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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 132
ANO DE 1956 22 DE MARÇO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.º 132, EM 21 DE MARÇO
Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mos Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 129 e 130 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Pinto Barriga requereu informações sobre as importações no 1.º trimestre de 1956.
O Sr. Deputado Bartolomeu Gromicho referiu-se à reunião do Sr. Ministro da Educação Nacional com os reitores dos liceus.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Melo Machado acerca do comercio externo.
Falaram os Srs. Deputados José Sarmento e Magalhães e Couto.
O Sr. Presidente prorrogou o funcionamento efectivo da Assembleia por um mês, a partir de 15 do corrente.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 58 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto doa Beis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Bartolomeu Gromicho.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Eduardo Pereira Viana.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Herculano Amorim Ferreira.
João Ameal.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
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João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Venâncio Augusto Deslandes.
O Sr. Presidente:-Estão presentes 72 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente:-Estão em reclamação os n.ºs 120 e 130 do Diário da» Sessões, de 15 e 16 de Março corrente.
Pausa.
O Sr. Presidente:-Como nenhum Sr. Deputado desejar fazer uso da palavra, considero aprovados estes dois números do Diário das Sessões.
Deu-se conta do seguinte
Expediente Exposição
Da Junta de Freguesia de Caldelas (Caldas das Taipas) a apoiar o aviso prévio do Sr. Deputado Almeida Garrett, sugerindo que o Governo dê às juntas de freguesia a faculdade de tomarem a iniciativa da construção de casas para as classes pobres, com primazia para o trabalhador rural.
O Sr. Presidente:-Tem a palavra, para um requerimento, o Sr. Deputado Pinto Barriga.
O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Mostrando-nos o Boletim Mensal do Instituto Nacional de Estatística, com referência ao ano de 1955, que importámos:
a) Gasolina e outros óleos combustíveis no valor de 947 milhões de escudos (desdobrando-se essa importação no valor de 004 milhões para óleos em rama para destilação, 604 milhões para petróleo, 55 milhões para gasolina e 224 milhões para óleos combustíveis);
b) Automóveis no valor de 648 milhões de escudos (desdobrados, respectivamente, em 382 milhões para os de passageiros e 204 milhões para os de carga);
c) Batatas, milho, trigo e bacalhau no valor do 430 milhões de escudos (correspondendo o valor para a batata a 59 milhões, para o milho a 35 milhões, para o trigo a 68 milhões o para o bacalhau a 168 milhões);
d) Medicamentos no valor de 100 milhões de escudos;
e) Adubos no valor de 331 milhões de escudos;
Desejando, para comparação, verificar pelos dados obtidos no 1.º trimestre de 1956, ora findando, o valor das importações das mercadorias acima referidas, para numa futura intervenção parlamentar apreciar devidamente a coordenação do nosso comércio externo do ponto de vista económico-cambial:
Requeiro que, pelo Ministério da Presidência e pelos demais que vierem a revelar-se competentes e por intermédio do Instituto Nacional de Estatística ou de quaisquer outros organismos oficiais que se mostrem adequados ao fornecimento destas informações, me sejam facultados, nos termos regimentais e constitucionais, os elementos estatísticos referentes ao 1.º trimestre, ora a lindar, de 1950 em relação à importação das mercadorias já acima mencionadas - óleos em rama para destilação, petróleo, gasolina, óleos combustíveis, batatas, trigo e milho em grau, bacalhau, automóveis de carga e para passageiros, medicamentos e adubos.
Outrossim, roqueiro, pelo Ministério das Finanças, a súmula de quaisquer estudos efectuados sobre tributação de automóveis».
O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Sr. Presidente: é com vivo prazer que venho referir-mo à reunião de reitores em Lisboa, reunião que se efectuou em quatro dias da 1.º quinzena do corrente mês.
Julgo de vantagem política pôr em relevo não só o sen alto significado como também a sua excepcionalidade.
Realmente, nunca, desde que em Portugal se instituiu, em 1830, o ensino secundário do tipo liceal, o professorado respectivo fora convocado, como agora, para, em assembleia dos responsáveis pelo ensino, o director-geral, reitores e inspectores discutirem, perante o Sr. Ministro da Educação Nacional, as virtudes e os defeitos do sistema em vigor.
Houve, é certo, há vinte anos uma reunião dos reitores dos liceus do País, numa só sessão, em Lisboa, sob a presidência do então director-geral, Dr. António Augusto Pires de Lima, na altura em que começava a vigorar a reforma de 1930.
Não se pretendeu nesse momento ouvir a voz da experiência e dos técnicos, pois estes apenas foram chamados para conveniente interpretação e execução do estatuto acabado de publicar.
Portanto, os reitores foram convocados apenas para receberem instruções.
O ineditismo da recente reunião de reitores reside precisamente no facto de o professorado liceal ser chamado, alfim, a dizer também da sua justiça, para esclarecimento do Ministério da Educação Nacional sobre a realidade da vida desse grau de ensino, sobre a multidão de problemas que o assoberbam e para apresentação de sugestões que solucionem ou atenuem a actual situação aflitiva e incomportável do ensino liceal português.
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Disse que o professorado liceal fora chamado a fazer ouvir a sua voz autorizada e não apenas os reitores, o que já era muito, porque estes, ainda por sugestão superior, escutaram os professores dos respectivos liceus em sessões preparatórias em especialidades, depois em conselho gorai e ainda colhendo por escrito opiniões individuais, para se munirem dos melhores e mais completos elementos para comparticiparem nas discussões.
Foi, pois, um autêntico congresso do professorado liceal português.
Nas seis sessões, de três horas e meia cada, de 7 a 10 do corrente mês, foram debatidos entusiasticamente e com a maior elevação, sem a menor sombra de fadiga, os numerosos e importantes pontos de uma bem elaborada agenda. Era impossível não existir esse entusiasmo e elevação e essa ausência de fadiga, quando na presidência, som falhar um simples minuto, estava a figura atonta, prestigiosa o irradiante de simpatia do Sr. Ministro da Educação Nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Não me é, naturalmente, licito trazer a esta Assembleia informações sobre o que se passou nessas memoráveis sessões, nem sequer sobre o conteúdo da longa e bem elaborada agenda que lhes serviu de bússola.
Não é, porém, difícil do concluir que se tratou de uma assembleia consultiva, para a colheita no mais categorizado sector da opinião sobre assuntos liceais - os professores - de elementos preciosos para habilitar o Ministério a realizar as remodelações profundas ou ligeiras que os interesses superiores do Estado vierem a aconselhar.
Nestes cento e vinte anos de existência de liceus em Portugal têm sido muitas as reformas publicadas. Basta citar que são sete as que respeitam ao ensino de classe, desde a reforma de Jaime Moniz até à que se encontra em vigor. Isto atura as alterações mais ou menos profundas que em várias épocas foram introduzidas.
Todos os reformadores, desde Passos Manuel, se louvaram em grandes autoridades na matéria, sendo o autor da reforma de 1836 o Dr. José Alexandre de Campos, então vice-reitor da Universidade do Coimbra. E sempre professores distintos intervieram na difícil elaboração dos diplomas publicados em várias épocas.
Em todo o caso, na esteira de uma tradição enraizada, as comissões chamadas a elaborar estatutos e programas não curavam de se debruçar sobre o panorama do existente, para debelar os males verificados pela experiência colectiva ou aproveitar na mesma base o que essa mesma experiência revelasse digno de manter.
Tudo só restringia e apoiava nas opiniões o teorias, aliás esclarecidas, de um pequeno número de comissionados.
De futuro, quando for julgado necessário, surgirão, é certo, as indispensáveis comissões, mas, merco da iniciativa inédita, verdadeiro «ovo de Colombo» que o muito ilustro Ministro da Educação Nacional pôs de pé, essas comissões terão ao seu alcance materiais de valor real e esclarecedor, que foram recolhidos nessas frutuosas sessões dos reitores pelo ouvido sempre atento e atencioso do Sr. Ministre e pelo seu incansável lápis de apontamentos.
É altura de prestar homenagem a todos os Ministros que promoveram e subscreveram reformas. Todos actuaram, certamente, na mais sã e patriótica das instruções. Nem todas as reformas teriam sido felizes; nenhuma poderia ser mais do que tentativa de acerto num mundo de evolução continua e por vezes desconcertante.
Neste mar imenso de problemas educacionais, sempre delicados e complexos, as soluções têm de ser para o momento que se vivi. Daí a efemeridade das reformas e a necessidade da sua frequente evolução e adaptação.
Neste momento que vivemos, o ensino liceal e os seus problemas atingiram uma enorme acuidade, com a superpopulação dos estabelecimentos e o perigo do aviltamento do ensino -e quem diz ensino diz instrução e educação-, por consequência dessa mesma inflação da frequência, pela carência crescente de professores diplomados o por muitas outras razões, que seria fastidioso enumerar.
O Sr. Ministro da Educação Nacional, cônscio da acuidade e da urgência de muitas soluções, quis, generosamente, ouvir a vou do professorado liceal e dignou-se de tomar as suas notas para futura orientação.
Queira Deus que seja possível ao Governo conceder ao Ministério da Educação Nacional todos os meios materiais necessários para tão ingente o benemérita obra educativa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Ao muito ilustre titular da pasta da Educação Nacional é notório que não lhe falta a viva inteligência, a inquebrantável vontade e indefectível patriotismo para levar a cabo a obra, que há-de ser notável, que se propôs realizar.
Para terminar, Sr. Presidente, direi apenas que, mesmo que a reunião dos reitores dos liceus que se efectuou recentemente em Lisboa não tivesse outro resultado - e terá certamente frutuosos resultados-, uma grande lição ela envolveu, e foi a excepcional prova de consideração que o Sr. Ministro deu ao professorado liceal, nas pessoas dos reitores.
Em contrapartida, nasceu no coração de todos os professores em causa um profundo sentimento de justa gratidão.
Os trabalhadores da minha região -e suponho que os de toda a parte- dizem na sua linguagem simples e judiciosa: «Não nos dêem mais dinheiro, mas tratem-nos bem».
E o trabalho assim, na harmonia e na conjunção de esforços, é grato aos homens e certamente abençoado por Deus.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Vai iniciar-se o debate do aviso prévio do Sr. Deputado Melo Machado sobre o comércio externo.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Sarmento.
O Sr. José Sarmento: - Sr. Presidente: sinto-me deveras intimidado e perplexo perante a vastidão do aviso prévio que se está a debater. No entanto, pareceu-me que poderia, com proveito, abordar determinados pontos. Esclareceria assim a Assembleia e, ao mesmo tempo, apontaria ao Governo algumas sugestões sobre certos problemas que também interessam à região do Douro. Por isso a minha intervenção.
Como de todos é conhecido, a nossa balança comercial é trancadamente deficitária. Assim, para uma exportação média de 6,7 milhões de contos, tivemos um deficit de 2,7 milhões. Este facto obriga-nos, apesar do saldo positivo da balança de pagamentos, que, felizmente, ainda se mantém, a tentar diminuir essa im-
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portância. Nada nos garante que o referido saldo positivo se continue a manter. Se se tornar negativo, provavelmente medidas drásticas se terão de adoptar, para que se não venham a desfalcar as reservas, que são uma das mais firmes garantias do nosso Plano de Fomento.
Como é evidente, para se diminuir o déficit da nossa balança comercial, ou se aumentam as exportações ou se reduzem as importações. Naturalmente, se estes dois processos se sobrepuserem, a diminuição será ainda mais sensível.
No entanto, as minhas considerações focarão unicamente uma possível diminuição do déficit, provocada por um aumento das nossas exportações.
Em 1954, numa exportação total no valor de 7,3 milhões de contos, os principais produtos de exportação foram: cortiças, 813 000 contos; conservas, 813 000 contos; vinhos, 642 000 contos; minérios, 454 000 contos, e resinosos, 222 000 contos.
Estes números mostram-nos a importante posição ainda hoje ocupada pelos vinhos no nosso comércio de exportação.
Se agora analisarmos como se distribuíram os 642 000 contos de vinhos, veremos que só o ultramar importou da metrópole 239 000 contos. Os restantes 403 000 contos de vinhos exportados para o estrangeiro subdividiram-se assim: 300 000 contos de vinho do Porto, 43 000 contos de vinho da Madeira e 60 000 contos de outros vinhos.
Dos números apontados conclui-se que ainda hoje o vinho do Porto desempenha, apesar de a sua exportação se encontrar reduzida a 52 por cento do que era antes da guerra, papel de grande relevo no nosso comércio de exportação. Se não fosse a enorme quebra sofrida no volume exportado, isto é, se o vinho do Porto mantivesse o nível de exportação de antes da guerra, o seu valor deveria atingir 600 000 contos. Isto mostra-nos o papel importantíssimo que n vinho do Porto poderá vir u desempenhar na melhoria do saldo da nossa balança comercial, se com medidas adequadas se fomentar a sua exportação.
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.a dá-me licença?
V. Ex.a podia até acrescentar que, se efectivamente se realizasse a exportação a que anule quanto ao vinho do Porto, a nosso crise estaria praticamente eliminada.
O Orador: - Infelizmente, o que tem sucedido é ter por mais de uma vez de se recorrer à queima do vinho o Porto para o fabrico de aguardente.
O Sr. Melo Machado: - Isso não faz senão reforçar o que acabei de dizer.
O Orador: -A importância deste problema justifica a apresentação das seguintes particularidades deste tão valioso ramo da nossa economia:
) A exportação total do vinho do Porto em 1950 foi de 22,7 milhões de litros; o consumo metropolitano aproximou-se de 1,5 milhões. Conclusão: o vinho do Porto é hoje, e já o era em épocas passadas, um produto essencialmente de exportação, pois exporta-se cerca de quinze vezes o que se consome na metrópole;
b) No quinquénio 1951-1952 a exportação média foi de 22,2 milhões de litros. Ao Reino Unido couberam 7,9, à França 4, à Bélgica 3,3, u Noruega 1,4, à Alemanha 0,9, à Suécia 0,9, à Dinamarca 0,8, à Suíça 0,6 e aos restantes países da Europa couberam quantitativos inferiores. Conclusão: o vinho do Porto exporta-se para quase toda a Europa; no entanto, só a Inglaterra e a França absorvem cerca de metade da nossa exportação;
c) Também tem interesse apontar como se modificaram depois da guerra os diferentes mercados. O Reino Unido compra-nos presentemente 38 por cento do quantitativo que nos comprava antes da guerra, a França idem, a Bélgica 205 por cento, o Noruega 50 por cento, a Alemanha 69 por cento, a Suécia 164 por cento e a Dinamarca 78 por cento. Em resumo, e como melhor se poderá ver do quadro que será publicado no Diário das Sessões, se o Sr. Presidente o autorizar, foi principalmente a quebra da exportação paira a Inglaterra e a França que provocou a grande baixa sofrida pela nossa exportação de vinho do Porto. Alguns países, tais como a Bélgica, Suécia, Suíça, etc., memoraram consideravelmente a sua posição, pois, passaram a importar muito mais vinho;
d) Devido ao valor e volume da exportação para os mercados da Grã-Bretanha e da França, estes devem-nos merecer particular interesse.
Uma das causas a que se deve atribuir a grande quebra da exportação para a Inglaterra provém do aumento de direitos aduaneiros que incidem sobre o vinho do Porto. Basta apontar que uma .pipa de vinho ao entrar na Grã-Bretanha paga hoje cerca de 24 contos, ou, mais precisamente, 50 xelins, por galão.
Conclusão: para fomentar a exportação para a Inglaterra, além da propaganda que se começa a fazer e que convém intensificar, será necessário conseguir uma diminuição dos direitos que incidem sobre o vinho do Porto.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Sebastião Ramires: - Os encargos na Inglaterra com direitos, fretes, transportes e seguro oneram o produto em seis vezes o valor da venda em Portugal.
O Orador: - Estou perfeitamente de acordo com V. Ex.a, mas eu só estava tratando dos direitos.
É evidente que não é uma assembleia política como a nossa que poderá indicar a solução mais adequada para resolver um problema dessa delicadeza. O Governo, por intermédio dos seus diferentes departamentos, é que poderá escolher qual o caminho a seguir para levar a bom termo a almejada pretensão.
Em França deve-se atribuir a quebra da exportação ao regime de contingentes ainda em vigor. No estado actual deste mercado, bastará aumentar o contingente para imediatamente aumentar a exportação. Esperemos que a França, a quem tanto compramos, permita para o futuro o aumento do referido contingente.
Como em regime de permutas SP pode, no estudo actual das relações económicas com a França, aumentar a exportação, peço ao Governo que aproveite todas as oportunidades para estabelecermos permutas de vinho do Porto. E, como para a execução do nosso Plano de Fomento muito teremos ainda de importar, poderemos aproveitar este facto como ponto de partida para uma maior generalização das permutas.
Bem sei que o Governo, a quem faço pleníssima justiça, não tem descurado esse problema. Assim, em 1953, em troca do álcool importado, exportaram-se extracontingente 102 milhões de francos de vinho do Porto;, em 1954 exportaram-se mais 117 milhões de francos, em permuta com trigo; em 1955, 50 milhões, por troca com material eléctrico. Actualmente, segundo consta, tenta-se nova permuta.
O que desejamos é que o Governo desenvolva de futuro e em bases mais largas, se possível for, essa referida política;
e) Os restantes mercados europeus não devem de modo algum ser desprezados. A Bélgica, Alemanha, Suécia, Holanda, Suíça, Irlanda, etc., devem-nos me-
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recer a melhor atenção. Uma propaganda bem dirigida dever-nos-á permitir melhorar consideravelmente a nossa exportação;
f) O mercado americano mantém-se, infelizmente, numa posição de pequeno relevo. Enquanto que a exportarão para a Europa atinge 21 milhões de litros, a exportação para a América limita-se a 1,1 milhões (médias dos últimos cinco anos), assim discriminados; Estudos Unidos 373 000 l; Brasil 395 000 l; Canadá 202 000 l; restantes países 173 000 l. Convém destacar que, enquanto os Estados Unidos nos compram hoje sensivelmente o que nos compravam antes da guerra, o Brasil só nos compra 80 por cento e o Canadá 335 por cento.
O Sr. Melo Machado: - O Canadá é um mercado que se está tornando interessante para os vinhos portugueses. Nas exposições a que iríamos concorrendo esse mercado está a acorrer a essa espécie de propaganda, e é pena que não se resolva de uma vez para sempre a verdadeira propaganda na América, pois estou convencido de que isso seria a solução do nosso problema.
O Orador: - Vou referir-me a essa propaganda nos Estados Unidos.
Os primeiros números mostram-nos o papel apagado do mercado americano, apesar da sua grande riqueza. Os segundos demonstram que o Brasil, de grande mercado que foi em tempo idos, encontra-se, hoje relegado a uma posição sem destaque. Os Estados Unidos mantêm a sua pequena importarão de antes da guerra. O Canadá, apesar de muito pequeno importador, triplicou a sua importação de vinho do Porto.
Destes três países destaco os Estados Unidos, que, pela sua extraordinária riqueza, grande população e extensão territorial, poderá vir a ser um grande mercado para o vinho do Porto. Para atingir tão almejado fim dever-se-á proceder a uma propaganda muito bem conduzida, concentrada num número reduzido de tipos de vinho do Porto.
Espero que contratempos que têm impedido que essa propaganda se inicie sejam rapidamente removidos, pois já são muito grandes os prejuízos de tão demorada actuação.
O Sr. Deputado Dr. Águedo de Oliveira, a quem presto as minhas homenagens, estudou a fundo este mercado e por isso poderá, muito melhor do que eu, esclarecer a Assembleia sobre tão magno problema.
Sr. Presidente: como muito bem apontou o Sr. Deputado avisante, a quem presto aqui os meus respeitosos cumprimentos de muita estima e admiração, a existência dumas 50 000 pipas de aguardente na Junta Nacional do Vinho, ao preço de 6.000$ a pipa, salvo erro, é de facto um problema deveras preocupante, visto o seu preço no mercado internacional regular por uns 3.500$. Para tentar resolver esse difícil problema é necessário, antes de mais nada, parece-me, evitar que a aguardente já fabricada continue a encarecer. Vejamos como se poderá, deter o referido encarecimento.
Como é de toda a justiça, são as regiões vinhateiras que devem suportar os encargos das respectivas organizações corporativas. Assim, a região demarcada do Douro, por intermédio de taxas pagas pela produção, custeia as despesas da sua organização.
No entanto, já o mesmo não sucede com outras regiões. Em particular destaco a Junta Nacional do Vinho. Esta não cobra taxas à produção e, consequentemente, vê-se obrigada, para atender às despesas com a sua organização, a ir procurar fora as suas receitas. Onera-se assim fortemente a aguardente em armazém. donde resulta um encarecimento mensal de 60$ por pipa, ou sejam 720$ por ano.
O Sr. Melo Machado: - Mus esse encarecimento da aguardente resulta simplesmente de encargos da existência: juro.-, quebras, ele. São encargos provenientes, não da aguardente em si, mas do movimento que ela tem. Quanto menor for esse movimento mais cara será a aguardente.
O Orador: - Eu estava a dizer que não se cobravam nessas áreas as taxas de produção.
Além das dificuldades apontadas que deste facto resultam, dificuldades de exportação devido ao elevado preço da aguardente, não é justo que assim se onere tão fortemente este produto, pela seguinte razão:
Nos períodos de normalidade é-se obrigado a comprar aguardente na Junta, e não noutra parte qualquer, de maneira que é ela que faz o seu preço. E mais para outros fins é possível o abastecimento sem ser na Junta.
O Sr. Melo Machado: - Quando há preços mais baratos é porque ocorrem circunstâncias legais.
O Orador: - Suponho que a fiscalização evitará uma coisa dessas. A razão da diferença de preço não é unicamente a da falsificação da aguardente.
O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.a poderia esclarecer-me sobre qual a razão que contribui para uma tão larga onerarão da aguardente quando é vendida através da
Junta?
O Orador: - Vou já referir-me adiante a esse ponto.
A Junta Nacional do Vinho tem, infelizmente, o monopólio do fornecimento de aguardente ao Douro, quando esta região não possuir aguardente sua para benefício dos seus vinhos. Deste facto resulta ser o Douro, afinal de contas, quem grandemente concorre para as despesas da Junta Nacional do Vinho, pois, em períodos de normalidade, cerca de 90 por cento da aguardente vendida pela Junta se destinam ao Douro. Por isso se espera que esta disposição, que tão profundamente fere a região do vinho do Porto, não se mantenha por mais tempo.
O Sr. Teixeira de Sousa: - V. Ex.a dá-me licença?
Os preços da aguardente variam consoante os preços da sua aquisição, isto é, da intervenção que a Junta faz. Há casos em que a aguardente é vendida ou tem
sido vendida a preços inferiores aos do mercado. Noutros, como tem sucedido nos últimos anos, a aguardente é vendida a preços superiores; mas esse facto resulta da oneração que recai sobre ela quanto a encargos da Junta, empréstimos e acumulação de anos sucessivos.
O Orador: - Julgo que se deveria procurar evitar esse encarecimento.
O problema de se evitar o encarecimento da aguardente já fabricada e simultaneamente, se acabar com a situação deplorável que acabei de apontar resolve-se imediatamente se se cumprir a alínea b) do artigo 16.º do Decreto n.º 27 977, de 19 de Agosto de l937, que trata das receitas da Junta. Diz o artigo:
Art. 16.º A Junta Nacional do Vinho terá as seguintes receitas;
..............................................................
b) A taxa de $02 por litro de vinho produzido pelos vinicultores existentes na área de acção da Junta, desde que a respectiva produção exceda os mínimos fixados em regulamento.
Basta então fixar os mínimos referidos para se poder cobrar a referida taxa. Numa produção de 6 000 000 hl,
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poder-se-iam, assim, obter uns 12 000 contos. Esta verba é insuficiente para a manutenção e conservação das actuais 50 UOÜ pipas de aguardente. Se admitirmos uma despesa anual por pipa de 720$. seriam precisos 36 000 contos por ano. Para se obter ai referida importância bastaria elevar a taxa de $02 para $06 por litro. A título informativo e para a Assembleia poder avaliar o valor relativo dessa taxa de $06 por litro, lembro que na região do Douro rada litro de vinho de consumo paga $07, e $l0 se se tratar de mosto para benefício.
O Sr. Melo Machado: - Mas não paga um tostão!
O Orador: - Acabei de apontar como se poderá evitar o encarecimento da aguardente em armazém. Vejamos agora se será possível baixar o seu preço de custo.
Para se resolver este último problema dever-se-ão bloquear os vinhos das várzeas, listas vinhas, pela sua alta produtividade e baixo custo de granjeio, seriam exclusivamente reservadas para a produção de aguardente.
O Sr. Sebastião Ramires: - Tem V. Ex.a toda a razão, porque sempre houve os chamados «vinhos de queima»!
O Orador: - Obter-se-iam assim óptimas aguardentes a baixo preço, facilmente colocáveis no mercado externo. Além disso, a retirada do mercado do vinho das várzeas permitiria que as vinhas das encostas, de qualidade bem superior, passassem a abastecer o mercado, melhorando-se assim muito a qualidade do vinho apresentado ao público.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Infelizmente hoje em dia pode-se afirmar que são os melhores vinhos que vau para a caldeira.
Esses vinhos, pelo seu mais elevado preço de custo, não encontrando no mercado preço remunerador, não têm outro recurso senão a queima.
O Sr. Sebastião Ramires: - Sempre houve, vinhos classificados para queima e destinados a aguardente, e que são, naturalmente, os de pior qualidade.
O Sr. Proença Duarte: - V. Ex.a quer estabelecer dois preços: um para os vinhos das encostas e outro para os das várzeas?
O Sr. Rebelo de Figueiredo: - Informo V. Ex.a e a Câmara de que o vinho na região do Douro já é pago segundo n sua produtividade, variável, portanto, com a produção unitária por propriedade referida à sua plantação, e isto numa região em que as produções são pequenas. Ora, se é praticável este sistema naquela região, muito melhor o será em regiões de maiores produções.
O Sr. Furtado de Mendonça: - Se percebi bem, V. Ex.a desejava que os vinhos das várzeas que fossem pura queima tivessem um preço e que os vinhos das encostas, com características que os recomendam para consumo, tivessem outro preço.
Isto, é evidente, porque uns têm álcool e outros têm outras qualidades que os valorizam.
O Sr. Proença Duarte: - Nunca existiu diferenciação de preços estabelecida entre vinhos de encosta e vinhos de várzea, e, apesar disso, a encosta continuou a aumentar as plantações das suas vinhas.
O Orador: - No entanto, o aumento de plantio nas várzeas foi bem maior do que nas encostas.
Espero, se as medidas apresentadas forem postas em execução, que novamente o Douro venha a adquirir no Sul, a preço justo, a aguardente necessária para o benefício dos seus vinhos. Nesta altura o Douro já não será constrangido a queimar os seus, belos vinhos de consumo, pois encontrará no mercado preço remunerador.
em resumo, uma taxa de $06 por litro e o bloqueio do vinho das várzeas deverá resolver, não só o problema, deveras preocupante, a que se referiu o Sr. Deputado avisante, mas também o problema, sempre premente, da crise dos nossos vinhos de consumo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Magalhães Couto: - Sr. Presidente: na primeira vez que subo a esta tribuna para usar da palavra na presente sessão legislativa não me dispenso de apresentar a V. Ex.a os meus melhores cumprimentos, com a afirmação do meu maior respeito. A toda a Ex.ma Câmara apresento as minhas mais sinceras saudações.
Em curto prazo, Sr. Presidente, vieram debater-se nesta Câmara, como indício certo da inquietação que lavra entre as populações agrárias do País, dois dos mais importantes problemas para a lavoura nacional: o da carne e o do leite, ambos intimamente unidos, por dependentes da criação e melhoramento dos gados e ainda pela indispensabilidade destes para a conservação e aumento da fertilidade da nossa terra arável.
Pode afirmar-se, Sr. Presidente, que em Portugal - país essencialmente agrícola - mais de 50 por cento da sua população vive da lavoura ou para a lavoura.
ente humilde e sofredora, sempre sujeita ao mais árduo trabalho, a recompensa do seu porfiado labor está por inteiro dependente das vicissitudes do tempo. E porque sempre incerta nos resultados, os produtos obtidos na indústria agrícola, por indispensáveis à alimentação e bem-estar de toda a grei, não podem ficar apenas sujeitos às variáveis e inexoráveis leis da oferta e da procura.
Eis porque em todos os países civilizados a indústria agrícola, para bem desempenhar a sua missão, tem de ter sempre a decidida protecção dos Poderes Públicos.
Quando assim não acontece são sempre de recear as piores consequências sociais.
Isto é sabido de toda a gente, e se aqui mais uma vez o que é porque certas verdades tão facilmente se esquecem que só se lucra em serem repetidas muitas vezes.
Na verdade, Sr. Presidente, o problema das carnes, o problema vinícola, o problema do trigo, o problema do álcool, os problemas do arroz, do azeite, do milho, do leite, da manteiga, das gorduras, etc., etc., etc.. não são entre nós senão manifestações da doença que está corroendo implacavelmente as depauperadas forças da agricultura nacional.
