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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 115
ANO DE 1956 21 DE JANEIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.º 115, EM 20 DE JANEIRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
SUMARIO: - o Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 32 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das sessões n.º 113.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Urgel Horta voltou a solicitar a realização de uma temporada lírica no Porto.
O Sr. Deputado Carlos Moreira ocupou-se do caso dos comissários e delegados do Governo junto de companhias e empresas e das incompatibilidades e acumudações.
O Sr. Deputado Botelho Moniz falou sobre a localização da indústria de siderurgia e o projecto técnico, económica e financeiro do Amoníaco Português.
Ordem do dia. - O Sr. Deputado Nunes Mexia efectivou o seu aviso prévio sobre o problema das carnes e seus derivados, ficando ficando com a palavra reservada para a sessão seguinte.
O Sr. Presidente encerrou a sessão ás 18 horas e 35 minutos.
O Sr. Presidente : - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Autuo Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
António Russell de Sousa.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Elisão de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
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Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 79 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 32 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das n.° 113.
O Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente: desejo fazer a seguinte correcção ao Diário das Sessões n.° 113: a p. 283, col. 2.ª, 1. 59.ª, onde se diz «vazamento», deve dizer-se «bazamento».
O Sr. Presidente: - Como ninguém mais pede a palavra, considero aprovado o referido número do Diário das Sessões.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Enviado pela Presidência do Conselho, para cumprimento do disposto no § 3.° do artigo 109.° da Constituição, encontra-se na Mesa o Diário do Governo n.° 12, 1.ª série, de 16 de Janeiro corrente, que insere o Decreto-Lei n.° 40 498.
Pausa.
O Sr. Presidente : - Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das Corporações em satisfação dum requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Galiano Tavares. Esses elementos vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Comunico à Câmara que foi eleito presidente da Comissão de Obras Públicas o Sr. Deputado Amorim Ferreira.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Urgel Horta.
O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: não é motivo de meu agrado tão frequentes vezes utilizar esta tribuna na defesa da legitimidade de direitos da terra que me confiou o honroso mandato de a representar na Assembleia Nacional. Sentiria diminuída a minha acção, atraiçoando a missão que me destinaram, se, perante circunstancias revestidas de certa delicadeza, me mostrasse enfraquecido de vontade e energia para neste lugar desfazer incompreensões, combatendo pelas causas que no meu espirito se mostram como justas.
Nunca utilizámos este lugar para exposição de razoes em cuja essência não existisse motivo de valorização e defesa das instituições que servimos com toda a honestidade, toda a seriedade e com o máximo desinteresse pessoal.
Nas nossas críticas, que colocamos sempre numa fase construtiva, existe um objectivo que superioriza todos os outros: prestigiar a causa que defendemos, a doutrina que abraçamos dentro de uma atmosfera de compreensão e confiança. Os nossos sentimentos, livremente exteriorizados nas palavras que proferimos, não se prestam a confusões.
Ser útil à minha terra, sem bairrismos excessivos e prejudiciais, trabalhando pelo seu engrandecimento e pelo seu progresso, fazendo compreender a justiça que assiste às suas reivindicações, é tarefa que cabe dentro da função que exerço, com a independência adoptada em todos os actos da minha vida. E procedendo assim cumpro apenas o meu dever.
Sr. Presidente: terminadas estas considerações, permita V. Ex.ª que recorde agora a minha intervenção parlamentar de 26 de Janeiro do ano findo, na qual, dirigindo-me ao Governo, pedia que não esquecesse o Porto no seu aspecto educativo, cultural e artístico, concedendo as facilidades indispensáveis à realização, pela companhia de ópera actuante no Teatro Nacional de S. Carlos, duma curta temporada de teatro lírico naquela cidade e que há muito se impunha.
E depois de haver traçado o elogio da atenção, do carinho e da protecção que ao Governo justamente mereciam todas as manifestações da cultura do espirito, mostrei a minha completa concordância para que Lisboa - capital do Império, grande, progressiva e formosa cidade europeia, orgulho da Nação - continuasse usufruindo larga e generosamente os incomparáveis benefícios dessa intensa vida cultural e artística a que tem direito incontestável.
Nada poderia objectar que pudesse contrariar ou diminuir o papel que cabe a Lisboa na movimentação de todos os seus sectores, como grande cabeça do Império, orgulho da Lusitanidade.
Expostos os factos com toda a realidade e verdade, eu lembrava a legitimidade de razões e direitos que assistiam ao Porto - grande urbe, de larga e progressiva actividade comercial e industrial, onde as letras, as artes e as ciências são cultivadas com o maior carinho, terra possuidora de notáveis estabelecimentos de ensino, largamente frequentados, com uma população universi-
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tária avultadíssima, que ansiosamente aprecia e àvidamente procura superiores deleites pura o seu espirito.
Depois do salientar o alto nível intelectual atingido pela capital do Norte, através de longínquas e continuas gerações, e as suas marcadas tradições artísticas e musicais, sempre cultivadas com esmero, procurando mante-las à custa de pesados sacrifícios, chamei a atenção do Ministério da Educação Nacional para o facto da não realização no Porto de espectáculos de ópera lírica, ali, como em toda a parte, tão apreciados e de tão forte acção educativa para a nossa mocidade. E em hora tão feliz expus esta aspiração que as minhas palavras foram escutadas e a razão que as ditava bem compreendida.
O Ministério da Educação Nacional, através de uma das suas direcções, verificando como eram inteiramente justos os meus reparos e inteiramente fundamentados os anseios da cidade aduzidos nas minhas solicitações, tomou a magnifica resolução de conceder ao Porto, na época de 1956, todas as facilidades para a realização de uma temporada lírica, facto que originou viva manifestação de agradecimento da cidade, traduzido nas notícias e comentários que a imprensa lhe dedicou.
A Câmara Municipal, integrada no mesmo sentimento, teceu em reunião pública de Fevereiro passado os mais rasgados louvores à promessa, que era certeza, de uma realização de tão intenso agrado, dirigindo gratas saudações a quem tão digno se mostrava delas. £ com inteira confiança o público do Norte aguardava com o maior interesse e o maior entusiasmo as noites de bela música e magnífico canto que no Teatro Nacional de S. Carlos, em tanto e tão seguido número de anos, inúmeras vezes haviam deliciado o público da capital, já tão habituado a essas magníficas manifestações da mais pura e dominadora arte.
Mas afinal... tudo isto não passou de um sonho: uma noticia oficial recebida há poucos dias, dimanada da direcção do Teatro Nacional de S. Carlos e tornada pública através da imprensa, vinha mostrar que a realidade era bem outra, e a vinda da companhia de ópera não se efectuaria, por falta de recursos financeiros indispensáveis para esse efeito. Essa inesperada comunicação causou a maior surpresa e a maior estranheza, visto não serem de aceitar as razões invocadas como impeditivo de um compromisso - permita-se-me que assim chame - tomado para com uma cidade que orgulhosamente sabe cumprir as suas obrigações, agradecendo os merecidos benefícios que lhe são concedidos.
A Câmara Municipal do Porto, na sua sessão ordinária e pela voz de um dos seus mais prestigiosos elementos - o Sr. Mário do Amaral -, comentou com amargurado sentimento o facto passado, que não podia na Assembleia Nacional deixar de sofrer este ligeiro comentário e apontamento.
Sr. Presidente: não nos compete, visto isso não estar dentro das nossas atribuições, a indicação da fórmula a adoptar para se obterem os recursos indispensáveis ao cumprimento da promessa estabelecida por quem tinha o direito de o fazer.
Sinceramente confessamos o desgosto e a tristeza que o facto nos causou, sentimento e desgosto experimentados por toda a cidade. Mas não julgamos difícil a solução do problema, tudo dependendo da boa vontade em resolve-lo.
E, porque assim o pensamos, as nossas palavras não são mais que a exteriorização de um sentimento, que encerra um apelo, dirigido ao Sr. Ministro das Finanças e ao Sr. Ministro da Educação Nacional, a fim de um problema de tanta simplicidade, de tanta magnitude e de tão grande projecção ter solução harmónica com o interesse e as aspirações do Porto.
E peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que transmita ao Governo os anseios da minha cidade, subtraindo ao seu espírito inquietações e dando-lhe motivo, como sempre tem sucedido, para confiar inteiramente naqueles que vivem o trabalham a bem da Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Carlos Moreira: - Sr. Presidente: na sessão de 22 de Fevereiro de 1951 (vão passados quase cinco anos) tive ocasião de requerer que me fossem fornecidos diversos elementos relativos à fiscalização por parte do Estado junto de bancos, companhias e empresas.
No ano seguinte, em 1952, e na sessão de 14 de Novembro voltei a ocupar-me da mesma matéria.
Novamente, a 6 de Fevereiro de 1954, tornei ao assunto, produzindo alguns comentários, que julgo foram elucidativos, insistindo pela remessa de elementos pedidos e requerendo novos elementos.
Permito-me lembrar algumas palavras que proferi na primeira das intervenções citadas: «Convém, sobretudo, além do mais, averiguar da forma e eficiência dessa fiscalização».
Na segunda intervenção apresentei três conclusões fundamentais sobre o assunto e que peço vénia para relembrar:
1.ª Os comissários ou delegados por parte do Estado junto das companhias ou empresas (naquelas em que existem) são, em regra, remunerados por conta das companhias ou empresas que fiscalizam;
2.ª A remuneração nalguns casos é certa, mas noutros acresce a essa remuneração certa uma percentagem a anual em função dos lucros apurados.
E assim se vai, como se verifica pelos elementos colhidos, desde a remuneração mensal de umas escassas centenas de escudos a remunerações substanciais de dezenas de contos. Ainda em 1947 o comissário do Governo junto de uma sociedade de grandes compensações e rendimentos percebia n remuneração mensal de 600$, enquanto noutras congéneres iam desde 2.000$ a 10.000$, aproximadamente. Isto em casos sem percentagem nos lucros da respectiva empresa, porque, quanto a estes, a diferença de remuneração é muito maior!
3.ª Em diversos casos os comissários ou delegados não apresentam relatórios ao Governo, informando-se, em documentos que recebi, não ser preciso por se encontrarem em contacto com os respectivos departamentos do Estado.
E comentei:
Não pode dizer-se que os princípios contidos nestas conclusões sejam os mais justos e que melhor convenham a uma eficiente fiscalização.
Na verdade, a sujeição dos comissários, delegados ou administradores às próprias empresas que fiscalizam é evidente, porque delas recebem a remuneração pelo cargo e, de certa forma, estão ligados à, influência, por vezes poderosa, das mesmas empresas.
Essa dependência resulta ainda muito mais forte em virtude da atribuição que lhes é feita de uma percentagem anual em função dos lucros apurados.
Demais, como acontece em muitos casos que são do domínio público através da imprensa, as direcções e administrações são constituídas por pessoas que ocuparam elevadas funções no Governo e na administração publica, tanto metropolitana como ultramarina, o que coloca esses comissários ou delegados, pelo menos, num menor à-vontade no exercício da sua função de fiscalizadores.
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Afinal, e era última análise, são os fiscalizados que pagam aos fiscalizadores.
Não nos parece, repetimos, que essa forma de fiscalização seja a mais justa e que melhor convenha aos fins para que é instituída.
Acrescentei ainda um voto: o de que se fizesse uma revisão urgente do sistema que vigora quanto a acumulação de cargos e competentes remunerações. E justifiquei o voto emitido pela seguinte forma:
Não é justo nem equitativo que haja tão particulares e divergentes critérios quanto ao recrutamento, bem como ao montante e forma de remuneração.
Igualmente se impõe, a bem do prestígio da Administração, que o regime de acumulações seja regulado de harmonia com as condições sociais e políticas da hora presente.
Para mais, os que de longe vimos acompanhando a eclosão e desenvolvimento da Revolução Nacional sabemos que esse problema constituiu um dos anseios do movimento.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Na última intervenção sobre o caso tive oportunidade de afirmar o seguinte:
Ao estudar os elementos que pedi na anterior legislatura sobre o importante problema de comissários e delegados do Governo junto de empresas, bancos ou companhias comecei, não obstante a pouca, suficiência dos elementos colhidos nalguns departamentos, a encontrar-me em face de casos em que os dois problemas - o da representação do Governo junto de bancos, empresas e companhias e o das incompatibilidades e acumulações - mutuamente interferem.
E confesso que, em face do que já, se ia dizendo na opinião pública, a minha estranheza não foi grande.
Assim, a acrescentar ao problema dos comissários, delegados e administradores por parte do Estado nas várias empresas, bancos e companhias, surgem o das incompatibilidades e o das acumulações.
Os vencimentos daqueles, constituindo, geralmente (não sei até se em todos casos), encargo das companhias, assumem quantitativos bastante diversos, que podem escalonar-se (segundo os elementos que possuo) entre l.000$ e 13.600$.
Acrescidos, porém, da percentagem anual, em função dos lucros apurados (como acontece em muitos casos), tais vencimentos assumem quantitativos prodigiosos e injustificáveis moral e socialmente, não só do ponto de vista relativo como em absoluto.
Quanto às acumulações, o problema mais se agrava, não tanto pelo facto da acumulação, mas pelo aspecto de absorção que se vai verificando, ao que parece. em certos casos.
Pois bem, Sr. Presidente e Srs. Deputados, até hoje o País continua a aguardar que se tomem as providências necessárias sobre estes casos de comissários e delegados do Governo, incompatibilidades e acumulações.
E nem se pode dizer que as circunstâncias tenham mudado ou os factos se tenham atenuado com o decorrer do tempo.
Muito ao contrário, pois, ao que parece, maior vai sendo a concentração, que ameaça transformar-se em tentacular e absorvente plutocratização, o que é contrário aos princípios de ordem social quo inspiram o Estado Português o aos claros ensinamentos da Igreja.
Vozes: - Muito bem!
0 Orador: - Não se trata de condenar a riqueza, mas certos meios de a obter e o uso imoderado dessa mesma riqueza, por contrários tantas vezes à lei moral e à justiça social.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A consciência pública, o prestígio da governação e o interesse da colectividade continuam a reclamar o estudo e a atenção urgentes sobre tão importantes problemas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: do que deixo dito duas fundamentais conclusões podem tirar-se.
A primeira é que ficaram longe, muito longe mesmo, do que eu esperava, e pedira os elementos que me foram fornecidos.
A segunda conclusão é a do que não me foi possível ir mais longe na concretização das soluções para os problemas das incompatibilidades, das acumulações e do regime em que vivem (se algum regime jurídico existe digno desse nome) os delegados e comissários do Governo junto de bancos, outras empresas e companhias.
Mas ficou, julgo eu, bem evidenciado como se impõem a revisão cuidadosa e o estudo sério de tais problemas.
Seria curioso, por exemplo, averiguar do número de contribuintes do imposto complementar cobrado nas cidades de Lisboa e Porto, por um lado, e em relação ao resto do País, por outro, indicando-se a natureza e proveniência da matéria tributável sobre que incidiu esse imposto.
Que de casos tão diversos submetidos à mesma regra fiscal, em que igual incidência, recai sobre acumulações de receitas que traduzem onerações de trabalho verdadeiramente reais e indispensáveis à manutenção dos encargos da família e outras que vêm apenas por acréscimo ao muito que o indivíduo já tem.
E outros e outros casos que não valia a pena estar aqui a desfiar.
De resto, Sr. Presidente, não é essa já a função desta Câmara, limitada quase que exclusivamente (bem? mal?) à fiscalização da Administração. A sua, competência legislativa, é hoje de facto quase nula.
É, pois, ao Executivo que compete ordenar inquéritos, alguns até de natureza permanente, que o habilitem a corrigir males e desvios e a ter sempre actual a sua actividade do legislação e regulamentação.
Não basta mudar os princípios; é preciso criar e desenvolver os novos métodos para realização desses novos princípios.
Sr. Presidente: com o que deixei dito através das minhas intervenções sobre estes problemas julgo poder ter contribuído, repito, para tornar evidente a sua gravidade e a imperiosa e urgente necessidade do seu estudo e da sua resolução.
Tê-lo-ão compreendido esta Câmara, o Governo e o País, se puderam e quiseram ouvir-me.
Pelo caminho, porém, que as coisas têm levado, não voltarei ao assunto.
Para quê?
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: até há poucos dias permaneci alheio ao problema da siderurgia nacional, talvez por falta de tempo para o estudar em pormenor e, de certeza, pela convicção de que a outro poder do Estado, que não a nós Deputados, cabe adoptar a solução rápida, audaciosa e equilibrada que o País requer.
Entretanto, depois de passar algum tempo sobre a controvérsia, animada a que assistimos nesta Assembleia, a questão volta a ser posta através de intervenções de ilustres Deputados, entre as quais o engenheiro Calheiros Lopes e o Dr. Antão Santos da Cunha.
Elas forçam-me a algumas considerações de doutrina geral que, atrevo-me a supô-lo, merecerão acordo unânime ou quase unânime.
Primeiramente desejo exprimir o meu apreço pela manifestação de todas as aspirações regionais que em matéria de localização da siderurgia, foram apresentadas aqui.
A Assembleia Nacional, de natureza essencialmente política, é local próprio para essa espécie de manifestações. E elas são indiscutivelmente simpáticas enquanto se conservarem nos limites do pró e não invadirem as fronteiras do contra.
Noutros termos, estes de natureza constitucional:
Não somos Deputados pelo círculo ou distrito que nos elegeu, somos Deputados da Nação. Acima da demagogia fácil, que poderia levar-nos a excessos combativos na expressão regionalista. Iodos somos capastes de obedecer ao interesse nacional. Mal seria que, sem atendermos a esse interesse superior, puséssemos em luta o sul contra o norte, o oriente, contra o ocidente, o centro contra os extremos, a planície contra as montanhas, o Tejo contra o Douro ou o Sado contra o Leça.
Deputado eleito pelo circulo de Lisboa, mas, acima disso. Deputado da Nação, sigo com amizade carinhosa a defesa apaixonada que colegas doutras regiões aqui têm apresentado dos méritos das suas terras. Mas não poderia ver com agrado ofensivas contra outros distritos, tão portugueses e tão meritórios como aqueles.
Por exemplo: considero indiscutível que Leixões seja, graças à iniciativa e ao trabalho dos homens, o melhor porto artificial do continente português. Mas já não posso aceitar que se desdenhe e se coloque em situação de inferioridade relativa, quanto à capacidade de trânsito e a facilidade de acesso, o velho estuário do Tejo. Até porque ele constitui demonstrarão simbólica de que a obra de Deus nosso Senhor vale muito mais do que as obras dos homens.
Aspirações regionais todos as temos. Mas até onde devemos manifestá-las?
Felizmente ainda não ouvimos os Srs. Deputados por Leiria proclamarem a necessidade de se continuar, nas Caldas da Rainha, através da siderurgia, a tradição dos altos fornos doutra espécie que Bordalo Pinheiro ali fez instalar. Nem nos consta que os eleitos por Santarém pugnem porque a indústria do aço se situe na terra do alfageme histórico que Herculano tornou célebre. Nem os do Algarve, apesar de aquele velho reino estar prestes a necessitar de «cortina de ferro» ao longo das suas costas, se a situação no Norte de África continuar no rumo que está levando. Nem os do Alentejo, por virtude da sua riqueza em minério e dos seus problemas de abundância de mão-de-obra. Nem os do verde e ridente Minho, decerto pêlos motivos que um dos seus mais ilustres representantes me explicou. Num até os de Lisboa, apesar de, ser o maior centro de consumo de aços. Nem os de Trás-os-Montes, vista a sua abundância em minérios de ferro.
Tudo isto para dizer que postas, como furam, algumas aspirações regionais, não há que insistir demasiadamente nelas, isto é, que estabelecer combate contra elas ou entre elas.
A execução do Plano de Fomento, aprovado em linhas gerais pela Assembleia Nacional, cabe inteiramente ao Governo, representado pelo Conselho Económico. Entendo que devemos deixá-lo trabalhar, sem que lhe provoquemos perdas de tempo.
Por consequência, há que evitar imiscuir-nos em pormenores técnicos que se acham fora da competência duma assembleia política. Entendo que devemos facilitar, e não dificultar, a acção do Governo. A Administração possui os órgãos técnicos indispensáveis ao estudo completo do problema. Está provado que os consultou. Suponho que alguns, como o Conselho Superior de Electricidade e o Conselho Superior de Minas, já concluíram os seus pareceres. Sabe-se que outros, como o Conselho Superior da Indústria, estão prestes a apresentar os seus.
É natural, e até útil, que nem todos estes pareceres estejam de acordo entre si, porque o progresso técnico c económico da grei baseia-se na insatisfação, na divergência de opiniões e no estudo a que obrigam os visados.
Existe, além disso, uma entidade que, depois de apresentar o seu projecto, aguarda os acontecimentos e com elegância, tem permanecido silenciosa: a empresa privada que vai investir na realização da siderurgia capital da ordem de 1 300 000 contos.
A propósito recordo a opinião desinteressada, mas bem fundamentada, de um ilustre Deputado: não serão de respeitar e considerar os estudos e as opiniões da entidade que vai aplicar capitais importantíssimos e correr todos os riscos de uma iniciativa ousada, brilhante e útil à Nação?
Se uma assembleia política abandonar o campo das ideias gerais e invadir a técnica, não tardará que um médico de nomeada esteja a cronometrar leitos de fusão ou um engenheiro emérito, sujeito com muitos predicados, fique ao pulso dos doentes, debruçado sobre leitos de hospital.
Ora, no campo justo das ideias gerais, julgo que nesta Assembleia já se disse o bastante, que pode resumir-se da maneira seguinte:
1.º Ainda estamos longe de ser um país rico. Temos de aproveitar ao máximo todos os recursos nacionais. Não devemos desperdiçar tempo nem energias se quisermos realizar esse aproveitamento;
2.º A concepção de uma indústria nova deve efectuar-se com largueza de vistas, não na ordem de grandeza do consumo presente, mas na previsão do futuro;
3.º A luta com a concorrência estrangeira determina a obrigatoriedade de procurar todas as formas legítimas de barateamento da produção, tais como instalações de unidades fabris da maior capacidade possível; localização económica, quer do ponto de vista de valor de 1.º estabelecimento, quer em transportes de matérias-primas e produtos manufacturados; processos técnicos que assegurem continuidade de laboração a plena carga, isto é, para os quais se ache garantida energia e ou combustível;
4.º Quando se trate de indústria base, como a siderurgia, de que vão depender, em maior ou menor grau, todas as restantes indústrias portuguesas, mais necessário se torna o escrúpulo de não a onerar com encargos provenientes de má localização ou de fraccionamento escusado de instalações. Devemos
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buscar condições de produção tão aproximadas quanto possível da concorrência estrangeira.
O nosso distinto colega Dr. Mário de Albuquerque recordou aqui os clamores que no passado, de há cinquenta anos para cá, se tem levantado em redor da indústria siderúrgica sempre que alguém tenta instalá-la em Portugal. Clamores tais que obrigaram os interessados a desistir.
Felizmente, neste caso, a história não se repetirá. Estou certo de que o Conselho Económico e o Ministro da Economia, que com tão grande dinamismo e tão louvável proficiência têm sabido enfrentar e resolver todos os obstáculos inerentes à execução do Plano de Fomento, também neste sector merecerão a confiança geral.
Aproveito a oportunidade de me encontrar no uso da palavra para, seguindo a norma de isenção e de respeito pelo interesse nacional que sempre tem distinguido esta Assembleia, abordar outro problema de execução do Plano de Fomento. Faço-o apresentando ao Governo as felicitações mais calorosas pelo facto de ter aprovado anteontem, com justiça perfeita, o projecto técnico, económico e financeiro que lhe foi apresentado pelo Amoníaco Português.
Tal resolução permitirá, não só o fabrico de amoníaco e de sulfato de amónio a partir de hidrogénio químico, com custo de produção muito inferior ao actual, mas também o aproveitamento completo das instalações de Estarreja e aumento importante e seguro das quantidades ali fabricadas. Ganha o trabalho nacional, aumenta a poupança de divisas e beneficia a lavoura.
Ao pronunciar estas palavras de louvor ao Governo peço licença para esclarecer três coisas: primeira, não tenho a honra, de ser Deputado pelo Norte; segunda, o distrito de Lisboa, que me elegeu, foi prejudicado, quanto à prioridade, pela resolução oficial; terceira e ultima, o problema de produção e abastecimento do País em adubos azotados não ficou resolvido totalmente, pois ainda a não se chegou à solução de conjunto e de equilíbrio que era de prever. Mas o passo agora dado já foi grande, porque revela a compreensão, por parte do Governo, da urgência e indispensabilidade desta solução completa, que, estou certo, não tardará.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa um ofício do 7.º juízo correccional de Lisboa pedindo autorização à Assembleia, para o Sr. Deputado Mendes Correia poder ser ouvido como testemunha de defesa no dia 21 do corrente.
Informo a Câmara de que o Sr. Deputado Mendes Correia vê inconveniente para a sua actuação parlamentar em que seja concedida tal autorização.
Consulto, pois, a Assembleia a tal respeito.
Consultada a Assembleia, foi recusada a autorização.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à ordem do dia, a qual, como VV. Exas. sabem, é constituída pela efectivação do aviso prévio do Sr. Deputado Nunes Mexia sobre a questão das carnes.
Tem, pois, a palavra, para efectivar o seu aviso prévio, o Sr. Deputado Nunes Mexia.
O Sr. Nunes Mexia: - Sr. Presidente: tenho vivido intensamente o nosso problema das carnes e seus derivados, quer como produtor e consumidor, quer como convidado, desde há muitos anos aos conselhos técnicos da secção de carnes da junta Nacional dos Produtos Pecuários. Assim explico a escolha do assunto e a conveniência da sua oportunidade.
Nestes conselhos, e atendendo ao seu poder informativo total, porque neles estão representadas todas as actividades intervenientes, tenho sentido a justiça do clamor geral da insatisfação, a dificuldade c o custo de soluções e o defeito destas, quando, procurando resolver apenas dificuldades de momento, nos deixam sempre aberto o caminho a novas e mais caras intervenções.
Tenho de ter, assim, a noção plena de que de facto existe um problema, que este tende, não para uma solução, mas para um agravamento, e que, portanto, valera a pena procurar trazê-lo à discussão, ao exame, tão completo quanto possível, das suas causas e defeitos, de forma que pela observação cuidadosa de uma e outros se possam estudar soluções que o permitam encaminhar para melhor arrumo, a bem da economia nacional.
Compreendo que esse exame terá de ser feito pondo de parte ideias preconcebidas, falsos fatalismos e posições em que, acima de tudo, predomine o egoísmo, com o pensamento de que há sempre uma posição justa, quando se parta do princípio de que somos estruturalmente um todo, que tem de viver o melhor possível dentro das condições naturais ou melhoradas do que é nosso, que nele não há, de facto, fronteiras indiscutíveis ou possíveis de determinar, mas uma verdadeira interdependência, sujeita embora esta à justa consideração e respeito por aquilo que a cada um pertence dentro do conjunto nacional.
Defino assim a razão deste aviso prévio e a sua orientação e consciente das suas dificuldades e da sua responsabilidade, com o sincero desejo de que ele seja útil e não seja, portanto, perdido o tempo que vos venho tomar.
Não há dúvida de que temos um problema quando se constata a justiça da insatisfação dos vários sectores interessados, as dificuldades em as satisfazer e o preço que têm custado as soluções apresentadas como possíveis para resolução de crises.
Vivemos, quanto ao abastecimento de carnes e seus derivados, épocas alternadas de sobras o de carência, e a sua correcção em remédios internos, ou pelo recurso ao mercado internacional, traduz-se sempre por custoso investimento.
Passando para além do custo total do que importamos, para nos fixarmos apenas na cobertura do diferencial de preços entre aquele mercado e o nosso, verificamos que no geral perdemos quando importamos e voltamos a perder quando exportamos.
