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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 125
ANO DE 1956 9 DE FEVEREIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.º 125, EM 8 DE FEVEREIRO
Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mos Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio pereira Paulo Rodrigues
SUMARIO:-O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 124.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Morais Alçada referiu-se à sua intervenção de 23 de Janeiro.
O Sr. Deputado Jorge Jardim falou sobre Mousinho e a população de Moçambique.
O Sr. Deputado Pinto Barriga requereu várias informações pelos Ministros das Finanças e da Educação Nacional.
O Sr. Deputado Galiano Tavares requereu vários elementos pelo Ministério da Economia.
O Sr. Deputado Teixeira de Sousa ocupou-se da falta de comunicações marítimas entre Lisboa e o Funchal.
O Sr. Deputado Augusto Simões requereu vários elementos pelos Ministérios da Economia e das Corporações.
Ordem do dia. - Concluiu-se o debate sobre o aviso prévio relativo ao património artístico nacional.
Falaram os Srs. Deputados Augusto Simões e Abel de Lacerda, que apresentou uma moção, também assinada por outros Srs. Deputados.
A moção foi aprovada por unanimidade.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Ornelas do Rego.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
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Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Ameal.
João Luís Augusto das Neves.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Venâncio Augusto Deslandes.
O Sr. Presidente:-Estão presentes 79 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente:-Está em reclamação o Diário das Sessões n.° 124.
Pausa.
O Sr. Presidente:-Como nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra sobre esse Diário das Sessões, considero-o aprovado.
Vai ler-se o
Expediente Telegrama
De Vítor Castelo Branco Barbosa de Campos, Rui Cambeses e Eduardo Santos Marcelo a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Pinto Barriga acerca da aldeia de Monsanto.
O Sr. Presidente:-Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Morais Alçada.
O Sr. Morais Alçada: - Sr. Presidente: foi-me entregue ontem a comunicação recebida por V. Ex.a a respeito do requerimento por mim apresentado na sessão legislativa de 25 de Janeiro. Por ela verifico que não puderam ser-me fornecidas as informações então pedidas, em virtude do motivo previsto no artigo 96.° da Constituição, in fine, ou seja por motivo de segredo de Estado.
Fiquei ciente.
Mas, agradecendo a V. Ex.a, Sr. Presidente, o obséquio de me ter mandado transmitir a referida comunicação, aproveito a oportunidade para acentuar que nunca foi nem será dos meus propósitos procurar desvendar segredos seja do que for e de quem for, e muito menos segredos de Estado deste tipo.
De resto, em face da natureza das informações que então requer! penso que qualquer pessoa nas minhas condições de simples Deputado dificilmente poderia presumir que tão graves e tão sérios cuidados estivessem a envolver a matéria versada.
Entretanto, porque a maior parte dos factos que procurei saber, como então dizia, «de boa fonte», anda para aí de boca em boca, sujeita a comentários e interpretações variadas e a ser objecto de muitas conversas e até com larga repercussão de publicidade nos jornais diários e semanais, parece-me útil que disto passe avise a quem de direito, precisamente para que a gravidade das razões dos superiores interesses do Estado que para esta Assembleia foi invocada seja respeitada e se acautele então a estabilidade e a segurança daquilo que o? altos interesses da comunidade impõem.
Andam na rua segredos que, pêlos vistos, não deviam andar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Jorge Jardim: - Sr. Presidente: situados no período que medeia entre os dois ciclos das comemorações do centenário de Mouzinho de Albuquerque, desempenho grato dever ao trazer à Assembleia uma justa referência à expressão dos sentimentos de inolvidável fervor patriótico e arreigado portuguesismo a que em Moçambique essas comemorações têm oferecido magnífico ensejo, evidenciando a unanime e permanente fidelidade dos portugueses daquela província do Índico ao mesmo imperativo que conduziu a heróica plêiade que Mouzinho personifica a defender os indiscutíveis direito de Portugal e que hoje a todos ali nos impõe, como primeiro dever, a honrosa missão de continuar naquela terras e naquelas gentes a obra civilizadora da Nação
Só o faço neste momento por não haver sido possível a qualquer dos Deputados por Moçambique a presença nos trabalhos da Assembleia quando se desenrolava primeiro ciclo das comemorações e por não coincidir segando ciclo com o período de actividade desta Câmara.
Na verdade, Sr. Presidente, se as homenagens figura de Mouzinho e a tudo o que do nosso povo cor substancia como soldado, pioneiro o administrador colonial têm de sentir-se bem fundo na alma de todos os portugueses, a todos fazendo vibrar de igual modo haverá de aceitar-se que para os portugueses de Moçambique essa invocação tome particular significado e que essa vibração da mesma alma nacional ali possa, ser cada momento de vida, estar mais presente na alma de cada um.
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Nós vivemos na terra que o herói, discutindo-a com a ponta da espada, conservou em definitivo para Portugal. E definitivo só pode querer dizer «para sempre».
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Trabalhamo-la com o mesmo amor que os soldados de Mouzinho puseram na sua ocupação. Sobre nós está o mesmo sol de África que queimou de escuro a pele dos seus homens e os nossos pés, como as nossas charruas, andam naqueles tandos e machongos que o sangue desses portugueses tornou indiscutíveis para os outros e para nós.
Nessas terras três vezes portuguesas - porque as descobrimos, porque as civilizámos e porque, vitoriosamente, só discutimos a nossa soberania pela única forma que é possível discuti-la a um povo digno- erguem-se as nossas igrejas, onde se reza como em Portugal; constróem-se as nossas casas, onde vivem famílias em tudo portuguesas; levantam-se as nossas escolas, onde os nossos filhos se preparam para continuar Portugal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Viveu Mouzinho os momentos duros mas gloriosos da reacção nacional, de que foi obreiro e símbolo, contra as violências que em Moçambique atingiram os nossos direitos.
Viemos nós, os de hoje, a viver orgulhosamente a reposição em Moçambique de uma justiça que nos foi reconhecida, até pela via do prestigio nascido de um conceito nacional de política de que se pode afirmar ter sido Mouzinho um precursor.
Do capitão de África, do governador que traçou rumos sempre actuais, guardamos nós ali a presença dum grande exemplo dedicado a um grande ideal. Um e outro conservamos para nossos guias.
É certo, Sr. Presidente, que a figura de Mouzinho pertence ao património de todos os portugueses e que esta intimidade com o meio onde se vincou a sua acção não dá especiais direitos a invocá-lo aos portugueses de Moçambique. O que lhes dá -porque lhes impõe- é particular dever em segui-lo. E isso, porque é da nossa honra, não o deixamos discutir a ninguém.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Não sei que fundamentos presentes ou suposições doentias quanto ao futuro possam levar a formular conclusões ou previsões acerca da fidelidade dos portugueses de Moçambique -dos de hoje ou de amanhã- ao espírito de Mouzinho e, consequentemente, à unidade da Nação.
Mas o certo é que algumas vezes surgem tais afrontas à nossa dignidade, quer murmuradas insidiosamente, quer mesmo escritas, com mais ou menos clareza, consoante o atrevimento ou inconsciência dos seus autores.
Quero crer, ainda, que a formulação de certas dúvidas - e duvidar, nesta matéria, é sempre ofender - tenha como base apenas uma observação apressada, assente em preconceitos prévios, assimilados não sei como e que procurem limitar-se a sugerir orientações com vista ao futuro, na convicção de que é preciso aconselhar os governantes a prever, não medindo o abismo que medeia entre prever mal e prever bem.
O Sr. Carlos Moreira: - O facto de ter estado durante quatro anos ligado a Moçambique leva-me a dar alguns esclarecimentos a V. Ex.a
Não creio que possam justamente lançar-se acusações sobre as comunidades portuguesas dos nossos territórios ultramarinos, mas há que fazer algumas restrições, em homenagem à verdade.
Certos elementos dirigentes ou, quando não dirigentes, associados por interesses, e quantas vezes por razões ocultas, deixam aos portugueses que por lá passam a impressão de que bastam alguns para perturbar o sentimento geral dos portugueses de Moçambique.
O Orador:-Como V. Ex.a afirmou, ninguém poderá com justiça acusar os portugueses de Moçambique, mas o certo ë que com injustiça se formularam dúvidas.
O Sr. Carlos Moreira: - Decerto que os portugueses de Moçambique merecem o nosso respeito, e o meu já há muitos anos que lho tributo. Mas é de admitir-se a existência daqueles indivíduos ou organizações a que me referi, com atitudes menos aconselháveis, com reservados intuitos, prejudicando por essa forma a verdadeira unidade nacional dos portugueses dessa grande província ultramarina.
O Orador:-Mas a generalização de quaisquer casos que se fizesse em relação a Moçambique é tão injusta e absurda como a que se poderia fazer acerca da posição que na metrópole possa ser assumida, como o é, por certos indivíduos ou organizações.
O Sr. Carlos Moreira: - Estou perfeitamente do acordo com V. Ex.a nesse ponto.
O Orador:-Sem discutir neste momento a intenção, os termos e a via dessa deturpação da verdade, quero repudiá-la neste lugar, com toda a energia, em nome de uma província portuguesa que não suporta dúvidas quanto ao que tem como o mais sagrado dos patrimónios.
E, sem referir qualquer caso concreto -até porque me desgostaria fazê-lo-, quero lembrar que, com Mouzinho, aprendemos em Moçambique a forma de tratar os que parecem querer discutir com palavras aquilo que o capitão não consentiu ao poderoso vátua que discutisse com azagaias.
Nem aos de fora nem aos de dentro admitimos que nos perguntem onde está a nossa honra de portugueses. E quando respondemos pela nossa respondemos também pela dos nossos filhos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Se os rapazes e raparigas de Moçambique são forçados a estudar no estrangeiro por falta de possibilidades de ensino nacional, se os colonos e funcionários não vêem facilitado o seu desejo de se deslocarem à metrópole, se certos problemas económicos ou administrativos não foram ainda encarados pela forma que ambicionamos, se certos anseios tardam em ser resolvidos, se somos mais vivos em expor algumas sugestões ou protestos, em tudo isso não se pode ver mais do que a existência de problemas que aspiramos ver solucionados e que nos esforçamos para que o sejam.
Pelo mérito das causas, esperamos que elas sejam atendidas com a prontidão possível, mas nunca nos passou pela cabeça invocar, para as ver deferidas, o argumento dos riscos da desnacionalização nem passámos procuração a alguém para o fazer.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Devem os nossos problemas alinhar-se entre as preocupações de quem governa, mas não porque as soluções imperfeitas ou demoradas nos façam menos portugueses. Sabemos ainda, em Moçambique, distinguir
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entre os direitos que nos assistem e os deveres que se nos impõem.
E a honra é um dever de que não fazemos comércio.
Se, porém, o que aflige esses espíritos menos esclarecidos são determinados aspectos externos da nossa vida diária que lhes pareça não corresponderem ao figurino, que por si traçaram, de invólucro individual e social do tipo português, teremos de lhes pedir que atentem nas condições particulares do meio em que nos fixámos e que não podem ser medidas quando se passa por aquelas terras dentro de programa forçosamente limitado pela escassez do tempo de que se dispõe. Nem o clima, por exemplo, é sempre tão ameno como se afigura aos visitantes da época do cacimbo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Atentem nessas diferenças, para que não tenham de vir a acusar-nos de não festejarmos o Natal em torno da lareira ou de não caminharmos para a missa do galo embuçados na samarra alentejana, no bom capote transmontano ou no elegante sobretudo de puro tecido escocês e fino corte parisiense.
É certo que temos em Moçambique hábitos de vida e nível social que se afastam do padrão médio da metrópole. E reconhecemos a influencia neles exercida pelo contacto mais estreito com outros povos.
Mas só lamentamos nisso a nossa diferença, porque desejaríamos que todos os da metrópole pudessem dispor de condições para a eliminar.
Não se meça por ai o nosso portuguesismo. Nós nunca usaríamos tal critério para avaliar o dos que se arvoram em nossos julgadores.
Sr. Presidente: com a amargura que Mouzinho sofreu ao chegarem-lhe as intrigas dos que não podiam entender a sua obra e o seu sonho recebemos nós a calúnia dos que não podem aperceber-se do nosso presente e muito menos ser oráculos do nosso futuro em Moçambique.
Com a dignidade que Mouzinho usou para repudiar as vilanias dos que mal serviam o rei vibra toda a província em repulsa pelas afrontas que não suportamos.
E porque somos todos a reagir, sempre como portugueses, ninguém poderá ver nisso outra origem, intuito ou direcção que não seja a de repor a verdade e defender a dignidade que possa ter sido atingida.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Temos a certeza de que essas dúvidas insensatas não encontram eco nem apoio na inteligência ou no sentimento de um povo que sabe que é igual a si mesmo, esteja onde estiver, e que não duvida de si próprio. E só duvidando de si próprios poderiam os portugueses da metrópole duvidar dos que se encontram em Moçambique.
É necessário que se saiba que os Portugueses, aquém ou além-mar, só servem a Portugal.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa dois requerimentos, que passo a ler:
Requerimentos
«No debate decorrente na ordem do dia têm sido justamente louvadas fundações recentemente estabelecidas com fim visivelmente altruísta e artístico; mas como
exemplos alheios parecem demonstrar que o recrudescimento de fundações dificilmente permite que o sen fim altruísta venha desinteressado de problemas tributários que lhe possam estar afins, requeiro, pelo Ministério das Finanças, que me seja fornecida súmula dos estudos feitos para que essas fundações, que até agora se têm fundado com fins patente e exclusivamente altruístas e artísticos, não possam servir de pretexto em futuras fundações para que esses fins aparentes, para que deviam ser destinadas, possam vir a encobrir vantagens de ordem fiscal, sobretudo em matéria sucessória e de imposto complementar».
«Apresentando os diferentes graus e ramos de ensino períodos de férias de Natal, Carnaval e Páscoa com prazos diferentes, divergência essa que não tem uma adequada explicação pedagógica, roqueiro, nos termos regimentais e constitucionais, me seja fornecida indicação de quaisquer trabalhos, pelas diferentes e competentes direcções-gerais do Ministério da Educação Nacional, que tenham sido elaborados para uniformizar e homogenizar os referidos períodos de férias».
O Sr. Galiano Tavares: - Sr. Presidente: envio para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Roqueiro que, pelo Ministério da Economia, me seja prestada informação individualizada dos funcionários na situação de requisitados, com menção dos serviços em que se ocupam e desde quando, e bem assim dos que aguardam reintegração nos departamentos a que pertenciam».
O Sr. Teixeira de Sousa: - Sr. Presidente: por ser esta a primeira vez que uso da palavra lia presente sessão, apresento a V. Ex.a as minhas homenagens.
Pedi a palavra para me referir às deficientes comunicações com a ilha da Madeira, chamando a atenção paia um problema cuja solução precisa de ser encarada, o qual é de primacial importância para a vida económica daquele arquipélago.
A ilha da Madeira, com os seus escassos 728 km2, dos quais apenas cerca de um terço constitui a área agrícola, tem de manter uma população superior a 270 000 habitantes!
É evidente que a sua agricultura não pode produzir o bastante para sustentar tão elevado número de pessoas.
A terra é escassa.
De grande temos o esforço heróico dos (Madeirenses, patenteado à vista de todos, nos poios a subir pelas encostas, com acessos incríveis.
Com imponência possuímos o espectáculo grandioso das nossas montanhas.
De maravilhoso temos a benignidade de um clima invejável e uma flora de inigualável beleza e encanto.
Com vastidão possuímos apenas o mar.
O mar é para o Madeirense o seu grande latifúndio, pois, além da pesca e doutras actividades que no mesmo têm lugar, é pelo mar que ele estabelece o contacto com as mais diversas regiões do Mundo.
É pelo mar que o Madeirense emigra, a procura de melhor sorte, e vai afirmar as suas magníficas qualidades de trabalho, de coragem e de audácia nas nossas províncias ultramarinas, na África do Sul, no Brasil, nas ilhas Hawai, nos Estados Unidos da América, na Trindade, em Demerara e, mais recentemente, em Curaçau, na Venezuela e no Canadá, sendo em toda a parte bem recebido e estimado, por ser disciplinado e ordeiro.
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Foi pelo mau que a Madeira se afirmou como estância de turismo de fama mundial. A facilidade de comunicações marítimas, em especial com a Inglaterra, leve o grande mérito de tornar a ilha conhecida. O seu turismo foi impulsionado, dadas as suas condições especiais, e durante muitos anos foi constituído quase exclusivamente por ingleses.
Depois de várias vicissitudes e de atravessar um período de grave crise durante a última guerra, a indústria de turismo renasce, tendo prestado valiosíssima contribuição as carreiras regulares estabelecidas entre a Inglaterra c a Madeira pelo navio Vénus, da Bergen Steamship Company.
Também é justo mencionar a importante contribuição que neste sentido tem sido prestada pela carreira de hidroaviões da Aquila Airways, Ltd., quer entre a Inglaterra e a Madeira, quer entre esta ilha e Lisboa. Devo salientar o cuidado e a segurança com que esta carreira é realizada; mau, pela sua própria natureza, está sujeita às contingências do tempo e do estado do mar e às respectivas demoras, com os consequentes incómodos.
Para obviar a estes inconvenientes têm os Madeirenses ambicionado, desde há muitos anos, a construção dum aeródromo que: lhes permitisse estabelecer ligações aéreas com o resto do Mundo, donde resultariam enormes benefícios para o seu turismo e para o seu comércio.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: expostas alguma considerações gerais, chego ao ponto que principalmente interessava referir - o das comunicações da Madeira com o continente.
Recentemente nesta Assembleia o Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu fez uma, muito justa referência ao plano de renovação da marinha mercante e a, criteriosa e persistente, actuação do Sr. Ministro da Marinha, aquela nobre figura, de marinheiro que é o almirante Américo Tomás, o qual, no período de dez, anos, operou a completa modificação da nossa frota de comércio, fazendo substituir os barcos em más condições por navios modernos adaptados às novas exigências do tráfego, ampliando o seu número e a sua tonelagem. Agora, terminada aquela primeira fase, importa notar as deficiências que presentemente se observam, pois, passados, dez anos, algumas circunstâncias mudaram, tornando-se necessário atender às novas exigências do transporte de pessoas e de mercadorias, motivo porque me sinto obrigado a informar o que se observa quanto ao caso da Madeira, para que, ao serem apreciados novos elementos de estudo, o caso madeirense possa ser considerado.
Sente-se a falta de uma carreira regular do navegação marítima entre Lisboa e o Funchal, cujo movimento de passageiros, em ritmo crescente, do sobejo justifica. As estatísticas não assinalam o movimento de passageiros entre Listam e o Funchal, pois apenas acusam o total de passageiros embarcados e desembarcados no porto do Funchal, sem referir o destino ou origem, apenas indicando a nacionalidade dos navios, motivo por que não é possível conhecer com rigor o número de passageiros que embarcam para Lisboa, ou desembarcam desta procedência. No entanto, se ao total de passageiros embarcados deduzirmos o número de emigrantes (embora alguns saiam de avião) e os embarcados em navios ingleses e noruegueses (considerados todos como turistas), observa-se que o seu número tem crescido continuamente desde 1950, o qual devo andar próximo dos 11 000 passageiros embarcados para Lisboa, variando em regra de 600 a 1000 por mês, sendo o mês de Agosto o de maior movimento, que deve exceder 1000, registando-se o menor movimento nos meses de Fevereiro e Março, com cerca de 500 em cada mês.
Quanto aos passageiros desembarcados, se deduzirmos os retornados e, de igual modo, os desembarcados de navios ingleses e noruegueses (turistas), verifica-se que o seu número também tem crescido, a qual deve aproximar-se dos 10 000 passageiros. É também no mês de Agosto que se observa o maior movimento, que deve exceder 1400 passageiros, sendo os meses de Fevereiro e Março os de menor importância, com cerra de 500.
Estes elementos, não sendo exactos, como referi, permitem-nos, todavia, apreciar a importância do movimento de passageiros entre o Funchal e Lisboa e justificar a necessidade de uma carreira regular marítima entre estes dois portos.
De Lisboa ao Funchal medeiam 530 milhas, distância esta que um navio com a velocidade de 20 nós percorre em vinte e sete horas.
É de notar que os navios da French Line e da Compagnie de Navigation. Mixte fazem o percurso Marselha-Argel, de 410 milhas, em dezoito ou dezanove horas, ou seja a uma velocidade de 23 a 23 nós.
Também tem importância a lotação do navio, a qual deve ser muito superior à do Carvalho Araújo ou Lima, respectivamente com 254 e 217 passageiros (sendo 78 e 70 de l.ª classe, 78 e 64 de 2.ª classe e 98 e 93 de 3.ª classe).
Os dois mais recentes navios da Compagnie de Navigation Mixte, da carreira Marselha-Argel, possuem as seguintes características:
Kairoman - entrou em serviço em 1950, tem a velocidade de 24 nós, com 8600 t, e dispõe das seguintes acomodações para passageiros: 131 de l.ª classe, 291 da classe turística e 750 de 4.ª classe (convés).
El Djezair - entrou em serviço em 1952, tem a velocidade de 21,5 nós, com 7100 t, dispondo das seguintes acomodações para passageiros: 114 de 1.ª classe, 220 da classe turística e 650 de 4.ª classe (convés).
Os passageiros da 4.ª classe, além das instalações sanitárias, dispõem de água refrigerada e no bar podem servir-se de bebidas e alimentos.
O Uige tem lugares para 571 passageiros: 78 do 1.ª classe e 493 da classe turística, sendo 91 no convés C e 402 no convés D. Creio que um navio com características semelhantes a este último, tendo acomodações para cerca de 400 passageiros, a capacidade que for julgada conveniente para carga e o espaço necessário para o transporte de automóveis, e com a velocidade, de 20 nós, poderia fazer três viagens num mês uma em cada década -, com reais vantagens.
Este facto, aliado a uma redução das tarifas, atendendo à melhor exploração da carreira, viria trazer uma maior afluência de passageiros, em benefício da Madeira e da empresa que superiormente fosse indicada como a mais apta para realizar este empreendimento.
Falei na redução das tarifas, e esta parece viável, atendendo a que um navio como o Carvalho Araújo, estacionando em numerosos portos, percorre perto de 2800 milhas numa única viagem mensal, com preços que. no máximo, não excedem 50 por cento dos de Lisboa-Funchal.
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Pode concluir-se que um navio com maior lotação, fazendo num mês três viagens Lisboa-Funchal, realiza esta carreira em condições muito mais económicas.
A Empresa Insulana de Navegação, com os seus barcos de passageiros Lima e Carvalho Araújo, não pode satisfazer as exigências actuais e, tendo alterado as datas de saída e itinerários, perdeu a sua característica mais apreciada - a regularidade das escalas.
Os navios da nova frota vieram suprir em parte aquelas deficiências, e digo em parte porque os da carreira de África, em regra, saem cheios e só nos últimos dias que antecedem a saída, e consoante as vagas existentes, podem os passageiros para a Madeira decidir o seu embarque.
No regresso de África e dos Açores também a admissão de passageiros está dependente dos lugares que venham vazios.
Compreende-se facilmente a razão de tal procedimento e por isso mesmo se torna necessário procurar dar-lhe remédio.
A delegação de turismo da Madeira, no seu relatório de 1954, refere:
O facto de os barcos nacionais não garantirem passagens do continente para a Madeira, nem no sentido inverso, traz-nos permanentes dificuldades.
Os navios Vera Cruz e Santa Maria têm prestado uma larga contribuição para facilitar o transporte de passageiros entre Lisboa e a Madeira, porque tem acontecido terem, em regra, muitos lugares vazios. Porém, no dia em que tal não suceda, pois é natural que a companhia proprietária faça todas as diligências para os preencher com passageiros de longo curso, novos e graves problemas virão a ocorrer, sendo mais frequentes os casos aflitivos, em que numerosos passageiros, como já tem acontecido com estudantes, turistas, comerciantes, etc., se vêem em situação deveras embaraçada por não terem transporte e ficarem deste modo impossibilitados de satisfazer obrigações em prazos certos e inadiáveis, com os consequentes prejuízos.
Pela observação atenta das actuais circunstâncias, justifica-se plenamente a necessidade de um navio que aça a carreira regular entre Lisboa e o Funchal.
Uma carreira nestas condições virá possibilitar um maior desenvolvimento do tráfego, aumentando consideravelmente o número de visitantes continentais, podendo constituir a base de um verdadeiro turismo nacional, por permitir aos ricos, e também às classes menos abastadas, a visita àquele arquipélago era datas certas e com lugares assegurados a tempo.
A Madeira ganhou fama como estância de turismo de Inverno, mas é na Primavera, Verão e Outono que com mais segurança e melhores condições de tempo se pode percorrer a ilha. A rede de estradas, que agora vai ser ampliada e melhorada, nos termos do Decreto-Lei n.° 40 168, de Maio passado, deve-se à perfeita colaboração em que trabalha a Junta Autónoma de Estradas e a Junta Geral do Funchal e à decisão criteriosa e inteligente do prestigioso Ministro das Obras Públicas, Sr. Eng. Eduardo de Arantes e Oliveira, que estudou atentamente este e muitos outros problemas na visita que realizou à Madeira em Agosto de 1954. Aproveito esta oportunidade para prestar a tão ilustre homem público o reconhecimento pelas suas altas qualidades e o agradecimento pêlos largos benefícios que estão a resultar da sua visita às ilhas da Madeira e do Porto Santo.
Como referi, a nova rede de estradas vai facilitar o acesso com relativa comodidade aos mais diversos pontos, com aã suas consequências no maior contacto dos povos e circulação dos produtos, permitindo que os turistas visitem os locais afamados e donde se desfrutam os mais belos panoramas.
Disse que a existência de uma carreira de navegação, nas condições referidas, podia servir de base para desenvolver o turismo nacional, e creio firmemente que o será, tornando possível a organização de excursões sem a preocupação de atingir determinado número, bastando marcar os lugares com antecedência, porque, sendo de antemão conhecidas as datas de chegada e partida, podem os passageiros ir e regressar na mesma viagem ou permanecer na Madeira o tempo que medeia entre duas ou mais viagens consecutivas.
Estou certo de que o movimento de uma tal carreira pode assumir proporções consideráveis, servindo nacionais e estrangeiros, e justificar no futuro a sua ampliação com outro navio, reduzindo os intervalos das viagens, donde resultariam ainda maiores vantagens.
Assim, as grandes e dispendiosas obras que vão realizar-se para a ampliação e melhoramento do porto do Funchal serão mais proveitosas, e todos os Madeirenses antevêem enormes benefícios, por saberem que o melhoramento do porto e o abastecimento de óleos à navegação têm uma importância considerável no seu desenvolvimento económico.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Ao falar nas obras de ampliação do porto do Funchal que estão a iniciar-se não podemos deixar de lembrar os nomes do comandante Camacho de Freitas, actual governador do Funchal, que a este problema dedicou o melhor da sua actividade, do Sr. Ministro das Obras Públicas, que se empenhou no seu estudo e procurou dar-lhe solução, e do Sr. Presidente do Conselho, que manifestou o maior interesse e, dando o seu apoio, permitiu torná-la realizável.
Expostas as considerações que antecedem, vou terminar, Sr. Presidente, exprimindo uma palavra de esperança: confiemos a resolução do problema das comunicações marítimas do Funchal com Lisboa à inteligência e peculiar bom senso do Sr. Ministro da Marinha, almirante Américo Deus Rodrigues Tomás, e fiquemos esperançados nos seus resultados, porque está entregue em boas mãos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente: pedi a palavra para apresentar o seguinte
Requerimento
«Pretendendo tratar em aviso prévio, com o meu Ex.mo Colega Dr. Elísio Pimenta, do problema do funcionamento da Comissão Reguladora das Moagens de Ramas e, nomeadamente, da acção parasitária que este organismo de coordenação económica vem exercendo nos domínios da pequena lavoura do País, regueiro que, pelo Ministério da Economia e Subsecretariado de Estado da Agricultura, me sejam fornecidos, com a maior urgência, os seguintes elementos a este organismo referentes:
1.° Montante discriminado das suas receitas nos anos de 1940 e de 1950 a 1955, inclusive;
2.° «Montante das receitas dos anos de 1950 a 1965 arrecadadas a título de taxas de laboração e de avencas;
3.° Número exacto dos contribuintes nos mesmos anos, discriminando-se os que pagaram imposições encontradas pela incidência das taxas
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criadas pêlos Decretos-Leis n.ºs 26 695 e 31 452, respectivamente de 16 de Junho de 1936 e 8 de Agosto de 1941, daqueles a quem a exigência foi feita pelo lançamento ad libitum de avenças;
4.º Montante das suas despesas, discriminadas por capítulos, referidas também aos anos de 1940 e aos de 1950 a 1955, inclusive;
5.° Montante das despesas com o pessoal referentes aos mesmos anos, discriminando-se o total referente a cada uma das suas diferentes categorias « serviços;
6.° Número dos seus funcionários, também por categorias e serviços, existente nos aludidos anos de 1940 e de 1950 a 1955, inclusive;
7.° Quantidades de milho continental e ultramarino que o organismo distribuiu nos mencionados anos de 1950 a 1955, também discriminadamente;
8.º Número global de processos instaurados no mesmo organismo por falta de pagamento de taxas de laboração e de avenças dos moinhos e azenhas nos mesmos anos ou no mesmo período organizados para cobrança coerciva de receitas;
9.° Cópia das circulares emanadas deste organismo nas quais directa ou indirectamente se trate da laboração de milho e centeio em moinhos ou azenhas.
Mais requeiro que, pelo Ministério das Corporações, me seja fornecido o número de processos de execução pendentes em cada um dos tribunais do trabalho do continente instaurados a requerimento da Comissão Reguladora das Moagens de Ramas».
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua o debate do aviso prévio do Sr. Deputado Abel de Lacerda acerca da situação dos museus, palácios e monumentos nacionais.
Tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Simões.
O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente: seja-me lícito manifestar a V. Ex.a as minhas mais sinceras congratulações pelo marrado êxito da missão, a todos os títulos honrosa, que levou V. Ex.a, acompanhado de alguns valores destacados deste País, até às Terras de Santa Truz, paru testemunharem, na soleníssima tomada de posse do seu ilustre Presidente da República, Sr. Doutor Juscelino Kubitschek de Oliveira, que, naquela hora magnífica de um novo alvorecer das mais fagueiras esperanças para a Terra Brasílica, com VV. Ex.a ali se encontrava toda a alma lusíada em estreita comunhão de desejos do mais venturoso engrandecimento da estremecida pátria irmã.
Para triunfo de tal quilate nós sabemos quanto contribuiu o elevado prestígio de V. Ex.a e as suas nobres virtudes, tão conhecidas de Brasileiros como o são dos Portugueses, que, na hora jubilar há dias vivida, a V. Ex.a tributaram a mais justa das consagrações.
De grande alegria, portanto, Sr. Presidente, é para nós todos este momento, em que o vemos reassumir as elevadas funções que V. Ex.a tanto tem prestigiado nesta Casa, mais enriquecido pelo serviço de saliente valia acabado de prestar à nossa pátria, que, engrandecida, se sente ufana do filho ilustre que lho prestou.
Sr. Presidente: o ilustre Deputado Sr. Dr. Abel de Lacerda, que muito afectuosamente saúdo, ao efectivar com o maior brilho o «seu notável aviso prévio sobre a posição actual do nosso .património cultural e artístico, compendiou uma larga série de inquietantes situações, de que não havia certamente uma apropriada visão de conjunto nas esferas superiores da governação.
Magnífico serviço prestou, pois, S. Ex.a a todos nós ao debruçar-se por forma tão criteriosa sobre o mundo destes importantes problemas, para definir as suas mais importantes facetas e, lançando o seu alarme, concitar para a defesa do acervo dos grandes valores desse nosso património os compreensivos olhares da alta administração.
Não podem deixar de ser ouvidas as suas cabidas sugestões, ainda enriquecidas pela colaboração prestante dos ilustres Deputados que têm tomado parte neste interessante debate, procurando cada um, com a maior elevação, denunciar as deficiências mais do seu conhecimento para que sejam corrigidas, na linha de rumo da importante e vasta obra de recuperação efectuada nestas três décadas de operosa vida da Revolução Nacional.
Manifesto, portanto, gostosamente o meu aplauso mais inteiro e a minha plena concordância com os pontos de vista tão brilhantemente expendidos e que vejo enquadrarem-se magnificamente na obrigação indeclinável de contribuir, cada um de nós, para a valorização sempre crescente de quanto fideicomissàriamente recebemos para, fiduciários sem remição, o entregarmos aos que vierem, por forma a que não tenhamos dado margem a julgamentos severos.
Mas, Sr. Presidente, no acervo de brilhantes afirmações que tenho ouvido, afigura-se-me não encontrar referidos alguns importantes problemas ligados ao património artístico existente nos nossos centros rurais, em relação ao qual se verificam também situações de dificuldade, que me parece haver vantagem em tornar conhecidas também, nu medida em que o não sejam, para que possam ser estudados e remediadas como cumpre.
Vastíssimos são os ângulos de dificuldade que esses problemas nos oferecem, mas quase todos eles andam ligados à deficiente estrutura financeira das entidades a quem, até agora e sabe-se lá até quando, tem pertencido resolvê-los, deficiência que me parece ser a generatriz de outros males, entra os quais avultam o do desconhecimento e o do desinteresse.
Sabe-se que, pela própria expansibilidade da vida ou talvez pêlos comandos fortes, do determinismo telúrico, vamos encontrar núcleos populacionais nas partes mais díspares do território, cuja razão de existência se evade ao domínio da nossa compreensão, quando se desconhece u determinante específica a cuja força se deve a sua criação.
Porém, esses núcleos existem e, mais ou menos importantes, com eles se formaram as nossas vilas e as nossas aldeias, logo que puderam atingir na craveira social um determinado valor, não importando fixar agora sua expressão.
Não admira, portanto, que nestes núcleos, ou para perpetuar factos importantes ou, principalmente, para satisfação dos anseios das almas de procurarem, pela oração dirigida ao Criador, o aligeiramento do peso da sua cruz, ou, enfim, por qualquer outro motivo, se tenham erguido templos, implantado padrões e pelourinhos, erigido monumentos ou levantado memórias para se obviar às necessidades da vida material e espiritual ou para perpetuação do acontecimento que se tornou fasto de muita relevância na vida local.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, herdaram-se de outras eras outros e muito díspares padrões erguidos sobre.
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o mesmo pensamento, pois nunca a humanidade encontrou melhor forma de couraçar contra o esquecimento mu acontecimento de vulto, ou a nobre figura de um paladino, que não fosse a de ligá-los à realidade de uma edificação.
Tudo isto, e o muito mais que a própria Natureza criou e o engenho do homem soube transformar, integra um riquíssimo património disperso por este país, de certo modo desconhecido e até certo ponto mal acautelado.
Se é certo que alguns guardam ciosamente, esse património, reconhecendo-lhe o valor verdadeiro, outros, e muitos serão infelizmente, votaram-no a uma soberana indiferença, que, por vezes, chega a conduzir a graves mutilações ou a aberrativos enxertos ditados pelas necessidades de momento, outros ainda, vítimas e confrangedor desconhecimento do valor encerrado nos elementos desse património à sua guarda, vão curando de o alienar, por nenhuma utilidade lhe reconhecerem, sentindo que só causa estorvo, sem fornecer vantagens ... Há verdadeiros casos de delapidação em transacções deste género e quase todas irremediáveis infelizmente.
Tem-se notado, ainda, que a conservação desse património monumental das nossas vilas e aldeias, e, nomeadamente, a dos seus templos, muitos dos quais, no tropel do tempo, já assistiram ao desfilar de centúrias de anos, constituindo assim os seus elementos de mais destacado valor, assume foros de extrema dificuldade ou de total impossibilidade, confiada como tem estado aos rústicos poderes das comissões fabriqueiras das autarquias ou dos organismos do culto erectos na circunscrição, que se encontram de certo modo desamparados do avisado conselho de técnicos competentes, não muito abundantes, infelizmente, e sofrendo de uma falta de recursos financeiros sempre aflitiva.
Desta sorte, tal conservação quase fica à inteira mercê da eventual generosidade dos fiéis da localidade, a ela concitados pelo compreensivo interesse e inciativa da autoridade religiosa, e, quando é feita, tende a comprometer a traça que deveria ser respeitada, porque, acima desta conveniência, o que aparece é o problema económico, cuja solução não se compadece com as exigências da arte, por mais puras que se apresentem, e com o respeito dos seus princípios imutáveis.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Olha-se então para o Estado e procura estender-se a mão ao Ministério das Obras Públicas, em busca de almejada comparticipação nos custos do restauro ou da simples e comezinha conservação.
Porém, as dotações deste Ministério são demasiadamente restritas confrangedoramente parcas para a realização do cúmulo de importantíssimas obras que, na vasta latitude da nossa terra, pertencem a este departamento, pelo que terão de decorrer anos infindáveis antes de se alcançar essa ajuda financeira. Entretanto, mais se compromete ou arruina o que pretendia salvar-se ou conservar-se, porque as injúrias do tempo não perdoam, começando a forçada dilação aa fazer nascer o desinteresse.
Recordo, como exemplo desta afirmação, o que se passa com a pretendida reparação da igreja matriz da freguesia de S. Miguel, do concelho de Poiares, edifício do século XVII, a que, geralmente, se reconhece apreciável valor e de valor encerra algumas imagens e altares de preciosa talha, para o qual se estruturou, na forma do exigido pela legislação aplicável, um projecto de trabalhos de conservação, por ser absolutamente precária a sua segurança, sem que, decorridos mais de cinco anos, depois de pedida a comparticipação do Estado no seu custo, se haja alcançado, ao menos, uma esperança de obtê-la a tempo de evitar a ruína total ...
Não se trata, certamente, de caso único.
Como obviar aos inconvenientes citados nesta resumida e desvaliosa alegação e mais a um grande número de outros que facilmente se adivinham?
Como o ilustre Deputado avisante, também eu creio que a solução se deve encontrar na criação de um departamento único com as funções que lhe deixou assinaladas nas três alíneas em que as estrutura. São fortemente convincentes as suas razões e contra elas não descubro argumento que valha.
Vozes : - Muito bem!
O Orador: - Como entendo que ninguém possa duvidar da vantagem, melhor, da necessidade imperiosa de se conhecer tão exactamente quanto possível o valor do nosso património artístico e monumental, com a sua apropriada descrição e a determinação do lugar onde se encontra, pretendo que no inventário, com tanto a propósito sugerido, dos valores desse património, que se pretende entregar aos bons cuidados e à superior orientação do organismo a criar, se não esqueça o que existe no nosso vasto mundo rural; não para lhe arrebatar as preciosidades que possui - e muitas são, com legítimo orgulho de as saberem suas - , sob a capciosa argumentação de não se encontrarem suficientemente acauteladas, como já tem sucedido, mas antes para, exactamente, se lhe criarem as condições mínimas de segurança contra todos os flagelos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não é inteiramente justo que o- museus da grande urbe arrecadem, na magnificência maior ou menor das suas salas, tantos testemunhos que o génio dos nossos maiores criou e entregou à guarda dos corações humildes, mas respeitadores da boa gente dos nossos campos.
Retirar-lhes essas jóias seria como que despojá-las dos preciosos escrínios criados para guardá-las ...
Não pode também esquecer-se a necessidade da recuperação de tantos valores quase perdidos ou francamente ameaçados de perdição, pelo muito que representam no respeitável interesse local, tantas vezes perfeitamente integrado no próprio interesse nacional. Os pelourinhos dos concelhos - símbolos do prestígio de outrora, infelizmente tão diminuído hoje, em vantagem para ninguém - e as «alminhas» - relicários de devoção que a ninguém fazem ofensa, e antes lembram. quer quando incrustadas no meio das povoações, quer edificadas na solidão dos caminhos, que a vida tem um fim cuja proximidade se desconhece - porque não serão restaurados, ou até criados, no seu ambiente apropriado, ao longo de todo o nosso território?
Junto, Sr. Presidente, esta despretensiosa sugestão ao brilhante cortejo dos que foram feitas aqui, porque entendo que na defesa dos meios rurais e fortalecimento do seu peculiar ambiente de virtudes nada é lícito desconsiderar.
O aumento das possibilidades de acção do das Obras Públicas como medida urgente para que se possam recuperar, sem grandes prejuízos, muitos valores em risco de perder-se impõe-se, dado que as soluções preconizadas têm necessariamente um tempo de demora.
Juntando a minha voz a todas aquelas que tão brilhantemente aqui se fizeram ouvir, vou terminar e, perante assunto de tanto interesse, ouso socorrer-me
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de um luminoso conceito do Sr. Presidente do Conselho e exclamo contritamente: «que pena que não tenha podido e sabido fazer melhor».
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Abel de Lacerda: - Sr. Presidente: chegados ao fim deste debate, é-nos grato verificar quanto o País e, consequentemente, a Assembleia Nacional suo sensíveis à defesa dos valores do espírito e da cultura, atribuindo-lhes destacada importância na formação da consciência nacional.
Ainda que este aviso prévio outros méritos não tivesse, tinha o de exprimir legítimos anseios, de apontar deficiências com intuitos construtivos e preconizar soluções práticas, a fim de que os museus, palácios e monumentos desempenhem cabalmente a função cultural que lhes incumbe e por vezes tem sido perturbada.
De facto, os nossos castelos e outros monumentos, os nossos palácios, os nossos museus, constituem um precioso capital, a que é devido um rendimento; esse capital, somado às obras de arte na posse da Igreja e de particulares, forma um património artístico que importa defender e valorizar numa política de conjunto, ou seja numa política de belas-artes.
Mas teremos nós, de facto, essa política de belas-artes?
Afigura-se-me que não, na medida em que a competência da sua realização se encontra dispersa por vários Ministérios.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As intervenções dos Srs. Deputados Bartolomeu Gromicho, Mário de Albuquerque, Cortês Pinto, Rui de Andrade, Mendes Correia, Bustorff Silva e Augusto Simões demonstram que há muita coisa a rever; que a colaboração entre os vários departamentos que se ocupam de belas-artes não é eficiente; que a matéria não está devidamente estruturada e arrumada.
O Deputado Bartolomeu Gromicho reconheceu que:
... por diversidade de critérios e dispersão por vários Ministérios do que respeita ao património artístico do Estado se verifica que algo não está certo;
concluindo que:
... se impõe no conjunto da riqueza museológica estabelecer uma orgânica coordenada que resulte no maior e melhor aproveitamento a favor da cultura geral da população.
O Sr. Deputado Mendes Correia afirmou:
É justificado que ao Ministério da Educação Nacional caiba o papel orientador e coordenador. Os departamentos das Finanças e das Obras Públicas são cooperadores, quer promovendo o financiamento criterioso das actividades necessárias, quer a instalação adequada dos serviços e a conservação ou restauro de monumentos, sob as directrizes de especialistas em museologia, arte, arqueologia, etc. A ideia de um departamento especial do Ministério da Educação Nacional para a superintendência especializada ou no caso de entidades não estatais- para a fiscalização de serviços e actividades respeitantes a museus de arte, arqueologia, etnografia, folclore e história merece o meu aplauso.
O Sr. Deputado Bustorff da Silva entende que os factos apontados ...
... revelam, sem contestação possível, uma desconexão ou confusão de competências de que não há que esperar nada de bom.
É mais adianto filia os seus reparos ...
... na carência de uma legislação clara e eficiente, que consagre os princípios e fixe as directrizes indispensáveis para evitar os conflitos e as confusões de funções necessariamente resultantes desta proliferação de competências.
O Sr. Deputado Mendes Correia sintetiza a expressão do debate em curso quando afirma:
Há defeitos a corrigir, males a evitar, aperfeiçoamentos a exigir, novos e grandiosos esforços a desenvolver? Decerto. Mas o reconhecimento das imperfeições é, para os bem-intencionados, o mais forte estímulo para perseverar na busca dos melhores caminhos que conduzem a um ideal, mesmo na prévia certeza de que, por circunstâncias irremovíveis, este nunca será atingido do modo integral que se deseja.
Isto é, não se nega o esforço já realizado, não se discute o valor das pessoas, não está em causa a boa vontade dos serviços: o que está em causa é a valorização de um património artístico e o desenvolvimento de uma política de belas-artes. Pretende-se, acima de tudo, arrumar melhor este sector da vida nacional, e arrumá-lo não implica necessariamente mante-lo desarticulado.
O discurso aqui proferido pelo ilustre Deputado Águedo de Oliveira, concebido em sentido oposto às restantes intervenções deste aviso prévio, teve especial interesse na medida em que a presença de ideias contrárias agitou e animou o debate.
Devo afirmar a minha maior consideração e estima pelo Sr. Deputado Águedo de Oliveira, e quaisquer possíveis críticas por mim feitas têm apenas o intuito de valorizar e justificar a minha tese.
Pena é que S. Ex.a se tivesse explanado em considerações históricas e literárias, mais do que na refutação de factos concretos aqui apontados.
Assim, por exemplo:
l) Afirmámos que o Ministério das Obras Públicas delimita legalmente zonas de protecção para 09 monumentos nacionais, competência esta que também cabe ao Ministério da Educação Nacional, resultando daí inúmeros atritos e até graves prejuízos para os particulares, que vêem por vezes os seus imóveis ao abrigo e critérios diferentes, refutou-se esta afirmação? Não se refutou.
2) Afirmámos que o Ministério das Finanças houve por bem aceitar da irmã do coleccionador portuense Fernando de Castro, mediante uma renda vitalícia do 5.000$ mensais, duas casas e respectivos recheios, com o fim de instalar a Casa-Museu Fernando de Castro, operação de duvidoso interesse artístico e feita à margem do Ministério da Educação Nacional. Refutou-se esta afirmação? Não se refutou.
3) Afirmámos que, como justa e louvável defeca da integridade do nosso património, compete ao Estado arrolar as peças históricas e artísticas de valor nacional; porém, tal arrola-
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mento só exprime uma medida de segurança guando secundada por uma periódica fiscalização da parte do próprio Estado, como garantia eficiente de conservação das mesmas: a fiscalização, porém, não existe nem nunca existiu. Refutou-se esta afirmação? Não se refutou.
4) Afirmamos que a ausência do fiscalização atinge ainda os museus, tanto pela necessidade imperiosa de controlar os seus deficientes inventários, como pela vantagem incontestável que dela adviria para melhor valorização estética e rendimento didáctico, objectivos que sobremodo importa atingir. Esta afirmação não foi refutada e parece depreender-se que o Sr. Deputado Águedo de Oliveira é contrário a tais fiscalizações, julgando-as até da competência do público.
5) Afirmámos que não existe uniformidade no registo, na inventariação e na catalogação das espécies artísticas existentes nos museus e palácios do Estado e que nem sequer, na maioria dos casos, existem tabelas explicativas das obras expostas.
6) Afirmámos que a inventariação e classificação do nosso património artístico, não obstante ser da competência da Junta Nacional da Educação (6.ª secção), vem sendo levada a efeito pela Academia Nacional de Belas-Artes. Justificou-se este desvio de competência? Não se justificou.
7) Afirmámos que o rendimento espiritual e cultural dos nossos museus, palácios e monumentos nacionais se apresenta, no seu conjunto, muito inferior ao que podia e devia ser. Demonstrou-se o contrário?
8) Afirmámos que as dotações orçamentais dos nossos museus não obedecem a uma distribuição equitativa, em ordem à satisfação das necessidades dos mesmos. Assim, por exemplo, enquanto o Museu de Arte Popular, de recheio artístico de valor secundário em relação aos museus do Ministério da Educação Nacional, dispõe de 430.800$, o Museu Nacional de Arte Contemporânea tem 291.000$ e o Museu Regional de Évora 202.100$, não falando já nos Museus de Bragança, Aveiro, Lamego e Guimarães, cujas dotações são, respectivamente, de 75.740$, 67.500$, 47.200$ e 44.400$. Explicou-se a razão desta anomalia? Não se explicou.
9) Afirmámos que há disparidade de critérios entre os quadros do pessoal menor, salientando-se que, enquanto os Museus de Évora, Guimarães, Bragança, Aveiro e Lamego admitem apenas um servente, o referido Museu de Arte Popular dispõe de dez guardas, um porteiro, um guarda de noite e duas encarregadas da limpeza. Refutou-se esta afirmação? Não se refutou.
10) Afirmámos que o restauro dos monumentos nacionais nem sempre está isento de reparos pelo facto de ser feito ã margem do Ministério a que devem naturalmente subordinar-se os serviços de belas-artes. O Sr. Deputado Águedo de Oliveira, baseado no parecer de estrangeiros, entende, porém, que está muito bem tudo quanto se fez.
O Sr. Águedo de Oliveira: - V. Ex.a dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Águedo de Oliveira: - É só para um esclarecimento.
A minha referência de que está tudo bem é em relação ao arranjo interior dos palácios nacional.
O Orador: - Tenho a impressão de que a generalização se deu para os monumentos nacionais.
O Sr. Águedo de Oliveira:-lira mais interessante que V. Ex.a explicasse à Câmara um ponto que me preocupa sobejamente: V. Ex.a, em 1952 ou 1953, interveio aqui, não na tribuna, mas do seu lugar e, portanto, com o valor político e com o valor representativo que o caso merece e que o caso impõe. Pois é V. Ex.a quem, nessa altura, não confia no Estado e diz: «Cuidado com as colecções que são emprestadas ao Estado para exposições!» É V. Ex.a que diz: «Há que aguardar da acção dos particulares, dos carolas - eu não sei se a expressão é parlamentar: que me desculpe o Sr. Presidente se o não é-, a melhor actividade». E V. Ex.a, nessa altura, quem nutre a maior das desconfianças pela acção estadual.
Como é que V. Ex.a concilia esta posição de há dois ou três anos com a posição de agora, ao querer um organismo, por assim dizer, totalitário para a política das belas-artes, em vez de um organismo com uma certa competência, como pretendeu o Sr. Deputado Mário de Figueiredo no seu aparte? Quer dizer: não queria concentrar apenas atribuições e competência e queria concentrar tudo num organismo.
O Orador: - Mas é que é completam ente diferente a posição. Uma coisa é o património particular e outra o do Estado. O património particular não pode, por fornia alguma, confundir-se com o do Estado.
O Sr. Águedo de Oliveira: - V. Ex.a dá-me licença? Eu trouxe aqui aquilo que se passava nos Estados modernos, porque entendi que num problema desta transcendência não só se deveria ter em conta o conhecimento do regime essencial mas também a forma como ele funciona na prática. Quando V. Ex.a quer um organismo totalitário, altíssimamente competente, para um país onde, como V. Ex.a próprio disso, apenas existem quatro museus nacionais e sete museus provinciais ...
O Orador: - ... quatro palácios o setecentos e quarenta e três monumentos.
O Sr. Águedo de Oliveira: - ... e o vai depois comparar com a Itália, onde existem mais de novecentos, museus, parece que pretende criar um órgão desproporcionado, com cabeça de gigante e corpo de pigmeu.
Se falei em Nova Iorque e em Londres foi apenas com o intuito de trazer à discussão elementos de estudo, e não propriamente como padrões ou lições. Temos o nosso grau de cultura e as nossas características de vida intelectual, e, por isso, se os trouxe foi apenas para ficarmos sabendo como hoje se pratica nos Estados modernos.
O Orador: - Mas o que V. Ex.a diz não faz mais do que reforçar o meu ponto de vista.
O Sr. Águedo de Oliveira: - O que eu lamento é que, como já declarei na sessão anterior, o assunto não tivesse baixado às comissões de estudo. Eu próprio não teria estudado o assunto à pressa, e isto porque, em problemas como este da maior transcendência, não há dúvida de que se tem de fazer um estudo sério e tomar depois posição definitiva, trabalhando para o lança-
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mento das respectivas bases de harmonia com as disposições da Constituição.
O Orador: - Nesse caso pergunto eu:
a) Como classificar o facto de se terem construído na romana Conímbriga muralhas de carácter medieval?
b) Como justificar o facto de na Igreja de S. Francisco, de Guimarães, se terem substituído janelas góticas da primitiva por janelões rectangulares semelhantes aos dos bairros modernos do Areeiro e do Alvalade?
c) Como explicar que nu restauro dos nossos castelos se tivesse desprezado a possibilidade de pesquisar, estudar e documentar artes decorativas medievais, designadamente a cerâmica?
d) Como perdoar que nos trabalhos de terraplanagem para a construção da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra trechos de arquitectura medieval, esculturas e frescos únicos no País tenham sido irremediavelmente perdidos, pelo emprego da dinamite?
c) Como admitir que, numa desvairada ânsia do recuar no tempo a fisionomia dos nossos monumentos religiosos, se tenham destruído para sempre conjuntos magníficos de arte barroca?
Todos estes erros e deficiências e ainda aqueles tão criteriosamente referidos pelos ilustres Deputados que me secundaram neste aviso prévio encontram resposta justificativa no discurso do Sr. Deputado Águedo de Oliveira?
S. Ex.a, começando por descer a colina de Atenas, desenvolveu, com o brilho do seu espírito e da sua palavra eloquente, considerações de natureza mitológica, histórica e literária. Trouxe depois a esta Assembleia as organizações dos patrimónios artísticos da Espanha, na Itália, da Franca e de Nova Iorque, para concluir que em nenhuma delas existe integração a concentração num único departamento do Estado.
Mas o que o ilustre Deputado não mencionou foi um único caso de actividades e orientações técnicas e administrativas referentes a museus, palácios e monumentos que nesses países fossem dependentes de Ministérios de Obras Públicas ou de Finanças. Esta omissão só vem reforçar o meu ponto de vista.
Aliás, o que se faz lá fora não tem forçosamente de nos servir de modelo: todos sabemos que a nossa política actual não se veste já por figurinos estrangeiros.
Além disto, fez S. Ex.a uma série de referências a diferentes pessoas e entidades oficiais. Justamente, no meu aviso prévio ou evitara fazer tais referencias, para vincar bem que se defendia um princípio, não lhe dando qualquer aspecto pessoal, forçosamente melindroso, limitado e transitório. E se fiz uma, justíssima referência à esclarecida e patriótica acção do Sr. Dr. Águedo de Oliveira, quando titular da pasta das Finanças, foi para evitar susceptibilidades, no caso, pouco provável mas possível, de as minhas intenções não serem devidamente compreendidas.
Não devo concluir esta exposição sem esclarecer que a preconizada concentração de competências não quer, necessáriamente, significar concentração de serviços no mesmo departamento do Estado: quer simplesmente dizer que a orientação política em matéria de obras de arte ou de valor histórico o arqueológico (e só a estas se refere o aviso prévio deve pertencer e ser exclusiva do mesmo departamento do Estado.
Conquanto não seja meu intuito contrariar as convicções do ilustre Deputado Águedo de Oliveira e diminuir o alto significado do seu sincero depoimento, tenho, porém, de abrir mais uma excepção. Diz S. Ex.a:
O Ministério da educação já sofre de inflação. Não tem mãos a medir, mesmo que dispusesse de tantos braços como o Buda famoso.
Dificilmente podia deixar passar esta opinião sem o devido reparo. Nem o Ministério da Educação Nacional sofre ou pode sofrer de inflação em assuntos da sua competência específica, nem o Buda tinha tantos braços como S. Ex.a supõe ...
Sr. Presidente: entendo que não pode aperfeiçoar-se quem não faz oportunos exames de consciência e não se penitencia dos seus erros e das suas faltas.
O aviso prévio é, neste sector da política de belas-artes e da cultura portuguesa, em que todos temos responsabilidades, um acto de penitência, em que sinto e sei estar acompanhado, não apenas por grande número dos membros mais ilustres desta Câmara, mas também por muitos portugueses que vivamente aspiram ao engrandecimento da sua pátria.
Pondo em evidência o regime desarticulado em que vivemos, as deficiências e as incompatibilidades bem conhecidas dos serviços e o contra-senso da interferência dos Ministérios das Finanças, das Obras Públicas e até do Interior em matéria de belas-artes, tudo isto com exemplos objectivos, a Assembleia Nacional exprimiu a manifesta insatisfação, a ânsia de melhoria, o voto de aperfeiçoamento, que são características de toda uma política de valorização.
Quem sob este aspecto não tem ambições é por certo bem mais feliz do que nós.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Não se encontra inscrito mais nenhum Sr. Deputado para usar da palavra neste debate. Portanto, considero-o encerrado.
Encontra-se na Mesa uma moção subscrita pêlos Srs. Deputados Abel de Lacerda. Bartolomeu Gromicho, Mendes Correia, Bustorff da Silva, Cortês Pinto e Augusto Simões, que vai ser lida.
Foi lida.
O Sr. Presidente: - A fim de os Srs. Deputados poderem tomar melhor conhecimento desta moção, interrompo a sessão por alguns minutos.
Eram 18 horas.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: - Do exame a que se procedeu durante a interrupção da sessão resultou a redacção de uma moção cujo conteúdo é o mesmo que foi lido à Câmara, mas com forma diferente.
A nova moção é assim concebida:
Moção
«A Assembleia Nacional, considerado o debate sobre o aviso prévio relativo ao nosso património artístico, representado pelos museus, palácios e monumentos nacionais, reconhece:
1.º Que muito se tem feito em favor do mesmo;
2.º Que os males apontados são, principalmente, consequência da dispersão de competências
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por vários departamentos do Estado ou da impossibilidade prática da sua eficiente coordenação.
Nestas condições, emite o voto de que, na medida do possível, aquelas competências se integrem num único departamento do Estado, ou, noa casos em que isso não puder fazer-se, a orientação superior das obras de que o referido património careça e de quanto seja necessário ou útil à sua valorização pertença também no mesmo departamento.
Sala das Sessões, 8 de Fevereiro de 1956. - Abel de Lacerda - António Bartolomeu Gromicho - António Augusto Esteves Mendes Correia - António Júdice Bustorff da Silva - Américo Cortês Pinto - Augusto Duarte Henrique Simões».
O Sr. Presidente: - Como o conteúdo da moção é o mesmo, valem para ela as mesmas assinaturas da outra. Vai, pois, proceder-se á votação.
Submetida à votação, foi a moção aprovada por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Amanhã haverá sessão, tendo por ordem do dia a discussão do Acordo Cultural Luso--Belga.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 50 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Afonso Cid dos Santos.
João Alpoim Borges do Canto.
José Dias de Araújo Correia.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Amândio Rebelo de Figueiredo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Rodrigues.
António Russell de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Eduardo Pereira Viana.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
João Mendes da Costa Amaral.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Luís de Azeredo Pereira.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Tito Castelo Branco Arantes
Urgel Abílio Horta.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA