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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 128

ANO DE 1956 15 DE MARÇO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VI LEGISLATURA

SESSÃO N.° 128, EM 14 DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues

SUMÁRIO:- O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.

O Sr. Deputado Vaz Monteiro referiu-se ao falecimento da Sr.ª D. Maria do Carmo Fragoso Carmona.
Também à mesma senhora se referiu o Sr. Presidente, que, em seguida, suspendeu a, sessão, em sinal de sentimento, por cinco minutos.
O Sr. Deputado Gastão Figueira agradeceu ao Sr. Ministro da Justiça ter ordenado um inquérito sobre a criminalidade infantil na Ilha da Madeira.

Ordem do dia. - Prosseguiu o debate relativo ao problema da habitação para famílias pobres.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Galiano Tavares, Urgel Horta e Marques Teixeira.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 10 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Américo Cortês Pinto.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António Russell de Sousa.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Carlos de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Herculano Amorim Ferreira.
João Ameal.
João Carlos de Asais Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Pinho Brandão.

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Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís d« Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.

O Sr. Presidente:- Estão presentes 68 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente:- Estão na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, os elementos fornecidos pelo Ministério da Marinha em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Pinto Barriga na sessão de 10 de Janeiro último. Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.

Pauta.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Vaz Monteiro.

O Sr. Vaz Monteiro: - Sr. Presidente: vai hoje a enterrar a excelsa senhora D. Maria do Carmo Ferreira da Silva de Fragoso Carmona, viúva do saudoso Presidente da República Sr. Marechal Oscar Carmona.
A bondosa senhora, que deixa a mais profunda saudade entre todos os portugueses, desde as mais altas individualidades aos mais modestos operários, soube sempre impor-se, principalmente pêlos sentidos da caridade cristã com que atendeu as numerosas pessoas que à sua protecção se acolheram.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Os desprotegidos da sorte encontraram sempre no bondoso coração desta senhora amparo e lenitivo para a sua infelicidade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- E tanto assim foi, Sr. Presidente, que à igreja do Mosteiro dos Jerónimos, onde esteve depositado o seu corpo, acorreram, com lágrimas nos olhos a beijar-lhe as faces e as mãos, muitas centenas de pessoas humildes e pobres a quem ela dispensou atenções e auxílios materiais. Foi comovedor assistir, ontem e hoje, na igreja dos Jerónimos a esta manifestação de saudade e gratidão do povo humilde de Lisboa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- E é ainda sob a impressão comovedora destas manifestações, prestadas a quem tão alto soube erguer o nome de esposa, mãe e protectora dos pobres e desprotegidos, que venho prestar-lhe as minhas homenagens do mais profundo respeito e a mais sincera admiração por tantos exemplos que nos deixou das suas altas virtudes.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Tenho dito.

O Sr. Presidente:- Srs. Deputados: se é ainda necessário, depois das justas palavras do Sr. Deputado Vaz Monteiro, dar mais autêntica expressão aos sentimentos da Câmara pelo falecimento da que foi esposa do saudoso marechal Carmona, eu direi ainda que com ela desaparece um dos elos vivos que nos ligavam a uma época da vida política do País em que, durante cerca de um quarto de século, cheio de confiança, Portugal pude, em paz, realizar a obra do seu resgate e restauração.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente:- A ilustre senhora que hoje desapareceu nas sombras do túmulo ocupou durante esse longo período o primeiro lugar entre as senhoras portuguesas, conservando a simplicidade dos seus hábitos, sem se deixar deslumbrar pelas alturas do Poder, exercendo a sua bondade na irradiação simpática com que essa virtude resplandece quando vem dos elevados cimos do Poder; e concorreu assim para tornar simpática, querida, paternal, a própria magistratura do Chefe do Estado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente:- A Câmara exprimindo o seu pesar cumpre um dever, satisfaz os seus impulsos e os do Pais e faz justiça a quem, pela sua vida, a mereceu largamente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente:- Quero ainda comunicar a VV. Ex.ªs que encarreguei o 1.° Vice-Presidente desta Assembleia, e, Deputado Augusto Cancella de Abreu, de me representar e à Camará no funeral da viúva do saudoso marechal Carmona.
Em sinal de sentimento interrompo a sessão por cinco minutos.

Eram 16 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 16 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra o Sr. Deputado Gastão Figueira.

O Sr. Gastão Figueira: - Sr. Presidente: nos começos desta sessão legislativa chamei a atenção do Governo para o problema da criminalidade infantil na ilha da Madeira.
Estou informado de que o Sr. Ministro da Justiça, certamente obtemperando às minhas considerações, or-

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denou um inquérito, para cuja realização segue para o Funchal, ainda esta semana, um funcionário especializado.
Independentemente das conclusões a que chegue esse inquérito, é de registar, desde já, a prontidão com que o Sr. Ministro da, Justiça quis satisfazer as inquietações por mim manifestadas nesta Assembleia a respeito do desenvolvimento da delinquência infantil na Madeira.
É de registar e, sem dúvida, de aplaudir por esta Câmara.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente:- Vai iniciar-se o debate do aviso prévio do Sr. Deputado Almeida Garrett sobre o problema da habitação para famílias de poucos recursos.

em a palavra o Sr. Deputado Galiano Tavares.

O Sr. Galiano Tavares: - Sr. Presidente: o aviso prévio do Sr. Deputado Prof. Almeida Garrett tem a maior oportunidade. Eu sei quanto se tem legislado no sentido de atenuar a crise de alojamento e habitação e sei quanto o problema é geral, não havendo na Europa, por assim dizer, país que não se sinta preocupado com o fenómeno que resulta do aumento da população e ainda das consequências de uma guerra atroz, que tudo procurou devastar, mesmo sem objectivos militares. Antes, porém, da guerra já havia em Inglaterra slums e em França taudis, para não citar outros, até porque estes já são, por natureza, bem representativos.
É, naturalmente, mais económica, mais estável, mais bem constituída, a família que se abriga sob tecto próprio. «Eis porque nos não interessam os grandes falanstérios» - disse o Sr. Presidente do Conselho em 1933.
Não pretendo tratar dos vários tipos de habitação:

a) As casas de habitação própria;
b) As casas de renda livre sujeitas à lei do inquilinato;
c) As casas de renda limitada, habitações económicas;

Antes mesmo do aviso prévio do Sr. Deputado Prof. Almeida Garrett havia eu solicitado ao Ministério das Obras Públicas informações acerca das casas desmontáveis e das casas para famílias pobres. Havia mesmo requerido esclarecimentos acerca do e remanescente útil» dessas casas desmontáveis. Aqui agradeço o trabalho que porventura tenha provocado.
O Governo, através do Decreto n.° 23052, de 23 de Setembro de 1933, traçou a sua política em relação ao problema da construção de casas económicas destinadas às famílias menos abastadas e tomou as disposições necessárias para uma experiência nas cidades do Porto e de Lisboa, na última das quais se construíram e distribuíram mais 600 moradias.
Os resultados obtidos em Lisboa permitiram afirmar (Decreto-Lei n.° 28 912, de 1935), com segurança, que haviam sido a criadas as melhores condições sociais, económicas, técnicas e morais na nossa solução do problema da casa económica».
Quanto às casas desmontáveis, o Governo prometia a imediata construção, na capital, de 1000 de fibrocimento e madeira, a distribuir por dois ou três bairros, com instalação de água e esgoto, e a entregar completamente mobiladas. O subsídio concedido foi de 5000 contos e o número de casas efectivamente entregues foi de 988, nos anos de 1339 e 1940.
Com efeito, no ano de 1938 havia sido posta em prática pela Câmara Municipal de Lisboa a construção de casas desmontáveis para abrigar grupos de famílias que viviam em condições precárias em bairros insalubres. A urgência que foi posta (Anais da Câmara Municipal de Lisboa de 1950) para a resolução deste problema e o atraso em que se encontravam então os planos de urbanização levaram a considerar a solução da construção de bairros de casas desmontáveis durante os anos intermédios de 1938 a 1945: Quinta da Calçada (500), Quinta das Furnas (280) e Boa Vista (707)
A duração prevista deste tipo de casas implicava a execução de frequentes obras de conservação. Esta a causa determinante da pergunta que fiz quanto ao remanescente útil dessas pseudo-habitações. E designo-as por pseudo-habitações pela sua real precariedade.
E a este respeito é de considerar, por contraste de critérios, o procedimento adoptado ainda pela Câmara Municipal de Lisboa, e que o Dr. Deputado Eng. Amaral Neto comentou com realista e ao mesmo tempo pungente veracidade: anos dez anos que compreendem os de 1945 a 1954 o Município de Lisboa adquiriu propriedades num total de 8 233 675 m2 de área e 375:199.058$20 de custo, dos quais uma parte, pequena em área e grande em valor, foi destinada a fins tão especiais como a remodelação da Baixa».
«Guardou, pois - continua - , para outros usos, e designadamente para urbanizar, quase 8 200 000 m3, pagos por 286 909 contos, isto é, à razão de 35$ cada metro quadrado».
«No mesmo lapso de tempo a Câmara vendeu para construção - prossegue - apenas cerca de uma sexta parte desta última área, mas obteve por ela mais do que lhe havia custado tudo » !
«Só no ano de 1954 a média geral dos preços de venda - continua analisando - para prédios de aluguer atingiu 1.828$, excedendo o triplo na base de licitação média». E das premissas, aliás indiscutíveis, conclui: Eis, pois, quem ganha com o modo actual de investir capitais na construção de habitações em Lisboa; quem perde é uma população sacrificada pela redução dos níveis de vida que as rendas caríssimas incontestavelmente operam e generalizam, por arrastamento das mais antigas e mais modernas». O desenvolvimento da citação o merecia, por traduzir quanto se está observando: a própria negação do fomento imobiliário pela casa acessível aos de menores recursos.
No Decreto-Lei n.º 33 278, de 1943, alude-se à construção de mais 4000 casas económicas a distribuir pelo Estado, além da» que possam ser edificadas e utilizadas sob a directa responsabilidade de organismos corporativos ou de coordenação económica, instituições de previdência social e outras entidades.
Admite-se que, das 4000 previstas, 800 possam ser da classe C e 400 da classe D, para a resolução do problema das famílias com proventos mensais de 1.500$ a 3.000$.
Relativamente a casas desmontáveis, prevê-se a construção de 500 em Lisboa e 500 no Porto. O total do subsídio a conceder seria de 6000 contos. As de Lisboa foram construídas em 1946; as do Porto, em número de 448, além do subsídio de 6 contos, foram comparticipadas pelo Fundo de Desemprego em 10 contos cada.
Nos Decretos-Leis n.ºs 34 139 e 36 797, de 1944 e 1948, relativamente a casas desmontáveis a construir em Coimbra pela Câmara Municipal, é esta autorizada a contrair um empréstimo de 600 contos, em regime

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de subsídio a 15 contos por casa. Além das 100 construídas em 1948 do tipo desmontável, completaram-se outras 100 de tipo idêntico às casas para pobres nos anos de 1950 e 1952.
As casas para famílias pobres são reguladas pêlos Decretos-Leis n.ºs 34 486, de 1945, e 35 578, de 1946, e ao abrigo dessas disposições a Câmara Municipal de Lisboa construiu casas com carácter definitivo, beneficiando do subsídio de 10 contos por habitação. No decorrer dos anos de 1950 a 1954 desaparece a designação de «casa desmontável», que vincularia de certo modo as novas edificações ao princípio, definido no preâmbulo do Decreto-Lei n.° 28 912, da sua construem fibrocimento e madeira.
A diferença da terminologia oficial não resulta de uma quebra do princípio fundamental - escreve-se - de que a ocupação destas casas deverá ter o carácter transitório; pelo contrário, entende-se que o critério deve ser mantido, continuando a procurar-se como solução definitiva do problema a construção de casas económicas e de casas de renda económica. Para confirmação do princípio consignam-se até no referido decreto disposições especiais destinadas a facilitar -ainda que com prejuízo do que se encontra legislado - é que as casas para famílias pobres desempenhem a função de transição para aquelas habitações definitivas (sic).
O referido Decreto-Lei n.° 34 486, de 1945, prevê a construção de 5000 casas para famílias pobres, a subsidiar com 10 contos por fogo pelo Orçamento Geral do Estado e pelo Fundo de Desemprego.
Ignoro onde foram implantadas, uma vez que se anuncia a sua conclusão.
Por sua vez, o Decreto-Lei n.° 35 578, de 1946, amplia para 10 000 o número de casas para pobres, e por conta do aumento de 6000 foram subsidiadas até agora 2061. No plano de melhoramentos urbanos prevêem-se para 1956 321 casas para famílias pobres a subsidiar.
Sr. Presidente: em 1950 havia 2507 famílias sem habitação no continente e 85 nas ilhas adjacentes (Angra do Heroísmo, Funchal e Ponta Delgada) (IX Recenseamento Geral da População - Continente e ilhas adjacentes - Inquérito às condições de habitação da família). Quanto a famílias com habitação em construção provisória, 10 450 no continente e 146 nas ilhas adjacentes.
O problema tem então particular acuidade nos distritos de Beja, Setúbal, Lisboa, Portalegre, Bragança e Évora quanto a famílias sem habitação.
Relativamente a famílias com habitação em construção provisória mencionaremos os distritos de Lisboa (5823), Setúbal (1528), Beja (429), Porto (357), Castelo Branco (220), Évora (298), Bragança (202), Portalegre (182), Vila Real (135), Aveiro (184), Santarém (564), Coimbra (135) e Leiria (101).
Nas ilhas adjacentes, no Funchal, 96.
As casas para pobres a executar pelos municípios ou pelas Misericórdias seria um processo de debelar um mal que se agrava se as câmaras e as Misericórdias tivessem reais possibilidades de o fazer. Mesmo com subsídios ou comparticipações, oneradas como estão, as câmaras não poderão levar a cabo com eficiência a extinção dos deploráveis «bairros de lata». Há Misericórdias que aceitam doentes com o compromisso prévio de não pagar medicamentos por falta de recursos e as dívidas aos hospitais regionais, por parte da maioria das câmaras, continuam por pagar, pelo que se vão avolumando sem vislumbre de solução. Julgo que só os governos civis poderiam, efectivamente, levar a cabo a construção de moradias baratas com a cedência gratuita de terrenos por parte dos municípios. Subsiste, porém, o problema da urbanização, que as câmaras não poderão levar a cabo sem prejuízo de outras iniciativas igualmente indispensáveis ao progresso geral dos concelhos.
Sr. Presidente: não se põe o problema quanto às casas para pescadores, em progressão eficiente. Têm o mérito de tudo quanto é perdurável e estável, e, se a boa vontade tam sido grande e digna de aplauso, a verdade é que os meios não faltaram, plano que tem a qualificá-lo uma firme vontade e uma dedicação que não esmorece.
Relativamente à habitação rural há «casas rurais» construídas pela colonização interna, a que já fiz referência; casas da iniciativa das próprias famílias, nas aldeias e vilas, e casas cie habitação para trabalhadores e suas famílias construídas a expensas dos próprios proprietários.
As casas erguidas pêlos rurais para suas famílias mereciam protecção pelo que representam de fixação à terra, quer facilitando a aquisição de materiais, quer mesmo mediante apoio financeiro.
Poderiam até constituir-se equipas de mão-de-obra pela associação de artífices. O tipo de habitação corresponderia aos costumes de cada região e teria necessariamente os condições técnicas e higiénicas convenientes e tidas por fundamentais.
Sr. Presidente: reputo útil divulgar, embora sucintamente, os métodos adoptados em países de população sensivelmente igual à nossa, embora, na verdade, com outros meios.
A Bélgica, com 8 653 653 habitantes, criou o Instituto para o Desenvolvimento da Habitação, em colaboração com o Ministério da Saúde Pública e da Família. Dois aspectos se têm em vista: o estímulo da construção quanto aos que dispõem de meios, por intermédio da Sociedade Nacional da Habitação, e relativamente a casas destinadas a arrendamento a preços acessíveis, isto é, o seu desenvolvimento através do crédito hipotecário sempre que se trate de famílias modestas.

Assim:

1) A casa objecto do empréstimo não pode ter valores superiores a 280 000 francos;
2) O valor do empréstimo não pode atingir 70 por cento - ou até 80 por cento quando se trate de famílias numerosa» - do valor do terreno e da moradia;
3) Os juros serão fixados em 4 por cento e nunca baixam, no decorrer do tempo, a menos de 3,75 por cento.

A Lei de 29 de Maio de 1948 tem por fim conceder prémios com renda vitalícia mediante as seguintes condições:

a) Que os projectos sejam previamente aprovados pela administração do urbanismo;
b) Que a superfície habitável não ultrapasse 95 m2, deduzindo-se as caves, vestíbulo, corredores, escadas e instalações sanitárias, ficando portanto com um mínimo de 60 m2 ou 67 m1, consoante o número de filhos: três, quatro ou mais de cinco;
c) Que a habitação seja exclusivamente ocupada pela família do requerente;
d) Que o terreno não seja superior a 3 a nas grandes aglomerações ou a 6 a e 8 a em meios que o justifiquem.

A Sociedade Nacional da Habitação empreendeu concomitantemente a luta contra o taudis os nossos «bairros de latas».

Criado em 1946, o Conselho Superior da Habitação tem por fim informar o departamento responsável, quer quanto às iniciativas que se empreendam, quer quanto

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no» problemas que exijam ou imponham soluções rápidas e convenientes.
O Instituto Nacional da Habitação é assim um organismo de utilidade pública apoiado pela Caixa Económica da Habitação e Alojamento, promovendo, através da Repartição Central do Crédito Hipotecário, a casa a preço módico. Paralelamente estabelece e divulga os meios de educar a opinião, com vista ao modo de a saber utilizar, interessando no seu estudo arquitectos, engenheiros, jornalistas e estudantes, sem menosprezar a colaboração da assistência social.
Em 1930 a Bélgica tinha 1835 547 casas para 8 092 004 habitantes: em 1947, 2 015 393 para 8513195, e em 1950, 2 095 025 para 8 653 653 habitantes.
Relativamente a 1930 o aumento de habitações foi de 25 por cento.
A densidade de população por 100 prédios revela:

1930......... 444
1947......... 418
1950......... 406

A baixa do índice de ocupação é pois apreciável. A Caixa Económica acusa:

Quanto à construção:

1948 ............... 4 359
1949 ............... 11 208
1950 ............... 13 006

Quanto à aquisição:

1948 ............... 9 063
1949 ............... 10 387
1950 ............... 8 569

Quanto à transformação ou adaptação:

1948 .............. 9 063
1949 .............. 10 387
1950 .............. 8 569

Quanto à transformação ou adaptação:

1948 .............. 683
1949 .............. 1 768
1950 .............. 830

Sr. Presidente: é evidente o interesse revelado pelo Governo no problema de habitação nos seus diferentes aspectos e modalidades. A legislação é variada e múltipla e tudo quanto SP faça para debelar este mal social é meritório. Afigura-se-nos contudo que a multiplicidade de organismos intervenientes prejudica, em certa medida, a sua eficiência e até, por vezes, empece e dificulta o seu progresso.
A criação do Instituto de Habitação ou de uma Direcção-Geral de Habitação só seria útil evitando uma dispersão de espaço e até, por vezes, economia de meios e de tempo. A habitação seria assim meticulosamentete estudada quanto aos diversos tipos e fins, com proveito para todos e sem hesitações pela diversidade de concepções e de critérios. A casa deve genèricamente obedecer a valores essenciais - valor-abrigo, valor-lar e valor-social.
Com efeito, a família requer abrigo para que o lar se constitua com a eficiência que a moral exige. Nem só nos grandes centros populacionais há famílias sem abrigo. Há-as em quase todas as cidades.
Não se tem descurado o problema, mas tem-se limitado o seu estudo e execução a determinadas cidades apenas, o que se nos não afigura razoável em boa justiça distributiva.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador fui muito cumprimentado.

O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: vem de longe o meu interesse pela solução do problema habitacional, de aspecto social e moral tão confrangedor, que tanto e tão profundamente afecta a vida de uma grande parte da população.
Mas este problema, de origem tão distante e generalizado a todo o Mundo, que se reveste de características graves, incomparavelmente mais graves ainda em países do grande adiantamento na sua educação e na sua cultura, tem sido cansa de muitos e profundos estudos, visto tratar-se de problema de uma complexidade evidente, do resolução muito difícil.
O homem, na sua lata pela vida, tem de procurar satisfazer para si e para os seus as necessidades mais urgentes, satisfação a que está ligada a sua existência na Terra.
Prover a essas necessidades é imperativo, obrigação, dever contraído para consigo próprio e contraído para com aqueles que o Destino lhe confiou, imponde-lhe a missão de proteger, abrigar e sustentar. E depois da alimentação, primeira necessidade indispensável à sua vida fisiológica, vem a habitação, problema a que estuo Intimamente ligados outros problemas, seguindo-se-lhe o do vestuário e o da educação, que completam assim as necessidades essenciais a manutenção da existência humana.
Assunto da mais viva actualidade e da mais intonsa magnitude, revestindo-se dos aspectos mais complexos e mais delicados, a sua universalidade obriga as entidades responsáveis nesta matéria a dedicar ao seu estudo a continua atenção dos técnicos da mais evoluída e especializada competência.
Por tudo, a parte se encara o melindre de uma situação cujas preocupações aumentam de dia para dia, visto tornar-se cada vez mais difícil e mais complicado o alojamento das almas e das famílias, em aumento progressivo, nada proporcional ao número de casas indispensáveis a recebê-las. E este crescente aumento de população dramatiza e torna mesmo trágico o destino daquela parte da humanidade a quem falta o pão, o lar, o vestuário e os mais pequenos rudimentos de educação o de cultura.
Pobre Mundo, desgraçada humanidade, se os homens votam no abandono os seus semelhamos, esquecendo aqueles mandamentos da doutrina crista, verdades eternas contidas no Evangelho, que nos impõem a obrigação de exercermos a virtude da caridade, que tantas formas pude revestir, um favor dos que pedem e precisam de auxilio constante para satisfação das suas mais prementes necessidades materiais e espirituais. E, se a caridade manda dar de comer a quem tom fome, manda também, como dever de humanidade, dar habitação e agasalho aqueles que sentem frio. E o frio do corpo reflecte-se nas almas, arrastando até à morte da matéria e levando outro à sua queda espiritual, que só na eternidade, para onde o egoísmo o lança prematuramente, encontrará o refrigério o descanso que o Mundo não soube nem quis proporcionar-lhe. Saibamos, portanto, lutar dentro das nossas possibilidades por um Mundo melhor, dando aos seres humanos aquele pouco de que necessitam para viverem com dignidade.
Sr. Presidente: o aviso prévio que o ilustre Deputado Prof. Almeida Garrett acaba de fazer reveste-se de uma oportunidade flagrante, justamente reconhecida por todos. Cumpre-me felicitar o ilustre professor, que tanto interesse liga a todas as questões de ordem social.
Médico distinto, professor universitário de larga e profunda erudição, fui dentro da medicina, como mestre eminente de cadeiras ligadas à medicina social e à higiene, quo a sua actividade se exerceu com a maior amplitude e o melhor proveito.
Eu tive a fortuna de ter sido seu aluno nas cadeiras de Bacteriologia, Patologia Geral, Pediatria e Higiene, cadeiras que S. Ex.ª regia com o maior brilho. Mas tive também, à margem das lições recebidas, o prazer do o

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escutar e o ler ora palestras e conferências de medicina social e em artigos publicadas em revistas da especialidade, e que dedicou sempre generosa actividade.
Este aviso prévio está portanto dentro dos princípios que sempre soube defender e por esta razão, e por outras que muito mo aprazeria citar, quero apresentar no meu velho e querido mestre, sempre moço de espírito, as minhas homenagens, os meus cumprimentos e as minhas felicitações por mais este grande serviço prestado como fruto dos seus sentimentos ao bem da comunidade.
Sr. Presidente: evidentemente que problema de tanta projecção tem sido abordado noutras ocasiões dentro da Assembleia Nacional, quer em aviso prévio, quer em intervenções realizadas no período do antes da ordem do dia, tendo-me eu próprio ocupado dele nos períodos legislativos anteriores.
O aviso prévio do Sr. Eng. Carlos Monteiro do Amaral Neto e em que tomaram parte os Deputados Mons. António dos Santos Carreto, Dr. Manuel Maria Vaz, D. Maria Leonor Correia Botelho e Dr. Alberto Cruz é bem merecedor da nossa lembrança pelo brilho com que decorreu e pelo interesse nacional que despertou.
Sr. Presidente: tudo quanto aqui se tem afirmado, todas as considerações abordadas, todas as conclusões estabelecidas, todos os alvitres apresentados para solução do problema resultaram evidentemente da meditação e do estudo a que devotadamente se entregaram os participantes na discussão em curso.
O problema da habitação tem sido tratado com uma bem louvável amplitude, sentido vigor e justificado entusiasmo, visto encerrar forte motivo impressionista da consciência humana. Existe o dever de proporcionar àqueles que não possuem lar onde se acolham meios de o obter possuindo as condições mínimas de higiene e abrigo compatíveis com as exigências mínimas da conservação da vida humana dentro da sua própria dignidade.
Seria injustiça dizer-se que em Portugal o problema tem sido esquecido ou descurado. Na verdade, tem-se trabalhado com vontade e dedicação em problema de tanta magnitude, e de norte a sul muitos milhares de habitações, simples, mas possuidoras de certa higiene e conforto, se continuam construindo, destinadas ú gente humilde, à classe operária e também à classe média. E não queremos falar das construções para classes abastadas, que intensamente se continuam fazendo.
O Governo tem dedicado boa atenção ao fomento da construção, quer edificando por intermédio dos seus organismos oficias, quer publicando diplomas concedendo as maiores facilidades pura estimulo da iniciativa particular.
É de inteira justiça lembrar aquelas actividades organizadas que no sen campo de acção, dentro das possibilidades inerentes às suas disponibilidades, têm contribuído largamente para debelar a crise do alojamento.

O Sr. Russel de Sousa: - V. Ex.ª dá-me licença? . . .
O problema é muito vasto. É preciso estimular os capitalistas e as empresas particulares a ajudarem o Governo a resolver o problema da habitação. Poderia sugerir que um diploma legal estabelecesse a obrigatoriedade, por parte das empresas industriais ou comerciais que viessem a constituir-se, de garantirem habitação própria para, pelo menos, 25 por cento dos operários casados que ocupem.

O Orador:- Agradeço a intervenção de V. Ex.ª, que também está dando um alto exemplo construindo, como dono da Litografia Nacional, casas para os seus operários.
Destaque-se, em primeiro lugar, a Federação das Caixas de Previdência, que construiu em diversos pontos do Pais muitos bairros cheios de luz, inundados de sol, continuando presentemente e em ritmo cada vez mais vivo a edificação de outros, onde a higiene e certo conforto, conforto necessário à alegria de viver, não faltam.
E já que falo da obra realizada pelas caixas do previdência, na parte respeitante à construção do habitações para famílias de modestos recursos, não posso deixar do lembrar a portaria que o Sr. Ministro das Corporações acaba de publicar.
Essa portaria encerra um grande princípio de justiça social, a que o Estado Novo dedica o mais vivo interesso. O benefício para as classes pobres, para as mais modestas, é previdentemente acautelado, dando referência na sua distribuição aos casais com maior número de filhos.
Nesse, como em todos os actos cm que existe uma objectividade social e política bem marcada. o Sr. Ministro das Corporações é credor do mais franco e sincero aplauso.
A Junta Central das Casas dos Pescadores, a que preside a figura inconfundível do comandante Henrique Tenreiro, bem merece que a sua obra, que tem tanto de notável como de útil, seja posta em evidência.
Havendo edificado já perto de duas mil habitações, destinadas às famílias que têm por cheio homens do mar, a sua actividade não esmoreço, mas aumenta, e bairros plenos do salubridade vão surgindo nas costas de Portugal, perto das praias, onde os nossos barcos partem e chegam da sua faina piscatória.
Noutra oportunidade é meu intento analisar a acção nobilíssima que quer as caixas do previdência, quer a Junta Central das Casas dos Pescadores tem exercido neste sector nacional, com inteiro proveito para o bem social e económico da Nação. E, além destas, outras tem dedicado ao problema a merecida atenção, como as câmaras municipais do País, as Confrarias do S. Vicente de Paulo e as Misericórdias, tão empenhadas na protecção devida à pobreza, auxílio manifesta do de variadas maneiras.
O Património dos Pobres, quo o benemérito padre Américo em hora de franca inspiração instituiu, tem polo País além foi de larga sementeira de casas simples, que dão abrigo a quem vivia cm currais próprios para animais.
E renda-se também louvor a muitas empresas industriais, como a Empresa Fabril do Norte, as empresas a que preside o Sr. Delfim Ferreira, a Litografia Nacional, a Empresa de Fiação e Tecidos do Rio Vizela, Rio Ave, Fiação e Tecidos de Fafe, de Guimarães, do Crestuma, de Gavinho, no Porto, Cerâmica das Devesas, etc., e tantas outras que no Norte e no Sul existem nas mesmas condições, que nos seus operários proporcionam habitações onde possam viver com docência, desempenhando as suas funções sociais dentro da mais perfeita dignidade.
E seria grave falta minha se esquecesse a acção da União Católica dos Industriais o Dirigentes do Trabalho - U. C. I. D. T. - , que, além de outras actividades no campo social e cultural, criou a organização M. O. N. A. C. - Movimento Nacional da Autoconstrução - , destinada a construir casas económicas de tão grande necessidade.
O Estado tem feito sentir a sua intervenção com o fim de orientar o interessar a iniciativa de todos quantos possam auxiliar esta resolução, facilitando-lho comparticipações e subsídios e promovendo medidas reais no sentido de as libertar de encargos, de contribuições e de licenças.
Sr. Presidente: as construções têm de executar-se sob planos bem delineados, bem estudados. A habitação não pode obedecer sempre ao mesmo tipo: não pode ter sempre a mesma homogeneidade. O tipo de construção a adoptar numa região não deverá ser igual ao do outra de características diferentes. Tudo está na dependência

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da natureza dos terrenos, das condições do clima, dos diferentes níveis sociais e económicos dos seus ocupantes, da localização, etc. Às dimensões variarão segundo as necessidades de cada um. A concepção das habitações merece profundo estudo, tendo em vista a sua função, quer familiar, quer social.
As necessidades materiais e morais da vida da família são indicativo para a escolha das características a que elas devem obedecer. Tudo tem de ser observado nos seus pormenores, obedecendo-se a planos da maior simplicidade, ligando-se o justo interesse às condições climatéricas e higiénicas, aos recursos e preços dos materiais, ao nível económico e a outras questões que só os técnicos podem resolver.
Há que procurar as melhores soluções dentro da mais reduzida área com o máximo de higiene e conforto, não desperdiçando o mais pequeno espaço. E, segundo se trata de habitação urbana ou habitação rural - e bem necessário se torna proteger o trabalhador rural -, há diferenças a estabelecer, diferenças que variam com os diferenciados hábitos de vida que tom os habitantes de umas e de outras na sua vida social, na sua vida económica, adoptando-se normas diferentes segundo os países, o que daria motivo para larguíssima exposição, mais própria para os técnicos.
A habitação rural, que deverá ser unifamiliar, sempre vantajosa para poder satisfazer os hábitos familiares, correspondendo às necessidades de alojamento, em contacto com as várias dependências, de harmonia com a exploração da terra, é de uma extrema vantagem para poder prender o trabalhador ao seu torrão, evitando o êxodo para a cidade.
Não nos compete discretear sobre as medidas técnicas para diminuir o custo da construção, como mão-de-obra, preço de materiais, transporte dos mesmos, que tão grande influencia exercem sobre o custo total da obra.
E esta não pode realizar-se independentemente do problema de urbanização, do arranjo do solo e, mais que tudo, do problema da aquisição de terrenos, fácil nas províncias, mas muito difícil nas cidades, onde o seu custo, relacionado com a sua falta, atinge preços elevadíssimos, o que obriga as câmaras, quando não podem obtê-los amigavelmente, a recorrerem à expropriação. Este aspecto do problema é fundamental.
Sr. Presidente: a construção de habitações segue nos diferentes países normas diferentes, quer na forma como se concedem facilidades para a aquisição do terreno, quer na maneira como se obtêm ou concedem créditos necessários à finalidade do empreendimento.
Em alguns países entende-se que a missão de construir deve ser vedada ao Estado; noutros entende-se que é aos municípios que deve ser incumbida essa tarefa, sendo-lhes pelo governo concedidos determinados subsídios; nós entendemos ser extraordinariamente vantajoso facilitar a constituição de organismos colectivos que tenham por encargo realizar vastos programas de fomento na construção de casas, do que resultaria notável proveito.
Em Portugal esse fomento de construção tem sido encarado com a melhor atenção, dando motivo à publicação de leis protectoras dessa mesma construção, datando de 1933 a época em que se assentou numa determinada trajectória para resolver com segurança e com eficácia tal problema.
E assim se estabeleceram duas categorias, duas modalidades, para que economicamente, dentro do possível, a classe média e a classe operária pudessem mais facilmente obter seus lares. E essas modalidades são: casa em regime de propriedade, isto é, que no fim de vinte a vinte e cinco anos os seus inquilinos se tornem donos das mesmas, incluindo nas rendas estabelecidas o pagamento da respectiva amortização e ainda o pagamento do prémio de seguro contra incêndio, invalidez, morte, doença e determinadas cláusulas, de certa maneira vantajosas, são incluídas nesses contratos, como isenção de contribuição predial e outras em períodos largos, mas determinados.
Casas em regime de arrendamento, categoria a que pertencem as casas de renda económica, construídas na sua maioria pelas caixas de previdência e que em bairros se encontram espalhadas por tudo o Puís, e ainda habitações para particulares, a que também o Governo diminuiu o quantitativo do pagamento de sisas e isenção de contribuição predial e licenças para obras de reparação por períodos largos que chegam a atingir quinze anos.
É bem louvável a acção exercida, providenciando de forma a que os municípios possam alienar terrenos, tendo-se em vista evitar especulação com o seu custo, como também se tem combatido o aumento do preço de materiais e de mão-de-obra. E como não é possível facultar tão rapidamente como seria para desejar habitações para todos quantos delas necessitam, o Estado concede aos trabalhadores rurais e aos pescadores subsídios não reembolsáveis para casas de carácter provisório, ou de emergência, subsídios que atingem 50 por cento.
É bem notória, bem evidente, a crise que se atravessa, quer na cidade, quer nas aldeias, onde se torna muito difícil conseguir alojamento. Muito se tem feito, mas é preciso fazer mais e muito mais, aumentando o ritmo de construção e facilitando por empréstimos a juro reduzido e amortização larga os meios necessários a dar solução a tão grave crise.
E analisado o problema muito sucintamente sobre a sua generalidade seja-me permitido abordá-lo agora com referência especial para o Porto, pois julgo ser esta a terra do País- onde reveste mais acentuada gravidade e onde há precisão de lhe dedicar uma atenção especial.
Nesta afirmação não vai motivo de censura, quer para o Estado, quer para o Município, quer ainda para certas instituições de previdência e empresas, que muita energia hão despendido em favor de uma causa tão justa. A todos se presta justiça, mas a nossa insatisfação e manifesta: queremos mais e melhor, como aspiração do Estado Novo, inteiramente dedicado à resolução dos problemas sociais de maior projecção.
Sr. Presidente: o Porto vive uma grande hora na sua vida de cidade onde a energia, o valor, a vontade, o trabalho, a dignidade e o civismo fazem parte do seu brasão, integrando-se no seu rico património moral.
Dotado de carácter onde a altivez da sua gente se casa com a doçura dos seus sentimentos de amor e caridade; onde o amor à tradição se liga à sua ânsia de progresso « de renovação; onde as suas aspirações são apenas fruto das suas necessidades; onde os seus problemas, ligados a um- bairrismo tão saudável e tão digno de admiração, se confundem com problemas de verdadeiro interesse nacional, o Porto vive presentemente hora de plena confiança na satisfação de ver realizados os seus mais caros empreendimentos.
O problema para a solução da sua crise habitacional, problema tão grave na vida da sua população, parece ir entrar num período novo, dedicando-se-lhe a atenção que bem merece.
O Sr. Ministro das Obras Públicas, na visita realizada a esta cidade em Setembro do ano findo, veio trazer-lhe as mias afirmações claras e sinceras de que tudo faria para satisfazer uma das tarefas mais necessárias à população pobre e laboriosa desta terra, dando às famílias a alegria de virem a possuir casa

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decente para repouso, onde pudessem com dignidade cumprir n sua missão.
Bem necessário se torna que assim seja, pois a higiene física precisa estar em correlação com a higiene moral, e esses antros miseráveis que se estendem pela cidade não passam de focos imundos, onde a morte, na sua faina destruidora, rouba inúmeras vidas e a miséria moral, na confusão estabelecida pela sua promiscuidade, dá causa a crimes morais repelentes e monstruosos.
Do alto desta tribuna, por onde têm passado os maiores valores da Nação, o problema das «ilhas» do Porto, e não só das «ilhas», mas de outros bairros tão infectos e imundos como elas, tem sido posto à consciência da Nação, como obra necessária de recuperação física e moral que a dignidade humana impõe se realize. Tudo está dito acerca desta herança que o passado nos legou e que é forçoso arrasar, procurando substituir esses miseráveis casebres por bairros cheios de luz, de sol e de alegria.
Ninguém melhor do que os médicos, na sua vida quotidiana de auscultar as misérias de que a humanidade enferma, pode documentar o efeito tormentoso, degenerativo da condição física e degenerativo dos sentimentos humanos, pela perda da noção verdadeira de moral, que tais habitações exercem no indivíduo.
Nesses casebres sem luz, sem sol, nem água para as mais prementes necessidades de limpeza, tudo amontoado, corpos e almas, as doenças contagiosas, especialmente a tuberculose, seguida por outras, como tifóides, doenças venéreas, febres eruptivas, coqueluche e tantas mais, fazem a sua transmissão de forma assustadora. E a mortalidade nos bairros em condições de higiene sofrível é, indubitavelmente, mais baixa, mais diminuiu, verificando-se especialmente o facto na tuberculose.
Acerca das questões intimamente ligadas com a higiene e a profilaxia das doenças o assunto é tão vasto e tão complexo que longo e fastidioso seria para a Assembleia o embrenharmo-nos neste labirinto. De tudo quanto tenho afirmado resulta que o problema habitacional se desdobra por sua natureza em problemas de extraordinária gravidade e alcance: o problema moral; um problema económico de que resultam graves inconvenientes para a formação da família; um problema de higiene pelo sem-número de doenças que origina e agrava. Enfim, um problema social de todos os dias e de todos os momentos.
Sr. Presidente: foi a industrialização do Porto, com o êxodo das populações rurais para aquela cidade, no intuito de trabalharem nas muitas fábricas que no fim do século passado e no início deste se montaram naquele burgo, que deu origem à construção das «ilhas».
A população, aumentando de dia para dia, obrigou à construção desses casebres, onde, numa superfície de 6 m2, famílias proletárias vivem numa promiscuidade assustadora, numa mistura confusa.
Na cidade do Porto existiam, em 1909, 1200 «ilhas», com 12 000 casebres. Bento Carqueja, notável professor e economista, afirmava, a p. 79 do seu livro O Futuro do Portugal, que quase metade d n população do Porto vivia em «ilhas», computando as caixas em 11 000, habitadas por 120 000 indivíduos. Em 1934 as «ilhas» eram em número de 1301, abrangendo mais de 14 67 habitações.
O Prof. Almeida Garrett, o falecido médico higienista, meu querido e saudoso amigo, Dr. António Firmo Azeredo Antas, que também se ouviu nesta casa, e a quem rendo a homenagem da maior saudade, e o Dr. Manuel Firmo ou terroso, também médico muito ilustre, todos delegados de Saúde do Porto, supunham haver aproximadamente 60 000 pessoas vivendo em péssimas condições de salubridade, como consta dos relatórios publicados em 1934.
Num inquérito realizado em 1939 e ordenado pelo Prof. Mendes Correia, então presidente da Câmara Municipal do Porto, verificava-se existirem 1152«ilhas», com 13 000 casas e 40 259 habitantes.
Por um inquérito feito em 1940 o total das «ilhas» existentes era de 1153, com 13 594 habitações, havendo além destas vários bairros com casas de rés-do-chão e dois andares onde a vida é ainda mais insuportável que nas próprias «ilhas». O problema tem-se agravado e surgem bairros feitos com latas e madeiras podres, como Xangai, o da escarpa da serra do Pilar e outros, que são vergonha de uma cidade e de uma civilização.
Repare-se no que nos diz, referente à sua situação na cidade v ao número das suas habitações, o seguinte quadro:

Campanhã, 108 «ilhas», com 1162 casas;
Cedofeita, 236 «ilhas», com 2 588 casas;
Foz, 14 «ilhas», com 112 casas;
Lordelo, 28 «ilhas», com 325 casas;
Massarelos, 32 «ilhas», com 703 casas;
Miragaia, 17 «ilhas», com 236 casas;
Nevogilde, 1 «ilha», com 11 casas;
Paranhos, 132 «ilhas», com 1228 casa»;
Itamalde, 33 «ilhas», com 229 casas;
S. Nicolau, 3 «ilhas», com 36 casas;
Santo Ildefonso, 148 «ilhas», com 1900 casas;
Sé, 45 «ilhas», com 1029 casas;
Vitória, 4 «ilhas», com 26 casas.

Total: 1153 «ilhas», com 13 594 casas.

Os números apresentados falam por si. Não há palavras que possam diminuir essa eloquência, ou que posam ocultar a sua gravidade. Estou absolutamente convencido de que mais de um quarto da população vive em péssimas condições de salubridade, sendo imperativo de consciência, social e moral, resolver esse problema.
Como fazê-lo? Pela construção de um número de casas nunca inferior a 15 000, pois o problema agrava-se de dia para dia, visto que o êxodo rural continua fazendo-se para a cidade. E ainda para agravamento da situação tem concorrido a abertura de novos arruamentos, o que tem originado o desaparecimento de muitas artérias bastante povoadas, cento que a Câmara tem alojado, dentro das suas possibilidades, nos novos bairros construídos desde 1940 até agora.
Assim, já em 1939 se construiu o bloro do Duque de Saldanha, com 115 habitações sem qualquer comparticipação do Estado. Depois, em 1954, o Bairro de S. João de Deus, Rebordões, na sua 1.ª fase, com 144 habitações, também sem comparticipação.
Em 1950, Bairro de S. Vicente de Paulo, Corujeira, 1.ª fase, 148 habitações.
Em 1951 juntou-se-lhe um bloco com 18 habitações.
Em 1952, Bairro de S. Vicente de Paulo, 2.ª fase, com 12 habitações.
Em 1953, Bairro da Rainha D. Leonor, 1.ª fase, com 150 habitações.
Em 1954, Bairro da Bainha D. Leonor, 2.ª fase, com 100 habitações.
Em 1954, Bairro de S. Vicente de Paulo. 3.ª fase, com 20 habitações.
Em 1954, nas Condominhas, um bairro de 23 habitações. E, presentemente, em construção, 64 habitações em Pereiro, em blocos; e no Bairro de S. João de Deus, 2.ª fase, 102 habitações, o que perfaz um total de 210 habitações, que, num período curto, poderão ser utilizadas.

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Novos Bairros se vão iniciar, como o Bairro da Vilarinha, com 22G casas; o da Boavista, com 202; e a ampliação do do Ameal, com mais 94, esperando-se que a Câmara adquira novos terrenos onde outros bairros se possam estabelecer, como pretende o Sr. Ministro das Obras Públicas, a quem deve prestar-se a homenagem de que é bem merecedor.
A Câmara Municipal do Porto na sua última sessão acaba de votar para construção imediata o quantitativo necessário para 100 casas.
Sr. Presidente: seja-me permitido volver os olhos para o passado.
E de inteira justiça não esquecer a acção exercida nas «ilhas» e em todas as questões de higiene do Porto pelo Prof. Alfredo de Magalhães, o nome que é um símbolo de dedicação e de interesse pelo Porto, realizador de uma obra que os séculos não apagarão. E lembre-se também a acção exercida pelo Prof. Mendes Correia, espírito de vigoroso talento, que, como presidente do Município do Porto, muito trabalhou pela beneficiação das «ilhas», batendo-se corajosamente por meios dum que pudesse resolver semelhante problema. E, assim, para efeito dessa beneficiação, demoliu 190 casas: demoliu, totalmente, as «ilhas»; beneficiou 30 e beneficiou ainda 280 casas de diferentes «ilhas». E não fiquem no olvido os nomes do Prof. Luís de Pina e do coronel Lucínio Presa.
Já em 1914 a Câmara presidida pelo Dr. Armando Marques Guedes havia feito construir os bairros de Monte Pedral e da Prelada, com 104 casas, li o jornal O Comércio do Porto construiu, muito antes, os bairros Colónia Foz do Douro. Lordelo do Ouro e Serpa Pinto, com G3 casos. Mas, Sr. Presidente, o problema das cidades chamadas tentaculares, pela absorção de uma população numerosa, adventícia, é sempre um grande e difícil problema.
O Estado, que tão boa prova tem dado da sua vontade em solucioná-lo, encontrou na Câmara actual o mesmo espírito de compreensão, como forças combinadas para a mesma finalidade. Só na coordenação desses esforços, com empenho de realizar uma obra social da máxima estabilidade para as gerações futuras, se poderá conseguir o empreendimento classificado na vanguarda das necessidades citadinas.
É, indubitavelmente, uma realização que se reveste da máxima dificuldade o construir milhares de habitações, visto exigir essa realização uma preparação técnica, económica e administrativa de alta responsabilidade.
As questões a resolver desdobram-se constantemente e só um estudo demorado, consciencioso e profundo lhe pode conceder boa e real prova.
Encontram-se, vivem dentro do Município, vontade, energia e sacrifício para actuar e vencer todas as dificuldades que surjam. E não sentiria tranquilidade de consciência se aqui nau afirmasse o louvor que merece a presidente da Câmara Municipal do Porto, o engenheiro José Vaz, pela atenção e o carinho que lhe tem, merecido a resolução do problema habitacional.
Em longa conversa com ele mantida e na apreciação do seu tão bem documentado projecto pude observar a dedicação e o esforço com que o engenheiro José Vaz se tem lançado a esta tarefa de renovação da cidade, projecto que o Sr. Ministro das Obras Públicas apreciou e, certamente, louvou. Rendemos-lhe a nossa homenagem, onde não vai a menor sombra de lisonja.
Sr. Presidente: para se construir necessário se torna possuir os elementos necessários a tal desiderato. A primeira necessidade a satisfazer será a dos terrenos, olhando ao seu preço, à sua situarão, referenciada com o barateamento de transportes: à disseminação de construções, de forma a não estabelecer diferenciação de classes ou de categorias, tão necessárias na ajuda despendida pelos humildes aos que necessitam de trabalho que outros não podem executar.
Mas esta aquisição de terrenos reveste, por vezes, um aspecto delicado, visto os proprietários os valorizarem demasiadamente, levantando todos os incidentes que ocasionam perda de tempo e, portanto, de dinheiro. Já que recorrer-se muitas vezes à expropriação, aproveitando para tal fim a Lei n.° 2030.
Construir dentro da máxima economia, atendendo à qualidade técnica da obra e à sua melhor função higiénica e social perante o agregado familiar, deve ser intuito bem justificado na realização do empreendimento. E depois de adquirido o terreno surge o seu arranjo, a despesa feita com esse arranjo urbanístico, a despesa do apetrechamento do subsolo, tudo servindo j ia rã encarecimento da habitação. Mas qual será a melhor solução na escolha de tipo de habitação a construir?
Ao entramos em questão tão delicada não podemos deixar de lembrar a habitação familiar, que o Sr. Presidente do Conselho tão justificadamente tem acarinhado:

Para o nosso feitio independente, e em benefício da nossa simplicidade morigerada, nós desejamos antes uma casa pequena, nas independente, habitada com plena propriedade da família.

Que grande verdade, inteiramente dentro do sentido do nosso povo, esta opinião tão autorizada encerra! Perfilhamos inteiramente o propósito das casas independentes para cada agregado familiar, que oferece enormes vantagens sobre a solução vertical ou por andares.
A solução em altura é, sem dúvida, inferior, quer sob o ponto de vista social, quer sob o ponto de vista moral e higiénico. Nem tudo pode ser resolvido pelos elevadores, e os cardiopatías que vivem em casas de andares sofrerão as consequências do esforço despendido para atingir o seu lar.
Justifica-se a solução em altura pela menor superfície de solo ocupado, pela redução das despesas de urbanização e ainda pelo mais fácil e mais barato apetrechamento do solo, dos serviços públicos colectivos e também pela economia obtida na sobreposição de moradias.
Posto que alguma verdade encerrem os motivos apresentados em seu favor, a experiência não nos fornece dados muito claros, e para exemplo podemos citar o que se passa nas grandes casas colectivas, ou blocos, onde inconvenientes de moral e higiene e preços de aluguer, por vezes até maiores, nos levam a contrariar esse tipo de construção. E para exemplo poderia servir o bloco do Duque de Saldanha, que apresenta rendas superiores aos agrupamentos de habitações feitas em superfície. Todos estes problemas nos dariam largo motivo para longas divagações.
Sr. Presidente: há instantes falei do problema estudado e preparado sob todos os seus aspectos pelo Município do Porto, ou melhor, pelo seu presidente, o engenheiro José Vaz. O plano do empreendimento, embora modesto como o seu autor o classifica, é magnificamente delineado. Tudo foi calculado, tanto quanto possível, com a aproximação desejada. Nenhum elemento é esquecido, desde a compra do terreno à realização urbanística, técnica e administrativa, inerentes ao plano.
O critério a adoptar na construção seria em altura, e aqui há discordância da nossa parte, não excedendo os edifícios um número de pisos superior a quatro, visto que, com maior número, seriam necessários elevadores, o que encareceria a construção, e o seu equilíbrio

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económico só seria possível quando atingisse um número entre dez e catorze.
As casas seriam de dois tipos, segundo o seu número de divisões, considerando a família com dois ou com três filhos. O número de habitações seria de 6000, a construir num prazo de dez anos. Construir-se-iam 25 por cento de tipo mais pequeno e 76 por cento de outro tipo. As rendas-base mensais das habitações seriam para o primeiro tipo de 120$ e para o outro tipo de 150? O valor total do investimento andaria à volta de 270 000 coutos, e seria uma grande parte adquirida por empréstimo a conceder ao Município, com um juro mínimo e com um prazo de amortização nunca inferior a trinta anos.
Assim se chegaria a solução, embora bem parcial, do problema, mas ter-se-ia dado um grande passo na atenuação da crise habitacional que o Porto sofre. Julgo não ser inconfidência da minha parte o afirmar que este plano, admiravelmente elaborado, completo no seu estudo e na sua objectividade, merecerá a atenção esclarecida do Governo, não podendo regatear louvores a quem tão devotadamente o idealizou.
Sr. Presidente: desejaria, ao tomar parte neste aviso prévio, apresentar trabalho proveitoso, em harmonia com a sua importância, com a sua utilidade e com o interesse que sempre tenho dedicado a este problema.
Vários motivos, fortes razões, me impediram de o fazer como era pretensão minha. O que acabo d.e expor não passa de ligeiros apontamentos sobre assunto de tanta magnitude, no t«eu aspecto social, cujo estudo, para ser completo e perfeito, necessitaria de um largo período de tempo.
Perdoe-me, pois, Sr. Presidente, e perdoem-me os Srs. Deputados a modéstia da minha intervenção, e permita V. Ex.ª que eu louve, com a maior sinceridade, todos os meus colegas muito ilustres desta Câmara pela boa vontade, espírito de sacrifício e alta compreensão que dispensaram a um problema de tanto interesse para a vida nacional, pois tudo quanto se faça em favor da saúde humana se reflecte generosamente em engrandecimento da Pátria, que orgulhosamente servimos e pretendemos honrar.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Marques Teixeira: - Sr. Presidente: quero que as minhas primeiras palavras sejam de saudação, bem sincera e bem sentida, ao ilustre Sr. Deputado Almeida Garrett por haver trazido à consideração da Assembleia Nacional um candente problema, no qual se interligam, pelos motivos que lhe servem de fundamento e pela elevada finalidade humana e social que busca, séria* razões do mais marcado interesse nacional.
Pela formação do seu belo espírito e pelo pulsar do seu grande coração, mim e noutro se repercutindo e encontrando guarida, em épocas que de longe vêm, os imperativos do social e a sublimidade dos preceitos da caridade cristã, não admira que o Sr. Prof. Almeida Garrett de novo fizesse incidir a agudeza das suas atenções e a meticulosidade do seu estudo sobre uma importante questão que há mais de um quarto de século, em 1929 segundo creio, num aspecto parcial, ao menos, suscitou a sua curiosidade, mereceu os seus cuidados e foi objecto das suas preocupações.
Sr. Presidente: desde já declaro a V. Ex.ª e à Câmara que não acalento a estultícia de me atribuir a qualidade de portador de achegas originais conducentes à solução do problema em debate.
Afirmo, sinceramente afirmo, que puxo apenas à sineta das minhas modestas considerações, enquanto que o sino grande, esse sim, dos valiosos depoimentos aqui já feitos e das demais que se seguirão, por sua natural e forte sonoridade certamente não poderá deixar de ser escutado, como é muito de desejar que venha a acontecer.
Temos a dar-nos alento, confiança e certeza a solicitude e o desvelo com que os nossos governantes se debruçam sobre os problemas de carácter nacional, com o afã de lhes encontrarem as melhores soluções, confortando-nos e tendo-nos já sossegado o consabido conteúdo de verdade das nobres afirmações do insigno Presidente do Conselho:

Toda a ideia construtiva, toda a reclamação justa, têm as máximas possibilidades de ser ouvidas e consideradas e atendidas no juízo independente que só o interesse colectivo ilumina o aquece.

Sob o signo do Estado Novo assim tem sido, assim é, assim continuará a ser.
Sr. Presidente: como razão justificativa da minha decisão, subindo a fita tribuna, invoco essencialmente o facto de ter participado na discussão do aviso prévio do Sr. Prof. Almeida Garrett sobre a protecção à família, aqui presente na última sessão legislativa.
É que, em verdade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quando somos empolgados pela ideia, que em nosso espírito não esmorece, de fazer tudo quanto em nossas formas caiba e esteja ao nosso alcance para amparar e fortalecer o agregado familiar, que é, como quem diz, fazer beneficiar as condições de vida da grei, não é possível descurar nem minimizar a importância fundamental de que se reveste, em função daquele elevado escopo, o problema habitacional.
Eis, pois, como no facto apontado a VV. Ex.ªs, em acumulação com a sua proverbial bondade, de que tenho sido tantas vezes beneficiário, poderão topar uma circunstância dirimente do enfado que acaso lhes causará a minha intervenção.
Ninguém desconhece ser a casa, que, pelas suas razoáveis condições do habitabilidade, não atente conta a dignidade da pessoa humana, enjeitando ou negando a sua natureza de filha de Deus, o fulcro principal da vida familiar; nela crepita a lareira comum em redor de cujo calor se juntam e à qual se aquecem os componentes do agregado familiar; para muitos, ajuda substancial e elemento de primeira grandeza para que se não destrua a alegria de viver, não roubando a saúde ao corpo, dando conforto ao espírito e evitando que os germes do desalento ou do desespero façam a sua malfadada sementeira de perdição e de revolta.
Então a família poderá conservar mais facilmente a sua estabilidade, consistência e robustez, do mesmo passo rareando as possibilidades de que embotem as delicadezas do sentimento, as regras da moral possam ser mais facilmente compreendidas, acatadas e efectivamente cumpridas, enfim, a rigidez física e o plano de uma vida elevada dos indivíduos disporem de uma maior salvaguarda.
Contrariamente, quando as condições de alojamento acusam grave deficiência pela sua pequenez, insalubridade ou superlotação, em casas destituídas da mínima chapada de sol, sem nenhuns vislumbres de higiene - que mais são espeluncas horrorosas e tugúrios infectos -, logo aí se desenvolvem e proliferam os germes de morbilidade geral.
Sabe-se ainda que a família se funda e se realiza, na filiação legítima, no pátrio poder e na educarão dos filhos. Pois bem. Pergunto então como é que esta altíssima, ia a dizer quase sagrada, missão de os pais educarem os frutos do seu amor - por vezes com sacrifício, mas sempre seu dever indeclinável a sua maior

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glória - pode realmente efectivar-se sob a cobertura de um tecto e num ambiente doméstico que em vez de ser um santuário onde a lar cristão se entronizou é antes como já vi amargamente sublinhado, um túmulo em que a vida agoniza e a dignidade se perde.
Toda esta tragédia toma aspectos de amarfanhar as almas mais insensíveis e duras citando casos, que pessoalmente conheço, de chocante promiscuidade que por completo faz postergar a observância dos bons costumes e totalmente rasoira o primado dos princípios éticos - vida aberrante, vida sombria, vida de calvário esta, Sr. Presidente e Srs. Deputados.
Referindo o brilhante fundo do jornal O Século de 5 de Dezembro último, recordo que nele avisadamente se escrevia que o homem que vive numa barraca de pau e lata com a mulher e os seus filhos, sujeitos, a todos os caprichos e a todas as ameaças do tempo e do clima, sem puder agasalhá-los nem manter o recato exigido pela moral e pelo pudor, não pode ser um conformista; tem de ser fatalmente, se não tem revoltado contra as desigualdades sociais, pelo menos um vencido, no espírito do qual será impossível fazer nascer aduelas reacções salutares, próprias para reanimar os mais fracos e incutir esperança nos mais desalentados.
Aqui se contêm grandes verdades, gritantes verdades. Pois, Sr. Presidente, na invocação da boa doutrina daquele diário eu sinto mais um apoio para a afirmação de que resolver, tão depressa quanto as circunstâncias o permitam e o melhor que seja possível, o grave problema da habitação c sensatamente não desprezar, é estar atento, como se impõe e urge, às fortes e sérias razões de ordem cristã, moral, social e política que estão na sua base.
É redundante dizer que quem estiver de boa fé não pode, de modo nenhum, ignorar que a carência de habitações, em quantidade e qualidade, não é apenas um caso nacional, nem apenas peninsular, nem somente europeu, mas, sem dúvida, universal.
É do nosso comum conhecimento o panorama geral a tal respeito, e quem não ande arredio da leitura dos jornais terá visto a notícia, vinda a lume há pouco mais de um mês, de que o Ministro do Trabalho do Governo da vizinha Espanha anunciou que a importância global de CO milhões de pesetas ia ser atribuída com vista à execução de um plano quinquenal de construção de moradias populares; também os homens públicos e associações privadas do Portugal da América, impelidos por um premente estado de necessidade, se votam, com ardor, à obra magnífica, que tem foros de cruzada, da urbanização das «favelas» do Rio de Janeiro.
Embora se não tenham diluído na nossa memória as fortes ressonâncias dos repetidos e angustiosos apelos do padre Pierre, acentuando que o principal problema com o que o Mundo, se debate actualmente é constituído pelo facto de existirem 1500 milhões de pessoas, não só sem alimentação suficiente, mas também sem abrigo e sem cama; não ignorando, pois, a crise aguda em que tantos e tantos países se vêem envolvidos, citámos apenas, a título exemplificativo, aquelas duas grandes nações porque vivem mais perto da nossa afectividade e com elas temos maiores afinidades espirituais.
E ponho agora a pergunta: acaso entre nós, no enquadramento admirável do prodigioso ressurgimento nacional, inspiração, trabalho, fruto e estímulo da obra imensa do Estado Novo, tem sido descurado o problema? Afirmá-lo seria cometer uma imperdoável afronta contra os sagrados direitos da verdade.
Vejamos: não nos falta legislação apropriada; não minguam a actividade e a devoção do Governo, através dos Ministérios das Obras Públicas e das Corporações e Previdência Social, em dar-lhe expressão prática; é de registar o afã meritório de algumas câmaras municipais, Misericórdias e de certos organismos corporativos; agrada e consola ver como a iniciativa particular se polariza em tal sentido e, por vezes, de uma forma verdadeiramente comovedora, e a Assembleia Nacional e a Câmara Corporativa não têm cessado de dar o contributo sério da sua recta intenção na serenidade de estudos feitos com o maior equilíbrio.
Vou comprovar sumàriamente o que acabo de apontar, remetendo-me não só para os princípios gerais contidos no título III, artigo 14.°, n.º 1.°, da Constituição Política e artigo 20.º do Estatuto do Trabalho Nacional, mas citando o Decreto-Lei n.° 23 052, de 23 de Setembro de 1933, a Lei n.° 2007, de 7 de Abril de 1945, os Decretos-Leis n.ºs 34 486 e 35 578, ambos de Abril, o primeiro de 1945 e o segundo de 1946, e o Decreto-Lei n.º 36 212, do mesmo mós, mas do ano de 1947, e legislação complementar, com referência aos seguintes tipos de habitação, respectivamente: casas económicas, casas de renda económica, casas para alojamento de famílias pobres e casas de renda limitada.
Com base nos Decretos-Leis n.ºs 28 192, de 8 de Agosto de 1938, 33 728, de 24 de Novembro de 1943, 34 139, de 24 de Fevereiro de 1944, e 36 797, de 17 de Março de 1948. foram consideradas e já construídas as chamadas casas desmontáveis, quer no regime de subsídio, quer em regime de subsídio e comparticipação, cumulativamente, por parte do Ministério das Obras Públicas.
Embora me vá deter um pouco mais na parto do problema habitacional relativo a rasas para famílias pobres, dado que a matéria em debate é vastíssima e o Regimento da Câmara nos impõe compreensivas limitações, somente aditarei, em breve apontamento, que os números de que disponho, no tocante ao ano de 1953 - e mais e muito se tem andado de então para cá -, esclarecem-me de que só pelo Fundo de Desemprego foi consignada a verba de 57:583.214$71 à construção de casas de habitação, assim distribuída: casas económicas, 44:533.506$60; casas para famílias pobres (e retomarei este capítulo mais adiante), 10:822.C47$71, e casas para pescadores, 2:277.060$40.
Refiro agora a regulamentação da Lei n.° 2030, de 22 de Junho de 1948, atinente ao instituto da propriedade horizontal, de tão manifestos fins sociais e económicos, fomentando o aumento da propriedade urbana, dando possibilidades para a sua aquisição e facilitando ainda o seu comércio. Menciono a seguir, por força da legislação já referida, a notória expansão dos bairros. País em fora, com a agradável expectativa e, mais do que expectativa, firme certeza de que o seu número largamente se multiplicará, segundo o pensamento expresso pelo muito ilustre titular da pasta das Obras Públicas, Sr. Eng. Arantes e Oliveira, afirmando por forma peremptória, relativamente à política de fomento da habitação, que o Governo não só a tem definido com clareza desde há muito, mas que continuará a dispensar-lhe o mais dedicado interesse.
Em simples parêntesis, e porque aludi à obra de construção de moradias, em sistema de bairros, cor parte do Estado Novo, ocorre-me a lembrança, triste lembrança, do que fora mais uma página sombria da história da política dos partidos, também neste capítulo. E ela é provocada pelo facto de, no Verão do passado ano, haverem sido adjudicadas, por forma definitiva, a trabalhadores da capital, casas que ocupavam desde há uma vintena de anos, com base no decreto-lei, já por mim citado, de 23 de Novembro de 1933.
Porque se trata precisamente de moradias cuja distribuição se fizera em 1935, integradas também no tão falado Bairro do Arco do Cego, cuja origem e vicissitudes de vida bem se conhecem, que mundo de recor-

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dações e que expressivo símbolo do clima político-social, antes e depois do 28 de Maio, se reergue, Sr. Presidente, ante o nosso espírito! E em face do desleixo, da incúria e do abandono para que a coisa pública era tantas vezes relegada anteriormente a 1926, como realça a bondade da doutrina do actual regime e dos seus métodos de actuação, e como se agiganta ainda uma vez mais, ante a nossa admiração e o nosso reconhecimento, a extraordinária figura do grande Ministro que foi Duarte Panheco, cuja norma, invariável de trabalho era dar realização célere a tudo que fosse concernente com os interesses da comunidade!
Fechado o parêntesis, direi que merece destaque especial a desenvolta acção do Sr. Ministro das Corporações e Previdência Social tendente a debelar a crise da habitação.
S. Ex.ª determinou que, observadas que fossem certas formalidades, com presteza se ocupassem as casas dos bairros de há muito construídas, mas ainda por utilizar; concerta-se um plano entre o Ministério das Obras Públicas e o das Corporações, constante de um diploma legal de julho de 1955, relativamente à
Construçãao de casas económicas, com aplicação de capitais da previdência, e de pronto se assinam contratos, aprovados pelos respectivos titulares daquelas duas Secretarias do Estado, para a construção, em ampla medida, de vários agrupamentos de habitações: são dadas novas directrizes de orientação à Federação das Caixas do Previdência - Habitações Económicas, logo só decidindo o investimento de mais de 80 000 contos em moradias a construir nos maiores centro? populacionais e cm diferentes zonas do País, acontecendo que o Sr. Dr. Veiga de Macedo, juntando à palavra a acção, principiou já de percorrer algumas regiões da província, a fim de observar e estudar localmente os problemas.
Por notícias ultimamente publicadas, sabe-se que o Sr. Ministro das Corporações e Previdência Social aprovou, para o ano de 1956, o plano de investimento de capitais na construção de casas de renda económica, a realizar pela Federação dag Caixas de Previdência.
Quer na prossecução da obra em curso, quer na iniciação de outros blocos de moradias, por diferentes pontos do País, prevê-se para este ano a aplicação de 50 000 contos.
Por outro lado, e após a aprovação do orçamento do Fundo das Casas Económicas, foi destinada a quantiosa verba de 110 000 contos à construção de casas daquele tipo. E se por despacho daquele ilustre Ministro está previsto que se apliquem cerca de 160 000 contos, em 1956, na edificação de casas de renda económica, poder-se-á dizer, com base no plano de construções aprovado pelo também ilustre Ministro das Obras Públicas e Sua Excelência, e em referência à sua execução, que dentro de cinco ou seis anos serão erguidas 6320 moradias, com um dispêndio global de 540 000 contos.
Assinale-se e enalteça-se, por justiça, o mérito do decreto-lei anunciado nos jornais do passado dia 13, inspirado por motivos de tamanha humanidade e da tão nítidos objectivos sociais, visando a criação de uma nova classe de casas económicas com o fito de acudir à difícil situação de famílias de modestas rendimentos.
Segundo a seriação que deixei enunciada, reiterarei, de passagem, a meritória acção desenvolvida, pelas câmaras municipais e Misericórdias, dentro do apertado regime das suas fracas finanças, com vista à atenuação da falta do habitações, exulto a actividade desenvolvida em igual sentido por algumas Casas do Povo, rendendo homenagem à obra notabilíssima da Junta Central das Casas dos Pescadores, sob o dinamismo orientador do nosso prezado colega Sr. Comandante Henrique Tenreiro.
Se reconheço, com mágoa e reprovarão, existirem empresas que fazem tábua rasa dos seus deveres sociais, por outro lado é-me imensamente grato louvar a prestar justiça a muitas entidades patronais, que têm no espírito e no coração a bela doutrina definida pela Igreja e consagrada no nosso Estatuto do Trabalho Nacional.
A todos englobo no mesmo sentimento de admiração e de aplauso, recordando, de modo exemplificativo e que, de momento, me ocorre, o que se vem passando com a Companhia União Fabril, Litografia Nacional e Metalúrgica Duarte Ferreira.
Precioso contributo tendente a auxiliar a resolução do problema habitacional encontra-se na matéria vasta, digna de consideração, que emerge das brilhantes considerações produzidas nesta Casa, vão decorridos três anos, pelo Sr. Eng. Amaral Neto e outros Srs. Deputados, sendo por igual forma merecedora de leitura atenta a intervenção daquele ilustre parlamentar, a propósito da apreciação da Lei de Meios, na sessão de 13 de Dezembro do ano que findou. E não esqueço tantos e tão pertinentes pontos de vista, emitidos sobre a mesma matéria, por vários e distintos nossos colegas, no período de antes da ordem do dia.
É ainda proveitoso meditar-se no que se contém no exaustivo e profundo parecer da Câmara Corporativa n.º 30/VI, de que foi relator o Digno Procurador Prof. Manuel Duarte Gomes da Silva, acerca do projecto de decreto n.° 500, elaborado pelo Governo sobre a regulamentação do instituto da propriedade horizontal, que consta da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948, que o actual e muito ilustre Sr. Ministro da Justiça houve já por bem regula montar.
Sr. Presidente: eis-me chegado ao ponto em que abordarei o capítulo que dentro do problema habitacional diz propriamente respeito a casas para pobres. Quais as necessidades a satisfazer; O que se tem feito? Por quem e como se tem feito? Neste caso particular e no da solução da crise da habitação em geral, o que deverá fazer-se?
Constituem verdadeira legião. Sr. Presidente, os sem eira nem beira, somando um elevado número de famílias na mais completa e confrangedora carência de condições humanas de habitabilidade. A afirmação facilmente se comprova observando o drama da realidade existente e ouvindo os idóneos depoimentos que a tal propósito se têm produzido.
Neste instante recordo-me de que o Sr. Presidente do Município Portuense, na sessão camarária de 20 de Dezembro de 1955, houvera dito que estava estudado um plano de construções que visava atacar e ajudar a resolver a grave questão das «ilhas» do Porto.
Para tanto previa-se a construção, durante uma dezena de anos, de 6000 habitações quo permitissem alojar por forma condigna 20 000 a 30 000 almas; e já anteriormente, em 6 de Setembro do mesmo ano, proclamara publicamente que um quinto dos Portuenses não sabem, neste meado do século XX, o que é um lar próprio, asseado e salubre para si e para os seus filhos.
Destaco igualmente a afirmação do padre Américo, alma de apóstolo e coração a arder no fogo da caridade, em 29 de Janeiro deste ano, na inauguração dum bloco de casas em Leiria: quando em Portugal tivermos 10 000 ou 15 000 casas para pobres estamos só no princípio da obra.
O quadro é este, de cores bem carregadas, sem dúvida; há que remediar esta dolorosa situação, que vem de longe, com a adopção de medidas a enquadrar num vasto plano de construções que urge realizar sistematicamente e sem solução de continuidade.
Reconheça-se, por justiça, que o Governo Nacional não alija a herança pesada que recebeu e vem atacando

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o problema e mais redobrará no seu ataque com ânimo robustecido pela ideia de que os princípios da política social que definiu, assim como não foram, não são nem serão nunca letra morta.
Vem a pêlo citar o Decreto-Lei n.° 34 480, de 6 de Abril de 1945, com fundamento no qual foram construídas 5000 casas para famílias pobres, subsidiadas com 10.000$/fogo, à razão de 5.000$ pelo Orçamento Geral do Estado e os outros 5.000$ pelo Fundo de Desemprego; refira-se o Decreto-Lei n.° 35 578, de 4 de Abril de 194G. que permitiu se ampliasse para 10 000 o número de casas para pobres abrangidas pelo diploma legal anterior, devendo acentuar-se que por couta daquele aumento, em número de 5000, foram subsidiadas já cerca de 3000 casas; adite-se ainda que, a subsidiar nos termos daquele decreto-lei, estão inscritas no plano de melhoramentos urbanos de 1956 321 casas para famílias pobres.
De tudo isto se infere que há a considerar futuramente a construção de 2618 casas, a que são destinados 2618 contos, em meação de contribuição pelo Orçamento Geral do Estado e pelo Fundo de Desemprego. Sabe-se que o Ministério das Obras Públicas determinou que outras moradias, como as da Obra do Património dos Pobres, figurem no plano de 1956, e, senão subsidiadas nos termos do decreto mencionado, julgo que, no respeitante, ao menos, à cruzada pró-habitação do padre Américo, o serão no escalão de 5.000$ por cada uma.
Aqui chegado constitui para mim, Sr. Presidente, um irrecusável imperativo de consciência bem-dizer a acção de solidariedade humana e cristã daquele bondoso ministro cia Igreja, esse homem do Evangelho, esse iluminado de Deus, que vem sendo o verdadeiro anjo da guarda de tantos famintos, de tantos abandonados, de tantos transviados, de tantos sem-pão e sem-lar! Dede podemos também dizer que é «um vagabundo da caridade».
A sua obra tem dimensões morais que não posso nem sei medir e materialmente traduz-se por esta forma: em 1951, as 4 primeiras casas; em 1952, há já 54 habitadas; em 1933-1954, instalaram-se 273 famílias; em fins do ano de 1955, podiam reputar-se em cerca de 600 as moradias construídas; em 1956, pode já apontar-se um número superior a 38, contando-se que ato ao sen termo estejam edificadas à volta de 300. Total: 900 casas, cada uma com o custo médio de 15.000$.
Como tem sido possível, Sr. Presidente, esta grande obra de milagre disse-mo, por forma impressionante, o padre Américo numa carta que me escreveu, declarando que a é o coração dos homens a abrir-se, uma revelação de Cristo», devendo, outrossim, realçar-se que o alto espírito, cheio de compreensão, do Sr. Engenheiro Arantes e Oliveira, muito ilustre titular da pasta das Obras Públicas, deu, em Janeiro de 1955, o subsídio de 500.000$ aquele magnânimo sacerdote para a continuação da sua linda obra.
Doer-me-ia também a consciência, Sr. Presidente e Srs. Deputados, se, ao falar do problema habitacional e dos que a ele vêm trazendo achegas de solução, deixasse no limbo do esquecimento essa epopeia de amor, tão discreta, pelos deserdados dos mimos da vida em que esse verdadeiro escol do laicato católico constituído pelos militantes das Conferências de S. Vicente de Paulo põe a sua alma toda, aquecida pelo puro ideal de bem-fazer e em rasgos de heroísmos de amor ao próximo, de desprendimento, do abnegação e de renúncia que só a caridade cristã é capaz de inspirar.
Mais de 560 conferências femininas e para cima de 600 masculinas, no âmbito das quais se encontra, por todo o nosso Império, um número de servidores que ultrapassa a casa dos 15 000, se dedicam, devotadamente, a obras de misericórdia e, entre elas, quer construindo, mobilando e apetrechando casas que destinam a famílias pobres, quer, ao menos, aliviando a magreza dos seus orçamentos através de auxílios de renda, total ou parcial.
Se tal movimento, pelo seu timbre de caridade, pela sua grandeza humana e carácter social dos seus objectivos, merece à sua volta o ardor do mais acrisolado carinho das pessoas bem formadas que, graças a Deus, não lhe vai faltando e faz jus à compreensão e protecção das entidades oficiais, também já reveladas, profundamente se estranha e muito se lamenta que possa haver alguma instituição que a ele se mostre insensível e não ampare, não ajude a concretizar a elevada finalidade que se propõe.
Isto se afirma e se salienta porque ouvimos, com grande mágoa, o esclarecimento de que uma outra bela e generosa iniciativa, a da Juventude Universitária Católica, em 1955, com a sua campanha de obtenção do fundos para a construção de casas para pobres, veio a gorar-se deploravelmente, não obstante haver sido feita a arrecadação de quase 100 contos, por virtude de se terem cerrado os ouvidos oficiais aos seus reiterados apelos para a credencia gratuita do terreno indispensável à implantação das projectadas moradias!
O facto mal se compreende, porquanto este problema da habitação para as famílias, notavelmente focado no aviso prévio do Sr. Prof. Almeida Garrett e que vimos tratando, é, por sua natureza, tão complexo, tão vasto, mas da mesma sorte de solução tão instante que só pode vitoriosamente enfrentar-se, mesmo que seja sem arrancadas ambiciosas, quero dizer, sem que se possa fazer tudo de uma assentada - transportai um punhado de terra todos os dias e fareis uma montanha desde que os que podem se dêem as mãos e haja uma conjunção total e completa metodização de boas vontades e de esforços.
Sr. Presidente: o problema habitacional, no tocante à falta de alojamentos condignos da pessoa humana ou à carência de capacidade económica, que veda a utilização dos de renda mais alta, procede de múltiplas causas, umas encadeando-se nas outras, de todos bem conhecidas.
Como tais aponta-se a elevação do nosso índice demográfico; o abandono da terra, intensificando-se o fenómeno do urbanismo, com a consequente concentração de grandes massas populacionais nas maiores cidades do País, e daí a escassez de moradias ou a impossibilidade de as classes economicamente mais débeis acudirem àquilo que os proprietários fixam ao arrendamento dos seus prédios; a inconveniente orientação, considerada sob o ponto de vista social, da actividade construtora quando deixa de enveredar também pelo caminho da edificação de casas modestas, etc.
Como obviar a este estado de coisas? Já vimos como o Governo vem pensando a sério na questão e não desiste de a solucionar e também como entidades privadas, dignas da nossa maior homenagem, com ela se preocupam e afincadamente procuram ajudar a sua resolução.
Não se ignora que com tal objectivo muitas medidas têm sido preconizadas, as quais urge levar por diante: o fomento da melhoria das condições gerais de vida do rural, com vista a fixá-lo à terra, e assim se procurando o equilíbrio demográfico possível entre a cidade e o campo; por outro lado, de harmonia com estudos previamente realizados com largueza de visão, evitar, na máxima medida, que os chamados centros industriais se acantonem junto às grandes urbes; aumento do ritmo de construção de casas modestas,

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para que os modestos chefes de família possam suportar o custo da sua renda e a paguem em termos tais que não desviem para ele 40 por cento e 50 por cento dos seus ordenados ou vencimentos, como se sabe, dolorosamente se sabe, que cor vezes acontece; barateamento do preço de aquisição dos terrenos, por força de uma justa avaliação; que os custos de construção se reduzam, já estudando a natureza dos materiais a empregar (li há dias nos jornais que em França se tentava a experiência da aplicação de plástico como processo de simplificar a construção civil), já concedendo créditos e subsídios aos que pretendam edificar a sua moradia, facilitando-lhes, a par disso, a obtenção de terreno e, quanto à mão-de-obra, procurar os processos do seu maior rendimento na utilização da melhor técnica; auxiliar as cooperativas de construção civil, mas da mesma sorte exercer sobre elas cuidada fiscalização; impulsionar e ajudar os chamados movimentos de autoconstrução, de que se conhecem interessantes experiências, que eu saiba no Porto e em Coimbra; porventura tentar maior quantidade de alojamentos e redução do custo de renda através da edificação de prédios com vários pisos, tendo sempre em vista, porém, que o tipo ideal de habitação é, inquestionavelmente, o unifamiliar; não consentir que sejam demolidos prédios invocando falsos pretextos e sem a menor consideração pelo destino dos inquilinos; enfim, proceder-se a razoável diferenciação no campo da aplicação das normas do Regulamento Geral de Edificações, pois reputa-se desaconselhável e pernicioso que seja imposta a uniformidade da sua observância, quer se trate de construções nos meios rurais, quer nos grandes centros.
Sr. Presidente: vivemos sob o primado do social. A nossa Revolução na paz assim o tem entendido e assim o entende; à obra do Estado Novo Corporativo, no âmbito duma aã administração, fiel a razões de ordem moral, penetrada dum sentido de justiça - linha de rumo que jamais poderá ser quebrada -, impele-a o anseio de fomentar o bem comum.
Se olha ao factor económico, se procura aumentar a riqueza nacional, tem o pensamento posta na consecução do benefício e valorização geral da colectividade. E obra completa e perfeita? Nada do que é humano o é.
O próprio Chefe do Governo disse um dia, aniversário de um outro grande e inolvidável dia, fixado para todo o sempre na» páginas da história pátria, ter pena de que não fosse ainda maior a sua obra.
De resto, Sr. Presidente, é intuitiva a verdade contida nas palavras dum espírito de escol da nossa terra ao afirmar que uma obra nacional não pode julgar-se terminada; a eternidade da vida da Nação é o único limite para aã realizações dos que a servem.
A Revolução, Sr. Presidente, continua e continuará, sempre e inflexivelmente, ao serviço da Nação.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
O debate continua na sessão de amanhã.

Eram 18 horas e 35 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
André Francisco Navarro.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Calheiros Lopes.
Artur Águedo de Oliveira.
Augusto Cancella de Abreu.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Alpoim Borges do Canto.
Jorge Botelho Moniz.
José Soares da Fonseca.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agnelo Ornelas do Rego.
Antão Santos da Cunha.
António Camacho Teixeira de Sonsa.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Rodrigues.
António dos Santos Carreto.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Eduardo Pereira Viana.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Afonso Cid dos Santos.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Maria Porto.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Sousa Machado.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Maria Vaz.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL LISBOA

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