Temos, pois, uma correcção sem compensarão possível e, seja qual for o fundo ou o organismo que suporte este prejuízo, é sempre a economia nacional, no seu conjunto interdependente, que o perde, a favor de economias estranhas a contra o seu investimento útil no País.
O prémio de produção assim dado vai premiar directamente aquelas economias sem fomentar a nossa, que é afinal quem a paga, tanta vez até à custa das suas condições de produção, que encarece na medida em que agrava custos de transporte, e outros, e assim tira por um lado o que dá pelo outro, mantendo uma situação de ilusão de preços e de falsa realidade que, se se explicava quando a um momento dado, há muito fui ultrapassada pelas maiores conveniências, da Nação em política de verdade e de projecção no futuro.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Mas mais nos temos de convencer da existência desse problema quando, ouvindo as queixas procurando compreendê-las, temos de confessar que a situação presente não satisfaz o consumidor, a indústria e o comércio e a produção. Não satisfaz o consumidor pela falta de garantia de abastecimento, pela qualidade e pelo preço em função dessa qualidade.
Não satisfaz a indústria e o comércio pela mesma razão de falta de sequência de abastecimento e pela qualidade da matéria-prima que lhe não permite acção sequente e conquista de mercados externos.
Não satisfaz a produção porque lhe não dá o preço justo, lhe não garante a absorção, quando tem para entregar, nas melhores condições, não tem preço que lhe permita fugir das entregas maciças, que rebaixam o valor, nem estímulo para produzir de melhor qualidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Temos assim à vista algumas realidades do problema que nos cumpre procurar resolver e que se podem traduzir por estas afirmações:
Não podemos contar com a sua solução normal pela importação, porque de fora vem o que precisamos a preços bastante mais altos do que os nossos.
Não podemos contar com a cura para as nossas crises de abundância pela exportação, porque a qualidade do que exportamos não tem, no geral, categoria para o mercado internacional, e é, assim, acima do seu valor naquele mercado.
Convirá, no entanto, explicar a razão desta situação. É que nós somos sobretudo deficitários do melhor, o que tem naquele mercado valorização de categoria, quando no nosso mercado interno os preços são quase nivelados ou pouco diferenciados.
Temos assim pouco valorizado os gados e as peças de eleição destes e muito as de refugo ou menos apetecidas.
Perante esta realidade, toda a intervenção se tem limitado a cobrir a diferença de valores entre o mercado externo e as nossas tabelas, sem projecção construtiva no sentido de evitar iguais intervenções para o futuro, antes mantendo a sua necessidade, visto que praticamente nada influi na questão do fundo, e a atenuar crises internas de ocasião, sem da mesma forma procurar evitar a sua repetição.
Para se ter uma ideia do custo dessas intervenções convirá fixar aqui alguns números:
De 1946 a 1954, em nove anos, pois, importámos carnes e derivados no valor de 544 200 contos, ou seja um valor médio anual do cerca de 60 000 contos.
Aos preços das nossas tabelas, renderam essa carne e esses produtos, em números redondos. 292 000 contos e foi coberta pelo Fundo de Abastecimento a diferença entre o preço interno e o externo, no valor aproximado de 152 000 contos, o que representa um bónus médio anual a favor de economias entranhas de cerca de 17 000 contos.
Em custo de intervenção por estes nove anos podemos considerar em milhares de contos o que despendemos, considerando apenas o que, traduz nivelamento para preços internos e regularização do mercado interno suportado pelo Fundo de Abastecimento, o seguinte:
Prejuízo na importação............................ 152 000
Prejuízo no mercado interno de gorduras.......... 168 000
Prejuízo no mercado em diferencial de milho...... 50 000
Prejuízo no mercado interno de carnes............ 7 000
Prejuízo no mercado interno de manteiga.......... 6 000
383 000
ou seja uma média anual de cerca de 43 000 contos.
Não posso, evidentemente, ignorar a necessidade de intervenção quando esta se destina a abastecer o País em época de crise ou a compensar desníveis entre poder de compra e custo de produção.
Nau posso, contudo, deixar de afirmar aqui que menos teríamos perdido se outra tivesse sido a nossa política económica durante a guerra, em que felizmente ficámos neutrais.
Como durante esses anos era absolutamente impossível falar em fomento, o seu termo veio-nos encontrar praticamente cm carência absoluta, pois que mais não fizéramos durante cies do que dividir o que tínhamos, sem a preocupação de criar.
Feita esta pequena nota, com a intenção de significar que convém do passado tirar a lição para o futuro, outra conclusão se impou tirar dos números apontados.
É que, limitada a intervenção ao caso presente e sem influir na modificação de condições para o futuro, com o significado único de defender e manter o que está, conduz infalivelmente à repetição das mesmas intervenções. Como demonstração, aí temos este ano de novo o País desabastecido de gorduras de carne e de novo a necessidade de diferencial no milho para a sua produção.
A este aspecto se limitam as minhas críticas, com uma afirmação. Se tivermos a mesma vontade de investir para uma modificação que tivemos para a conservação do estado actual, a intervenção tem de tender para menor necessidade dela, enquanto assim há-de forçosamente ser cada vez maior, tanto mais que para a inteira justiça de uma intervenção poucos dados concretos possuímos.
Não fizemos o estudo do custo de produção dos nossos gados. Temos, assim, apenas bases comparativas com valores em anos teoricamente considerados como normais.
Não procuramos influir na criação do forma que esta se adapte às necessidades do consumo e suas preferências, nem praticamente estudamos maneira de produzir melhor ou de nos aproximarmos daquelas condições de defesa que viriam nos nossos problemas pela aproximação dos conceitos mundiais. E dentro destas condições estaremos dentro de pouco quase sós.
E em tudo isto bem útil seria o investimento. Ele serviria para corrigir desníveis de preços de produção para as possibilidades de consumo pelo prémio de qualidade, incentivo indispensável se quisermos arrancar do estado actual.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É hoje doutrina assente e aceite por todos os economistas a impossibilidade da ausência de interferência do Estado no encaminhar de todos estes problemas. A ele compete definir o que se há-de produzir, regular os preços, a partir dos custos de produção, garantir esses preços: o Estado, pois, orientador da economia geral para o bem comum, com planos de produção cuidadosamente estudados; o Estado juiz imparciall no conjunto nacional
A produção pertencerá então, firmada nesta certeza, melhorar cada vez mais a qualidade e o preço de produção, pela selecção dos seus gados, para melhor aproveitamento das forragens e rendimento útil. Melhoramento por selecção, para melhor índice de transformação e melhor qualidade de carne.
A Inglaterra ainda não há muito - e ali a população interessada na produção agrícola é de cerca de 7 por cento, contra os nossos 65 por cento - fez o seu plano de fomento de criação pecuária com garantia de preços por cinco anos, preços a modificar apenas em função do custo das forragens, e instituiu prémios de
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qualidade, para influir na melhoria deles, de forma a concorrer com o que de fora lhe vinha.
Garantias e prémios vão sendo revistos em função dos resultados obtidos, tendendo assim para a sua extinção.
Em muitos países já se mio permite a considerarão de reprodutores senão a animais controlados nas suas qualidades transmissoras pelo contrôle da sua descendência, impondo assim o necessário melhoramento do seu armentio.
Entre nós, quanto a selecção, ensaiamos apenas os primeiros passos. Injusto seria só aqui não deixasse consignada a minha gratidão de criador aos Srs. Director-Geral dos Serviços Pecuários e Presidente da Junta Nacional dos Produtos Pecuários e respectivos serviços, que, remando embora contra a maré, em ambiente em tudo são dificuldades, muito têm já desbravado do caminho a seguir, com perfeita compreensão e conjugação de esforços, permitindo assim que alguns anos se tenham ganho, para quando nos decidirmos a trilhar esse verdadeiro caminho.
Tudo isto leva anos. Já temos, contudo, mercê do que se tem feito, alguns técnicos preparados para essa marcha sobre o futuro. Bem visíveis são os resultados obtidos quanto a melhoramento de lãs.
E com este apontamento passo adiante.
A confirmar a existência de um problema e a necessidade de o resolver vem agora o notável despacho do Ministério da Economia de 18 de Novembro dar-lhe o reconhecimento oficial e abrir a porta para uma nova orientação, que Deus permita nos leve ao fim que temos de atingir.
Aqui lhe deixo também o meu público reconhecimento, cheio de fé em que não fique apenas como simples enunciado de princípios.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se o pensamento da necessidade, de um aviso prévio sobre este problema das carnes e seus derivados andava há muito no meu espírito, poderia agora pensar que a publicação do despacho a que me refiro o tornaria de todo desnecessário.
Julgo, porém, que, mesmo assim, ele valerá a pena, pois que nunca será de mais reforçar uma acção útil. O que me sinto agora é em boa companhia e mais crente até da sua necessidade.
Pretendendo manter-me dentro das directrizes que marquei a este aviso prévio, julgo necessário primeiro que tudo pôr a claro as causas da situação presente o problema. O que nele tem decisiva influência. Procurarei a seguir focar o que em minha consciência teremos de modificar em condições do meio de trabalho e de conceitos para tender pura uma melhor solução.
O nosso problema de carnes é estruturalmente influenciado por condições naturais do meio, pela acção das tabelas, por hábitos de vida e possibilidade de pagamento.
Das condições naturais do meio, e bem o definindo, disse o Sr. Presidente do Conselho que era bom para nele se viver, mas mau para nele se trabalhar. Temos muito sol e pouca ou muita água, sobretudo má distribuição desta pelo ano fora.
Destas condições vêm um baixo índice de produtividade, uns períodos muito curtos de abundância de pastagens naturais, assim um prazo restrito no qual se somam as melhores condições de abate dos nossos gados. Para além dele entram estes no emagrecimento, em perda de qualidades e valor que já tiveram, ou no encarecimento pelo fornecimento de rabões que estão fora da sua equivalência para o valor da carne.
Este clima ou condição natural do meio influiu decididamente na qualidade dos nossos gados, que foram levados à selecção no sentido da rusticidade, pelo poder de resistir à fome, com prejuízo da qualidade da carne, de precocidade e de todas as qualidades que estarão na base do seu rendimento.
Esta é a característica dominante do meio, que, embora estendido ao alto ao lado do Atlântico, apesar da variação do clima derivado desta situação geográfica, se não diferencia suficientemente para influir no problema.
Quanto à influência da acção das tabelam, arção do Governo, assente a sua uniformidade através do ano, não pode deixar de ser concorrente ao agravamento das condições do meio, visto que, não variando na razão do desvio do melhor estado dos gados, ou da sua engorda mais barata, nada influi na sua melhor distribuição em tempo.
É certo que há alguns anos tem procurado o Grémio dos Comerciantes do Carnes de Lisboa, por razões do defesa própria, influir nesta situação quanto ao abastecimento da capital, pagando à produção os gados mais caros na altura da carência. Acção puramente ocasional, sem determinação conhecida de época de incidência, se tem tido o condão de trazer a Lisboa uns restos do que ficou da época de abundância, pela maior apetência de preços sobre outros mercados, não influi no problema de forma estável. É ainda uma operação de autocompensação, visto que se procura equilibrar com o menor preço pago aias épocas de fartura.
O Sr. Melo Machado:- Pode V. Ex.ª esclarecer porque é que Lisboa come, normalmente, a pior carne do País, mas pagando-a mais cara?
O Orador: - Em certo momento influía no problema a questão de seguros, mas há também a questão da dificuldade de transportes e há um mercado que marca sempre uma tendência de qualidade - como é o Porto -, que estabelecia automaticamente, preços de categoria conforme a qualidade. Logo, é uma grande zona que manda para Lisboa o que tem de pior.
Era aqui que estava mais concentrado o serviço de seguros de reses, de modo que havia tendência para que a compensação de seguros desse uma certa indemnização às cabeças duvidosas que vinham para Lisboa.
E assim conduz a este contra-senso: valer o gado mais quando era piores condições está para abater, quando se deixou perder já muitos quilogramas de carne que já tínhamos.
Sem ordenamento conveniente nada influi na economia geral da nossa pecuária nem traz ajuda ao problema geral.
A outra causa que influi no problema é o hábito da alimentação de muitas das nossas populações. Comem muito pão e pouca carne e leite, o que tem de ler o seu reflexo na capitação e na estabilidade, de um mercado de carnes.
Deixarei para mais adiante, a questão do poder de compra. Focadas assim, embora ligeiramente, as razões que estão na base do nosso problema de carnes e seus derivados, vejamos agora o que já temos como dados positivos para a sua cura.
Não há dúvida de que as obras de hidráulica agrícola já concluídas e as em curso, quer nacionais ou particulares, vêm trazer uma possibilidade de modificação bem sensível do meio pelo aumento pelo regadio e, assim, das nossas disponibilidades em forragem e melhor distribuição destas no tempo.
Mas entramos aqui no campo do artificial, que se tem de pagar a si próprio, e, assim, só influirá na medida em que no que se pretende produzir se possa in
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corporar o valor da sua amortização, a justa jorna somada ao interesse económico da exploração.
E assim nos voltamos a encontrar perante o dilema do preço diferenciado entre o que menos custa e o mais custoso, e, portanto, do preço a partir do custo de produção variável.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As obras de hidráulica agrícola só influirão no problema na rã razão em que, soubermos dar-lhe finalidade economica dentro deste pensamento, como também só serão úteis e convenientemente aproveitáveis se, levarem a um aumento do nosso armentio, para que este lhe devolva a matéria orgânica indispensável ao seu poder produtivo, e se influírem no aumento do poder geral de pagamento. E assim caímos na consideração da interdependência da produção agrícola, de que tanta vez nos esquecemos, criando problemas de saturação de alguns produtos, não evitando a carência de outros, porque se não considerou um plano geral de produção que leve automaticamente a conveniente aproveitamento das nossas possibilidades em terra, água e mão-de-obra para resoluções totais.
Quanto à acção do Estado para a modificação das suas causas, o despacho do Ministério da Economia a que já me referi abre-nos, finalmente, o bom caminho e representa uma revolução no nosso conceito de preços e valor de qualidade.
Abre-o tão completamente que não deixa de prever o investimento necessário para o defender, visto que encara o preço a partir do custo de produção, prémios de qualidade e ajustamento às condições do mercado e do consumo, condições que lhe dão bem o significado de investimento de transformação para melhor futuro.
Sr. Presidente: ao fazer perante V. Ex.ª este aviso prévio, pretendo tratar o problema para além do seu significado do melhor ou do maior apetência, para o considerar essencialmente, no seu conjunto, como fonte das proteínas indispensáveis para uma alimentação conveniente das nossas gentes. E essas proteínas temos de ir buscá-las aos nossos gados, na sua generalidade, e dentro das condições das nossas possibilidades de produção. Esta me parece a primeira fase da questão geral.
A preocupação do melhor está inteiramente ligada ao melhor e mais geral poder de compra. Isso é uma segunda fase. uma segunda meta a atingir, que é necessário conseguir.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Posto o problema, assim, ocorre pergunta se seremos de facto fatalmente deficitários quanto a essas bases de proteínas ou se o seremos apenas quanto às suas fontes de maior apetência. Se poderemos resolver o nosso problema quanto a essa base, pela mobilização completa das nossas possibilidades, por melhor distribuição no tempo, pelo aproveitamento completo e consciente das nossas disponibilidades forraginosas.
É que quando se fala em carne pensa-se muita vez apenas em carne de vaca.
Deixando por agora fora da observação a quota que nos fornecem ou podem fornecer as espécies pequenas, como aves, caça, etc., vejamos o nosso problema quanto às chamadas espécies de talho, ou sejam: o bovino adulto e adolescente, os ovinos, os caprinos, os equídeos e os suínos, aceitando aqui o significado corrente, à divisão entre ovinos e caprinos.
Vejamos pois as respectivas posições de intervenção, anual e mensal, pela observação do que se passou nos últimos cinco anos, 1950 - 1954, que, pelo seu afastamento dos efeitos da guerra, podemos considerar com a devida impressão de normalidade.
Apontarei ainda, para esclarecimento que reputo necessário, a média mensal, com a discriminação dos meses em que a matança foi abaixo ou acima dela, para se poder localizar a incidência no tempo, assim como as suas pontas máximas e mínimas de presença.
Quanto ao gado bovino adulto, considerado em números redondos para maior facilidade, a posição marcada foi a seguinte:
"Ver tabela na Imagem"
Partindo da frequência com a qual os meses nos aparecem na respectiva posição, estudando mais profundamente aqueles em que a matança foi próximo da média ou desta muito distanciada, o que não faço agora para fugir a uma exagerada extensão, era já fácil estabelecer uma curva de sobra ou de carência para essa média e, assim, definir uma política de preços de correcção ou de compensação. Como, contudo, o bovino adolescente tem no conjunto uma posição importante, vejamos como ele se comporta dentro da mesma orientação:
"Ver tabela na Imagem"
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É fácil verificar, assim, que a quota trazida ao consumo público pelo bovino adolescente não modifica o quadro geral, antes se lhe sobrepõe, e que, quanto ao abastecimento de carne desta espécie, se pode desde já, confirmando o que a prática demonstra e a venda efectiva nas feiras confirma, dividir o ano em períodos de abastecimento regular, de carência e de sobra, partindo do conceito do consumo efectivo, e não do teoricamente desejável.
Mas, mesmo nos períodos de maior abate, há sempre consumo para, as peças mais apetecidas, ficando nos talhos as outras, impedindo que nova rês lhe seja distribuída, peças que são muitas vezes vendidas abaixo do seu preço de tabela, sem louvor ou desconto nos auto, pela venda das outras acima dela.
Não louvo a acção, mas reconheço-a e não hesito em a filiar na má equivalência do valor respectivo. Para que se não diga que a carne subiu, em tendência do equilíbrio se promoveu muita vez à categoria ou classificação superior, e, portanto, em preço, o que menos vale e menos procura tem agravando, assim o mal.
Os quadros de distribuição pelo ano a que atrás me referi são ainda influenciados na sua expressão pela vinda do gado dos Açores, que nos entrega um contigente bem apreciável, sobretudo quando se compara com os de Angola e Moçambique, que bem reduzidos têm sido ultimamente e bem longe estão da comparticipação que nos podem e devem vir trazer para a resolução do nosso problema.
Mas, se não é possível assim a distância localizar as entregas dos Açores e separá-las do conjunto, para melhor apreciação do fenómeno continental, convirá, contudo, focar aqui, pela sua importância, e possibilidades, que podem evidentemente vir a ser muito maiores quando, pelo incentivo do preço da carne, não sacrifique tanto gado adolescente, melhore a qualidade da carne e se facilite a sua vinda pela instalação de matadouros e frigoríficos convenientes, o que sei estar em andamento.
Dos Açores vieram as seguintes quantidades:
"Ver tabela na Imagem"
e não há muito os Açores nos acudiram com larga contribuição - 1500 bois em Dezembro.
Angola, ao contrário dos Açores, vai diminuindo a sua ajuda e há dois anos que está ausente ou quase.
De lá vieram as seguintes quantidades:
Em 1950, 4689 cabeças, com 643 500 kg.
Em 1951, 2291 cabeças, com 411 500 kg.
Em 1952, 1644 cabeças, com 315 000 kg.
O Sr. André Navarro: - V. Ex.ª dá-me licença? Pode V. Ex.ª informar-me se a diminuição do fornecimento de carne de Angola à metrópole é consequência da própria diminuição da produção ou do aumento do consumo interno?
O Orador: - Tenho a impressão de que, quanto a Moçambique, se pode atribuir essa diminuição a um aumento do consumo interno.
Quanto a Angola, houve, efectivamente, um surto epidémico, que se mantém e que fez diminuir a produção, mas praticamente não teve qualquer influência nela.
Em 1953 foi comunicada a suspensão dos embarques, em virtude da existência de um foco de febre aftosa.
Só em Junho de 1954 foi temporariamente consentida nova vinda, de bois dali, pelo embarque de 699, mas já em Setembro do mesmo ano foi de novo suspensa, e essa situação mantinha-se em Julho de 1955, com o mesmo fundamento.
O Sr. Abrantes Tavares: - Quanto aos embarques de gado de Angola para o continente, eles não podem dar uma contribuição substancial, porque o gado é transportado vivo nos navios, gado esse que tem de vir da zona sul do Angola, e isto implica um grande encarecimento.
Por outro lado, a criação em Angola, feita por europeus é pequena. O maior número pertence aos indígenas, sobretudo aos da zona sul, mas esses não criam para vender, pois o boi representa para eles um índice de riqueza, só o vendendo em ocasiões de seca ou para pagarem impostos.
Quando lá se criar um matadouro para o aproveitamento de peças de carne limpa, evidentemente isso levará a uma melhoria de situação.
Por outro lado, acresce a circunstância de que nenhuma companhia vai meter bois dentro de navios novos; esse transporte tem de fazer-se em navios velhos, que, consequentemente gastam muito tempo na viagem.
O Orador: - De Moçambique recebemos também as seguintes quantidades de carne congelada:
1951----110t
1952----139t
1953----322t
Não tem sido importante, como se vê, a contribuição dada pelas nossas províncias de África ao problema das carnes.
Tenhamos esperança de que o seu necessário desenvolvimento, uma campanha séria de sanidade pecuária e a instalação em Angola dos indispensáveis apetrechamentos de frigorificação nos tragam em breve dali a colaboração que em unidade imperial temos todas as razões para esperar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas a quota, que o gado bovino traz ao abastecimento público, dentro da preocupação que por enquanto tem de haver, dentro da nossa realidade, de conseguir o necessário, aproveitando todas as fontes de produção, não pode ser observada isoladamente.
Teremos de ver assim o que a outras espécies de talho podemos ir buscar e a sua distribuição no tempo, para verificar a sua concorrência nos defeitos do problema geral ou quota na solução das faltas.
O Sr. Abrantes Tavares: - Sabemos que a afluência de gado ao matadouro de Lisboa se dá na 2.ª quinzena de Maio. Simplesmente, Lisboa não tem um matadouro frigorifico onde pudesse guardar a carne para os meses seguintes, quando não existe a afluência da oferta.
Segundo um estudo do Dr. Geraldes - e que V. Ex.ª certamente conhece -, classificam-se as crises em anuais, depois uma crise na época em que se consome mais peixe e quando começa o Inverno tem de se recorrer às regiões da Beira e Aveiro.
Mas há também as crises de quatro em quatro anos. Quando estamos, no máximo da oferta, baixa o preço e começam-se a matar vitelas; quatro anos depois estamos numa oferta mínima; quatro anos depois voltamos ao mesmo estado.
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O Orador: - V. Ex.ª lembra-se de que houve anos em que chegou a haver dois meses de atraso no pedido de gado e foi preciso criar correntes de matança dupla.
O Sr. Abrantes Tavares: - Um dos hábitos da marchantaria dos arredores de Lisboa é comprar no período da baixa do gado, ter este no pasto, e quando da época de crise vem com o gado para o mercado.
O Orador: - Não há dúvida; isso é uma das consequências de a produção vir toda em período curto, e quando não tem matança possível é vendida por qualquer preço.
Fazendo o estudo do que se passou nos últimos cinco anos a que me prendo, tal como fiz com o bovino, encontro na matança controlada os seguintes números quanto a ovinos:
(ver quadro em imagem)
Média = 956 000 cabeças, com 9 400 000 Kg.
Fazendo o estudo da sua distribuição pelo ano, é fácil constatar o absoluto paralelismo com o que se passa com o gado bovino. Obedecendo às condições ditadas, pelo meio e pelo preço igual através do ano, coincidem as suas pontas de maior ou menor entrega justamente nos meses em que o mesmo acontece àquele gado. Soma, portanto, defeitos e não é correctivo para a má distribuição de carnes através do ano. Assim, em 1950 os meses de menos matança foram, por ordem crescente, Janeiro, com metade da média mensal, Fevereiro, Novembro e Dezembro; a ponta baixa, portanto, em Janeiro. 0s meses de matança para além da média foram Março, Abril, Maio, Junho, Julho e Agosto, com a ponta em Março, e só aí se distanciou do gado bovino.
Em 1951 o mês de menos matança foi Dezembro, mês de ponta, seguido com pouca diferença dos de Janeiro e Fevereiro. Os meses altos foram Maio, Junho, Julho e Agosto, com a ponta em Junho.
1952 volta a acusar a ponta mínima em Janeiro, com meses abaixo da média em Fevereiro, Outubro, Novembro e Dezembro, com a ponta alta em Maio, e meses para além da média Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto e Setembro.
A observação dos anos de 1953 e 1954 de igual forma isso não mostra, com as suas pontas mínimas e máximas, respectivamente, em Janeiro e Junho, coincidindo, portanto, a falta com a falta de carne fornecida pelo gado bovino e a sobra já em período de abastecimento regular daquela. Coincide a relativa abundância de carnes desta espécie com os meses de ponta alta daquela.
Como no gado bovino, correspondem aqui os meses de maior oferta em curto prazo a uma quebra do valor dos gados nas feiras, a um falseamento dos índices de valor, pois, embora toda a segurança que a quota de 50 por cento das matanças em Lisboa, reservada à lavoura, podia parecer trazer ao problema, tal não acontece, visto o retardar da entrega pela sobra de matança obrigar a reter em pastagem a outros fins destinada uma massa de gados que estragam pastagem, perdem peso, e que não paga, na relação forragens-valor de carne, manutenção rendosa para além desse período...
Concorrem portanto, as duas espécies nos períodos de mais abundância e não se substituem nos períodos de falta.
Houve a esperança de que, montado o novo frigorífico em Lídima, o assunto viesse a ter o seu arrumo natural. Não se lhe nega larga participação no atenuar das crises, mas o problema, continua em aberto, tanto mais que, em face das despesas de congelação e retenção, o gado continua a comer, perante um preço que se não altera em função dos encargos.
Novo investimento, necessário, pois, e um pura perda, visto a retenção não ter a contrapartida de um aumento de valor ou de reposição. Um puro sacrifício a um artificialismo de preços e à manutenção das razões do próprio problema em si.
A congelação não evita também a saturação de miudezas em certas épocas, e, assim, da mesma, forma, ainda que indirectamente, ataca todo o sistema.
O Sr. Melo Machado: - Em todo o caso, a adopção do sistema de frigoríficos parece que já é uma compensação para o gado não ficar nas pastagens em más condições; e, portanto, já é um benefício.
O Orador: - Perfeitamente de acordo; mas isso deve ser considerado como um processo de nivelamento, e não como um descanso absoluto. Não leva a aumento de produção, mas apenas evita a perda do que já havia.
Em 1952 os encargos de congelação suportados pelo Fundo de Abastecimento foram de 561.259$ quanto a ovinos e em 1951 pagou o mesmo Fundo de despesa de congelação de carnes nacionais 2:163.700$.
Não foram grandes as verbas, pois que de verdadeiro período experimental se tratava, nem havia maneira, de maior extensão se lhe dar então. Fica como ponto de observação para um alargamento de acção neste campo. Uma possibilidade sempre de largo investimento em pura perda, pois que não fomenta a economia da nossa pecuária; só a defende em parte de crises agudas; nada modifica nas causas dessas crises.
A observação assim desapaixonada do que se passa com estas duas espécies pecuárias na sua concorrência ao abastecimento público põe bem patente a sua má distribuição através do ano - uma das causas do problema, e daí uma razão para o descontentamento do consumidor, do comércio, da indústria e da produção.
Antes, porém, de passar adianta uma ligeira consideração, que vem da observação dos números.
quanto a ovinos, para uma população que aumenta, a quota de carnes mantém-se praticamente constante. Assim se vai distanciando das necessidades. Um problema que se complica, pois.
Quanto aos bovinos, acusam os números um ligeiro aumento de oferta dos adultos e grande aumento na dos adolescentes.
O aumento daqueles não corresponde, perante os dados estatísticos, a um aumento real de fontes de produção. Traduz, sim, o desfazer dessas fontes, pela quebra de valor em perda quanto ao boi para trabalho. O aumento dos adolescentes tem a mesma razão na quebra daquele valor e no da descrença de valer a pena levar a criação mais adiante. É uma matança de inocentes ou de fontes de produção que há-de dentro de pouco reflectir-se em curva descendente na oferta de adultos. E este é outro dado grave do problema.
Conjugando ainda o resultado da análise dos números de matança mensal com o valor realizado nas feiras como significado da falta ou sobra para aquela matança temos de confirmar a nossa afirmação.
Ditam as condições naturais do meio e a política de preços constantes o desaproveitamento máximo das nossas possibilidades de abastecimento de carne. A um
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período curto de altura boa de matança corresponde um preço médio abaixo da tabela e a uma subida para além dela de gado depois da perda de quilos e qualidade que já tinha. Podemos ser deficitários, mas somos sobretudo mal arrumados na distribuirão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E este é sem dúvida nutro dos dados do problema que temos de corrigir se, o quisermos resolver. Porque aqui, com melhor arrumo, largos quilogramas de carne podemos ir buscar.
Antes de analisar o que se passa com o gado suíno, que de propósito deixei para o fim, vejamos qual a quota que nos trazem ao abastecimento público os caprinos e equídeos.
É de pouca importância a quota que os caprinos vêm trazer e pode-se considerar em franco declínio, embora o não acuse a observação dos números que consegui e que são os seguintes:
(Ver quadro na imagem)
É certo, porém, que, referindo-se estes números, a matança controlada a qual se pode calcular que seja apenas de 50 a 60 por cento da efectiva, podemos contar aqui com uma quota anual de cerca de 3 000 000 kg. O mesmo pensamento pode levar-nos a calcular a quota real do gado ovino em cerca de 10 000 000 kg.
Não tem, contudo, expressão mensal de peso o contingente fornecido por esta espécie e não modifica o quadro, quanto a, esse aspecto, o aumento agora considerado quanto ao ovino. Têm estes dados, pois, apenas valor relativo para cálculo de capitação.
A carne fornecida, pelos equídeos quase que só tem interessado ao mercado do Lisboa, que dela absorveu 98,15 por cento em 1942, baixando essa percentagem para o consumo total, até se fixar em 80,55 em 1953 em trinta e um talhos especiais.
O seu consumo vem, contudo, aumentando desde 1914, em que apenas' existia um talho, com a venda de Mi 000 kg. para o actual, fixado em trinta e um talhos na capital e dezassete no resto do 1'aís, acusando uni consumo total de cerca de 900 000 kg.
Não se lhe pode prever, porém, um largo futuro, pois que, desacompanhada a nossa criação cavalar de preocupações de defesa, è fácil pensar que a uma maior aceitação pelo consumidor, que os números apontam, corresponderá dentro de pouco uma diminuição das reservas nacionais.
Não tem, contudo, como acontece com o caprino, expressão que interesse quanto ao arrumo do consumo mensal e não altera, assim, as condições do abastecimento.
Como disse, foi de propósito que deixei para o fim a observação da quota fornecida pelo gado suíno, que tem especial relevo, não só pela parte efectiva que já leni no consumo público, como pela posição que lhe pode ser destinada, em correcção das nossas épocas de carência de carne.
O que é necessário é dar-lhe esse destino e, para tal, dar-lhe as qualidades indispensáveis para que possa fornecer larga quota para o consumo em verde.
Pelo seu poder de proliferidade e por ser o animal que melhor transforma, o que come, que menos unidades forraginosas precisa para produzir l kg de carne, é,
sem dúvida, uma alavanca de especial importância para a resolução do nosso problema de cárnea, encarado este na sua generalidade.
O que teremos é de fazer dele, e isso é inteiramente possível, um animal a morrer novo, quando a carne é boi, e sem aquela gordura, que o consumidor já não quer e fax dele muita vez um proscrito da nossa mesa.
Adaptando-se a todos os regimes e regiões, pode aparecer em Iodas as épocas do ano. Temos todas as condições para estender a sua, produção, pois admite todas as correcções na alimentação. Temos de sobra o necessário pura o produzir, se não em condições óptimas, pelo menos nas satisfatórias, pois que aquelas só virão quando se modifique a nossa produção de leite, de manteiga e de prados, destinando-lhe grande parte do leito desnatado e forragens verdes, condições em que se firma em qualidade e preço a criação em muitos países, Jazendo dos seus porcos produto desejado em muitos mercados.
Se é certo que as próprias facilidades de multiplicação o de adaptação estão na base das suas grandes crises, também não posso deixar do pensar que a culpa não é dele, mas da falta de uma organização da modificação do porco que criamos, de forma que ele possa concorrer no consumo interno de carnes em fresco e tomar posição no mercado internacional um condições de igualdade, ou sequer de semelhança, o que nos virá a permitir decerto uma correcção bem menos custosa pura as nossas crises de subreprodução.
Quando falo na falta de uma organização penso no exemplo que podemos ir colher nos países que se debruçam a sério sobre estes problemas.
Em todos existe uma Associação .Central de Criadores, com a filiação das associações regionais e das de raças diferenciadas.
Como neles se não admite já a reprodução senão através de reprodutores conscientemente seleccionados, e como essa condição prevê um registo, é fácil saber com antecedência o que se pode esperar em produção, o que acompanhado com o estudo das tendências do merendo, permite corrigir nas origens o motivo das grandes catástrofes, diminuindo-lhes os efeitos, visto que tão difícil é evitá-las de todo. em razão das grandes variações de produção que a sua prolificidade permite.
São essas associações, em colaboração com os serviços oficiais, órgãos de expansão de conhecimentos e do acompanhamento na melhoria, verdadeiras alavancas de progresso, fomento e defesa.
Entro aqui, desculpem, no caminho do sonho e vou voltar à nossa terra o no seu espírito. Volto aos números.
A posição do suíno no abastecimento público nestes cinco anos que procuro estudar, embora os números controlados incluam o destinado à indústria, que lhe absorveu o maior número, o que não deixa contudo de ser considerado dentro do nosso consumo de carne, e, portanto, de fonte de calorias ou de proteínas indispensáveis à nossa alimentação, é a seguinte:
(Ver quadro na imagem)
Uma média anual de 400 000 porcos, com um fornecimento médio também de 33 500 000 kg.
Mas aqui, mais ainda que no ovino a caprino, a matança registada em muito se afasta da efectiva, pois
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que escapa ao registo tudo o consumido do norte ao Sul do País no particular e muito do destinado ao consumo público nos pequenos meios. Escapa tanto mesmo que se calcula que esse número seja superior ao controlado, situando-se a sua quota total em cerca de l milhão de cabeças, o que nos levaria, partindo da média de peso dos controlados, a cerca de 90 milhões de quilogramas no total anual, ou a cerca de 40 milhões de quilogramas deixando de parte as gorduras.
É bem certo, porém, que o contingente que traz, ao consumo público dos grandes encontros se cifra, em pequena percentagem: cerca de 7,2 por cento do registado quanto a Lisboa e de l por cento no Porto quanto ao ano de 1930 e de, respectivamente, 4,2 e 1,8 por cento em 1954.
Representa esta situação uma perda efectiva de posição na solução da nossa falta de carnes verdes, quando a comparamos com épocas anteriores, nas quais só Lisboa consumia, e quase na coincidência, com a falta de carnes de outras espécies, quantidades que se podem fixar nos seguintes números:
1940 - 5 000 000 kg.
1944 - 4 000 000 kg.
1944 - 3 000 000 kg.
1945 - 2 900 000 kg.
começando então a cair por modificarão de hábitos do consumo perante um animal que se não transformou para corresponder ao que dele era solicitado.
A observação levada mais atrás ainda, para fora do período da guerra, não faz senão continuar o que aqui fica apontado.
É certo também que a nossa posição quanto a preços dos produtos desta origem, em relação com os do mercado internacional - mais baixo o nosso preço da carne e mais alto o da gordura - , nos vai permitindo uma posição de exportação normal de carne preparada com tendência crescente o nos tem levado, perante a necessidade de resolver a nossa saturação de gorduras, a lançá-las nesse mercado em exportação forçada, com larga soma de prejuízo. Quanto aos animais vivos ou em carcaça, nada temos conseguido na exportação.
A nossa posição, porém, mesmo no aspecto da exportação de carnes preparadas, só se firmará efectivamente e com vantagem se soubermos melhorar a qualidade do que oferecemos, pela melhor qualidade da matéria-prima e da sua preparação, de forma que a marra de origem portuguesa não tenha desde logo o condão dias fixar no preço mais baixo da concorrência.
Vozes : - Muito bem!
O Orador: - Que não são de desprezar os valores do exportado em carnes bem o demonstram os seguintes números, em milhares de escudos:
1951:
Carnes preparadas e conservadas ............... 100 000
Enchidos ...................................... 900 000
Fiambres ...................................... 8 700 000
9 700 000
1952:
Carnes preparadas e conservadas ............... 700 000
Enchidos ...................................... 1 100 000
Fiambre e presunto ............................17 600 000
19 400 000
1953:
Carnes preparadas ............................. 2 400 000
Enchidos ...................................... 750 000
Fiambres ......................................14 600 000
17 750 000
1954:
Carnes preparadas ............................. 400 000
Enchidos ...................................... 300
Fiambres ......................................16 300 000
16 700 300
1955:
Carnes preparadas ............................. 2 000 000
Fiamhre ....................................... 5 000 000
7 100 000
E tudo isto som prémio de exportação.
Começamos felizmente a trilhar o caminho necessário para a modificação do nosso suíno, embora timidamente e sem a necessária acção oficial, traduzida na modificação e de valorização do valor relativo carne-gordura, mas estudando na que temos e ensaiando processos da modificação e de valorização pelo aproveitamento do valor do cruzado como porco de ocasião para as maiores exigências do consumo.
O que tínhamos podo ser definido nas seguintes apreciações: o porco do Norte, mais de carne do que o do Sul, é tardio no desenvolvimento e mau de conformação, o que lhe dá muita percentagem de osso e pouco desenvolvimento das peças ricas. Vai entrando no cruzamento com raças inglesas de carne, o que bastante o vai melhorando para o aproveitamento imediato.
O do Sul, seleccionado por gerações para produtor de gorduras, vai embora, com todas as desconfianças ataques a ideias novas, lutando mesmo com as tradicionais formas do seu aproveitamento na transformação de ferragens usuais em carne. Está já sujeito a estudo quanto as suas possibilidades de transformação para as actuais exigências do mercado por selecção e por cruzamento também.
O êxito dependerá do que soubermos fixar e estruturar; e, se o conseguirmos modificar, não virá longe o tempo em que o porco retome a posição, que já teve, de largo contribuinte para a resolução da nossa falta de carnes, posição que em muito perdeu pelo seu afastamento da realidade da preferência actual do consumo.
Começamos aqui também uma verdadeira resolução, iniciando-nos um caminho há tanto seguido por outros.
O Sr. Abrantes Tavares: - V. Ex.ª dá-me licença? Houve uma tentativa para determinar qual a porção de ração necessária para levar um alfeire às a arrobas qual a que se gastava para o levar das 4 às 7 arrobas. Tinha a impressão de que a ração gasta para levar os porcos às 7 e 8 arrobas chegaria para engordar dois suínos até às 4 arrobas.
O Orador: - Estou absolutamente de acordo com V. Ex.ª Também creio que nessas últimas condições a produção seria mais barata. Temos interferido sobretudo nas gorduras, mas parece, que nós próprios só temos criado uma mecânica de encarecimento.
O Sr. Abrantes Tavares: - Talvez o processo a seguir deve-se ser o de utilizar outro tipo de porcos.
O Orador: - Mas, confirmando a verdade, de que todas as intervenções até aqui custosamente efectuada, porque tinham em vista apenas o caso presente, teriam de ser repetidas os futuro, estamos neste momento em grave crise de carência de suínos e dos seus produtos.
Não se evitou a queda desastrosa dos últimos anos no preço na produção, criou-se menos e o que se criou foi ainda dizimado por grave surto epidémico, para a qual não houve um apetrechamento sério que permitisse evitá-lo ou atenuá-lo.
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Assim voltamos aos diferenciais sobre forragem para produzir gordura. Teremos talvez do importar porcos e produtos, com prémios de exportação na origem e com sacrifício de fundos de compensação internos.
E mais não cabe, no âmbito deste aviso prévio, no estudo do que ao suíno podemos ir buscar para resolução da nossa, carência de carnes.
Mas não podemos deixar de tirar da situação que vivemos neste momento e no ano passado uma maior demonstra-lo de que temos um problema de carnes.
Comemos o ano passado carne de vaca de França, que dali saiu com prémio de exportação, com o prejuízo em nivelamento de preços de 7$30 em quilograma, que será maior se o Ministério das Finanças não dispensar o imposto alfandegário, o que parece não fará.
Estamos comendo manteiga da América, com prejuízo também de 10$ em quilograma, porque não foi dispensado o seu imposto de entrada. Encargos, pois, a suportar pelo Fundo de Abastecimento e pela economia geral, que os paga em taxas sobre outros produtos. E estes direitos alfandegários fazem-me lembrar a história dos grilos da Patagónia, que se comem uns aos outros.
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª falou em diferenças de preços de forragens. A que forragens se refere? Ao milho? Se é sobre o milho colonial, essas diferenças não serão feitas sobre um preço que não é o real?
O Orador: - São problemas que se prendem uns com os outros, mas como temos ainda um grande desnivelamento entre os preços da carne e das forragens ...
O Sr. Melo Machado: - Se o desnível é feito sobro o preço do milho colonial, repito, então o favor não é nenhum.
O Orador: - Neste momento comemos carne do Brasil, com prejuízo também.
Manteiga e leite vivem da mesma forma, e em coincidência, entre nós igual regime das carnes: épocas de saturação; épocas de fome.
O problema continua em aberto e precisa de uma solução que ainda não tem.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Vejamos agora a nossa posição quanto à capitação, ao nível de preços e à formação de alguns destes entre nós.
Quanto à capitação de carne, localizava-a Rocha Faria, quanto ao decénio de 1937 a 1946 e em referência ao censo do 1940, em cerca de 7,5 kg por habitante ou 9,7 kg por unidade de consumo, partindo dos seguintes dados do consumido:
Toneladas
Bovinos ....................................... 19 755
Ovinos ........................................ 12 031
Suínos ........................................ 11 726
Equídeos ...................................... 281
43 793
Caça e aves de capoeira ....................... 8 600
Mindezas ...................................... l 393
53 786
Os consumos verificados nos cinco anos considerados levam-nos, felizmente bastante para além desta capitação, de verdadeira miséria. É possível, contudo, que os anos de guerra incluídos no período que estudou tivessem decidida influência na capitação que nos indica e que, por outro lado, também apenas tivesse tomado em consideração as matanças controladas.
Não podemos, contudo, para observação da verdadeira posição quanto a bases de alimentação, deixar de tomar em consideração as capitações que em referência ao período de 1941 a 1948 nos indica quanto a peixe fresco e a bacalhau, que serão porventura superiores às dos outros países, e, por isso, tornem diferente ou menos deficitária a nossa base de alimentação em proteínas.
Assim, calcula Rocha Faria o consumo de peixe fresco em 82 000 t de parte edível e em 35 300 t o de bacalhau, o que corresponde a uma capitação:
Per capita - 16,300 kg.
Por unidades de consumo - 21.280 kg.
Vejamos agora a nossa capitação em carne, em face dos dados actuais:
(Ver quadro na imagem)
Por unidade de consumo l6 kg. o que bastante nos distancia da porção observada anteriormente por Rocha Faria.
Como, por outro lado, tudo nos leva a pensar que o consumo de peixe em fresco e o de bacalhau, mercê da renovação da nossa frota pesqueira e da facilidade de transportes, bastante deve ter aumentado também, é bem possível que, tomada no geral, não estejamos tão deficientes de proteínas como se possa pensar pela simples observação do nosso consumo de carne. O que poderemos ter é desigualdade no poder de consumo, por escasso poder de compra em muitos sectores.
Não quer dizer também que mais carne não devamos comer. É mesmo absolutamente necessário que essa finalidade se atinja.
Isolado, porém, e como simples ponto do observação ou de meta a atingir, fizemos as capitações de carne que nos parecem consideradas quanto a outros países:
Com mais de 100 kg - Uruguai (123).
Com mais de 50 kg e até 100 kg - Austrália (99), Argentina (99), Nova Zelândia, Estados Unidos (70), Canadá e Inglaterra (35).
Com mais de 40 kg até 50 kg - Dinamarca, França (50), Suécia, Irlanda, Bélgica (41) e Áustria.
Com mais de 20 kg até 40 kg - Alemanha (38), União Sul-Africana, Cuba, Holanda (31), Finlândia, (29), Brasil e Chile (28).
Com capitação próxima e abaixo da nossa:
Até aos 15 kg - Turquia (15), Itália (14), Grécia, Egipto (9), Paquistão (5) Japão (3) e China (2).
Referem-se estas capitações aos anos de 1953 e 1954 e foram retiradas do relatório da F. A. O. de 1955. É verdade que nesse relatório se nos atribui a capitação
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de 13 kg por habitante, o que mais nos aproxima da companhia dos últimos.
Menos encarregadora é, porém, ainda a nossa posição quanto a consumo de leite. líquido, a qual, incluindo a de leite condensado e em pó, é a seguinte:
Capitação em quilogramas por ano - 14.751.
Gramas por dia - 40.4.
Calorias por dia - 23.
Proteínas - l.3.
Gordura - 1.2.
ao lado de capitações que se podem definir como sendo as seguintes:
Para além de 200 l - Finlândia, Suécia e Suíça.
Para além de 150 l - Noruega (188), Irlanda, Holanda, Canadá, Áustria (186), Dinamarca (167), Islândia e Estados Unidos (l30).
Entre os 100 e 150 l - Inglaterra (107), Alemanha Ocidental (139) e Aústria (100).
Entre os 30 l - Grécia (42) e Itália (36).
E neste quadro nem nos situam a nós.
O Sr. Presidente: - V. Ex.ª dá-me licença?
Como a hora vai adiantada e parece faltar ainda bastante tempo para V. Ex.ª terminar as suas considerações, eu sugeria que se interrompessem os trabalhos, ficando V. Ex.ª com a palavra reservada para a próxima sessão.
O Orador: - Perfeitamente de acordo, Sr. Presidente.
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - A próxima sessão terá então lugar no próximo dia 24, à hora regimental, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 35 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Sousa Machado.
José dos Santos Bessa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
António de Almeida.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António dos Santos Carreto.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
João Afonso Cid dos Santos.
João Maria Porto.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Soares da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Maria Vaz.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA