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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 118
ANO DE 1956 27 DE JANEIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.º 118, EM 26 DE JANEIRO
Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mos Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado, sem emendas, o Diário das Sessões n.º 116.
Leu-se o expediente.
O Sr. Presidente informou estar na Mesa, remetido pela Presidência do Conselho, o Diário do Governo n.º 15, 1.ª série, de 21 do corrente, contendo os
Decretos-Leis n.ºs 400 500 o 40 501, para, os efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição.
Foi concedida autorização para o Sr. Deputado Venâncio Augusto Deslandes ser ouvido como testemunha na Alfândega de Lisboa (posto de despacho de Cascais).
Usaram da, palavra os Srs. Deputados Santos Bessa sobre assuntos de interesse para a cidade de Coimbra, e Mendes Correia, para recordar a vida e a obra do Prof. Júlio de Matos.
Às 16 horas e 45 minutos assumiu a presidência da sessão o Dr. Deputado Augusto Cancella de Abreu.
O Sr. Presidente deu conhecimento à Câmara de, pela Presidência do Conselho, para os efeitos do § 3.º do artigo 100.º da Constituição, haver sido remetido o Diário do Governo n.º 16, 1.ª série, que insere o Decreto-Lei n.º 40 502, de 23 de Janeiro corrente.
Ordem do dia. - Continuou o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Nunes Mexia referente à questão das carnes.
Usaram da pala era os Srs. Deputados Angelo do Rego, Manuel Maria Vas e Pedro Cymbron.
Ás 17 horas e 45 minutos ocupou o lugar de 2.º secretário o Sr. Deputado Alberto Pacheco Jorge.
O Sr. Presidente encerrou, a sessão às 18 horas e 2 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Ornelas do Rego.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto doa Beis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteres Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calhieiros Lopes.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
António Rusell de Sousa.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
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Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Eduardo Pereira Viana.
Francisco Cardoso de Melo Machado
Francisco Eusébio Fernandes Prieto
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Herculano Amorim Ferreira.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Carlos de Aseis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
Mário de Figueiredo.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Venâncio Augusto Deslandes.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 70 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.° 116.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, considero aquele Diário aprovado.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegrama
Do Grémio da Lavoura de Mora a apoiar o aviso prévio do Sr. Nunes Mexia acerca do problema das carnes.
O Sr. Presidente: - Encontra-se na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho e para os efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição Política, o Diário do Governo n.° 15, 1.ª série, de 21 do corrente, que insere os
Decretos-Leis n.ºs 40 500 e 40 501.
Está também na Mesa um oficio da Alfândega de Lisboa (posto de despacho de Cascais) a solicitar autorização à Câmara para que o Sr. Deputado Venâncio Augusto Deslandes possa ser ouvido como testemunho em 16 de Fevereiro, pelas 11 horas.
Informo a Assembleia de que este Sr. Deputado não vê inconveniente para a sua actuação parlamentar em que seja concedida a autorização pedida.
Consultada a Assembleia, foi concedida a autorização solicitada.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Santos Bessa.
O Sr. Santos Bessa: - Sr. Presidente: quando, em Dezembro de 1954 me referi aqui à transformação sofrida pela cidade de Coimbra na urbanização da sua parte baixa, que coincidiu com a inaugura roo da magnífica ponte que ali foi construída, e agradeci a S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas e ao Governo os valiosos melhoramentos com que acabava de dotar aquela cidade, enumerei também alguns outros problemas citadinos que reclamavam solução urgente. Estavam nessa lista o remoção da estação nova, cuja existência já hoje se não justifica, e a sua fusão com a estação de Coimbra-B, para dar origem a uma outra que esteja à altura das exigências do tráfego daquela importante cidade do Centro do País; a abertura duma avenida que fosse o prolongamento da Avenida de Navarro até ao Choupal a urbanização da margem esquerda, em frente da cidade; a abertura das outras entradas da cidade na direcção do Porto, e na da Beira e na da Figueira da Foz, etc.
E disse-o porque esses problemas representavam, e representam ainda, outros tantos cuja solução se torna urgente.
Que Coimbra continuava na lista das preocupações de S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas depreendia-se das suas próprias palavras, que a cidade ouviu desvanecida e de que guardou memória com justificada confiança:
Que esta gloriosa cidade, credora da gratidão nacional a todos os títulos, atinja tão rapidamente quanto possível a posição de engrandecimento e de progresso que merecem em alto grau o seu valor e o seu prestígio.
E também estas outras: que se tornava necessário encontrar sempre «soluções ajustadas e sãos critérios de enriquecimento do património arquitectónico de uma cidade, cuja tradição e cuja personalidade a tornam particularmente sensível a desmandos infelizes frequentes nos surtos de renovação da» velhas urbes».
Pouco tempo volvido sobre estas reconfortantes e animadoras palavras do ilustre Ministro um dos vereadores da Câmara Municipal de Coimbra propôs, e fui aprovado (passando assim a ser vontade da cidade) que se solicitas-se do Governo da Nação a remoção da chamada estação nova de Coimbra e n construção de uma outra capaz, junto da actual estação velha, e que se fizesse o prolongamento da avenida marginal ato ao Choupal. Ao referi-lo aqui quero significar o meu inteiro aplauso a esta deliberação da Câmara de Coimbra e solicitar dos Ministérios respectivos os- estudos necessários para a sua mais urgente resolução.
Sei que o assunto mereceu o maior interesse ao Sr. Ministro das Obras Públicas, como bem claramente o demonstrou nu recente visita que ali fez com o ilustre titular da Educação Nacional, e na qual este e outros
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problemas do mais alto interesse urbanística, pedagógico e artístico foram estudados.
Coimbra confia em que o Governo não demorará a solução do caso. Neste sentido lhe dirijo daqui o meu apelo.
Já que trato de alguns problemas urgentes do meu distrito, não quero deixar de me referir a um outro igualmente de extrema urgência - o do alargamento da estrada que liga as duas cidades do meu círculo: Coimbra e Figueira da Foz. A sua importância turística, comercial e industrial sobe dia a dia, tornando cada vez mais precária a sua ligação rodoviária, servida. actualmente por uma estreita, sinuosa e antiquada estrada. Como se isso não bastasse, ocorre ainda que ela fica submersa em vários pontos no período das cheias e possui uma passagem - de nível que nada explica e que compromete seriamente a viação. Essa estrada, que no Verão tem intenso movimento - e tão intenso que iguala a trânsito da de Lisboa ao Porto, junto a Coimbra! - , tê-lo-á ainda maior amanhã, quando se fizer a construção do novo porto da Figueira da Foz. E não se julgue que isso está ainda na fase do sonho ou no reino das utopias. A visita que recentemente fizemos a esse excelente Laboratório de Engenharia Civil, que pode constituir motivo de justificado orgulho para todos os portugueses...
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - ... deixou-nos a certeza de que os seus meticulosos estudos estão a atingir o seu tempo e que dentro de pouco tempo se iniciarão as respectivas obras. Simultaneamente, o interesse da Figueira e Coimbra irá aumentando e as exigências das suas ligações rodoviárias irão subindo. Ouso, por isso, solicitar de S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas que encare para breve a modernização dessa estrada, promovendo o seu alargamento, a eliminação das suas perigosas curvas e o desaparecimento daquela anacrónica passagem de nível - numa palavra facilitando as ligações entre essas duas excelentes cidades da Beira Litoral. E como a obra se não se pode fazer de um jacto, ouso também pedir que ela comece pelo troço cujo estudo já está concluído - o que fica entre Santa Eulália e o Rosmaninhal. Com isso prestará o Governo à região o ao País um serviço da mais alta importância.
Espero confiadamente que o ritmo do trabalho do ilustro Ministro das Obras Públicas, que o País tão bem conhece e admira, aqui se manifeste mais uma voz, a bem da Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente celebra-se hoje uma data que na minha modesta opinião, não deve passar despercebida nesta Casa - a data do centenário do nascimento do grande psiquiatra português que foi Júlio de Matos.
(Nesta altura assumiu a presidência o Sr. Augusto Cancella de Abreu).
Trata-se de uma notável figura da ciência portuguesa e sobretudo do pioneiro e do precursor de uma grande obra em curso: a da assistência psiquiátrica em Portugal. Conheci pessoalmente Júlio de Matos; admirei-o profundamente; tive a honra de ser um seu discípulo, atento, durante alguns anos. É-me, portanto, verdadeiramente grato cumprir aqui, neste instante, um dever de justiça, recordando o seu nome glorioso e a sua acção eminentemente benéfica na luta e prevenção contra as doenças mentais neste país.
Era um homem de trato afável e encantador e de uma rara distinção e elegância. Era um conferente admirável e possuidor das -mais- notáveis qualidades de expressão e de erudição. Como clínico, como perito médico-legal - posso testemunhá-lo com conhecimento de causa - era um homem recto, probo, cheio dos mais nobres escrúpulos morais.
Júlio de Matos não tratava levianamente os seus doentes e não decidia sem segura reflexão, sem a probidade mais rigorosa, os casos, tantas vezes dramáticos, que eram submetidos ao seu juízo pericial. Admirei tanto em Júlio de Matos o homem de ciência como o homem de bem que ele foi. Aliás, não sei mesmo separar a ciência, e muito particularmente a ciência médica, da deontologia ou da moral.
Júlio de Matos teria sido, sem dúvida, um transviado nalguns dos seus conceitos da religião e da política, se estes não fossem os predominantes na ciência na sua época.
Esse desvio, em relação à linha intelectual e ideológica que nós poderíamos e deveríamos desejar encontrar nele, era o mal do tempo.
Estou certo de que nas horas amargas do declínio da sua vida Júlio de Matos teria feito intimamente uma tremenda revisão ideológica.
Ele foi o mestre que mais me encantou. As suas lições e as suas conferências eram lapidares, os seus escritos eram perfeitos na forma, na ideia, na concepção, no vigor da expressão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A sua obra é vasta, não sendo aqui o lugar próprio para mencionar a sua bibliografia. Mas julgo de justiça citar três suas obras capitais: A Paranóia, Os Alienados nos tribunais e os seus Elementos de Psiquiatria. Estes foram, por assim dizer, súmula final em que mais se definiu o seu saber e a linha do seu pensamento científico.
Também é muito importante um seu escrito de 1908, em que delineia o esquema da assistência aos alienados, em Portugal.
Era então profundo e lamentável o atraso da psiquiatria, em relação ao desenvolvimento actual dessa ciência.
Já mais duma vez aludi à insuficiência de certas concepções fundamentais, e sobretudo è insuficiência trágica do arsenal terapêutico de que então se dispunha nesse sector médico.
Duches, choques eléctricos, poção polibromada, láudano laxantes e pouco mais era, naquele campo, todo o arsenal dessa época, em que não se divisava ainda ou mal se desenhava a terapêutica moderna, com a malarioterapia, o electrochoque, o choque insulínico, a neurocirurgia, etc.
No entanto, dentro desse reduzido cabedal de meios de tratamento, com o espectáculo doloroso de tantos doentes incuráveis. Júlio de Matos com uma ampla visão, que honra e nobilita a sua memória, marcava já cartas orientações e certas directrizes modernas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sobretudo, a sua acção de propaganda incidia na necessidade do desenvolvimento do ensino científico da psiquiatria entre nós. Conseguiu esse objectivo. Ele mesmo o iniciou. A sua propaganda resultava da necessidade de preparar médicos não só para diagnóstico e tratamento das doenças mentais, como
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muito particularmente para emitirem o seu juízo em casos graves de medicina legal e perícia judiciária.
A verdade é que a reforma de Maio de 1911. que trouxe as linhas mestras da orientação ulterior, era inspirada fundamentalmente pela capacidade e inteligência de Júlio de Matos, o qual, aliás, não regateava justo elogio ao que já anteriormente se fizera quanto ao papel do médico nos tribunais.
De facto, foi nessa data que se leu um grande passo no desenvolvimento o estudo da psiquiatria em Portugal. Mas eu seria agora injusto se esquecesse a amplificação que essa tarefa, assim iniciada, viria a ter com várias iniciativas ulteriores, com os novos estabelecimentos e particularmente, com a organização de 1945.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Creio que perante o justificado queixume de Júlio de Matos, que, em 1908, dizia existirem, para muitos milhares de alienados, apenas pouco mais de 1500 internados, devo, como português e como homem de coração, assinalar hoje com prazer o facto de que, segundo as estatísticas de 1953, em vez de 1 500, já se internam neste país mais de 6000. Este facto é nobilitante para todos aqueles que têm dado a tais iniciativas, a este problema transcendente e doloroso, a sua acção e o seu interesse dedicado.
É interessante também verificar que além da utensilagem terapêutica de que hoje se dispõe, também a investigação cientifica na matéria tem progredido entre nós.
Ainda há poucos dias falei na neurocirurgia neste mesmo lugar, a propósito do falecimento do Prot. Egas Moniz. Mas a tarefa não se confina, felizmente, aos territórios metropolitanos, através dos seus dezassete ou dezoito estabelecimentos actuais de tratamento de alienados estende-se também ao ultramar.
Ainda há poucas semanas tive o prazer de visitar em Luanda os serviços psiquiátricos respectivos, admiravelmente - instalados sob um plano delineado pelo Prof. Dr. António Flores e com uma utensilagem que é perfeitamente moderna. Quando visitei esse estabelecimento era precisamente examinado uni negro de enorme estatura, que era acudido de vários assassínios que estava sendo observado, obtendo-se os seus electroencefalogramas com o aparelho respectivo.
Assisti, portanto, à aplicação a nativos dos processos mais modernos da investigação na matéria. Devo citar aqui com o Prof. António Flores, mestre de uma geração, os Profs. Elísio de Moura e Baraona Fernandes, além de outros, como o que naquele serviço ultramarino superintende - o Dr. Rosales Teixeira, discípulo do Prof. Flores.
