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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 121
ANO DE 1956 2 DE FEVEREIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.º 121, EM 1 DE FEVEREIRO
Presidente: Ex.mo Sr. Augusto Cancella de Abreu
Secretários: Ex.mos Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
Alberto Pacheco Jorge
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 120.
Foram autorizados os Srs. Deputados D. Maria Margarida Lopes dos Reis, D. Maria Leonor Correia Botelho, Araújo Correia e António Teixeira de Sousa a depor como testemunhas na Policia Judiciária.
O Sr. Deputado Manuel Vaz falou sobre a localização da indústria de siderurgia em Tràs-os-Montes.
Ordem do dia. - O Sr. Deputado Abel de Lacerda efectivou o seu aviso prévio acerca da situação dos museus, palácios e monumentos nacionais.
O Sr. Deputado Bartolomeu Gromicho requereu a generalização do debate, que o Sr. Presidente concedeu e usou da palavra.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente : - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agnelo Ornelas do Rego.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Eduardo Pereira Viana.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Carito.
João Ameal.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Luís Augusto das Neves.
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João Maria Porto.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque
Mário de Figueiredo.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Urgel Abílio Horta.
O Sr. Presidente:- Estão presentes 71 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.° 120, relativo à sessão de ontem.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja apresentar qualquer reclamação, considero aprovado o referido Diário das Sessões.
A Subdirectoria de Lisboa da Polícia Judiciária solicitou autorização para serem inquiridos como testemunhas os Srs. Deputados D. Maria Margarida Lopes dos Reis, D. Maria Leonor Correia Botelho, Araújo Correia e António Teixeira de Sousa.
Estes Srs. Deputados entendem não haver inconveniente em que seja concedida a autorização solicitada.
Se nenhum Sr. Deputado tem qualquer objecção a fazer, será concedida essa autorização.
Pausa.
O Sr. Presidente:- Está autorizado.
Pausa.
O Sr. Presidente:-Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Manuel Vaz.
O Sr. Manuel Vaz: - Sr. Presidenta: Pedi a palavra para fazer algumas considerações a propósito da localização da indústria siderúrgica.
Este assunto já aqui foi abordado por vezes e em algumas delas com certa vivacidade. Nas intervenções a este respeito têm-se indicado ou sugerido três localizações como possíveis, sendo uma no Norte, nas cercanias de Leça, a 2 km ou 3 km de Matosinhos e mais ou menos 6 km do Porto.
As outras duas, no Sul do País. Uma delas seria em Alcochete, próximo do Montijo, nas margens do Tejo e relativamente perto de Lisboa. A outra pretende localizar a indústria nas margens do Sado, na península da Mitrena, a 6 km da zona periférica da cidade de Setúbal.
Permito-me discordar destas três indicações. Não vou analisar miudamente as razões invocadas pêlos defensores de qualquer delas, que no seu conjunto não foram suficientes para me convencerem de que nas localizações propostas se encontravam os locais mais adequados para se proceder à montagem de uma indústria como a siderurgia. Antes pelo contrário.
Ao abordar este assunto move-me a esperança de que estas despretensiosas considerações possam contribuir para o esclarecimento de um problema incontestavelmente nacional, pela grandeza dos capitais a investir e pela forte projecção que virá a ter na vida económica e social da Nação.
Não se pode, portanto, tentar resolvê-lo de ânimo leve, precipitadamente, levados por sentimentalismos regionalistas da nossa maior simpatia e menos ainda pêlos exclusivismos de interesses individuais dum grupo ou duma empresa, embora, e porque se trata de uma indústria, eles sejam de considerar.
Pela minha parte, sem ligação de qualquer espécie a empresas comerciais ou industriais, que nunca tive nem já agora espero ter, procuro analisar o problema com independência e objectividade, tanto mais que me não cegam preocupações regionalistas que me apaixonem.
Sr. Presidente: é a necessidade de um bom porto de mar que fundamenta as pretensões dos que defendem qualquer das referidas localizações.
E esta necessidade baseia-se principalmente na solução proposta pela empresa Siderurgia Nacional do alto forno a coque para o caso português.
Nesta hipotética solução teremos de importar o coque metalúrgico de que carecemos, porque o não possuímos.
A sua importação exigiria um bom porto de mar, uma vez que o seu volume será da ordem mínima das 140 000 t a l50 000 t só na primeira fase prevista pela Siderurgia Nacional. S. A. R. L.
Os barcos de uma certa tonelagem que o transportem carecem de acessos cómodos e facilidades amplas de descarga.
Acresce que os fretes marítimos são mais baratos do que os ferroviários, calculando-se em pouco mais de 50 por cento do custo destes, o que não deixaria de ter relativa importância em relação ao transporte de mais algumas matérias-primas indispensáveis à laboração da indústria, bem como à distribuição pêlos mercados consumidores dos produtos manufacturados.
Mas, como muito bem diz o engenheiro Augusto da Fonseca, director do Porto de Setúbal: para o estudo da localização temos de partir de premissas certas, as quais a não se verificarem tirarão qualquer valor às afirmações que se fizeram.
E ele parte do princípio de que se irá para a obtenção do ferro por redução do minério em alto forno a coque, solução que duvidamos venha a concretizar-se.
Ora, uma vez que esta solução, simplesmente proposta, ainda não está definitivamente assente, o problema portuário deixa de ter a importância vital que se lhe quer atribuir, podendo encarar-se qualquer outra localização que reúna um maior número de factores favoráveis ao bom êxito do empreendimento. E ainda mesmo que essa fosse a solução que viesse a adoptar-se, restaria saber se no conjunto não haveria maiores vantagens, não só económicas no fabrico do ferro, como também de outra (...)
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(...) natureza, como políticas, sociais, sanitárias e de segurança nacional, em localizá-la em qualquer outra parte.
Este ponto restrito, mas importante, do problema ainda não foi esclarecido com documentada clareza.
Mas à minha sensibilidade de português repugna aceitar esta solução.
Considero-a inconveniente do ponto de vista nacional, porquanto nos obriga a importar o coque metalúrgico, que não possuímos, ou, pelo menos, carvões estrangeiros destinados ao seu fabrico, em instalações a montar, o que vem a dar na mesma.
São centenas de milhares de contos que todos os anos sairão para fora do Pais, anulando em parte os benefícios que da indústria se esperam e desequilibrando ainda mais a nossa já desequilibrada balança de pagamentos.
O Sr. Águedo de Oliveira: -V. Ex.ª dá-me licença?
Eu creio que essa sua afirmativa não se adapta à marcha dos factos económicos. A nossa balança de pagamentos não está desequilibrada, como V. Ex.ª afirma, o tanto assim que findou o ano passado com saldo positivo.
O Orador:-Mas devido a quê? Não está desequilibrada unicamente devido aos invisíveis ...
U Sr. Águedo de Oliveira: - Mas todas as balanças têm os seus invisíveis ...
O Orador:-Peço perdão. Queria referir-me apenas à balança comercial ...
O Sr. Águedo de Oliveira: - Ah! Isso é outra coisa muito diferente ...
O Orador:-Seria a renúncia à solução autárquica do problema, que se me afigura possível.
Seria sujeitar a indústria e, consequentemente, a actividade industrial do País a todas as contingências e crises económicas ou políticas mundiais que impedissem ou dificultassem as referidas importações e nos obrigariam, nesses períodos, a soluções de emergência ou até à paralisação da indústria, o que seria de extrema gravidade.
Entendo, por isso, que a solução do alto forno a coque, em principio, deve ser eliminada, como parece ser a vontade do Governo, expressa no relatório do Plano de Fomento, nas condições do programa de concurso, e segundo o parecer unânime do Conselho Superior da Indústria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-E se assim acontecer o problema portuário deixa de ter a importância que se lhe quer atribuir, colocando as três localizações apontadas desde logo no mesmo pé de igualdade com qualquer outra, perto ou longe do mar.
A questão está em determinar o local que reúna todas ou o maior número das condições exigidas para o bom êxito do empreendimento e satisfaça, simultaneamente, os requisitos políticos e sociais, que se devem ter em não menor consideração.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Suponho, Sr. Presidente, que este local é precisamente em Moncorvo. junto das minas de ferro mais importantes do País, e à base do qual a indústria terá de trabalhar, mesmo aproveitando as pirites e minérios do Sul.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Segundo a opinião antorizadíssima do nosso ilustre colega engenheiro Araújo Correia, são condições essenciais do êxito da indústria siderúrgica:
1.° A abundância de minérios de ferro fáceis de explorar;
2.º A existência de combustíveis ou energia eléctrica equivalente a preços muito baratos;
3.º A existência das restantes matérias-primas essenciais, como sucatas, manganês, castinas e outras, entre as quais incluirei a água.
A existência em Trás-os-Montes de minérios de ferro em abundância e em fáceis condições de exploração ninguém a põe em dúvida.
São mais de 400 000 000 t de minério de ferro só em Moncorvo, sem contar com as reservas de Roboredo, Mua e Quadramil, que podem ser exploradas a céu aberto.
Trás-os-Montes é a matriz da energia hidroeléctrica do País o os carvões da bacia hidrográfica do Douro não ficam muito distantes.
Não faltam castinas na região, algumas muito próximo até.
A água abunda no Douro e no Sabor. Faltariam apenas as sucatas e o manganês e outras matérias-primas, cujo volume não pesaria contudo na economia do fabrico.
Em parte nenhuma do País se encontrarão reunidas em tão grande número as condições favoráveis, e que se traduzem no embaratecimento dos transportes, ainda mais favorecido por um tráfego compensado; pela redução do volume a transportar do minério já limpo, e os retornos das poucas matérias-primas que faltam para o integral funcionamento do processo do fabrico.
Mas se estas são as condições essenciais para a montagem de uma indústria, há factores que contribuem poderosamente para a escolha do local da sua instalação.
A existência da força motriz barata e de minérios é ainda condicionada pela sua fácil acessibilidade, pela existência de mão-de-obra abundante e barata, pela proximidade dos mercados, pêlos preços dos terrenos, pelas condições climáticas e por determinantes políticas e sociais, que não podem deixar de ter-se em conta.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Ora, além de em Moncorvo se encontrarem reunidas as condições fundamentais para a criação da indústria siderúrgica atrás apresentadas, em parte alguma se encontram tantos factores favoráveis como ali. Excepção feita de uma maior proximidade dos mercados, que aliás não é fundamental, porque à volta das instalações não tardam a surgir as indústrias siderometalúrgicas acessórias, todas as outras coexistem por uma forma impressionante.
Assim, a fácil acessibilidade aos minérios é indiscutível, pois existem caminhos de ferro de tráfego reduzido com a capacidade suficiente para satisfazer amplamente todas as exigências da indústria e até a circunstância de poder vir o minério pela simples acção da gravidade até ele.
Há uma rede rodoviária bastante densa na região, e se amanhã se realizar, como aconselha o Sr. Engenheiro Araújo Correia, a navegabilidade do rio Douro, essas condições serão excepcionalíssimas, para não dizer únicas.
No que se refere à mão-de-obra, abundante e barata, também em parte nenhuma se encontram possibilidades idênticas. Só na região do Douro há mais de quarenta mil trabalhadores que lutam com falta de trabalho e cujos salários são dos mais baixos do País, não atingindo 185 diários, isto nas épocas em que o podem encontrar.
Nos dois distritos da província esse número, então, ascende a mais de uma centena de milhares.
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E o operário transmontano é sóbrio, humilde, disciplinado, inteligente e dotado de excepcionais qualidades de pronta adaptação a qualquer trabalho, por mais especializado que ele seja.
Não anda, é certo, a apregoar ás dificuldades do seu viver, como tantos outros que vivem em regiões agrícola e industrialmente mais favorecidas.
Sofre com resignação, na esperança de melhores dias, que até hoje não vieram.
Será agora? No que diz respeito à existência de terrenos baratos para as instalações industriais o problema não oferece a menor dificuldade.
Esses terrenos, têm, além disso, a qualidade de tornar mais fáceis e económicas as construções, em solo rijo, tendo perto óptimos materiais de construção.
As condições climáticas são das melhores.
Moncorvo fica num planalto de clima saudável, bem arejado e lavado dos ventos, sem doenças palustres ou desabridas, ventanias.
Não há problemas sanitários ou de desempoeiramentos, uma vez que não há grandes aglomerados populacionais, e as suas pequenas populações se encontram dispersas, a relativamente grandes distancias umas das outras.
As determinantes, políticas e sociais recomendam a localização que aponto.
Um meio rural onde não há indústria, de fraca densidade populacional, com um nível de vida dos mais baixos do Pais e onde o trabalho falta.
Montar ali a indústria seria colonização interna e da melhor.
A tendência moderna, universalmente dominante, é a disseminação das indústrias e evitar a sua concentração, de maneira a ajustar melhor ás condições de vida das populações, geograficamente menos favorecidas, procurando nivelá-las com as mais beneficiadas, por forma a evitar o êxodo das populações rurais e a conjurar os perigos que resultam das grandes aglomerações operárias, sempre insatisfeitas, e por demais consabidos:
Do ponto de vista de segurança nacional não convém igualmente a concentração industrial, pela vulnerabilidade que ela oferece, tornando fácil a destruição dos meios de produção essenciais à vida económica de um pais. Menos ainda é de aconselhar a localização de uma indústria-base, como é a do ferro, junto dos grandes centros populacionais, como seria o caso se ela viesse a efectuar-se junto das três localidades apontadas, que são os maiores centros urbanos do País e em volta dos quais se operou já uma larga concentração industrial.
A relativa distância dos mercados é o único senão que pode apontar-se à localização que proponho.
Mas não parece que ela seja determinante eliminatória, porquanto se verifica a necessidade de conjugá-la com todos os factores conducentes à obtenção do mais baixo custo da produção, objectivo a que deve visar todo o empreendimento industrial. E será sem dúvida em Moncorvo que isso se conseguirá, pela reunião do maior número de factores indispensáveis ao bom êxito do empreendimento, pois abrange, a sua quase totalidade.
A maior parte das indústrias desta natureza não foram inicialmente montadas junto dos seus mercados actuais, mas no ponto para onde confluíam os diversos factores que já indiquei. Estes é que vieram localizar-se junto delas, no seu próprio interesse.
Na Noruega, por exemplo, uma das mais recentes siderurgias da Europa, país onde não existia uma tradição siderúrgica, como acontece entre nós, com minérios de ferro de mais baixo teor que os nossos e com elevadas percentagens de sílica, e sem carvões, como nós, fez-se a redução eléctrica do minério e localizou-se a indústria a 1500 km da capital e a 500 km dos centros de consumo mais próximos.
