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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 131
ANO DE 1956 21 DE MARÇO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.º 131, EM 20 DE MARÇO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. - Aprovaram-se os n.ºs 127 e 128 do Diário das Sessões.
Foram recebidos na Mesa os dementou forneci doa pela Presidência, do Conselho em satisfação de um requerimento do Sr. Deputado Amaral Neto.
Foram igualmente recebidos os elementos fornecidos pelos Ministérios do Ultramar, Economia e Corporações em satisfação de requerimentos dos Srs. Deputados Pereira Jardim, Melo Machado e Augusto Simões.
Todos estes elementos se entregaram aos Srs. Deputados requerentes.
Para cumprimento do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, chegaram, à Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, os n.ºs 53 e 56 do Diário do Governo, 1.ª série, que inserem os Decretos-Leis n.ºs 40 503 e 40 556.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Águedo de Oliveira, acerca da localização da indústria da siderurgia; Magalhães e Couto, que agradeceu a atenção do Governo quanto aos problemas de Guimarães, e Pedro Cymbron, sobre o centenário do Prof. Alfredo Bensaúde.
O Sr. Presidente informou estar na Mesa um requerimento do Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu a insistir pela remessa de todos os elementos requeridos em 15 de Fevereiro último, a que se vai dar pronto andamento.
Ordem do dia. - O Sr. Deputado Melo Machado efectivou o seu aviso prévio sobre comércio externo.
Pelo Sr. Deputado Alberto do Araújo foi requerida a generalização do debate, o que foi concedido.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às IS horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Aurélio Pereira da Conceição.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raul Galiano Tavares.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
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Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
João Alpoim Borges do Canto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
osé dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
O Sr. Presidente:-Estão presentes 66 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente:-Estão em reclamação os n.ºs 127 e 128 do Diário deu Sessões, respectivamente de 13 e 14 de Março corrente.
Pausa.
O Sr. Presidente:-Visto nenhum Sr. Deputado desejar fazer qualquer reclamação, considero aprovados os referidos números do Diário das Sessões.
Enviados pela Presidência do Conselho, encontram-se na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das Obras Públicas em satisfação do requerimento do Sr. Deputado Amaral Neto.
A este respeito informa a Presidência do Conselho que «dos mapas enviados não constam as despesas com aquisição dos terrenos, em virtude de estes serem adquiridos directamente pelas diversas entidades interessadas. Todavia, se estes elementos forem considerados indispensáveis, não se encontrará dificuldade em interrogar as referidas entidades, prevendo-se, no entanto, que a reunião de todos os elementos tenha a apreciável demora que por agora se quis evitar».
Estes elementos vão ser entregues ao Sr. Deputado Amaral Neto.
Encontram-se também na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, os elementos fornecidos pelos Ministérios do Ultramar, da Economia e das Corporações e requeridos, respectivamente, pelos Srs. Deputados Pereira Jardim, Melo Machado e Augusto Simões. Vão ser entregues a estes Srs. Deputados.
Para cumprimento do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, encontram-se na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, os n.ºs 53 e 50 do Diário do Governo, 1.ª série, de 13 e da do corrente, que inserem, respectivamente, os Decretos-Leis n.ºs 40 553 e 40 050.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Águedo de Oliveira.
O Sr. Águedo de Oliveira: - Sr. Presidente: sobre o magno problema da siderurgia devo a V. Ex.a, Sr. Presidente, e à. Câmara, já há tempos, uma explicação.
Eu e os meus patrícios de Moncorvo e dos concelhos da margem direita do Douro internacional aguardamos a decisão do Governo, ansiosos mas confiantes, preocupados mas seguros de que justiça nos será feita.
Sabemos que o assunto é da competência dos técnicos- técnicos distintíssimos, tanto nacionais como estrangeiros, têm feito os seus relatórios desenvolvidos e profundos. Sabemos que o Prof. Ferreira Dias está pelo nosso lado - pelo Pocinho. Mas não devemos por agora acrescentar uma palavra a depoimentos da. especialidade tão qualificados.
Sabemos que o empreendimento é vasto e difícil, que desafia iniciativa rasgada e demanda grandes capitais, que os nau há naquelas terras, capitais sem atractivo de grande rendabilidade, porque a indústria do ferro não é rica; temos de confiar naqueles que corajosamente, e não olhando para trás, se abalançarem ao empreendimento.
Sabemos ainda que o problema está afecto à competência do Conselho Económico e do Governo. Foi assim que esta Assembleia o votou - num tempo em que pertencia àquele e não podia tomar parte nas reuniões desta. Nada tenho a fazer senão esperar pela sua decisão.
Farei, por isso, apenas uma nota: aquelas centenas de milhões de toneladas de minério, a imensidade das força hidroeléctrica do Douro e outros recursos locais são dons do Criador, postos ali como incentivo ao emprego, ao trabalho, compensação de um baixo teor de vida. o pareceria injusto que servissem para enriquecer apenas outrem e elevar o nível de tantos, sem promover o bem daqueles que são os seus desamparados naturais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Temos por nós ainda o planeamento racional das indústrias, a localização perfeitamente económica e as exigências contrárias da nova, urbanística dos fins sociais.
Portanto, eu e os meus patrícios de Moncorvo e da margem direita do Douro, professando um alto idea de justiça, aguardamos, confiantes e seguros, que a mesma justiça nos seja feita por quem do direito.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente:-Está na Mesa um requerimento d Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu, concebido no seguintes termos:
Novamente requeiro que, pelo Ministério das Finanças, me seja enviada urgentemente a informação que pedi já em 15 do Fevereiro último, sobre o número de reboques ou roulottes pertencentes a estrac
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geiros que em cada um dos anos de 1950 e 1955, inclusive, entraram pela nossa fronteira, segundo o registo dos respectivos serviços da alfândega.
Este requerimento vai ser imediatamente expedido.
O Sr. Magalhães e Couto: - Sr. Presidente: quando no início da presente legislatura pela primeira voz usei da palavra nesta alta Câmara não me furtei à triste obrigação do mostrar quanto de sombrio tinha o quadro das urgentes necessidades do Guimarães e quanto de imerecido havia no abandono e quase completo esquecimento a que, há longas décadas, estava sujeita aquela terra por parte dos Poderes Públicos.
Mas também não tive dúvidas em afirmar que esperava ter motivos mais que bastantes para trazer aqui, já na presente legislatura, a expressão dos mais veementes sentimentos do gratidão da cidade e concelho de Guimarães pelo interesse e carinho com que seriam recebidos os seus anseios por Salazar e o seu Governo.
Em nada, me enganei, Sr. Presidente.
Se é certo que ainda não posso trazer aqui a noticia do obras já concluídas em Guimarães, posso ser, alegremente, o portador das novas de uni próximo início de importantíssimos melhoramentos e do interresse com que actualmente estão sendo tratados, por parto do Governo da Nação, os problemas vimaranenses.
Das obras que então mencionei, o Palácio da Justiça está em plena construção e deu-se inicio do estúdio.
Os Paços dos Duques de Bragança, tão justamente acarinhados por Salazar, estão prestes a receber adequado mobiliário. É ultimamente o ilustre Ministro das Obras Públicas, Ex.mos Sr. Engenheiro Arautos e Oliveira, quis estudar, ele mesmo, no próprio local, acompanhado de abalizados técnicos do seu Ministério, os problemas da construção do novo liceu, da escola técnica, dos novos Paços do Concelho, do alargamento do centro da cidade o da supressão das duas perigosas passagens de nível do Castanheiro e de Covas.
Outras obras mereceram ainda a sua especial atenção.
Poderia S. Ex.a - o que já seria muito para agradecer- ordenar que os seus técnicos estudassem os problemas e lhe trouxessem as soluções.
Em qualquer terra, Sr. Presidente, a abertura de uma nova rua, a construção ou adaptação de um edifício para instrução ou outros fins será sempre motivo para regozijo. Em Guimarães, porém, isso só não basta.
É necessário que a rua ou edifício, além de satisfazer o seu fira especial, não desmereça, mas mais o aumente e valorize, o rico património arquitectónico, histórico o artístico de que Guimarães é possuidora e nobremente se orgulha.
À deslocação a Guimarães do ilustro Ministro das Obras Públicas, às suas grandes canseiras, a que o seu natural dinamismo o sujeitou, deram os Vimaranenses a interpretação justa do querer encontrar para cada problema, não uma solução qualquer, mas a mais consentânea com os altos interesses de Guimarães. E é assim, debaixo desse ponto de vista, que quero endereçar daqui desta alta tribuna, como Deputado o como vimaranense, ao ilustro Ministro das Obras Públicas, Ex.mo Sr. Engenheiro Arantes e Oliveira, as minhas mais entusiásticas saudações e os calorosos agradecimentos de toda a grei vimaranense.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Além dos que já estão em curso, muitos outros melhoramentos necessita Guimarães de receber para alcançar o nível do engrandecimento a que tem incontestável direito pelo seu passado histórico o pela sua presente importância industrial, comercial e agrícola.
Foram sempre. Sr. Presidente, os Vimaranenses tradicionais defensores das suas liberdade, dentro da lei e da moral.
Quebrado por longos anos o elo que a todos nos ligava às grandezas do passado, nunca os Vimaranenses deixaram que entre si pudesse a demagogia argentar os seus arraiais, e, quando a Providência revelou ao Mundo conturbado um genial orientador, que por Sua munificência fez português, os Vimaranenses, com aquela presciência que lhes advém das mais fundas raízes da nacionalidade, por eles ali há oito séculos implantada, logo lho outorgaram a sua confiança, o tiveram por chefe e o seguiram.
Isto foi há trinta anos. Desde então, constantemente debruçado sobre os problemas nacionais, continuamente imolado ao bem da Pátria, ao chefe da Revolução Nacional não lhe era possível remediar do pronto todos os males. O imerecido abandono e esquecimento continuou para Guimarães.
Mas isso em nada alterou o modo de pensar e confiança dos Vimaranenses, que tinham a certeza de que Salazar, por imperativos do seu espirito e da sua inteligência, havia do dar guarida no seu próprio coração ao que de justo, alevantado e nobre existia no sentir dos Vimaranenses, o estes já podem hoje agradecer para a sua torra - e pela minha voz o fazem com veemência - o esplendoroso alvorecer de uma nova e auspiciosa ora.
Ao desejarem, Sr. Presidente, o engrandecimento da sua terra, não o fazem os Vimaranenses por estulta vaidade ou fátuo amor próprio, mas sim com a nítida consciência do que honrar o venerar, amar e dignificar os primeiros padrões da nossa nacionalidade, ali implantados, o mesmo é que, numa inigualável lição de civismo, que aproveita a todos os portugueses, venerar, dignificar e amar a própria Pátria.
Em plena adesão e segura crença sem desfalecimentos e desde a primeira hora na política do Estado Novo, corta de que por Salazar e o seu Governo jamais lhe será negada a justiça que lho é devida, a cidade de Guimarães, almejando um progressivo futuro, do que sem dúvida é merecedora o que por honra de todos os portugueses deseja próximo, serenamente espera e confia.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pedro Cymbron: - Sr. Presidente: decorreu no dia 13 último o centenário do nascimento do Dr. Alfredo Bensaúde, mas porque estive ausente só hoje me posso referir a esse homem de invulgar capacidade intelectual, que não passou na vida despercebido. Figura de tão larga projecção na organização e no ensino de Engenharia em Portugal, deve, creio, sor lembrada nesta Casa, e a obrigação de o fazer cabe a um dos representantes da terra que se honra de ter sido o seu berço o de lhe guardar os últimos despojos.
Foi Alfredo Bensaúde, que possuía vasta cultura e excepcional habilidade manual, a par de músico distinto e amador de arte de grande sensibilidade, cientista e investigador de extraordinário mérito; mas onde a sua personalidade se manifesta com maior utilidade paru o Pais é como pedagogo, na orientação do ensino técnico superior.
Para o cumprimento da missão que lhe coube neste mundo adquiriu o Dr. Bensaúde, por vontade própria, magnífica preparação e, por motivos alheios ao seu querer, trazia da infância e do berço manifesto interesse e vocação para a pedagogia.
Cultivou a inteligência na Escola de Minas de Clausthal, que lhe deu o diploma de engenheiro, e na Universidade de Goetingen, onde se doutorou em Filosofia Natural.
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A sua tese sobre as «Anomalias ópticas em cristalografia» (feita aos 25 anos), que lhe valeu naquela época o máximo grau universitário e medalha de ouro e ainda hoje citações de todos os que ao assunto se dedicam, deu azo, segundo muitas vezes ouvi dizer, a que a Universidade afirmasse «haverem sido (pelo jovem português) abertos novos horizontes num ponto onde a ciência parecia ter parado».
Não consegui averiguar se, por aquelas ou por outras palavras, a ideia que a frase encerra foi de facto enunciada, mas, dado o excepcional valor da tese, o Sr. Prof. Torre da Assunção considera-a perfeitamente verosímil, e ninguém mais autorizado em Portugal para o afirmar.
Ao terminar os estudos foi o Dr. Bensaúde convidado pura subdirector do Museu de Hamburgo e privat dozent da Universidade de Friburgo, mas, para dar o seu trabalho à Pátria, desprezou o futuro brilhante que se lhe abria na Alemanha.
O amor pelas ciências pedagógicas teve origem certamente na incompreensão dos mestres, que não souberam aproveitar a natural tendência que desde criança manifestou pelas coisas da natureza, para lhe despertar o gosto pelo estudo.
A inabilidade dos primeiros professores que teve em S. Miguel (um dos quais chegou a desesperar de lhe ensinar a ler), e mesmo na Alemanha, antes de iniciar os estudos superiores, deixou-lhe no espirito marca indelével, bem patente em conversas e escritos seus.
Também no sangue lhe terá vindo natural propensão para as ciências da educação e do ensino. De facto, José Bensaúde, pai do Dr. Alfredo Bensaúde, vulto notável de invulgar envergadura mental, que fez parte do grupo chamado «A grande geração» - homens que encheram a última metade do século XIX com iniciativas do maior interesse espiritual e material para a ilha de S. Miguel-, sempre se interessou pela educação e pelo ensino.
Os temas sobre pedagogia não faltavam nas revistas de filosofia, permanentemente actualizadas, com que a vigorosa inteligência de José Bensaúde ainda aos 86 anos entretinha os sócios de uma vida profissional intensa, mantida em pleno labor até à morte.
Assim preparado e orientado, a vida pública de Alfredo Bensaúde desenvolve-se em Portugal entre os estudos científicos e a cátedra.
Em 1883 está na Secção dos Trabalhos Geológicos, como mineralogista e petrografista, e no ano seguinte faz concurso para professor de Mineralogia e Geologia no antigo Instituto Industrial e Comercial de Lisboa.
Organiza o Instituto Superior Técnico em 1911 e toma a respectiva direcção até 1921. De 1922 até 1940 - ano em que morre - o Dr. Alfredo Bensaúde dirige a fábrica de tabacos, que seu pai fundara.
Tarefa grande a de criar a escola de Lisboa, em 1911, que o espirito superior do Dr. Brito Camacho, esclarecido por observação directa do ensino em Portugal e no estrangeiro, tornou possível, mas maior batalha foi a de mante-la através do caos administrativo que se seguiu àquela data e contra os despeites, que no estado político do País encontravam fácil meio de cultura.
A organização do Instituto Superior Técnico constituiu também uma revolução nos métodos de ensino, onde o esclarecídissimo pedagogo deu marca da sua altura.
A engenharia civil em Portugal inicia-se no ano de 1887. Em Lisboa, a partir daquela data, fazem-se engenheiros civis e de minas, com o estudo dos preparatórios na Escola Politécnica e das disciplinas especializadas na Escola do Exército. Este sistema mantém-se até à fundação do Instituto Superior Técnico.
No Porto cria-se a Real Academia Politécnica em 1837, onde se preparam engenheiros de pontes e calçadas, de minas, construtores de navios e geógrafos.
Em 1885 reforma profunda modifica a orientação, formando-se somente engenheiros civis, de minas e industriais. Com a fundação da Universidade do Porto em 1911, os preparatórios de Engenharia passaram a fazer-se na Faculdade de Ciências e a especialização na Escola de Engenharia.
Quatro anos depois surge a Faculdade Técnica da Universidade do Porto. A organização daquela Faculdade, com as mesmas especializações que existiam no Instituto Superior Técnico desde 1911, é o reconhecimento, por entidade competente, da excelência do critério seguido por Bensaúde em Lisboa.
Passados quarenta e cinco anos, embora com modificações no número e programas das disciplinas versadas, a que a evolução cientifica obrigou, a organização fundamental da Engenharia em Portugal, com cinco especialidades, unificada em Lisboa e Porto, mantém-se intacta, e esse facto constitui a confirmação, pela experiência, da superior visão do fundador do Instituto Superior Técnico.
O Dr. Alfredo Bensaúde modificou o método do recrutamento dos professores, que escolheu de entre os engenheiros de reconhecido valor como práticos, e, levando-os a reger mais de uma cadeira, procurou conseguir remunerações que permitissem aos catedráticos uma dedicação completa ao ensino; paralelamente, os trabalhos laboratoriais tomaram desenvolvimento e, como consequência da orientação seguida, a eficiência e o prestigio da escola tomaram vulto.
O Dr. Alfredo Bensaúde soube tirar das faculdades que Deus lhe deu e das circunstancias que se lhe proporcionaram o melhor rendimento. Criou para a sua vida privada um ambiente superior, serviu notavelmente a ciência e prestou relevantes serviços à Pátria.
Artista, reúne na sua casa da Rua de S. Caetano, durante quarenta anos, o escol da intelectualidade portuguesa no campo das letras e das artes. Trabalha então para si próprio - mas não é pecado esforçarem-se os homens por impregnar o meio em que vivem, e até o ar que respiram, de alta espiritualidade e procurarem fugir às coisas mesquinhas do Mundo.
Cientista, realiza com extraordinária mestria muitos estudos sobre mineralogia, geologia, arqueologia pré-histórica, etc., grande parte dos quais, infelizmente, não vemos publicados, e, com alguns períodos de pouca actividade, produz quase até à morte, pois, passados os 80 anos, faz um trabalho interessantíssimo, verdadeiro canto do cisne, sobre «Um caso recente de formação de opala». Paga com o esforço despendido neste campo a favor da ciência universal, «à qual abriu novos horizontes», o tributo que todos os homens suficientemente do todos devem à humanidade.
Patriota, ainda bem novo despreza altas posições cientificas no estrangeiro, que podiam satisfazer justificado desejo de luzir, para trabalhar em Portugal. Mais tarde, consciente do que vale e sabe e do que deve à terra onde nasceu, sacrifica a comodidade do lar e, sem qualquer vantagem material, vai dar nova orientação à engenharia portuguesa. Produzindo obra u todos os títulos notável, serviu, desinteressadamente, a Pátria.
Sr. Presidente: ao homem ilustre a quem me tenho estudo a referir bem pode aplicar-se o conceito que o Sr. Deputado Cid dos Santos há pouco tempo, com tanta felicidade, formulou para sintetizar a figura de um grande cientista português, e por isso termino afirmando que e Dr. Alfredo Bensaúde «ganhou a vida».
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para efectivar u seu aviso prévio sobre comércio externo, o Sr. Deputado Melo Machado.
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: já tinha apresentado, nesta Assembleia, o meu aviso prévio quando o Sr. Presidente do Conselho proferiu na União Nacional o seu recente discurso, do qual peço licença para ler os seguintes períodos:
Ora, o outro significado da política que eu desejaria reabilitar também é exactamente o da acção tendente a criar a consciência nacional dos problemas e o convencimento geral da bondade das soluções, para que a acção governativa se desenvolva em ambiente esclarecido e favorável. O estudo e discussão das questões, a informação dos factos que as originam ou condicionem, a sugestão de soluções possíveis ou convenientes, a defesa dos princípios em causa, a apreciação das limitações existentes - tudo isso é acção política, tudo isso é política. Em tal sentido, em tais termos, com tal objectivo, a política foi sempre não só útil mas necessária, e é-o sobretudo no Estado moderno, seja qual for a sua constituição.
Ao ouvir estas palavras, de S. Ex.a fiquei tranquilo por ter verificado que efectivamente orientara bem o meu pensamento e a minha decisão. Todavia, Sr. Presidente, S. Ex.a o Presidente do Conselho também uma vez disse a seguinte frase: «E preciso estudar na dúvida, para realizar na fé».
Ora, Sr. Presidente, devo confessar a V. Ex.a que desta vez procedi ao contrário: estive todo afoito quando estudei o assunto e estou agora receoso pela magnitude que ele tinha e por ter quase a certeza de que serei insuficiente para o tratar cabalmente.
Não apoiados.
Mas, Sr. Presidente, tenho a certeza de que os ilustres colegas que me derem a honra de discutir o meu aviso prévio emprestarão a essa discussão, com o seu talento e o seu saber, o brilho que o meu pobre aviso previu não pode ter.
Não apoiados.
Vou, pois, Sr. Presidente, dar início às minhas considerações, confiado na benevolência de VV. Ex.as
Devo a VV. Ex.as as minhas desculpas por insistir num assunto a que já fiz referência na última vez que tive a honra de subir a esta tribuna, mas não posso, quando convencido de que estou no bom caminho, desistir facilmente, comodamente, do que se me afigura possível, conveniente e útil.
Quem quer que se debruce sobre as estatísticas da importação e exportação ficará apreensivo sobre os deficits da nossa balança comercial e não poderá deixar de pensar que o desequilíbrio existente podia e devia facilitar o escoamento dos nossos géneros em crise.
Quando aqui há dias fiz um requerimento sobre os recentes movimentos de exportação e importação de manteiga, não tive, de nenhum modo, a intenção de censurar essas operares, alo porque conheço os motivos que as determinaram, não estando momentaneamente na alçada do Governo adiá-las ou impedi-las. Suponho que o nosso colega Sr. Engenheiro Furtado de Mendonça está em condições, pelo seu especial conhecimento do assunto, de trazer a esta Assembleia os esclarecimentos convenientes. Esta minha intervenção, de resto, não tem intuitos propriamente de crítica, antes se filia no desejo de agitar ideias cuja discussão se me afigura útil.
A mim interessa-me, todavia, este facto da importação de manteiga como demonstração de que, normalmente, as nossas crises são quase sempre assim; um pouco falta, um pouco sobeja, dizia eu outro dia, e este caso da manteiga o demonstra com particular evidência.
Exportou-se num ano que sobrava e estava causando, se não perturbações no mercado, pelo menos preocupações aos industriais, pelo empate de dinheiro e pelo encarecimento progressivo proveniente da conservação em frigorífico.
Eu explico exactamente o que se passou. Em 1904 exportaram-se para, a Itália e para Marrocos 300 t de manteiga, ao preço de 26$60 o quilograma. Como o preço na fábrica, era de 31$60, segue-se que o Fundo de Exportação teve de cobrir os 5$ da diferença. Mudou, porém, o tempo, tivemos um ano de seca, e em 1955 foi necessário importar, não 300 t, mas 500 t da América, sendo 300 t no preço de 28$15 e 200 t, para usos, industriais, a 24$.
E tivemos a sorte de ter o Governo Americano grandes quantidades deste produto, como doutros géneros agrícolas. em virtude da política que faz de defesa da economia agrícola, pois se não fora isso o preço seria muito superior.
Em todo o caso, e para complicar a questão, o Ministério das Finanças exigiu o pagamento de direitos de importação, o que me parece pouco natural quando se trata de resolver crises de abastecimento em que o próprio Estado é o importador.
O Sr. Botelho Moniz: - E tudo questão de transferir verbas de um sítio para o outro ...
O Orador: - Em todo o caso, complica o abastecimento e prejudica os fundos, que devem ter outras aplicações.
Exportou-se num ano, importou-se no outro; o caso não tem nenhum significado especial.
O Sr. Botelho Moniz: - É um fenómeno comercial corrente numa época de falta, quando os preços estão altos. E o caso do azeite, que só importaríamos a 30$ ...
O Orador: - Mas nem sempre assim sucede.
Já amavelmente me deram a explicação de que os elementos proteicos, em virtude do nosso baixo nível de vida. são em geral mais baratos entre nós, mas que os outros produtos os produzimos mais caros ...
Desta vez, porém, a teoria falhou.
O Sr. Camilo Mendonça : - Os nossos produtos proteicos são, efectivamente, mais baratos que o preço mundial, mas não satisfazem, em regra, às exigências de qualidade dos compradores estrangeiros, motivo pelo qual nem sempre podem ser vendidos sem prejuízo.
O Orador : - Parece, porém, que a manteiga importada ninguém a reconheceu pelo paladar - sinal de que não seria muito melhor do que a nossa.
Duas considerações me sugere este facto, sendo a primeira, aliás, já aqui notada pelo nosso colega Nunes Mexia, durante o seu aviso prévio sobre as carnes, e é que sempre que precisamos de exportar qualquer género que nos sobeja, verifica-se que os nossos preços são altos, e há que perder para se conseguir exportar; em compensação, sempre que temos necessidade de importar, verifica-se o fenómeno justamente contrário: são
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os preços nos países de que importamos que são altos, e para ser possível vendê-los aos nossos pregos de tabela há que perder.
Conto compreender este facto, aliás flagrante no caso de que estou a tratar?
O Sr. Camilo Mendonça: - Ainda, sobre n manteiga, devo dizer a V. Ex.a que esse fenómeno da exportação não se verificou só em 1954, como V. Ex.a referiu, pois em 1952 exportaram-se cerca de 500 t e no ano seguinte, se incluirmos o ultramar, a exportação do manteiga ainda se manteve no mesmo nível dos anos anteriores, isto é, mais de 400 t, embora a importação também por 100 t.
O Orador: - Eu não sei mais do que aquilo que me disseram oficialmente em resposta ao meu requerimento. Trato simplesmente deste facto que me impressionou: a necessidade absoluta de fazer uma exportação de 300 t de manteiga num ano, e de, no ano seguinte, se fazer uma importação ainda mais vultosa. Foi uma necessidade e, portanto, o Governo fez aquilo que tinha de fazer, pois a manteiga não se vendia o produto estava a encarecer cada vez mais, devido às despesas da sua conservarão.
Em geral, afligimo-nos com as nossas crises, que num ano são de abundância e noutro de carência. Era só esta ilação que eu queria tirar.
O Sr. Botelho Moniz: - Até para uma quantidade de produtos agrícolas e industriais, dentro do mesmo ano, e nos países de economia desenvolvida e que sabem comerciar, se fazem importações e exportações desses produtos. O mal é que às vezes venham intervenções do Governo a impedir esse jogo normal.
Cito um exemplo: antigamente era costume exportar-se batata - com grande benefício para a agricultura, - da região da Moita, a um preço caro, e quando a batata faltava importava-se normalmente batata belga por um sétimo do preço da que se exportara no princípio do ano. A economia ganhava com o facto de o produto ser exportado numa época do ano e ser importado noutra.
Infelizmente, em Portugal proíbe-se às vexes pura e simplesmente a exportação, e lá vem o deficit da balança comercial, lá vem a morte da galinha dos ovos de ouro.
O Orador: - Tem V. Ex.a razão, e não há nenhum inconveniente em se exportar e importar o mesmo produto, quando convenha. Só se ganha com isso. Agora o que é lamentável é que se perca quando se vende e se torne a perder quando se compra. Isso não é economia.
Podemos concluir que o nosso produto é de inferior qualidade? Isto quer então dizer que precisamos do progredir. Não é; e então só a forma bizarra como se gere actualmente a economia dos povos, desde que os estados deliberaram intervir, pode explicar este desacerto.
A segunda consideração é a de que, em geral, estamos mal apetrechados para suportar um mínimo de stockagem, sempre possivelmente necessária em qualquer produção agrícola, que, infelizmente, mercê das condições climáticas, fie não pode ajustar rigorosamente à medida das necessidades imediatas do consumo. Lembro o que sucedeu com o trigo nos anos de 1933 e 1934 e o que tem sucedido com a batata, o vinho e agora com a manteiga.
Uma das razões que tornou necessária a exportação de manteiga foi, segundo me informaram, o preço da manutenção do produto em frigorífico: $20 por quilograma e por mês.
A verdade, porém, é que a indústria do frio está enormemente vulgarizada em todo o Mundo e não consta que o seu preço seja impeditivo da sua utilização. Porque o será entre nós?
O Sr. Camilo Mendonça: - O problema do custo da conservação frigorífica depende do preço da utensilagem e da energia e ainda do valor do produto a guardar. Ora, quando os produtos de qualidade têm fraco consumo e preço relativamente modesto, o encargo de conservação frigorífica torna-se incomportável. É o caso de entre nós a própria fruta dificilmente consentir o agravamento imposto pela conservação frigorífica. O número dos seus consumidores é escasso o que agrava ainda mais a questão, levantando um problema de exploração do próprio frigorífico. Caso diverso se fosse lá fora, por serem muito diferentes as condições.
O Orador: - Eu dizia precisamente que a utilizarão do frigorífico é normal lá fora e não o pode ser outro nós.
Se se trata de uma questão do preço da electricidade, parece que esta observação nos conduz à necessidade de efectivamente se estabelecer uma tarifa especial.
O Sr. Camilo Mendonça: - Há que atender não só no facto de o preço da energia e da utensilagem ser mais elevado, mas também à intensidade da utilização dos frigoríficos, intensidade que, não sendo regular nem bastante, agrava os encargos.
O Orador: - Esse factor não me parece de considerar, se a faculdade de utilizar não aparecer.
Agora, que a nossa indústria de lacticínios começa a ter alguma organização, não seria conveniente prevenir casos como este?
Está dito e redito - porque o nosso país s essencial, necessária ou forçadamente agrícola- que é da agricultura que vive a maior parte da população; são, pois, os que vivem da agricultura que representam a maior percentagem dos consumidores.
São eles que podem alterar, e efectivamente alteram, o consumo dos produtos industrias e movimentam o comércio no bom ou no mau sentido.
Porque - embora sendo a calasse mais numerosa- só encontra dispersa, entregue ao seu duro mister de cultivar a terra, vivendo distanciada dos Poderes Públicos, sempre a classe dos agricultores foi um pouco tratada como parente pobre.
Porque a produção agrícola só dirige essencialmente à alimentação, há, não só entre nós, mas quase por toda a parte, a tendência de pretender obter os seus produtos pelo menor preço possível, mesmo com sacrifício, por vezes - e grave -, da economia do agricultor.
Sempre que num documento legislativo se trata de produtos industriais, há o cuidado de referir o preço do custo; se do comércio se trata, acautela-se o lucro do armazenista e do retalhista; suponho, porém, que nunca se viu referência idêntica quando se trata do agricultor, e, todavia, é pelo seu esforço que se alimenta o País, e este facto, julgo eu, devia colocá-lo numa posição de privilegiado carinho, sendo lamentável que seja precisamente o contrário o que sucede.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Deste critério, e porque - repetimos - a classe agrícola, com o seu imenso cortejo do trabalhadores, constitui a espinha dorsal da nossa economia, resulta o definhamento económico de uma larga percentagem da população, com restrição, naturalmente, das suas possibilidades do consumo.
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As modernas tendências económicas - que tiveram o seu início na resolução tomada pelo velho Ford em 1914 de passar para o dobro o salário dos seus operários, para lhes aumentar o poder de compra, e de que é, nu momento actual, o mais expressivo campeão o Sr. Walter Reuther, um dos chefes de sindicalismo americano - baseiam-se na necessidade de criar, através da elevação do nível de vida. capacidade de consumo.
Compreendo que esta orientação é mais fácil quando existe uma indústria próspera, mas não posso já admitir que possamos encontrar solução para os nossos problemas económicos, sobretudo agrícolas, se não só deixarmos permanecer em estado de economia, precária uma larga percentagem da nossa população, que à agricultura dedica os seus esforços, mas até mesmo lhe faltarmos com os auxílios e estímulos indispensáveis para se baratearem as produções, e sobretudo deixarmos de socorrê-la nos seus momentos de crise.
Sabe-se que o Governo Americano se esforça por evitar crises no domínio agrícola, comprando maciçamente os géneros sobrantes. Li algures que os produtos assim reunidos subiam a estas quantidades impressionantes: 140 milhões de quilogramas de manteiga 100 milhões de quilogramas de trigo, 54 milhões de quilogramas dt1 milho e ainda arroz, carne, etc. As despesas de conservação destes géneros sugeriram até uma ideia verdadeiramente americana: a vantagem de os transportar parti o Antárctico, onde a conservação seria perfeita e ... de graça !
E para nos circunscrevermos ao nosso problema agrícola mais cruciante - o do vinho - temos o exemplo flagrante da França, cujos saldos andam este ano por cerca de 20 milhões de hectolitros, ou seja duas vexes a nossa produção anual.
Apesar disso e de ter agregado a este problema verdadeiramente monumental o do álcool -5 milhões de hectolitros de excedentes-, que não é menos importante, não se abandonam, se menosprezam ou se enfrentam com menos decisão.
Quando se cria um determinado clima económico, importa sustentá-lo com decisão, porque essa decisão, pela confiança, que inspira, facilita enormemente a solução do problema, que, ao contrário, se complica, só agrava, por forma a dificultar extraordinariamente as soluções, quando, perdida a confiança, cada qual se lança na conquista do uma posição que não sabe se pode ser perdida ou tomada.
As precárias circunstâncias económicas da nossa classe agrícola derivam também de que a nossa população é demasiada para a pobreza do nosso solo.
O Sr. Daniel Barbosa: -V. Ex.a dá-me licença? V. Ex.a acha que a nossa população é demasiada para o nosso país, quando abrangemos uma área que toca quase metade da Europa, à excepção da Rússia Europeia?
O Orador: - Mas isso é contando com o ultramar e eu estou a referir-me apenas ao continente.
O Sr. Camilo Mendonça: - V. Ex.a, Sr. Deputado Melo Machado, adia que a população é excessiva, mas eu vou mais longe do que o Sr. Deputado Daniel Barbosa e ponho a questão de saber se a nossa população continental é excessiva para um desenvolvimento económico conveniente. O que há, de momento é má distribuição e desenvolvimento desigual das diferentes actividades.
O Sr. Botelho Moniz: - Eu sei de fábricas que estão paradas por falta de pessoal, e não se diga que é de especializado de que elas carecem, mas de sem especialização. E digo mais, é no Barreiro.
O Orador: - Se VV. Ex.as tiverem a paciência de me ouvir um pouco mais verão que não estamos em desacordo. Este excesso de população conduz ao excessivo parcelamento da propriedade, como se observa, sobretudo, no Norte do País, ao aproveitamento de terrenos paupérrimos, que só deviam ser utilizados para a arborização ou produção de matos e que são trazidos à cultura pela necessidade em que se encontra a população rural de arranjar alguma alimentação, numa ilusão da utilidade da aplicação dos seus braços, do seu esforço.
Essa ânsia de encontrarem uma ilusão de aplicação económica lança a população agrícola no arroteamento de ca becos de grande declive, que, prudentemente, durante séculos se mantiveram revestidos de arvoredo ou mato e que depois de cultivados vêm engrossar a erosão, destruindo ao mesmo tempo a fertilidade das várzeas, por um assoreamento intensivo.
Ainda entre nós se não falava em erosão e já eu assinalava aqui este gravíssimo inconveniente. Não consta, todavia, que até agora se tenham tomado quaisquer medidas no sentido de se imporem determinadas condições para o cultivo dos terrenos de exagerado ou inconveniente declive.
Nos últimos anos tem procurado o Governo ensaiar nas nossas províncias ultramarinas uma política de colonização, o que merece o nosso melhor aplauso. Não sabemos, porém, se no regime de áreas estabelecido ou a estabelecer se tem usado a melhor medida.
Importa, onde os horizontes são tão vastos, não conservar ou aproximar da medida estreita do continente os empreendimentos agrícolas, antes proporcionar dimensões de empresa capazes de, efectivamente, não só justificarem o sacrifício ou a aventura da deslocação, como proporcionarem a obtenção de um regime de vida, nitidamente superior ao que deixam aqui.
Vozes : - Muito bem, muito bem!
O Orador : - Pretender transplantar para lá os mesmos métodos de trabalho, a mesma estreiteza relativa de vistas, os níveis de vida aproximados será desiludir o- que, porque têm na alma o velho espírito aventureiro dos Portugueses, sabem sonhar e criar ilusões, que precisam de espaço e de ambiente para tomarem corpo em realidades que atraiam e seduza Vozes: - Muito bem, muito bem! O Orador: - Tenho por certo que ali só poderá vingar a grande cultura, a cultura mecanizada, para a qual é preciso instituir uma organização comercial ou cooperativa, onde as possibilidades e proporções individuais não cheguem.
E tudo isto tem de vingar necessariamente, porque qualquer insucesso inicial seria de consequências graves. Assim se poderá descongestionar u população do continente, desobrigando-a, de utilizações agrícolas anti-económicas, ao mesmo tempo que, valorizando tis nossas vastas províncias ultramarinas, iremos criando novas possibilidades de melhores níveis de consumo.
Como vêem, embora parecendo que estávamos em desacordo, no fundo o fim que pretendemos atingir é precisamente o mesmo.
É indispensável criar riqueza, muita riqueza, para que, criando um nível alto de consumo, todos vivam melhor, pelo emprego de melhores métodos de cultura,
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pelo escoamento rápido e normal das produções, polo alargamento e aperfeiçoamento das indústrias u do âmbito do comércio, da melhoria dos salários e, consequentemente, dos réditos do Estado.
Não sei se será inteiramente verdadeiro o slogan «é preciso que os ricos sejam menos ricos, pura que os pobres sejam menos pobres», pois só a riqueza cria riqueza e nunca a vi extrair da miséria.
Organizei uns mapas, que o Diário das Sessões porá à disposição de VV. Ex.as, com o movimento de importações e exportações do continente e respectivo durante os anos de 1945 a 1954, referidos ao valor do escudo em 1954.
Por eles se poderá verificar que, apesar do muito que se tem feito, a posição da nossa balança comercial do continente é sensivelmente estática nos valores, embora se tenha alterado quantitativa e qualitativamente, pois são mínimas as diferenças encontradas tanto na importação como na exportarão. Escusado será dizer que os saldos se mantém igualmente com diferenças mínimas.
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Saldos da balança de comércio
(Exportação - Importação)
[Ver Tabela na Imagem]
Exportação
[Ver Tabela na Imagem]
Importação
[Ver Tabela na Imagem]
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Neste decénio diminuiu a nossa importação de cereais, que, sendo em 1945 de l 573 000 contos, caiu em 1954 para 229 250 contos.
Não suponham VV. Ex.as que vou encarecer o esforço da lavoura a propósito ri es t es números, o que não seria legítimo. O seu esforço é sempre igual, o que sucede é que umas vezes Deus a abençoa, outras a abandona. Aqui há uma queda nítida de preços. Em 1945 importaram-se 256 693 t de trigo, no valor de l 114 316 contos, enquanto que em 1954 a importação foi de 102 693 t, por 25l 902 contos.
Diminuiu a importação de carvão de 655 803 contos, em 1945, para 218 842 contos, em 1945, consequência certamente das barragens construídas para o fornecimento de electricidade. Em compensação, subiu a importação de óleos minerais, que passaram de 588 989 contos, em 1945, para 916 287, em 1954.
Este aumento resulta do espantoso desenvolvimento da viação automóvel e ainda do facto de os caminhos de ferro terem passado a consumir muito mais óleos pesados, em substituição do carvão.
Pode parecer à primeira vista que, tendo diminuído a importação do carvão 466 961 contos e subido a dos óleos 327 298 contos, não houve um lucro muito grande, sendo necessário para acharmos a medida exacta desse lucro considerarmos que a electricidade produzida e consumida em 1945 foi de 545 756 000 KWh e em 1954 de 1 638 898 000 kWh.
É interessante constatar que a produção de energia térmica foi em 1945 de 349 949 000 kWh e em 1954 de 188 042 000 k Wh.
Quanto à exportação, os vinhos não sofreram alteração sensível, enquanto as aguardentes diminuíram espectacularmente de 86 628 contos, em 1945, para 12 258 contos, em 1954.
As pescarias (conservas) baixaram até 1951 pela seguinte forma: 1 108 180 contos em 1945; 696 351 contos em 1948; 572 593 contos em 1951; mas em 1954 passaram para 832 895 contos, o que significa que estão recuperando vigorosamente a sua posição.
Ao percorrer o mapa das exportações para o estrangeiro, publicado no relatório com que S. Ex.a o Ministro das Finanças fez acompanhar a proposta da Lei de Meios, não se encontram baixas preocupantes, a não ser na exportação de tecidos de algodão 168 000 contos, assunto que sai inteiramente da esfera da minha observação.
Tanto quanto pude observar nesse mapa e o que os meus conhecimentos mo deixam ver, entre os géneros agrícolas em crise neste momento, apenas o vinho e, já agora, o arroz constituem problemas a ponderar com cuidado, dada a existência de remanescentes de certo vulto.
O arroz iniciou este ano as preocupações de género superabundante.
Durante alguns anos chamei a atenção do Governo para o próximo aparecimento desta cri-se, que se me afigurava inevitável. Continuava o Estado a fazer grandes obras hidroagrícolas, e quanto a mim bem, mas todos os terrenos que elas dominavam eram destinados à cultura do arroz.
Rasando-se já então a saciedade, fácil era prever que em breve chegaríamos aos excedentes, que é precisamente o que acaba de suceder este ano, em que a colheita excede o consumo em 20 milhões de quilogramas.
Dei aqui vários alvitres para que se experimentassem as culturas do algodão e da beterraba sacarina e trouxe mesmo a esta tribuna velos de algodão produzido no Alentejo; lembrei que seria conveniente, indispensável que funcionassem eficientemente, junto dos terrenos dominados pelas obras de hidráulica agrícola, campos experimentais dirigidos por técnicos competentes a quem fosse ponto precisamente este problema: que cultivar economicamente nas terras irrigadas quando se não puderem ou não deverem destinar à cultura do arroz? Penso que nada disso se fez, e, todavia, o problema está já posto, preocupa os interessados e o Governo e não haverá, porventura, os elementos indispensáveis para a ponderar e resolver com relativa segurança.
Lamento, Sr. Presidente, que o que se diz nesta tribuna não mereça toda a atenção que deve merecer. Nós vivemos os problemas e trazemos aqui com os melhores propósitos as nossas observações. Se fossem ouvidas uma vez por outra, estou certo de que se colheriam vantagens e se evitariam algum inconvenientes como estes que acabo de assinalar.
O Sr. Camilo Mendonça: - Se V. Ex.a me dá licença, desejaria fazer duas observações: a primeira é que o Ministério da Economia, particularmente o Subsecretariado de Estado da Agricultura, mandou fazer ensaios sobre a cultura do algodão e da beterraba; outra é a de que dentro da exposição de V. Ex.a me parece haver certa contradição entre a ideia de irmos cultivar aqui a beterraba, e o algodão, quando V. Ex.a reconhece a necessidade de desenvolver a agricultura do ultramar. Além disso, quando se sabe de ciência certa serem o algodão e a beterraba necessariamente mais caros produzidos na metrópole do que a cana e o algodão ultramarinos, não se respeitando a lei de divisão do trabalho nem se procurando os menores custos, princípios que, por não serem perseguidos, explicam, no fundo, as dificuldades da nossa balança, comercial.
O Orador: - Posso responder a V. Ex.a da seguinte forma: em primeiro lugar, limitei-me a submeter o assunto à consideração geral e não tive a pretensão de que a minha ideia fosse necessariamente adoptada. Não creio, porém, que, se uma pequena parte, do muito açúcar que importamos, de proveniência que não é das nossas províncias ultramarinas, pudesse ser produzida no continente, assegurando regularidade no abastecimento e obtemperando à, aplicação de terras irrigadas, isso causasse qualquer perturbação a nossa produção ultramarina ou, sequer, às nossas importações.
Suponham VV. Ex.as que havia a possibilidade de produzir 20 000 t de açúcar. Isso não contrariaria as nossas importações no estrangeiro, nem a produção ultramarina, e, todavia, ter-se-ia evitado um certo número de dificuldades, que já começam a acentuar-se e me fazem pensar -eu que sou um entusiasta da irrigação- se não seria efectivamente conveniente sustá-la.
O Sr. Camilo Mendonça: - No que respeita ao açúcar, é claro que a necessidade que temos tido de o importar é não só perfeitamente justificada como tem sido muito conveniente.
Posso esclarecer V. Ex.a que, se a produção de açúcar no nosso ultramar se não desenvolveu durante a guerra, isso foi devido a os preços que então vigoravam não serem compensadores, não só em si mesmos, mas principalmente em relação aos de outros produtos ultramarinos, então extraordinariamente valorizados. Porém, depois de o Governo ter garantido a esse produto preços remuneradores, garantidos por década e meia, posso afirmar que a produção se tem desenvolvido a par e passo que se fazem vultosos investimentos, podendo até acontecer que dentro de algum tempo ela seja excedentária.
De resto, a importação de açúcar tem resolvido muitos problemas comerciais. Parece ter resolvido agora o do excesso de arroz e por mais de uma vez garantiu
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o funcionamento do acordo comercial com o Brasil e a consequente exportação de muitos produtos para aquele mercado.
O Orador: - Como já disse, não pretendo impor nem uma coisa nem outra, mas é preciso saber-se o que é conveniente e o que é inconveniente.
O Sr. Camilo Mendonça: - Penso que se trata de um problema de coordenação. As grandes obras de rega criam, em todo o mundo, um complexo e delicado problema de coordenação, que é tanto mais difícil de resolver quanto mais baixo é o nível de vida e menores são as possibilidades de utilizar culturas industriais. Entre nós creio que o problema pode ter solução conveniente.
O Sr. Carlos Borges: - Gasta-se muito dinheiro em grandes obras hidroagrícolas, mas gasta-se muito pouco nas pequenas. E isso é que é pena ...
O Orador: - Porque é que neste país, de primaveras ventosas e secas, a irrigarão não é aplicada para o trigo? Dizem-me que é por causa da alforra. Mas o trigo é cultivado no ultramar e lá também existe alforra! Há qualidades de trigo que lhe resistem.
Seja como for, ou se arranja aplicarão económica para as terras irrigadas, além do arroz, e isso não deve ser impossível, ou não vale a pena continuar a fazer custosas obras hidroagrícolas paru criarmos mais um problema grave para a mossa economia. E, porque vivo, infelizmente, quase permanentemente esse clima, afirmo que não conheço nada pior do que viver as complicações angustiosas das produções excedentárias, com o seu cortejo de ruínas e preocupações constantes.
Quero, todavia, pôr diante dos olhos da Assembleia e do País a lição que se pode tirar da cultura do arroz. O facto de ser uma cultura remuneradora levou alguns, não poucos, lavradores a construírem as suas próprias barragens, espalhou com largueza salários generosos, elevou, efectivamente, o nível económico de todos, mas de todos, os que a ela se entregaram. A riqueza criou riqueza e espalhou bem-estar à sua volta.
Muito de longe, porém, em relação a qualquer outro problema agrícola, avulta neste momento o do vinho, manifestamente em plena crise de abundância desde o ano passado.
Estes, porém, são os anos de ponta no conhecido ciclo tradicional; é, pois, natural que entremos agora no período degressivo da produção, que devora resolver as preocupações de momento.
Efectivamente, já este ano a quebra da produção foi de 20 por cento aproximadamente.
Eis porque a existência de vinhos não deve ser motivo para preocupações. Aos que, legitimamente, se preocupam com as novas plantações direi que é indispensável suspendê-las por tempo indefinido e ainda mesmo cassar as autorizações não executadas, pois não nos parece de boa política que, quando se observa rigorosamente a proibição do plantio, possam aparecer pessoas investidas na possibilidade de plantarem largamente apenas porque tiveram o cuidado de se munirem antecipadamente de licença, para cuja execução não tinham ainda terrenos ou capacidade económica. Só as reconstituições deviam ser permitidas. Quanto às outras, devia ser-lhes restituído o que pagaram e cassadas as licenças.
Ao falar recentemente numa reunião dos municípios do distrito de Lisboa, explicando a situação vinícola, tive ocasião de observar que a crise não era específica do nosso país, mas mundial, acrescentando que em França, o primeiro país vitícola do Mundo, a crise era tão grave que se tinha decidido pelo arranque das vinhas, urra tique voluntário e indemnizado, que está aos cuidados do Instituto dos Vinhos de Consumo Corrente, e não de uma repartição oficial. Simplesmente, sucedeu que, o repórter que assistia ou adormeceu ou se distraiu o que constou dos jornais foi que eu advogara o arranque das vinhas. Tal afirmação alarmou a viticultura, e penso que os representantes da imprensa aqui presentes podem ajudar a desfazer esta má impressão, causada pela distracção de um seu colega.
Apenas existência de aguardentes, pela dificuldade de colocação, mesmo com auxílios, constitui motivo sério de preocupações, pois o seu valor sobe 250 000 contos.
Já expliquei à Assembleia que a existência de tal quantidade de aguardentes se deve à falta de capacidade de armazenagem suficiente, mas não importa discutir isso agora.
O que interessa é saber se essa existência é de tal forma gravosa que deva influir na política até aqui seguida desde há vinte anos para com o vinho.
Não há problemas insolúveis; para todos acaba por encontrar-se uma solução.
250 000 contos são apenas 3 por cento das nossas importações, 4 por cento das nossas exportações, 7 por cento de deficit da nossa balança comercial.
Não se trata, portanto, de um valor ou de uma quantidade que com um pouco de habilidade e algum tempo, se não consiga eliminar.
Não podemos, no meio de um mundo utilitário, em que nenhum pais esquece em qualquer momento as suas necessidades e as suas conveniências, defendendo-
as duramente e em todas as circunstâncias, fazer de ingénuos, comprando imoderadamente, sem procurarmos com firmeza, com intransigência, mesmo com dureza, se necessário for, impor os nossos produtos, forçando naturalmente a saída daqueles cujos stocks mais interesse temos em ver diminuídos.
Suponho que a habilidade comercial nunca foi a nossa qualidade dominante, até porque, em sairmos, aliás, do assunto em que estamos, podemos constatar que, dispondo de duas marcas atamadas, mundialmente conhecidas, tais como Porto e Madeira, não contam, aliás, para nos facilitar a vida neste sector, antes pelo contrário, como sucede com o Porto, que, é motivo de gravíssimas preocupações.
De nada valerá, então, a fama o a qualidade?
Creio firmemente que sim, mas é certo que, nestes tempos confusos em que vivemos, fama e qualidade só por si não serão suficientes; indispensável é a habilidade comercial, a propaganda.
Esta, por si só, é capaz de impor até um produto de má qualidade. Não foi ela capuz, em determinado momento, de introduzir em Inglaterra os péssimos vinhos da Austrália?
A confirmar esta afirmação da eficácia da propaganda e habilidade comercial está a existência duma marca de vinho do Porto que, pela acção hábil dos seus titulares, obteve um lugar excepcional na exportação. Embora possa esta afirmação pesar ao nosso distinto colega o meu amigo Sr. Carlos Mantero, esta falta de habilidade para o comércio é, quanto a mim, tradicional, histórica.
O Sr. Carlos Mantero: - Não tenho, Sr. Deputado Melo Machado, qualquer qualificação especial para representar eu defender o comercio. Ocorre-me, porém, perguntar-se não estará V. Ex.a a atribuir ao comércio culpas e responsabilidades alheias?
O Orador: - No período áureo da nossa história, quando estávamos no apogeu da nossa posição no
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Mundo, dominámos efectivamente o comércio mundial, mas por intermédio dos Judeus. Expulsos estes, o nosso comércio decaiu, transferindo-se para a Holanda, e não retomámos mais a posição de que então dispusemos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O comércio, hoje mais do que nunca, dispõe duma técnica e adopta processos que não podem ser ignoradas.
A propaganda é um desses processos e não têm limites o engenho e a fantasia que nela se põem.
O mais hábil, o mais original, o mais persistente, será o vencedor.
O Governo parece compenetrado desta orientação e o nosso Fundo de Exportação parece começar a actuar no sentido de estarmos presentes nos mercados que mais nos interessam. Oxalá enlacemos nesta acção a presença o engenho e a arte.
Tenho aqui uma pequena observação a fazer, casos é indispensável ser-se oportuno, e não, por processos que usamos, excessivamente lentos e demorados, com negociações que se arrastam por tempos infinitos numa altura em que as coisas são dinâmicas, quase frenéticas, e em que os negócios correm vertiginosamente, não podemos continuar a adoptá-los. Temos de adoptar processos que não sejam de uma tão aflitiva lentidão, em que as oportunidades se goram precisamente por esse motivo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Antes quero que se faça um negócio menos perfeito, mas oportuno, do que um negócio muito perfeito, mas realizado fora do tempo.
Quando dizemos que devemos empregar todos os esforços para procurarmos, não só equilibrar tanto quanto possível e conveniente a nossa balança comercial, mas também o escoamento doa nossos géneros em crise, sempre nos foge o pensamento para tudo o que de grandioso e excepcional estamos fazendo através do nosso Plano de Fomento.
Todas as nações industriais disputam com entusiasmo os grandes fornecimentos a que esse mesmo Plano dá lugar, e estou certo, seguro, de que podiam e deviam, condicionando-os com operações adequarias, facilitar a resolução das nossas pequenas dificuldades.
Para tanto não era preciso sobrecarregar excessivamente cada operação. Mas é minha forte convicção que nada nem nenhuma operação excepcional de importação devia ser perdida para este objectivo.
Se VV. Ex.as mo permitem, referir-me-ei aqui a alguns factos de que tenho conhecimento.
Há pouco tempo, um cavaleiro tauromáquico pensou em levar a nossa festa taurina até ao Japão. Todavia, parece que é uma coisa completamente impossível fazer uma tourada sem touros. Havia, por isso, necessidade de exportar para o Japão trinta touros. Pois imaginem VV. Ex.as que este país acolheu com muita simpatia a ideia, mas disse: «Tenham os touros, contanto que VV. Ex.as levem redes de pesca, peças metálicas, etc.».
O Governo Japonês impôs assim, para uma troca tão pouco importante, que levássemos aquilo que ele precisa, de exportar.
Outro exemplo: há pouco tempo a casa Krupp enviou os seus representantes ao Egipto, e este país, apesar da conveniência que tinha numa determinada operação, impôs que lhe comprassem algodão, admirando-se de que em outros países não façam exigências semelhantes.
Fica assim demonstrado que estas operações são possíveis, e a mim só se me afigura inacreditável que elas não se realizem. E tanto são possíveis que ainda há pouco o Sr. Ministro da Economia soube trocar com açúcar das Filipinas a possibilidade de solucionar o problema da exportação do nosso excedente do arroz. Isto quer dizer que estas operações não têm nenhuma dificuldade e são correntes em todo o Mundo.
O Sr. Camilo Mendonça: - Estive a, ouvir V. Ex.a com toda a atenção o suponho que V. Ex.a1 confia muito nas operações de compensação. Eu não partilho dessa confiança. Vi que V. Ex.a, ao citar vários exemplos, referiu casos de países que não são participantes da O. E. C. E. É que os acordos da O. E. U. E. proíbem as compensações. Demais, V. Ex.a sabe que quando nós fazemos compras de equipamentos ou maquinaria para uma grande empresa - que é, em regra, privada, quer em parte tenha ou não capital do Estado o fazemos em função do menor preço e da maior eficiência.
Ora, se a adjudicação se faz mediante concurso com base naqueles princípios, que se anunciam como fundamentais, e tal é conhecido dos vendedores, será normalmente impossível conseguir ainda que, por sobre tudo, os fornecedores aceitem receber como contrapartida determinados produtos, que, aliás, não são essenciais nem vendidos ao menor preço. Diferente procedimento podem seguir os países que praticam manipulações de preços tanto para os seus produtos como para os que adquirem.
Além disso, estas operações levantam problemas melindrosos pelo que diz respeito às empresas particulares que adquirem a maquinaria, pois poderia acontecer que para se resolver um defeito da máquina produtiva, traduzido num excedente de certo produto a dado preço, se fosse onerar o 1.º estabelecimento, suportando essas empresas ou o País, durante muito tempo, as consequências desse mau funcionamento de um sector concreto da produção.
Há que considerar, pois, quer a situação das empresas particulares, quer as consequências duradouras advenientes da solução de um problema ocasional.
De resto, os casos concretos verificados neste particular, presumo, elucidam as minhas considerações. Efectivamente, para além da compra de locomotivas para o ultramar há a operarão de compra dos geradores para o Picote.
Ora, neste caso a questão teve facetas diversas. Primeiro, quando se negociou o acordo comercial -e antes de os vendedores saberem como seria feita a adjudicação- ficou estabelecido que a cumpra só se faria desde que em troca a França recebesse certo número de produtos, entre os quais avultava o vinho.
Quando do concurso, aconteceu ser o preço proposto pela França o mais favorável, motivo pelo qual a adjudicação lhe foi feita. Como havia um compromisso anterior, a França adquiriu os produtos a que se havia obrigado, mas daí por diante nunca mais será possível conseguir o mesmo dentro da rigidez destes princípios. lá o caso da parte que adquirimos à Suíça em condições análogas, perguntará V. Ex.a?
A Suíça agiu na sequência do que se havia passado com a França, mas suponho que não será fácil voltar a ocorrer o mesmo, dado não ser viável que se repitam, como disse, as condições anteriores.
O Orador: - Mas repare V. Ex.a que se trata dum sistema que já deu as suas provas. Não falei em operações de compensação: falei em operações adequadas, e a observação de V. Ex.a de que os respectivos produtos podiam ser para entidades particulares e pelo menor preço não constitui dificuldade, porque isso é fácil de remediar.
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É possível fazer um concurso dessa natureza e obter o menor preço. Seria muito fácil saber a como é que pode ser entregue o produto à entidade particular.
Em tudo o caso, V. Ex.a está convencido do contrário. Eu estou muito convencido do que digo, e só quando me pudessem apresentar argumentos considerados irrespondíveis é que poderia mudar de opinião.
Já perdemos 1 030 000 contos, que foram despendidos pelo Plano de Fomento até 1955. Temos ainda pura gastar, em 1956-1958, 622 000 contos. Pergunto se não se pode fazer algum esforço para conseguir escoar alguns dos produtos que pesam por excesso na nossa economia.
O Sr. Camilo Mendonça: - V. Ex.a sabe, que se têm feito esforços intensos no que respeita à colocação dos nossos vinhos, e esforços que. se não são excessivos em razão do problema, podem até parecê-lo da relatividade com os despendidos com outros produtos.
O Orador: - Sei que uns departamentos fazem esforços e outros os inutilizam.
O Sr. Camilo Mendonça: - Eu podia dizer que, quanto aos países do Leste, a coisa é possível e o esforço notável que se fez neste sentido conhece-o V. Ex.a, como eu, através da imprensa, mas os preços nos países do Leste são aqueles que o Estado quer, objecto de toda e qualquer manipulação.
De resto, as operações de compensação têm, em regra , outro inconveniente sério: fazem derivar as operações dos comerciantes normais para outros de ocasião, isto com grande prejuízo para o comércio regular e, normalmente, sem benefício proporcional aos transtornos e problemas que ocasionam.
Aliás, estamos limitados ainda pela liberalização acordada e pela orientação procurada pela O. E. C. E., de multilaterização das trocas, que dá acuidade às condições do sistema produtivo e nos encaminha para a necessidade de atender aos princípios da divisão do trabalho.
O nosso problema é, indiscutivelmente, o de adaptar a máquina produtiva de sorte que sejamos capazes de competir em preço e qualidade, é o de modernizar a indústria e a agricultura, mas também o de diversificar a produção, aumentando o número de produtos exportáveis.
E necessário lutar contra a concentração de exportações de escasso número de produtos, e, para ma is, muitos deles são essenciais. Aqui assenta a vulnerabilidade da nossa exportação e a sensibilidade da nossa economia às atitude» dos compradores, como economia dependente. que neste sentido o é claramente.
O Orador: - Julgo saber que em aquisições feitas para a barragem de Picote, através de negociações estabelecidas pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros. se estabeleceu como condição o pagamento de uma parte em géneros, e que essa operação teve o melhor sucesso. Porque se não continuou? Aquele Ministério apontou para uma solução possível e conveniente. Porque a não seguem;'
A falta de continuidade em determinada orientação põe-nos diante dos olhos outro problema.
É indispensável, em matéria de orientação económica, ter efectivamente uma orientação, mas tê-la com alguma segurança, alguma firmeza.
Encontrada essa orientação, é preciso executá-la, uma e outra coisa pressupõem coesão entre os vários Ministérios, por forma que se cumpra efectivamente a orientação tomada.
A vida complica-se cada vez mais e a multiplicidade de obrigações, que todos sentimos, naturalmente se reflecte, o agravada, nos governos, que, a tudo e todos têm de atender.
Natural é, portanto, que se procure obviar ao gravíssimo inconveniente de, em matéria de tanta importância como esta criar, manter e seguir uma orientação conveniente mis nossas relações económicas com o exterior-, não haver uma organização eficiente, incluindo o próprio sector administrativo, da qual dimanasse com suficiente autoridade essa orientação.
Ministério, organismo interministerial, apoiado, em todo o caso, numa conveniente e indispensável organização administrativa, a qual garantiria a continuidade de orientação que nesta matéria não deve sofrer golpes de humor?
Afigura-se-me que os Ministérios cuja actividade se desenvolve prevalentemente no sector económico deveriam integrar-se, orgânica e funcionalmente, na coordenada dos superiores interesses nacionais.
Atrevo-me a sugerir que, para este efeito, necessário seria congraçar todos os esforços no plano de um Ministério de coordenação, com os seus serviços próprios, que assegurassem, na esfera mesmo da Administração, uma política ti mie de trocas internacionais e uma defesa operante da nossa economia.
Apesar desta minha opinião, quero ter aqui uma palavra, dês valiosa embora, do melhor apreço para o espírito de compreensão e esforços de execução do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Deixo, porém, aqui expresso este desejo de coesão e coordenação, que necessariamente tem de ser o de governantes e governados os quais, naturalmente, se preocupam em tirar o melhor partido possível da nossa economia.
Outra ideia que deriva destas considerações é a da multiplicidade de preocupações que atormentam os governantes e, naturalmente, a do aliviar as suas funções.
Como pode entender-se que um Ministro, através das mil e uma preocupações do seu cargo, que envolvem altos problemas nacionais, haja de perder tempo deferindo licenças solicitadas, transferências pedidas, nomeações, numa palavra, todos os mesquinhos assuntos burocráticos que sem inconvenientes podiam ser despachados por outra entidade naturalmente responsável?
Parece termos chegado ao momento de criar e estruturar as instituições capazes de absorver grande parte das atribuições de ordem estritamente burocrática no sentido, não só de manter a continuidade de acção do Governo, como de consolidar uma tradição de trabalho no domínio e no plano da própria Administração. No dia em que libertarmos os Ministros dessas ocupações dispensáveis teremos prestado um relevante serviço, não só às pessoas que ocupam essas posições de destaque e sacrifício, como ao País, que poderá ver mais cuidados, mais minuciosamente estudados e oportunamente, resolvidos os assuntos de relevante importância, para a Administração.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Chego ao termo das minhas considerações.
Pus diante de VV. Ex.as as preocupações do meu espírito em matéria tão importante como é a do comércio externo, que se me afigura merecer ser visto com particular cuidado, por forma a tirarmos da nossa posição os melhores resultados para a nossa economia. Não temos tanto que possa mós desperdiçar; por isso, temos de estar atentos ao rendimento dos tratados de comércio e a todas as oportunidades de melhorarmos as nossas posições.
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21 DE MARÇO DE 1956 609
Fiz dois requerimentos, um dirigido ao Ministério da Economia e outro ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, pedindo esclarecimentos sobre, este assunto.
O Ministério da Economia respondeu e tenho já em meu poder os respectivos elementos, embora só desde sexta-feira. O Ministério dos Negócios Estrangeiros ainda não, Se responder durante a discussão do aviso prévio, pode ser que eu traga, ainda aqui n resultado das minhas observações.
Em todo o caso, pelos elementos que me foram enviados, posso já dizer alguma coisa a VV Ex.as
Não há nada mais contingente do que os contingentes dos tratados do comércio. Todo os países que tratam connosco sabem do empenho que temos em lhes vender vinho do Porto e vinho da Madeira, e, presurosamente, acedem em comprar-nos grandes quantidades. Simplesmente, esses contingentes raras vezes são integralmente satisfeitos.
O Sr. Botelho Moniz: - Aliás, nós pagamos-lhes na mesma moeda ...
O Orador: - Tenho em meu poder várias queixas relativamente ao facto de não se incluírem em alguns tratados de comércio, além dos vinhos do Porto e da Madeira, também o vinhos comuns, bem como o condicionamento de ser utilizada destes a quota-parte que daqueles não fosse utilizada, e tudo isto conduz à ideia de se fiscalizar atentamente a execução dos tratados, no sentido de os ir aperfeiçoando.
O Sr. Camilo Mendonça: - O caso do Chile, é típico: nós impomos contrapartidas para fazermos compras de nitrato e, não obstante, esse país não adquire aquilo que queremos vender-lhe e se compromete a adquirir, apesar de, entretanto, o dinheiro ficar aqui cativo, chegando a propor a desobriga das compras por uma redução de preço.
O Orador: - Se queremos que o País progrida económicamente, não podemos continuar a manter em tão baixo nível todos os que da agricultura vivem. Importa, mesmo com sacrifício, melhorar esse nível por todas os meios. Esse, sacrifício, ou, melhor esse esforço, renderá tanto melhor quanto mais completamente desbravarmos as dificuldades que se opõem à comercialização dos nossos produtos agrícolas.
Daí a perspectiva em que me coloquei, situando muitas das minhas considerações no domínio do comércio externo.
Não significam as minhas afirmações menos apreço nem menos reconhecimento pelo muito, muitíssimo, que o Governo de Salazar já tem feito, mas, se a divisa continua a ser «mais e melhor», a discutir e agitar estes problemas não pude senão concorrer para a pôr em execução, não pude ser senão, no meu modo de sentir e no desta Assembleia, fazer boa política a bem da Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: dado o interesse das considerações produzidas pelo Sr. Deputado Melo Machado, roqueiro a generalização do respectivo debate.
O Sr. Presidente:-Concedo a generalização do debate.
Vou encerrar a sessão.
A próxima será amanhã, à hora regimental, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Calheiros Lopes.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Rodrigues.
Armando Cândido de Medeiros.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Mantero Belard.
João Ameal.
José Dias de Araújo Correia.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Cruz.
Antão Santos da Cunha.
António de Almeida Garrett.
António Russell de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Afonso Cid dos Santos.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Mana da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Tito Castelo Branco Arantes
O REDACTOR - Luís de Avillez.
NACIONAL DE LISBOA