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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 129
ANO DE 1956 16 DE MARÇO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.° 129, EM 15 DE MARÇO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 13 minutos.
Antas da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente no qual se incluía um projecto de lei do Sr. Deputado Galiano Tavares que foi remetido à Comissão de Educação Nacional e será publicado no Diário das Sessões.
O Sr. Deputado Manuel Cerqueira Gomes foi autorizado a depor como testemunha na 1.ª vara cível da comarca do Porto.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Pinto Barriga, que agradeceu a remessa de vários elementos que havia requerido a diversos Ministérios; Alberto Cruz, que louvou a atitude do Governo no sentido de procurar debelar a crise Já indústria têxtil, e Russel de Sousa, para se referir ao êxito da exposição portuguesa recentemente efectuada em Londres.
Ordem do dia. - Continuou o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Almeida Garrett acerca do problema da habitação para famílias com pequenos recursos.
Usaram da palavra os Srs. Deputados D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis, Amaral Neto, João Porto, Henrique Tenreiro e Sousa Machado.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 18 horas e 55 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Américo Cortês Pinto.
Antão Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António Russell de Sousa.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Ernesto de Araújo Lacerda e Obsta.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Herculano Amorim Ferreira.
João Ameal.
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João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Maria Porto.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim, de Pinho Brandão.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
O Sr. Presidente:- Estão presentes 77 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Exposição
Dirigida ao Sr. Presidente do Conselho, pela Companhia Portuguesa de Laminagem, queixando-se de que há catorze anos vem requerendo em vão, junto do Ministério da Economia, licença para iniciar a laboração, em Vila Franca de Xira, de uma fábrica já dotada com valiosa maquinaria, o que lhe tem acarretado graves prejuízos. A esta exposição vem juntos vários documentos com o objectivo de provar os fundamentos da sua queixa.
Projecto de lei
Considerando que, nos termos do n.° 2 do artigo 188.° do Decreto n.° 30 508, de 17 de Setembro de 1947, a habilitação académica exigida aos candidatos a professores dos grupos 1.º a 8.º é uma licenciatura universitária que abrange as principais disciplinas do grupo respectivo;
Considerando que o curso de Arquitectura, exigido aos candidatos a professores do 9.° grupo, depois do 7.° ano dos liceus, nos termos da alínea A) do artigo D.° do Decreto n.° 30 507, é um curso especial, de quatro anos, nus escolas superiores de belas-artes, seguido de um curso superior, rematado por dois anos de estágio e defesa de tese, que nunca se fez em menos de outros quatro anos;
Considerando que dentro das cadeiras do curso especial de Arquitectura cabem os conhecimentos a transmitir aos alunos do 1.° ao 7.° ano dos liceus;
Considerando que as cadeiras do curso superior de Arquitectura só remotamente se prendem com a matéria de desenho leccionável nos liceus;
Considerando que o liceu nada lucra com a circunstancia de os professores do 9.º grupo serem arquitectos, proponho que o artigo 188.°, n.° 3, do Decreto n.° 30 508, de 17 de Setembro de 1947, passe a ter u seguinte redacção :
Artigo único. A habilitação académica que se exige aos candidatos a professores do 9.° grupo é o curso especial de Arquitectura das escolas de belas-artes, desde que esses candidatos possuam o 7.° ano dos liceus, nos termos da alínea h) do artigo 5.º do Decreto n.° 36 507.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 14 de Março de 1950. - O Deputado, António Raul Galiano Tavares».
O Sr. Presidente:- Este projecto vai ser publicado no Diário das Sessões e remetido à Comissão de Educação Nacional pura estudo.
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª dá-me licença, Sr. Presidente?
Estou informado de que vieram já para a Presidência do Conselho algumas respostas aos meus requerimentos, nomeadamente do Ministério da Economia.
Como o assunto me interessa sobremaneira, rogo a V. Ex.ª se digne providenciar no sentido de aquelas informações me serem fornecidas com a possível rapidez.
O Sr. Presidente:- Será dada satisfação dos desejos de V. Ex.ª
Está na Mesa um ofício da 1.ª vara cível da comarca do Porto solicitando a comparência do Sr. Deputado Manuel Cerqueira Gomes para depor como testemunha nos autos de acção ordinária que Arnaldo Francisco Moreira Júnior e esposa movem contra António Cândido Fernandes, esposa e outros.
Informo VV. Ex.ªs de que o Sr. Deputado não vê inconveniente na concessão da indispensável autorização.
Consultada a Câmara, foi concedida a referida autorização.
O Sr. Presidente:- Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Pinto Barriga.
O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: sou Deputado da Nação desde 19:23 e, pela primeira vez na minha já longa vida parlamentar, recebi valiosos elementos requeridos, substanciais informações, agora bem dignas desse nome, que me podem habilitar a fazer, como desejo e gosto, uma critica construtiva, politicamente honesta, sobre a marcha dos serviços públicos e, neste particular, sobre as pescas.
Desta tribuna digo, com todo o amplo significado que nós, beirões, emprestamos a essas palavras: bem hajam Srs. Presidente do Conselho. Ministros da Presidência e da Marinha por terem ordenado a remessa dos informes
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solicitados e também aos seus directos colaboradores, entre os quais me permito destacar com reconhecimento o nosso ilustre colega Sr. Comandante Tenreiro, mas não me esquecendo ainda da cooperação dos ilustres Deputados Sr s. Comodoro Viana e Comandante Sá Linhares, todos pela forma esmerada como satisfizeram as indicações ministeriais.
Merecem estes elementos, pela sua importância e qualidade, que demoradamente os inventarie para sobre eles fundamentar uma larga intervenção parlamentar após as férias da Páscoa.
Findo, como comecei, por agradecer os elementos facilitados e que isto sirva de salutar exemplo a certos serviços e organismos que, contrariamente no desejo manifesto dos respectivos Ministros, vêm delongando respostas e, quando acabam por enviá-las, são bem precárias e envelhecidas, económica e politicamente, e, às vezes, até se esquecem de responder; o menos que pode significar esse silêncio é desleixo, senão ineficiência.
Por estar no uso da palavra chamo a atenção do Governo, confiando como sempre na acção do Sr. Ministro da Economia e na Intendência-Geral dos Abastecimentos, para o que se passa em matéria de lacticínios e produtos hortícolas na região saloia, em especial em Louros, no abastecimento de Lisboa, em que os intermediários, com pouco trabalho, chegam a duplicar e a triplicar o preço dos géneros hortícolas comprados aos produtores, e, no que respeita aos lacticínios, as cooperativas continuam a desempenhar mal as funções de que se incumbiram.
Disse.
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Alberto Cruz: - Sr. Presidente: não há nada mais agradável no exercício das nossas funções de Deputados da Nação do que verificar que as palavras aqui por nós proferidas com o alto sentido de auxiliar a resolver os complexos problemas que afectam ou podem afectar a boa marcha dos negócios públicos tiveram acolhimento favorável nas entidades a quem foram dirigidas.
Há poucos dias chamei a atenção de vários departamentos governamentais para um assunto da maior gravidade - a crise da indústria têxtil e a precária situação criada aos seus operários, que se contam por muitos milhares.
Fui com a maior satisfação e também com muita esperança na sua actuação que soube, pelos jornais, da simpática atitude do Sr. Ministro das Corporações deslocando-se ao Norte do País a fim de apreciar in loco o problema em causa e ordenar imediatas medidas de emergência enquanto se estudavam outras soluções favoráveis e possíveis.
Tive ensejo de verificar o efeito dessa admirável atitude nos operários afectados, que continuam a esperar confiadamente as providências do Estado Corporativo, que, em casos anormais como o presente, agirá de forma, estou certo disso, a demonstrar as suas vantagens sobre outros regimes políticos, fazendo tudo o que estiver ao seu alcance para debelar a crise dessa importantíssima indústria e amparar todos os elementos que nela labutam.
Em situações tão graves e anormais como esta, tanto para o capital como para o trabalho, é que se deve actuar com tudo o que a nossa filosofia política apregoa e se devem pôr à prova as qualidades dos estadistas encarregados de as resolver.
Ao Sr. Ministro da Economia peço também para não descansar, nem deixar descansar, um minuto sequer, o seu estado-maior encarregado do plano de acção desta campanha, que é mister vencer, para o bem-estar de tantos lares portugueses, para prestigiar as instituições políticas quo nos regem e servimos e para prosperidade deste abençoado País em que nascemos, vivemos e muito amamos.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Russell de Sousa: - Sr. Presidente: encerrou-se em Londres no passado dia 15 de Fevereiro, faz hoje precisamente um mês, a magnificente exposição de pintura, estatuária, ourivesaria, mobiliário e faiança que teve lugar nas galerias da Real Academia de Artes e a que os nossos velhos amigos e aliados chamaram «mil anos de arte portuguesa».
Ali foram expostas muitas das notáveis peças de arte quo possuímos: os painéis de Nuno Gonçalves, o grande pintor europeu do século XV, considerado por Francisco de Holanda «águias entre os mais célebres pintores do seu tempo; a custódia de Belém, obra-prima de Mestre Gil Vicente; entre outros, os retábulos de Vasco Fernandes, Cristóvão de Figueiredo e Frei Carlos; as nossas belas pratas; os cálices dos séculos X e XIII da Sé de Braga e do Museu Machado de Castro, de Coimbra; o relicário de Arouca, de tão grande sabor arcaico na sua forma e execução; a cruz processional do Museu Nacional de Arte Antiga; as faianças dos séculos XVII e XVIII; as tapeçarias e os brocados portugueses.
O Governo ao consentir que fossem enviadas a Londres, para assim serem vistas e apreciadas pelo público da grande nação, tantas obras de arte, de valor inestimável, muitas únicas no nosso património artístico, teve de vencer com certeza muitas dúvidas e indecisões, considerando os riscos imprevistos a que foram sujeitas essas verdadeiras jóias nacionais, tão queridas a todos nós. mas provou, no seu generoso gesto, a fraternal amizade que liga os dois povos aliados.
À nobre intenção do Governo corresponderam muitos coleccionadores particulares pondo à sua disposição o que de melhor possuíam, para assim se completar e enriquecer mais a representação portuguesa, e de tal forma foi feita a escolha dos objectos expostos - seiscentas peças cuidadosamente seleccionadas, qualidade e quantidade - que a crítica a considerou como a maior de todas as exposições nacionais que tiveram lugar na Real Academia nos últimos anos. Segundo os jornais, mais de cento e trinta mil pessoas visitaram a exposição, acorrendo muitas à capital de pontos distantes do território britânico.
Ao louvar a realização de tão notável empreendimento disse o presidente da Real Academia de Artes que tudo tinha sido obra de um homem - o Prof. Doutor Reinaldo dos Santos.
Bem merece o eminente professor o nosso reconhecimento pela forma como realizou a notável tarefa que o nosso Governo lhe incumbiu.
Estão a regressar ao País as peças de arte expostas em Londres, em remessas parceladas, por vários barcos, para reduzir os riscos de qualquer contratempo. Já se referiu nesta Câmara o ilustre Deputado Dr. Cortês Pinto, ao intervir no debate que se seguiu ao criterioso aviso prévio do Deputado Dr. Abel de Lacerda, ao facto ocorrido, após a Exposição de Paris de 1900, com o naufrágio do barco Santo André, no qual se perderam, entre outras obras de notáveis artistas contemporâneos, alguns trabalhos do grande rei-artista D. Carlos I, trabalhos de que ficou privado para sempre o património nacional.
Esperamos que tudo chegará a salvamento, mas não é de mais pensar nos riscos a que ficam sujeitas, com estas deslocações, tão valiosas e insubstituíveis peças de arte.
Sr. Presidente: ponho confiadamente à consideração do Governo um assunto que reputo de verdadeiro inte-
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resse nacional e espero que da sua superior resolução se obtenham dois significados: o da maior valorização da exposição realizada em Londres, por outra não ser possível no estrangeiro, pelo menos, com a presença daquela dúzia de peças que constituem as paredes mestras da nossa arte e da nossa história, e ainda a garantia e o firme propósito de as defendermos ciosamente, para assim deixarmos intactos aos vindouros todos os valores espirituais que os nossos maiores nos legaram. Para tanto tenho a honra de sugerir ao Governo que, sem demora e pelo Ministério respectivo, seja constituída uma comissão que inventarie e declare de uma vez para sempre como obras de arte inamovíveis do próprio lugar onde se guardam todas aquelas que, pela sua raridade, valor artístico e interesse histórico, constituem a base fundamental do património nacional. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente:- Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente:- Continua o debate sobre o aviso prévio apresentado pelo Sr. Deputado Almeida Garrett acerca do problema da habitação para famílias com pequenos recursos.
Tem a palavra a Deputada Sr.ª D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
A Sr.ª D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis:- Sr. Presidente: creio interpretar o sentimento de todas as famílias portuguesas afirmando o seu profundo regozijo por ver marcado para ordem do dia este debate sobre habitação; e mais uma vez fica esta Câmara a dever ao ilustre Deputado Almeida Garrett a oportunidade de ter trazido a esta tribuna uma das mais sérias preocupações da vida familiar moderna, cuja importância social e política não é necessário encarecer.
E questão de tal actualidade que reafirmá-lo, além de ser lugar-comum, poderia levar a crer que em Portugal não se tivesse acompanhado esta ansiedade dos povos em proporcionar condições mais humanas, mais justas e mais concordantes com o progresso actual à vida de família; sobretudo, poderia levantar-se a dúvida de que até hoje ninguém de entre nós tentara encontrar soluções práticas para semelhante problema.
Ora este objectivo tem sido procurado por tantos e tão variados meios com indiscutível êxito que seria escasso o tempo de uma intervenção parlamentar para os enumerar sequer.
Através desses bairros que se erguem por esta Nação fora, de casas cuja renda se subtraiu aos excessos da especulação livre, de subsídios concedidos aqui e além e de facilidades de toda a ordem, bem pode dizer-se que já hoje se arrancaram milhares e milhares de vidas à promiscuidade, à doença, aos perigos da rua e da taberna, etc.
Os benefícios trazidos as famílias e, sobretudo, a felicidade que se lhes proporcionou há muito que pagaram, a juro incalculável, todo o trabalho, despesa e preocupações necessárias para levar a cubo semelhantes empreendimentos.
Nem creio que seja comparável em números o que se gastou com essas dúzias de casas de habitação - que, graças a Deus, ascendem a muitos anilhares - e o que seria necessário despender em sanatórios, em asilos, em subsídios assistências, etc., com outras tantas famílias mal alojadas.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Não precisamos de recorrer a um verdadeiro inquérito social nem a dados estatísticos minuciosos para o avaliar: a simples conversa com o doente que corre para o dispensário ou para o Instituto de Reumatologia, por exemplo, com rapazes e raparigas que a delinquência já marcou, com as mães de família que nos batem à porta a desfiar o seu rosário de dificuldades, e com tantos outros, nos dará a medida do grave prejuízo que a todos adveio das más condições de habitação.
Será caso que ainda haja alguém com responsabilidades - e todos as temos - que não tenha sentido com a inteligência e o coração o drama que se esconde por detrás dessas fachadas vistosas das nossas cidades, em becos, pátios, mansardas, caves e quartos alugados c subalugados, onde as famílias se acumulam?
Será possível que não se tenha comparado a renda que é exigida nestas precárias acomodações, em que tudo, até a presença da criança, é regateado, com os recursos do chefe de família numerosa, do trabalhador não especializado, dos velhos, das viúvas?
Será caso que se desconheça que por detrás do pitoresco das nossas aldeias e vilas este drama também se prolonga além, desconhecido do turista que aprecia a paisagem através dos vidros do seu carro, e talvez esquecido de quem, na cidade distante, apenas vê no trabalhador rural um operário impessoal da produção agrícola?
Sr. Presidente: não seria justo esquecer por instantes, sequer, tudo o que se fez para minorar e transformar este estado de coisas. No entanto, também não corresponderia à verdade afirmar que nada falta fazer para resolver esta questão tão grave, que se apresenta na primeira plana das preocupações de todos os povos modernos e progressivos.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Sr. Presidente: depois de tanto se ter falado sobre o problema da habitação - quase podemos assegurar que tudo está dito e redito a este respeito - parece sermos levados a crer que as palavras não tiveram eloquência bastante para comover as almas e determinar as vontades decididas a resolver o assunto de harmonia com as necessidades reais das famílias.
Os números que o ilustre Deputado Almeida Garrett aqui trouxe demonstram que o número de casas construídas ultimamente não fica aquém do aumento do número de famílias; simplesmente, a qualidade dessas casas não se coaduna com as exigências económicas das famílias a instalar, continuando a haver casas para ricos em abundância e escassez notória de casas para pobres.
Salazar, por várias ocasiões, tem preconizado insistentemente uma política de protecção à família, na qual integrou o que diz respeito à habitação.
As afirmações e as atitudes de SS. Ex.ªs os Srs. Ministros das Obras Públicas e das Corporações são para todos nós motivo de confiança, pelo alto pensamento que encerram, aliado ao maior sentido das realidades.
Temos, igualmente, no ouvido o valiosíssimo aviso prévio do nosso colega Amaral Neto, corroborado pêlos ilustres Deputados que tomaram parte nesse debate, e ainda as palavras que o mesmo ilustre Deputado já nesta sessão legislativa proferiu sobre o mesmo assunto.
E tantas outras vezes o problema da habitação tem sido abordado nesta tribuna!
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Também não esquecemos o depoimento pungente daqueles que avaliam de perto a vida cruciante do pobre, à frente dos quais sobressai a figura apostólica e nacional do padre Américo.
Isto é, pronunciaram-se sobre este assunto homens de Estado de reconhecida clarividência e devotados ao bem da Nação, técnicos, economistas, sociólogos, urbanistas, não só individualmente como reunidos em congressos e outros encontros, etc.
E ao fim e ao cabo ter-se-á medido a acuidade do problema em toda a sua dimensão? Ter-se-á alguém sentido totalmente empenhado nele?
Mais ainda: teremos nós a noção exacta de quantos portugueses do norte e sul do País têm uma habitação digna que abrigue a intimidade do lar?
De quantas famílias têm uma casa onde, além de encontrarem repouso, lhes é permitido o trabalho condizente com o nível educacional, a ocupação agradável nas horas vagas e aquele convívio aconchegado dos serões passados à lareira, que os poetas têm evocado e as famílias lembram com saudade, mas que hoje tantos desconhecem?
E não vale a pena relembrar, de tal modo isso é do conhecimento de todo, VV. Ex.ªs, que a grande maioria daqueles que possuem uma habitação que satisfaça as legítimas necessidade da vida familiar a paga por preço que compromete sèriamente o seu nível de vida.
Sr. Presidente: todos sabemos que o Governo está não só atento ao problema mas interessado nele. Sabemos ainda que há instituições particulares, de entre as quais muitas empresas se destacam, que estão presentes a esta cruzada. Conhecemos também os prodígios que a caridade tem realizado. Mas não creio que tenha havido até hoje a cooperação séria e objectiva de quantos têm tentado resolver o problema nem a coordenação de todos os esforços envidados nesse sentido.
O problema da habitação não é um problema exclusivamente técnico ou económico, ainda que as suas soluções tenham de assentar sobre a técnica e a economia.
Não é tão-pouco apenas um problema de sociologia pura. É, sim, um problema humano na plena acepção da palavra, que requer o contributo sério dos sociólogo», dos educadores, dos higienistas, dos técnicos, para ser resolvido. Isto é, hão-de encontrar-se nele todos aqueles que cuidam da valorização integral da pessoa humana e das suas relações e o que têm por missão encontrar-lhe expressão prática.
Pergunto: ter-se-á dado este esforço de coordenação de pensamento e acção até hoje?
O problema da habitação está na encruzilhada de muitos outros, como a estabilidade do lar, tão precisa ao equilíbrio da sociedade, a educação da juventude em ordem à formação de valores - que tanto nos preocupa hoje em dia -, o problema da saúde - e em que medida !-, o rendimento profissional, a distribuição demográfica, incluindo os aspectos de fixação rural e da emigração, etc. . . ., só para destacar os mais graves. E com estes se ligam o urbanismo, a aplicação de capitais, o prestígio e a tranquilidade do País e tantos outros.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A Oradora: - Todos estes sectores da vida social têm os seus especialistas, que sobre eles se pronunciam, e os seus práticos, que procuram dar-lhes solução.
Por isso dá-se uma encruzilhada sim, e de não poucos caminhos. Mas quando numa simples estrada é possível fechar-se o trânsito e abri-lo alternadamente à passagem dos veículos, esta encruzilhada, porque é humana, tem de encontrar uma solução que satisfaça simultaneamente os vários requisitos que estão em causa.
Não é viável a casa cheia de sol. mas exígua, excessivamente distante dos locais de trabalho, ou cujo acesso a estes se torne dispendioso. Nada remedeia alojar os operários da cidade e deixar que o trabalhador rural continue a partilhar o seu tecto com o burro e as ovelhas.
Não é solução traçar cidades a régua e esquadro som considerar com realismo os dados sociais da vida e possibilidades dos habitantes.
Não é aceitável construir casas e bairros sem nivelar os seus encargos com o orçamento daqueles a quem se destinam, quer diminuindo aqueles, quer ampliando este, por qualquer forma tendo em conta as condições económicas dos interessados. E estas tão diferentes não de terra para terra que só uma política de conjunto poderá atingir resultados satisfatórios.
Penso, Sr. Presidente, que, uma vez que este é o problema da habitação, todos deveriam ser convidados a colaborar na sua solução: o Estado, os particulares, as famílias.
Os particulares, por um lado, há que atraí-los, como preconiza o ilustre Deputado Amaral Neto, a empregar os seus capitais disponíveis, para que não suceda que continue apenas a ser remunerável o capital aplicado nos chamados prédios de rendimento e o pobre continue à mercê de quem não receia cobrar-lhe uma renda bem superior ao razoável juro do custo da habitação que ocupa, valendo-se da lei da oferta e da procura.
Dentre os particulares, as grandes empresas teriam aqui rasgado horizonte para aplicação dos lucros disponíveis. Já lá vão vinte anos que visitei as instalações habitacionais da Lis, e quando ainda pouco se falava das chamadas finalidades sociais, a sua iniciativa constituía um exemplo, hoje largamente divulgado.
As instituições de previdência, essas, têm tomado uma posição que só nos compete louvar vivamente, e nos dá motivos de esperar que a sua acção prossiga de acordo com as grandes possibilidades que têm de avaliar o problema e de o resolver.
Ao Governo cabe, sim, o dever de tomar iniciativas próprias, de impulsionar e fomentar as particulares, partilhando algumas destas; cabe ainda o dever de estabelecer bases de acção, por uma legislação adequada de que só exija o cumprimento, sem permissão de abusos.
Volto ao termo: ao Governo pertence, e só a ele, coordenar ideias, conjugar c facilitar meios de acção.
É certo que mesmo assim ficariam alguns casos desgraçados por resolver: aqueles que até hoje povo algum conseguiu evitar, mesmo numa sociedade bem estruturada e com uma previdência, organizada eficientemente. Mas a esses, que não seriam fruto de uma injustiça social, mas os casos esporádicos em que a doença, a morte, o vício tivessem feito passagem, a assistência pública, completada pela caridade, encontraria remédio pronto.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Voltemos, no entanto, ao que há de positivo.
Quem leia os jornais encontra, graças a Deus e cada vez mais, bastantes motivos de regozijo quanto a realizações práticas neste sector. Ora se inaugura um bairro económico construído pelo Ministério das Corporações, ora um bairro municipal subsidiado pelo Ministério das Obras Públicas, ora surge aqui e além um bairro fabril ou qualquer outra bela iniciativa particular. Por toda a parte se erguem modestas, mas ricas de significado, as casas do Património dos Pobres.
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Não se tem, no entanto, a impressão de que este trabalho que na verdade se vai levando a cabo, com prestígio para o País, fosse realizado de mãos dadas, perdoe-me V. Ex.ª a simplicidade do termo. São os particulares a construir? Logo se ouvem queixas de que ai formalidades burocráticas, as exigências técnicas, os encargos camarários para uma simples casinha rural embaraçam seriamente as pequenas iniciativas.
Através do contacto com famílias pobres tenho tido ocasião de avaliar que as passadas que se toma necessário dar para levar a cabo qualquer pequena construção - as mesmas que para um palácio - são perfeitamente incompatíveis com o nível cultural e o expediente de um trabalhador, levando-o ainda a uma perda de dias úteis de trabalho, cujo prejuízo é enorme.
Ocorre-me lembrar ainda o caso de alguém que queria oferecer uma faixa de uma sua propriedade para construção de casas de famílias pobres, mas precisamente o plano de urbanização, conquanto não se tratasse de qualquer ponto especial de turismo, não previa construções desse género naquela zona; em contrapartida soube há dias que um pedreiro, dispondo de mão-de-obra e de alguns recursos para compra de material, se dirigiu à respectiva câmara para obtenção de um terreno, mas a câmara não dispunha do qualquer terreno destinado a construções de casas para trabalhadores . . .
Também penso que existe às vezes uma outra dificuldade, que consiste na necessidade de apresentar logo de início um projecto completo que corresponda às exigências do regulamento de construção e de completar a construção em dois anos, sob pena de não ser reembolsado do imposto de sisa.
Ora sucede que muitas vezes o trabalhador só aos poucos dispõe dos meios necessários para construir, à medida que vai amealhando qualquer coisa, e advir-
-lhe-ia maior benefício se pudesse começar por construir uma casa de duas ou três divisões o progressivamente a completasse e melhorasse. É um caso que me parece mostrar mais uma vez como o óptimo é inimigo do bom.
Se é o Governo a tomar a iniciativa, nem sempre vê o seu esforço compreendido, ou porque àquilo que se pediu com instância se põem agora defeitos, ou porque alguns interesses particulares procuram entravar as finalidades em vista.
E quando são as famílias, pareço esquecerem os interesses da comunidade, procurando por o seu caso pessoal a quaisquer outros.
No fim, dificuldades e desilusões, que só têm como resultado quebrar o ritmo de acção, continuando a lesar a população economicamente mais débil, mais indefesa e menos capaz de iniciativa.
Mas mesmo esta não deveria hábil usar-se a esperar que milagrosamente lhe ca i n do céu uma solução para a qual não contribuiu por forma nenhuma. Antes, as famílias deveriam ser as primeiras a ser chamadas ú colaboração com a entidade que patrocinasse a iniciativa, de acordo com os seus poucos ou muitos recursos económicos e com as suas aptidões profissionais.
A este propósito peço licença para relembrar o que já aqui foi dito por vários ilustres Deputados, entre os quais, e na precedente sessão, o Sr. Doutor Tono Porto, sobre a vantagem de dar amplo desenvolvimento ao regime de autoconstrução auto-reparação, um e outro já experimentados com resultados prometedores.
Este sistema, que é espontâneo na maioria dos trabalhadores que dispõem de um quadrado de terra onde possam levantar quatro paredes, tem as maiores vantagens económicas, psicológicas e sociais; de facto, tal como se encontra o indigente a agrupar toscamente os materiais que consegue adquirir para arranjar uma solução de recurso, é frequente topar com operários hábeis que nos momentos livres, sozinhos ou ajudados pelos seus e por vizinhos de boa vontade, vão construindo de novo. ou reparando a sua própria casa, por vezes atingem, com pouco dinheiro e muito amor, resultados surpreendentes, de que mereciam, com justiça, ser recompensados, e não dificultados, como tantas vezes sucede.
Aquele ilustre Deputado referiu, com brilho e minucioso pormenor, como em Coimbra a União Católica dos Industriais e Dirigentes de Trabalho lançou um movimento que converteu o primitivismo deste hábito em realização séria e bem orientada, sendo esta iniciativa digna do mais vivo louvor.
Resultou ela, tão perfeita como se supunha? Conta pelo menos resultados consoladores e tem a seu favor o facto de já constituir uma experiência que merecia ser largamente difundida, uma vez corrigidas algumas deficiências encontradas aperfeiçoados os métodos de organização e trabalho.
Se não é de aconselhar nos centros urbanos, pareço indicar rasgados horizontes nos meios suburbanos, tem que uma grande parte dos trabalhadores é constituída por operários de construção civil, em regime de não horas de trabalho; também me parece este sistema recomendável em pequenos aglomerados populacionais. onde existe facilidade de adquirir terreno e o trabalhador tem tendência para adoptar a habitação modesta unifamiliar e de cunho acentuadamente pessoal. Há muitos casos em que até já existe uma pequena casa de família que se pretende melhorar ou uma nesga de quintal que aquela cede ao novo lar.
Desenvolvido o problema da mão-de-obra - creio que é geralmente computado num terço do valor da construção - , torna-se necessário amparar técnica e financeiramente a iniciativa.
A assistência técnica teria por missão fornecer gratuitamente projectos adequados à região e vida do trabalhador e orientar a sua execução.
O Sr. Bartolomeu Gromicho: - A Câmara Municipal de Évora, por intermédio da sua Repartição Técnica, já está fornecendo gratuitamente projectos; essa gente que queira construir uma casa modesta.
A Oradora: - Agradeço a intervenção de V. Ex.ª e muito me satisfaz saber que há iniciativas, aqui e além, que correspondem ao objectivo que enunciei.
Quanto haveria aqui a dizer sobre a necessidade de um verdadeiro sentido das realidades, que nem sempre os especialistas revelam, e sobre a vantagem de traçar projectos e escolher materiais de acordo com os dados tradições e hábitos de cada região!
Já tive ocasião de ver na Beira Alta, perto da Serra da Estrela, um bairro em que não tinha sido previna a construção de anexos, e todos sabemos que estes são absolutamente indispensáveis para as famílias rurais.
Também há tempos tive conhecimento de um caso - esse passado nesta região - de uma pobre viúva com dois filhos que pretendia construir, em terrenos bastante distante da zona de turismo, uma pequena casa, constituída, como é evidente, por uma casa de entrada, tendo ao canto chaminé para a lareira, dois quartos e um pequeno lavabo. Pois, uma vez apresentado este projecto na câmara, teve de ser substituído por outro, que compreendia uma sala da entrada, cozinha com lavadouros, dois quartos e casa de banho, sendo feito o acesso a estes por meio de um pequeno hall distribuidor! Mais ainda: a entrada da casa compreendi, além da escada, um patamar com alpendre . . .; é o que se pode chamar uma completa falta de sentido das realidades e é evi-
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dente que- desta forma nada se construiu, continuando a viúva a viver numa instalação miserável.
O auxílio económico deveria, a meu ver, fazer-se por duas formas distintas: o financiamento da obra e a concessão de regalias.
O financiamento poderia, em grande parlo, consistir na prestação de materiais simples e algum elementos pré-fabricados, evitando-se, deste modo, os aumentos de custo da compra a retalho e a despesa, com certos trabalhos especializados, e ainda a tentação de aplicar o subsídio em outros objectivos. Creio que em muitos casos este seria reembolsável a longo prazo, o que, aliás, me parece justo e até mais bem aceite por não ter o carácter de donativo. A concessão de regalias deveria incluir a redução de encargos camarários para os autoconstrutores e auto-reparadores, que as câmaras, quando não puderem dispensá-los, poderiam usufruir por qualquer forma de compensação, de construções de mais categoria, redução e simplificação da cobrança de impostos e contribuições, o que não seria mais oneroso ao Estado do que um maior subsídio de construção, e a atribuição de prémios às melhores iniciativas para estímulo das populações. O autoconstrutor deveria poder conservar, apesar do título de proprietário - tão temível para o pobre! - o direito ao tratamento gratuito no hospital, à isenção de propinas dos filhos, etc.. e outras regalias já existentes, quando a perda destas significasse uma despesa incomportável, ou pelo menos em desarmonia com o salário de um trabalhador.
Creio ser esta uma forma de construção barata, acessível a meios pouco densos, com o aproveitamento total da colaboração das famílias, sem grandes encargos para o Estado, e que teria a vantagem de acompanhar progressivamente os aumentos populacionais. Penso que já iam sucedido em algumas vilas, por ocasião da entrega de um novo bairro, dar-se uma baixa sensível do custo das rendas de casa existentes, o que, aliado ao aumento brusco do número de habitações, leva a que muitas das novas casas fiquem vazias por bastante tempo.
Sr. Presidente: neste pequeno país, em que a língua que falamos é toda a mesma, porque não vencermos de vez este mau hábito dos compartimentos estanques entra o Estado, as instituições particulares e os interessados?
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Falou-se em tempos da possível fundação de um organismo coordenador de tudo o que se ligasse com o problema da habitação. Não me foi possível colher elementos de consulta que me permitissem avaliar se um instituto de habitação constituiria a fórmula ideal para resolver a quentão, mas destaque-se o facto de já ter havido a preocupação de congregar esforços e, uma vez que já são passados alguns anos sobre esta ideia, teria o maior interesse em que ela fossa novamente apreciada.
Este desejo de coordenação de serviços que acabo de exprimir vai ao encontro do pensamento do ilustre Deputado avisante e das afirmações do Sr. Deputado Galiano Tavares.
É de crer que, uma vez desaparecida a actual dispersão de iniciativas e actividades, os benefícios fossem incalculáveis.
Unir esforços não significa no entanto de forma alguma confiá-los a uma única entidade, com perda do valor da diversidade de soluções e consequente emulação, reduzi-los a uma expressão única, geométrica, estandardizada por tipos. A resolução unilateral do problema e a limitação das iniciativas traria danos que não seria impossível comparar à ausência de soluções. É do facto a técnica que tem de servir o lado humano da questão e este nunca pode submeter-se aquela como alguns urbanistas parecem esquecer.
Vozes: - Muito bem !
A Oradora: - A este propósito permita-me V. Ex.ª lembrar o que pode suceder com os chamados bairros. Estes constituem verdadeiras manchas de luz e alegria que vão colorindo a terra portuguesa. E alguns são, sem dúvida, a expressão natural da vida das populações, como os bairros de pescadores, que substituíram na nossa orla costeira as barracas de colmo onde as famílias já então viviam irmanadas na faina heróica da pesca, e os bairros fabris, autênticas aldeias em que grandes e pequenos têm o seu lugar em torno do interesse comum. Uns e outros têm, por razões diversas, características da comunidade natural, e não de colectividade socialmente segregada por razões de ordem geométrica.
Ainda há que ver que certos bairros urbanos parece constituírem a fórmula prática insubstituível de realizar construções baratas; no entanto a estes, uma ampla rede de comunicações que os põe em contacto com outros meios poderá - até certo ponto - remediar os inconvenientes do isolamento de classe.
Mas, Sr. Presidente, não generalizemos por hábito adquirido e pelo que tem de aliciante o espectáculo da beleza do conjunto, a solução bairro habitacional, isto é, de alojamento ou série de famílias todas iguais que se debatem com os mesmos problemas e são levadas a isolar-se dentro da sua condição de vida e a não compreender qualquer outra.
Há pouco mais de um ano, a voz autorizada de Mons. Carreto levantava-se nesta tribuna para apontar os perigos da segregação de classes e da existência de fronteiras sociais, quase marcadas a fogo com todo o rigor alfandegário.
Punha S. Ex.ª em relevo a distância a que ficam os trabalhadores, serviçais, etc. daqueles que lhes dão trabalho e o prejuízo que desse facto advém para uns e outros. E sobretudo notava a falta de amparo de toda a ordem a que ficam sujeitas as classes pobres, e que se procura remediar pelos serviços de assistência social (quantos casos angustiosos presenceia quem dedicadamente neles se gasta!) o por certa fiscalização ingrata em todos os sentidos.
Em contrapartida, que dizer dos bairros de luxo onde o pobre às vezes nem sequer é admitido como caseiro porque as dimensões para anexos não previram a instalação duma família?
Não contribuem estes para que as famílias privilegiadas desconheçam e se afastem da vida real, se entreguem à frivolidade e eduquem as gerações novas no egocentrismo de classe?
Quantas centenas de famílias médias não poderiam prestar com a sua presença o mais natural e eficiente auxílio a vizinhos cuja vida é menos desafogada, usufruindo elas próprias o melhor benefício de ordem moral e prática?
Não desprezemos por razões de ordem matemática a riqueza social das relações de vizinhança e consequente convivência entre famílias diferentes tão necessárias para a resolução dos problemas quotidianos, para a compreensão da vida moderna, para a educação do sentido de justiça e da caridade!
Não fomentemos colectivismos artificiais cujos riscos políticos, estão por demais demonstrados por esse mundo além !
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A Oradora: - Permita-me V. Ex.ª ainda louvar aquelas instituições que, tendo em vista a construção
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de habitações sob forma de propriedade resolúvel e compreendendo o perigo de soluções, unificadas, previrem a possibilidade de aumento e adaptação da casa a condições novas da família, a instalação de anexos para trabalhos de artesanato ou abrigo de veículos indispensáveis ao exercício da profissão, de acomodações para os animais domésticos ou alfaias próprias ao trabalho da região, etc.
Sr. Presidente: eu não quero alongar-me mais, abusando da atenção com que VV. Ex.ªs têm estado a ouvir estas mal alinhavadas considerações (não apoiados).
Não é missão desta Câmara escolher soluções práticas e concretas para os problemas que aqui se debatem; aliás eu nem sequer poderia propô-las, não só por falta de competência técnica, como, também, porque elas têm sido apontadas com tal clareza e elevação que mais não poderia dizer-se.
Cabe-me, no entanto, o dever de, em nome das famílias mal alojadas, erguer o pedido de que se adoptem soluções escolhidas dentre as melhores e que mais correspondam às necessidades reais da população e que se apliquem com a possível urgência, pois, a protelarem-se, desactualizam-se novamente.
Há verdade, Sr. Presidente, descrê-se desse mundo fora das virtude familiares e da influência educativa da vida do lar. Porém, ao mesmo tempo o homem moderno carece cada vez mais de um clima de intimidade « sossego onde se retempere física e moralmente pura trabalhar melhor, de um ambiente são, cujo equilíbrio o defenda da agitação dispersa da vida exterior.
A habitação aconchegada e atraente tem de ser em grande parte esse reduto palpável onde os membros da família, ao calor dos laços afectivos, se fortificam e preparam para a vida social.
Esta missão positiva do lar tem sido apanágio da família portuguesa, e tão inata é no homem que os povos que por circunstâncias da vida moderna já sofreram a sua falta procuram, por uma formação adequada e pela busca de condições apropriadas, regressar àquilo que nós soubemos guardar.
Quando a influência do lar falha superabundam as consequências desastrosas.
O alcoolismo e o abandono do lar constituem exemplo frisante de males de todos os tempos que estuo ligados às condições da casa. A fuga da mulher para a fábrica, para o armazém, para o emprego público, se para muitas representa uma necessidade económica vital, também significa para outras a libertação duma casa em que não existe o mínimo do conforto, em que o trabalho doméstico se tornou excessivamente duro, em que não é possível ter sossego nem qualquer ocupação útil ou agradável.
E que dizer da influência da falta de habitação adequada na criança? Nos grandes meios a criança nasce muitas vezes no hospital, não tanto porque não seja recomendável do ponto de vista médico, familiar e até psicológico que nasça em casa, mas porque nesta não há lugar nem um mínimo de higiene.
Vai depois para a creche, pois em casa continua e não ter espaço para brincar livremente. E se não houver este recurso foge para a rua, onde escolhe com absoluta liberdade as suas ocupações e os companheiros de jogos, em cujos bandos não faltarão com certeza adolescentes ociosos e já viciados.
Chegar-se-á a medir um dia a influência perniciosa dos tremendos perigos a que está sujeita a criança que vive horas e horas na rua? Perigos de ordem física que afectam a saúde, perigos de ordem moral e intelectual que afectam as consciências e na mentalidades?
Uma vez em idade escolar, é a escola que absorve uma parte do seu tempo e o restante passá-lo-á na rua da mesma forma, a menos que se trate de algum estudioso, que então recorre à biblioteca ou ao atelier, porque a caso, exígua ou superlotada, não lhe oferece possibilidades de trabalho sério.
Um dia, adolescente ou homem feito, emprega-se. Na verdade, quando esteve em casa que não fosse para comer ou dormir?
Está na ordem do dia das preocupações nacionais o problema da educação da juventude, em boa hora atendido com rasgos de solicitude por S. Ex.ª o actual Ministro das Corporações e presentemente absorvendo todo o interesse e devotado zelo do actual Ministro da Educação Nacional, ao qual não falta a colaboração dedicada do nosso ilustre colega Baltasar de Sousa, que deixou nesta Câmara as mais grutas recordações.
Apoiados.
Quando o Estado tão vivamente está a querer colaborar com as famílias na sua mais grandiosa missão, terão estas, na verdade, as possibilidades efectivas de tomar sobre si o encargo da educação da criança? Terá a casa paterna aquelas condições de ambiente que marca uma influência decisiva na formação do carácter do futuro homem e da futura mulher que as nossas gerações felizmente receberam?
Dizer, Sr. Presidente, que uma vez instalada cada família em habitação conveniente se resolveriam estes problemas era pura utopia e falta de compreensão das necessidades e condições da vida moderna.
Mas a habitação é, sem dúvida nenhuma, condição sine qua non da vida de família para que a sociedade tenha o direito de lhe exigir que seja unida e respeitável, que se valorize e assuma as responsabilidade» da educação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A Oradora: - Sr. Presidente: chegaria a hora de tomar essas medidas decisivas que as famílias esperam ansiosamente para encarar serenamente o problema da sua instalação?
Diz-se que Portugal é um país de recursos limitados, mas por isso mesmo não será indispensável aplicá-los naqueles objectivos que dão maior garantia de benefício nacional? E não será este um deles?
Receava-se, há semanas, que o Tejo alagasse as regiões ribatejanas a ponto, não só de prejudicar as culturas, mas também de pôr em risco vidas e haveres. O passado mês de Fevereiro provou durissimamente os povos da Europa, tendo esta invernia afectado gravemente a vida da população nortenha do País. Já muito houve a lamentar e, no entanto, podemos dar-nos por felizes se nos lembrarmos das inundações da América, da terrível invasão do mar na Holanda que sã deu há amos e, sobretudo, das devastações das últimas guerras e tumultos. Estas desgraças tremendas a que Deus tem poupado a nossa terra levam populações e a outras deixam na mais trágica miséria, de que faz parte a falta de abrigo.
Em momentos semelhantes une-se a população aos Poderes Públicos, inventam-se, com prodígios de engenho, soluções de emergência, a que outras mais perfeitas vêm sobrepor-se, surgem as verbas necessárias, despertam-se vontades realizadoras . . . Ninguém duvida de que em situação idêntica - do que Deus nos defenda - a nossa atitude honrar-nos-ia. E provas temos para o assegurar.
Na verdade, há perto de trinta anos Portugal também estava devastado pela desastrosa política da época. Não havia dinheiro, não se punham problemas porque não havia confiança nos Poderes Públicos. Surgiu então um homem que equacionou o problema nacional em
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toda sua magnitude e se tornou o sen primeiro servidor.
Pela sua audácia, revestida de prudência, mobilizou a confiança d» País. Dinheiro, energia, soluções práticas, tudo reapareceu como por milagre. Habituámo-nos desde então a encarar os problemas, por mais graves que fossem, a medi-los, a vencê-los.
Não acredito, pois, que estando em causa conceder habitação digna a uns tantos milhares de portugueses que estão sem lar conveniente, não por motivo de inundação ou guerra - do que levantamos as mãos ao Céu -, mas por condições da vida social, não estando a Nação ferida por esses males, mas forte e organização e sendo este um problema que preocupa todo o mundo moderno pela grave repercussão que tem sobre o valor e a tranquilidade das nações. . .
Não acredito, Sr. Presidente, que não se possa resolvê-lo, sabendo-se para mais que estão debruçados sobre os operários devotados da renovação nacional dispondo de elementos sérios do estudo da questão . . .
Não acredito, Sr. Presidente, e com isto termino, que, sabendo-se quanto isto é indispensável para a família portuguesa e quanto se conta com ela, nau se planifique o ataque e não se conquiste mais uma vitória.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A oradora foi muito cumprimentada.
O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: viva, emocionadamente, me congratulo com esta Assembleia por ver aqui retomado o problema da habitação económica, mas económica para todas as classes do povo português, o não só para aquelas que a maior facilidade - não posso sequer dizer a vizinhança - tem contemplado com vastos planos, concepções de inigualado merecimento (nunca é de mais, nem favor, repeti-lo) e... as realizações bastantes para fundamentarem desejos de muitas mais, como são necessárias !
Problema, como bem poucos, digno do nosso interesse, do nosso estudo crítico, do alento dos nossos votos, da contribuição dos nossos pareceres, do conforto do nosso desvelo, do bálsamo do nosso carinho! Porque, se às funções de governo em que somos chamados a colaborar, ao exercício da soberania, de cuja máquina somos uma peça, cumpre e importa prover ao ordenado desenvolvimento da Nação e ao desempenho das suas missões no Mundo, não lhes cumpre nem deve importar menos a mantença e apuro do bem-estar dos indivíduos, de que o preço e a qualidade da habitação são factores essenciais, assim tão sabidos e reconhecidos que só por pura retórica caberia demorar no assunto.
Nem convém esquecer a insídia daqueles adversários que nos acoimam, e a todos quantos temos procurado fazer ou servir a Revolução Nacional, de burgueses mais ou menos acomodados, em estado ou em potência, e desta sorte nos atreitos a debruçar-nos sobro as questões de lucro ou de ornamento da vida do que a sentir, verdadeiramente sentir, as aflições dos meãos aquinhoados nela; e, não esquecendo a insídia, há que demonstrar por actos e feitos que o é
Não deixemos, pois, que o clamor dos interesses ávidos abafe os queixumes das multidões sofredoras, e debrucemo-nos sobre os problemas da habitação verdadeiramente popular com afinco no estudo e persistência nas resoluções.
Bem haja, Sr. Deputado Almeida Garrett, bem haja por nos ter reconduzido à questão!
Ninguém mais indicado do que um módico, ou então um sacerdote, para no-la trazer, porque ninguém mais em contacto com as misérias humanas, do corpo ou da alma, de que a casa má ou cara é tantas vezes o fermento ou o meio de cultura.
Quis V. Ex.ª, quiseram outros Srs. Deputados depois, referir-se amável, generosamente, a um esforço que em tempos fiz para chamar atenções ao assunto. Que eu pudesse notar, nada se ganhou com isso senão novas colecções de dados, novas exibições de misérias, novo desabrochar de fugazes esperanças; e, para uns quantos de nós, a satisfação, logo amargurada pelo travo da inutilidade, de termos cumprido um pouco mais do nosso dever de Deputados.
Com efeito, ouvi os números que V. Ex.ª trouxe no seu aviso prévio como sendo os de moradas construídas até 31 de Dezembro de 1955 ao abrigo da legislação de fomento das moradas mais acessíveis.
Anotei-os e comparei-os com outros correspondentes, e não certamente de piores fontes, referidos a 31 de Dezembro de 1951, de que me servira para o meu próprio aviso prévio de há três anos: e pus-lhes a par ainda outros números: os dos prédios que das mesmas boas fontes me foram indicados como estando em construção no ano de 1952.
Assim pude organizar o quadro que segue, o qual bem demonstra que a iniciativa do Estado em nada se mostrou afervorada pelas considerações aqui expendidas nem pelo voto emitido no fim desse outro debate pela Assembleia Nacional.
(Ver tabela na imagem)
E um profundo desgosto me toma ao comparar estes modestíssimos progressos, sobretudo no domínio das iniciativas do Estado, com o fervor de construções que se sabe ter ido, entretanto, por essa Europa fora, além de
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todas as proporções connosco, fossem de população, fossem de riqueza das nações, fossem de imperiosidade de reparação das devastações da guerra.
Bem haja, pois, Sr. Deputado, digo-lhe uma vez mais, por nos ter reconduzido ao assunto. Oxalá obtenha melhor sucesso, e aqui me tem a acompanhá-lo.
Não lhe ocultarei que o faço com uma devoção ao assunto só ela bastante para não me desviar de importunar a Assembleia com o que terão de ser repetições; para esta devoção eu poderia dar lho como origem certa frequência de trato directo de casos, quase todos tristes, relacionados com a habitação dos pobres, mas dizendo-lhe parte da verdade não lha diria toda.
A maior razão está em eu pertencer ao número daqueles que não gozam bem o conforto próprio sentindo perto a miséria alheia; não sei se isto é qualidade, se defeito (já lhe ouvi chamar forma de egoísmo), mas é assim; e como os factos mostram que tais ainda somos alguns, e que deste barro têm saído obras úteis, penso que se è defeito poderia ser pior. De qualquer modo, é o que sobretudo me fez vir aqui e me agasta por não ver estas coisas melhor e mais depressa resolvidas.
Que, hoje, um forte luzeiro de esperança me alegra e anima, e para o celebrar paro ainda um instante. Esse é o que nos vem da recentíssima notícia dos avultados créditos destinados à construção de casas económicas e de renda económica, capazes só por si, a repetirem-se durante uma dezena de anos, de assegurar boa parte do desafogo a que aspiramos.
Grande parte, e qualitativamente a melhor, mas não tudo, nem de longe - importa tê-lo sempre presente -, pois abaixo do seu nível se situa a maioria das necessidades.
Prossiga-se, porém, no caminho, sempre u largas passadas, que a amplitude e a regularidade dos programas de construção são poderosos factores de economia, e o aplauso terá de ser forte e geral.
Fiemo-nos na energia e dedicação do Sr. Ministro das Corporações e felicitemos o seu antecessor, agora outra vez nosso companheiro, pela armadura legal e os planos de execução que para tanto deixou preparados.
Sr. Deputado Almeida Garrett: não tome V. Ex.ª por menos apreço o facto de eu dizer agora daqui que nem todas as suas teses, nem todos os pormenores da sua argumentação, nem todos os seus ideais, me tom incondicionalmente a aplaudi-los. Creio que lhe prestaria pior serviço e menor homenagem calando as minhas discordâncias, que lhe ofereço para serem ponderadas e, havendo por onde, rebatidas, ou, no que prestem, aplicadas ao apuramento das conclusões de V. Ex.ª
Quero dizer, em primeiro lugar, que duvido sinceramente da possibilidade da construção de casas para famílias pobres aos preços que V. Ex.ª considerou. Começo por convencer-me de que o decréscimo dos custos não será na razão directa do do tamanho dos aglomerados populacionais, porque, se jogará realmente neste sentido a maior barateza dos terrenos, os custos propriamente das obras não ganham com o menor número de unidades, antes pelo contrário.
Eu poderia trazer aqui uma longa série de dados, de projectos, de orçamentos, de informações e dos resultados de concursos de empreitadas, que todos me levam a supor que a estimativa é por defeito numa boa meia dúzia de contos por unidade, se não mais. Limito-me a citar o exemplo mais interessante que conheço na construção de casas para famílias pobres: o de certo agrupamento já bem grande -120 casas- e construído sob a cuidadosíssima direcção de um dos mais zelosos administradores de dinheiros públicos, de um dos mais dedicados presidentes de município que se podem encontrar no nosso pais. Este exemplo é o do bairro de casas para famílias pobres da progressiva vila do Entroncamento, onde o preço
final da construção, terrenos e arruamentos incluídos, não veio a ficar senão muito pouco abaixo de 32 contos por casa.
O Sr. Almeida Garrett: - Perdão! V. Ex.ª devia era referir-se ao preço por metro quadrado.
O Orador: - Não posso citar a V. Ex.ª o preço por metro quadrado, mas apenas dizer-lhe que as áreas de construção, por obedecerem aos projectos-tipo oficiais, nem chegam a atingir aquelas que V. Ex.ª preconizou e que, portanto, devem ter sido as consideradas na sua estimativa. É outro factor a apoiar-me.
O Sr. Almeida Garrett:- Há uma diferença muito importante. O que interessa é o preço por metro quadrado, e não, como já acentuei, por casa. Dizer que uma casa custou 30 ou 50 contos não nos dá um elemento seguro, porque pode haver diferença de tamanho.
O Orador:- Estamos a desviar-nos, ao que parece, um pouco da questão. As casas são as do tipo oficial, repito. Não tenho a certeza das áreas edificadas, mas, se não estou muito enganado em números que há anos não verifico, devem ser de 45 m8 para as casas de dois quartos, 55 m para as de três quartos e 65 m* para as de quatro quartos, quando muito.
O Sr. Almeida Garrett: - E precisamente como V. Ex.ª diz.
O Orador:- No bairro do Entroncamento a grande maioria das casas, exactamente 90 nas 120, são do tipo de três quartos. Sou portanto forçado a concluir que as casas de tipo superior custarão mais caro.
O Sr. Almeida Garrett: - V. Ex.ª dá-me licença? Essas casas foram construídas por administração directa ou por empreitada?
O Orador:- Eis um ponto que não posso precisar, mas o que posso confiadamente dizer a V. Ex.ª, porque conheço bem o modo de trabalhar da edilidade daquele concelho e do seu exemplar presidente, é que terão sido construídas com o máximo de economia possível. E acrescentarei que ali cada casa tem 140 m2 a 150 ni! de quintal, e neste ainda uma barraca para arrecadação. A dúvida que ponho é de que em algum sítio ou de algum modo se pudessem ter construído mais baratas.
E perante exemplos como este que hesito em seguir V. Ex.ª no convencimento de que possam ser construídas, pêlos preços por V. Ex.ª admitidos, casas que ainda por cima, e muito bem, são preconizadas com quartos de dimensões superiores.
Mas o mais vivo, o mais forte, o mais sentido dos reparos que tenho a dirigir-lhe, Sr. Deputado Almeida Garrett, é contra a sua conclusão, depois de alinhar o quadro das rendas mínimas e chegar a 1155 para as pequenas povoações, de que os casos de quem não possa pagar rendas destas são do domínio da assistência. Sim, porque a maioria da população trabalhadora do nosso pais tem dificuldade em auferir salários que atinjam 20$, tem dificuldade em os ganhar durante todos os dia» do mês; posso pois afirmar que uma enorme proporção das famílias portuguesas não tem rendimentos mensais de ordem superior a 400;$ ou 500$, e para estas há também que resolver o problema da habitação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Considerar os seus como casos de assistência, ladeando precisamente o mais difícil do problema,
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será fugir às realidades, falsear as soluções e desmentirmo-nos a nós próprios. Temos de pensar em construir para rendas até 80$, pelo menos.
Discorda o Sr. Deputado Almeida Garrett de forte auxílio do Estado, embora reconheça que ele é praticamente universal.
Num estudo abrangendo quase toda a Europa e que não tem muitos anos, apenas uma excepção se encontrava-a da Suíça. Apenas ai víamos o Governo Federal a não prestar quase a sua protecção, mas só desde o ano de 1950 para cá, e os cantões e comunas a reduzi-la.
Nos demais países, os estados têm-se visto forçados a ajudar fortemente a construção destinada às classes economicamente mais débeis. A questão foi perfeitamente resumida pelo XIX Congresso Internacional de Habitação e Urbanismo, conforme disse em Coimbra, na II Conferência da União Nacional, o Sr. Eng.° Saraiva e Sousa, actual Subsecretário de Estado das Obras Públicas, técnico cuja distinção é atestada por uma fulgurante carreira oficial e quiçá o nosso primeiro especialista na matéria: uno estado actual da técnica da construção não se pode construir para as classes menos abastadas sem a ajuda de subsídios».
É, pergunto, donde hão-de vir os subsídios, entre nus e nas nossas condições, senão do Poder Central?
Como proceder de outro modo, com esperança de resultados?
O padrão teórico do alojamento mínimo elevou-se por toda a parte; e para equilibrar sem auxílios do Estado os encargos das construções melhoradas não se pode esperar que aumentem bastantemente as parcelas dos seus rendimentos que as classes menos abastadas podem afectar às despesas do alojamento.
A dádiva de 10 contos por cada casa construída ao abrigo do Decreto-Lei n.° 34 486 não representa senão o reconhecimento desta necessidade; e pareceu-me ter ouvido durante este debate o pedido de que se elevasse para 12 contos.
Consta-me, aliás, que durante os estudos do considerável plano de construção de casas para famílias pobres - alguns milhares de moradas em que a Câmara Municipal do Porto está generosamente empenhada se considerou como necessária à realização do plano precisamente a elevação do subsidio do Estado para a mesma cifra de 12 contos.
Por outro lado, na imprensa veio há meses a notícia de que para a construção de apenas 30 casas de rendas económicas fora necessário que o Grémio dos Industriais de Ourivesaria do Norte contribuísse com 1000 contos, para que o limite das rendas dessas casas ficasse na ordem dos 2005.
Melhor seria que toda a construção das casas baratas pudesse ser a iniciativa particular, mas continuo a crer que isto não ó possível sem fortes auxílios.
E quanto a ficar a propriedade delas para as câmaras municipais, ninguém as inveje, mas o que assim se pôde fazer em uma dezena escassa de anos é quase tanto em número como a obra propriamente do Estado no dobro do tempo.
Acerca da posse de casas pelas caixas de previdência, de que ouvi também discordar, pergunto se haverá emprego mais digno, mais nobre e mais belo para o dinheiro que provém do contributo dos operários do que arranjar para eles, para os seus camaradas, ou para os seus filhos, habitações decentes.
Também não me apoquenta o labéu de socialismo para o Estado pelo facto de elo se tornar possuidor, por motivo da sua construção, de tais casas, pois não me repugna que se adopte um método que possa ter a simpatia de socialistas se a estrutura política que o executa não for socialista, nem a sua intenção. E, por muito socialista que fosse a solução em teoria, não o seria na prática que apenas 50 O00 ou 60 000 casas ficassem a ser possuídas pelo Estado ou autarquias em 2,5 milhões delas.
Aliás, socialismo ó substituir-se o Estado à iniciativa privada, e nisto seria somente supri-la onde não aparece nem manifesta desejos de aparecer.
Não nos preocupemos com os rótulos mais do que com os conteúdos c sobretudo não tomemos o caminho, porventura cómodo, mas falso e até perigoso, de afastar soluções possíveis e, não construindo outras, só por medo a alcunhas, deixar ingentes problemas agravarem-se ainda mais.
Já expus desta tribuna, por mais de uma vez, a minha concepção do modo de actuar do Estado neste campo, que é o de se licitar o Estado os capitais particulares, em condições atraentes, sublinharei, associar-se-lhes por suplementos, não dados, mas reembolsáveis, e providenciar à sua melhor aplicação. Que haveria nisto de socialismo? Fosse este o mais marcado que pudéssemos notar...
Também procurei inteirar-me, junto de especialistas da aplicação de capitais, da probabilidade de levar o investimento particular a contentar-se com juros de 4 por cento e todos me desanimaram. Aliás, qualquer se pode certificar pela módica soma de £80, adquirindo um jornal e lendo os seus anúncios, de que não são juros destes os que o capital particular encontra a oferecerem-se-lhe todos os dias em aliciantes aplicações prediais.
E quanto a pensar-se em coacções, por muito que o fim as pudesse justificar, creio que nunca proporcionariam maneira de trazer à construção de casas baratas, como a qualquer outro fim, o capital particular.
Seria a forma mais segura de não o encontrar, quando se fosse por ele.
O Sr. Almeida Garrett: - Eu não disse que queria coagir o capital particular. Referi-me a prédios de renda alta, porque desses prédios já os há de mais. Se não me exprimi com suficiente clareza, que me desculpem, mas a ideia era esta.
O Orador:- Peço desculpa a V. Ex.ª se o entendi mal. Haveria um modo de coacção indirecta, haveria, cerceando os terrenos à construção de prédios de renda livre, mas disto parece que podemos ir desesperando e bem se sabe porquê.
Estas são as considerações que me vêm principalmente em diferença de V. Ex.ª e pela força das minhas próprias observações.
Mas há outros pontos que eu ainda quereria trazer à atenção da Assembleia.
Atrás disse que o problema da habitação deveria merecer também o bálsamo do nosso carinho, e carinho realmente - esse jeito de alma que leva à vontade de encontrar soluções e remover dificuldades - é que muito tem faltado aos problemas da nossa habitação popular. Os exemplos que acabámos do ouvir citar à nossa ilustre colega que me precedeu são disto bem demonstrativos.
Sem dúvida, a legislação não pode prever todas as dificuldades, nem talvez seja possível pôr todas as questões no quadro dos diplomas legais. Os exemplos que ouvimos e outros que referirei adiante mostram-nos, porém, que há muitas asperezas a limar no domínio dos problemas habitacionais.
Tenha-se em vista o que se está passando com & demolição de barracas construídas sem licença. Ela é imposta por amor dos regulamentos, mas não se tem ocultado que também como recurso para contrariar a vinda para Lisboa de toda essa gente que de qualquer modo não deixará de vir para cá, na esperança de encontrar o trabalho para si e o pão para seus filhos, que tanta vez não encontra nas suas próprias terras.
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Além disso, seria uma das formas encontradas para fomentar a construção privada. Mas essas demolições são feitas com falta de carinho. Não conheço de pessoas que vejam este problema melhor do que o padre Américo e os seus colaboradores, e por isso peço licença para ler dois trechos que me afligem, mas ilustram tão bem os sentimentos que quereria trazer a VV. Ex.ªs que não resisto a lê-los. Peço até a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que eles sejam integrados na acta desta sessão, porque se enquadram muito bem nas minhas ideias, são parte integrante delas.
Ouçamos o primeiro:
Passa de um ano que a área do Campo Grande ficou limpa de barracas, para que os atingidos não tivessem a ousadia de se refugiar em qualquer canto. Quem demoliu teve o cuidado de levar também os materiais desmontados. De entre as vitimas, um assalariado do Ministério da Justiça. Com uns tostões que obteve em subscrição entre colegas, comprou um oleado, que à noite coloca por cima das barras da cama, onde se acomoda com a família. É a sua casa.
E agora outro comentário:
Aqui há tempos passei por um bairro perto de Londres, para onde têm sido e estão sendo transferidos os «favelados de Lisboa. Não acredito que alguém aprove aquilo, a não ser os que o fizeram. De muitas famílias a quem perguntei, todos me diziam: cantes a barraca». São blocos de dez vivendas com materiais provisórios. Cada uma é uma sala de entrada, uma alcova sem janelas e não é mais nada. Se três, se cinco, se sete filhos, não importa, todos têm de caber. Não há esgotos e isto faz arrepiar! São muitos blocos idênticos em filas extensas, onde falta piedade.
Em cada uma das extremidades há duas retretes públicas, onde as mães vão despejar e das quais todos se servem. Não há ninguém que aprove.
Não vale a pena, porque já está tudo dito, reenaltecer as vantagens dos inter relações de vizinhança entre pobres e ricos. Ora estas - tem-se acentuado bastantemente - são quase sempre esquecidas nos planos de urbanização.
Eu sei que as casas para pobres não justificam os elevados custos dos terrenos, não consentem as largas avenidas, nem dão motivo às belas perspectivas que os urbanistas sempre gostam de traçar.
Mas a prática de as relegar para zonas periféricas, como que de desprezo ou abandono, ou a escassez de provisão particularmente notória nas cidades capitais, como se quisessem relegar os pobres, com todos os seus problemas de moradores, aos concelhos vizinhos, enquanto as cidades aproveitam dos frutos do seu trabalho, nunca será de mais reprovado.
E preciso tratar da questão das casas para famílias pobres também com amor e carinho.
Quero por último referir-me, ainda dentro deste tema, a um caso a que já ia atrás a aludir.
Certa família de amigos meus verificou que poderia dispensar uma porção de terreno, com cerca de 1,5 ha, que dispunha à beira da estrada nacional, em sítio adequado a construções, não muito longe do centro da freguesia dessa área. Dirigiu-se, por isso, ao presidente da junta de freguesia a dizer-lhe das suas intenções, isto é, que desejaria entregar à junta o seu terreno para que esta o dividisse como entendesse e o distribuísse pelas famílias mais necessitadas e merecedoras, a fim de procederem ali à construção de casas, que poderiam ter sido até uma vintena.
Pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados, verificou-se que seria preferível vender aquele terreno à junta de freguesia, do que doá-lo, pois a sisa pela venda seria menos de metade de que o imposto pela transmissão gratuita. Não valeria a pena para casos deste género mais uma isenção fiscal?
Creio igualmente que alguma vez se reconhecerá também útil proceder a revisão de certos aspectos da legislação sobre o inquilinato, já que a restrição da liberdade dos contratos de arrendamento começa a aparecer a muitos espíritos como contraproducente.
Não esqueço por um só instante a extrema complexidade da questão, pois ainda ontem, nesta mesma sala, alguém me fazia ver como o simples facto das demoras e encargos, desde os de processo aos de honorários de advogados, nos eventuais e inevitáveis casos de despejo, constitui obstáculo a demover os particulares de construírem casas de rendas baratas, pois um só caso destes bastaria para consumir meses ou anos de renda.
Direi, pois, que, em matéria necessitada de considerar todas as possibilidades de achegas, ainda as mais ligeiras, para integrar o grande esforço necessário, pormenores destes não desmerecera de alguma atenção.
Sei que poderia tornar-se desumana, em certos casos, uma forma sumária de despejo (já que a insinuei como exemplo), mas há que pesar a questão, com todas as suas vantagens e com todo» os seus inconvenientes.
Se se vai fazer um grande esforço na construção de casas para operários, creio que os capitais nelas empregados deveriam ser defendidos contra a quebra e desvalorização da moeda, fenómenos que tendem a repetir-se e que estão para além da vontade dos homens, mas não devem ficar fora das suas previsões.
Não me parece que fosse descabida prudência começar a admitir e a impor que os moradores das casas económicas e de rendas económicas construídas com capitais que se devem considerar quase sagrados ficassem adstritos a escalas de rendas móveis com os índices de custos de vida ou os índices gerais do solários e vencimentos.
Os Srs. Deputados Galiano Tavares e D. Margarida Craveiro Lopes dos Reis referiram-se à necessidade de coordenar os estudos e soluções de todos os problemas de habitação barata num único departamento; e eu próprio já ouvi dizer que esta ideia não era ingrata ao espirito do genial Duarte Pacheco, o que sumamente me abona.
Há presentemente quatro serviços do Estado, em dois Ministérios, a tratarem questões que se relacionam ou interpenetram, porventura com duplicações de despesas; e, quando problemas, como o das casas económicas, têm de ser tratados por dois em conjunto, há-de haver, por melhor que se entendam pelo menos a perda de muito tempo.
Existem técnicos competentíssimos em todos esses departamentos e há estudos valiosos, os quais não ficariam decerto inutilizados se todos passassem a trabalhar sob um comando único e sob orientação preparada para considerar em cada problema todas as modalidades de solução e escolher ou conjugar as melhores.
Quero fazer um reparo: nesse comando único deve existir como preocupação fundamental evitar a todo o custo o exclusivo anseio do óptimo, fugir à paixão do só novo, nada sacrificar à fachada.
Não ouvi que ninguém se referisse ainda à vantagem de procurar a participação das grandes empresas no alojamento dos seus empregados.
Sinto-me bastante à vontade para falar neste ponto e preconizar que as empresas comerciais ou industriais, cujas disponibilidades lho permitam, sejam convidadas a uma tal colaboração, quer na realização directa, quer indirectamente, por contribuições para os organismos construtores.
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Creio que em Espanha se tom encarado a, possibilidade de encaminhar para ti aplicação em imóveis de habitação económica parte dos fundos de reserva, e não vejo que a ideia não seja digna do ser considerada também entre nós.
Para acabar, tocarei um aspecto que ainda não vi focado por ninguém. A preocupação constante do Governo, da Assembleia Nacional e de todos os que se debruçam sobro a vida social e económica da Nação é a da elevação do nível de vida do povo português; c para este, num largo sector, contribuirá poderosa, directa e rapidamente uma baixa substancial das rendas das casas.
Ainda há pouco o Sr. Ministro da Presidência nos fez observar que o salário real não se mede apenas pelo pagamento directo em numerário, mas ainda pela soma de todas as vantagens que sejam facultadas ao trabalhador, entre as quais não se esqueceu de mencionar a habitação barata. Eis uma forte voz, e de alto vinda, a chamar-nos à questão.
A redução das rondas, devida à construção de uma massa suficiente de novas casas e ao seu reflexo sobre os preços das já existentes, pode facilmente cifrar-se na média de algumas centenas de escudos, que cada família modesta poderá distrair para outros gastos, com substancial melhoria do seu nível de vida.
Sr. Presidente: vou terminar.
Tenho estado dominado todo este tempo por uma preocupação: a de não ser igual ao assunto. Já confessei com franqueza ter-me apaixonado por ele, mas sinto que para dizer toda a minha paixão, quanto mais para a comunicar, me não chegou a língua nem a argumentação.
Vozes: - Não apoiado!
O Orador:- Resta-me fazer votos por que as palavras mais avisadas dos que me precederam e dos que me seguirem encontrem eco no Governo para o empreendimento de novas realizações o dêem ao País a convicção de que, se o que se fez até aqui já é alguma coisa e o que se está para fazer imediatamente é muito mais, o que ainda faltará fazer para nos podermos dar por remediados não é menos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. João Porto: - Sr. Presidente: é digno de todo o louvor e da gratidão cie todos os pobres de Portugal que não têm lar próprio o nosso ilustre colega nesta Assembleia Sr. Prof. Almeida Garrett em efectivar o seu aviso prévio sobre o problema da habitação. Na verdade um dos actos mais fecundos da desproletarização é a aquisição de uma casa e respectivo quintal ou jardim.
É digno de todo o louvor o Governo da Nação, que tanto se esforça por que cada família, por mais pobre que seja, tenha a sua casa. Ainda há dias os jornais anunciaram que pelo Ministério das Corporações vão ser aplicados 100 000 contos na construção de casas económicas.
Esforce-se a sociedade por que todo o operário se faça proprietário da sua casa e que esta seja suficiente nas dimensões e aprazível no aspecto, situação e disposição interior, pois isso contribuirá, e poderosamente, para o florescimento de costumes e de sentimentos cristãos no seio da família.
Já no ano passado aqui abordámos a questão da habitação entre os operários, problema pungente quo está na origem de muitos males e para cuja debelação os poderes constituídos, como fica dito, gastam uma grande parte dos dinheiros da Nação. Segundo os últimos cálculos, deverá haver em Portugal cerca de 200 famílias sem lar próprio. Como proceder à sua construção?
Várias soluções são possíveis, mas entre estas havemos de dar preferência, sempre que isso seja viável, àquela que transforme todos os carecidos de casa em proprietários da sua habitação. Bem sei que nem sempre esta solução será exequível, mormente naqueles casos em que, por virtude de completa indigência económica, da idade avançada ou da falta de saúde, não podemos exigir dinheiro ou trabalho aos indivíduos sem abrigo. Neste caso tem plena justificação a intervenção da caridade cristã, da qual surgiu a magnífica obra do Património dos Pobres, pensada, criada e executada por essa extraordinária figura de sacerdote que é o padre Américo.
Voltando porém ao caso dos trabalhadores por conta de outrem ou pequenos trabalhadores autónomos, poderemos indicar três soluções possíveis para o problema da habitação:
1.º Construção totalmente a cargo e por iniciativa dos patrões ou empresários, ou ainda de colaboração entre estes e o Estado;
2.º Construção totalmente a cargo do Estado; 53.º Construção pelos próprios trabalhadores, com auxílio dos patrões e do Estado.
Destas três soluções apontadas a última é indiscutivelmente a melhor. Demos ao homem o direito e a responsabilidade das iniciativas que hão-de criar o meio material e espiritual em que há-de viver ele e os seus. Evitemos que se radique o conceito do Estado-Providência, que tudo pensa, tudo faz e tudo dá. Finalmente, neguemos o conceito estritamente paternalista do empresário que dá ou retira, a seu bel-prazer, as condições materiais indispensáveis à vida dos seus mais directos colaboradores.
Perguntar-se-á: mas é possível, dado o estado actual da organização e remuneração das classes trabalhadoras, conseguir que elas próprias construam as habitações de que precisam?
Eu creio que sim e alguns exemplos há já em Portugal, embora debatendo-se com verdadeiras dificuldades. Mas os exemplos já existentes demonstram as suas possibilidades. Aponto o caso do bairro da L. O. C. que se está fazendo em Aldoar, Porto.
O grupo dos locistas dos Transportes Colectivos do Porto pensou um dia numa realização que chamasse os companheiros a mais do que meras práticas de moral e de religião e lembrou-se de que, estando muitos deles mal alojados e pagando rendas caras, fizessem eles próprios as casas, casas que viriam a ser propriedade sua. Resolveriam assim um dos seus mais candentes problemas e teriam a oportunidade de ocupar utilmente e no fraterno convívio do trabalho o tempo de folga.
Pensaram, expuseram a ideia ao Exmo. Engenheiro Mamede Fialho, da U. E. P., que os convidou a procurar para esse efeito o Exmo. Engenheiro Antão de Almeida Garrett, um dos homens que mais e melhor têm estudado entre nós o problema das casas para gente modesta.
Foi-lhes recomendado que examinassem as casas feitas como demonstração para a Câmara do Porto, e caso lhes servissem, ser-lhes-iam emprestados os moldes para elas expressamente feitos, facilitando-se assim a construção para trabalhadores, bastando a direcção de um encarregado que os dirigisse na construção de paredes e pavimentos. Tudo agradou. Era preciso conseguir terreno e todas as autorizações necessárias. Quotizaram-se para a aquisição do terreno e organizaram-se em sociedade cooperativa, para cuja autorização foi auxiliar valiosíssimo o Sr. Engenheiro Mamede Fialho.
Junto da Câmara do Porto foi o Sr. Engenheiro Antão de Almeida Garrett que se dignou tomagr a responsabilidade do empreendimento dentro do arranjo urbanístico
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que recebesse aprovação. Formou-se a cooperativa, comprou-se o terreno, fez-se o arranjo urbanístico, iniciou-se a construção em Maio de 1954 e nesta data está feito o quase milagre de residirem em suas casas quarenta e oito famílias.
Outras se seguirão até se completar o bairro, que é de 108 casas, casas que constam de rés-do-chão e um andar. Tem cada uma trás quartos, uma sala, cozinha, dispensa e retrete-chnveiro. São dispostas em grupos de quatro ou de seis, cada uma delas com jardim à frente e quintal atrás. Devem ficar por 25.000$.
À construção de alicerces, paredes, pavimentos e cobertura é feita por eles próprios, agrupados em turnos e dirigidos pelo encarregado pedreiro.
A mão-de-obra de cada associado é escriturada e valorizada em 5$ à hora, pois nem todos dão o mesmo número de horas. As casas são tiradas à sorte e cada uma passa a ser habitada e a render para a cooperativa 1505 mensais até completa liquidação.
Mas a obra não se fez sem dificuldades e sem o prestimoso auxilio de pessoas amigas e de elevado prestigio social.
Embora todos contribuam mensalmente com dinheiro e mão-de-obra, o dinheiro de que dispunham há muito que estava esgotado por tão grande empreendimento. Ainda o Sr. Engenheiro Fialho, coadjuvado por mais trás homens bons, tem dado ajudas que já vão em 450.000$. O que está feito vale mais de 1:000.000$ e 200.0000$ mais devem bastar para concluir o bairro.
A dívida contraída será saldada pela renda das casas após a conclusão do bairro, que se pensa vir a ser em 1957. Serão perto de 200.000$ por ano para a amortização de cerca de 700.000$, por isso, no prazo máximo de quatro anos.
É muito louvável tudo isto, mas é justo dizer-se que os locistas dos Transportes Colectivos do Porto nada teriam conseguido se não tivessem encontrado quem lhes resolvesse muitas dificuldades e se não tivessem reunido tantas circunstâncias favoráveis, tais como:
Projecto, moldes e processo de construção apropriado a dispensar mão-de-obra especializada, sem nada despender;
Agremiação social e sociedade cooperativa dos interessados facilitada por serem homens do mesmo serviço e ligados pelo ideal católico e locista;
Terem um chefe cheio de prestigio, o Sr. Guimarães, que os conserva unidos nas resoluções a tomar e na disciplina do trabalho, razões que facilitaram a tarefa do Sr. Engenheiro Mamede Fialho junto do Governo para se conseguir autorização;
Alguém que junto da Câmara tomou a responsabilidade do empreendimento, pois não teriam crédito suficiente, tão fracos eram os recursos financeiros para um bairro de tão avultado número de casas;
A obtenção de numerário que lhes permitiu, depois de esgotado o dinheiro próprio, a continuação da aquisição dos materiais e o pagamento das tarefas - sem o que teriam de parar e talvez nunca mais se conseguisse acabar o bairro -, pois arrefeceria o entusiasmo e a confiança indispensáveis ao bom rendimento do trabalho;
O facto de se tratar de pessoal com folga num dia de semana e que assim pode formar grupos dos mesmos homens e do mesmo género de trabalho.
Tudo isto permite a autoconstrução de muitos elementos da construção de casas e que elas fiquem por cerca de metade do custo corrente.
Ora, julga-se necessário a criação de legislação que transforme em moeda corrente este conjunto de circunstâncias favoráveis e sem as iguais não se teria obtido êxito.
Também em Coimbra, no seio da U. C. I. D. T. (União Católica dos Industriais e Dirigentes de Trabalho), sob a notável iniciativa do Sr. Engenheiro Horácio de Moura, com a cooperação de alguns dedicados amigos, entre os quais dos mais activos e prestimosos se conta o nosso ilustre colega nesta Assembleia Sr. Dr. Sousa Machado, se pôs em marcha este movimento.
Foi a doutrina do primoroso livro do Sr. Engenheiro Horácio de Moura um Estudo Social que estimulou por todo o País a realização de um sistema de autoconstrução. Baseia-se no aproveitamento das horas livres dos trabalhadores e na obrigação de ajuda mútua que entre eles deve existir.
Também em Coimbra o movimento adoptou a fórmula cooperativa, «Ia qual são associados beneficiários os trabalhadores por conta de outrem que obedeçam a certos requisitos pessoais e familiares. Os patrões e dirigentes do trabalho são associados cooperadores. Os primeiros dão ao movimento o trabalho prestado nas suas horas livres; os segundos, além da orientação, conselho e amparo, fornecem os fundos necessários à aquisição dos terrenos e materiais.
Nesta cooperativa, modelo perfeito de entendimento e realização dos principias expressos nas encíclicas sociais da Igreja, a responsabilidade do movimento cabe por igual a empresários e aos seus trabalhadores, já que uns e outros põem em comum não só os seus bens e trabalho, mas ainda tomam assento em plano do perfeita igualdade nos vários órgãos de administração.
Embora ainda na fase experimental, foram instalados alguns estaleiros, modestos nas suas dimensões, em Coimbra, no Alto de Fala, na Conchada, na freguesia do Tovim, etc.
Novos estaleiros estão a organizar-se, outros já organizados, em Aguiar da Beira, Figueira da Foz, etc.
A cooperativa, que recebe o nome de M. O. N. A. C. (Movimento Nacional de Autoconstrução), possui já os seus estatutos aprovados pelo Ministério das Finanças, os quais definem e regulam uma cooperação que não é apenas económica, mas ainda social. Os operários entram com mão-de-obra e os sócios cooperadores tomam à sua responsabilidade o dinheiro necessário para se poderem adquirir os materiais.
Este capital será amortizado em vinte anos pelos operários que com eles construíram as suas próprias casas, ficando a partir dessa data seus legítimos proprietários.
O movimento é ainda relativamente modesto em Coimbra, pois os valores mal sobem a duas centenas de contos e não vai além de uma dezena o número de casas já concluídas.
Precisa, pois, a M. O. N. A. C. de mais avultados capitais, tendo para tal necessidade de seguir vários caminhos, um dos quais é o do apelo ao espírito cristão de quem possui um lar e possibilidade de auxílio para quem o não tem. Aqueles são convidados a contribuir com uma determinada quota mensal.
Outro caminho consiste em apelar para os Poderes Públicos, solicitando-lhes a colaboração e as facilidades de um empréstimo. A construção das casas para pobres dentro do programa delineado pela M. O. N. A. C. tomaria um incremento notável se o Governo lhe facilitasse empréstimos a longo prazo pelos seus organismos de crédito. Tais empréstimos estariam perfeitamente garantidos pelo seu património actual e futuro. Poderiam ser concedidos em conta corrente e o dinheiro só se iria levantando após verificação da obra feita e do valor que lhe correspondesse.
Assim, haveria a máxima segurança para o órgão emprestador, se desejar seria também que, por cada casa feita e aprovada pelos seus serviços, fosse concedida
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à cooperativa um pequeno prémio de construção, identicamente ao que já hoje é feito pura o Património dos Pobres.
Como já tive ocasião de referir na comunicação que fiz nesta Assembleia no ano passado, de desejar seria que as instâncias superiores concedessem à M. O. N. A. C. a orientação técnica, pois está aí um campo que só o Estado pode fazer progredir e frutificar.
A construção e reparação de habitações exigem estudos criteriosos e planos devidamente estruturados, que nem o Movimento nem os autoconstrutores estão em condições de preparar. Já o Sr. Engenheiro José Frederico Ulrich, quando sobraçou a pasta das Obras Públicas, autorizou que as direcções de urbanização elaborassem gratuitamente os planos necessários no início da auto-construção.
Mas o desenvolvimento crescente da organização e o trabalho assoberbante que existe em todas as direcções de urbanização tornam neste momento impossível a atribuição de tais tarefas a título exclusivo.
Sugere-se, pois, que o Governo estabeleça, em dependência do Ministério das Obras Públicas e pago por este - talvez através do Fundo de Desemprego -, um gabinete técnico, pelo qual o Estado oriente e fiscalize a construção de habitações para as classes economicamente débeis.
Quer dizer: nesta magnífica empresa de edificar casas de habitação para trabalhadores deve deixar-se aos particulares o encargo da organização, o fornecimento da mão-de-obra e a realização dos meios financeiros que sejam indispensáveis.
Ao Estado caberá unicamente a orientação e vigilância técnicas e o papel de estimulador de interesses mediante uma equilibrada política de prémios do construção que me parece urgente estabelecer.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Henrique Tenreiro: - Sr. Presidente: ouvi com o mais vivo interesse o aviso prévio do ilustre Deputado Almeida Garrett sobre a protecção à família.
Não vou fazer um discurso, mas apenas um pequeno depoimento. Ao iniciar não posso deixar de louvar as intenções do notável orador, a forma brilhante como fez a sua exposição e o contributo sério e documentado que trouxe para a resolução dum problema que todos reconhecemos ser do capital importância.
O futuro da Pátria depende, de facto, da solidez da instituição familiar e a esta encontra-se estreitamente ligada a questão da habitação, ou melhor, a do lar.
Causa-nos satisfação saber que o tema é alvo das melhores atenções do Governo e a comprová-lo está o diploma sobre habitações económicas da autoria do ilustre Ministro das Corporações e Previdência Social que o Diário do Governo de 12 do corrente publicou.
Todos os factores de ordem económica e social têm de ser analisados com o frio reconhecimento das realidades humanas, pois o assunto é de uma grande complexidade, sobretudo quando o encaramos em relação àqueles que têm um nível de vida mais baixo.
Não me vou referir à habitação de uma forma geral, pois já foi tratada, e muito bem, no aviso prévio, mas sim, e especialmente aquela que diz respeito aos pescadores, por entender que o problema para estes é diferente, merecendo por isso um estudo à parte.
Julgo que a melhor forma de dar a VV. Ex.ªs uma ideia precisa sobre a situação é referir, ainda que muito sumariamente, o que se tem feito e o que é preciso ainda realizar.
Há actualmente mais de 57 000 pescadores inscritos nos centros marítimos, que se espalham quase ao longo de todo o nosso litoral.
Em relação a outros países banhados pelo mar e às respectivas populações, esse número é extraordinariamente elevado, o que se explica pelos factos, geralmente verificados, de a família do pescador não emigrar, de ter prole numerosa e de os filhos desejarem seguir a carreira dos pais.
Pode-se afirmar, sem receio de desmentido, que até à Revolução Nacional os pescadores estiveram completa mente abandonados, visto que nada de orgânico se fez para resolver as suas dificuldades.
De então para cá alguma coisa o Estado Novo tem feito neste sector, ao qual procurou dar a imprescindível estrutura da grande obra a realizar.
Nas pescas organizadas - bacalhau e arrasto - temos cerca de 7000 homens com condições de trabalho asseguradas e um nível de vida estável e razoável.
Na sardinha trabalham à volta de 20 000 homens, os quais, embora não vivam nas condições dos pescadores de bacalhau e do arrasto, se encontram numa situação de certo modo equilibrada.
São, pois, aproximadamente metade dos pescadores inscritos que se empregam nas pescas industrializadas; os restantes dedicam-se às pescas locais, em que as incertezas do tempo, a insuficiência dos portos e dos abrigos e as dificuldades de acesso e de segurança, quando o mar é hostil, lhes tornam a actividade precária e os ganhos correspondentemente insuficientes e incertos.
Quanto a estes pescadores deve-se sublinhar que os precários métodos de pesca utilizados lhes reduzem a produtividade, pelo que a Junta Central das Casas dos Pescadores, com a eficaz ajuda do Fundo de Renovação e de Apetrechamento da Indústria da Pesca, lhes tem emprestado sem juros importâncias destinadas à construção de novas unidades, sua motorização e aquisição de equipamento.
A finalidade destes financiamentos é melhorar, como é óbvio, o nível do vida dos pescadores, dando-lhes assim possibilidade de serem os proprietários dos meios de produção, e não simples assalariados.
Neste sentido muito se tem já feito e continuará a realizar-se no seguimento de programas traçados, mas os frutos resultantes da melhoria da situação económica destes homens só mais tarde se poderão vir a colher.
Descrita assim, esquematicamente, a situação económica dos pescadores portugueses deve também dizer-se que não é só esta que contribui para as dificuldades da sua vida e para o seu baixo nível habitacional.
A mentalidade dos marítimos, talvez consequência dos riscos da profissão e da própria irregularidade dos ganhos, torna-os avessos a economizar nos tempos melhores para guardar alguma coisa para as épocas de crise.
Lá diz o ditado: «O mar o traz. o mar o leva».
Como é sabido, a grande maioria dos pescadores não se encontra nas cidades, com excepção dos da pesca de arrasto do alto, em Lisboa, e estes, pelas suas condições de trabalho, e»tão em melhor situação para resolver o problema da sua habitação.
Não vou descrever as tristes circunstâncias em que vive a esmagadora maioria dos pescadores, pois VV. Ex.ªs conhecem-nas, estou certo, tão bem como eu.
Arranjar um lar para essas famílias constitui uma imperiosa necessidade, para cuja satisfação se devem conjugar todos os esforços.
Se por um lado não se levantam graves problemas de urbanização, em que haja que apreciar as vantagens e inconvenientes da concentração ou da disper-
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são, pois é geralmente possível, dado o valor relativamente baixo dos terrenos nas zonas piscatórias, caminhar no sentido da moradia individual, com todas as vantagem» que oferece, por outro lado surgem importantes dificuldades sob o aspecto económico.
Na província os pescadores estão habituados a pagar rendas inferiores a 100$ e os seus ganhos dificilmente permitirão que ultrapassem esta quantia.
A verdade é que os pescadores, designadamente aqueles que mais necessitam de um lar, não podem pagar uma renda suficiente para a amortização das construções, a não ser que estas recebam uma forte ajuda do Estado, de forma a reduzir o seu custo, para o que poderia também concorrer a faculdade de se poder não obedecer às determinações legais existentes sobre a capacidade mínima dos compartimentos.
Têm necessariamente as habitações destinadas aos pescadores de ser modestas, o que não quer dizer que não sejam higiénicas e suficientes, e nesta ordem de ideias já se ergueram 1664 casas em toda a costa do continente português e nos Açores.
Estão em construção neste momento mais 150; encontram-se projectadas cerca de 450.
Iniciada esta obra em 1951, pela Junta Central das «Casas dos Pescadores, verifica-se que a média de construção atingiu as casas por ano.
Para o efeito despenderam-se mais de 47 000 contos, dos quais aproximadamente 18 500 emanados de comparticipações e 29 000 de conta da Junta Central, que, por empréstimos, conseguiu obter este avultado valor.
É escusado encarecer a obra realizada, mas vale a pena sublinhar a sua insuficiência.
No entanto, por carência de meios financeiros, a Junta Central não pode acelerar estes trabalhos, a não ser que o Estado lhes preste uma forte e regular ajuda.
É indispensável, todavia, que os trabalhadores do mar - e todos - tenham uma casa, que seja ao mesmo tempo um lar, e que os tugúrios em que a maior parte ainda, vive sejam definitivamente arrasados.
Julgamos que a solução adoptada - a dos bairros dos pescadores - é a melhor, não se lhe podendo apontar os inconvenientes que os bairros destinados aos operários têm suscitado.
Efectivamente, os pescadores têm tendência acentuada para se aglomerar e viver em conjunto, orientados por um espírito de unidade e camaradagem maior do que existe entre os outros trabalhadores.
Talvez as próprias condições de trabalho, que os associa aos resultados da pesca, contribuam para esta maneira de ser.
Seja, porém, como for, a verdade é que os pescadores preferem viver em conjunto, desde que os locais escolhidos sejam próximos daqueles onde exercem a sua actividade.
Reconhecer o que se tem feito é um «mero acto de justiça, mas mais importante é formular o voto veemente para que mais se faça, estimulando-se quantas iniciativas surjam em moldes novos, sem esquecer a experiência adquirida, antes colhendo dela os ensinamentos que sirvam para prosseguir, cada vez com mais energia e desafogo, no trabalho iniciado.
É com confiança que encerro as minhas considerações, confiança nos destinos da Pátria e no homem providencial que tornou possível a política de paz e realizações, da qual têm direito a beneficiar e com certeza virão a beneficiar todos os portugueses.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sousa Machado: - Sr. Presidente: ao usar da palavra pela primeira vez neste período da VI Legislatura não quero deixar de renovar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, os meus sentimentos de muita e respeitosa admiração.
O problema posto pelo nosso muito ilustre colega Prof. Almeida Garrett no seu aviso prévio mantém, apesar do enorme esforço despendido pela Administração nestes últimos lustros, uma acuidade que domina e prende a atenção de todos os homens que vivem e sentem os problemas que mais de perto tocam o nosso meio social.
Está neste caso o problema da habitação das classes de mais modestos recursos. E a prova de que assim acontece reside na forma como ele tem sido abordado nesta Assembleia, onde os seus mais brilhantes componentes o têm tratado em largueza e profundidade, analisando-o magistralmente sob os seus mais diversos aspectos.
O próprio autor do aviso prévio tem dado ao estudo deste magno problema o concurso do seu profundo saber e o relevo da sua alta projecção intelectual.
Atrevimento é, pois, que eu venha também tentar dar o meu modesto concurso a obra de tal vulto, especialmente depois de para ela terem contribuído os maiores valores desta Assembleia, a quem neste momento não quero deixar de apresentar as minhas homenagens.
Mas, tratando-se de matéria de tanto interesse e de tão flagrante oportunidade, estou certo de que todos não somos de mais para levantar um edifício de tão grande magnitude: dotar o maior número de portugueses de uma habitação, modesta embora, mas onde este sol radioso de Portugal entre para afastar tantos males que nos confrangem.
Eis porque me afoito a tomar um pouco do precioso tempo de V. Ex.ª, e mesmo assim cingindo-me apenas a focar este problema confinando-o no meio rural.
Todos devem conhecer o meio duro em que decorre a vida do trabalhador agrícola. E no quadro pouco risonho da sua vida áspera ressalta, a cores sombrias, o ambiente dos tristes tugúrios onde habita, em comunhão com os animais domésticos que o aliviam no trabalho quotidiano, compartilhando, fora dele, as mesmas agruras da habitação comum.
Portugal é, e será por muito tempo ainda, um país, essencialmente agrícola, onde algumas centenas de milhares de trabalhadores mourejam de sol a sol pelos seus campos.
Talvez o seu viver sereno e a sua resignação cristã sejam responsáveis pelo esquecimento a que, desde sempre, tem sido votada a sua sorte.
No entanto, e como disse o nosso grande e santo Papa Pio XII, é entre as famílias rurais que ainda v encontram: «a simplicidade da vida; a pureza dos costumes: o amor à pátria; a fidelidade às tradições; a presteza na ajuda mútua, e, em suma, o verdadeiro espírito cristão.
Sr. Presidente: em 1942 os ilustres professora Lima Bastos e Henrique de Barros procederam a um inquérito à habitação rural.
Embora circunscrito a algumas regiões e a algum rasos, não só revelou uma carência confrangedora da habitação, como pôde fazer suspeitar de fortes deficiências alimentares, provocadas pelos deficientíssimos rendimentos auferidos pelas famílias.
É, deste modo, presumível que 40 por cento da nossa população total - ou seja o equivalente a 80 por cento a nossa população rural - viva em tugúrios e, além disso, suportando forte carência alimentar. Metade da
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restante população, se bem que não em tão más, não viverá em muito melhores condições.
Note-se, porém, que o afluxo constante às cidades de parte fugida dos campos (especialmente para Lisboa e Porto) é o que vem a provocar mais uma tragédia na nossa vida social: a extrema carestia relativa das rendas das pequenas casas nas cidades e a consequente falta de habitação, facto que coloca muita gente em perigo de viver nos meios urbanos à margem da civilização, tal como sucede nos campos.
Este penoso quadro indica-nos um primeiro caminho a seguir na resolução dos graves problemas citadinos: procurar suster o chamado êxodo rural para as cidades ou mantê-lo nos limites em que não provoque situações deploráveis.
Resolver, portanto, os problemas da habitação e da alimentação e de outros com eles relacionados nos meios rurais evitaria o aparecimento de muitos e graves problemas de urbanismo.
Se apertarmos um pouco os limites do nosso exame, restringindo-o à habitação, veremos que a solução está, em grande parte, dependente de um factor de importância não pequena: a economia da construção das habitações modestas.
Como as pequenas tendas se tornaram, em dado momento (guerra de 1914-1918), demasiado pesadas - consequência do aumento do custo da construção e do maior afluxo de gente às cidades - para os modestos proventos doe habitantes que não acompanharam essa alui, senão de longe, começaram a rarear as casas modestas, agravando assim um problema já com profundas raízes.
Foi então que o Estado e as câmaras municipais se obrigaram a intervir, tornando-se construtores em série, com dispensa de parte do capital aplicado à sua edificação, mercê de subsídios que, em certos casos, ascendem a 40 por cento.
Daí resultou que o capital particular, já bastante afugentado dessa construção, pela razão referida, confirmada, aliás, por factores bem conhecidos (leis do inquilinato), ficou de todo inibido de se abalançar a concorrer com o Estado e com as câmaras no que só refere à construção de habitações modestas.
É de esperar, pois, que as coisas se encaminhem no sentido de o Estado e de as câmaras serem erigidos em únicos construtores possíveis dessas habitações, pela homologação tácita de uma intervenção que por fim, se tornará total.
Mas a gente foge dos campos porque lá os rendimentos suo escassíssimos, a alimentação é fraca, a cultura rudimentar ou nula, as diversões inexistentes e a habitação deficiente ou péssima.
O Estado e as câmaras, porém, construtores nas cidades e vilas como lhes tem sido possível, mantêm, no entanto, quase no esquecimento as construções no campo.
E aí tivessem sido mais empreendedores evitariam sê-lo, em tão grande medida e obrigatoriamente, nos meios urbanos e suburbanos.
É verdade que este meio não seria o suficiente para evitar a fuga dos campos, mas proporcionaria para isso forte contributo.
Entretanto, a crise da habitação nos meios rurais é francamente confrangedora. A população, carecida de casas, vai-se acomodando como pode, dividindo e subdividindo as pobre» habitações existentes, resignando-se a viver em autênticos pardieiros, desprovidos das mais rudimentares condições de higiene e conforto, enquanto não consegue emigrar.
As coisas passam-se mais ou menos assim:
Uma renda de casa normal, para uma família de trabalhadores, não pode ser geralmente superior a 40$ ou 50$ mensais, ou sejam 480$ a 500? por ano, que representam 7.000$ a 8.000$ de capital. É evidente que por este preço não pode construir-se uma casa.
Consequentemente, os trabalhadores rurais a que me retiro continuaram a habitar em genuínos pardieiros, e em condições de espécie alguma.
Sendo, como se disse e, aliás, de todos bem conhecido, deprimente o estado da habitação rural, têm o Estado e as câmaras, em louvável e meritório sentido humano, procurado fazer o possível para resolver o problema, surgindo um ou outro bairro aqui e além.
Em geral a iniciativa tem sido municipal.
Estas casas de bairros para classes modestas orçam por uns 25.000$ ou 30.000$, dos quais o Estado comparticipa com 40 por cento, n que corresponde a eliminar do custo uns 10.000$ a 12.000$.
Restam, pois, 15.000$ a 20.000$ por casa, o que, a 7 por cento de encargos nos primeiros vinte anos (juros e amortização), situam a renda em mais do dobro do que uma família de trabalhadores rurais pode pagar em face dos rendimentos que hoje aufere.
Estas considerações fornecem-nos a explicação para dois fenómenos:
1.° Poucos bairros deste tipo têm sido construídos;
2.º E os construídos quase exclusivamente são utilizados por pequenos funcionários do Estado, dos municípios ou da organização corporativa, o que quer dizer que, de um modo geral, não são habitados por aqueles a quem se destinavam.
Como se vê a situação é grave e pede uma intervenção que, transcendendo o problema da habitação, atinja a própria economia rural nos seus fundamentos.
Há, como aqui se tem frequentemente notado, uma distorsão do rendimento nacional que situa os rurais em grande inferioridade.
Como se quer, porém, que o problema da habitação seja tratado independentemente dos restantes, pode recorrer-se ao exame de soluções estranhas, a ver se alguma sugestão pode ser aceitável para sairmos deste beco que parece sem saída.
Reporto-me ao trabalho que atrás citei.
O problema em Inglaterra. - Parece ter sido este o país cuja intervenção do Estado foi mais extensa e profunda. Já em 1942 os quantitativos gastos e os compromissos tomados por ele somavam 500 milhões de libras. O Housing Act, de 1938 (Inglaterra e País de Gales), tinha, porém, já resolvido o seguinte problema, de certa dificuldade, como, aliás, o nosso.
A população agrícola não podia então pagar rendas que excedessem, por família. 4 a 6 xelins por semana. As autoridades municipais não podiam, todavia, construí-las para uma renda inferior a 8 xelins e 5 dinheiros, livres de impostos. Por sua vez, os construtores particulares haviam de cobrar 11 a 12 xelins, de modo a não perderem dinheiro.
O Housing Act estabeleceu a seguir unia subvenção de 4 xelins por semana e por casa construída pelos municípios, quando destinada aos rurais. A subvenção completava-se, para atingir a renda necessária, com mais 1 xelim do District Council e 1 xelim do Country Council por semana durante o período de quarenta anos.
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Hoje o problema deve ter-se modificado muito, pois o desnivelamento económico entre os outros sectores e o agrícola deixou de existir em Inglaterra.
Cidade de Viena. - "A municipalidade parece ter resolvido o problema de dispor de capitais sem encargos de amortização ...""... à custa de um imposto sobre as rendas já existentes".
O rendimento do imposto aumentava com o próprio aumento das casas construídas.
Considerando, contudo, a falta notória de espaço, foi adoptada a solução de casas económicas em blocos, combinada com a construção de parques especialmente destinados a logradouros, para crianças.
O sistema parece ter oferecido como resultado uma queda da estatística da tuberculose de 30 : 10 000, em 1913, para 11 : 10 000, em 1935.
Itália. - Em Março de 1934 mandou Mussolini proceder a um inquérito sobre a habitação rural, problema que se propunha resolver em três décadas.
O inquérito revelou:
Percentagens
Casas a demolir e a reconstruir .......... 4,4
Casas precisadas de grandes reparações.... 14,4
Casas precisadas de pequenas reparações .. 27,6
Casas em bom estado ...................... 52,5
isto num total de 3 645 817 casas.
O dispêndio com este plano computava-se em 15 biliões de liras, isto é, 3/4 do orçamento italiano. Ignoro o desenvolvimento que teve o ambicioso plano, que compreendia, além disto, a urbanização das aldeias italianas.
Poderia apresentar outros exemplos de países do Norte da Europa onde o problema tem, desde há muito, merecido particular interesso aos respectivos governos. Tudo leva a crer que, depois das destruições causadas pela última guerra, a sua acção mais se tenha acentuado, além de que a política de nivelamento de recursos devia ter permitido às populações rurais outra", facilidades para uma pronta e eficaz resolução do problema.
Com estas citações pretendo fazer notar que o problema tem um carácter universal. Por outro lado, pretendo sublinhar que se o não resolvemos completamente nem por isso podemos deixar de apreciar e reconhecer o extraordinário esforço do Governo da Nação no sentido de o solucionar, esforço tanto maior tanto é certo que nada se fez antes do advento da era de Salazar, ou, pior ainda, se alguma coisa se tentou foi simplesmente para nossa maior vergonha, tal como foi o escândalo, de triste memória, dos bairros económicos.
Mas, Sr. Presidente, voltemos ao caso que particularmente me propuz tratar: casas para trabalhadores e para pequenos proprietários rurais, cujo nível económico muitas vexes em nada é superior ao dos primeiros.
Dado que nas nossas aldeias nos aparece um desnivelamento da renda possível (40$ a 50$) para menos de metade do necessário (cerca de 100$ por mês), não parece haver outro remédio senão o Estado elevar para o dobro a sua comparticipação.
E nesse caso a renda poderia descer para cerca de 45$ por mês. Resta saber, sobretudo, se o Estado resolvesse generalizar as suas intervenções nesse propósito humanitário de elevar o nível de vida às classes pobres, como faria frente ao inerente dispêndio e como calcular este.
Não possuo elementos seguros para fundamentar esta simples sugestão. Mas na hipótese de que o processo da municipalidade de Viena seria aceitável entre nós pode, a título de exemplo, admitir-se que haja:
Em cada vila:
Contos
40 casas a construir a 30.000$..................... 1 200
60 casas para grandes reparações a 10.000$ ...... 600
100 casas para pequenas reparações a 2.000$ ....... 200
Total.................. 2 000
Em cada aldeia:
15 casas a construir a 30.000$.......... 450
20 casas para grandes reparações a 10.000$........ 200
30 casas para pequenas reparações a 2.000$........ 100
Total................. 750
Admitindo ainda que seriam 200 vilas e 2000 aldeias carecidas da aludida intervenção, teríamos, em média:
Milhares de contos
200 vilas ............... 400
2000 aldeias ............ 1 500
Total.................... 1 900
Digamos, pois, que seriam necessários 2 milhões de contos; estabelecendo um plano decenal, 200 000 contos por ano.
Supondo, agora, que o total das rendas de casas cobradas anualmente é da ordem de 1 milhão de contos, conclui-se que, recorrendo ao empréstimo, a taxa a impor às rendas de casas não excederia 1,5 por cento, que, aliás, tomada permanente, permitiria ao Estado encarar, a breve prazo, e sem sacrifício das suas actuais receitas o problema da urbanização das vilas e das aldeias e da habitação dos trabalhadores em quintas e casais.
Estabelecia-se, por este modo, entre os utente da habitação uma mais estreita solidariedade, que aproximaria a construção de habitações de um sistema mutualista, tornado, aliás, obrigatório pelo Estado.
Mas, Sr. Presidente: a solução que proponho, embora viável e fundamentada em princípios de verdadeira solidariedade humana, poderia sor extraordinariamente facilitada e reduzidos os seus encargos se quisermos olhar com atenção para um movimento que, há pouco mais de um ano, surgiu em Coimbra. Já alguma, coisa conseguiu, e se melhores frutos não tem produzido é porque luta com a mais confrangedora falta de ajuda, apoio e estímulo de quem lho poderia facultar.
Refiro-me à M. O. N. A. C. (Movimento Nacional de Autoconstrução), de que, aliás aqui falei e a que outros ilustres Deputados, como o Exmo. Sr. Prof. João Porto, já fizeram referência.
O que é a M. O. N. A. C.? É uma sociedade cooperativa que aproveita a colaboração de patrões e operários. Nos meios rurais não faltam nem uns nem outros, mas quando faltam os primeiros os segundos bastam, desde que alguém possa substituir aqueles. O processo utilizado consiste na formação de grupos que, unidos por uma aspiração comum e orientados pela organização, se propõem erigir as suas casas com o esforço próprio, com o trabalho dos seus braços e com o entusiasmo da sua fé.
O que precisam apenas é de orientação e de ajuda.
A primeira, para ser eficaz conseguir-se-ia criando junto de cada departamento distrital da Direcção-Ge-
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ral de Urbanização um pequeno sector suficientemente servido por pessoal competente, quando muito dois técnicos (um engenheiro e um arquitecto).
Concretizando: tomamos por exemplo uma casa que seja orçada em 25.000$: 50 por cento gastos em material e 50 por cento em mão-de-obra. Sendo a mão-de-obra oferecida pelos autoconstrutores, poderemos considerar esta verba eliminada; os 50 por cento para Materiais, conseguidos por intermédio da organização ainda podem (e disso temos já elementos de prova) beneficiar de um desconto da ordem dos 20 por cento, e, assim, chegaríamos à verba a despender dos tais 10.000$, limite a atingir para conseguirmos o tipo de casa com uma renda dentro dos limitados recursos das famílias das nossas populações agrícolas.
Dentro do programa que estabeleci para ilustrar a minha tese facilmente se conclui que os 2 milhões de contos previstos para a realização de um plano de dez anos se reduziriam a mesma de metade e ainda com a vantagem de serem recuperados.
Ao apresentar este programa de acção através da M. O. N. A. C. tenho os olhos postos nas populações das nossas províncias de Trás-os-Montes e Beiras, onde o problema da habitação se apresenta com um carácter mais dramático e agudo.
Sc conseguíssemos para a M. O. N. A. C. a limitada ajuda financeira de 10.000$ a 15.000$ por casa a construir, de 5.000$ a 10. 000$ por casa a restaurar e essas importâncias lhe fossem facultadas com um juro mínimo, ou melhor, sem juro -capital largamente garantido com o valor das casas construídas e amortizável cm uni período de vinte anos -, teríamos dado um passo seguro para ajudar a resolver o magno problema da habitação rural.
A formação dos grupos de autoconstrutores parece-nos, no campo, de fácil realização. Por outro lado, a maior liberdade de vida que o trabalho do campo permite e ainda, a existência dos ciclos estacionais em que esse trabalho e reduz dar-lhes-iam excepcionais possibilidades de levar a termo em tempo limitado a obra a que se abalançassem.
Não devemos, porém, deixar de focar outra faceta curiosa, de primeira grandeza, que este processo iria criar no domínio psicológico.
O homem que, através do seu sacrifício e esforço voluntariamente aceites, consiga realizar um dos seus mais ardentes sonhos possuir um lar próprio -, necessariamente há-de criar no seu espírito um sentimento de intensa satisfação pela conquista realizada, ligando-se a ela com a ternura e amor que só se têm por aquilo que criámos.
É um estado de espírito bem diferente daquele que resulta da posse de um bem que caiu do Céu, como benesse do acaso, para o que não contribuiu o muitas vexes nem pensou. Ora este sentimento de posse da coisa criada por esforço próprio é penhor seguro de estima muito particular e garantia de conservação, precisamente por saber quanto custou a criar.
Este movimento, apesar dos escassíssimos meios de que dispõe, é já hoje uma realidade que não pode ser desconhecida, tendo realizado em menos de um
ano:
Em Coimbra e arredores, 5 casas já habitadas e tem 5 em construção adiantada; Em Aguiar da Beira, 6 concluídas ou em via de conclusão;
Em Sobral Pichorro, freguesia de Fornos de Algodres, a cuja junta preside uma senhora (caso único, segundo creio), 2 casas em construção;
Na Covilhã inicia-se a, edificação de um primeiro grupo de habitações.
Para isto tem contado apenas com a ajuda financeira particular, através de quotas mensais dos seus sócios e da venda de títulos de cooperação, o que não basta para dar a expansão indispensável ao movimento.
Em resumo:
a) É necessário e urgente levar aos meios rurais um pouco de auxílio que lhes eleve o nível de vida;
b) Que essa auxílio se concretize por um pouco de desafogo económico e um mínimo de conforto que a posse de uma casa modesta lhes pode facultar;
c) Para atingir este objectivo todos os meios não são de mais e o (Movimento Nacional de Autoconstrução poderá ser um dos mais eficientes ;
d) Para isso indispensável se torna que o Governo da Nação lhe dispense um pouco de carinho e lhe faculte os meios financeiros, aliás bem modestos em relação àquilo que poderá efectuar e, de resto, com segura garantia;
e) Que lhe seja facultada a assistência técnica indispensável pelos serviços oficiais da especialidade, sendo .para isso ligeiramente alargados os seus quadros.
Finalmente, sendo a extensão da rede eléctrica aos meios rurais um dos grandes factores de progresso e bem-estar social, não quero deixar de apresentar a S. Ex.ª o Subsecretário de Estado do Comércio e Indústria as minhas homenagens de reconhecido agradecimento pela portaria que nomeia a comissão encarregada do estudo da distribuição da rede eléctrica às zonas rurais, certo de que desse estudo resultará a solução do problema em bases práticas e eficientes, o que, infelizmente, até agora se não pôde verificar porque a economia desses meios de modo algum podia comportar os encargos dessa distribuição tal como foi concebida.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador foi muito cumprimentado
O Sr. Presidente: - O debate continuará na sessão de amanhã.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 55 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
André Francisco Navarro.
Augusto Cancella de Abreu.
Carlos Mantero Belard.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Alpoim Borges do Canto.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Rui de Andrade.
Sr». Deputados que faltaram à sessão.
Agnelo Ornelas do Rego.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Camacho Teixeira de Sousa.
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António Júdice Bustorff da Silva.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Rodrigues.
António dos Santos Carreto.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Afonso Cid dos Santos.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Marques Teixeira.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Tito Castelo Branco Arantes
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA