém-nascido ou ainda impúbere nesse tempo, afirmou que a democracia pôs termo a brutalidades, prisões sem indícios, assassínios quase legais, e alterou assim lamentavelmente a urdem cronológica dos acontecimentos, ou seja os termos do quebrado; e outro, com responsabilidade de governo, fez a curiosa e grave revelação de que, se tivessem continuado no Governo, também eles teriam equilibrado o orçamento! Não disse como, nem explicou como deixaram passar dezasseis anos sem o fazer, a não ser num caso esporádico, susceptível de controvérsia.
E o conluio e a confraternização foram tais (pie, segundo a imprensa, no tina) do prândio uma voz se ergueu e porventura entre aplausos, exclamou que «estavam ali não só para recordar o passado, mas também para realizar o futuro», e ninguém protestou, nem ao menos uma voz se ergueu para perguntar: que futuro:
No entanto, aquela exclamação não foi banal e (piem a proferiu foi um graduado comunista !
E que esquisito aquilo de realizar o futuro no presente e logo ali num repasto suculento! Só cabia no hestunto comunista . . .
Sr. Presidente: Também eu quis colaborar condignadamente nas comemorações daquele aniversário. E fi-lo pelo mudo sucinto que acabo de expor.
Porém, pura fechar com chave de ouro quero associar à festa o autorizado, o escrupuloso e prudente Times, de Londres, com este passo, «pie tantos engulhos causou no arraial inimigo:
Foram anos maus, anos de vergonha os que mediaram entre 1910 data em que a República foi proclamada e 1926, data em que se deu a revolução militar. A teoria do governo liberal e parlamentar transformara-se na prática em facciosismo, desordem e corrupção. Foi esse um l empo de miséria sem glória e de licença sem liberdade.
E, fazendo um confronto entre os dois redimes, também ha tempo um categorizado jornal carioca comentou:
A república liberal era um sistema de caciques locais mais [...] dos seus concidadãos do que o presente redime.
Nada mais é necessário acrescentar e por isso tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei sobre planaltos continentais.
Tem a palavra o Sr. Deputado Águedo de Oliveira.
O Sr. Águedo de Oliveira: - Sr. Presidente: V. Ex.º dirige os nossos trabalhos com grande distinção, benevolência e visível delicadeza.
Conduz sempre as coisas com suma sagacidade e dedica aos debates cuidadosa atenção, a fim de os manter em apreciáveis alturas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Por isso fui muito sensível e também estou profundamente grato às excedentes amabilidades com que V. Ex.ª quis assinalar o meu regresso à representação nacional.
Depois de seis anos de ausência, retorno à minha missão convictamente. como quem não se sentirá estranho na própria casa que é de resto, casa de todos.
Se me é permitido, dirigirei ao Dr. Mário de Figueiredo as saudações de velho companheiro. Sobretudo os novos desta Câmara não deixarão de considerar a lição de galhardia, talento e dedicação ao comum, a magnífica e complexiva tarefa que a posição de leader o leva a desempenhar entre nós e à qual devemos prestar rendida homenagem.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Saúdo os meus companheiros de trabalho, votados no bem comum, realizadores dum pensamento e colaboradores duma obra que nos elevou, retomando o fio perdido, e que, sem reeditar velhos erros, manteve o significado e os direitos tradicionais duma assembleia política como esta.
Sr. Presidente: a despeito de demarcada competência, o debate de hoje não poderá ser considera-lo banal. Menos 'ainda se julgará despido de interesse teórico e prático.
Também não serão as hermenêuticas [...] ou limitadas que atenuarão o seu carácter elevadamente representativo.
Trata-se de chamar à tela dialéctica parlamentar um assunto que assinaladamente, lhe pertence e que não seria devidamente solucionado se o fosse à sim margem ou paru alem do seu estudo.
O objecto ido debate mostra-se nítido - emanar algumas regras discipinadoras sobre a utilização das águas, solo e subsolo na zona contígua às águas territoriais, sem atingir o mar alto num capítulo em que a elaboração do direito das gentes se restringe à autoridade
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dos escritores, à expressão dalgumas convenções particulares e à defesa compreensível de interesses, que a ordem natural e o costume secular dalguma maneira protegem.
Assim, na falta dê texto geral, de declaração da comunidade de nações, de assentimento expresso ou mesmo tácito, a incorporação no domínio público, prevista no projecto sujeito a exame e a debate, reveste primeiramente a forma de uma afirmação de direito de entendimento genérico e, depois disso, d« vontade legal incontrastável, de harmonia com interesses tradicionalmente legítimos.
Em boa hora e antes de muitas mais a Nação Portuguesa se constituiu Estado soberano e independente, respeitou o direito geral e alheio, deu mostras de acatamento à moral internacional, sujeitou-se a normas e costumes que melhoram o convívio, e não será estranhável que a voz dos seus representantes se ouça a favor de uma solução impecável, mantenedora da paz e repartição justa dos interesses, e traga um material de construção jurídico que tende à elevação de um novo edifício num campo onde domina a imprecisão e a obscuridade.
Examinada assim a base inicial do problema, vejamos qual a autoridade do Estado, representado politicamente por esta Câmara.
Sr. Presidente: à face dia Constituição de 1933, apesar da posição predominante e resolutiva de conflitos de S. Ex.ª o Chefe do Estado, apesar da sua alta jerarquia e autoridade para representar a Nação e dirigir a política exterior, a verdade também é que, ao ajustar convenções e negociar tratados, deve, segundo a mesma lei fundamental (Lei n.º 1885), submetê-los à aprovação desta Assembleia, sem o que, de harmonia com disposições paralelas, seria como se não existissem.
Além disso, atrevo-me a chamar a (atenção da Assembleia paria o facto de que a ela compete constitucionalmente a forja da lei pròpriamente dita e a elaboração da sua interpretação corai autenticidade.
Por outro lado, as águas marítimas, com os seus leitos e quaisquer outros bens que revelem ou venham a revelar sujeição ao domínio público do Estado (artigo 49.º, n.ºs 2.º e 8.º), estão consideradas entre as garantias fundamentais e não se podem dizer capítulo de organização dos poderes; interessam desta maneira transcendentemente ao Português, individualmente considerado, e, como tal, nenhum jurista de nome dirá que poderiam ser subtraídas na sua definição à competência da Câmrara.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Além de tudo isto - e chego assim ao nó da minha demonstração - só a Assembleia Nacional pode definir limites territoriais, como só ela toma as contas ou autoriza a cobrança de receitas e o pagamento de despesas novas.
O artigo 91.º, n.º 9.º, da lei fundamental diz ser função de direito público desta Câmara definir os limites dos territórios da Nação. E portanto só ela pode dizer onde começa e onde acaba o território, elemento constitutivo do Estado "e seu suporte material; só ela, em perfeita ortodoxia, dispõe de autoridade para dizer onde terminam as águas territoriais, o que se segue a estas e onde verdadeiramente começa, acabada a zona adjacente, o domínio pleno da comunidade internacional.
Assim incumbe considerar o problema, que é matéria de lei geral, revelador de inquietações e ansiedades na hora que passa, e compreendê-lo, o que requer, naturalmente, análise e objectividade, clareza de julgamento.
Por isso faremos o melhor que pudermos para encarar as forças morais e políticas, os interesses e forças materiais que conduzem o Mundo e são a introdução esclarecedora das questões jurídicas levantadas no tablado internacional.
Sr. Presidente: sobre a oportunidade da proposta de lei farei uma referência à afirmação do Prof. Jenks numa conferência realizada na Sala dos Capelos em 1953. Afirmou esse distinto internacionalista:
A organização interna e o direito internacional encontram-se ainda em atraso relativamente às necessidades da vida internacional, havendo que esperar que esta desfasagem se encurte.
Acrescentarei que o desenvolvimento das normas depende dos acordos, declarações, votos expressos, trabalhos doutrinários - depende da elaboração parcial do direito genérico; e assim uma afirmação de vontade legislativa que corresponda ao sentido da família das nações não pode deixar de ser impregnada do mais rico conteúdo.
Sr. Presidente: sobre a multiplicidade de interesses em jogo, sobre as grandes perspectivas que desenha este .assunto da ordem do dia lembrei-me de procurar na geografia económica um apontamento sucinto.
Três fundamentais razões tornam inquietante o problema, solicitam a atenção do legislador e apontam os interesses económico-sociais das soluções: a segurança do País, que proíbe em absoluto, como norma de vida ou de morte, que as suas costas possam, juridicamente e na impunidade, converter-se em bases de empreendimentos ofensivos e defensivos; a riqueza da flora e da fauna subaquática, cuja conservação é obrigação de direito natural; os recursos minerais prováveis a extrair, entre os quais se encontram designadamente Q carvão e o petróleo, cujo papel na vida moderna não> é lícito ignorar.
Os geógrafos economistas preocupam-se com o último aspecto, destacando o petróleo, como vamos ver.
O carvão encontrado na Cornualha, nas terras submarinas vizinhas da costa, já se mostrou objecto de previdência legal. A exploração do> petróleo em zona avançada das águas territoriais da Califórnia também foi regulada por diplomas singulares.
E, como pode ver-se no elenco apresentado pelo tão excelente como autorizado parecer da Câmara Corporativa, foi o petróleo que esteve na origem das declarações do Presidente Truman, no tratado entre a Grã-Bretanha e a Venezuela, nas declarações do (México, Argentina e outros países ali citados.
E porquê?
E como assim?
Vejamos o essencial da lição dos mestres.
Cito, entre outros, Peyret, Forbin, Juglas, Chardonnet, Jones e Darkenwold, Deflandre, Aubert de La Rue, Etienne Dalemont, J. Sohn.
A produção do petróleo cresce sempre, mas as necessidades que ditam o seu uso ainda se ampliam mais.
A primeira delas, a extracção, pouco passava duma dezena de milhões de toneladas em 1890. Mas em 1938 estava em 280, trepando agora para muito mais e havendo o cálculo de que no ano passado teria crescido uns 10 por cento, atingindo a cifra fantástica de 785 milhões de toneladas.
Limitemos, a este propósito, algumas notas ligeiras, para não tornar fastidiosa a intervenção.
Só excepcionalmente os jazigos de petróleo se situam nas zonas assaz plissadas ou enrugadas da côdea terrestre. Assim é que na Europa, na Ásia e na América do Sul vemo-los surgir floresceu temente na borda dos maciços alpinos, com ingratidão relativo do solo euro-
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peu, que é o mais pobre de todos e que figura no mapa mundial com uma percentagem de 3 por cento.
Da África c da Austrália, continentes formados de massa tabulares se afirma que são naturalmente pobres. Não se estranhou por isso que as prospecções e sondagens no Egipto conduzissem a débeis resultados, que as investigações na África do Norte se apodassem de medíocres e que os italianos, que foram para a Abissínia ajudados de esperanças, dali saíssem, também neste capítulo, carregados de decepções.
E da África se afirma que figura por isso apenas com 2,4 por cento da produção mundial e que, embora a sua tendência denote crescimento, esta não é regular nem se vê acentuadamente, como se esperava.
Há reservas importantes? Decerto, mas sem expressão até agora na estatística mundial.
Apesar dos terrenos sedimentares propícios, a sua promessa de jazidos parece menos ridente do que nas outras partes do Mundo. Mas, como os petróleos apresentam origem orgânica e se formam no mar. nus lagos e nos golfos, bem como nos mares interiores, se compreenderá facilmente o 'interesse relevante que. apresenta para nós na costa oriental e ocidental. Ali se recolheram indícios de importância, existem depósitos [...], indígenas utilizam a sua combustão e sondagens têm assinalado cerca da orla marítima a existência de indicadores que poderão levar a, descoberta de novos jazigos, extensíveis às zonas costeiras.
Sr. Presidente: a dimensão do.-, empreendimentos os descomunais interesses em jogo, a latitude e predomínio dos grandes condutores industriais, a preponderância e associação aos factores de guerra e paz tornam inquietante este capítulo da grande actividade do homem contemporâneo. Luta, guerra declarada, conflitos económicos e rociais. entrada em vigor da lei da selva e intervenção decisiva dos governos, movimentos de defesa, aqui e além, têm marcado a história da exploração das fontes de energia.
Houve primeiro a luta pela supremacia anglo-saxónica - de um lado Rockefeller e a Standard Oil que começou pela posse das refinarias para dominar a produção, aliando-se ainda ao caminho de ferro.
Surgiu-lhe pela frente a Royal Dutch Shell, que, avivando a rivalidade britânica, entendeu controlar os jazigos numa táctica oposta, mas por igual disputando a primazia monopolista.
Seguiu-se o combate dos governos contra tão descompassadas prepotência editaram-se leis contra os trunts: lançaram-se laxas e impostos sobre os hidrocarbonetos e os automóveis; estabeleceram-se refinarias ajudadas com petróleos brutos; recorre-se às sínteses e sucedâneos; não se esmoreceu na procura de novos jazigos.
Que significa isto?
Para quê este novo apartamento?
Que reflexos poderiam esperar-se?
Convém furtar a nossa terra a essas grandes competições desagradáveis, que não escolhem terreno para dar batalha.
O apetrechamento jurídico, como é o constante do projecto, parece-me de molde a assegurar a paz social e a vida do direito, na independência que nós, como todos os povos, podemos almejar e construir com vontade que. não cede.
A luta pela energia nos últimos anos deslocou-se.; Ocidente c Oriente fazem o teste do seu poderio, alinham os cálculos, estimam as forças industriais, mesmo que não venham empenhá-las.
Quando estivermos em Angola, em Setembro, ficou acentuado que se impunha sem demora o balanço às potencialidades económicas antes de se gizar qualquer acção coordenadora e com o nível necessário.
Sobre este particular muito haveria que expor.
Sr. Presidente: mesmo coutando com os aperfeiçoamentos da técnica, com a mais prudente exploração. com a produtividade de novos métodos de recuperação, lançando mão dos grandes jazigos inexplorados das regiões árcticas e submarinas ou - das recônditas, em cada minuto que passa as exigências avultam muito
por cima dos stocks, e tempo virá - a menos duma geração - que esta imensa riqueza será consumida sem remição.
Será a vez da última gota fluídica e turva, mas signo incontrastável duma civilização que passou.
Seguir-se-á uma outra, e não parará o afã de descobrir e utilizar novas fontes de energia.
Antes desta emergência, ainda não perfeitamente marcada no calendário, a empreitada não esmorecerá, nem por um instante, e acentuar-se-á entre aqueles povos menos dotados, turno nós, na posse e disposição do ouro negro e da hulha.
Fixemos neste apontamento sobre os interesses em conflito; fixemos a nossa atenção no seguinte:
Aguardam-se com esperança os resultados das sondagens na África Central e Ocidental.
Elas são pouco promitentes - afirmam uns.
Mostram-se encorajam t es-dizem os técnicos do Banco de Desenvolvimento e Progresso Internacional.
Para já, algumas camadas submarinas - nas costas da Califórnia e nas margens do golfo de Maracaíbo - proclamam a vitória do homem e da técnica sobre a natureza, não hostil mas difícil.
Sabe-se que, as terras baixas costeiras das ilhas de Sudeste, da Ásia e do Oeste da China encerram grandes promessas.
Que nos reserva o futuro de Angola, de Moçambique, da Guiné., sabida a nossa proverbial penúria de carvões, óleos minerais e fontes de energia, com delicadas excepções apenas?
O que nos está destinado antes de se chegar à última gota?
Sr. Presidente: devo chamar ainda a atenção de. V. Ex.ª para o seguinte:
Uma busca cuidadosa nos trabalhos dos especialistas Van Eck Raikes Prof. Wellington. etc. - mostra que a estes não preocupa a descoberta de jazigos petrolíferos, no acervo das suas ilimitadas opulências mineiras, e que a sua atenção incide apenas sobre os problemas derivados da gasificação dos carvões.
Esta apresenta-se como solução transcendental em virtude do fecho do abastecimento petrolífero da Pérsia, de naturais exigências de ordem estratégica e da extensão do processo Diesel às locomotivas.
A União Sul-Africana consome muito e produz pouco - 5.5 de milhões de galões, dos 592 de que anualmente carece.
Assim se pressagia modéstia na produção do óleo natural e. simultaneamente, grande futuro à indústria que acaba de nascer.
Esta lição dos nossos vizinhos, bem compreendida, deverá também aproveitar, na medida possível.
Sr. Presidente: sobre tal ordem de problemas esta (Câmara, como já aconteceu no passado, tem posições a manter e contempla princípios que deverá defender, a todo o momento.
Somos pela nacionalização progressiva dos empreendimentos - como meritoriamente se fez na Beira, no Niassa. etc. Procuraremos conservar para os Portugueses a riqueza e os resultados do seu subsolo, embora o Estado regule as suas relações no sentido de cooperação mundial.
Em nome da justiça social e da paz pública, não deixemos que o nosso território seja campo de batalha
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alheia, sacudido pelo déclenchement de grandes interesses, ou um incentivo desmesurado à alta dos preços.
O Governo tem de conservar na sua mão os seus melhores instrumentos jurídicos e esta Câmara ficará vigilante para que nem a justiça se veja postergada, nem a paz possa perturbar-se, de dentro para fora.
Também já é tempo de reivindicar menores preços, nos termos ida Constituição, e pugnar para que os grandes empreendimentos fiquem, na realidade, abertos à subscrição pública, para que não influam ainda as posições desequilibradas no conjunto.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O mar territorial, diz o professor Júlio Diena, devia chamar-se, com mais exactidão, «mar litoral» ou «costeiro».
Mas todo o interesse do problema em debate, todo o esforço de construção jurídica da proposta de lei está para além das águas territoriais.
Estas constituem um capítulo arrumado aia legislação interior e no direito internacional. Fixou-se a dimensão destas no costume das nações, tomando para base o alcance do tiro de canhão, e acabou-se por medi-lo fora da evolução da balística e estabelecê-lo, em vez disso, com perfeito rigor.
Hoje as nossas leis aduaneiras, de fiscalização e contra a poluição das águas fixam-nas numa zona de 6 milhas, a contar da praia. Para além dessas 6 milhas começa a zona marginal ou adjacente.
Mas não pode sustentar-se à face do direito das gentes que haja norma segura e própria a acabar com a soberania nas 3 ou 6 milhas.
Ao contrário, os Estados levam a sua vigilância, e poder soberano, a sua rede de fiscalizações e pretensões muito mais longe.
Nos institutos internacionais, atendendo à própria conservação e à tutela da ordem pública, pensa-se que o jogo de limites máximo e mínimo, uma vez estes estabelecidos, resolveria muitas dificuldades e problemas.
Sr. Presidente: entre o que o direito internacional considera o «mar territorial» e o «alto mar», dominado pela comunidade das gentes, fica o mare proximum, a que os Ingleses chamam marginal sea.
Existe, desde a antiguidade, a convicção nos juristas, e acordo entre os escritores, de que a vida livre de um país, mesmo para além das águas territoriais, depende de uma zona defensiva a respeitar.
Defesa e segurança, justiça e interesses económicos, conciliam-se no sentido de formularem como exigência irremovível esta margem adjacente ao território.
Mas já não existe acordo sobre a sua natureza, à face do direito das gentes.
Desde séculos que se discute sobre o que é considerado domínio do Estado, ou o que poderá conceber-se também como um direito sui generis que o mesmo Estado soberanamente exerce.
Salienta-se, portanto, uma zona marginal, contígua às águas territoriais, entre os mares territoriais e do alto, com seu regime apropriado ou a definir como medida de segurança e de polícia, de protecção à fauna e flora e, ainda mais, de limitação regulamentar à exploração e iniciativas a tomar sobre a riqueza do subsolo.
Textos?
Definida a posição do Instituto Americano de Direito Internacional, em 1925, no sentido da segurança;
Retomado o problema, na sessão de Estocolmo, em 1928, pelo Instituto Europeu;
Estabelecidas convenções várias, nos países americanos;
Regime de proibição adoptado em Helsínquia.
Além das explorações mineiras já referidas, acentua-se a frequência com que a França e a Inglaterra e a Espanha e Marrocos têm alentado esperanças e projectos de estabelecerem túneis seus, através da Mancha e do estreito de Gibraltar.
Assim, os Estados vão vestindo tendências, ou firmando actos de domínio soberano, no solo e subsolo adjacente às águas territoriais, como interesse verdadeiramente legítimo e protegido pelo direito geral, a definir correctamente na sua própria ordem.
Essa zona, na opinião geral dos doutores, anda por 12 milhas; mas no projecto do Instituto não passa de 9 milhas, apenas. É a ela que se refere a base I da proposta. Não seria recomendável que se fizesse anais explicitamente.
Sr. Presidente: a crítica da Câmara Corporativa relativa à terminologia da base inversamente, merece todo o meu apoio.
«Planalto continental» é realmente a tradução menos feliz de continental shelf.
Não é rigorosa.
Não é conveniente, por ser imprópria.
Planalto continental, na geral compreensão, refere o plano superior, e não o declive para o mar.
Planalto não pode ser porque em Angola e em Moçambique, fatalmente, há-de gerar equívocos.
Planalto em Angola é a grande região interior elevada que se contrapõe à orla marítima. Em Moçambique se destacam os planaltos africanos, das serras, tandos, vales e pântanos.
A Câmara Corporativa viu por isso as dificuldades e substituiu a expressão pela de «plataforma continental», o que também significa o eirado ou terraço, e não as suas paredes. Portanto, a substituição reincide no defeito.
Algumas palavras existem apropriadas à geral compreensão - encosta, declive, vertente, platibanda -, que dão o conceito de moldura, de extrema parede do território, nas suas descidas para os abismos oceânicos.
Ladeira e rampa não estariam bem, mas encostas submarinas parece-me perfeitamente adequado. A Câmara ajuizará, certo de que dificilmente quererá perfilhar expressões tão impróprias como «planalto» e «plataformas continentais».
Sr. Presidente: parece, assim, que sobram razões jurídicas e de indiscutibilidade manifesta.
Não fazem falta os argumentos.
Primeiramente, do ponto de vista do direito internacional, p território é considerado geralmente como inalienável e indivisível. E essa é a posição tomada pelo nosso legislador constitucional, como pode ver-se dos artigos 1.º, § único, 2.º, 49.º, § 1.º, e 161.º
Se é inalienável, as encostas continentais não suportam acção interna ou exterior intromissiva da parte do Estado. Vai nisso o melhor da sua defesa e não pode negar-se a condição própria às relações de boa vizinhança.
A alienação territorial do domínio público revela uma anomalia histórica e foi apenas objecto de três ou quatro operações discutíveis e equívocas, na história geral.
Se o território acusa o carácter de indivisibilidade, não só se prolongará materialmente, como será mais continuada e inseparável a utilidade que presta e a produção de que venha a ser susceptível.
Em segundo lugar, à face do direito justinianeu e interno, o território pode ser acrescentado por acessão, enxugando-se os sapais, secando os pântanos, formando-se mouchões, fechando-se o golfo.
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Assim há-de, pela técnica, pela arte, pelo trabalho, admitir-se a extensão territorial, mesmo submarina, onde a natureza o permita e a actividade humana acrescente os dons naturais. Faz de conta que novas ilhas ou ilhéus surjem para amplificar o domínio do Estado ribeirinho.
Nunca se discutiram as conquistas da Holanda, solar de internacionalistas, na legitimidade de dos bens conquistados ao mar e aproveitados.
Em último lugar, sempre se admitiu que a lei dos Estados possa fixar os precisos limites das fronteiras nacionais.
Cito a este propósito Bluntschi, o professor de Heidelberga, que escreveu em l886 e que a geração actual não esqueceu ainda.
Sr. Presidente: a Câmara Corporativa, para enfrentar dúvidas ou para fugir a interpretações não concordes, estabelece uma nova base, que, expressamente amplia o vigor da lei a todos os territórios portugueses - é a nova base, a base V.
Suponho-a desnecessária pois que assenta numa certa concepção restritiva ou num exame limitado de competência desta Câmara
Compreendo a dificuldade - há algum desajustamento entre o direito constitucional e a nossa técnica legislativa mais recente.
E porquê?
Porque é difícil vencer este ilogismo - se caminharmos para a unidade política e económica, se queremos estabelecer uma solidariedade portuguesa completa, como admitir o fraccionamento de competência por vários órgãos e como podemos arvorar a legislarão especializada em regra?
Como estabelecemos, por um lado, a regra da normalidade do direito especial e, ao mesmo tempo esperamos tudo do direito geral e indistinto?
Entre duas correntes de hermenêutica - uma institucionalmente generosa e outra baseada na desconfiança das intervenções das assembleias, no terreno económico-social -, sou pela primeira.
Devemos considerar a Constituição um texto vivo, contendo as soluções dinâmicas do desenvolvimento pátrio, e não um problema elegíaco, que tanto atraía os românticos da quadra passada.
Não pode negar-se que as províncias hoje são, por via de regra, regidas por legislação especial, atenciosa para as suas condições particulares e baseada na diversidade com o meio metropolitano.
Mas não pode negar-se também a existência de direito básico, indistinto, aplicável à comunidade portuguesa, partindo de princípios unitários e de solidariedade que a lei fundamental várias vezes proclama.
Temos de não esquecer que à Câmara incumbe a feitura das leis, que é ela que dispõe sobre demarcação do domínio público e delimitação fronteiriça.
A proposta está assinada por SS. Ex.ªs o Presidente do Conselho, que pode gerir e substituir os Ministros, e pelo Ministro do Ultramar, que pode, qualificadamente, apresentar sua proposta.
Acrescentarei a estas considerações mais duas de um professor tão ilustre como desempenado, que muito admiro - o Prof. Queiró, de Coimbra:
1.º Desde que os problemas se comportem em bases gerais, a Assembleia dispõe de compreensível competência, mesmo que se admitisse falharem aqui os especialistas dotados, a este respeito de uma cultura profunda;
2.º Não há razão para, considerar entre os dois órgãos, Governo e Assembleia, um mais dominado que outro pelos técnicos de administração colonial,
Nestes termos, possuímos texto a nosso favor e parece-me excessivo estar a atribuir-nos uma competência em lei ordinária que a lei fundamental já conferiu.
Por outro lado, não faltam aqui os representantes do ultramar; o seu mandato, como o nosso, comporta o todo nacional e eles, já que vivem os problemas, também estarão aptos a encontrar as comportáveis soluções.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Se fosse admissível a apreensão alheia ou a utilização da zona marginal por outrem, verificar-se-ia um novo acrescentamento às chamadas grandes potências, tal como foram designadas nas negociações de 1944, agravando-se a luta económica pelos recursos naturais.
Petróleo, carvão e outros produtos são factores de conflito e não podem ser apropriados intromissivamente senão pondo em risco a paz geral.
Sr. Presidente: até que ponto será «respeitável» a iniciativa legislativa tomada e a execução de um diploma deste alcance quando em vigor?
A definição de planalto continental submarino chocará os apologistas da plena liberdade dos mares e os fiéis ao domínio comum das nações?
Haverá que recear certos reflexos de ordem económica quando esta doutrina do Estado Português se converter em matéria de princípios gerais da comunidade internacional?
Se as Nações Unidas adoptarem um regime jurídico não coincidente, valerá a pena, neste momento, reivindicar aquilo que cremos firmemente ser o nosso próprio direito?
Não me incumbe, responder a estas perguntas, nem mesmo a resposta poderia acudir fàcilmente a quem estivesse no segredo da trajectória política dos povos.
Trata-se de uma criação legislativa que o Governo e a Câmara Corporativa analisaram, condensaram e estudaram demoradamente.
Como toda a minha intervenção mostra - não são novidade as fiscalizações e direitos sobre a zona adjacente; os Estados procuram enfronhar-se no subsolo marginal e utilizá-lo em seu proveito como prolongamento legítimo do território; actos, acordos e leis firmaram direito singular mas como eco de princípios mais generalizados e superiores; e a vida e segurança dos Estados, a própria convizinhança, formulam exigências que no fundo não são mais do que o reconhecimento de um direito natural imediato.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador fui muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
A próxima será amanhã, à hora regimental, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Está encerrada a sessão.
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Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
António Pinto de Meireles Barriga.
Augusto Cancella de Abreu.
Carlos Mantero Belard.
José Dias de Araújo Correia.
Manuel Maria Múrias Júnior.
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270 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 111
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Ricardo Malhou Durão.
Sr s. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
António de Almeida.
António dos Santos Carreto.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
João Afonso Cid dos Santos.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Maria Porto.
Joaquim de Moura Relvas.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Maria Vaz.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
O REDACTOR - Luís de Avillez
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA