O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 565

REPÚBLICA PORTUGUESES

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 130

ANO DE 1956 17 DE MARÇO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VI LEGISLATURA

SESSÃO N.º 130, EM 16 DE MARÇO

Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mos Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia. -Foi aprovado o n.º 127 do Diário das sessões.
O Sr. Deputado anunciou que recebera da Previdência do Conselho duas, propostas de leis relativas à instituição das corporações e ao Plano de Formação Social Corporativa.
O Sr. Deputado Urgel Horta falou sobre a localização da indústria siderúrgica.
O Sr. Deputado Bartolomeu Gromicho ocupou-se de uma licença para pesca desportiva.

Ordem do dia. - Prosseguiu o debate sobre o problema da habitação para famílias de poucos recursos.
Falaram os Srs. Deputadas Soares da Fonseca, Paulo Rodrigues e Almeida Garrett, que apresentou uma moção também assinada por outros Srs. Deputados.
A Assembleia aprovou, por unanimidade, essa moção.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Américo Cortês Pinto.
Antão Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Eduardo Pereira Viana
Ernesto de Araújo Lacerda e Obsta.
Francisco Cardoso de Melo Machado
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Herculano Amorim Ferreira.
João Ameal.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.
José Garcia Nunes Mexia.

Página 566

566 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 130

José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.

O Sr. Presidente:-Estão presentes 62 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente:-Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 127, de 13 de Março corrente.

O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer a seguinte rectificação ao Diário da» Sessões n.º 127: a p. 499, col. 1.º, 1. 55, onde se lê: «as coisas», deve ler-se: «as coisas na mesma».

O Sr. Presidente:-Como mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra sobre esse Diário dag Sessões, considero-o aprovado com a rectificação apresentada.
Pausa.

O Sr. Presidente:-Estão na Mesa, enviadas pela Presidência do Conselho, doas propostas de lei: uma relativa à instituição das corporações, outra referente ao Plano de Formação Social Corporativa.
Estas propostas de lei vão seguir para a Câmara Corporativa e, depois, para as seguintes comissões desta Assembleia: de Legislação e Redacção, de Trabalho, Previdência e Assistência Social, de Economia e de Política e Administração Geral e Local.
É escusado acentuar à Câmara a extrema importância destas duas propostas de lei. Por via delas o regime intenta completar a estrutura corporativa do País. Dado que o Estado, segundo a Constituição, é corporativo, o Governo procedeu logicamente procurando institucionalizar as corporações. Â Camará compreenderá a delicadeza das questões que lhe são postas e, estou certo, consagrar-lhes-á toda a sua boa vontade e o sentido exacto das suas responsabilidades políticas.

O Sr. Augusto Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: pedi a palavra para, invocando, se necessário, o Regimento, solicitar de V. Ex.º que, em virtude do alcance e transcendência doa diplomas que acaba de anunciar, use da faculdade que esse Regimento lhe confere para determinar que o estudo desses diplomas seja feito em conjunto pelas comissões a que V. Ex.ª acaba de se referir. Tenho receio de que o estudo nesses círculos parciais e reduzidos ocasione, para a conveniente coordenação, uma perda de tempo, que não é talvez compatível com aquele de que a Assembleia disporá.

O Sr. Presidente:-Ouvi atentamente as considerações de V. Ex.ª
Estas propostas vão agora para a Câmara Corporativa, o que não quer dizer que as comissões não possam começar a examinar estes diplomas, e parece-me que será preferível que sejam essas comissões que, depois de examinarem os diplomas, sugiram o seu trabalho em conjunto, se assim o julgarem mais conveniente.

O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: por mais de uma vez tenho abordado nesta Assembleia, com a verdade, a dignidade e a independência que em todas tis circunstancias presidem aos actos da minha vida, o problema da siderurgia.
Problema apaixonante, de tão vasta projecção para a economia e para o futuro da Nação, tem exercido no meu espirito sério motivo de preocupação e até de inquietação !
O dever inerente à função que exerço como Deputado pelo Porto e o sentir que comigo se encontra a força da razão, pondo acima de todos os interesses particulares o interesse nacional, obriga-me, neste instante, a proferir algumas palavras acerca da localização da instalação da siderurgia.
Perdoem-me o desacordo em que estou com ilustres colegas Deputados, que julgam o assunto deslocado ou suficientemente debatido e esclarecido, e vir lembrar novamente problema de tanta magnitude e tanta influência no progresso do nosso povo.
Posso, Sr. Presidente, afirmar que cada vez sinto mais e melhor a força de uma razão que se encontra a meu lado. Nenhum dos argumentos aqui invocados conseguiu abalar o meu pensamento.
Nada se disse que pudesse modificar ou alterar a opinião que mantenho perante a escolha do local destinado à indústria.
Nada tenho que rectificar. Continuo na posição que reflectidamente adoptei, afirmando que ao Norte, e só ao Norte, se deve, por todas as razões, dar a preferência da sua localização. E falo com a plena consciência das minhas responsabilidades, baseado em dados de natureza económica, social, política e demográfica que claramente expus na intervenção realizada em 7 de Dezembro do ano findo.

O Sr. Águedo de Oliveira: -A expressão «Norte» é muito vaga...

O Orador:-Eu também esclareço a expressão «Norte».

O Sr. Botelho Moniz: - SP V. Ex.ª lhe juntasse «Sul e Centro»...

O Orador:-Como V. Ex.ª entender. A minha opinião é esta.
Não há necessidade de repetir o que então disse, inteiramente baseado em afirmações e declarações de pessoas e de entidades responsáveis, quer em relatórios, quer em pareceres, posteriormente confirmados por outros e até pelo próprio Ministro da Economia. Posso dizer, como então disse,, com a maior propriedade e oportunidade:
Todo o conjunto de condições necessárias em parte alguma se encontram tão reunidas, tão completas, como na região situada ao norte do Porto, especialmente na zona compreendida entre Matosinhos e Vila do Conde. É localização que satisfaz todas as exigências, oferecendo todas as garantias.

Página 567

17 DE MARÇO DE 1956 567

O Sr. Águedo de Oliveira: - V. Ex.ª não admite a implantação de parte dessa indústria no concelho de Moncorvo ?

O Orador:-Admito tudo aquilo que se passar. Exponho aqui a minha opinião desinteressada, pois VV. Ex.as sabem que falo com independência.

O Sr. Águedo de Oliveira: -V. Ex.ª fala com independência e eu procuro nitidez ...

O Orador:-Sr. Presidente: o Porto e o Norte bem merecem e bem necessitam da existência, no seu meio, de tão importante indústria. Julgo existir erro de orientação quando se pretende envolver Lisboa, com grandes organizações industriais, numa condensação de actividades, prejudiciais a um melhor e necessário equilíbrio de nível de vida social, económica e política noos diversos sectores da Nação
Na dispersão de certas actividades, na sua bem proporcionada distribuição, reside o segredo de grande parte da vida feliz e progressiva das populações.
Cada vez sinto mais arreigado ao meu espírito o convencimento de que se praticará um erro preterindo o Norte a favor do Sul. Por tudo quanto tenho observado e pela atenção e estudo que tenho dedicado ao problema siderúrgico, ouço a voz da minha consciência apoiando ideias que defendo, sem outro interesse que não seja o de utilidade para o meu país, paru esta pátria que orgulhosamente sirvo e detendo.

O Sr. Botelho Moniz: - V. Ex.ª dá-me licença? O País de V. Ex.ª qual é? É o Norte?!...

O Orador:-Não, senhor. É Portugal inteiro...

O Sr. Pinto Barriga: - Afinal, quem parece ter perdido o norte foi a siderurgia!...

O Sr. Botelho Moniz: - V. Ex.ª Sr. Dr. Urgel Horta, está, porém, a dizer que se prejudica o Norte em benefício do Sul e está constantemente a dizer: «o Norte, o Norte»...

O Orador:-Isto ó uma fornia de dizer.
E na minha frente tenho um notável trabalho: um relatório, estudo completo e perfeito, depoimento imparcial e sincero que alguém, autoridade na matéria, isento de ambições, dotado de uma serena inteligência e de uma seriedade profissional, bem reconhecida, elaborou.
Engenheiro distintíssimo, professor catedrático ilustre da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto ...

O Sr. Carlos Borges: - Também é do Norte! ...

O Orador:- ... inteiramente dedicado aos. problemas de minas, o seu relatório ó a demonstração clara, eloquente e justificativa da razão que assiste às minhas palavras, às minhas opiniões, filhas do meu raciocínio e das lucubrações do meu espírito.
O Prof. Adriano Rodrigues, a quem uma sincera amizade me prende, ofereceu-me esse completo relatório, forte apoio à minha tese.
Que ele, na sua bondade, me perdoe este desabafo, que o vai surpreender.
Sr. Presidente: vou terminar as minhas considerações numa síntese clara do pensamento que encerram.
Fazer do Porto o centro da indústria de siderurgia ó prestar grande e relevante serviço à vida da Nação.
Aproxima-se, Sr. Presidente, a hora da resolução definitiva.
Que o Governo resolva, pondo, como sempre, acima de todas as conveniências e de todos os interesses o bem da Nação.
São estes os votos que formulamos, cheios de fé e confiança nos altos destinos: da nossa terra.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Sr. Presidente: pedi a palavra para me ocupar da pesca desportiva na área da jurisdição administrativa do porto de Lisboa. O tema da pesca desportiva tem sido versado por muitos senhores Deputados, e em especial quando do aviso prévio do distinto Deputado Cerveira Pinto.
Muitos aspectos dessa prática desportiva vieram a lume, mas não tenho ideia de que este que vou expor tivesse sido focado.
Chegou ao meu conhecimento, e por várias vias, que a Administração-Geral do Porto de Lisboa exige uma licença de pesca para ser licito aos desportistas dessa modalidade exercer tão útil e agradável passatempo nos cais e praias da área do porto de Lisboa.
Subo-se que há uma entidade, a Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, que passa licenças de pesca válidas para todo o Pais em águas interiores. E sabe-se também que aos domingos e feriados, no intuito de fomentar essa modalidade de desporto, ú livre a pesca, mesmo sem a licença.
Porque será então que a Administração-Geral do Porto de Lisboa não consente o estacionamento para pesca nos cais livres e praias da sua jurisdição sem que o desportista esteja munido da licença passada pela respectiva Administração ?
Há realmente um despacho da Procuradoria-Geral da República, com vista a solucionar um conflito entre a Administração-Geral do Porto de Lisboa e as autoridades marítimas, que discrimina as atribuições dos dois organismos na área do porto.
Assim diz o despacho:

Na área da jurisdição da Administração do Porto de Lisboa compete a esta o licenciamento das actividades com finalidade comercial ou industrial adstritas à função económica dos portos (execução de obras, ocupação de terrenos ou outra utilização do porto); na área comum da Administração do Porto do Lisboa e das autoridades marítimas compete exclusivamente às autoridades marítimas a concessão de licenças para apanha de ostras, seus depósitos e estabelecimentos ostreícolas, para exploração de amêijoas ..., para pesca e para todas as actividades incluídas nas tabelas anexas aos Decretos n.os 5703, 9704 e 12822.

Quer dizer, as actividades piscatórias de exploração industrial estão sujeitas a licenciamento das autoridades marítimas, as quais nunca exigiram, nem exigem, licenças para pesca desportiva, além da que ú imposta pela lei geral.
Portanto, à sombra de que disposição legal impõe a licença a Administração do Porto de Lisboa para a pesca desportiva, incluindo os domingos e dias feriados?
É certo que a licença é um tanto sofismada, porque no cartão, passado a requerimento dos interessados, ou, antes, dos violentados, se diz textualmente: "Estacionamento para pescar nos cais livres e praias" .
É sabido que nos cais livres e praias da Administração do Porto de Lisboa toda a gente pode estacionar a contemplar a beleza e o movimento do vastíssimo estuário do Tejo.

Página 568

568 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 130

Ninguém impede nem exige verba de parque pelo estacionamento de um automóvel onde isso for possível. Qualquer caçador, munido de licença legal, pode estacionar, empunhando a sua espingarda e acompanhado da matilha, ao aguardar um barco para o transporte para a outra margem, sem que lhe exijam pagamento de terrado.

Mesmo um pescador desportista pode estacionar, munido de cana e apetrechos, sem que ninguém o incomode. Simplesmente, se resolve lançar à água a linha e o anzol, aparece logo o fiscal em demanda de licença, na falta da qual aplica a respectiva multa.
Como a fiscalização intervém, não pelo estacionamento, mas pelo acto de pescar, a licença é autenticamente uma licença de pesca, que não está nas atribuições da Administração do Porto de Lisboa, como se viu, mas estaria nas atribuições das autoridades marítimas, que, aliás, não intervêm, julgo por não se tratar de qualquer modalidade de pesca industrial.
A licença custa apenas 20$, mais os 5$ de papel selado, mas o que é mais caro é o tempo que os requerentes perdem, por serem forçados a ir mais do que uma vez à repartição, que necessita de vários dias, e nunca se sabe quantos, para a entrega do cartão-licença.
Nem toda a gente tem automóveis para ir pescar onde lhe apraz. Aos domingos e feriados é tentadora a zona do porto de Lisboa, pelo encurtamento de distâncias e redução de despesas para um desportista das classes humildes.
Apelo, pois, para as autoridades competentes para que se esclareça a actuação da Administração do Porto de Lisboa neste caso que apontei de pesca desportiva e se ponha cobro a uma prática que, salvo melhor explicação, me parece uma violência e uma extorsão.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Manuel Vaz:- Sr. Presidente: desejava solicitar a V. Ex.ª que me fosse concedida a palavra para poder referir-me às considerações que há pouco foram feitas pelo Sr. Deputado Urgel Horta.

O Sr. Presidente:-Não posso, nesta altura, dar a palavra a V. Ex.ª sobre o assunto a que alude, mas na primeira sessão desta Assembleia V. Ex.ª terá ocasião de falar acerca dele.
Pausa.

O Sr. Presidente:-Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente:-Continua em discussão o aviso prévio do Sr. Deputado Almeida Garrett sobre o problema da habitação para famílias de pequenos recursos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Soares da Fonseca.

O Sr. Soares da Fonseca: - Sr. Presidente: porque subo pela primeira vez à tribuna, depois de reocupar a minha cadeira de Deputado, de que outras funções me tiveram afastado, cumpro o grato dever de, antes de iniciar as breves considerações que vou produzir, apresentar a V. Ex.ª, com as minhas homenagens, o testemunho da minha muita e muito viva consideração.
Não pretendo fazer, propriamente, um discurso. Suponho-o desnecessário nesta altura do debate, além de que estou de acordo com o sentido geral das considerações formuladas durante ele, designadamente pelo ilustre Deputado avisante.
Limitar-me-ei a um simples apontamento, essencialmente destinado a fazer incidir alguma luz sobre certas sombras que me parece terem aparecido, aqui ou além, relativamente no período que se desenrola de 1950 ou 1951 para cá.
Tenho algumas responsabilidades no decorrer desse período e, se isso me obriga de certo modo a prestar os esclarecimentos convenientes, colocar-me também em condições especialmente favoráveis para penetrar nas aludidas sombras.
Começarei pela seguinte elucidação:
A generalidade da legislação sobre casas económicas e de renda económica, tão justamente louvada durante o presente debate, não é da iniciativa do antigo Subsecretariado das Corporações e Previdência Social nem do Ministério que lhe sucedeu.
Até há pouco, a iniciativa legal sobre a matéria em quentão pertenceu inteiramente ao Ministério das Obras Públicas, como lhe pertenceu exclusivamente a iniciativa da construção de casas económicas.
Qual então o domínio reservado ao sector das Corporações e Previdência Social?
Quanto a casas económicas, limitava-se praticamente a distribuir os bairros construídos pelo Ministério das Obras Públicas e a arrecadar as respectivas rendas.
Tudo o mais (iniciativa da construção dos bairros, sua localização, número de moradias em cada um, classes e tipos de casas a preferir, condições de admissão dos concorrentes, etc.) era da competência apenas do Ministério das Obras Públicas, escapando por completo à alçada do Ministério das Corporações e Previdência Social. Este não tinha mesmo direito de iniciativa para construir casas económicas com capitais da Previdência, legalmente condicionada, para o efeito, a comparticipação financeira do Fundo de Desemprego, também no âmbito das Obras Públicas - e tal comparticipação nunca chegou, compreensìvelmente, a verificar-se.
Quanto a casas de renda económica, era legalmente possível o Ministério das Corporações tomar a iniciativa de as construir, através dos serviços da competente Federação, a qual actuava e actua, à semelhança do serviço de construção de casas económicas do Ministério das Obras Públicas, como simples entidade executora dos investimentos, sem ficar proprietária das casas, diversamente do que parece ter sido julgado neste debate. E foi realmente possível ao Ministério tomar a aludida iniciativa e autorizar a construção de vários bairros de casas de renda económica.
Finalmente, as caixas de previdência podiam construir directamente, ou adquirir já construídos, prédios chamados de renda livre. E alguns -entendo que bastantes- foram construídos ou adquiridos nestas condições.
Procurando hierarquizar estes vários problemas, dois se me afiguraram desde logo urgentes e susceptíveis de solução imediata. Estavam, pura mais, na dependência exclusiva do critério do Ministro das Corporações e Previdência Social.
Refiro-me, por um lado, à necessidade de desembaraçar as caixas do número complexo de questões criadas por esta sua iniciativa de construção de casas, para a qual nem estavam nem podiam estar devidamente apetrechadas e onde, ao lado de fáceis danos materiais, se corriam ou podiam correr alguns riscos de ordem moral.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

Página 569

17 DE MARÇO DE 1950 569

O Orador: - Refiro-me, por outro lado, à necessidade de se proibirem quaisquer investimentos em prédios de renda livre, mesmo que se tratasse de construções já feitas, isto é, de prédios já edificados.
Bastava, para tanto, a consideração do que os capitais da Previdência destinado.-; a prédios urbanos só deveriam ter aplicação em casas de verdadeira utilidade social - e as casas de renda livre não estão, manifestamente, nestas fundições

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Assim se procedeu, na realidade. Um velho edifício, com aparência de abandonado, aqui bem à vista da Assembleia Nacional, na Bua das Francesinhas, e um terreno, com vestígios de demolições, nu Rua de Braamcamp, são ainda hoje testemunhas mudas desta política.
Não se deu publicidade à medida ou, como se dizia nos meus tempos de Coimbra, não a anunciei com repiques no sino grande, da Sé. Não era esse o meu jeito e, além disso, o caso pareceu-me dever inserir-se entre os puros autos correntes da Administração.
Verifico, no entanto, através do presente debate, que o discreto silêncio mantido em volta de tal medida não bastou paru fazer esquecer o ruído das anteriores construções ou aquisições de casas de renda livre. Se bem entendi, ainda agora se reclamou, desta tribuna, a cessação de uma prática extinta há quase meia dúzia de anos, quando eu já tinha esquecido tanto a incompreensão de várias instituições de previdência, teimosamente agarradas à preocupação deste género de investimentos, como as pressões e reclamações de alguns proprietários de grandes imóveis, crentes de que a Previdência, numa época de rarefacção do crédito, devia ser a natural substituta dos estabelecimentos bancários e a salvadora da ameaça de falências!
Uma terceira urgência veio, algum tempo depois, a deparar-se: a de se tomar especial cuidado com a construção de casas de Tenda económica fora dos grandes aglomerados populacionais (Lisboa, Porto e Coimbra).
Bairros construídos sem este especial cuidado, talvez mercê de fortes influências locais, sem previu exame das necessidades habitacionais do meio e do nível de vida dos eventuais futuros inquilinos, deram em resultado não se poderem alugar as casas- pelas rendas inicialmente previstas e ficarem, mesmo depois de sucessivas baixas de renda, algumas casas por alugar - fenómeno a que não puderam escapar alguns bairros de casas económicas construídos pelo Estado na província, onde, não obstante providências especiais que se tomaram, continua a haver casas por ocupar.
Surgiu, entretanto, o Plano de Fomento, a cuja realização foi mister, naturalmente, subordinar os capitais a investir pela Previdência.
Sem perder de vista o ideal de desviar vima parte destes capitais paru aplicação em casas de interesse social, havia que aguardar o delineamento do Plano, a previsão dos capitais a investir nele pela Previdência, a verificação de como viriam a comportar-se os cálculos feitos e até ti determinarão de uma prudente reserva para eventuais encarecimentos das obras projectadas.
Mas, porque não fora olvidado o referido ideal, sempre se procurou considerar, em todos os estudos e planos de investimentos anuais, a retirada de verba quantiosa para casas de interesse social - e deste modo se amealharam refervas que permitiram o que mais adiante se dirá.
Entretanto, enquanto a política de fomento da habitação se não pôde definir, curou-se de outros aspectos que se supõe terem alguma relevância. Citarei alguns exemplos:

Apontarei em primeiro lugar o do processo de distribuição dos bairros de casas económicas.
Esta distribuição era feita mediante as simples declarações escritas e a documentação apresentada, pelos pretendentes - um método frio, predominantemente burocrático e, sobretudo, sem possibilidades de contrôle. Daqui se seguiu, muitas vezes, unia inevitável consequência: má distribuição. Entraram, assim, para os bairros casais com filhos ... que não existiam, casais com rendimentos superiores aos admissíveis e até com meios de fortuna, casais sem a necessária idoneidade moral. etc.
Para -além de outros fins que não importa enumerar agora- se obviar a este. grave inconveniente, pude criar um serviço social, que deve fazer rigoroso inquérito prévio aos candidatos a moradores-adquirentes relativamente aos quais se mostre haver probabilidade legal de lhes vir a ser atribuída uma moradia.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Devo dizer, em justo louvor das senhoras que nele trabalham, que o aludido serviço tem dado as melhores provas: diligência, seriedade, tacto, bom senso e são critério.
Teve um defeito, que lhe foi extrínseco: o de começar a funcionar no momento da distribuição de um bairro em que, para quatro centenas e meia de casas, apareceram mais de seis mil concorrentes, donde resultaram arreliadoras e incompreendidas demoras. Mas os notáveis serviços que prestou, tanto nos aspectos graves que com ele se evitaram como na maior justiça que com ele se pôde dar à distribuição das moradias, compensam-me abundantemente das arrelias e incompreensões dessas demoras.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - No intuito de se remediar, para o futuro, este inconveniente, recomendei aos serviços competentes que, em novas distribuições de bairros, se averiguasse do Ministério das Obras Públicas a data segura da conclusão de cada bairro e se orientassem as coisas de modo a poderem abrir-se os concursos com a antecedência em cada caso julgada razoável - um ano, por exemplo, mas não obrigatoriamente logo a seguir no início da construção dos bairros, como aqui se alvitrou, porque, se um bairro demorar quatro ou cinco anos a construir, o condicionalismo dos concorrentes pode ter sofrido grandes alterações nesse decurso de tempo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Referirei, em segundo lugar, Sr. Presidente, a necessidade de fazer intervir o Ministério das Corporações e Previdência Social, não digo, claro está, nos problemas puramente técnicos da construção de casas económicas, mas no da localização dos bairros, no da determinação das classes e tipos de casas em cada bairro, no das condições a estabelecer para a admissão dos candidatos e em vários outros que constituem o necessário suplemento de almas a ter em conta também neste domínio e que, de si mesma, a técnica não pode dar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Para tais problemas tinha de considerar-se naturalmente indicado u Ministério das Corpo-

Página 570

570 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 130

rações e Previdência Social, onde um especial sentido do social devia informar e na realidade passou a informar os serviços da Repartição das Habitações Económicas (como, aliás, a generalidade dos do Ministério) e onde haveriam de ir buscar-se os frutos da experiência por ele colhida na distribuição dos bairros até ali construídos.
Assim, por exemplo, ao Ministério das Corporações e Previdência Social parecia aconselhável não erguer bairros de casas económicas dentro da área da cidade de Lisboa e tomar certo número de medidas tendentes a não agravar a excessiva concentração populacional da capital e até a facilitar uma certa desconcentração. Parecia-lhe igualmente aconselhável não construir moradias para casais sem filhos (de quase nulo interesse social); construir, de preferência, moradias para casais com mais de dois filhos e não esquecer, ao invés do que se vinha verificando, moradias destinadas a famílias numerosas, etc.

Vozes: - Muito bem, muito bom!

O Orador:- Para tudo isto. porém, tinha de vencer-se uma tradição estabelecida em sentido diferente, e, queira-se ou não, as tradições têm sempre muita força.
Sr. Presidente: direi também uma palavra sobre o que neste debate se tem chamado o ritmo das construções.
Diminuído embora, pelos motivos que deixei apontados, esse ritmo não se extinguiu em matéria de casas de renda económica - pelas quais, aliás, o Sr. Deputado Almeida Garrett parece não manifestar grandes preferências e as únicas, como também deixei apontado, que estavam no âmbito da iniciativa do Ministério das Corporações e Previdência Social. Investiram-se, na verdade, durante o período em referência, cerca de 100 000 contos em casas de renda económica - o que não é número perfeitamente despiciendo ...
No que o Ministério das Corporações e Previdência Social não afrouxou foi no ritmo da construção de casas económicas, também chamados de propriedade resolúvel e as mais justamente acarinhadas neste debate. Não afrouxou nem podia afrouxar ... porque não chegou a haver ritmo. A iniciativa destas construções era, como salientei, exclusivamente do Ministério das Obras Públicas.
Explica-se, no entanto, que este Ministério tenha sido obrigado a afrouxar o ritmo da construção de casas económicas, desde que as finanças públicas tiveram de sentir, entre outras pesadas incidências, a sua vultosa comparticipação no Plano de Fomento, a incógnita do eventual desenvolvimento que este viria a ter, as onerosas exigências da defesa militar, tanto no plano nacional como no dos compromissos internacionais, etc.
Por isso, do plano de construção de quatro mil casas, estabelecido por decreto de 1945, o Ministério das Obras Públicas só podo executar até agora mu pouco menos de metade.
Foi precisamente este facto que ajudou a alicerçar a ideia de também a Previdência vir a intervir, exclusivamente com capitais seus, na construção de caias económicas.
Aqui, Sr. Presidente, toco talvez o ponto do maior interesse das minhas considerações.

Assegurados os investimentos a realizar pela Previdência no Plano de Fomento, qualquer que viesse a ser o seu natural desenvolvimento, e verificado que se pudera já amealhar com afoiteza verba suficiente para um considerável incremento da construção de casas económicas, organizou-se o aparelho jurídico rapaz de realizar esse objectivo, por um lado, dotando-se a Previdência de capacidade legal -até ali inexistente- paru também ela investir capitais em casas económicas e, por outro lado, assegurando-se o processo legal de os serviços do Ministério das Obras Públicas, em colaboração com os da Previdência, procederem à construção das novas casas económicas assim previstas.

Vozes: - Muito bem. muito bem!

O Orador: - Nasceu daqui o Decreto n.º 40 246, de que tive a honra de tomar a iniciativa e a que gentilmente se referiu n Sr. Deputado Almeida Garrett na sua brilhante intervenção de ontem.
Não vale a pena referir os motivos de natureza técnico-administrativa que retardaram a publicação desse decreto mais do que seria desejável.
Mas, Sr. Presidente, salientarei que, dentro da nova doutrina nele consignada, pude ter também a honra de, com o ilustre titular das Obras Públicas, a cujo entusiasmo e carinho pelas habitações económicas gostosamente rendo merecido louvor, subscrever um vasto plano de investimento de capitais da Previdência, que não abrangerá menos de 6300 casas económicas e importará num dispêndio não inferior a 540 000 contos durante oito anos, ou sejam, em média, 67 500 coutos por ano.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: -Se juntarmos a esta cifra, verdadeiramente notável, a verba que o Estado costumava inscrever anualmente para fim idêntico e parece determinado a voltar a inscrever, resulta que o Estado e a Previdência despenderão em casas económicas, nos aludidos oito anos, a bonita soma de 700 000 contos.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Se considerarmos que a iniciativa das casas económicas vem de 1933 e que, de então paru cá, se investiram nelas à roda de 300 000 contos, teremos melhor ideia de que o número acabado de indicar, como dispêndio previsto para o futuro mais próximo, é não só impressionante em si mesmo, de modo absoluto, mas também relativamente, quando comparado com os investimentos anteriores.
Foi precisamente no início da feliz execução deste plano que o ilustre titular da pasta das Corporações e Providência Social pôde exarar o seu oportuno despacho de há dias, aqui tão justamente salientado.
A resolução do problema geral da habitação não bastam, porém, as casas económicas. Diversamente do que me pareceu ouvir afirmar, suponho que se não deve deter o movimento de construção de casas de renda económica.
Todavia, no que diz respeito à Previdência, e pura se evitarem males atrás apontados, entendi deverem ser fiadas indicações aos serviços no sentido de se proceder a inquéritos habitacionais e ao exame do nível de vida das populações interessadas na construção de casas desta natureza e de, ao mesmo tempo, se estudar a possibilidade de o problema ser visto em conjunto com o de Lisboa e Porto, ou ao menos com o de Lisboa, de modo a irem buscar-se rendas um pouco mais elevadas nestas duas cidade, e a encontrar-se nelas o meio de compensar rendas mais baixas a praticar na província.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Favoràvelmente a este objectivo veio o desejo da Câmara Municipal de Lisboa, cujo ilustre

Página 571

17 DE MARÇO DE 1956 571

presidente, perfeito conhecedor das necessidades habitacionais da capital e zeloso impulsionador da sua progressiva satisfação, me fez conhecedor do interesse em obter o concurso da Previdência, tido como indispensável, para a construção de dois novos grandes bairros de casas de renda económica.
Determinei aos sorvidos do Ministério que se pusessem em contacto com os da Câmara Municipal, no espirito da mais ampla colaboração, e creio não andar longe da verdade se calcular que nos dois aludidos bairros se poderão vir a investir, num próximo decénio, algumas centenas de milhares de contos - estes exclusivamente da Previdência e destinados a construir bastantes milhares de fogos, só o novo Mundo de Fomento consentir e o Conselho Económico puder autorizar tal investimento.

Vozes: - Muito bem, muito bem I

O Orador: - Com uma espécie de suplemento nas rendas a praticar nestas casas, isto é, com uma taxa de rendimento ligeiramente superior à normalmente admitida, poderá incrementar-se mais afoitamente o problema das casas de renda económica na província, em que virão, nesse caso, a despender-se também, sem graves sobressaltos, algumas dezenas de milhares de contos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Entendi, Sr. Presidente, que não deviam quedar por aqui os cuidados do Ministério das Corporações e Previdência Social nesta matéria.

Na verdade, porque não encarar, sobretudo em relação aos meios populacionais menos desenvolvidos, designadamente às nossas aldeias, a possibilidade de financiar a autoconstrução de casas mais modestas, daquilo que se poderá chamar casas rurais?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-O processo de financiamento é o mais praticável relativamente aos meios rurais e o sistema da autoconstrução e, para esses meios, o mais adequado, psicológica e socialmente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Pois espero que, por si mesma, isto é. pulos seus próprios recursos, ou por estes e por outros que lhe ficaram facultados, a Junta Central das Casas do Povo, cujo perfeito espírito social conheci de perto, possa brevemente anunciar uma experiência de autoconstrução por ela financiada, através das respectivas Casas do Povo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Se a experiência resultar bem, como creio, aquela Junta está em condições de a fazer frutificar magnificamente, e certo estou de que não morrerá o propósito de na realidade a fazer frutificar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Era isto. Sr. Presidente, o que de mais saliente tinha para dizer:

No entanto, se V. Ex.ª mo consente, acrescentarei ainda duas palavras, à guisa de notas finais.
A primeira é para dizer que também eu concordo e advogo que se estimule ou, se preciso, forco a iniciativa privada a concorrer largamente para a resolução do problema habitacional.
Sempre defendi que se deviam dar facilidades para tal e, porventura, obrigar os empreiteiros de grandes prédios de rendimento a construírem também casas de renda económica e as grandes empresas industriais ou comerciais a cuidarem seriamente da habitação dos seus trabalhadores.

Vozes : - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Além de considerar isto um dever social, entendo que não podemos deixar criar a errada e perigosa mentalidade socializante de que é obrigação exclusiva do listado, ou só deste e da Previdência Social, fornecer casa (de renda económica ou mesmo de propriedade resolúvel ) a uma ou a algumas camadas sociais da população do País.

Vozes : - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Creio que, por muito que a iniciativa particular tenha feito ou venha a fazer, nunca, chegará a suplantar nem sequer a igualar o esforço do Estado e da Previdência. É indispensável, apesar disso, que ela se alargue cada vez mais e que, na doutrina, a actividade do Estado e da Previdência neste domínio se considerem de natureza supletiva.

Vozes : - Muito bem, muito bem !

O Orador : - A segunda palavra, Sr. Presidente, é para dizer que. sem pretender agora discuti-los, considero excessivamente optimistas os números apresentados pelo Sr. Deputado Almeida Garrett como bastantes, em capital e em tempo, para se resolver inteiramente o problema da habitação em Portugal.
Sem embargo, este mesmo optimismo, a serena elevação com que o presente debate decorreu, o notável esforço do Estado e da Previdência (traduzido nos factos e nas cifras que deixei apontados), a convicção de que a iniciativa privada se desenvolverá cada vez maio e de que, pelos departamentos competentes, lhe serão concedidas convidativas facilidades e, quando necessárias, feitas ... suaves violências, o apoio que decerto não regateará o sector fiscal nesta matéria, com isenções ou reduções de impostos (aspecto que me parece digno de consideração relativamente à própria Previdência), tudo são motivos de uma, grande esperança.
Até quando ? !

Salazar afirmou um dia que, enquanto houver um português sem pão, a Revolução continua. Pois, se me é lícito utilizar a mesma imagem, façamos votos por que a Revolução também continue até haver um lar digno para cada família de Portugal.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Paulo Rodrigues : - Sr. Presidente: o aviso prévio tão brilhantemente apresentado pelo ilustre Deputado Prof. Almeida Garrett veio tornar patente, uma vez mais, a constante preocupação da Assembleia pelo problema da habitação.
Já na última legislatura, em aviso prévio suscitado pelo nosso ilustre colega Amaral Neto, o assunto havia sido exaustivamente estudado. E ainda recentemente, ao consagrar para a construção de casas para as classes pobres uma das primeiras preferências na ordem estabe-

Página 572

572 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 130

lecida no artigo 18.º da última Lei de Meios, se marcou novamente aquele interesse constante da Camará.
É que a Câmara, Sr. Presidente -embora tenha plena consciência de que o problema está também, e sempre, na primeira linha das preocupações do Governo-, sente que, em negócio de tanta monta, não pode impor-se com êxito uma reforma se esta não encontrar compreensão e apoio no ambiente social.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Creio, pois, que este novo debate sobre a matéria vale, sobretudo, como seguro testemunho dessa compreensão e desse apoio.
O problema que nos detém é manifestamente um problema universal.
Em todos os programas de governo, nos debates de todos os parlamentos, ele ocupa lugar de relevo, como exigência nacional fortemente sentida.
Em todos os estudos e trabalhos que se lhe referem a questão, nos seus aspectos doutrinais e práticos, considera-se essencial.
O problema é universal. E é de sempre.
Há bons vinte e oito anos dizia o Sr. Coronel Guilherme de Azevedo, falando na Voz do Operário:

No nosso pais quase se não passou de tentativas para melhorar as condições de habitação das classes laboriosas ou pouco abastadas.

E acrescentava:

Em geral os nossos municípios destroem para alindar, quando deveriam destruir para reedificar ou edificar sem destruir. E não se importam se há crise de alojamentos e se ela afecta as classes de poucos meios.
O mesmo autor apontava então que de 1912 a 1925 se tinham construído em Lisboa 16 822 moradas em prédios de alvenaria e mais de 10 000 barracões de madeira e tijolo. E afirmava que dos aludidos 16 822 alojamentos nem 2 por cento haveria quo fossem destinados a famílias de rendimentos medíocres.
De então para cá muito se mudou em Portugal: na mentalidade das pessoas, nas leis do País e na realidade das coisas sensíveis. Contam-se por dezenas os diplomas legais que se ocupam especialmente do problema da habitação. Contam-se por dezenas de milhares as casas para as famílias de menos recursos, construídas com intervenção directa ou indirecta do Estado, das autarquias ou da organização corporativa, entre casas económicas, casas para famílias pobres, casas desmontáveis, casas para pescadores e para operários, casas de renda económica e de renda limitada.
Não é, pois, nova a questão. Nem é exclusivamente nossa.
O que é, porventura, novo e é nosso é este cuidado firme e vincada preocupação de a resolver. O que é novo e é nosso é o ter-se criado o condicionalismo político-social e económico que permite estudá-la com eficácia, buscar serenamente a sua resolução e erguer, com perseverança, todas as pedras possíveis da obra imensa que essa resolução importa.
O aparecimento, no século XIX, dos grandes aglomerados industriais veio conferir à questão habitacional natureza de grande problema social.
De então para cá o crescimento demográfico, devido ao aumento da natalidade e à diminuição da mortalidade, o urbanismo, o custo elevado da construção ou, melhor, o desfasamento do aumento do poder aquisitivo em relação ao aumento dos custos, fazendo que muitos não possam pagar com os seus recursos a casa de que precisam, aqui e além as guerras ou os efeitos delas, destruindo e impedindo de construir, vieram a tornar o problema mais grave e mais extenso do que nunca.
De modo que a crise da habitação revela-se hoje em toda a parte, quer sob o aspecto quantitativo, quer sob o aspecto qualitativo.
Isto é: quanto ao número de casas existentes em relação ao número de famílias e quanto às condições reais de alojamento que as casas existentes oferecem.
Entre nós, e como já aqui foi dito, segundo o último recenseamento geral da população, referido a 15 de Dezembro de 1950, havia no continente e ilhas adjacentes, para um total de 2 047 439 famílias, 2592 sem habitação, 10 596 habitando em construção provisória, 2853 em prédio ou parte de prédio não destinados a habitação, 193 234 em parte dum fogo, ou seja um total de 209 275 famílias em situação de manifesta deficiência em matéria de alojamento.
Acresce que das famílias que habitam em um fogo 605 495 dispõem apenas de uma ou duas divisões.
Só na nossa cidade de Lisboa, e conforme o mesmo censo, para um total de 190 806 famílias havia 70 sem habitação, 4042 com habitação em construção provisória, 201 em prédio não destinado a habitação e 52 972 em parte dum fogo.
Das famílias que em Lisboa habitavam um fogo 2822 não tinham cozinha, retrete nem casa de banho e 13 317 não tinham água nem electricidade.
As furnas e as barracas, cujo número, aliás, parece ter baixado consoladoramente(apontavam-se 11 000 no ano de 1934 e 4000 segundo o censo de 1950), constituem ainda uma vergonha da nossa capital. E nem o facto, incontestável, de ser bem menor o mal na nossa do que na maior parto das outras capitais nos deve enfraquecer o zelo de levar até ao fim a vitória nesta luta.
Depois as «ilhas», algumas a dois passos dos novos bairros residenciais, e onde se amontoam, em condições inconcebíveis, famílias de cujas necessidades bem posso dar testemunho.
É indispensável -mas é bastante- ter olhado de perto as necessidades destas famílias para se sentir a Ânsia de lhes facultar condições de vida mais humanas e mais dignas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-É manifesto que na raiz da sujeição de muitas destas famílias a tais condições de alojamento avultam causas sociais complexas, que vão do desemprego, total ou parcial, à impossibilidade de obter meios mínimos de subsistência por motivo de doença ou invalidez; que vão da inadaptação responsável ao trabalho à dissipação dos seus poucos frutos.
Mas muitas outras são famílias de trabalhadores cujos recursos normais, normalmente administrados, lhes não permitem, nas circunstâncias vigentes, prover em melhor nível à sua necessidade de habitação.
Para além desta zona extrema de necessidades, cuja solução adequada, em alguns casos, por se tratar de famílias desamparadas, terá de ser sempre domínio da beneficência, fica um largo campo aberto à pura acção social, enquanto lhe cumpre prover à construção de casas para os que têm salários baixos e às sérias dificuldades que quanto ao problema afectam também, como aqui se tem dito, a própria classe média.
Porque, na sua magnitude, o problema da habitação envolve, como é óbvio, a consideração de muitos elementos de ordem técnica, é-se tentado, por vezes, a subordinar a certas orientações meramente técnicas a sua resolução.
Ora, há que ter sempre presente que as razões técnicas, aliás importantíssimas no plano que lhes é próprio,

Página 573

17 DE MARÇO DE 1956 573

devem funcionar apenas como meios para alcançar fins, que, no caso, são essencialmente sociais e humanos.
A casa é, nu verdade, elemento básico da estabilidade e do progresso social, na medida em que é imprescindível à própria vida o valor da família. A criação e a educação dos filhos, fim primário da instituição familiar, exigem um mínimo de condições de meio que permitam hábitos de saúdo moral e tísica.
O conceito cristão da casa abarca as suas funções várias atinentes ao bem e ao progresso da família, como lar e santuário, escola, oficina e albergue, refúgio da paz e da beleza da vida, timbre justo e equilibrado do mesmo sentido da propriedade.
Bem se compreende, pois, a solicitude com que a própria Igreja tem proclamado sempre a importância, a essencialidade do problema que nos ocupa. Pio XI, numa das suas Encíclicas, apontava a falta de domicilio conveniente para as famílias, sobretudo as numerosas, como uma das causas que podem conduzir a que se exponham a grave risco a tranquilidade pública e a saúdo e a vida da própria sociedade civil. E o actual pontífice repetidamente tem proclamado o dever de se facultar a cada família um lar onde a vida familiar sã material e moralmente possa manifestar-se em todo o seu vigor e valor.
Ora é precisamente a falta de um mínimo de condições de habitação, a ensombrar por toda a parte a existência de muitas famílias, que constitui o sinal perturbador de uma das mais graves crises da nossa época.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Na busca e na aplicação dos remédios que tal crise pede nós temos em Portugal uma experiência feliz.
O que se impõe é, afinal, não nos determos na obra começada e, antes, a renovarmos, cada dia, no ritmo mais firme que as realidades económicas consintam.
Justamente, para o fazermos com norte seguro, convém recordar sempre alguns princípios fundamentais.
É o que tentarei continuar a fazer em rápida síntese.
Entre as orientações aqui suscitadas e debatidas avulta a da escolha dos tipos de construção.
É evidente que a casa unifamiliar autónoma, com logradouro, facultada à família em propriedade, constitui sempre a melhor solução. Direi mesmo a única inteiramente boa.
No dizer de Salazar, «a intimidade da vida familiar reclama aconchego, pede isolamento; numa palavra, exige a casa, a casa independente, a nossa casa».

A construção de moradias independentes deve ser, pois, a orientação fundamental.
Porém, nas grandes cidades, atento, por um lado, o valor dos terrenos para construção nos bairros cêntricos e, por outro, a desvantagem de se isolarem em bairros da periferia os núcleos habitacionais das famílias de menos recursos, creio que não se deve excluir in limine a solução das casas por andares. Solução com defeitos? Sem dúvida! Mas, em alguns casos, o mal menor, ou, se quisermos, o bem possível.
Num estudo recente de algumas Conferências de S. Vicente de Paulo de Lisboa vi defendido o sistema, mesmo para as famílias mais pobres - aquelas em relação às quais, de algum modo, os problemas que a solução envolve poderiam suscitar maior risco.
O sistema, aliás utilizado sempre em alguns dos tipos de casas que a nossa legislação social previ?, encontra-se valorizado, quanto à sua potencialidade, pelo instituto da propriedade horizontal.
Essa solução -muito mais acessível, pela enorme redução nos encargos proporcionais a cada unidade quanto ao custo do terreno e da construção e conservação dos prédios - poderá, uma vez salvaguardados os requisitos indispensáveis ao bem da família, suprir a solução ideal quando ela não seja viável.
E acrescento mais uma restrição: se julgo, como disse, dever considerar-se com realismo o factor resultante dos elevados preços dos terrenos nos locais cêntricos das grandes cidades, nem por isso deixo de entender que a luta contra a expressão manifestamente exagerada desses valores, ao menos nos casos de patente interesse social, deve ser uma das linhas orientadoras da política de habitação.
No seu discurso ao Instituto Romano de Casas Baratas, de 21 de Novembro de 1953, o Sumo Pontífice admitiu expressamente que a função social da propriedade exige que o aumento circunstancial do valor dos terrenos para construção não impeça os que os não possuem de satisfazer convenientemente e a preço equitativo uma necessidade tão essencial como e a da habitação.
Porque o tenho sentido vivo nas lágrimas de muitas dezenas de casos que directamente conheço, permitam-me VV. Ex.as que me detenha um pouco no aspecto do problema que se refere às casas para famílias pobres.
Ao encará-lo convém desde logo acentuar que muitas das famílias que na cidade constituem a primeira linha dos necessitados, em matéria de habitação, vieram da província - na deserção rural que marca um inquietante sinal dos nossos tempos.
Em inquérito realizado no último Natal na freguesia de S. João do Deus, entre cerca de trezentas famílias pobres (portanto sem amplitude para fornecer um índice estatístico) apurou-se que de cada cem famílias trinta e cinco eram naturais de Lisboa e sessenta e cinco tinham vindo da província (ou de lá tinham vindo, pelos menos, os respectivos chefes). Deste segundo grupo apenas 46 por cento das famílias tinham vindo para a cidade contando antecipadamente com emprego ou trabalho certo.
Eu sei, Sr. Presidente, que é de direito natural inviolável que o homem e a sua família possam mover-se livremente, não devendo exigir-se duma família que passe privações na sua aldeia quando crê que pode salvar-se numa grande cidade por julgar haver nela melhores possibilidades de vida.
Mas a verdade é que certa visão parcial do problema que fomentasse apenas a sua resolução nos grandes centros viria agravar a natural tendência de para eles emigrar e seria, portanto, contrária ao próprio bem comum.
Isto nos leva a sugerir que, promovendo-se por todos os meios lícitos a fixação rural, seja o problema nacional da habitação sempre visto no seu conjunto. Quer dizer: no campo da habitação, como nos demais que integram o problema social dos aglomerados rurais e das pequenas cidades da província, há que fomentar as providências tomadas no local, procurando que não seja a falta na sua terra do que é essencial que venha a colocar perante as famílias de menos recursos a tentação, a miragem da cidade.
Como em síntese perfeita escreveu esse homem de génio que é o padre Américo: «Cada freguesia cuide dos seus pobres!», quando assim se não fizer arrisca-mo-nos a que por cada barraca que na cidade se substitua por uma casa surja uma nova barraca em ciclo infernal.
Ainda quanto à construção na cidade de casas para famílias pobres me parece devermos guardar-nos, quanto possível, da tendência para atribuir-lhes bairros isolados.
Mesmo onde razões de ordem técnica e económica poderiam explicá-la devemos fazer prevalecer, sempre que possível, o objectivo da convivência entre famílias de diversos níveis de recursos - socialmente relevante e tradicionalmente respeitada dentro do mesmo bairro e do

Página 574

574 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 130

mesmo prédio e da qual eram símbolo clássico as águas--furtadas e as caves.
Quebrou-se esse convívio com mútua desvantagem e, a agravar-se, pode tal quebra envolver sérias consequências de ordem social.
Acresce que tais bairros vêm a ser construídos nos arrabaldes das cidades, muitas vezes distantes dos locais de trabalho dos seus moradores. E, assim, os inconvenientes agravam-se com o elevado custo dos transportes e, sobretudo, pela diminuição das horas livres para o convívio no lar do seu chefe, para a presença junto dos filhos do sen natural educador.
Como antes disse, e uma vez que a crise de habitação afecta também as famílias de numerosos trabalhadores e a própria classe média, torna-se imprescindível e urgente, segundo o consenso unânime, tornar cada vez mais acessível a extensos sectores da população alojamento conveniente a preço compatível com os seus recursos.
Cumpre, pois, mobilizar para o efeito todos os recursos possíveis, todas as fontes de financiamento adequadas.
Há que mobilizar os capitais privados, fazendo-o com realismo, tendo presente que seria utópico admitir que eles possam afluir, em escala económica, movidos exclusivamente por um sentimento de caridade ou pelo puro cumprimento dum dever social, aliás bem patente. U capital privado só se mobiliza, na realidade, mediante o estabelecimento dum condicionalismo que lhe garanta uma rendabilidade justa e segura.
Há que contar, ainda, além do concurso poderosíssimo dos próprios auxílios directos do Estado e dos municípios (manifestado por diferentes vias), com aquela espécie de financiamento a que poderemos chamar social e em que avulta: a intervenção dos capitais da organização corporativa e, sobretudo, da previdência - em boa hora alargada a horizontes de promissora renovação; a de certas entidades privadas, como as cooperativas de construção, em cujo sector há que distinguir, como já aqui foi feito, a obra admirável do Movimento Nacional de Autoconstrução e ainda a obra das empresas em favor dos seus empregados.
Noutro plano há que contar com o financiamento de beneficência em que deverão intervir, na potencialidade imensa que a força da caridade empresta às obras dos homens, as Misericórdias, as Conferências de S. Vicente de Paulo, esse magnifico Património dos Pobres, cuja gesta quase tem laivos de milagre, e tantas e tantas outras instituições.
Mobilizados, pois, todos os recursos convenientes e possíveis da vida nacional em prol desta cruzada, será chegada a hora de imprimir novo ritmo à obra que de há muito vimos construindo.
Este parece ser o sentido unânime de quanto se disse nesta tribuna.
Por mim acrescentarei apenas mais uma palavra sobre o que se afiguram ser, quanto à matéria, os limites justos da intervenção do Estado.
Sem se cair na tese socialista de confiar ao Estado, o seu esforço exclusivo, a solução integral do problema, ca ainda como atribuição do Governo na prossecução do bem comum nacional um vasto campo de acção.
A definição e execução duma política habitacional única e firme; o ordenamento jurídico das providências atinentes a fomentar, por todos os meios, a construção das casas de que se carece e a disciplinar a sua utilização nos múltiplos problemas que suscita; a execução das obras públicas que a construção urbana supõe e o planeamento desta; a disciplina do mercado dos materiais; a regulamentação dos regimes de financiamento das construções - tudo é obra que compete aos órgãos do Estado e. nalguns casos, também aos das autarquias.
Numa palavra: o Estado deve ser, na matéria, essencialmente coordenador e propulsor; a título supletivo, corajoso executor.
A experiência feliz dalguns departamentos, nomeadamente dos Ministérios das Corporações e das Obras Públicas, poderia talvez adquirir maior amplitude se se concentrassem num só organismo atribuições hoje dispersas.
Na Semana Social Espanhola de 1954 sugeriu-se a criação dum Ministério da Habitação. Proposta análoga seria ambiciosa; mas já pareceria admissível que do estudo ponderado do assunto viesse a concluir-se pela vantagem dum único serviço de alto nível, o qual, habilitando o Governo com todos os elementos de vária ordem que lhe permitissem manter actualizada uma política de habitação, velasse também pela sua conveniente e ortodoxa execução no âmbito próprio do Estado e assegurasse até -o que não é menos urgente que a unidade de rumo fosse mantida mesmo no que constitui domínio doutras entidades.

Sr. Presidente: em livro recente, um grande escritor brasileiro defende que a satisfação do bem comum, por se inspirar em valores transcendentes, se deve buscar hoje, amanhã e depois, e não daqui a cinco ou cinquenta anos.
O problema que nos prende é, sem dúvida, daqueles em que a face humana do bem comum se descobre mais clara e viva.
Que no estudo e execução das soluções que ele requer se persista com renovada firmeza em cada dia.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Almeida Garrett: - Sr. Presidente: é com profunda satisfação que retomo este lugar. As intervenções que o aviso prévio suscitou alegraram-me, porque mostraram claramente o interesse que a Assembleia vota ao grande problema nacional que este é; reflexo superior da ansiedade com que uma parte considerável da população aguarda a solução do seu problema habitacional, um dos pesadelos do seu viver, ansiedade bem conhecida e de que tive directa prova pela abundante correspondência recebida nos últimos dias.
A todos os que intervieram agradeço do coração as palavras generosas que proferiram a meu respeito e a respeito do meu trabalho. A todos protesto a minha indelével gratidão. Consintam-me que, sem desprimor para os demais, distinga o nome de Urgel Horta, por ter aludido às minhas actividades docentes, dentro e fora da cátedra, e sobretudo nesta, pois me recordou com saudade os quarenta e dois anos de vida com os rapazes da Faculdade, donde saíram outras tantas gerações de colegas, que na vida profissional foram honrar sobremaneira a casa mãe, que tanto amo.
Todos trouxeram achegas valiosas para o estudo do problema, pormenorizando diversos aspectos. E estiveram de acordo comigo nas principais opiniões expostas, com excepção do ilustre colega engenheiro Amaral Neto, que discordou nalguns pontos. Sinto que, por motivo de força maior, não pudesse estar hoje aqui, e por este motivo não responderia às suas objecções se elas não incidissem sobre pareceres fundamentais para as conclusões a que cheguei, e que, por isso, tenho de esclarecer.
Uma delas foi sobre o custo das casas para famílias pobres, citando como exemplo o caso do bairro do Entroncamento, cuja construção foi rigorosamente fiscalizada. Vejamos se tem razão.
Nele se edificaram 54 habitações ato 1952 que importaram em l: 921.605, o que dá uma média de 35.585$20

Página 575

17 DE MARÇO DE 1956 575

por habitação, muitíssimo superior u minha avaliação. Mas o total do custo divide-se assim: construção, 1:205.8005; urbanização (com o terreno), 715.800. Cabe para cada casa a importância de 22.3295, inferior à do meu cálculo. Mas este deve fazer-se, para ser exacto, sobre o preço por metro quadrado. Essas 54 casas totalizam uma superfície de 2244 m2, à qual corresponde o preço de 532589 por metro quadrado, que é aproximadamente o que avaliei para núcleo populacional da grandeza do o Entroncamento.
O que tornou tais casas muito caras foi o exorbitante custo do terreno e seu arranjo, que entrou no custo total com a percentagem de 37,25. Ora tal percentagem não deve ir além de 20, e pode mesmo ficar abaixo, e até muito abaixo, deste limite, como facilmente se prova com variados exemplos, dos quais basta citar meia dúzia de aglomerados populacionais de diversos tamanhos.
Começo pelo de Lisboa. Os bairros da Quinta de S. Jacinto e do Caramão da Ajuda, com 422 habitações, custaram 28:340.080$, sendo a parte da urbanização de 3:425.100)5 e o resto para a construção. A percentagem foi de 12,086, a terça parte da percentagem relativa ao do Entroncamento.
Em Aveiro, um bairro de 40 casas, construído em 1949, custou 1:116.8005, e a parte de terreno e seu arranjo urbanístico foi de 190.8005, ou seja uma proporção de 19,9 por cento.
Em Leiria, um bairro de 151 casas, construído em 1951, custou 5:092.567;$, e a parte da urbanização importou em 817.3005, o que dá a percentagem de 16,05.
Em Portimão, um bairro de 134 casas, construído de 1947 a 1953, custou 2:924.0503, sendo a parte da urbanização de 185.6565, ou seja 6,34 por cento.
Em Eivas, um bairro de 107 casas, construído de 1951 a 1953, importou em 3:365.9855, e a parte da urbanização foi de 449.0005, o que dá a percentagem de 13,34.
Em Cuba, um bairro de 20 casas, construído em 1052. custou 571.5006, e a parte da urbanização foi de 53.500-5, ou seja uma proporção de 9,36 por cento.
Estes números falam por si, sem precisarem de comentário.
Tenho agora de citar exemplos vividos de custo do metro quadrado de construção. Basta também uma meia dúzia deles e também de núcleos urbanos grandes e pequenos.
Na povoação de Grijó, concelho de Gaia, onde os salários são sensivelmente os do Porto, um bairro de 20 casas, construído em 1948, com a superfície de habitação de 728 m 2, custou 399.0005, o que dá 5485 por metro quadrado.
Em Coimbra, o bairro da Fonte do Castelo, com 10U casas, construído em 1950, com a superfície de 3946 m2, importou em 2:000.0005, correspondendo o custo do metro quadrado de construção a 5005.
Em Vila Real do Santo António, uni bairro de 24 casas, edificado em 1952, com a superfície de 1943 m2, importou em 541.000-5, sendo o custo do metro quadrado 518570.
Em Castelo Branco, um bairro de 70 casas, construído em 1949, com a superfície do 2786 m2, custou 1:527.1005, o que dá 5485 por metro quadrado.
Em S. João da Madeira, um bairro de 30 casas, construído em 1940, com a superfície de 1442 m2, custou 639.0005 sendo o preço por metro quadrado 443514.
Em Vila Nova de Ourem, um bairro de 10 casas, com a superfície de 684 m2, custou 209.0005, correspondendo a 437514 por metro quadrado.
Estes preços por metro quadrado roçam pelos que serviram de base aos meus cálculos do custo de construção de cada habitação, sendo muitos deles inferiores. Acresce que em quase todos estes exemplos se trata de casas térreas, e os meus valores foram calculados para casas de andar, o que barateia o custo do metro quadrado de construção.

elo que rica exposto, vê-se que o Sr. Engenheiro Amaral Neto não tem razão quando afirma estar errado o meu parecer sobre o custo das casas. Certo ó que muitos dos bairros que se têm erguido têm ficado mais caros, mas isso deveu-se ao excessivo preço do terreno e sua urbanização e, frequentemente, a não se ter olhado devidamente para a simplificação dos projectos por forma a baratear ao máximo a construção. Mas que se pode construir, com bons materiais, pelos custos que indiquei não há a menor dúvida a tal respeito. Os números são concludentes e os dados, fornecidos por engenheiros competentes, os confirmam.
Outro reparo foi sobre a contribuição do Estado na construção das casas para famílias pobres, que entende ser indispensável operar-se em larga escala, para que a renda seja compatível com os salários de muitos trabalhadores, que ganham 5005 por mês, quando muito, e que não poderão pagar mais de 505 ou 605. Ora, quando afirmei que, no caso de a família não poder gastar os 1005 de renda, ou pouco mais, devia ser ajudada pela assistência, com a diferença entre o que pode pagar e a renda electiva, fundamentei-me na opinião de as casas serem todas do mesmo tamanho, apropriado a famílias com filhos.
Não se trata de um trabalhador que vive só ou de casal sem filhos, para os quais as casas podem ter metade das dimensões e, portanto, a renda ser dos 505 ou 605 invocados. A assistência em que falo para as famílias com filhos tem de fazer-se por intermédio do abono de família principalmente. Não seria justo que uma família com rendimento que permita pagar 100$ a 120$ de renda, ou mesmo mais, esteja a beneficiar de uma casa que, por motivo da larga comparticipação do Estado, se pode alugar por 505 ou 005. Seria obrigar o dinheiro público a uma contribuição desnecessária em muitos casos, dinheiro que será equitativamente empregado em subsidiar as famílias com filhos que estejam nas aludidas condições de precários recursos.
Finalmente, outra objecção essencial: a de que o capital particular, com o juro garantido do 4 por cento, não acorrerá para a construção de casas para famílias pobres. É verdade, em relação aos grandes capitalistas. Mas os pequenos, os que não têm economias que lhes permitam comprar uma propriedade, esses acorrerão, seguramente, tal como acorrem para acções de companhias ou fundos públicos; e o volume enorme que representam assegurará a vida das sociedades prediais largamente, como concluí das informações que colhi nos meios competentes.
Sinto ter sido obrigado a contestar vivamente as discordâncias do que acabo de tratar, mas não podia deixar de o fazer pela alta consideração que justificadamente merece o meu opositor, consideração que podia levar à aceitação das suas erradas opiniões nas matérias em questão.
Sr. Presidente: vou terminar, apresentando, como é curial, a seguinte moção, a cuja assinatura dignaram associar-se os ilustres Deputados Srs. António Raul Galiano Tavares, João Maria Porto. Manuel Marques Teixeira, Urgel Abílio Horta e José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues:

Moção

« Considerando que a habitação ó elemento fundamental da vida familiar e, consequentemente, do supremo interesse nacional;
Que, por toda a parte, as circunstâncias económico--sociais da era [...] avolumaram intensamente o problema da falta de casas, o que levou os Poderes Públicos a intervir activamente no assunto;

Página 576

576 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 130

Que em Portugal o Estado Novo enfrentou decididamente a questão, promulgando-se uma excelente legislação, que encarou relevantes aspectos do problema, salientando-se a preferível forma da propriedade resolúvel;
Que o Governo tem procurado utilizar essa legislação em notável medida, mas que ainda há alguns pontos importantes a considerar, reconhecendo-se a. necessidade da adopção de um plano do conjunto, que resolva cabalmente o problema em todas as suas modalidades.

Assembleia Nacional emite o voto de que o Governo nomeie uma comissão que, funcionando junto da Direcção-Geral da Previdência e Habitações Económicas, estude o problema da habitação em todos os pontos de vista, para habilitar o Governo, ponderadas as conclusões a que chegar, à promulgação das medidas legislativas conducentes à sua completa solução, comissão constituída por individualidades que tenham manifestado decidido interesse pela matéria, quer movidas por devoção cívica, quer por virtude do exercício de funções públicas».

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente:-A Gamara ouviu ler a moção apresentada pelo Sr. Deputado Almeida Garrett, com a qual ficou encerrado o debate sobre o aviso prévio tratado pelo mesmo Sr. Deputado relativamente ao problema da habitação para famílias de pequenos recursos.
Vai votar-se a referida moção.

Submetida à votação, foi aprovada.
Pausa.

O Sr. Presidente:-Vou encerrar a sessão. As sessões da próxima semana serão consagradas u efectivação e discussão do aviso prévio do Sr. Deputado Melo Machado sobre comércio externo.
Se houver tempo, será ainda dada para ordem do dia a proposta de lei sobre actividades gimnodesportivas. A Camará, em seguida, suspenderá as suas sessões até ao termo das próximas férias da Páscoa e deverá reabrir na terça-feira, dia 3.
Para depois das férias da Páscoa o programa provável dos trabalhos da Assembleia será constituído pela proposta de lei sobre turismo e pela proposta relativa à interpretação e aplicação da Lei n.º 3053, sobre a indústria hoteleira.
Depois de concluir os seus trabalhos sobre estes diplomas, a Câmara terá de apreciar as Contas Gerais do Estado e as da Junta do Crédito Público. E este ano temos pela primeira vez as contas das províncias ultramarinas.
Quis dar esta ilustração do que vai seguir-se na Assembleia, para que os Srs. Deputados possam preparar-se convenientemente.

O Sr. Paiva Brandão: -V. Ex.ª dá-me licença?... O Sr. Presidente:-Faz o obséquio...

O Sr. Paiva Brandão: - Era só para perguntar a V. Ex.ª quando é que se fará a discussão da proposta de lei relativa à organização geral da Nação para a guerra, diploma que está na Camará Corporativa para esta dar o sen parecer.

O Sr. Presidente:-Compreendo a preocupação de V. Ex.ª ao fazer-me essa pergunta, mas não posso incluir por enquanto esse diploma no programa dos trabalhos da Camará, visto que ele não chegou ainda à Assembleia Nacional. É um diploma bastante complexo, que, naturalmente, precisará de bastante tempo de estudo por parte da Câmara Corporativa. Claro que, se houver tempo, como esta sessão legislativa vai ser prorrogada, a Câmara, naturalmente, discutirá á esse diploma.
A próxima sessão será no dia 20, terça-feira.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
António de Almeida.
António Gaiteiros Lopes.
Armando Cândido de Medeiros.
Carlos Mantero Belard.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Gaspar Inácio Ferreira.
João Alpoim Borges do Cauto.
Joaquim Mendes do Amaral.
José Dias de Araújo Correia.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Sebastião Garcia Ramires.

Srs. Deputados que faltaram â sessão;

Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Cruz.
André Francisco Navarro.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Rodrigues.
António Russell de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Afonso Cid doa Santos.
João Carlos de Aseis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim de Sousa Machado.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Marques Teixeira.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

Página 577

17 DE MARÇO DE 1956 577

Propostas de lei a que o Sr. Presidente se referiu no decorrer da sessão:

Proposta de lei

CORPORAÇÕES

1. Segundo a Constituição, o Estado Português é uma República unitária e corporativa, baseada na igualdade dos cidadãos perante a lei, no livre acesso de todas as classes aos benefícios da civilização e na interferência de todos os elementos estruturais da Nação na vida administrativa e na feitura das leis.
Prescreve-se ainda no texto constitucional, em concordância com a disposição que atribui ao Estado base corporativa, que a este incumbe proteger e auxiliar a criação de organismos corporativos, morais, culturais ou económicos e a formação e desenvolvimento da economia nacional corporativa, visando a que os seus elementos não tendam a estabelecer entre si concorrência desregrada ou contrária aos justos objectivos da sociedade e deles próprios, mas n colaborar mutuamente como membros da mesma colectividade.
O Estatuto do Trabalho Nacional, no desenvolvimento lógico destes princípios, define a estrutura da organização corporativa. Nele se prevê a criação de grémios e de sindicatos como representantes legais dos e patrões, empregados ou assalariados do mesmo comércio, indústria ou profissão, estejam ou não neles inscritos», bem como a formação de federações, « associações de sindicatos ou grémios idênticos», e de uniões, destinadas a «conjugar as actividades afins já organizadas em grémios ou sindicatos nacionais, de modo a representar em conjunto todos os interessados em grandes ramos da actividade nacional».
O Estatuto define ainda as corporações como constituindo a organização unitária das forças da produção e representando integralmente os seus interesses e atribui-lhes a faculdade de estabelecerem normas gerais e obrigatórias sobre a disciplina interna e a coordenação das actividades, todas as vezes que para isso hajam recebido poderes dos sindicatos ou grémios, uniões e federações nelas integrados e a assentimento do Estado.
Ainda que não previstas no Estatuto do Trabalho Nacional, constituíram também elementos específicos da organização corporativa portuguesa as Casas do Povo e as Casas dos Pescadores, instituições de cooperação social do meio agrícola ou piscatório, criadas pelo Decreto-Lei n.º 23 051, de 23 de Setembro de 1933 e pela Lei n.º 1953, de 11 de Março de 1937.

2. Não pode dizer-se que este esquema da organização não tenha sido já em grande parte transplantado para o terreno das realidades.
A expansão corporativa mostra-se especialmente relevante no que respeita à criação e funcionamento dos organismos representativos dos interesses do trabalho. Os sindica-tos nacionais, agrupando pessoas que exercem a mesma profissão, livre ou por couta de ou trem, constituem activos elementos de estudo e defesa dos interesses profissionais, nos seus aspectos moral, económico e social, e de afirmação prática dos princípios de cooperação entre o capital e o trabalho.
Na intervenção na vida do Estado, quer desempenhando as funções sociais que lhes são atribuídas, quer no exercício dos direitos conferidos pela Constituição, no ajustamento de convenções colectivas de trabalho, na organização e no funcionamento de instituições de previdência, na execução e, por vezes, no planeamento dos programas de carácter social, os sindicatos nacionais têm prestado às classes que representam e ao País importantes serviços. Injustiça seria não os reconhecer em toda a sua extensão e significado.
Centenas de sindicatos abrangem a quase totalidade dos trabalhadores portugueses, e muitos deles encontram-se já organizados em federações e, uniões, a funcionar com regularidade e eficiência. Novas federações e uniões estão em via de organização, mercê da vontade manifestada pelos dirigentes dos organismos primários, o que revela a existência de uma vida corporativa intensa e fecunda. De tal maneira que é legítimo afirmar-se que pouco resta fazer relativamente ao alargamento da rede dos sindicatos nacionais.

3. Realizada através dos grémios, constituídos por empresas, sociedades ou firmas, singulares ou colectivas, que exercem o mesmo ramo de actividade no comércio, na indústria ou na lavoura, a organização corporativa das entidades patronais é, em regra, facultativa.
Como se referi-o no relatório do Decreto-Lei n.º 24 715, de 3 de Dezembro de 1934, foi por inadiáveis necessidades que o Governo reservou para si, a título excepcional, a iniciativa da criação de grémios obrigatórios. De facto, esta faculdade não poderia constituir norma geral de organização para as entidades patronais e só conviria usar dela, nos grandes ramos da produção em relação aos quais se considerasse indispensável, por não ser possível satisfazer de outro modo o interesse geral, agrupar rigidamente todos os elementos de determinada actividade e traçar-lhes normas conducentes à realização daqueles fins».
Mais de duzentos grémios facultativos e de cinquenta grémios obrigatórios foram até ao presente criados e estão um funcionamento nos diversos distritos.
Por outro lado, e de harmonia com a Lei n.º 1957, de 20 de Maio de 1937, instituíram-se duzentos e trinta grémios da lavoura, cuja acção se faz sentir na protecção dos interesses agrícolas de norte a sul do País.
Acentue-se ainda que várias são as federações e uniões de grémios em actividade e que a criação recente das primeiras federações de grémios da lavoura, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 36 631, de 19 de Dezembro de 1947, constituiu o termo natural de um intenso movimento das forças produtoras, que, de há muito, vinham solicitando se completasse a organização corporativa da agricultura.
É certo que. ao contrário do que sucede com os trabalhadores do comércio e da indústria, ainda há importantes actividades patronais por organizar, mas espera-se que em breve se formem os primeiros grémios das indústrias algodoeira, corticeira, metalomecânico e de curtumes, além de outros, e se aprovem os estatutos de novas federações e uniões.
De qualquer maneira, é lícito afirmar que também aqui a organização corporativa engloba já a maioria d as actividades industriais, comerciais e agrícolas. Quando se atenda às dificuldades decorrentes da incompreensão de muitos, eivados do velho espírito individualista, ú ausência de doutrinação, à falta de dirigentes e aos ataques à Organização, favorecidos pelo agitado clima do pós-guerra, não pode deixar de se reconhecer que muito se caminhou nos últimos vinte o três anos para colocar as forças da produção no plano natural da defesa dos seus interesses e no da subordinação destes às superiores conveniências da comunidade.

Página 578

578 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 139

4. Para se julgar a obra das Casas do Povo - «organismos de cooperação social» dos meios rurais, criados no abrigo do Decreto-Lei n.º 23 051, de 23 de Setembro de 1933 e diplomas complementares- não se encontram pontos de referência que não sujam os objectivos ideais do legislador. .Mesmo assim e possível apreciar por que forma e em que medida os princípios inspiradores das Casas do Povo encontraram realização. Convêm no entanto, para não se perderem perspectivas mi julgamento, não tomar os acidentes da Organizarão por verdadeiros objectivos finais, como importa não esquecer todas as limitações que as circunstâncias opuseram ao normal desenvolvimento da obra. As Casas do Povo visam essencialmente, por um lado, a estimular o sentido social e a favorecer a melhoria das condições de vida de um sector d n população, sem dúvida o menus, protegido, e, por outro lado a fortalecer os laços de afinidade existentes entre todos os que o compõem, seja qual for o título jurídico ou a razão de interesse que à terra os prenda, e a preservar os traços particularizas e as reservas nacionais e espirituais do mundo rural.
Não obstante a dificuldade proveniente da latitude de objectivos, apesar das resistências de velhos preconceitos e inibições e da exiguidade de receitas, a obra levada a cabo pelas Casas do Povo é muito valiosa. Presentemente mais de quinhentas estão em actividade. Todas elas dispõem de serviços clínicos e concedem, em maior ou menor grau, subsídios na doença e por morte; muitas delas dispensam outras formas de assistência, mantém cursos de instrução popular, de educação familiar ou de artesanato, escolas e cantinas e possuem pequenos museus etnográficos e grupos cénicos, corais e desportivos. Esta acção, que é exercida em profundidade e sem a preocupação de resultados a curto prazo, não pode ainda sor devidamente apreciada nem é susceptível de expressão numérica.
Crê-se, porém, que na medida em que se procurou revelar o sentido cristão da vida e do homem, robustecer os laços de família e de vizinhança e «[...]» o ambiente dos lares, reavivar as pequenas actividades artesanais proteger no trabalho, na doença e na invalidez o trabalhador agrícola e sua família, se fez, em última análise, obra nacional.
Por isso se pensa que as Casas do Povo estão já em condições de constituir relevantes elementos da corporação.

5. O mundo económico e social da pesca mostra-se todo ele enquadrado corporativamente através de grémios e das Casas dos Pescadores. Abrangem estas todos os pescadores -cerca de sessenta mil- e entendem a sua acção de assistência, previdência e educação u todos os centros piscatórios do continente e das ilhas adjacentes. Os entraves encontrados neste sector não sofrem confronto com aqueles que se levantaram u constituição e funcionamento das Casas do Povo. Uma perfeita compreensão da parte das entidades patronais, a maior facilidade em se encontrarem dirigentes, o reduzido número de núcleos profissionais e nomeadamente a existência de mais volumosos recursos financeiros permitiram dar aos serviços sociais das Casas dos Pescadores uma eficácia e uma extensão que os correspondentes organismos de cooperação dos meios agrícolas não lograram, em regra, alcançar.
Tudo isto, aliado a actividade da respectiva Junta Central e ao auxílio do Estado, tornou possível a realização de uma obra que se alarga já a muitos domínios, desde a assistência médica e farmacêutica ao amparo na velhice e na invalidez; da construção de bairros de casas económicas à instalação de centros
Sociais, asilos creches, Infantários, maternidades e serviços hospitalares; dos internatos para crianças o escolas de pesca a bibliotecas, lares e cantinas para pescadores, as mútuas de seguros e a outras formas de actuação social.

6. E da essência do corporativismo a justiça social. Assim se compreende que o espírito corporativo esteja na base de toda a política social do Estado e que a própria previdência se mostre entre nós intimamente relacionada com a Organização, da qual em grande parte promana.
Em manifesta oposição com a doutrina liberal, e por isso com a Constituição de 1911, que nem sequer tomava posição perante a previdência, o Estatuto do Trabalho Nacional prescreve que a «organização do trabalho abrange, em realização progressiva, como as circunstâncias o forem permitindo, as caixas ou instituições de previdência tendentes a defender o trabalhador na doença, na invalidez e no desemprego involuntário, e também a garantir-lhe pensões de reforma», e acrescenta que «a iniciativa da organização das caixas e instituições de previdência incumbe aos organismos corporativos».
Dizer que a obra -já importante- da previdência e do abono de família lançou raízes e cresceu sob a inspiração do princípio corporativo é reforçar a afirmação de que a Organização entendeu os seus braços tutelares ao perto e ao longe e penetrou em todos os sectores da protecção ao trabalho e defesa da dignidade do trabalhador.

II

7. Com estas considerações sobre a amplitude atingida pela Organização Corporativa e sobre os benefícios de vária ordem dela decorrentes pretendeu-se evidenciar o seguinte:

1.º Em pouco mais de duas década, e apesar de tantas contrariedades e vicissitudes, muito se avançou na estruturação, em base corporativa, das actividades do comércio, da indústria e da agricultura.

2.º A vastidão dos organismos criados e a influência benéfica da sua acção na vida nacional revelam existirem já as condições necessárias para a evolução do sistema no sentido da instituição das primeiras corporações.
Sabe-se que o funcionamento de alguns organismos não é ainda perfeito sob todos os aspectos e que outros foram afectados por desvios justificados por anómalas conjunturas económicas. Contudo, uma apreciação serena e objectiva do que tem sido a Organização Corporativa conduz ao reconheci mento de que suo francamente positivos os resultados da sua acção económica, social e política.
Talvez por isso mesmo não falte quem entenda que as corporações já deveriam ter sido instituídas há muito; outros, porém, julgarão, acaso, não ter chegado ainda a hora de tal iniciativa. Aos primeiros, impelidos pelo entusiasmo e pela fé, poderá dizer-se, com o respeito devido à pureza das suas intenções, que a marcha lenta mas segura se impôs como único método de gradualmente dar vida e alcance a um sistema ainda não praticado em parte alguma com suficiente generalização. Aos outros -aos que julguem ser ainda cedo de mais- cumpre lembrar que a experiência colhida nos últimos vinte e três anos é bastante paru se delinearem, com o possível rigor, as

Página 579

17 DE MARÇO DE 1956 579

linhas mestras das corporações e da futura política corporativa.
Se é mister não confundir u coragem com a temeridade, importa também não converter a prudência em timidez, quando surge a hora de retomar o caminho imposto pela doutrina e pelo interesse nacional.

8. Vai, pois, prosseguir-se na consolidação e desenvolvimento do regime corporativo. Estudaram-se atentamente os problemas relativos à instituição das corporações e julga-se ter encontrado as soluções adequadas às circunstâncias e aos interesses em jogo.
Não se pensa que tudo vai correr bem até aos mais insignificantes pormenores. As construções políticas e sociais são obra de homens para homens. Não se pode exigir que uns sejam infalíveis na concepção ou na previsão, nem que outros executem com perfeição ou aceitem sempre os princípios em toda a sua latitude.
Por isso mesmo torna-se mister, uma vez a funcionarem as corporações, estar bem atento à sua acção, para as adaptar progressivamente às necessidades que lhes cabe satisfazer e para as levar à defesa equilibrada dos interesses das categorias que integram, sem prejuízo - melhor: com a preocupação- do bem comum.
Um sistema político-social, muito embora alicerçado, como o nosso corporativismo, nas realidades da vida, não se ergue de uma só vez, como um bloco, antes se vai desenvolvendo e aperfeiçoando com o rodar dos anos e o esforço dos homens.
Esta evolução há-de coincidir naturalmente com n criação de uma forte consciência corporativa entre os dirigentes, as entidades patronais e os trabalhadores. Daí o ter-se elaborado, simultaneamente com esta proposta de lei, outra que estabelece um vasto plano de formação social e corporativa. Confia-se em que será possível alargar o escol das pessoas capazes de aceitar e viver a ideia corporativa, escol que já existe bem mais numeroso do que geralmente se supõe, como existem também grandes sectores da população predispostos- pela inteligência, pela lição dos acontecimentos e ainda pela inata tendência associativa que o liberalismo juntais conseguiu destruir no homem - u aderir a um acervo de princípios que postula a disciplina sem quebra da liberdade e a organização sem prejuízo da iniciativa privadas que opõe à luta de classes, inspirada pelo ódio, a tese da solidariedade dos interesses e fia fraternidade humana.
Nem se esquece, por outro lado, que há reformas a fazer em diversos institutos jurídicos do trabalho e na própria empresa. Simplesmente, não se vê que elas hajam de preceder a criação das corporações. Tem-se mesmo como melhor orientação a de encarar essas reformas depois de instituído o sistema corporativo em toda a sua plenitude orgânica, tanto mais que ele existe para resolver ou para tornar possível e facilitar a resolução de problemas, e não como consequência da solução desses mesmos problemas. Nesta ordem de ideias se pensa que a teoria económica do corporativismo pode e deve ser aperfeiçoada e desenvolvida em face da experiência resultante da progressiva e integral aplicação do princípio corporativo. Só assim, de resto, a doutrina poderá adaptar-se e servir ti vida sem correr o risco de sacrificar esta a construções teóricas desprovidas de base real ou de alcance humano.
Em conclusão: tão grave é uma decisão precipitada como a falta de decisão quando as conveniências gerais a reclamam. E tudo indica que o interesse do País nunca, como no momento presente, exigiu com tanta premência a consolidação institucional do sistema corporativo- o interesse do País e a própria consciência nacional.

9. Já no relatório dos Decretos-Leis n.º 29 110 e 29 111 de 2 de Novembro de 1938. se escrevia:
Uma vez que se arredava, da nova ideologia do Estado a influência da luta de classes e que se procurava como fim superior a integração naquele de todas as manifestações da vida da Nação -na sua máxima 'projecção moral e material-, o que interessava, embora de forma elementar, era o próprio nível da corporação. Foi isto que se teve em vista com a constituição da Câmara Corporativa logo na sua fornia inicial. O quadro das secções então estabelecido não representava apenas a observância do preceito constitucional que, afastando a nova Câmara dos vícios do regime parlamentar, impunha o funcionamento por grupos especializados no estudo dos vários problemas. Buscava-se chegar mais longe: obter já em muitos casos uns primeiros agregados de funções e de interesses solidários que fossem a imagem da representação de possíveis corporações a criar.
Pensamento esclarecido é o que se reflecte neste passo. Seguiu-se, na verdade, o rumo mais conveniente e seguro. A Câmara Corporativa atingiu, como órgão técnico e representativo, notável eficiência e alto nível. Os interesses específicos dos grupos profissionais e da vida intelectual e moral da Nação foram, na medida da competência da Câmara, defendidos com elevação e autenticidade, na linha das supremas conveniências nacionais. O facto por si é nova demonstração de que a Organização Corporativa, quando isenta de abusos e integrada na pureza dos princípios, realiza o interesse comum e constitui a mais fiel representação orgânica da Nação.
Quer dizer: a experiência colhida através do funcionamento da Câmara Corporativa milita também a favor da natural evolução do sistema.

10. Têm interesse, até porque revelam a disposição em que o Governo se encontrava, em fins de 1938, ao fazer publicar o Decreto-Lei n.º 29 110, as seguintes palavras do relatório do diploma:
Instituídas as corporações e reajustada a Câmara Corporativa em termos de poder servir de fecho a vasta construção realizada no decurso destes escassos cinco anos, terá a reforma do Estado, empreendida pela Revolução Nacional, vencido o lance de mais transcendente significado no longo e fecundo caminho já percorrido.
E o mesmo decreto-lei, depois de fixar os princípios gerais da organização e funcionamento das corporações, estabelecia no seu ultimo preceito que o primeiro congresso das corporações se realizaria no ano de 1940.
A eclosão da guerra, em 1939, veio, entretanto, impedir - pelas gravíssimas perturbações provocadas na vida dos povos, mesmo os não beligerantes - a efectivação do pensamento do Governo. A própria Organização foi então chamada a desempenhar ingratas, se bem que imprescindíveis, missões, impostas pelas exigências de uma economia duramente atingida pela conflagração mundial.
O pós-guerra havia, por seu turno, de prolongar o clima bélico nos espíritos e a desconfiança entre os povos. A miséria e o medo continuaram a dominar a vida internacional, criando um pesado ambiente de desânimo e de inquietação, infelizmente ainda não dissipado.
Este estado de coisas não podia deixar de entre nós afectar a evolução da vida económica e o desenvolvimento do sistema corporativo, o qual, para mais, foi

Página 580

580 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 130

ainda vítima de insidiosas campanhas sopradas dos conhecidos quadrantes da subversão e da desordem.
Quer dizer: a guerra constituiu, no que respeita à formação das corporações, um sério contratempo. Mas, em compensação, veio também mostrar, por forma inequívoca, através das desilusões que provocou e do inêxito de renovadas experiências políticas e sociais que fomentou, que a liberdade individual e as interesses da comunidade não podem ser garantidos pelo liberalismo ou pelas doutrinas socialistas, e comunistas, mas apenas pela solução corporativa - a única capaz de restituir forma e estrutura à sociedade, tornada amorfa e sem consciência, e, por isso, de purificar de novo as relações entre a sociedade e o Estado.
E neste espírito - e animado pela convicção de que não prosseguir no sentido imposto pela lógica interna do sistema corporativo seria negar o próprio sistema - que o Governo se decide a instituir, nos próximos meses, como se prevê nesta proposta de lei, a Corporação da Lavoura, a Corporação da Indústria, a Corporação do Comércio, a Corporação dos Transportes e Turismo, a Corporação do Crédito e Seguros e a Corporação da Pesca e Conservas.

III

11. A simples indicação das corporações que vão ser instituídas mostra ter-se seguido predominantemente, quanto à forma como nelas se agrupam as categorias económicas, o critério da «grande actividade nacional» ou da «função ou do ramo económico». Mas também foi adoptado o critério do «ramo fundamental da produção», que confere, sobretudo, relevância à produção, juntando essencialmente as actividade» que nos estádios sucessivos intervêm, directa ou indirectamente, no fabrico ou no mercado do produto e agrupando, assim, «complexos económicos», isto é, actividades sucessivas e afins, ligadas por laços de instrumentalidade ou complementaridade.
Põe-se de lado, como se vê, o «critério da categoria», segundo o qual a corporação integraria horizontalmente cada grupo de actividades similares ou idênticas dentro de cada ramo ou sub-ramo da produção. Não se perfilhou também o «critério do produto ou do processo ou ciclo produtivo», que integraria em cada corporação, verticalmente, o conjunto de categorias que contribuem para o fabrico, transformação, transporte e venda do produto.
A consagração legal de qualquer dos dois últimos critérios daria origem, na verdade, a um excessivo número de corporações, levantaria numerosos e delicados problemas quanto u representação dos interesses, aos quadros directivos ou administrativos, às ligações intercorporativas e às relações com os órgãos da administração pública e com as próprias entidades abrangidas e impediria ainda que as .grandes actividades ou os ramos fundamentada ficassem sujeitos a uma aceitável coordenação no plano social, económico e técnico. Especialmente num país como o nosso, com uma economia não muito desenvolvida, a adopção desses critérios poderia ser prejudicial ao normal funcionamento das corporações e aos interesses das entidades por elas representadas.
Assim, apenas se julgaram praticáveis, ao menos por agora, o critério «da grande actividade nacional» e a do «ramo fundamental da produção». No primeiro assenta a constituição das Corporações da Lavoura, da Indústria, do Comércio, do Crédito e Seguros e dos Transportes e Turismo. O segundo serviu de base à integração dos respectivos ramos da produção na Corporação da Pesca e Conservas.

12. Ao perfilhar-se, como regra, o critério da função económica houve o propósito de respeitar a tradicional autonomia e a específica feição económica e social que as realidades sempre outorgaram às grandes actividades nacionais. Mormente no que toca à agricultura, mão se descobre vantagem, pelo menos na fase inicial do funcionamento das corporações, em contender, através da integração na orgânica corporativa, com a sólida unidade sociológica do mundo rural, que a força da tradição e da terra, o carácter peculiar da vida do campo e dos seus problemas e a psicologia particularista dos homens da lavoura têm mantido, através dos tempos, sem grandes roturas.
Os produtores agrícolas não se dedicam, de resto, a não ser a título excepcional, à exploração de um único produto, mas à de todos os que são próprios da região e têm interesse económico. Pertencendo o produtor agrícola quase sempre a um só grémio, seria inconveniente para ele, como para os respectivos organismos do primeiro e do segundo grau, que o enquadramento destes se fizesse, não numa, mas em múltiplas corporações.
A Organização Corporativa deve ter a possível simplicidade para que todos a entendam e com ela possam manter relações fáceis e vantajosas. Tal objectivo só se consegue se não se contrariarem hábitos, tendências e maneiras de ser das pessoas que, por viverem ligadas à mesma grande actividade ou função, possuem naturalmente uma forte homogeneidade social.

13. Não se minimiza -pelo contrário, valoriza-se devidamente- o argumento nuclear aduzido contra a corporação alicerçada na «grande actividade nacional», o qual costuma ser apresentado nestes termos: o critério da actividade nacional, tendo a vantagem de reduzir o número das corporações e sendo de indiscutível utilização quanto aos transportes e ao crédito, se for aplicado à agricultura, ao comércio e à indústria separa o que a evolução juntou - distribui por organismos distintos actividades que se encontram intimamente ligadas por laços de instrumentalidade e complementaridade, isto é, que pertencem ao mesmo complexo económico.
Perante a procedência desta crítica, e porque houve o propósito de tomar em conta todos os aspectos e interesses da vida económica e social, procurou-se uma solução que, dentro do possível, afastasse os inconvenientes e aproveitasse as vantagens das duas doutrinas em. presença. Pensa-se ter encontrado essa solução.
Com efeito, numa das bases da presente proposta de lei estabelece-se, com carácter obrigatório, que «os conselhos da mesma ou de diversas corporações reunirão conjuntamente, com todos ou parte dos seus membros, sempre que a natureza dos assuntos a tratar o torne conveniente».
Desta sorte se poderá -na medida do aconselhável e sem ferir a integridade natural e o cunho próprio de cada corporação- respeitar e fomentar as ligações e as relações dos intervenientes nas diversas fases do ciclo dos produtos, prever mais facilmente a evolução dos factores económicos, equilibrar a produção, o capital e o trabalho, bem como evitar irredutibilidades perniciosas e lutas estéreis tutore as várias corporações e os organismos que as formam.

14. Convém ainda não perder de vista que, segundo a proposta de lei, se mantêm, enquanto se julgarem necessários, os institutos, as juntas nacionais e as comissões reguladoras, que deverão assegurar a ligação entre as corporações e o Estado. Como os organismos de coordenação económica abrangem, por via de regra,

Página 581

17 DE MARÇO DE 1956 581

os ramos da produção ou o ciclo dos produtos, eles contribuirão, enquanto subsistirem, para reforçar e desenvolver as relações de instrumentalidade entre as várias funções económicas.
Mesmo que não se houvesse encontrado a solução conciliatória referida, não poderia esquecer-se que a corporação nau tem somente fundões económicas, mas ainda importantes atribuições de carácter político, técnico, social e cultural. E é sabido que as questões se apresentam quase sempre diferenciadas nos seus aspectos e nas suas repercussões, conforme surjam no mundo da, lavoura, da indústria ou do comércio.
Parece evidente, por exemplo, que os problemas dos trabalhadores rurais só podem ser devidamente compreendidos a apreciados numa corporação que englobe apenas actividades agrícolas. Pensar que estes assuntos possam ser discutidos, com utilidade, em diferentes corporações, com intervenção de lavradores, industriais comerciantes, trabalhadores rurais, operários, empregados e técnicos da indústria ou da lavoura, seria admitir uma organização heterogénea, sem grande viabilidade prática.

15. E de notar ainda que o critério da «grande actividade», reduzindo em muito o número das corporações permitirá mais facilmente a possibilidade de futura dissociação das que vão agora instituir-se ou a criação de outras, em obediência a novos pontos de vista.
Nem se poderia pôr de parte, em principio, a ideia da eventual criação, em tempo oportuno, de em punições destinadas a abranger separadamente as induzirias têxteis, as metalomecânicas as da, alimentação e as da construção e materiais de construção e outras. Na altura própria, isto é, logo que a experiência se apresente suficientemente esclarecedora e a Organização Corporativa primária e intermédia integre todo os ramos da industria e verificará se é necessário construir novas corporações, e se estas devem agrupar todas ou pariu das actividades ligadas no ciclo produtivo, desde a produção ao fabrico o à venda. Na verdade, só os resultados do funcionamento das corporações agora anunciadas poderão permitir que se tome posição firme sobre se algumas das suas secções podem ou devem autonomizar-se, ou se, pelo contrario, hão-de manter-se os critérios consagrados nesta fase inicial. Para mais completo esclarecimento, refere-se que a Corporação da Lavoura começará provavelmente a funcionar com as secções de vinhos, cereais, pecuária, azeite e oleaginosas, produtos florestais e frutas e produtos hortícolas, e que a da indústria deverá, além de outras, possuir secções diferenciadas para os ramos têxteis, metalúrgicos e da cortina, e paru os da construção e da alimentação.

16. Não se tomam, nem seria prudente tomar, posições definitivas em matéria tão delicada. Sabe-se bem que n vida social, na riqueza e multiplicidade dai sitas manifestações, é por demais complexa para que seja possível atingir, sem a lição da experiência, o perfeito enquadramento corporativo das várias actividades nacionais. No propósito de não sacrificar as conveniências da vida à tentação das soluções, rígidas e geométricas, atendi-se já ao critério do «grande ramo de produção», no que se refere à Corporação da Pesca e Conservas. Verifica-se nestas actividades uma interdependência muito forte, muni ida por estreitas e permanentes relações económicas, que aproximam por forma directa o acto da pesca do, actos de transformação de venda e exportação, liste intercâmbio não só não é contrariado por quaisquer factores de ordem social ou tradicional, como tem a fortalecê-lo e circunstâncias particulares que unem e reúnem as categorias económicas e as pessoas que as compõem, de tal modo que é vulgar a concentração na mesma empresa das actividades da pesca e das relativas ao comércio e á indústria das conservas de peixe. Ao passo que na agricultura é a terra que liga e solidariza, no sentido horizontal, os elemento que a exploram e dela ou para ela vivem, no mundo da pesca e das suas indústrias é o mar que cria a homogeneidade social e favorece a aglutinação de interesses sobre- os quais assenta a corporação.

17. A criação destas corporações não significa, que outras, incluindo as respeitantes as actividades culturais ou morais, se não instituam logo que as circunstâncias o aconselhem.
Constitui a Organização Corporativa um sistema a que dá conteúdo e sentido o princípio corporativo: o princípio da unidade moral, política e económica da Nação.
O principio corporativo não é, pois, ou apenas, o «principio da organização e personificação das categorias económicas, a fim do que participem na vida da comunidade política». Pelo contrário, a Organização Corporativa portuguesa estende-se também ao domínio das actividades desinteressadas, visto que postula a existência do organismos culturais e morais: os primeiros visando objectivos científicos, literários, artísticos e de educação física os segundos visando objectivos de assistência, beneficência ou caridade.
Esta orientação, tão característica da nossa doutrina, vale por si e há-de gradualmente ter o seu lógico desenvolvimento orgânico. .Sr os males do liberalismo ou os perigos das soluções totalitárias afectam ou ameaçam tanto o mundo da economia e da política como os planos da cultura e da assistência, torna-se também imprescindível fazer chegar aqui os benefícios da Organizarão Corporativa autónoma.
Por isso se estabelece, logo na base I da presente proposta de lei, que as corporações constituem a organização integral das actividades, não apenas económicas mas também morais e culturais, e se prevê na base XV que o Governo definirá os ramos da actividade social que devem ser considerados considerados corporações na ordem moral e cultural ou a das equiparados. ,
Prosseguir-se-á, pois, com prudência e firmeza na execução das tarefas impostas pelos preceito- constitucionais, em ordem a robustecer e a alargar o sistema corporativo até à integral representação orgânica dos interesses morais, culturais e económicos da Nação.
E porque se pretende que, com a possível urgência. comecem a exercer a sua acção as corporações previstas na base XIV desta proposta, o Governo fará publicar, até ao início da próxima sessão legislativa, diplomas especiais destinados a criá-las e a estabelecer as atribuições e as condições de funcionamento dos órgãos que as devem dirigir. Promover-se-á, por outro lado, que sejam aprovados, no mais curto espaço de tempo possível, os regimentos das novas instituições representativas da lavoura, da indústria, do comércio, dos transportes e turismo, do crédito e seguros e da pesca e conservas.

IV

18. O Decreto-Lei n.º 29 11O de 12 de Novembro de 1938, estabeleceu os princípios gerais da organização e funcionamento das corporações. Não admira que, passados quase vinte anos sobre a data desse diploma, vários dos seus preceitos se mostrem desactualizados e careçam de revisão, quer no aspecto formal, quer mesmo, por vezes, no que se refere à formação e funcionamento das corporações.

Página 582

582 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 130

O reconhecimento deste facto, na altura em que se julga oportuno abrir mais rasgadas perspectivas à consolidação do sistema corporativo, leva o Governo a substituir aquele decreto-lei pelas bases dos capítulos I, II e III deste diploma - que, pelo seu alcance social e político. se submete à apreciação da Assembleia Nacional.
Sobre o conteúdo da proposta e sobre os princípios e intenções que os inspiram não se torna mister, segundo se crê. fazer largas considerações, Esboçar-te-á apenas uma ou outra breve nota sobre matéria de maior interesse.

19. Começar-se-á por dizer uma palavra sobre os organismos de coordenação económica em face da instituição das primeiras corporações.
Prevê a proposta de lei que esses organismos, enquanto forem julgados necessários, funcionem como elementos de ligação entre o Estado e as corporações, devendo os seus órgãos representativos, sempre que possível, ser constituídos pelas secções destas.
Mantém-se desta fornia, e por medida de natural prudência, a orientação já seguida no Decreto-Lei n.º 29 110, de 12 de Novembro de 1938, que veio atenuar a rigidez da solução consagrada no Decreto-Lei n.º 25 757, de 8 de Julho de 1936, segundo o qual os organismos de coordenação económica seriam integrados nas corporações, logo que estas se constituíssem. As razões que levaram então o Governo - como se escreveu no relatório deste último diploma - aã procurar dispor de elementos de acção impregnados do novo espírito e menos próximos da esfera burocrática tradicional que dos recém-criados organismos corporativos» fizeram surgir «a par dos grémios, uniões e federações - organismos de natureza um tanto diversa, por neles predominar nitidamente a inspiração do Estado e serem oficiais as suas funções».
Já no relatório do Decreto-Lei n.º 29 11O se patenteia ponto de vista um pouco diferente. Na verdade, nele se diz:
Como órgãos executarias de algumas destas funções (funções de estrita competência do Estado, visto caber a este o papel de intérprete supremo do interesse geral) e servindo de elementos de ligação com a orgânica corporativa, subsistirão os actuais organismos de coordenação económica, devendo ser transferidas para as corporações certas atribuições que os mesmos exerceram na fase experimental agora terminada. É, porém, possível que alguns desses organismos, de futuro, deixem de subsistir, se se verificar que podem ser substituídos quer pelas corporações, quer pelos serviços normais da máquina do Estado.
Continua o Governo fiel a esta orientação, e por isso a reafirma, sem prejuízo de entender que importa acompanhar o problema muito de perto, para que se apure quais os organismos de coordenação económica que porventura, devam subsistir e aqueles que devam integrar-se na corporação ou no Estado, e ainda quais as atribuições dos mesmos organismos que convenha passar para a competência das corporações. E isto porque não pode reduzir-se o âmbito das funções normais da corporação, nem podem converter-se em definitivas construções que nasceram sob o signo do provisório e com feição pré-corporativa.

20. Dá-se mais uma vez expressão jurídica à essência do nosso corporativismo ao atribuir às corporações a qualidade de pessoas colectivas de direito público. Marca-se assim nítida oposição doutrinária ao antigo corporativismo italiano, que expressamente retirava as corporações personalidade jurídica, por as considerar órgãos do Estado, e reafirma-se o princípio sempre proclamado da natureza associativa do sistema corporativo português. Na linha do pensamento que norteou a Organização desde o seu início, nega-se o corporativismo de Estado e pretende-se, com a autonomia das corporações, que estas, representantes legítimas e naturais das actividades que integram, harmonizem as divergências dos interesses e se apresentem perante o Estado como «a imagem viva do País. na sua economia e na sua vida intelectual e moral».
Julga-se ter encontrado a solução de equilíbrio que, sem prejuízo dos poderes constitucionais do Estado dê à corporação aquela autonomia tida como inerente ao pleno rendimento do organismo que é o vértice do sistema. E tal rendimento será perfeito na medida em que a corporação, exercendo todas as atribuições que lhe são conferidas, salvaguarde os justos limites de iniciativa privada e permita à pessoa humana o livre ordenamento os valores do espírito, tendo em vista os fins superiores da vida.
Está-se, assim, convicto de que a solução corporativa portuguesa, agora a caminho de se completar, é a melhor via de resolução dos problemas nacionais e a única capaz de, através da representação natural dos grupos e pela realização da justiça social, alcançar o bem da colectividade.
Opõe-se o nosso corporativismo não só às concepções do liberalismo individualiza, como a quaisquer doutrinas totalitárias, mesmo as de forma corporativa, e designadamente no sistema comunista, que, aniquilando a liberdade e os valores espirituais, se torna incapaz de contribuir para a melhoria do nível geral de vida da comunidade, por maiores que pudessem vir a ser as suas realizações materiais.
Sabe-se que a competência agora atribuída às corporações limita o poder do Estado. Apesar disso, não se hesitará em reforçar mais ainda aquela competência, se vier a reconhecer-se tal necessidade. Esta autolimitação é por si mesma uma consequência lógica da ética em que assenta a estrutura política e social da Nação Portuguesa. Só um Estado possuído destes princípios poderia permitir e fomentar - e fá-lo sem subversão nem abdicação do direito e do dever de presidir superiormente à vida económica e social - uma organização de interesses nacionais em toda a escala dos valores, tanto mais proveitosa para o País quanto mais solidamente estruturada e cônscia das responsabilidade* da sua autonomia. Em relação com este pensamento, e independentemente das atribuições de carácter económico, técnico e social previstas na base IV, citam-se três significativas disposições da presente proposta de lei, cujo contributo para a valorização das corporações é por demais evidente: a possibilidade de os seus presidentes assistirem às reuniões do Conselho Corporativo, a de audiência das Corporações pelo Governo sobre matéria da administração pública e ainda a substituição por elas, sempre que possível, dos próprios órgãos consultivos dos Ministérios.

21. Se um dos escopos do regime corporativo é salvaguardar a livre iniciativa, na medida em que ela não fira as conveniências gerais, e obstar a que, ao procurar-se a realização do interesse comum, se sacrifique a personalidade do homem a pretensas razões de Estado, compreender-se-á bem que se tomem todas as cautelas na materialização jurídica dos princípios e na sua efectivação.
Se o interesse colectivo não é coincidente com o conjunto dos interesses individuais - pensando-o, o individualismo cometeu o seu maior erro -, não é menos

Página 583

17 DE MARÇO DE 1956 583

corto que o somatório dos interesses dos grupos profissionais ou das categorias económicas não é igual ao bem comum.
O sistema corporativo só se manterá fiel da sua própria autenticidade doutrinária se conseguir superar, na prática, esse perigo. De contrário, colocar-se-á em posição falsa, idêntica àquela em que por definição, assenta o liberalismo. Este divinizou o indivíduo. Imporia que aquele não divinize a corporação, transformando-a de meio, que é, em fim, que não pode ser.
Por outras palavras: para fugir no totalitarismo do Estado, não pode cair-se no "estatismo" da corporação.
Não se estranhará, assim, que no elaborar-se esta proposta de lei tivesse havido a preocupação de - sen: atentar contra a equilibrada e necessária autonomia da corporação - impedir o estabelecimento de condições jurídicas que, de alguma forma, mais cedo ou mais tarde, levassem esta a isolar-se e a fechar-se na defesa unilateral e intransigente das conveniências do grupo, tornando-se centro dos egoísmo das categorias que representa ou de oligarquias indesejáveis ela que sendo ou devendo ser reduto dos legítimos interesses das actividades que integra, haverá de constituir, em tudo e por tudo, instrumento vivo e fecundo do bem comum.
A clareza que, se diligenciou dar à redacção das bases da proposta de lei pareço dispensar maior explanação.
Basta agora formular o voto de, que as corporações venham a corresponder à esperança nelas depositada.
No linear da sua instituição há que afirmar, com té e confiança, que as corporações organização integral e natural das actividades nacionais - vão contribuir decisivamente para fazer perdurar, tomo filosofia, política do futuro, a forca criadora desta perfeita síntese doutrinária:
Elevado a regra constitucional da ordem nova, a princípio informador da comunidade nacional, o corporativismo caldeia a Nação no listado e ó como a consciência activa da nossa solidariedade na terra, no trabalho e na vida, isto é, na Prática a nossa família que não morre
Nestes termos, o Governo tem a honra de apresentar à Assembleia Nacional a seguinte proposta de lei:

I
Fins e constituição

Base I

As corporações constituem a organização integral das diferentes actividades de ordem moral, cultural e económica e têm por fim representar e defender os seus interesses, com vista à realização do bem comum.

Base II

1. As corporações são formadas por instituições [...] organismos corporativos, segundo as funções sociais ou económicas ou os ramos fundamentais da produção.
2- As instituições e organismos correspondentes a actividades diferenciadas podem constituir secções dentro da corporação.

Base III

Enquanto forem julgados necessários, os organismos de coordenação económica funcionam como elementos de ligação entre o Estado e as corporações, devendo os seus órgãos representativos sempre que possível, ser constituídos pelas secções destas.

II

Atribuições e competência

Base IV

São atribuições da corporação:

a) Exercer as funções políticas conferidas pela lei;

b) Representar e defender, nomeadamente na Câmara Corporativa e junto do Governo e dos órgãos da Administração, os interesses comuns das respectivas actividades;

c) Intervir na negociação das convenções colectiva;" de trabalho, promover a organização e o desenvolvimento da previdência, bem como dos serviços, sociais corporativos e do trabalho, e, quando solicitada, tentar a conciliação nas controvérsias entre patrões e trabalhadores;

d) Regular as relações sociais ou económicas entre as instituições ou os organismos corporativos, propor ao Governo normas de observância geral sobre a disciplina das actividades ou da produção e dos mercados ou. com assentimento do Estado, estabelecer essas normas, com vista, designadamente, à colaboração das classes, ao aperfeiçoamento da técnica e aumento da produtividade do trabalho, aos menores preços o maiores salários compatíveis com a justiça social;

e) Desenvolver a consciência corporativa e o espírito de cooperação social bem como o sentimento de solidariedade de interesses entre Iodos os elementos que a compõem:

f] Conhecer do recurso interpostos das decisões de natureza disciplinar dos organismos que a integram.

Base V

1. O Governo poderá ouvir as corporações sobre problemas de administração pública.

2. Os órgãos consultivos dos Mistérios serão substituídos, sempre que possível, pelas corporações, as quais se [...], para o exercício de tunções de consulta, representantes dos serviços públicos ou de entidades especializadas.

3. Quando não for possível a substituição prevista no número anterior, caberá às corporação designar os representantes das respectivas actividades nos órgãos consultivos dos Ministérios.

Base VI

Os presidentes das corporações podem ser convocados para assistir às reuniões do Conselho Corporativo em que forem apreciados assuntos respeitantes às actividades por elas representadas.

III

Organização

Base VIII

1. As corporações são pessoas colectivas de direito público.
2. O reconhecimento da personalidade das corporações será feito por decreto, ouvido o Conselho Corporativo.

Página 584

584 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 130

Base VIII
São órgãos da corporação:

a) O conselho de corporação
b) Os conselhos das secções;
c) A direcção;
d) A junta disciplinar.

BASE IX

l. A corporação tem mu presidente, eleito polo conselho a que se refere a alínea a) da base anterior.
2. Compete, ao presidente da corporação presidir às reuniões dos conselhos da corporação e das secções, bem como à direcção.
3. Cada conselho de secção elegerá um vice-presidente, que presidirá moralmente aos respectivos trabalhos.
4. Os vice-presidentes das secções são também vice-presidentes do conselho da corporação. substituindo a presidente pela ordem de criação das secções; o presidente designará aquele de entre eles que há-de funcionar como vice-presidente da direcção.
5. No caso de na corporação não existirem secções, o vice-presidente será eleito nas condições estabelecidas pura a eleição do presidente.

BASE X

1. Compõem o conselho da corporação, alem do presidente e vice-presidentes respectivos, representantes dos organismos corporativos que a constituem e os presidentes dos organismos de coordenação económica que junto dela funcionem.
2. Compõem os conselhos das secções representantes dos organismos corporativos interessados e os presidentes dos organismos coordenação económica cujas atribuições respeitem às matérias do âmbito da secção.
3. A direcção ó constituída pelo presidente, por um vice-presidente e por vogais, em número a estabelecer, eleitos pelo conselho da corporação entre os seus membros.
4. A junta disciplinar é presidida por um juiz designado pelo 'Conselho Corporativo e por vogas eleitos, para cada secção pelo conselho da corporação.

Base XI

1. Os organismos corporativos primários e não nau estiveram constituídos organismos corporativos intermédios, designarão entre si, pela forma que vier a ser definida, os seus representantes na corporação.
2. O concelho corporativo pode decidir que façam parte dos concelhos da corporação representantes de actividades não organizadas.

Base XII

1. Os conselhos das sessões da mesma ou de diversas corporações reunirão conjuntamente todos ou parte dos seus membros sempre que a natureza dos assuntos a tratar o aconselhe.
2. Ao presidente da corporação ou de qualquer das corporações interessadas pertence convocar as reuniões previstas no número anterior.
3. O Governo poderá solicitar do presidente da Câmara Corporativa a reunião conjunta das secções de diversas corporações sempre que nisso haja manifesta conveniência.

Base XIII

A aprovação dos regimentos das corporações e da competência do Ministro das Corporações e Previdência Social, ouvido o Conselho Corporativo.

IV

Instituição de corporações

Base XIV

As primeiras corporações a instituição as seguintes:

a) Corporação da Lavoura;
b) Corporação da Indústria:
c) Corporação do Comércio;
d) Corporação dos Transportes e Turismo;
e) Corporação do Crédito e Seguros;
f) Corporação da Pesca e Conservas.

Base XV

O Governo definirá quais os ramos da actividade social que devem ser considerados corporações na ordem moral e cultural ou a elas equiparados.

Base XVI

As corporações instituídas em cumprimento disposto na base XIV substituirão na Câmara Corporativa, desde o começo da próxima sessão legislativa, a representação actual das respectivas actividades.

Base XVII

E revogado o decreto-lei n.º 29 110 de 12 de Dezembro de 1935.
Lisboa, 13 de Março de 1956 - O Ministro das Corporações e Previdência Social, Henrique Veiga de Macedo.

Proposta de lei

PLANO DE FORMAÇÃO SOCIAL E CORPORATIVA

I

Razão de ser do Plano

1. A política social do Governo tem-se inspirado nos princípios consagrados na Constituição e no Estatuto do Trabalho Nacional, que atribuem á propriedade, ao capital e ao trabalho uma função social, em regime de cooperação económica e solidariedade. Independentemente dos juízos que possam formular-se sobre a celeridade com que se caminhou e sobre os objectivos atingidos, é indiscutível que a partir de1933 muito se realizou, na ordem jurídica e na ordem prática, em favor da melhoria das condições de vida e da segurança social dos trabalhadores. E dado que também aqui é lícito afirmar ter-se partido do zero - houve que começar pelo princípio: por alicerçar e por estruturar, para construir.
Quando a esta luz se contempla o acervo de realizações dos últimos vinte e dois anos, n se observa o que ele naturalmente represe na valorização das questões do trabalho o em salvaguarda dos interesses , da dignidade do trabalhador, pode concluir-se que foram, em boa parte, satisfeitos fortes anseios de justiça, em contraste com o total abandono a que. durante largos anos de funesta agitação, se votaram estes problemas, e até a própria consciência deles.
Mas se isto é assim, não pode. contudo, deixar de reconhecer-se que a obra realizada nem sempre alcançou a compreensão que seria legítimo esperar, tanto dos próprios trabalhadores, seus mais directos beneficiários, como das empresas e dos diversos sectores da vida económica, para os quais o clima de paz social e.

Página 585

17 DE MARCO DE 1956 585

a melhoria do teor de vida da população constituem elemento imprescindível de progresso.
Da verificação do facto decorre esta certeza: as realizações sociais não têm sido acompanhadas do correspondente esforço de doutrinação dos trabalhadores e do patronato, em ordem a esclarecer e divulgar os princípios, a formar e a informar as inteligências e a criar aquele mínimo de simpatia e de interesse sem o qual não conseguem vingar, no terreno das realidades, as melhores construções ideológicas e jurídicas. Importa, pois, tentar mudar tal estado de coisas. E não devem poupar-se ou minimizar-se os trabalhos e sacrifícios que a prossecução deste objectivo exigir, porque dele depende, além do mais, a eliminação de dois graves perigos: um, derivado da ausência de espírito de caridade e de justiça nos que se recusem a abrir os olhos às realidades sociais e o coração às necessidades e direitos dos trabalhadores; outro, não menor, proveniente das reivindicações sistemáticas e desmedidas das massas operárias, do seu permanente descontentamento - apesar da obra feita em seu benefício, por maior que seja -, e da instauração de um conceito materialista da vida, que tudo acabaria por subverter e destruir.

2. Definido constitucionalmente o Estado Português como corporativo, iniciou-se, após a publicação, em 23 de Setembro de 1933 do Estatuto do Trabalho Nacional e dos diplomas complementares, a obra da organização corporativa da Nação - a qual, mercê de um conjunto de circunstâncias de ordem externa ou interna, só agora é possível levar até ao seu termo natural. Também aqui -como no domínio do social - muito se avançou: lançou-se uma vasta rede de organismos primários patronais e de trabalhadores, constituiu-se um bom número de organismos secundários, procurou-se, enfim, estruturar, em bases corporativos, a economia e o trabalho nacionais.
Com a instituição das primeiras corporações, prevista na proposta de lei, também desta data. dá-to um passo decisivo no sentido de completar a organização, o que impõe um maior impulso tendente a levar ao fim a criação dos organismos primários e intermédios, sempre que estes se mostrem necessários.
E precisamente neste momento, em que o Governo julga oportuno instituir as primeiras corporações, que mais se faz sentir a necessidade de uma intensa, ordenada e esclarecida doutrinação, susceptível de, pela adesão aos princípios e pela confiança nas soluções, empolgar um largo escol de portugueses. Doutra sorte correr-se-ia o risco de. vir a ter-se, porventura, uma construção corporativa integral e quanto possível perfeita - mas privada de alma, vazia do sentido e sem projecção.
Não é pois, exagerado concluir que doutrinar, fazer educação social viva, dar conteúdo humano e vigorosa penetração à acção social, difundir o conhecimento dos princípios em que se apoiam as realizações sociais e corporativas, bem como estreitar a cooperação entre o capital e o trabalho e formar dirigentes patronais e operários - constituem exigência fundamental para o êxito de um sistema que todos continuamos a considerar como único capaz de dar resposta às inquietações e às dúvidas dos tempos moderno* e de assegurar a continuidade do ressurgimento da Nação.

II

Estrutura jurídica do Plano

3. Foi em obediência a estes imperativos que se elaborou o presente Plano de Formação Social e Corporativa, a executar sob a directa responsabilidade do Ministério das Corporações e Previdência Social e com a cooperação, quer da organização corporativa e da previdência, quer dos serviços do Estado e dos corpos administrativos, quer ainda das empresas.
Dizer-se que com o Plano se pretende robustecer e difundir o espírito de cooperação entre a propriedade, o capital e o trabalho e consolidar em prol do comum a consciência corporativa significa que houve o propósito de fazer trabalho susceptível de realização prática e assente em apropriada estrutura jurídica e orgânica.
Os objectivos que se têm em vista não poderiam, de resto, atingir-se apenas através da acção dos actuais serviços do Ministério, já absorvidos por tarefas de que não poderiam ser distraídos sem grave inconveniente.

4. Como instrumentos essenciais do Plano aparecem o centro de Estudos Sociais e Corporativos, o Instituto de Formação Social e Corporativa e o serviço social corporativo e do trabalho.
O Centro de Estudos funcionará no Ministério da Corporações e Previdência Social, junto do Gabinete do Ministro.
O Instituto, integrado para efeitos administrativos na Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, exercerá a sua actividade sob a orientação de um director, através da realização de cursos de cunho predominantemente prático e de visitas de estudo.
O serviço social corporativo e do trabalho constituirá como que o complemento dos serviços de acção social do Ministério das Corporações e Previdência Social e da organização corporativas da previdência e actuará nas comunidades locais e nas empresas e junto dos trabalhadores e suas famílias.
As actividades destes novos órgãos serão superiormente, orientadas e coordenadas pela Comissão Directiva da Acção Social, à qual presidirá o Ministro das Corporações e Previdência Social, (pie poderá designar um vice-presidente para em seu nome dirigir e executar as deliberações da Comissão.

III

Centro de Estados Sociais e Corporativos

5. São conhecidas a vastidão e a complexidade dos problemas cujo estudo e resolução incumbem ao Ministério das Corporações e Previdência Social. Ministério de criação recente, são também relativamente novos muitos dos assuntos ligados à esfera da sua jurisdição: a respeito deles não são numerosos os estudos nem existe uniu experiência suficientemente esclarecedora.
Não é possível, em questões de tanto melindre, caminhar ao sabor da inspiração momentânea, nem se montra, aconselhável adoptar desprevenidamente soluções alheias, só por excepção amoldáveis ao condicionalismo social português. Há temas do maior interesses actualidade que não foram ainda tratados nos seus múltiplos aspectos, ou -o que é pior que têm sido abordados com ligeireza de espírito por certas pessoas, as quais, talvez sem o quererem, vão fazendo sementeira de ideias erradas.

6. Nem pode esquecer-se que a acção deve ser precedida e acompanhada de análise objectiva e de metódica reflexão dos problemas. Mormente num Ministério votado, pela própria natureza das suas funções, à acção externa, importa evitar as deformações de que inadvertidamente possam deixar-se possuir os serviços e os ho-

Página 586

586 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 130

mens que a comandam. Raros são aqueles que conseguem o poder de realização faculdades de concepção serena e equilibrada dos grandes ou pequenos planos.
Isto significa que não pode dispensar-se, no Ministério das Corporações, um gabinete de estudos que aproveite a experiência dia a dia vivida e que aprecie com método científico as questões relativas no regime de trabalho e à sua segurança, à previdência, aos aspecto, sociais da vida da organização da empresa, às técnicas e finalidades da acção social e à teoria e doutrina corporativas.

7. Há presentemente, questões em suspenso sobre a estruturação, o âmbito os poderes e o funcionamento das organismos corporativos.
Só um grupo de pessoas com sólida preparação e inteiramente votadas ao estudo dos problemas poderá fornecer conclusões merecedoras de confiança e susceptíveis de servirem de base não apenas ao fortalecimento e extensão da organização corporativa mas também à reforma da previdência e à revisão dos diversos institutos jurídicos do trabalho. Daí a ideia da criação de um Centro de Estudos Sociais e Corporativos, que, funcionando junto do Gabinete do Ministro das Corporações e Previdência Social, será entregue à direcção de uma individualidade de reconhecido mérito. Os trabalhos do Centro serão realizados por assistentes, escolhidos entre pessoas habilitadas com um curso superior e com preparação e propensão para estudos desta natureza.
A biblioteca do Instituto Nacional do Trabalho e previdência que possui numerosas e valiosas colecções de livros sobre questões sociais, transitará como é lógico para o Centro de Estudos, ao qual se confere o encargo de a manter permanentemente actualizada e de a converter em instrumento vivo de cultura.

8. Não se despreza a preparação pós-universitária do pessoal necessário para preencher os lugares que, nos serviços centrais ou regionais do Ministério das corporações, ou noutros postos directivos dos quadros da organização, exijam especiais conhecimentos de ordem técnica jurídica ou económica e uma boa formação social. Neste sentido, muito é de e esperar de uma continuada e compreensiva cooperação entre o Centro de Estudos e o Instituto de Formação Social e corporativa. O próprio Centro de Estudos poderá e deverá constituir mais um meio onde se recrutem futuros funcionários do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, da organizarão corporativa e até de outros serviços de carácter económico ou social.

IV
Instituto de Formação Social e Corporativa

9. Não basta estudar os problemas, definindo a doutrina, interpretando os resultados da política prosseguida e apontando rumos à acção. É mister preparar quadros directivos e suscitar ou robustecer a consciência das obrigações de carácter social entre os dirigentes das empresas e os trabalhadores, bem mino entre os próprios servidores do Estado, dos corpos administrativos e da organização corporativa e da previdência.
A concretizarão dos princípios que inspiraram esta proposta de lei fornecerá, oportuna e gradualmente, indicações sobre a melhor forma de se alcançarem, na medida do possível, tais objectivo!». Tem-se, no entanto, desde já, por certo não poder prescindir-se do funcionamento de um ou mais centros de educação social destinados a dirigentes sindicais e premiais, a empregados e operários, a servidores do Estado, dos corpos administrativos e da organização corporativa. A empresários e ainda a qualquer pessoas interessadas.
A ideia não é nova, se bem que, entre nós, se tivesse abandonado, logo de início, a tentativa de funcionamento de um Círculo de Estudos para Dirigentes Sindicais, feita, em tempos, pelo Subsecretariado do Estado das corporações e Previdência Social.
É de presumir que este facto tenha resultado da impossibilidade de então se criarem as condições jurídicas e fianceiras adequadas à organização e funcionamento daquele Círculo de Estudos.
Tudo se tara desta vez para que o Instituto de Formação Social e Corporativa possa corresponder às esperanças que nele se depositam.

10. O Instituto, tal como se prevê, será orientado por um director, assistido do pessoal que vier a ser designado pelo Ministro das Corporações e Previdência Social. Mais do que os problemas da respectiva organização, é decisivo o da escolha dos homens que devem dar vida e sentido ao Instituto. Tudo despenderá na realidade, de se encontrarem pessoas dotadas das necessárias qualidades para se consagrarem, com fervor e competência, a uma obra de autêntica missão social. Os seus cursos hão-de ter carácter mais formativo do que informativo, e a transmissão de conhecimentos há-de reduzir-se ao que de essencial e de prático se relacione com o regime de trabalho, a segurança e higiene no trabalho, o seguro social, a organização corporativa e as relações humanas da empresa.
A rotina metodológica e as palestras secas e eruditas têm de ceder lugar a uma actuação viva e directa, em que os lemas escolhidos e os processos adoptados criem, naturalmente, o ambiente favorável a um (cernido labor educativo e a uma forte comunhão de sentimentos. Mais do que dentro das quatro paredes de uma sala de aula a acção formativa será preferentemente externa e vivida por cada um e por todos. É vendo, observando, interrogando e trocando impressões que os frequentadores dos cursos hão-de compreender e sentir os princípios das vantagens da cooperação social e da doutrina corporativa. A actividade dominante dos orientadores dos cursos não poderá deixar de ser exercida através de criteriosa organização de visitas a organismos corporativos e de coordenação económica, instituições de previdência e de abono de família serviços médico-sociais e casas económicas, obras de sentido social ou educativo, empresas industriais e explorações agro-pecuária, museus e monumentos nacionais.
Ter-se-á presente que os programas e os métodos devem variar e adaptar-se contorne as circunstâncias e o nível cultural, os interesses, as profissões e as preferências dos frequentadores do Instituto. No pendor desta didáctica activa atribuir-se-á, no funcionamento dos cursos, papel de relevo a uma biblioteca com livros de recreio e de cultura e aos instrumentos audiovisuais destinados a distrair, a educar e ainda a facilitar a aprendizagem por parte de quem não esta habituado a grandes esforços de atenção e retenção.

11. A escolha das pessoas que devem frequentar os cursos constitui outro problema, que há-de ser tratado em harmonia com os dados da experiência. Em princípio, parece que os cursos devem ser homogéneos quanto ao nível de educação, à cultura e à idade dos seus componentes. Mas ter-se-ia também em vista a conveniência de neles juntar patrões, encarregados, técnicos e operários, como processo de aproximação e entendimento.
Os grémios e os sindicatos, a Casa do Povo e as Casas dos Pescadores poderão, com vantagem, pronunciar-se sobre as pessoas a convidar para a frequência.

Página 587

17 DE MARÇO DE 1956 587

dei instituto Compreende-se que o número de alunos, se alunos se lhes pode chamar, não deve ser muito grande, a fim de não prejudicar uma actuação directo e individual. E também indiscutível que os trabalhadores inscritos não cursos não devem sofrer quaisquer prejuízos. Os seus ordenados e salários serão pagos pelas receitas consignadas à execução do Plano, se os organismos corporativos ou as entidades patronais o não fizerem, e as seus lugares, bem como todos os seus direitos profissionais, tirarão devidamente assegurados, através de normas a estatuir.

12. Se o Instituto há-de ser, em tudo e por tudo, um centro acolhedor, deve procurar-se que as suas instalações, se bem que simples e modestas, sejam dignas, atraentes e cómodas. Importa que os frequentadores dos cursos se sintam tão bem que não mais possam esquecer a casa onde, durante alguns dias ou semana, apuraram os sentimentos de solidariedade social.
Aliás, a acção do Instituto junto dos seus frequentadores não deverá cessar com o encerramento do curau, mas terá de prosseguir, para além desse momento, através de troca de correspondência, de esclarecimento de duvidas e de envio de livros e de publicações.
Tudo está em que os órgãos directivos coordenadores previstos na presente proposta se mostrem inclinados a lançar mão de mais este meio de arção social e educativa.

V

Serviço social corporativo e do trabalho

13. O Plano de Formação Social e Corporativa não alcançaria a sua finalidade se não alcançaria largas perspectivas a uniu acção permanente na empresa, no agrupamento perspectivas na comunidade local, junto do trabalhador e sua família e junto das próprias entidades patronais. Ao estudo dos problemas, à formulação da doutrina e ao aperfeiçoamento das técnicas tendentes à divulgação desta, deve seguir-se uma acção directa de esclarecimento de protecção e de conselho junto das pessoas e famílias.

Com frequência se nota que os trabalhadores não têm reconhecido os benefícios da legislarão social e que eles e as entidades patronais nem sempre se com peneiram dos seus deveres de cooperarão. Mas ter-se-á feito alguma tentativa generalizada para elucidar convenientemente uns e outros e para os trazer a uma colaboração aberta com os organismos, instituições e serviços criados para a realização da justiça social?
Não é bastante conceder benefícios, satisfazer aspirações e melhorar as condições de vida da população para que esta si: convença da bondade da política social.
Urge por isso, recuperar o tempo perdido, tanto mais que outros, ao serviço de ideias malsãs, não têm estado quietos e têm sabido, com inteligência e tenacidade, lazer vasta sementeira de ideias sentimentos contrários à independência da Pátria e às conquistas da Civilização. «Se não queremos que o consumismo avance e nos subjugue, precisamos de eliminar as condições do seu progresso».
Para tanto, é torçoso começar por erguer e impulsionar uma obra de acção social que ilumine as inteligências, com o poder da razão e da verdade, e toque os corações, com o sortilégio da simpatia, da bondade e da sinceridade: acção social a exercer predominantemente no mundo do trabalho e dos trabalhadores, e assentando e partindo dos agrupamentos naturais e profissionais comparativamente organizados.

14. Com a criação do serviço social corporativo e do trabalho dá-se o primeiro grande passo para preencher tal lacuna, no sentido de promover uma a ajuda à pessoa humana para que construa por si a sua própria vida ».
Procura-se, assim, dar à política social corporativa o seu natural e imprescindível complemento, levando-a, e prolongando-a ide à comunidade local, à empresa, à família à pessoa. Não é outro o pensamento contido na proposta de lei: «O serviço social corporativo e do trabalho será exercido por assistentes sociais e outros trabalhadores sociais tecnicamente qualificados e terá por missão esclarecer, orientar e proteger os trabalhadores e suas famílias e fomentar o espírito de cooperação social entre os patrões e os trabalhadores e entre estes e os organismos corporativos a instituições de presidência ou de abono de família e quaisquer outras entidades particulares ou oficiais de carácter social.
A simples enunciação de algumas das suas finalidades específica- mostra a importância de que se revestem os novos serviços sociais para a defesa da pessoa e para a humanizarão dos cada luz mais complexos serviços da empresa, do trabalho e da previdência.
E não será pequena tarefa ajudar os trabalhadores a utilizarem, na medida dos seus direitos, os benefícios concedidos pelas instituições criadas para a realização da justiça e da segurança social e fornecer a estas organismos informações a alvitres tendentes à melhoria dos seus serviços e a uma actuação tanto quanto possível adaptada as condições especiais de cada caso.
Reveste sem dúvida, o maior interesse a missão de constituir nas famílias, nas empresas, nos bairros de casas económicas e nas comunidades locais uma força moral e de simpatia humana e um instrumento de estudo dos problemas individuais ou familiares e das necessidades dos diversos agrupamentos profissionais ou regionais, e de ser, pelo exemplo e pela acção, elemento vivo de concórdia, aproximação de classes e de educação, isto é, de felicidade e bem-estar pessoal e colectivo.

15. Pela primeira vez entre nós, se institui legalmente o serviço social .do trabalho. O facto assume significado mais relevante guando se repara que é no local do trabalho que o operário passa grande parte da sua vida e recebi as mais fundas influências de ordem psicológica e, tantas vezes, de ordem moral. É nele que, o trabalhador mais sente e mais vive as suas inquietações, recalcamentos e revoltas, como é nele que o processo de proletarização o se desenvolve, e agrava e que o espírito de luta de classes encontra atmosfera mais propícia á sua expansão. Isto evidencia que o problema das relações humanas na empresa bem a marca forte dos problemas mais agudos dos tempos modernos. Não é a empresa apenas uma organização económica e técnica, mas lambem e principalmente um agrupa mento social, um que sentimentos, aspirações e necessidades humanas se agitam e criam as mais delicadas questões.
Negar-se-ia a doutrina corporativa se na sua realização, e sem pôr de lado outros planos de interesse social, não procuras se congraçar o capital e o trabalho, o patrão e o operário, no campo das relações internas da empresa: ou seja, no campo em que um e outro mais próximos estão e mais longe deveriam estar- de se entrechocarem e hostilizarem. Nesta tarefa de promover a mútua compreensão de interesses e fomentar a cooperação franca de vontades muito pode e deve fazer o serviço social do trabalho.
Tem particular interesse esta afirmação de um industrial francês «O serviço social do trabalho permite, técnica o moralmente, a empresa moderna viver de modo semelhante ao da pequena oficina artesanal». Alcançar este objectivo seria o ideal, mas, mesmo que se não chegue tão longe, não há dúvida de que será muito benéfica a acção dos «trabalhadores sociais» na

Página 588

588 DIÁRIO DAS SESSÕES N. 130

solução das questões de ordem social ou moral que abundam nas empresas e, designadamente, nus grandes concentrações fabris, onde urge atenuar as deletérias consequências da proletarização do operariado.

16. Â primeira e grande preocupação da Comissão Coordenadora do Serviço Social Corporativo e do Trabalho deverá ser a de mostrar aos dirigentes das empresas as reais vantagens, mesmo no plano económico da produtividade, da acção dos «trabalhadores sociais». Confia-se em que as entidades patronais corresponderão ao apelo que, no seu interesse, no dos trabalhadores e no da paz social, lhes é dirigido para fundarem centros sociais, destinados a actuar dentro, junto ou fora da empresa, conforme as circunstâncias o aconselharem. De resto, graças no espírito do compreensão de alguns industriais, cujo exemplo importa fazer frutificar, já em várias unidades fabris exercem a sua acção trabalhadores do serviço social.
Quer dizer: a criação do centro; sociais do trabalho far-se-á em regime de voluntariado das empresas, pois só reputa ser tal orientação a mais consentânea com a natureza e finalidades do serviço social. Só para casos excepcionais se prevê a instituição obrigatória desse serviço.

17. Encara-se também o funcionamento de serviços sociais nas instituições de previdência e de abono de família, bem como nos organismos corporativos.
O sistema da previdência e do abono de família beneficia presentemente, entre trabalhadores e seus familiares, cerca de um milhão o setecentos mil portugueses. Por isto, e porque a sua expansão está ainda longe de atingir os limites desejados, julgou-se vantajoso que a previdência passe a utilizar os serviços sociais, em ordem à mais perfeita realização das suas finalidades.
No estreitamento das relações entre os órgãos directivos e administrativos das caixas e os seus beneficiários, na elucidação destes quanto em seus direitos e deveres e aos superiores objectivos da previdência, nu possível adaptação das normas regulamentares ao particularíssimo de cada caso, na acção discreta e desvelada junto dos operários e entidades patronais, podem os assistentes da acção social e educativa prestar valiosos serviços à causa da segurança dos trabalhadores e às instituições encarregadas de a realizar.
Esta arção torna-se particularmente indispensável no âmbito, cada vê* mais vasto, dos serviços médico - sociais da previdência e das instituições de abono de família.
Neste tampo abrem-se perspectivas quase ilimitadas ao trabalho social, na acção educativa e moral, profiláctica e higiénica, na interligação do doente e do médico e no amparo e orientação do beneficiário e Mia família.
E não se vê solução mais natural, mais fácil de principalmente mais coerente com a concepção corporativa, para dar efectivação prática à política de protecção e elevação do trabalhador e da sua família, do que esta de aproveitar e valorizar os organismos e instituições de raiz e sentido corporativos.

18. Foi esta orientação que levou ainda ao reconhecimento da necessidade de serviços sociais corporativos e do trabalho nos sindicatos nacionais, grémios, Casas do Povo e Casas dos Pescadores.
É certo que o Decreto-Lei n.º 35 457, de 19 de Janeiro de 1946, ao prever o funcionamento no Instituto cio Serviço 'Social de um curso complementar especial destinado à formação de assistentes rio serviço social corporativo dá tombem aos sindicatos nacionais t às Casas do Povo e Casas dos Pescadores a faculdade
de criarem lugares de assistentes de serviço social. A verdade, porém, é que nestes organismos não têm actuado assistentes sociais, nem naquele Instituto se inscreveram quaisquer alunas no recurso de assistentes sociais corporativos, que por isso até hoje não chegou sequer a iniciar o seu funcionamento.
Far-se-á agora mais ampla tentativa, procurando-se levar a organização a desempenhar uni papel de relevo que. neste domínio da acção social, tanto se confunde com as suas, mais específicas finalidades.
Os grémios e os sindicatos poderão principalmente suprir as lacunas resultantes da impossibilidade de se instituírem .serviços sociais em todas as empresas. Embora se preveja a criação de centros sociais destinados a abranger a população trabalhadora de mais de uma empresa, convém não afastar a intervenção supletiva ou complementar ou mesmo autónoma dos sindicatos nacionais e dos grémios, bem como da- suas federações e uniões.
Sendo por outro lado, certo que o espírito da luta de classes e os factores de subversão social e de [...] moral estão longo de surgir apenas no âmbito interno das empresas, pois são também resultado de influenciai de ordem vária nos costumes, nas relações humanas e nas consciências, compreender-se-á que o, centros sociais dos sindicatos e grémios devam actuar como serviços sociais de comunidade, sempre que a concentração habitacional dos agrupamentos profissionais o permita e o aconselhe.
Será ainda, sob esta feição e com estes propósito que se desenvolverão e aperfeiçoarão os incipientes serviços sociais do diversos bairros de casas económicas ou de renda económica.

19. Os serviços sociais a integrar na esfera da competência das Casas do Povo assumirão nitidamente o carácter específico de centros sociais de comunidade, abrangendo toda a população da área promovendo a sua elevação moral, fomentando o espírito de solidariedade e de boa vizinhança e constituindo instrumentos activos contra as verdadeiras causas da desrularização. Ocioso será frisar que os «trabalhadores sociais a têm singular missão a cumprir no âmbito das Casas do Povo - das que estão criadas e daquelas cuja fundação vai tentar-se não apenas nus freguesias acentuadamente agrícolas, mas também noutras, onde maiores ou menores núcleo- de trabalhadores rurais, por viverem em couta et o permanente com as populações fabris, sentem mais o desfavor da sua situação e mais expostos se encontram a perniciosas influências.
Afirma-se, além cio mais. com a criação destes centros de serviço - nas Casas do Povo o propósito de contrariar a tendência para instalar, ao lado delas ou contra elas, instituições de raízes mais ou menos estranhas, que esvaziam de conteúdo ou duplicam a acção dos organismos corporativos rurais de cooperação social.

20. Todo este movimento há-de ser amparado e estimulado através de um órgão central, que, sem retirar autonomia aos diversos centros e aos agentes sociais, presidirá u coordenação geral dos serviços e estudará ou promoverá o estudo dos problemas mais directamente relacionados com a acção social na- empresas, lios organismos e nas comunidades locais.
Ë à Comissão Coordenadora do Serviço Social Corporativo e do Trabalho que incumbirão tais tarefas. Ela funcionará, em principio, sob a presidência de um funcionário superior do Ministério das Corporações e Previdência Social, que será coadjuvado por representantes da organização corporativa, das Juntas Centrais das Casas do Povo e das Casas dos Pescadores,

Página 589

17 DE MARÇO DE 1956 589

das instituições de previdência o abono de família c da Federação de Caixas de Previdência - Serviço Médico-Sociais c Habitações Económicas.
A Comissão poderão agregar-se outras entidades. A esta faculdade se recorrerá sempre que se mostre aconselhável, para mais perfeita coordenação entre todos os serviços de acção social, ouvir a Direcção-Geral da Assistência, a Obra das Mães pela Educarão Nacional e as escolas de formação de assistentes e auxiliares sociais e de educadoras familiares e o Nacional dos Profissionais do Servido Social.

21. Os deveres e os direitos, as condições de admissão e de prestação de serviço dos «trabalhadores sociais», bem como o processo de criação e as normas de funcionamento dos diversos centros de serviço social corporativo e do trabalho, serão estabelecidos através de diplomas especiais. As questões respeitantes à sua elaboração estão já a ser convenientemente analisadas. A todas elas sobreleva, porém, a da formarão e selecção dos «trabalhadores sociais». A execução do Plano será, neste aspecto, lenta, pois não existe, em número suficiente, pessoal tecnicamente habilitado. É em atenção a isso que se atribuem ao Ministério das Corporações poderes para patrocinar a criarão ou o funcionamento de escolas de preparação de «trabalhadores sociais», a exemplo, aliás, do que já vem fazendo, através da concessão anual de subsídios ao Instituto do Serviço Social de Lisboa.
Nem se perderá de vista que, neste domínio, não basta a preparação técnica e cultural. Trata-se de uma autêntica obra de apostolado social, e, portanto, só deve ser chamado a cooperar nela quem mostrar decidida vocação.

VI

Outros meios da acção social e cultural

22. As actividades até agora referidas são essenciais na estrutura geral do Plano mas não são as únicas. A realização de missões de acção social e de encontros e de congressos nacionais ou regionais, em que se versem temas de carácter social ou corporativo, a organização de cursos de férias ou nocturnos, de visitas, excursões, círculos de estudo, ciclos do palestram e conferências, a distribuição de livro» e folhetos, bem como a utilização da imprensa, da rádio e do cinema, estão também incluídos nos programas gizados.
Previu-se ainda a instalação de bibliotecas nos locais de trabalho e nos organismos corporativos. Não podem elas ser constituídas tão-somente por livros de sentido social, mas deverá ser importante o núcleo de publicações deste género.
Com esta medida relativa à fundação de bibliotecas nas empresas e nas sedes dos organismos corporativos pretende-se contribuir para a consolidação e desenvolvimento da educação popular. De resto, se sobre a organização corporativa impendem especiais responsabilidades de instrução e educação, não poderia admitir-se que ela não aproveitasse o presente ensejo para cumprir o seu dever na melhoria do teor de cultura dos trabalhadores portugueses.
Sublinhe-se ainda que são bem modestos os encargos que para as empresas poderão advir da, instalação e funcionamento de pequenas bibliotecas nos locais de trabalho ou noutros mais convenientes para o pessoal. O livro será aqui, além de elemento de recreio, ensino e educação, eficaz instrumento de valorização humana quando inteligentemente aproveitado pelos dirigentes da empresa ou pelos agentes do serviço social do trabalho.

VII

Competência dos órgãos superiores de direcção e coordenação

23. Transplantação para o terreno prático de um plano [...] as características do que se estruturou não pode prescindir da existência de um órgão superior que dirija e coordene as diversas actividades. Por [...] a Comissão Directiva da acção social, à qual competirá definir as linhas gerais dos trabalhos a empreender, bem como acompanhar a realização destes. Presidirá a essa Comissão o Ministro das Corporações e Previdência Social e dela farão parte, além de dois vogais, um representante das corporações, os directores-gerais e os chefes dos serviços de acção social do Ministério e o presidente da Fundação Nacional para a alegria no Trabalho. Considerando as responsabilidades e os serviços que se exigem da Comissão Directiva, dá-se ao Ministro a faculdade de designar um vice-presidente, incumbido, como seu delegado, de orientar, sempre que necessário, os trabalhos e de promover a execução das deliberações tomadas.
A Comissão orientará e coordenará, não apenas as actividades previstas nesta proposta de lei, mas também as dos serviços de acção cultural ou social do Ministério ou dele dependentes, e as dos organismos corporativos e caixas de previdência. Competir-lhe-á ainda fomentar a criação e o desenvolvimento de centros ou gabinetes de estudos sociais e corporativos em quaisquer instituições ou estabelecimentos de carácter cultural e designadamente nas escolas superiores cujos planos de estudo mais directamente se relacionem com as programas da política social, Conceder prémios, pecuniários aos autores, de trabalhos sobre corporativismo e questões sociais, incumbir pessoas de reconhecido mérito de estudarem as mesmas matérias, promover a atribuição de bolsas a quem tenha manifestado relevante interesse pelos assuntos corporativos, do trabalho e da segurança social, ficam também na esfera da competência da Comissão Directiva, o que a converte em [...] do pensamento e da acção do Plano.

24. Como é natural, os organismos corporativos e as caixas de previdência, os serviços do Estado e os corpos administrativos, bem como a Obra das Mães pela Educação Nacional e as organizações Mocidade Portuguesa e Mocidade Portuguesa Feminina, serão chamados a dar o seu concurso à efectivação do Plano de Formação Social. Por isso se atribui ao Conselho Corporativo a superior coordenação das actividades dos diferentes Ministérios, no que interessar à expedição do Plano e à definição para o efeito, das condições gerais e do sentido da colaboração a prestar pêlos serviços e organismos dependentes de cada um. Como nas sessões do Conselho, em que este use de tal competência, estarão presentes os Ministros de que dependem os serviços cuja, cooperação se repute necessária, tornar-se-á mais fácil estabelecer programas comuns de acção interministerial e mobilizar todas as forças e vontades aproveitáveis - que todas não são de mais para dar altura e vida a um movimento do maior significado social e político.
É especialmente de prever que assim se torne ainda mais íntimo e eficiente o entendimento entre o Ministério da Educação Nacional e o das Corporações e Previdência Social, quer no que toca à acção da Mocidade Portuguesa e dos organismos corporativos junto da juventude operária e agraria tão carecida de amparo e de doutrinação, quer no sentido de proporcionar aos alunos do ensino médio e universitário mais sólida formação e uma mais perfeita informação dos assuntos sociais.

Página 590

590 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 130

bem como mais estreito e compreensivo contacto com as instituições o realizações de carácter social e corporativo.

VIII

Pessoal e disponibilidades financeiras

25. Não se descuraram as questões relativas aos critérios de selecção dos homens que têm de transformar em realidade o Plano. Houve, sobretudo, a preocupação de impedir a todo o custo, através da escolha do regime da prestação de serviços, a burocratização daqueles a quem será entregue a orientação e a execução dos programas delineados ou a delinear. Se há tarefas que exibem inteligência e te, formação e entusiasmo, coragem e simpatia, são exactamente estas da acção e doutrinação social.

Tomaram-se, simultaneamente, medidas que devem permitir assegurar as necessárias disponibilidades. Adoptou-se a solução de um fundo especial pois se reconheceu que a mobilidade e a rapidez não podem deixar de ser as características dominantes da actividade a desenvolver. Esse fundo será constituído por contribuições ou com participações do Estado, da organização corporativa, das caixas e federações de caixas de previdência, e dos Fundos de Casas Económicas e do Abono de Família. Uma comissão, de que fará parte um representante do Ministério das Finanças, administrará u fundo, contabilizará nas suas receitas e despesas, elaborará os orçamentos e as contas anuais a submeter à aprovação ministerial.

As considerações feitas permitem, segundo se cré. surpreender as linhas gerais do pensamento que informa a proposta de lei, bem como os propósitos que; levaram o Governo a elaborá-la.
O valor do Plano estará, porventura, mais no espírito que o ditou e o anima do que na formulação jurídica, e na sistematização das suas bases.
Será esse mesmo espírito garantia da sua cabal execução - se todos se dispuserem a oferecer, sem reservas ou temores, o seu activo contributo a um empreendimento de alcance nacional e humano.
Nesta fase da vida portuguesa, em que a Revolução Corporativa se prepara para dar mais um grande passo em frente, e numa época como a nossa, tão conturbada por falsas ideias e perigosos sentimentos, não se dirá. certamente, que o Plano de Formação Social e Corporativa não responde a punis anseios de paz e de justiça - na solidariedade dos interesses e na cooperação fraterna entre os homens.
Sabe-se bem que no domínio da acção social e das actividades educativas sempre se há-de descobrir o que está mal ou o que está por fazer, para se esquecer ou não ver o que se tez.
Por isso mesmo mais vivo será o empenho do Governo em não cruzar os braços perante a grandeza das finalidades a atingir.
Nestes termos, o Governo tem a honra de apresentar a seguinte proposta de lei:

Plano de Formação Social e Corporativa

I

Finalidades

BASE I

l. O plano de acção, destinado a difundir e fortalecer o espírito corporativo e a consciência dos deveres de cooperação social, obedecerá à orientação geral definida no presente diploma.
2. O plano será designado por «Plano de Formação Social e Corporativa» e a sua execução incumbirá ;ao Ministério dai Corporações e Previdência Social.

BASE II

Os organismos corporativos e as instituições de previdência social ou de abono de família, bem como os serviços do Estado e das autarquias locais, a Obra das Mães pela Educação Nacional e as organizações Mocidade Portuguesa e Mocidade Portuguesa Feminina, deverão colaborar, pela forma que vier a ser estabelecida, na eleição do Plano.

II

Orientação e execução

BASE III

1. O Conselho Corporativo coordenará a actividade dos diferentes Ministérios, no que interessar à realização do Plano. definindo, para o efeito, as condições gerais e o sentido da colaboração dos respectivos serviços e organismos.
2. Sempre que o Conselho tenha de usar da competência atribuída nesta base, deverão ser convocados para a sessão os Ministros de que dependam os serviços ou organismos cuja colaboração se repute necessária.

BASE IV

1. É instituída a Comissão Directiva da Acção Social, a que presidirá o Ministro das Corporações e Previdência Social e que será composta por dois vogais a designar pelo Ministro, por um representante das corporações, pulos directores-gerais e chefe dos serviços de acção social do Ministério e pelo presidente da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho.
2. O Ministro pode designar um vice-presidente que como delegado seu. oriente os trabalhos da Comissão e promova a execução das respectiva- deliberações.

Competência da Comissão Directiva da Acção Social

BASE V

A Comissão Directiva da Acção Social compete especialmente:

a) Orientar e coordenar as actividades previstas neste diploma, bem como as de todos os serviços de acção social do Ministério, ou dele dependentes;
b) Fomentar a criação e promover o desenvolvimento de centros ou gabinetes de estudos sociais e corporativos nos organismos corporativos ou em quaisquer outras instituições ou estabelecimentos, designadamente nos de natureza cultural ou educativa;
c) Propor ao Instituto de Alta Cultura a concessão de bolsas de estudo, no País ou no estrangeiro, a pessoas de comprovada idoneidade intelectual, que tenham manifestado relevante interesse pelos problemas corporativos e do trabalho e segurança social:
d) Incumbir, mediante compensação a fixar por cada caso. pessoas de reconhecida competência de proceder a estudos sobre corporativismo, problemas de trabalho, previdência e quaisquer outros assuntos de intere-se para a expansão ou aperfeiçoamento da política social do Governo;

Página 591

17 DE MARÇO DE 1956 591

e) Conceder prémios pecuniários aos autores de estudos de real valor sobre os assuntos referidos na alínea anterior, promovendo, para o efeito, e sempre que necessário ou conveniente, a abertura de concursos;
f) Patrocinar a criação ou o funcionamento de escolas de formação de trabalhadores sociais e promover a realização de cursos de aperfeiçoamento e de actualização dos diversos agentes da acção social.

Comissões distritais

BASE VI

Como elementos de informação da Comissão Directiva e da execução das suas deliberações podem organizar-se comissões distritais, constituídas pelas entidades que o Ministro designar, as quais coadjuvarão os delegados do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, sempre que estes o julguem necessário, na acção tendente à formação da consciência dos deveres de cooperação social.

III

Instrumentos de realização do Plano

BASE VII

Para a realização do Plano são criados:

a) O Centro de Estudos Sociais e Corporativos, que funcionará no Ministério das Corporações e Previdência Social, junto do Gabinete do Ministro;
b) O Instituto de Formação Social e Corporativa;
c) O serviço social corporativo e do trabalho.

BASE VIII

A Comissão Directiva prevista na base IV utilizará ainda, além de outros que resolva adoptar, os seguintes meios de acção:

a) Missões de acção social a realizar pela Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho ou em cooperação com ela;
b) Círculos de estudo e ciclos de palestras ou conferências doutrinárias e de divulgação;
c) Cursos de férias, cursos nocturnos e visitas de estudo;
d) Encontros e congressos regionais ou nacionais sobre temas de carácter social ou corporativo;
e) Bibliotecas nos organismos corporativos e nos locais de trabalho e distribuição de livros e outras publicações de formação social;
f) A imprensa, a rádio e o cinema.

Centro de Estudos Sociais e Corporativos

BASE IX

O Centro referido na alínea a) da base VII tem por objectivo o estudo dos princípios informadores do sistema corporativo e dos problemas suscitados pelo seu funcionamento, bem como o estudo das questões relativas ao regime do trabalho, aos aspectos sociais da vida e organização das empresas, à previdência, e à acção social.

BASE X

1. A direcção do Centro de Estudos será confiada a uma individualidade de reconhecido mérito, pertencente ou não aos quadros dó Ministério das Corporações e Previdência Social.
2. Os trabalhos do Centro serão realizados, sob a orientação do respectivo director, por assistentes, os quais deverão possuir curso superior adequado.

BASE XI

A biblioteca do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, com o pessoal que lhe está adstrito, transitará para o Centro de Estudos, o qual deverá mante-lo permanentemente actualizada.

Instituto de Formação Social e Corporativa

BASE XII

1. Ao Instituto de Formação Social e Corporativa, previsto na alínea b) da base vil, compete especialmente assegurar a organização e o funcionamento de cursos e visitas de estudo destinados a dirigentes e servidores da organização corporativa e, de um modo geral, a trabalhadores e a elementos da direcção das empresas.
2. O Ministro das Corporações e Previdência Social poderá autorizar ou promover que os cursos do Instituto sejam frequentados por pessoas não compreendidas na primeira parte desta base.

BASE XIII

1. O Instituto terá um director, que será coadjuvado pelo pessoal que vier a ser designado pelo Ministro das Corporações e Previdência Social.
2. A organização e funcionamento do Instituto e dos seus cursos, bem como as condições de admissão e as garantias profissionais e facilidades a conceder aos que os frequentarem, constarão de regulamento a aprovar pelo Ministro das Corporações e Previdência Social.
3. As despesas respeitantes à instalação e funcionamento do Instituto ficam a cargo da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, que as satisfará por força de verbas inscritas no seu orçamento.
Serviço social corporativo e do trabalho

BASE XIV

1. O serviço social, corporativo e do trabalho será exercido por assistentes sociais e outros trabalha dores sociais técnicamente qualificados e terá por missão esclarecer, orientar e proteger os trabalhadores e suas famílias se fomentar o espírito de cooperação social entre os patrões e os trabalhadores e entre estes e os organismos corporativos, instituições de previdência ou de abono de família e quaisquer outras entidades particulares ou oficiais de carácter social.
2. Ao serviço social corporativo e do trabalho compete especial meu te:
a) Criar e desenvolver nos trabalhadores e nos patrões a consciência dos seus direitos e das suas responsabilidades e o espírito de cooperação social;
b) Ajudar os trabalhadores a utilizarem, na medida dos seus direitos, os benefícios concedidos pelas instituições ou serviços criados para a realização da justiça e da segurança social;
c) Fornecer aos organismos corporativos e instituições de carácter social informações e alvitres tendentes à melhoria dos respectivos serviços e uma actuação adaptada, tanto

Página 592

592 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 130

quanto possível, às condições especiais de cada situação;
d) Constituir nas famílias, nas empresas, nos bairros de casas económicas e nas várias comunidades uma força, moral e de simpatia humana e um instrumento de estudo dos problemas individuais ou familiares e das necessidades dos diversos agrupamentos profissionais ou regionais, transmitindo às instâncias responsáveis, sem quebra de sigilo profissional, os. resultados das observações ou inquéritos realizados;
e) Ser, pelo exemplo e pela actuação directa e continuada dos seus agentes, elemento vivo de concórdia, de aproximação de classes e de educação, constituindo, no seu meio próprio, o complemento dos diferentes serviços de acção social do Ministério das Corporações e da organização corporativa.

BASE XV

1. É criada a Comissão Coordenadora do Serviço Social Corporativo e do Trabalho, que, em princípio, será presidida por um funcionário superior do Ministério e da qual farão parte, além de uma assistente social, representantes das corporações, das instituições de previdência, e de abono de família, das Juntas Centrais das Casas do Povo e dos Pescadores e da Federação de Caixas de Previdência - Serviços Médico-Sociais e Habitações Económicas.
2. A esta Comissão poderão ser agregados trabalhadores sociais ou outras entidades necessárias ao perfeito exercício das suas funções.

BASE XVI

1. Além de outras funções que lhe venham a ser fixadas, a Comissão Coordenadora, prevista na base anterior exercerá junto das empresas uma acção de esclarecimento sobre as vantagens morais, sociais e económicas do funcionamento do serviço social do trabalho.
2. Em casos excepcionais poderá ser imposta às empresas a criação de serviços sociais do trabalho.

BASE XVII

1. Em diploma especial, ouvida a Comissão Coordenadora prevista na base XV, serão estabelecidos, além dos direitos, as obrigações, competência e condições de admissão e prestação de serviços dos trabalhadores sociais, o processo de criação e as normas de funcionamento dos centros de serviço social das instituições de previdência ou de abono de família, organismos corporativos e empresas.
2. Também sob proposta da referida Comissão Coordenadora, poderá o Ministro criar centros de serviço social destinados à população trabalhadora, abrangida por mais de um organismo ou empresa.
Outros elementos de formação social

BASE XVIII

As actividades previstas na base viu obedecerão a regulamentos a aprovar por despacho do Ministro das Corporações e Previdência Social.

BASE XIX

. As empresas de reconhecida capacidade económica e com mais de cem trabalhadores ao seu serviço poderão ser obrigadas, mediante deliberação da Comissão Directiva da Acção Social, a instalar, à sua custa, bibliotecas para o pessoal ao seu serviço.
2. A escolha dos livros poderá ser feita pelas empresas, ouvida a Comissão Coordenadora do Serviço Social Corporativo e do Trabalho, que solicitará, sempre que nisso se reconheça vantagem, o parecer dos serviços competentes do Ministério da Educação Nacional.

V

Provimento de cargos

BASE XX

Serão feitas por simples despacho do Ministro das Corporações e Previdência Social a nomeação e a exoneração do vice-presidente e dos vogais da Comissão Directiva da Acção Social, do director e dos assistentes do Centro de Estudos Sociais e Corporativos, do director do Instituto de Formação Social e Corporativa, do presidente da Comissão Coordenadora do Serviço Social Corporativo e do Trabalho e do restante pessoal necessário à execução do Plano.

BASE XXI

1. O vice-presidente da Comissão Directiva da Acção Social, o director e os assistentes do Centro de Estudos perceberão uma remuneração mensal a fixar pelo Ministro das Corporações e Previdência Social de acordo com o Ministro das Finanças.
2. Os funcionários público.3 chamados ao desempenho destas funções servirão em regime dê comissão, podendo o Ministro das Corporações e Previdência Social atribuir-lhes, sem prejuízo do vencimento, uma gratificação pelo ónus especial do cargo.
3. O director e demais pessoal do Instituto de Formação Social e Corporativa poderão, quando funcionários públicos, prestar serviço em regime de requisição, sendo-lhes aplicável o disposto na segunda parte desta base.

BASE XXII

1. Os funcionários públicos chamados ao abrigo deste diploma, em regime de comissão de serviço ou de requisição, conservam o direito aos seus lugares, os quais só poderão ser preenchidos interinamente.
2. O tempo do serviço em comissão ou requisição considera-se, para efeito de diuturnidades, concursos ou aposentação, como prestado pelo funcionário no seu lugar.

V

Receitas e administração

BASE XXIII

À realização do Plano serão destinadas contribuições ou comparticipações provenientes:

a) De verbas anualmente inscritas no Orçamento Geral do Estado;
b) Dos organismos corporativos e das Juntas Centrais das Casas do Povo e dos Pescadores, bem como das instituições de previdência e de abono de família e da Federação de Caixas de Previdência - Serviços Médico-Sociais e Habitações Económicas;
c) Do Fundo Nacional do Abono de Família e do Fundo de Casas Económicas.

BASE XXIV

O Ministro das Corporações e Previdência Social fixará anualmente as contribuições ou comparticipa-

Página 593

17 DE MARÇO DE 1956 593

ções a pagar nos termos do disposto nas alíneas ò) e c) da base anterior, bem como indicará quais os organismos e entidades abrangidos por este preceito.

BASE XXV

1. As importâncias recebidas nos termos da base XXIII constituirão um fundo, que será administrado por um conselho administrativo formado pelos directores-gerais do Ministério das Corporações e Previdência Social e por um representante ido Ministério das Finanças.
2. As contas das despesas realizadas em cada ano serão sujeitas aos vistos dos Ministros das Corporações
e Previdência Social e das Finanças, mediante os quais se consideram legitimadas.

BASE XXVI

O Ministro das Corporações e Previdência Social poderá contratar ou assalariar o pessoal necessário à execução do Plano, sendo os respectivos encargos satisfeitos pelas forças do fundo criado na base anterior.

Lisboa, 13 de Março de 1956. - O Ministro das Corporações e Previdência Social, Henrique Veiga de Macedo.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Página 594

 

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×