O problema ali foi longamente estudado e paulatinamente executado.
Além das considerações de ordem técnica, que não podiam deixar de ser observadas, ponderou-se o factor social, a que se deu merecido relevo, a fim de desenvolver uma região distante, no extremo norte do país, economicamente atrasada, vivendo exclusivamente da agricultura, de fraca densidade populacional, sem mercados próximos e distante da capital.
O objectivo foi, garantindo os mais baixos custos da produção, elevar o nível de vida das populações dessa região, que era dos mais baixos, proceder a desconcen-tração industrial e distribuir pelo território nacional desse país as novas indústrias, dando a todas elas legítimas e idênticas possibilidades de se desenvolverem e progredirem.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Parece que entre nós se deve proceder de igual forma, começando-se a olhar por uma das nossas províncias, que, sendo potencialmente das mais ricas, é de todas elas a que se encontra em piores condições económicas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Localizar em Trás-os-Montes a siderurgia é, além do mais, uma obra de justiça social.
Sr. Presidente: para finalizar este meu depoimento, direi em conclusão: neste momento o Governo estuda com o maior cuidado a melhor solução a dar ao problema siderúrgico nacional, quer no que se refere aos processos técnicos de fabrico, quer pelo que respeita à escolha do local económica, política e socialmente mais conveniente.
Deixemo-lo trabalhar serenamente, na certeza de que na solução que ele venha a dar a este magno problema saberá colocar acima dos interesses particulares dos indivíduos, das empresas ou de compreensíveis sentimentos e aspirações regionalistas os superiores e sagrados interesses nacionais.
Tenho dito.
Vozes:-Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à efectivação do aviso prévio do Sr. Deputado Abel de Lacerda sobre a situação dos museus, palácios e monumentos nacionais.
Tem a palavra o Sr. Deputado Abel de Lacerda.
O Sr. Abel de Lacerda: - Sr. Presidente: o assunto deste aviso prévio é fundamental à vida, à cultura e ao prestígio do País.
Como causa justa que é, bem merece ser tratada com elevação e consciência. Nasce assim no meu espírito a dúvida de não estar à altura de o fazer. Mas como é forçoso que alguém nesta Assembleia levante o problema da nossa política de belas-artes, arrisco uma posição pessoal, que, aliás não existe, em defesa dos altos interesses em causa, que, esses sim, são de real valor.
Temos um passado glorioso e restam-nos ainda elementos palpáveis e sugestivas que o atestam eloquentemente: os templos e os castelos são monumentos ergui-(...)
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(...) dos em homenagem a Deus ou por força da guerra; as relíquias guardadas nos palácios, museus e bibliotecas ilustram páginas de sensibilidade, de beleza e patriotismo.
Os nossos museus, palácios e monumentos nacionais constituem a expressão artística de um glorioso passado que importa defender, conservar e valorizar como expressão de uma cultura e como índice de uma civilização.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Todo o povo civilizado tem pela sua história e pela sua arte a maior devoção. Ter uma história é ser uma pátria; venerá-la e documentá-la em todos os seus aspectos está pois na razão directa da cultura dos povos.
O problema da nossa política de belas-artes é essencialmente um problema de organização. O que não pode é haver organização desarticulada, e, por isso, o rendimento espiritual e cultural dos nossos museus, palácios e monumentos nacionais apresenta-se no seu conjunto muito inferior ao que podia e devia ser.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Dispõe o País de quatro museus nacionais (de Arte Antiga, de Arte Contemporânea e dos Coches, em Lisboa e de Soares dos Reis, no Porto); de sete museus regionais (em Coimbra, Viseu, Lamego, Aveiro, Guimarães, Bragança e Évora); de um museu etnológico e arqueológico (em Lisboa); de dez museus provinciais ou municipais (em Beja, Caldas da Rainha, Cascais, Chaves, Faro, Guarda, Lagos, Santarém, Setúbal, Viana do Castelo e Vila Real), e ainda outros cuja situação é difícil de classificar, designadamente os de Abrantes. Braga e Castelo Branco; dispõe ainda o País da requintada Fundação Ricardo Espirito Santo (em Lisboa); de algumas casas-museus; de cinco palácios nacionais (Pena, Sintra, Mafra, Queluz e Ajuda), e de setecentos e quarenta e três monumentos nacionais oficialmente classificados como tal.
Este património artístico, devidamente acautelado e valorizado, pode constituir um precioso elemento de cultura para a formação da consciência nacional, como afirmação do passado e sagrado respeito pelas tradições.
A generosa herança que nos legaram nossos maiores e as prometedoras possibilidades do presente impõem as medidas atinentes à obtenção do seu máximo rendimento. Para tal, necessário é unificar critérios, conjulgar esforços, organizar, em suma. para melhor governar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O interesse da Nação pelos seus testemunhos artísticos está indubitàvelmente longe de atingir o grau de civilização e culto pelas belas-artes que devia caracterizar um país com oito séculos de história. Tal interesse pode aferir-se pelo número de visitantes dos nossos onze museus nacionais e regionais: no ano passado registaram-se apenas 211 641 entradas; os quatro palácios nacionais abertos ao público registaram, por sua vez 262 485 visitantes.
É facto que a estatística da frequência aos museus e aos palácios acusa, em cada ano um aumento em relação ao anterior. Mas se considerarmos que nos números indicados figura, certamente, elevada percentagem de estrangeiros, e se atendermos à nossa população de oito milhões do habitantes, somos forcados a concluir que este sector da vida nacional não desempenha ainda a missão que lhe compete.
E porque? Porque, salvo raríssimas excepções, os estabelecimentos detentores do nosso património artístico não exercem uma influência atractiva e sedutora; são autênticos jazigos do passado: não têm vida nem revelam, por vezes, a mais elementar noção de bom gosto. Isto explica o facto de os quatro palácios nacionais, cujo índole permite uma evocação mais sugestiva de ambientes vividos, registarem, só por si, maior frequência do que os onze museus atrás referidos. A função destas instituições, como aliás a de todos os monumentos nacionais, é de promover uma acção viva e directa, para o desenvolvimento da qual se torna indispensável uma ampla reforma.
Tal como as coisas se encontram é impossível aproveitar devidamente este nosso precioso património, que, por natureza, constitui um conjunto indissolúvel e inalienável.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Senão, vejamos: os museus nacionais, os regionais e o Etnológico de Belém, o Castelo de Guimarães e o Convento de Cristo, de Tomar, pertencem ao Ministério da Educação Nacional; os palácios e a Fundação Ricardo Espírito Santo pertencem ao Ministério das Finanças; os restantes monumentos encontram-se sob a alçada do Ministério das Obras Públicas; as casas-museus, os museus municipais ou provinciais e os de algumas Misericórdias dependem, naturalmente do Ministério do Interior, isto sem falar já nos Museus de Abrantes e de Braga, que, sendo do Estado, não figuram no orçamento e no de Castelo Branco, cujo regime Legal é dificilmente classificável.
Esta dispersão do nosso património artístico pêlos diferentes Ministérios enfraquece, como não pode deixar de ser, o seu rendimento absoluto, e enfraquecê-lo é diminuirmo-nos em valores morais!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Devo desde já declarar com firme convicção e sinceridade absoluta que discuto apenas os princípios, e nunca as pessoas responsáveis pêlos serviços: essas estão fora de causa, já pela superior categoria moral, intelectual e profissional que lhes é peculiar, já pelo respeito e alta consideração que lhes tributo.
Assente esta premissa, que não aceita qualquer discussão, continuarei dizendo que, por falta de uma única orientação e de uma organização conjunta, verificam-se deficiências e anomalias que importa corrigir e sanear. Regista-se assim, com estranheza, que cada um dos Ministérios atrás mencionados interfere na política de belas-artes, contribuindo, pela força das atribuições que legalmente lhe estão confiadas, para a desorientação em que vivemos.
Todos pretendem colaborar nesta política, e, assim, o Orçamento Geral do Estado para 1955 consigna ao Ministério das Finanças a verba de 500 contos para aquisição de obras de arte; no Ministério das Obras Públicas a de 400 contos para monumentos a erigir, e ao Ministério da Educação Nacional, para compras de obras de arte antiga e moderna de todos os seus museus, apenas cerca de 380 contos. Isto é, o Ministério que pela sua competência específica, é o indicado para determinar, seleccionar, encomendar e adquirir as obras de arte que devam ser incorporadas no património do Estado é justamente aquele que dispõe de menor verba!
Os Ministérios das Finanças e das Obras Públicas, aos quais, aliás, a Nação vem devendo os mais relevantes serviços na obra de ressurgimento em que todos estamos empenhados, são, por natureza, departamentos técnicos do Estado especializados nos campos de acção que os seus próprios nomes indicam.
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É evidente que a sua intromissão no campo das belas-artes é tão incoerente e arriscada como seria a do Ministério da Educação Nacional se se propusesse fazer pautas aduaneiras ou cálculos sobre resistências de materiais. Este o princípio que se me afigura não poder suscitar discussão.
Na prática, porém, é-me muito grato registar, como, aliás, já tive o ensejo de o fazer nesta mesma Assembleia, quanto o País e o nosso património artístico ficaram devendo à esclarecida e devotada acção do anterior Ministro das Finanças, Dr. Águedo de Oliveira, pelas criteriosas e patrióticas aquisições de obras de arte que então efectuou.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Porem, se assim aconteceu, tenho para mim que tão nobre exemplo foi devido ao facto de S. Ex.ª aliar a uma alta competência financeira indiscutíveis dotes de sensibilidade e amor pelas coisas da arte (apoiados); mas se, em vez deste caso excepcional e a todos os títulos louvável, admitirmos que um futuro Ministro das Finanças é amador apaixonado pela arte egípcia, mantendo-se a orgânica actual, podemos aceitar a hipótese, que não tem para nós qualquer significado histórico ou artístico, de vermos o País cheio de múmias.
Nesta mesma ordem de ideias, são de reprovar, do ponto de vista artístico, alguns monumentos da responsabilidade do Ministério das Obras Públicas (e alguns casos podíamos citar); mas, ainda que assim não fosse, continuamos afirmando que só ao Ministério da Educação Nacional compete ajuizar se a concepção e expressão plástica de qualquer monumento correspondem ao alto significado espiritual que o deve caracterizar.
Quanto à desarticulação entre os vários Ministérios que se ocupam deste assunto, mencionarei ainda alguns exemplos típicos:
Os planos da Cidade Universitária de Coimbra foram elaborados e têm sido executados à margem do Ministério da Educação Nacional, não obstante a referida Universidade, a Sé Nova e o Museu de Coimbra terem zonas de protecção fixadas por este último Ministério, ao abrigo da competência que lhe é conferida pelo Regimento da Junta Nacional da Educação. Tais zonas de protecção não foram respeitadas e o resultado está agora à vista.
Aliás, é frequente suceder que o Ministério das Obras Públicas, no desenvolvimento dos seus planos de urbanização, delimita legalmente zonas de protecção para os monumentos nacionais, competência esta que também cabe ao Ministério da Educação; daí resultam inúmeros atritos e até graves prejuízos para os particulares, que vêem por vezes os seus imóveis ao abrigo de critérios diferentes.
A intromissão do Ministério das Finanças pode igualmente provocar situações de melindrosa apreciação. Assim, por exemplo, houve por bem o referido Ministério aceitar da irmã do coleccionador portuense Fernando de Castro, mediante uma renda vitalícia de 5.000$ mensais, duas casas e respectivos recheios, com fim à instalação da Casa-Museu Fernando de Castro. Esta operação pode, talvez, ter tido merecimento financeiro, mas é muito duvidoso o seu interesse artístico. As belas-artes não foram ouvidas.
As comissões de arte e arqueologia dependem, ao que parece, do Ministério do Interior.
Os conservadores dos monumentos nacionais dependem do Ministério das Finanças, que para o efeito tem o País dividido em zonas artísticas. No Castelo de Leiria, que em princípio pertence ao Ministério das Finanças, trabalha o Ministério das Obras Públicas, através da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais e à margem das belas-artes; e assim se vão fazendo obras de beneficiação que alguns consideram longe de serem as ideais, na medida em que restaurar deve corresponder a reintegrar, e não a introduzir modificações de estruturas, designadamente o uso das placas de betão armado.
Entremos agora noutro capítulo deste aviso prévio: dotações orçamentais e vencimentos.
A dotação orçamental dos nossos museus é absolutamente insuficiente para satisfazer as necessidades essenciais dos mesmos; a sua distribuição não corresponde ao que seria legítimo esperar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O Museu de Arte Popular, do Secretariado Nacional da Informação, é certamente o mais desafogado de todos os museus portugueses, não obstante dever ser considerado secundário em relação ao valor do recheio de tantos outros. O seu orçamento é de 430.800$. Em contrapartida, o orçamento de 1955 dota o Museu Machado de Castro, de Coimbra, em fase de reorganização e apetrechamento, com 415.700$; o Museu Nacional de Arte Contemporânea com 291.000$; o Museu Regional de Évora com 202.100$; o Museu Regional de Viseu com 135.160$; não falando já nos Museus de Lamego, Bragança, Aveiro e Guimarães, que têm, respectivamente, 47.200$, 75.740$, 67.500$ e 44.400$.
Quanto aos vencimentos, direi apenas que estão abaixo do nível compatível com o exercício da função em causa, tanto dos directores e conservadores como do pessoal administrativo e menor.
Não desenvolvo este melindroso aspecto do problema por saber ser intenção do Sr. Deputado Mário de Albuquerque tratar do assunto, juntamente com o dos quadros do pessoal das bibliotecas e arquivos, num amplo e minucioso estudo, que muito ilustrará e valorizará este aviso prévio.
Todavia, não posso deixar de louvar aqui as providências tomadas pela Câmara Municipal de Lisboa, que, na impossibilidade de corrigir a injustiça dos vencimentos mal fixados, adoptou a solução de elevar os conservadores dos seus museus à categoria de primeiros-conservadores, apesar de tal categoria não existir em nenhum dos museus do Estado.
Tão-pouco se compreende que só o pessoal menor dos palácios, dos museus nacionais de Lisboa e do Museu Regional de Viseu tenham direito a fardas pagas pelo orçamento do Estado. Isto é admitir que o pessoal menor dos outros museus do País possa andar deficientemente vestido, o que é inadmissível, mas corresponde à verdade.
Por insuficiência de verbas orçamentais e por serem acanhados os quadros de pessoal menor, a guarda dos museus do Estado é por vezes calamitosa; basta para tanto recordar que os Museus de Évora, Guimarães. Bragança, Aveiro e Lamego têm apenas um servente, e no Museu de Coimbra há um guarda de 1.ª classe, outro de 2.ª e um servente.
Note-se que as colecções de Aveiro estão instaladas em quarenta e sete salas, as do Museu de Évora em vinte e oito, além do claustro, e as do Museu de Coimbra em quarenta. Todavia, o já referido Museu de Arte Popular, cujo recheio está longe de poder equiparar-se em valor absoluto ao dos museus apontados, dispõe de dez guardas, um porteiro, um guarda de noite e duas encarregadas de limpeza. Assistimos, assim, a uma disparidade de critérios, que nada justifica.
Vozes: -Muito bem!
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O Orador: - O quadro relativo à inventariação, arrolamento, conservação a guarda de obras de arte tão-pouco se nos apresenta mais animador.
O património artístico e bibliográfico nacional encontra-se distribuído por estabelecimentos do Estado ou com ele relacionados, da Igreja e dos particulares. À sua inventariação e classificação ainda se encontra por fazer. Nem se vislumbram possibilidades práticas de as executor: enquanto se mantiver a orgânica vigente nada se conseguirá.
Por carência de verbas e de pessoal, vai-se arrastando tão deplorável estado de coisas, que só a honestidade, o zelo e a dedicação dos funcionários impedem se converta ou provoque situações imorais, angustiosas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A ausência do uma rigorosa inventariação do recheio artístico dos museus generaliza-se às bibliotecas, onde as espécies bibliográficas, contrariamente ao que dispõe a lei, nem sequer estão sempre carimbadas.
Assim, por exemplo, a importante Biblioteca de Braga não pode carimbar os seus livros e documentos, pela simples falta do um carimbo. Uma vez mais assistimos ao prejuízo que advém da dispersão por vários Ministérios de um mesmo serviço: a Biblioteca está subordinada ao Ministério da Educação Nacional; o Ministério das Finanças entende, porém, que a compra do carimbos corresponde a uma aquisição de móveis e não a sanciona, alegando que, como tal, deve esse encargo ser suportado pela Câmara Municipal de Braga; esta não concorda, e o resultado é as espécies bibliográficas continuarem por carimbar. Os ditos carimbos custam apenas 400$; o incidente dispensa quaisquer comentários.
Como justa e louvável defesa da integridade do nosso património, compete ao Estado arrolar as peças históricas artísticas de valor nacional. Porém, tal arrolamento só exprime uma medida de segurança quando secundado por uma periódica fiscalização da parte do próprio listado, como garantia eficiente da conservação das mesmas. Infelizmente, a fiscalização não existe nem nunca existiu.
Os moldes em que o arrolamento se faz tão-pouco permitem identificar as peças em causa como sendo as que foram efectivamente arroladas. Não existe também qualquer fiscalização organizada para os museus e mesmo bibliotecas, posto que estas disponham de um inspector superior, que, devido à acumulação de serviços burocráticos sob a sua alçaria, delas não pode libertar-se.
A ausência de fiscalização atinge ainda os museus, tanto pela necessidade imperiosa de controlar os seus deficientes inventários como pela vantagem incontestável que dela adviria paro melhor valorização estética e rendimento didáctico, objectivos que sobremodo importa atingir.
Uma inspecção assim, orientada criteriosamente, constituiria um dos mais importantes incentivos para a valorização museológica do País.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas, se nem sequer existe uniformidade no registo, na inventariação e na catalogação das espécies artísticas existentes nos museus e palácios do Estado; se nem sequer os livros de registo e as fichas de inventariação e catalogação obedecem a um modelo único, superiormente aprovado, e permanecem à mercê do critério individual, muitas vezes discutível, dos directores e conservadores; se nem sequer, na maioria dos casos, existem tabelas explicativas das obras expostas! Inventários há onde se verificam faltas ou sobras de valores artísticos, o que é inadmissível.
Não falando já dos monumentos, todo o museu só cumpre a Mia verdadeira missão didáctica na medida em que informa devidamente o visitante. Tal informação é fornecida pelas tabelas, mas a maior parte dos nossos museus e palácios descura este aspecto primordial da museologia moderna.
Sr. Presidente; a inventariação e classificação do nosso património artístico, não obstante ser da competencia expressa da Junta Nacional da Educação (6.ª secção), vêm sendo levadas a efeito, aliás muito criteriosamente, pela Academia Nacional do Belas-Artes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A segurança dos nossos museus o palácios relativamente a roubos, incêndios, etc., não está devidamente acautelada, já por falta de guardas, já pela ausência quase absoluta de sinais de alarme adequados. Parece que nada se projecta fazer com o fim de remediar tão grande falta.
O que resta do património artístico do País já não registe a mais uma calamidade. Importa assim documentá-lo convenientemente , para que, em qualquer hipótese, as gerações vindouras tenham pelo menus assegurado o conhecimento documental daquilo de que ainda dispomos.
Todos os nossos museus e palácios guardam, na melhor das hipóteses, juntamente com as obras de arte originais, as respectivas fichas e reproduções fotográficas. Mas é evidente que, se um desastre atingir determinado museu ou palácio, a perda pode ser total, isto é, com a obra de arte desaparece concomitantemente o respectivo documentário.
É preciso, é urgente organizar, em locais tanto quanto possível ao abrigo das linhas históricas de penetração militar e de zonas geográficas que possuiu oferecer perigo de sismo, inundação, etc., um arquivo documental de todos os duplicados, que constituiria também fonte valiosa de investigarão e de estudo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sem perigo de desvalorização dos núcleos existentes, o nosso património artístico defender-se-á melhor na medida em que estiver descentralizado.
Não se compreende, por isso, que bibliotecas, palácios e museus guardem duplicados de espécies raras, que poderiam, com mais proveito, enriquecer núcleos doutras regiões. Aliás, tal doutrina foi já defendida e expressa na Lei de Meios para 1954, mas até à data, infelizmente, nada se fez de concreto.
Quando um problema é de interesse verdadeiramente nacional, como este de que me estou ocupando, mais do que a crítica aos males existentes, importa encontrar e apontar a sua solução.
Todos nós, Portugueses, temos atrás oito séculos de história; consequentemente. assiste-nos igual passado e iguais direitos presentes.
Tenho para mim que um museu não pode constituir privilégio de certas e determinadas terras, mas antes deve satisfazer e estar ao alcance de todas as populações.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Verifica-se, por outro lado, que o património artístico nacional se encontra disperso por todo o País. E assim a solução integral do problema
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das belas-artes afigura-se-me residir na unificação dos elementos que nele interferem (museus, palácios e monumentos), através da criação de um único departamento do Estado, quer ele seja uma direcção-geral ou, como julgo preferível, um subsecretariado, a integrar naturalmente no Ministério da Educação Nacional. Só assim será possível de facto unificar, coordenar, impulsionar e fiscalizar tão importante sector da vida da Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Esse departamento, servido por um escol de técnicos, uns já existentes, outros a preparar e a agregar, desenvolver-se-ia em forma de pirâmide, com a base nas zonas artísticas distritais e o vértice, na entidade dirigente. A execução do plano aproveitaria logo a divisão administrativa do País, utilizando para sede das suas actividades os museus regionais já existentes.
Mas, porque o museu é, como já se disse, um direito cultural dos povos, e não um privilégio, há que criá-los nos distritos até hoje menos contemplados pela sorte.
Tais museus polivalentes, isto é, com secções de arqueologia e arte antiga e moderna, convenientemente apetrechados e com instalações apropriadas ao seu nabal funcionamento e missão cultural, tais como bibliotecas de arte privativas, salas de exposições temporárias e de conferências, etc., seriam naturalmente centros vivos de gravidade no que se refere à política das belas-artes.
Os seus directores, salvo os casos de Lisboa, Porto e Coimbra, deveriam acumular as funções de superintendentes de belas-artes, como sucede na modelar organização italiana. Acolitados pelos conservadores e pessoal técnico necessário, teriam, assim, a seu cargo:
a) A rigorosa inventariação artística do distrito, quer propriedade do Estado, quer da Igreja ou dos particulares, a respectiva fiscalização periódica e constante actualização;
b) Zelar pela conservação e beneficiação de todos os monumentos nacionais da sua área;
c) Aglutinar à volta do museu as actividades artísticas e culturais do distrito. Cada zona, através do seu superintendente, entender-se-ia directamente com o referido Subsecretariado. Lisboa, Porto e Coimbra manteriam a organização actual, sendo o superintendente das belas-artes de cada um destes distritos a entidade coordenadora dos esforços comuns.
Divide-se, assim, para governar, mas centraliza-se para que a autoridade se não perca e o rendimento global se multiplique.
Vozes: - Muito bem !
l) Orador: - Esta divisão, porém, afigura-se-me como limite e a sua centralização como ideal. Discordo por isso da orientação expressa no artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 26611, que regula a actividade da Junta Nacional da Educação estimula a criação de pequenos museus concelhios. É, tal a dificuldade e a insegurança da sua manutenção, é tão diminuto o seu rendimento efectivo, que os considero até prejudiciais ao prestígio da causa que importa defender.
Sr. Presidente: relativamente à múltipla, variada e, por vezes, contraditória legislação que rege as belas-artes em Portugal, apontarei dois casos que se me afiguram bem significativos.
Pelo Ministério das Finanças saiu em 23 de Fevereiro de l948 o Decreto-Lei n.º36764, que, no seu artigo 13.º diz textualmente:
Art. 13.º A utilização das verbas inscritas nu orçamento do Ministério da Educação Nacional- divisão da Junta Nacional da Educação - com destino à decoração pictural ou escultural de edifícios só poderá fazer-se com aprovação dos respectivos projectos e fiscalização da sua execução pelo Conselho Superior de Belas-Artes, com a colaboração da Academia Nacional das Belas-Artes, ouvido sempre o arquitecto autor da obra e o director ou inspector dos serviços que esses edifícios abrigam ou são destinados a abrigar.
§ único. As verbas consignadas na divisão orçamental referida no corpo deste artigo à conservação de quadros e restauro de tapeçarias só podem: utilizar-se quando os trabalhos a levar a efeito tenham aprovação do Conselho Superior de Belas-Artes.
Sendo a Junta Nacional da Educação o mais alto órgão do Ministério, como se compreende que tenha de ser fiscalizada no domínio da sua competência especifica pela Academia Nacional de Belas-Artes, extinto doze anos antes para dar lugar à 1.ª subsecção da 6.ª secção da referida Junta?!
De igual modo o Ministério das Obras Públicas através do relatório que acompanha o Decreto-Lei n.º 34 993, de 11 de Outubro de 1945, denunciava a convicção de que a essa data existia ainda o mesmo Conselho Superior de Belas-Artes. Isto vale como demonstração de coordenação dos serviços.
De resto, a legislação respeitante ao assunto está expressa em tão abundante número de diplomas que fatidioso seria enumerá-los e impossível até se torna compreender a doutrina do Estado nesta matéria.
E, porém, principio básico do direito que toda lei deve ser, tanto quanto possível, clara e precisa, que nos seus fundamentos, quer no seu objecto, quer nas condições da sua aplicação.
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - Só uma organização desarticulada e, consequentemente, desorganizada pode ser regida por tanto e tão dispersos documentos com força legal. A profusão das leis aconselha uma revisão urgente, e a codificação da matéria num único diploma: o Estatuto Nacional das Belas-Artes.
Vozes : - Muito bem !
O Orador: Nem sempre as grandes causas encontram paladino à altura de as exprimir e defender com a clareza que reclamam os superiores interesses da Nação.
Uma vez mais assim aconteceu. A importância transcendente do assunto versado neste aviso prévio pesa demasiado sobre os meus ombros, para que eu logra-se vencê-lo. Confio, porém, que a generalização do debate coloque o problema à altura que ele merece, entretanto o que me faltou dizer em forma e em conteúdo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Bartolomeu Gromicho:- Peço a palavra para um requerimento.
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O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra para um requerimento.
O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Sr. Presidente: requeiro a generalização do debate.
O Sr. Presidente: - A Câmara, com certeza, está de acordo em que a generalização do debate deve ser concedida. Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Sr. Presidente: uma vez em discussão o aviso prévio do distinto Deputado Abel de Lacerda, apresentado há tempo, não podia deixar de vir também a esta tribuna trazer o meu depoimento.
Realmente, o meu dever moral de comparticipar nesta discussão filia-se numa certa tradição que criei nesta Assembleia com numerosas intervenções por mim realizadas sobre temas culturais, e especificadamente sobre bibliotecas e museus e a situação do seu respectivo pessoal.
É-me sinceramente agradável verificar que, decorridos quase seis anos sobre a intervenção de 7 de Março de 1951, algo se fez em relação à conservação do Museu de História Natural, nessa altura invadido pelas chuvas e em consequente desarrumação. Suponho que melhorou as suas instalações.
Também, entretanto, se projectou e já se iniciaram as obras da construção do edifício que virá a ser majestoso e adequado para a Biblioteca Nacional.
Haverá, pois, dentro de breves anos a Biblioteca Nacional digna desse nome e então surgirá como verdadeiro instrumento de cultura no seio da cidade universitária.
O Governo merece todos os aplausos por ter transformado em realidade as aspirações de todos que lutaram pela salvação do opulento recheio da nossa mais valiosa biblioteca, tão sujeita a depredações do tempo e até dos homens.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas, embora o património nacional, literário e artístico, seja indivisível, o aviso prévio em debate visa essencialmente a situação dos museus, palácios e monumentos nacionais, seu enquadramento e missão cultural na vida artística do País.
É para nós, Portugueses, desvanecedor verificar que, se não são os mais ricos do Mundo, possuem, no entanto, deslumbrantes e valiosas riquezas de toda a espécie e têm sido nos últimos anos muitos deles melhorados em instalações e orgânica.
Atingiu-se, porém, a suficiência nos dois campos melhorados?
No que respeita a instalações basta ter presente que todos, e julgo que sem excepção, possuem nas suas arrecadações peças em quantidade que preencheriam o duplo ou o triplo dos espaços utilizáveis.
Os distintos directores de alguns museus esforçam-se por atenuar essa falta de espaço expondo em rotação algumas das melhores peças arrecadadas, o que não resolve o problema do público, que ignora a data dessas mutações. Só se atenua este inconveniente com as exposições maciças temporárias, devidamente reclamadas.
Quanto à orgânica, mercê da proficiência e da extrema dedicação do escasso pessoal de quase todos os museus e muito especialmente devido à infatigável acção dos respectivos directores, hoje é possível visitarem-se com agrado as salas de muitos dos nossos museus, onde a boa técnica pôs em relevo o bom gosto e a conveniente didáctica.
A selecção e o recrutamento do pessoal superior estiveram em suspenso alguns anos, e desse mal me fiz eco nesta Assembleia, a propósito das dificuldades que atribulavam o muito ilustre director do Museu de Arte Antiga, que tinha apenas ao seu serviço um único conservador, que, por sinal, era uma conservadora.
Só em 1953, pelo .Decreto n.° 39 116, de 27 de Novembro, foi restabelecido o estágio de dois anos para os candidatos a conservadores.
O artigo 19.° do referido decreto dispensava de exame de aptidão e de frequência do 1.° ano de estágio os conservadores-ajudantes com o curso superior que, à data da publicação do decreto, possuíssem dois anos de bom e efectivo serviço em museus tecnicamente dependentes da Direcção-Geral do Ensino Superior e das Belas-Artes.
E curioso notar que os conservadores-ajudantes de palácios e outros museus não dependentes daquela Direcção-Geral não disfrutaram da regalia do artigo 19.°, o que se concretizou no indeferimento de, pelo menos, um candidato.
Quer dizer: o divórcio total entre museus do Ministério da Educação Nacional e os museus de outros Ministérios, embora todos do Estado, acentua-se até neste caso que citei.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Em boa hora se apresentou à discussão o aviso prévio do Sr.- Deputado Abel de Lacerda, que visa a uma melhor coordenação dos serviços, se não for possível uma coordenação completa.
Como é do conhecimento geral, os museus do Ministério da Educação Nacional agrupam-se em nacionais e regionais.
Os primeiros são os três existentes em Lisboa e um na cidade do Porto. É curioso referir que o Museu Soares dos Beis, no Porto, sendo, como disse, nacional, encerra um recheio quase todo pertença da Câmara Municipal daquela cidade nortenha. Por esta razão é um museu misto de nacional e municipal.
Os museus regionais são: de 1.ª categoria Coimbra, Évora e Viseu; de 2.ª categoria o de Guimarães; e de 3.ª categoria: Aveiro. Bragança e Lamego.
É impressionante a ausência de um museu regional em Braga, cidade que é um dos mais antigos centros artísticos desde a fundação da monarquia portuguesa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É certo que a bela cidade de Braga possui unia das mais. ricas e mais bem organizadas bibliotecas do País e instalada, por sinal, num histórico e formoso palácio. Também a enriquece um precioso e vasto museu de arte sacra.
Isto não prejudica, antes corrobora, o direito dessa cidade primaz de vir a ter um condigno museu regional, para o qual não lhe faltarão elementos.
Mais adiante voltarei a referir-me ao caso de Braga.
Além dos museus nacionais e regionais existe felizmente uma rede valiosíssima de museus provinciais e municipais, destacando-se nos primeiros o Etnográfico do Porto, os de Beja e Caldas e nos segundos os do Eivas e Portalegre.
Muitos outros museus existem em vários departamentos do Estado, como os do Exército e Marinha, e os de índole universitária, avultando neste tipo o Museu Etnológico Leite de Vasconcelos.
Não devo ir adiante sem focar em especial o Museu Etnológico Leite de Vasconcelos.
Fundado pelo emérito professor que é hoje seu patrono e logo de início enriquecido com valiosíssimas
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arrancadas à terra pelo esforçado investigador e outras oferecidas por particulares ou adquiridas por compra, o Museu, no seu aspecto actual, multiplicou substancialmente o seu precioso recheio mercê da infatigável acção do actual director, Dr. Manuel Heleno, a quem neste momento presto merecida homenagem. Discípulo dilecto do grande mestre, seguiu-lhe as pisadas e as deambulações investigadoras por esse País tora. E tudo, outrora e hoje, tem sido realizado com dedicação e proficiência e sempre em luta com a falta de meios materiais para maior eficiência, dos resultados.
Instalado nas maravilhosas galerias do Mosteiro dos Jerónimos, ocupa actualmente cerca de 8000 m2. Encanta os olhos não só o ambiente de grande beleza arquitectónica como a harmonia e a riqueza das espécies em exposição e sequência de valor didáctico. Dizem os entendidos, nacionais e estrangeiros, que é o mais
rico da península e pela localização deve ser o mais belo de todos.
Será lamentável se se insistir na sua mudança para outro local, que parece ser o da cidade universitária. É certo que é um museu universitário, adstrito à Faculdade de Letras. Mas a sua projecção cultural ultrapassa a própria. Universidade, porque é largamente de interesse nacional e internacional.
Pela sua natureza, é um livro aberto da história de gerações de milénios, que se prolongam na nossa nacionalidade. Pela sua alta importância, está muito bem e muito a propósito na vasta. Fraca do Império.
A mudança implicaria a danificação ou mesmo a destruição de extensos e belos mosaicos romanos, que na ocasião foram colocados a título definitivo.
Demais, parece ser possível instalar em espaços vastos e sobejantes o Museu da Marinha, que ali ficaria muito adequadamente dentro do monumento comemorativo dos nossos feitos através dos mares.
A localização do Museu Etnológico não (prejudica a sua utilização pelo público, porquanto parece ser certo que ultrapassa todos os museus de Lisboa em visitantes gratuitos e de entradas pagas.
Todo aquele labor, toda aquela ordenação resultam de um quadro de pessoal mais que exíguo: um director, que é um professor da Faculdade de Letras, um ajudante de naturalista, um escriturário e um preparador. O pessoal menor consta, além dos porteiros e guarda da noite, de um contínuo e um servente.
É caso para perguntar: qual é o pessoal que dirige e executa os trabalhos de campo indispensáveis à recolha ou à simples descoberta e conservação das preciosidades em exploração por esse País fora ? O mesmo, com o milagre, da devoção.
Há, por isso, riquezas arqueológicas que se sabe onde existem e não podem ser exploradas por falta de recursos materiais.
Há outras em exploração, que se perdem por impossibilidade da sua vigilância. Daí o ter, por vezes, de se optar por não encetar explorações e deixar à terra o segredo milenário de civilizações passadas.
Para encerrar este capítulo, jubiloso e triste, quero lembrar o que se está praticando em Espanha neste sector da investigação arqueológica: o Museu Etnológico de Madrid, mais pobre de que o nosso em materiais arrecadados, possui uma brigada de quarenta funcionários técnicos em febril actividade. É que, pensa-se lá e devia pensar-se cá, o que se perde em riquezas abandonadas ou não exploradas ultrapassa o dispêndio a fazer para a sua aquisição, conservação e valorização. No nosso Museu Etnológico nem sequer existe instalação de luz, não há um simples microscópio, um gabinete de fotografia, que é indispensável, e nem vestígio de um adequado laboratório.
Mas, adiante.
No domínio particular também a riqueza e variedade é grande neste sector: o da Sociedade de Geografia, os de arte sacra, o do Caramulo e os privativos de fundações.
Quanto a estes, peço licença para pôr em destaque a obra maravilhosa do Museu da Fundação da Casa de Bragança, instalado e em progressivo aumento no Palácio Ducal de Vila Viçosa. Talvez seja surpresa revelar que no findo ano de 1955 esse belo Museu teve 22 000 visitantes, nacionais e estrangeiros, o que demonstra a sua alta categoria e desfaz o mito de que só em Lisboa se devem reunir as mais valiosas peças artísticas e literárias da Nação.
Desta tribuna envio felicitações ao ilustre presidente da Fundação, que sem desfalecimentos tem lutado por dotar a histórica e risonha Vila Viçosa com tão importante e eficiente instrumento de cultura e de propaganda turística alentejana.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Paralelamente a toda esta série de variados museus existe uma vastidão de monumentos e de palácios nacionais adstritos a vários Ministérios. Os monumentos, esses ficam a cargo do Ministério das Obras Públicas na fase de restauro das respectivas estruturas, porquanto o restauro de pinturas, talhas e mobiliário existentes nesses monumentos fica a cargo do Ministério da Educação Nacional.
Por esta diversidade de serviços e dispersão por vários Ministérios do que respeita ao património artístico do Estado se verifica que algo não está certo.
Existe, é verdade, a Junta Nacional da Educação, com as suas secções e subsecções, uma das quais, a 6.ª secção, reúne personalidades de vários serviços dos sectores artístico e construtivo. Essa secção tem procurado coordenar e orientar o muito que está incorporado no património artístico nacional.
Tem sido, porém, evidente que a 6.ª secção da Junta tem escapado, por insuficiência da lei, muito do que se passa em alguns departamentos impenetráveis do Estado, como por exemplo, transferência de retábulos de mármore de igrejas de vilas históricas, arranque de azulejos valiosos e adulteração do interiores de edifícios de valor arquitectónico, etc.
Os palácios estão nos domínios do Ministério das Finanças. Sabe-se que alguns desses palácio são autênticos museus, e até o de Queluz está franqueado ao público como tal.
Já outro tanto não acontece com o Palácio da Ajuda, para visitar o qual é preciso requerer com antecedência, quer em visita individual, quer colectiva. Desconheço as razões exactas do sistema, mas o que sei é que assim se privam muitos nacionais e estrangeiros de admirar um dos mais ricos e belos palácios da Europa.
Este facto reforça a afirmação de que algo existe que necessita de estudo e de solução para a valorização do nosso rico património artístico e utilização e generalização dos vastos conhecimentos e deleite que ele proporciona, não só a estudiosos, mas a iodos que procuram aumentar a sua cultura.
Já vai longe a teoria de que os museus eram vastas arrecadações de materiais antigos ou modernos, de valor artístico ou arqueológico. Os museus, a que se juntaram também os de alcance científico ou profissional e, outros, só cumprirão integralmente a sua missão quando perderem de todo o seu carácter lúgubre de necrotérios de belas coisas, para alcançarem o seu verdadeiro papel de escolas vivas e penetrantes.
Felizmente que a gelidez apavorante dos velhos museus, a abarrotar de peças aglutinadas em jeito de
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bricAbraque, tem Sofrido uma mutação radical, mercê da competência de gente nova ou renovadora e mercê, dos auxílios substanciais do Estado para a sua transformação espacial e estética.
Ainda há misérias por esse Portugal fora em museus provinciais e municipais, onde a assistência técnica não existe e o pessoal nasce do amadorismo, por vezes dedicado, mas pouco eficiente.
Ora, impõe-se aproveitar tanta riqueza aferrolhada e mal ordenada.
Impõe-se, no conjunto da riqueza museológica, estabelecer uma orgânica coordenada, que resulte no maior e melhor aproveitamento a favor da cultura geral da população.
Vozes: - Muito bem !
O Orador:- Um museologista categorizado -o Dr. Mário Gonçalves Viana- sintetiza em expressivas palavras o pensamento que julgo ser o de todos os seus ilustres confrades v de todos os pedagogos:
A museologia propende a transformar decisivamente os museus em instrumentos de cultura por excelência, em actividades vivas, capazes de realizarem uma obra pedagógica no seio das Universidades, de colaborarem com a escola e de atingirem todas as camadas sociais.
É como se vê, digo eu, um problema inseparável da educação nacional.
Alguns dos nossos melhores museus estão tentando chamar a atenção do público por meio de conferências, exposições temporárias e publicações, das quais devo salientar o Boletim do Museu de Arte Antiga e o Arqueólogo Português, agora em segunda série em moldes que honram o seu promotor, o director do Museu Etnológico.
O que se faz em Portugal -e onde se faz- é muito pouco para atrair ou penetrar em todas as camadas sociais.
No Museu Britânico há um programa de conferências, realizadas por conservadores, que constituem um verdadeiro curso para conhecimento das opulentas colecções ali expostas. E são quatro conferências, diárias, duas de manhã e duas de tarde.
Com o pessoal técnico limitadíssimo dos nossos museus, tal ou outro sistema seria utópico.
Com a exiguidade de vencimentos em vigor para funcionários de museus e igualmente de bibliotecas, possuidores de cursos superiores e estágios, só por extrema dedicação realizam o muito que ainda é possível observar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-O problema tem de ser encarado de frente e corajosamente.
O que existe em matéria de património artístico e arqueológico é um típico exemplo de uma desorganização, aqui e além, melhor ou pior organizada.
Urge um estudo do problema e a sua solução.
Este problema parece que não se verifica, por exemplo, no Brasil; onde existe um organismo que estabelece a coordenação em todos os sectores interessados.
Esse organismo é o Serviço do Património Histórico e Artístico Nacional.
Assim, todos os serviços de restauro, protecção e inventariação das obras de arte e dos monumentos estão a cargo daquele organismo nacional.
Entre nós seria de desejar um organismo semelhante, com ramificações por todo o País. Essas ramificações seriam com base na divisão do território em três zonas - norte, centro e sul - e apoiadas nos três principais museus regionais dessas zonas. Criado o museu regional em Braga seriam fulcros de acção Braga, Coimbra, e Évora.
Na cúpula e na orientação superior, os museus nacionais, em conjunção com as entidades que o Governo entenda necessárias pura boa eficiência dessa coordenação.
É claro que este plano implica maior quantidade de pessoal adequado, técnico e auxiliar. Implicaria a conclusão do inventário artístico nacional, de que há já publicados os volumes referentes a Coimbra cidade e Coimbra distrito. Santarém, Leiria e Portalegre. Estão em preparação os inventários de Évora cidade e Évora distrito e o de Aveiro.
Não julgo conveniente a divisão por distritos, porquanto se não trata de questão administrativa, mas de zonas de influência artística e arqueológica.
Seria, pois, estabelecida uma rede de vigilância, de organização e aproveitamento de todo o património artístico e histórico nacional.
Tarefa difícil, dada a dispersão e interesses estabelecidos, mas cabe ao Governo encarar o problema e encontrar a melhor solução.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - A próxima sessão será amanhã, com a mesma ordem do dia: continuação do debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Abel de Lacerda.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 45 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Antão Santos da Cunha.
António Calheiros Lopes.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Pinto de Meireles Barriga.
Carlos Mantero Belard.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Jorge Botelho Moniz.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Paulo Cancella de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Tito Castelo Branco Arantes.
Venâncio Augusto Deslandes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão;
Adriano Duarte Silva.
Alberto Cruz.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
António de Almeida.
António Russell de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
João Afonso Cid dos Santos.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
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José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Liana Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Marques Teixeira.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.