As concepções de Júlio de Matos ligavam se do ponto de vista filosófico, a uma tendência arreigada da época - o positivismo de Augusto Conte. É lamentável que num estudo sério de Júlio de Matos figurasse n indicação da propaganda do positivismo como um meio profiláctico eficaz contra a alienação mental! Mas, fora desse aspecto da sua cultura e mentalidade, devo assinalar em Júlio de Matos n influência dos nomes mais ilustres da psiquiatria do seu tempo. Cito, por exemplo, como tendo influído na sua classificação is nos seus estudos de doenças mentais o grande psiquiatra italiano Thanz.
Aceitava também Júlio de Matos o velho conceito de degenerescência e admitia o conceito ultrapassado do «loucura moral». Embora todos nós saibamos que, pura infelicidade e miséria da espécie humana, existem perversidades constitucionais, a verdade é que o conceito antigo da loucura moral sofreu uma profunda evolução. E Júlio de Matos tanto tinha a intuição do facto de numa estatística que reuni de exames periciais, feitos por de na circunscrição médico-legal do Porto durante alguns anos pude verificar que, em cento e tal exames psiquiátricos de criminosos, de apenas etiquetara três com esse diagnóstico de loucura moral. Era um sinal de prudência, de intuição, de previsão daquilo que o futuro viria a demonstrar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ele acreditava ainda no conceito de Charcot sobre a histeria. Assisti na sua clínica a exames v tratamentos de doentes internadas sob a designação de histéricas. Eram duelos de brilho literário, de frases amáreis, que se estabeleciam entre o doente e ele. Mas Júlio de Matos tinha já a antevisão do que vi riu a suceder ao conceito antigo da histeria, porque afirmava o carácter artificial dos sintomas daquela, como que prevendo a eliminação da histeria do quadro das doenças caracterizadas e a sua substituição pelo conceito de pitiatismo, de Bahinski.
Não devo entrar em mais pormenores sobre o assunto, mas não deixo de dizer que esses duelos com os seus doentes eram, a meu ver, também um prenúncio da moderna psicanálise. Na verdade, Júlio de Matos, como Charcot, já fazia investigação psicanalítica.
A paranóia constituiu um dos seus mais importantes trabalhos. Desde estudante ele se interessara por estes estudos, sendo a sua própria tese de formatura em Medicina intitulada «A patogenia das alucinações». Além disso, em vez de uma terapêutica empírica, ele entendia dever estabelecer-se uma terapêutica racional, que tinha de ser acima de tudo fundada num bom diagnóstico c numa boa classificação das doenças.
A psiquiatria hoje tem um desenvolvimento incomparavelmente mais amplo e preciso do que então tinha, mas entendo que o espírito de Júlio de Matos pode perdurável mente manter-se como o génio tutelar dos respectivos progressos entre nós. Ele não esquecia aspectos da moderna psicologia colectiva, mesmo o que nós podemos chamar psiquiatria colectiva - a loucura dos grupos, das multidões, das seitas e do certas organizações, a loucura até do certos estados, formas de verdadeira loucura colectiva.
Sionmel, Tarde, Sighele. Gustave Le Bon e outros estudaram a psicologia colectiva, a psicologia das multidões, mas há também, para mal da humanidade, uma psiquiatria correspondente, mesmo a psiquiatria de algumas entidades responsáveis pelo destino dos povos.
Há nalguns espíritos tendência pura manifestações ultrapsíquica», hiperpsíquicas, que justificam admitir-se uma parcela, de loucura, em muitos aspectos elevados da vida humana. Numa comunicação que fiz há sete ou oito anos à Academia das Ciências de Lisboa, precisamente, sobre Júlio de Matos, evoquei a passagem de Fernando Pessoa segundo a qual um poucochinho de loucura não faz mal. Os versos de Fernando Pessoa são «sem a loucura, que é o homem mais do que a besta, sadia, cadáver adiado que procria?». Mas são as formas de loucura que elevam, o entusiasmo dignificante, a loucura do heroísmo e do sacrifício, tudo formas, que poderão dizer-se nobres, de loucura.
Agora a loucura do mal, o vírus sinistro do egoísmo, do ódio, da inveja, da crueldade e da infâmia, essas formas são evidentemente, de condenar, de excluir.
Evoco, com saudade, neste instante, o meu grande e inolvidável mestre que foi Júlio de Matos. Vejo-o no consultório, na clínica hospitalar, de que recordei já alguns aspectos.
Vejo-o brilhante, admirável, na sua cátedra de professor e de conferente;
evoco-o justo, sereno e conciso
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nos seus escritos, e vejo-o, também, u poucos meses ria sua hora derradeira, numa conversa em que ele, já alquebrado pela, doença, não era o mesmo homem brilhante e admirável que eu tinha conhecido, embora mantivesse a nobreza da sua atitude e a sua correcção moral.
Falei com ele a propósito de um triste acontecimento judiciário, em que ele assumira naturalmente a posição que a sua consciência e o seu saber lhe haviam ditado.
No entanto, acima de tudo, quero focar, neste instante, dois aspectos da sua personalidade: primeiro o de precursor, que foi da moderna psiquiatria e da moderna assistência psiquiátrica em Portugal; segundo, o de um homem honrado, digno, perito imparcial e objectivo, que sabia defender, com todas as suas forças, o destino a vida, a felicidade e até, muitas vezes, a própria honra de pessoas humanas e de famílias inteiras.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Júlio de Matos foi assim, um pioneiro e um exemplo, e é por esse motivo que julgo ser a sua memória merecedora de evocação nesta Casa e de homenagem agradecida da Pátria.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Pela Presidência do Conselho foi enviado à Assembleia, para cumprimento do disposto no § - 3.° do artigo 109.º da Constituição, o
Decreto-Lei n.º 40 502, publicado no Diária no Governo n.° 16, 1.ª série, de 23 de Janeiro, que fixa nova delimitação entre as freguesias de Vendas Novas, Canha, Coruche e Lavre, dos concelhos de Montemor-o-Novo, Montijo e Coruche.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Nunes Mexia referente à questão das carnes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Agnelo do Rego.
O Sr. Agnelo do Rego: - Sr. Presidente: é pouco e sem interesse propriamente técnico o que tenho para dizer sobre o objecto do aviso previu ora debatido. Não sou técnico na matéria, mas sou suficientemente açoriano paru não me sentir alheio a um assunto em que tanto se tem falado - por sinal bem - dos Açores,
numa Assembleia que é política e não técnica, sem embargo de serem os técnicos, merecidamente, nela escutados com elevado respeito e interesse.
A chama que o Sr. Deputado Nunes Mexia veio acender com o seu oportuno aviso prévio têm-na mantido bem viva os ilustres Deputados intervenientes no respectivo debate, por certo com o justo desejo de que ela ilumine o importante problema do abastecimento de carnes. Bem é que o tenham feito, pois tal problema precisamente porque vital para o homem também tem a sua filosofia.
Não tentarei demonstrá-la. Prefiro surpreendê-la, desprendendo-se de alguns quadros da vida quotidiana, bastante recentes, que me são oferecidos pela imprensa da cidade de Angra, na ilha Terceira.
Talvez valha a pena, para isso reproduzir diversos trechos como os seguintes ainda que sem plena conexão entre si:
Um dos problemas locais em chaga viva não no passado, mas no presente, é o das possibilidades de transporte de gado bovino para o mercado lisboeta. Esforça-se o Grémio da Lavoura por escoar o montante de gado arrolado para o efeito - 300 cabeças e mais 240 unidades miúdas a conduzir em frigorífico.
Debate-se o lavrador num transe aflitivo, atando as mãos na cabeça, como soe dizer-se. E com sobejo fundamento. O prejuízo resultante de cada dia que decorre assume, na verdade, expressão em que importa atentar.
Apesar das inconvenientes da condução, as carcaças das reses dos Açores suo classificadas nas categorias de especial e primeira, na maior parte.
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O transporte de 370 cabeças, assim já o informou a Empresa Insulana de Navegação, está assegurado paru o presente mês - 260 no Corvo e 110 no
Terceirense, que se encontra em Ponta Delgada. Além disso, nos frigoríficos deste último barco seguirá carne correspondente a meia centena de reses, a abater no nosso matadouro, à roda de 4000 kg e ainda admitida a eventualidade de o Lima sua próxima viagem, carregar alguns animais.
A essência do problema, no entanto, mantém-se de pé, urgindo ser solucionado, como se impõe. Não está somente em jogo considerável parcela da economia local, mas também os interesses da própria população lisboeta, que se vê e deseja para encontrar carne. Tantos deslocam-se a Almada para esse fim. Ainda no dia 4 do corrente o matadouro da capital abateu gado em quantidade que, distribuída a carne respectiva pelos 409 talhos da cidade, caberia a média de meio quilo a cada um deste estabelecimentos!
E nós aqui com tanta abundância ... e necessidade de a transformar em «pão» para a gente dos nossos campos!
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Não entramos em apelos patrioteiros mas dói-nos ver os Açores a olhar para a carne e as manteigas importadas do estrangeiro, quando aqui há gado à espera de embarque, quando mais e mais se podia produzir - o que se traduziria em riqueza local e consequentemente nacional.
Somos nos Açores 350 000 portugueses, e se isto não fosse suficiente outras razões poderíamos aduzir para lembrar que tem de chegar a nossa hora - a hora de um plano delineado racionalmente a favor da economia local.
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Segundo informação telegráfica da delegação de Lisboa para a delegação da Junta Nacional dos Produtos Pecuários em Angra, o navio-motor Corvo partiu já de Lisboa com rumo a esta ilha, a fim de carregar gado.
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O que acabo de ler significa e confirma, de certo modo parte de quanto aqui se tem brilhantemente afirmado e que, no que se refere aos Açores, me dispenso, por isso, de desenvolver, a saber e em síntese: que uma das razões das deficiências do abastecimento de carnes está no mau aproveitamento de todas
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as nossas possibilidades de produção, em que sobressai a das ilhas dos Açores, as quais, pela especial qualidade das suas pastagens e do seu gado bovino, podem desempenhar, e já desempenham mesmo, relevante papel naquele abastecimento; que, todavia, o aproveitamento da produção das ilhas açorianas, mesmo que facilitado com matadouros-frigoríficos, está sempre intimamente ligado com o problema das comunicações das ilhas entre si e com o continente, infelizmente ainda sem solução satisfatória; e que, entretanto, a eficácia de tal aproveitamento dependerá também da sua coincidência com as épocas de produção e as necessidades do mercado consumidor, bem como da sua conjugação e harmonia com os demais centros produtores.
Mas o que reproduzi da imprensa da minha terra comporta, sem dúvida e para além do que assinalei, um outro significado: traduz um pouco do sentido humano das coisas da economia, que às vezes pode ser esquecido, mas que nem por isso deixa de constituir autêntica glória da nossa civilização.
Em verdade, no lado de lá, isto é, no da produção, o bovino, ou qualquer outra espécie, que nasce, cresce e engorda para ser exportado e consumido é a concretização do trabalho e do suor do homem, dos seus cuidados e sacrifícios no granjeio do pão para seus filhos, é o meio de subsistência d« uma família que trabalha para viver e não vive para trabalhar, é a riqueza, às vezes única, de certas terras, imprimindo-lhe feição particular. E lembro, a propósito, tpe os Açores constituem três distritos, autónomos e distintos, que a geografia, a história « o direito instituíram com algumas particularidades que não seria justo nem conviria ignorar.
No lado de cá, isto é, no do consumo, a carne vendida e comprada para a alimentação é o modo de vida do açougueiro, é, sobretudo, a transformação do salário ou da remuneração do emprego ganhos pelo trabalho de cada dia, em sustento de uma família, - e é a saúde de uma população inteira.
Ora, todos estes, tanto num como noutro lado, quer em relação às pessoas, quer às terras, são elementos e factores de vida - que tem de ser digna - e são, por conseguinte, valores humanos - que têm de ser considerados e respeitados.
Harmonizar com eles a técnica que vier a ser adoptada para solucionar a questão será simplesmente, mas justa e devidamente, fazer economia humana, que é a verdadeira.
O problema do abastecimento de carnes - volto a afirmar- também tem a sua filosofia.
Produz-se carne para viver ... e consome-se carne para viver . . .
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Manuel Vaz: - Sr. Presidente: já anteriormente à publicação do despacho de 18 de Novembro de 1955 pelo Ministro da Economia, em que se estuda e procura solucionar o problema da falta de carnes para o consumo público, era minha intenção abordar este assunto, que em boa hora o nosso ilustre colega engenheiro Nunes Mexia se resolveu a tratar, com a sua conhecida proficiência em assuntos agro-pecuários, em que é mestre consumado.
Deve-lhe, por isso, o País, e a lavoura portuguesa em particular, mais um assinalado serviço.
Bem haja por ele.
A falta de carne, sobretudo de carne de vaca, que aflige o País resulta, como» não podia deixar de ser do facto de a produção nacional ser insuficiente pura acudir às exigências do consumo público; ou, mais concisamente: não há carne porque falta o gado que a produz.
Que não há carne que chegue para o consumo todos nós o sabemos, todos nós o sentimos, porque, afinal, todos nós somos também consumidores.
O que o despacho nos veio informar foi da grandeza dessa escassez e das quantias que temos despendido por a importação de carnes estrangeiras, em proveito, portanto, de economias estranhas.
Os deficits situam-se numa ordem de grandeza que pode computar-se entre 3000 t e 12 000 t anuais, e a importância despendida com aquela importação nos oito anos que mediaram entre 1946 e 1954 foi da ordem dos 92 000 contos, o que não deixa de ser uma quantia respeitável.
Procurando explicar as causas desses deficits, o despacho anote em primeiro lugar o tabelamento rígido dos preços das carnes para venda ao público.
E não há dúvida de que ele contribuiu poderosamente para o desinteresse da lavoura pela criação de gado.
Perante uma tabela fixa de preços era natural que o criador de gado examinasse os preços de custo da sua criação e tivesse chegado, como chegou, à conclusão de que lhe não valia a pena dedicar-se a essa indústria, porque ela ou não lhe daria lucros ou lhe - acarretaria prejuízos, e, nestas circunstâncias, desistisse.
Foi o que aconteceu.
O lavrador examinou a situação e verificou que a criação de gado era um negócio ruinoso.
Pô-lo, por consequência, de parte, limitando-se a possuir o gado estritamente necessário para o seu trabalho agrícola, se é que o não substituiu por meios mecânicos ou outros instrumentos de trabalho sempre que pôde.
O resultado foi uma grande oferta no começo, que lentamente tem ido diminuindo e cuja baixa se acentuará cada vez mais, se não se adoptarem medidas que renovem e estimulem o perdido interesse da lavoura pela criação de gado.
(Nesta altura ocupou o lugar de 2.º secretário o Sr. Alberto Pacheco Jorge}.
Com o fim de estimular a produção de gado, propõe o despacho referido, por um lado, a fixação de preços máximos de venda de carne ao público e, por outro, os mínimos a garantir ao produtor daquele.
Em princípio, teoricamente pelo menos, parece que esta solução é aceitável ... desde que os mínimos a fixar para os custos de produção considerem que a criação de gado é uma indústria e que ao exercício dessa indústria tem de assegurar-se um lucro razoável, um lucro legítimo, e desde que o organismo responsável pelo abastecimento público, que é a Junta Nacional dos Produtos Pecuários, garanta n absorção total dos produtos oferecidos, a esses preços mínimos, nas ocasiões da maior oferta.
O essencial seria, pois, que os mínimos a estabelecer para a compra do gado fossem de molde a cobrir as despesas da sua criação e permitissem ainda uma margem de lucros razoável e estimulante.
Para os fixar ter-se-ia necessariamente de atender ao custo do gado para recria e, nas pequenas explorações agrícolas, ao da compra do gado de trabalho, que é a fonte principal do nosso abastecimento.
E, assim, estaríamos em frente de um tabelamento móvel, cujos máximos ou mínimos teriam oscilação sincronizada, de modo que, ao ser necessário aumentar ou reduzir os mínimos fixados, aumentassem ou fossem
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reduzidos os máximos estabelecidos correspondentemente.
A eficiência da solução, conteúdo, a meu ver, doutrina aceitável, dependerá apenas da forma como ela seja executada.
E quanto à forma como o será direi apenas: veremos e depois falaremos. Mas não creio muito na sua perfeita execução.
O problema do fomento do gado para consumo público assenta principal, para não dizer exclusivamente, nesta verdade axiomática: não teremos gado, e consequentemente não teremos carne, enquanto ele não for pago ao lavrador «por um preço que o anime a sua criação, pela segurança de um lucro certo e razoável, partindo-se do preço do gado de trabalho, a fonte principal dos nossos abastecimentos.
Mas poderemos nós ter carne em abundância, pelo menos em quantidade suficiente para o integral abastecimento do País?
Às autoridades na matéria afirmam que isso é impossível, com impressionante unanimidade.
Permito-me duvidar de semelhantes certezas. E, pelo contrário, estou convencido não só da sua possibilidade mas até da sua relativa facilidade. Lamento o facto de que entre o anúncio deste aviso prévio e o início da sua apreciação não tivesse havido um lapso de tempo que permitisse a sua análise e estudo com maior profundidade.
Sabe-se que a necessidade anual do consumo de bovinos pode situar-se entre as
40 000 t a 50 000 t. Bastaria averiguar os efectivos de que actualmente se poderá dispor para o abate e calcular, com base no número dos
lavradores - criadores e no tempo necessário para a recria - em média quatro anos -, as disponibilidades futuras, que aumentarão consideravelmente desde que a criação de gado não seja uma aventura economicamente - perigosa, mas regularmente lucrativa.
Diz-se que o País não tem as condições agro-climáticas necessárias para nos dedicarmos a explorações de gado bovino, exigente de boas e abundantes forragens, que só os bons terrenos com água, ou, pelo menos, frescos, .podem oferecer. E confia-se muito nas obras da hidráulica agrícola, que me parece terem feito surgir mais problemas do que ajudado a resolver os que já existiam, para o fomento da produção.
Mas o problema não pode pôr-se assim duma maneira absoluta, para bem se observar.
Para um estudo sério teremos de dividir o País em duas zonas agrícolas inteiramente distintas. A do Norte, caracterizada pelo excessivo parcelamento da propriedade, e a do Sul, dominada pelo latifúndio e que me parece a única para que se voltam todas as atenções.
Nesta última, excepção feita das margens do Tejo e do Sado e dos terrenos que vierem a ser futuramente irrigados, o clima e o solo, efectivamente, não são propícios para a criação de gado vacum, dada a extrema secura deste e o excesso de calor na época estival.
Por outro lado, a grande extensão territorial da propriedade só permitiria a criação desse gado em larga escala, em escala propriamente industrial, para os fins quase exclusivos de produção de carnes ou de leite, tanto mais que os meios mecânicos da cultura da terra já ali estão a ser empregados, largamente, tornando o boi praticamente inútil para esses trabalhos. E não me parece que no País se encontrem condições próprias à criação de gado vacum em escala industrial.
No Norte, pelo contrário, a pequenez da propriedade e a sua dispersão por glebas mais ou menos numerosas tornam indispensável o concurso desse precioso auxiliar do esforço humano e inviável o trabalho mecânico.
O lavrador-proprietário é simultaneamente o lavrador-criador.
Tem de ter gado. Não pode dispensar o gado. E então, e em harmonia com a maior ou menor grandeza da sua exploração agrícola, assim terá uma, duas ou mais juntas de gado.
O clima e a frescura das terras do Norte, embora só excepcionalmente se possam considerar óptimas, são, no entanto, bastante favoráveis a essas criações, regularmente favoráveis para esta espécie de gado.
Estas procuravam-se ali mais ou menos nos seguintes termos:
Em começos de Março todo o lavrador adquiria a sua junta de gado. Na sua compra regulava-se ele, quanto a idade e tamanho, pelo volume de trabalhos que teria de realizar pelo ano agrícola adiante.
Se esse trabalho não era grande, uma simples junta de bezerros, muitas vezes por amansar, era o suficiente.
Ao findar do ano agrícola, aí por Setembro, começava o tratamento do gado para venda, aliás nunca descurado, mesmo nos períodos de maior azáfama agrícola, pois o gado era tratado com desvelado carinho.
Os bezerros transformavam-se em bois de bela apresentação.
E os bois grandes, nédios, gordos, apresentavam-se nas feiras como verdadeiras montanhas de carne, a tremer de gordura.
Havia vaidade nisso.
Recordo-me de que ainda não há muito tempo se venderam juntas por mais de 20 contos.
A criação de gado constituía para o pequeno e médio lavrador nortenho uma espécie de mealheiro, onde durante o ano ia acumulando as suas economias, com as quais na época própria pagava as suas contribuições, se vestia, a si e à família, e acudia às necessidades mais prementes do seu agregado familiar.
Mas ultimamente tudo isso mudou. O positivo e o concreto é que ele comprava, com dinheiro muitas vezes emprestado, o gado de que carecia para o trabalho agrícola mais caro do que o vendia na feira depois de engordado. Assim deixou de ter para ele interesse a existência na sua pequena e mediana exploração agrícola da tradicional junta de bois. De começo ainda reagiu, tentando substituir a junta de bois pela de vacas, mais barata e que sempre lhe daria, no decurso do ano, uma ou duas crias, cuja venda constituía um complemento económico da sua depauperada economia.
Este deve ser o principal motivo por que se não cria nem recria e se procede indiscriminadamente à matança dos inocentes, como já alguém chamou ao abate dos vitelos com menos de dois meses. Pelo menos no que se refere ao gado de trabalho, pois no que diz respeito ao leiteiro a venda do leite, mesmo a baixo preço, é ainda mais remuneradora do que essa criação.
Mas a substituição do boi pela vaca não melhorou a situação do pequeno
lavrador-criador. E assiste-se agora a uma mutação mais radical.
Como ele não pode dispensar o trabalho animal, o gado vacum começa a ser substituído pelo cavalar, muar e asinino, mais barato, mais sóbrio, com mais largos períodos de utilização e com muito menor desvalorização e muito mais resistente as intempéries.
Há povoações lá para o Norte onde já hoje não existe; por assim dizer, uma só junta de bois.
A tendência actual é esta na minha região.
Se ela persistir e se se acentuar veremos diminuídos substancialmente os efectivos bovinos numa das zonas do País mais criadoras de gados desta espécie e que era das maiores abastecedoras do consumo público nacional; de uma zona do País onde a pecuária foi sempre uma indústria familiar tradicional e donde são originárias as melhores raças de gado vacum do País:
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a mirandesa, de formas elegantes e grande corpulência, e a barrosã, considerada uma das produtoras de carnes da mais alta qualidade não só do País como do mercado, sem falar na penata ou paivota, raça serrana do Sul do distrito, sólida, resistente e sóbria, e que atinge por vezes corpulência idêntica à do gado mirandês, talvez resultante do cruzamento da mirandesa com a ai
A continuarmos assim, não Be pode pensar em fomentar o armentio nacional destinado ao consumo público.
Nas entrelinhas do despacho que estou a analisar pareceu-me - poder anotar uma preocupação a dominá-lo.
Quando ele se refere à necessidade de obter maiores possibilidades forraginosas, essa preocupação orienta-se, indiscutivelmente, para as terras secas do Alentejo.
Quando nele se preconiza a importação de reprodutores estrangeiros das raças mais indicadas para a produção da carne é ainda o Sul do País que parece visionar-se.
Esses reprodutores ao podem interessar, se é que na realidade a experiência os venha a aconselhar, às grandes explorações industriais que se dediquem exclusivamente à criação de gado para o matadouro, e não ao pequeno e médio lavrador-criador nortenho, que do seu gado procura obter trabalho, estrumes e carne.
De resto, para que importar gado estrangeiro, com a finalidade única de obter carnes, se temos no País raças indígenas que, bem tratadas, bem apuradas, bem seleccionadas, podem fornecê-las e de superiores qualidades?
Podemos trazer o gado; o que não poderemos é trazer o clima, o solo e os pastos das suas terras de origem.
A meu ver, o que o interessa não é importar gado para reprodução, e mas o melhoramento das nossas raças indígenas, evitando as suas cruzas e utilizando e fornecendo os melhores e mais perfeitos exemplares de animais reprodutores de cada uma delas.
Sem excepção para o gado leiteiro, que carece de ser melhorado pelo mesmo processo.
O Norte do País (Minho, Trás-os-Montes, distrito do Porto e Beiras) foi sempre grande região produtora de gado-grande abastecedora do consumo público, devido ao facto de ò clima favorecer essa produção e ao sistema agrário que ali predomina.
E será ele, sem dúvida, que durante muitos anos continuará a fornecer a carne necessária, se pára tanto o estimularmos, oferecendo-lhe preços que não sejam de ruína.
Em Trás-os-Montes, porém, não foi apenas o baixo preço da compra de gado ao criador e o alto preço do gado de trabalho que contribuíram para a diminuição considerável dois efectivos pecuários.
Como a região fica distante dos grandes centros consumidores e como os grémios da lavoura não possuem organização capaz para defender o pequeno e médio lavrador, seu associado, das garras do comerciante de gado, ele vê-se na necessidade de lho entregar pelo preço que este lhe oferece, que é sempre o mais baixo possível, devido a encontrar-se organizado em «cambões» e não encontrar quem lhe faça a menor concorrência.
Por outro lado e na região de Barroso, nos concelhos de Boticas e Montalegre, zona com uma extensão superior a toda a área do distrito de Viana do Castelo, onde a criação do gado barrosão foi a indústria secularmente tradicional, onde a riqueza do lavrador regional se estimava pelo número de cabeças que possuía, onde a sua apascentação se fazia ainda, em muitos sítios, segundo um. regime comunitário tradicional e na proporção dos haveres de cada um, aquela criação sofreu duro golpe, que praticamente quase a aniquilou, pelos motivos seguintes:
A cultura da batata, mais remuneradora, levou os lavradores a arrotearem os seus lameiros, a «vessarem-nos», como ali se diz.
E faltaram as pastagens e faltaram os fenos desses magníficos prados naturais, dificultando a criação do mal não seria muito grande se cumulativamente não surgissem outros factores para o agravar. A supressão dos baldios paroquiais, arrebatados pela Junta de Colonização Interna e pêlos serviços florestais à fruição comum das populações, onde o gado regional era habitualmente e durante muito tempo apascentado, provocou uma redução drástica nos efectivos pecuários locais que não será muito fácil ressarcir.
O gado barrosão está a desaparecer, substituído pelo paivoto; mais rijo para o trabalho e mais sóbrio na alimentação, permite a redução numérica dos efectivos individuais e anula a criação, pela substituição da vaca pelo boi.
Hoje, apenas para os lados da Venda Nova, próximo das barragens ultimamente construídos, se encontrarão os exemplares mais puros e os melhores
representantes dessa raça magnífica, que ameaça extinguir-se, e em algumas explorações agrícolas da província do Minho.
É preciso salvar o que resta, e com urgência, fazê-la voltar ao seu antigo esplendor, defendendo-a das cruzas, que a prejudicam, e fomentando a sua maior expansão, pela defesa sanitária, pela luta contra a esterilidade, pelo ensino técnico da alimentação, etc., em colaboração com os serviços oficiais.
Aí justificam-se os maiores estímulos, todos os esforços e os mais largos investimentos.
Sr. Presidente: vou terminar, resumindo esta minha desvaliosa intervenção.
Para termos gado, para termos carne, é preciso pagados condignamente, sem exageros, mas condignamente, repito, de maneira a animar a produção a criar, pela revalorização do gado de trabalho, depois da engorda.
Esta coisa de se pretender ter ao mesmo tempo «sol na eira e chuva no nabal» é impossível.
O preço da carne depende do custo do gado que a fornece.
O consumidor - e todos nós o somos - merece ser defendido da especulação, mas a sua defesa não pode ir até ao ponto de arruinar as fontes de produção.
Defendam-se os interesses respectivos por meio de um sistema de justo equilíbrio - os interesses legítimos de uns e de outros.
Espero, sinceramente, que a política anunciada no despacho de S. Ex.ª o Ministro da Economia seja executada com precisão e brevidade e confio que dessa execução resulte o ressurgimento da nossa actividade pecuária e um mais completo e perfeito abastecimento público, para o bem de todos e em proveito da Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pedro Cymbron: - Sr. Presidente: o estudo de diversos - problemas, como sejam o da satisfação das necessidades do País em carne, o dos preços e qualidades, e do alargamento do consumo, etc., tem, creio, bom lugar no debate que o aviso prévio do Sr. Deputado Nunes Mexia levantou.
Sem dúvida o assunto é actual, porque consumimos pouca carne, girando a nossa capitação à roda de 10 kg, como já aqui foi dito.
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A alimentação dos Portugueses ú deficiente em proteínas animais. Partindo de números colhidos num interessante trabalho do Dr. Pereira de Matos, posso dizer que necessitamos actualmente de cerca de 100 000 t de proteínas por ano.
Ora a nossa pecuária não se encontra cm condições de nos fornecer mais de
20 000 t, e tomo o peixe só nos dá cerca de 40 000 t. precisaríamos ainda de
35 000 t aproximadamente para estarmos devidamente providos de azoto animal. Tendo em vista que o peixe ó distribuído principalmente na faixa litoral, deve dar-se o facto de uma parte do País estar suficientemente abastecido de proteínas, enquanto a outra, a que vive longe do mar sofre grande falta delas.
Os alimentos azotados mais baratos são os das leguminosas, mas as proteínas desta proveniência mas substituem as de origem animal indispensáveis à vida humana, e destas as fornecidos em melhores condições de preço provém primeiro dos peixes, depois do leite, sendo a da carne muito mais cara, apesar de a carne portuguesa ser uma das mais baratas do Mundo.
Parece, pois que a baixa capitação da carne entre nós não é consequência de preços elevados, antes depende do fraco poder de aquisição do consumidor, o que não quer disser que a decida do preço tia carne, pelo menos das qualidades inferiores que, embora menos agradáveis ao paladar, são de igual valor energético e proteínico, não levasse ao aumento do consumo, tão necessário à boa alimentarão do nosso povo.
O abastecimento mais completo possível do País por matéria-prima nacional teria a maior importância dado que para suprir cora produto importado as grandes deficiências de carne que em determinados anos surgem, são necessárias muitas dezenas de milhares de contos. É quase só a este aspecto do assunto um discussão, isto é, à cobertura das faltas pela pecuária portuguesa, e particularmente pela pecuária açoriana,- que pretendo referir-me.
A fim de se poder determinar até que ponto é possível o auto-abastecimento, parece-me indispensável compreender os motivos que provocam as oscilações dm oferta de animais para abate, aliás muito intensas, pois, como diz o despacho de S. Ex.ª o Ministro da Economia, chegam a atingir 30 por cento do valor máximo do consumo, que é da ordem das 40 000 t anuais, porque, uma vez diminuída a amplitude daquelas oscilações mais fácil será solucionar o problema.
Devo desde já dizer que apesar de ter lido alguns trabalhos, ouvido especialistas de muito mérito e, alguma coisa ter meditado sobre o assunto, não consegui esclarecer-me - acerca das origens da elevada amplitude de variações da oferta. E. no entanto, estou aqui porque, embora não possa trazer a solução do problema, julgo de interesse chamar a atenção para a ajuda que os Açores podem dar ao abastecimento do continente.
A inconstância em Portugal da oferta de animais para a ocasião vem de longe. Olhando a curva do consumo de carne desde o princípio deste século, nota-se certa estabilidade até 1915 pois as oscilações eram pequenas, raramente atingindo 10 por cento, e os preços não se afastavam dos que hoje se praticam. Saltando o período da guerra de 1914, verificam-se a partir de 1920, variações enormes, que vão desde 59 000 animais adultos até 117 000.
Depois da última guerra a curva mantém o carácter de variação desordenada. Não se descortina qualquer lei no seu traçado. Os prazos de tempo que afastam as épocas sucessivas do rarefacção ou de abundância são irregulares.
Tem-se, imputado a responsabilidade das oscilações à instabilidade do clima, que não pode, creio, ser culpado senão por pequena parte do mal. De facto, os cinco distritos do Sul do Tejo, os mais sensíveis às inconstâncias no tempo, têm apenas 12 por cento dos bovinos do País, ao passo que os quatro distritos do Norte Litoral - Aveiro, Porto, Braga e Viana -, os que menos sofrem com as variações climáticas, possuem quase 40 por cento do gado vacum continental.
Mesmo que as secas levassem ao desaparecimento de parte importante das imanadas do Sul do Tejo o abastecimento não podia ser atingido da forma que realmente é.
Por outro lado vemos que os distritos do Alentejo e Algarve possuem quase 40 por cento das ovelhas e a oscilação da oferta dos ovinos para abate, nos últimos anus, raras vexes atinge 7 por cento.
Segundo números que o Sr. Deputado Nunes Mexia nos deu. verifico-se que em 1954 - ano de grande oferta de bezerros para abate - os preços abaixo do médio mantiveram-me por menos tempo do que em outros anos, o que prova não ter sido aquela oferta devida ao receio de os animais morrerem de fome.
Parece mais razoável ligar a instabilidade da oferta a origens de ordem económica, que podem interferir na recria, na idade média de abate e em certos elementos que perturbam a afluência de animais ao mercado consumidor.
Conforme disse há pouco, não consegui esclarecer o meu espírito quanto às razões da inconstância da oferta de reses para a alimentação e, consequentemente, quanto às soluções para esse mal de fundo. Desde a subida à baixa de preços, muitos remédios tenho ouvido aconselhar para a regularização do problema, mas, sem dúvida, os Açores, têm uma existência que vem há anos a aumentar, podem dar ao seu fornecimento uma uniformidade muito conveniente.
Aquelas ilhas parecem especialmente destinadas a, produção de pastagens de excepcional valor. A riqueza peruaria é já muito grande e continua a crescer. Segundo o censo de 1940. os Açores tinham 112 000 canecas de gado bovino, sendo 27 000 no distrito da Horta, 42 000 no de Angra do Heroísmo e 43 000 no de Ponta Delgada. Apresentam-se já aqueles distritos como os de maior densidade do País em gado vacum, pois Angra aparece com 22 000 kg de peso vivo por quilómetro quadrado, Ponta Delgada com 20 000 kg e Horta com 12 000 kg.
Estima-se a existência actual do distrito de Ponta Delgada em 55 000 cabeças e os de Angra e Horta também têm aumentado notavelmente os seus armentios. Não será arrojado calcular em 150 000 o número de bovinos existentes nos Açores, com rapacidade para muitíssimo mais, visto as possibilidades de alargamento da área de pastagem e o melhoramento qualitativo delas serem imensos.
A posição actual é a seguinte:
O distrito de Angra do Heroísmo, com uma área total de 695 km2, tem 122 km2 ocupados com pastos, enquanto o da Horta dispõe de 765 km2, dos quais 165 km2 apastados, e o de Ponta Delgada, com 843 km2, destina 93 km2 a pastagens. Existem nas ilhas do Faial, Pico, Flores e Corvo, respectivamente, 16 km2, 25 km2 53 km2 e 8 km2 de baldios, com aptidão agrícola, fora os incultos particulares, que andam por 240 km2.
Não tenho informações dos incultos existentes 110 distrito de Angra do Heroísmo, mas, segundo trabalhos recentes, as culturas, incluindo inatas, ocupam cerca de
315 km2, ficando portanto 360 km2 de incultos e 150 km2 de áreas sociais e litorais, o que permite admitir a subida intensa de terrenos a transformar em pastagem.
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A ilha de S. Jorge, de acordo com elementos que possuo, acusa possibilidades muito grandes de aumentar a superfície destinada à pecuária.
A ilha Graciosa, com os seus escassos 60 km2, tal como a do Corvo, pouco pode influir na pecuária do arquipélago.
No distrito de S. Miguel, a ilha de Santa Maria (pequena também - 97 km3) escassa influência terá na evolução do problema açoriano, mas pode intensificar-se largamente a sua riqueza pecuária, porque, nau obstante o aeroporto ter ocupado muito terreno destinado u criação do gado, existem ainda incultos agricultáveis.
A ilha de S. Miguel, segundo um estudo consciencioso do engenheiro silvicultor Estrela Rego mandado fazer pela Junta Geral, apresentava há vinte e cinco anos cerca de 240 km2 de incultos, dos quais 50 km2 de baldios.
A posição hoje é bem diferente, pois os baldios entregues aos serviços florestais estão a transformar-se em matas, certamente tão belas como as que a iniciativa privada criou, e os incultos particulares têm sido intensamente trabalhados. Estudo realizado há cerca de um ano considera ainda agricultáveis 13 000 ha aproximadamente, dos quais parte importante dará pastagem de boa qualidade.
A par do aumento das áreas destinadas a alimentação de gado, a qualidade dos pastos também será de considerar, e nesse sentido alguma coisa os Açores devem á Junta Nacional dos Produtos Pecuários, que manteve naquele arquipélago durante anos o engenheiro Cidrais, técnico muito dedicado e competente.
Na estação agrária da Junta Geral de Ponta Delgada aqueles estudos prosseguem ainda, sob a direcção superior do engenheiro Cidrais.
Especialistas que tenho consultado não se opõem à ideia de ver triplicada a população bovina dos Açores, o que corresponderia a um total de mais de 100 000 cabeças em cada distrito.
Isto quer dizer que o arquipélago pode fornecer 4000 t a 5000 t de carne óptima, visto o gado açoriano ser sempre classificado nus duas primeiras qualidades.
O frigorífico que vai ser construído com certeza, visto a Câmara Municipal de Ponta Delgada já ter assegurado empréstimo e comparticipação do Estado, em breve estará a dar as suas provas.
A visão dos administradores e dos técnicos da Junta Geral de há trinta anos orientou a pecuária bovina para a produção de leite, não esquecendo o
aproveitamente para ceva, e assim se chegou a animais de alta qualidade como leiteiros e de boa carne.
Outra raça foi introduzida recentemente por sugestão do intendente da Pecuária de Ponta Delgada, inteiramente aprovada pelo director-geral dos Serviços
Pecuários, cujos esforços, diligentes e inteligentes, em prol das nossas ilhas me apraz muito registar aqui; aquela raça bem classificada para leite e talho, mas mais rústica do que a holandesa, está destinada a obter melhor rendimento do que esta nas regiões montanhosas do distrito, nas quais o holandizado perde valor funcional.
Como as áreas ainda incultas se encontram todas nas zonas altas e montanhosas, considera-se de grande importância encontrar-se gado que nelas viva em melhores condições.
Ao fomentar o desenvolvimento pecuário dos Açores caminha-se no sentido de aliviar de forma sensível as dificuldades de abastecimento de carnes do País sem perigo de excesso, porque a qualidade da produção açoriana permite encarar a sua entrada nos mercados internacionais.
Não tem sido considerado economicamente viável, pelo menos naquelas ilhas, a exploração pecuária só para carne; a multiplicação do número de cabeças de gado vacum originará paralelamente o aumento da produção leiteira que é necessário colocar.
Já se produzem nos Açores lacticínios e subprodutos do leite cuja qualidade pode enfrentar qualquer concorrência e quando o ciclo económico da pecuária bovina encontrar o equilíbrio (e vai a caminho disso) poderemos ver os produtos do leite daquele nosso arquipélago na mesa do consumidor estrangeiro.
Vai no entretanto estudar-se a adaptação de raça destinada só a ceva.
Estou certo que as estradas de penetrarão em condições de servirem a lavoura açoriana, e elas comeram a aparecer nas zonas dos incultos, vão ter importante papel no desenvolvimento e melhoria económica da nossa lavoura. O Sr. Ministro das Obras Públicas, que apreendeu perfeitamente o problema no seu conjunto, está a prestar a melhor atenção àquela rede rodoviária e já tomou medidas para que as realizações não se façam esperar em S. Miguel e Santa Maria.
Sr. Presidente: pretendi somente pôr em evidência o auxílio que os Açores podiam trazer ao abastecimento de carnes do País, problema grave e parece-me, de difícil solução.
A participação açoriana poderá ajudar a tornar monos irregular o abastecimento e, assim, diminuir as causas de falta no mercado, cujas consequências de toda a espécie não é necessário citar.
Torna-se, porém, indispensável que o Governo facilite os trabalhos em curso pelas juntas gerais com o amparo dos serviços do Estado, que permita aquelas juntas a revisão dos seus quadros - pois é indispensável fazê-lo lá como cá e a propósito lembro o que há dias disse, e muito bem, o Sr. Deputado Melo Machado -, e que, para animar a lavoura açoriana, o consumo continental mantenha fidelidade à produção daquele arquipélago.
Reconheço e agradeço a colaboração que as direcções-gerais estão dando ao distrito de Ponta Delgada e considero de grande, importância os trabalhos de divulgação que a F. O. A. tem cm curso nos Açores.
Resumo as minhas palavras nas duas seguintes conclusões:
1.º Os Açores, com uma riqueza pecuária em constante subida, estão em condições de aumentar muito o contingente que ultimamente tem fornecido ao continente e podem fazê-lo com uma constância de grande utilidade para a regularização do abastecimento;
2.º O fomento da produção açoriana depende de. medidas governamentais de facílima execução.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - O debate continuará em ordem do dia da sessão de amanhã. Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 2 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Pinto de Meireles Barriga.
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Armando Cândido de Medeiros.
Carlos Mantero Belard.
Jorge Pereira Jardim.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque
Paulo Cancella de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Rui de Andrade.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Antão Santos da Cunha.
António Júdice Bustorff da Silva.
António dos Santos Carreto.
Artur Águedo de Oliveira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Afonso Cid dos Santos.
João da Assunção da Cunha Valença
João Luís Augusto das Neves.
João Maria Porto.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Sousa Machado.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Ricardo Vaz Monteiro.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPBBKSA NACIONAL DE LISBOA