Na discussão do aviso prévio tão a tempo trazido a esta Câmara pelo ilustre Deputado Nunes Mexia o País inteiro ouviu que lemos excelentes pastagens no ultramar, mal aproveitadas ou quase inaproveitadas por um reduzido número de cabeças de gado; que temos na nossa parte insular belos campos, gado magnífico para a produção de carne e leite, mas que em grande parte se não aproveita por falta de adequados meios de transporte; e que, na zona continental, umas vezes o
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gado sobra e os preços envilecem, negando remuneração condigna ao trabalho da produção, e em outras há carência, recebe-se o bom e o mau sem apreciável diferenciação num preço que é sempre baixo, o que, por certo, há-de levar ao abandono da produção e à indiferença pela qualidade.
Faltam, por vezes, pastagens, mas assistimos à exportação, à custa dos vários fundos, de milhos, sêmeas e bagaços, para depois, como medidas de emergência, importarmos os produtos que poderíamos aqui conseguir, ocupando braços s criando riquezas, se prestássemos à nossa agricultura o auxílio que em circunstâncias aflitivas nos é impossível negar ao estrangeiro.
Podemos afoitamente concluir de tudo isto que na nossa política económica agrícola alguma coisa falta, alguma coisa não está bem.
A nossa agricultura tem de ter uma direcção esclarecida, uma orientação firme e uma completa coordenação de medidas, tendentes todas à defesa do trabalho nacional, ao aumento e barateamento da produção, ao relevo da qualidade e à elevação do nível económico do produtor agrícola.
Só assim a lavoura pode atingir o seu fim nacional.
Não nos falta uma abundante legislação, mas não se cumpre ou cumpre-se mal. Na raiz do problema está a incompleta e ineficiente organização corporativa da lavoura. Enquanto esta não for conseguida e não for dada à lavoura representação activa nos postos de comando da economia nacional, a voz da mais importante indústria da Nação, da única indispensável, será abafada por interesses de momento, e as dificuldades da alimentação pública serão remediadas, quando possível, por leis de emergência, quase sempre desorientadoras e de que as consequências no futuro, não sendo fáceis de prever, redundam, todavia, sempre em prejuízo da Nação.
Se é necessário um exemplo, aí o temos bem claro das dificuldades que surgiram, há cerra de um ano, na colocação de um excedente ocasional dê manteiga. Baixou-se o preço do leite e tornou-se inconsideradamente o preço deste incompatível com o emprego na alimentação dos animais - para conservação deles e continuação da produção- dos bagaços, sêmeas ou cereais. O resultado está à vista: já estamos comendo manteiga americana e carne congelada do Brasil.
Pois, em face de uma tal situação, ainda não foi possível, até agora, obter qualquer medida tendente o modificar ias causas que lhe deram origem. E não foi porque a lavoura, parcialmente organizada, não tivesse, a tempo, dado o alarme e não tenha persistido em solicitar providências no sentido de evitar que se continue a pisar caminho errado, que levará fatalmente a um mais acentuado empobrecimento de uma grande parte da Nação, com consequências inevitáveis sobre a economia nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Em Junho de 1954, Sr. Presidente, a lavoura de Entre Douro e Minho, Beira Litoral e Beira Alta, representada pelos grémios dessas regiões, dirigia a S. Ex.a o Subsecretário de Estado da Agricultura uma representação, que só me abstenho de ler integralmente à Câmara para lhe não tomar demasiado tempo, mas de que solicito licença para lhe dar conhecimento das passagens principais.
Dizia-se nessa representação, procurando evitar-se que fosse decretada uma baixa no preço do leite fornecido à indústria:
Desde o começo do ano corrente tem-se assistido, de uma forma generalizada, a um atraso progressivo do pagamento de leite entregue para industrializar. As queixas dos produtores, que constantemente nos chegam, levaram os grémios a indagar dos motivos que originavam aquele atraso.
A indústria privada e as cooperativas esclareceram que uma anormal dificuldade no mercado em absorver a manteiga produzida teria acarretado um armazenamento progressivo deste lacticínio e daí uma natural dificuldade de ordem financeira para o pagamento do leite.
Este armazenamento, que ultrapassou já as 500 t - e que se espera venha a duplicar no corrente ano-, é uma resultante do aumento de produção que se tem vindo a registar e a que de fornia alguma correspondeu um equivalente poder aquisitivo consumidor, antes agravado pelo produto concorrente -a margarina-, cuja poderosa máquina pôs em execução um plano de vendas que alarma e baralha o mercado, e destinado, ao que parece, a inverter totalmente o sentido preferencial do consumidor.
O aumento de produção da manteiga corresponde naturalmente a um aumento de produção do leite, como consequência de uma política económica do Ministério de V. Ex.a, em que as Direcções-Gerais dos Serviços Agrícolas e Pecuários e a Junta Nacional dos Produtos Pecuários têm estado empenhadas e a que a lavoura correspondeu, confiada numa melhoria compreensiva e justa do seu nível de vida.
Dessa política esperava-se reduzir, se não evitar mesmo, o enorme caudal de divisas que se perderam em favor do estrangeiro desde sempre e ainda recentemente no período de 1947 a 1900, no qual se importaram cerca de 3700 t de manteiga, no valor aproximado de 140 000 contos.
Ao ter-se atingido este desiderato da produção nacional - satisfazer as necessidades do consumo interno, com uma sobra apreciável -, parecia que a lavoura havia de estar satisfeita moral e economicamente, mas infelizmente somente quanto ao aspecto moral poderá considerar-se compensada do esforço produzido a bem do País, pois já grandes e fundados receios recaem no complexo agro-pecuário da produção leiteira.
E depois de enumerar os prejuízos resultantes daquelas circunstâncias -avultando especialmente os atrasos, de um a cinco meses, dos pagamentos do leite aos produtores, no montante, em todo o País, de mais de 10 000 contos; os pagamentos, em algumas zonas, por preços inferiores aos fixados superiormente, com indisciplina e desprestígio da lei; os reflexos graves na economia dos produtores, muito pobres na sua maioria; a desorientação e incerteza provocadas nos produtores e no mercado com a especulação do intermediário, sem proveito para o consumidor e afirmar que, dadas as baixas capitações do nosso consumo em leite e seus derivados, se tornava necessário fomentar a produção de forragem e de leite, mas ao mesmo tempo se tornava indispensável estabelecer as condições suficientes para o consumo daquele aumento, para que este não viesse a trazer ainda mais dificuldades à lavoura, a referida representação continuava:
São grandes os valores investidos na produção de leite no País, valores da grandeza de 10 milhões de contos e 500 000 contos, respectivamente para os capitais fundiários terra e fixo vivo, que dão lugar, além de outros rendimentos secundários, a uma produção de leite da ordem dos 400 000 contos anuais, de que mais de setenta mil produtores
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e suas famílias auferem os recursos indispensáveis para a aquisição diária de géneros de primeira necessidade.
A integridade desta riqueza interessa, como supomos, à economia nacional, e, por isso, o problema carece de ser equacionado nos seus devidos termos e com o indisponível oportunidade, pura se encontrar uma solução adequada, de modo a evitar enorme e perigosa delapidação da riqueza agrária.
E a terminar:
Estão em jogo, com efeito, valores económicos e sociais de grande monta que importa acautelar, porque são património da Nação e penhor da segurança e do viver da maior parte da sua grei. E tudo o que se fizer em seu abono será contrariar a descolonização do País, que parece fatal, pelou que anualmente abandonam a terra portuguesa desiludidos e vão enriquecer de e bons elementos e trabalho outros países.
Não surtiu, Sr. Presidente, o desejado efeito esta representação. A voz da lavoura não foi ouvida e em fins de Junho daquele ano o preço do leite baixou, por despacho ministerial, de 1$40 para 1$22 por litro, à base de 3,5 por cento de gordura.
Mantendo-se nos antigos preços tudo quanto o produtor agrícola havia de adquirir e tendo até subido certos artigos, as consequências desta baixa unilateral haviam de reflectir-se, não só na produção do leite e consequentemente, da manteiga, mas unida na economia das populações rurais, tornando-a mais débil e minimizando, assim, a sua acção de massa consumidora.
Tais efeitos tão rapidamente e agravaram, especialmente na região de Entre Douro e Minho, que os grémios da lavoura dessa região julgaram de seu dever dirigir, em fins de Outubro de l955, nova exposição a S. Ex.a o Sr. Subsecretário de Estado da Agricultura.
Nesse documento se dizia:
Em nome dos quarenta e seis grémios da lavoura que constituem esta Federação (particular) e para darmos cumprimento a uma deliberação tomada nu última reunião plenária, efectuada em 22 de Outubro próximo passado, temos a honra e pedimos licença para trazer a consideração de V. Ex.a o seguinte:
Entendeu V. Ex.a no ano findo ser necessário baixar o preço do leite destinado a fins industriais, bem como o da manteiga, em face da superprodução que então se verificou desses produtos, com o fim de se obter melhor equilíbrio entre a sua produção e o consumo.
Discordámos então da necessidade dessa medida, pois estávamos convencidos de que a superprodução tinha carácter transitório, pelo que sugerimos para a sua resolução medidas com o mesmo carácter, já que a Junta Nacional dos Produtos Pecuários não estava apta, como nos parecia dever estar, a resolver só por si essa situação.
Entretanto, a baixa verificou-se apenas com prejuízo da lavoura, a qual se foi desinteressando a olhos vistos da exploração leiteira, quer desfazendo-se dos seus animais, que, desvalorizados, fórum desviados para zonas fornecedoras de leite para consumo, criando núcleos de concentração de efectivos superiores às necessidades, quer deixando de lhes dar tratamento conveniente, facto comprovado pela diminuição no consumo das sêmeas e outros produtos, em virtude de o leite deixar de compensar.
Nestas circunstancias, a produção declinou rapidamente, assistindo-se então a luta entre alguns concorrentes à procura do produto, concorrência desregrada e desorientadora, que ainda se mantém, e que, se não lhe for tomada a dianteira, revendo-se superiormente preços e situações, há-de acabar por um somatório de maiores prejuízos, que benefícios para todas as actividades interessadas nos lacticínios, para o consumidor e para a Nação.
Sob o aspecto puramente da produção, a verdade é que, se alguns produtores de leite estão a beneficiar dos preços da concorrência, bastante superiores aos mínimos, fixados, muitos outros continuam a receber apenas aqueles preços mínimos, ou porque a concorrência não se desenvolveu na sua região ou porque a indústria, normalmente o pequeno industrial ou cooperativa transformadora que lhes recebe o leite, não labora produtos que permitam melhor valorização, em face do seu tabelamento, como é a manteiga.
Mas há casos, também, em que, apesar da valorização do leite, não é o produtor que está a beneficiar dessa valorização, mas sim intermediários, que recebem o produto da lavoura aos preços mínimos, cedendo-o para indústrias de maiores possibilidades por preço muito mais elevado.
Esta situação não pode deixar de causar grave desorientação, indisciplina e revolta dos espíritos.
E foi, Sr. Subsecretário, tendo em consideração estes factos, que os grémios que representamos entenderam seu dever trazê-los à superior consideração de V. Ex.a. solicitando ao mesmo tempo uma revisão do assunto.
Nestas circunstâncias, e atendendo ao exposto, temos a honra de solicitar de V. Ex.a o seguinte:
1.º Restabelecimento do preço do leito destinado a fins industriais anterior à última baixa e consequentemente da manteiga;
2.º O Estudo de um preço de leite industrial baseado em todos os produtos lácticos fabricados no País, pois não é justo que este se baseie apenas na manteiga, que é produto que menos o valoriza;
3.º Entrada em vigor do Decreto n.º 39 178, de 20 de Abril de 1953, a começar pelas zonas fornecedoras de leite para consumo, indo-se posteriormente para as zonas industriais.
E a concluir:
Os grémios da lavoura, como sempre, prontificam-se a colaborar, na medida das suas possibilidades, para uma melhor resolução deste assunto que tanto interessa a maioria dos seus associados.
O apelo da lavoura não mereceu ser atendido, mas pelos resultados que todos agora estamos presenciando e sentindo talvez pudéssemos concluir que não seria de todo mau ter-se reparado um pouco mais neste assunto, evitando seguir-se uma solução aparentemente mais fácil, por atingir apenas aqueles que habitualmente se não defendem ou se defendem mal.
Provado que a lavoura não consegue fazer-se ouvir, é evidente que se torna necessário dar-lhe maior eficiência na sua organização e na sua representação junto dos Poderes Públicos.
Ainda bem que S. Ex.a o Sr. Ministro das Corporações e Previdência Social Sr. Dr. Veiga de Macedo, resolveu proceder rapidamente à organização complementar da lavoura, oficializando as federações dos respectivos grémios, que desde há anos vinham traba-
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lhando em regime particular, e providenciando de modo a que, dentro em breve prazo, todos os grémios da lavoura se encontrem integrados nas respectivas federações.
É já um grande passo em frente, que levará a lavoura a sentir um pouco de confiança em si mesma e no futuro.
Por mim, que faço parte da grande família agrária, não quero perder esta oportunidade para prestar a S. Ex.a o Ministro das Corporações e Previdência Social. Sr. Dr. Veiga de Macedo, à sua coragem moral e à sua esclarecida visão política as homenagens da minha admiração e do meu reconhecimento.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Muito há que fazer a favor da lavoura. Os problemas entrelaçam-se e torna-se necessário resolver rapidamente alguns para permitir a solução dos outros. Exige a economia nacional que tudo se congregue para o levantamento económico da Lavoura, para a elevação do nível de vida do produtor agrícola, factor primordial para o movimento do comércio e da indústria nacionais.
Temos de abandonar a ideia de que para resolver as nossos crimes de abundância há só que arrancar as vinhas ou chegar fogo às searas, para depois, em período de carência - as vacas magias vêm sempre atrás das gordas-, arruinada a nossa própria agricultura, abrirmos todas as portas à produção estrangeira.
Que assim se pratique em face de calamidades públicas, não será possível evitá-lo, e que se faça até, calculadamente, para manter-mos ou provocarmos a saída dos nossos excedentes, é prática que temos de adoptar e desenvolver. Mas isto previamente estudado, com antecipação bastante e tendo sempre em causa o interesse nacional.
Um organismo coordenador que centralize todos os dados da nossa produção e os relacione com as necessidades do nosso comercio externo - e seja este o contributo, embora modesto, que damos ao aviso prévio do Deputado ilustre Sr. Melo Machado - afigura-se-nos que seria inteiramente de desejar.
Poderia chamar-se-lhe, pelo muito que interessa à lavoura. «Conselho Superior Agrícola para a Produção e Comércio Interno e Externo». Mas o nome pouco importa; o que interessa especialmente é a função, e esta seria a de ter sempre em dia todos os elementos referentes à nossa produção agrícola, prevendo as crises de abundância ou de carência e provocando as providências necessárias para as debelar.
Sabendo-se que o valor dos nossos excelentes agrícolas representa apenas quantitativo interior a 5 por cento do volume monetário das nossas transacções de importação, afigura-se-nos não ser demasiadamente difícil encontrar-se mercado que convenha aos nossos produtos, um troca de tanto que temos de importar.
Mas, se assim não puder ser, temos de arranjar processo de valorizar cá dentro aquilo que nos sobra, dispensando importações.
Se para «cada boca seu pão» e é mister «a cada braço sua enxada», indispensável se torna que nas mãos do trabalhador ela nunca tome a posição de «armas em funeral» mas sempre aquela mais consentânea com a vontade de quem, trabalhando a terra, quer lutar e vencer.
Arrasta-se indefinidamente a nossa crise vinícola, parecendo tomar cada vez mais negras cores.
Cremos ser de grande utilidade a montagem da indústria do álcool vínico ainda, com destino à propulsão de motores, o que, constituindo mais uma ocupação para os braços dos Portugueses, permitiria a movimentação dos vinhos quando se quisesse e o escoamento das existências de álcool.
Ainda não há muito tempo, Sr. Presidente, que a região minhota entretinha com o seu gado barrosão - a que já ouvi chamar a melhor carne do Mundo - um lucrativo negócio com a nossa velha aliada Inglaterra.
O desleixo, a indiferença pelas riquezas nacionais, tudo fez pedir; mais a raça barrosã, desprezada embora, lá continua no seu solar- sempre pronta a dar o seu contributo para a riqueza e bem-estar dos Portugueses.
Não terá chegado o momento, Sr. Presidente, de, valorizando o que é nosso, oferecermos ao estrangeiro, não o que ele sistematicamente rejeita, mas aquilo que em boas condições de preço e melhor qualidade em nenhuma outra parto poderá conseguir?
Muitos são, Sr. Presidente, e variados os problemas da lavoura portuguesa, exigindo todos que alguém sobre eles constantemente se debruce, não só com competência para os estudar, mas também com autoridade paro os resolver.
O restabelecimento do Ministério da Agricultura parece-nos assim absolutamente indispensável.
Sr. Presidente: pode acontecer que a proposta de lei sobre a instituição das corporações - entre as quais a da lavoura se encontra em primeiro lugar - , enviada a esta Câmara pela Presidência do Conselho, como V. Ex.a na última sessão anunciou, responda satisfatoriamente às inquietações e dúvidas que em si contêm as palavras por mim há pouco proferidas.
Se assim for, todos nos havemos de regozijar com isso. Se não, talvez aquelas minhas palavras possam tornar-se numa lembrança que de todo não deva desprezar-se.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Interrompo a sessão por alguns minutos.
Eram 17 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 17 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: - Sobre a ordem do dia há ainda alguns oradores inscritos. entro os quais os Srs. Deputados Furtado de Mendonça, Alberto de Araújo, Botelho Moniz e Pereira Jardim. Todavia, alguns destes Srs. Deputadas, por não contarem que hoje lhes chegasse a palavra, desejariam que lha reservasse para amanha, para melhor estudo de elementos ultimamente recebidos. Obtemperando a estas considerações, vim encerrar a sessão.
Antes, quero comunicar à Assembleia que, dados os trabalhos pendentes para apreciação desta Câmara e outros que lhe serão ainda presentes, há conveniência. mais do que conveniência. Lá necessidade de prorrogar os trabalhos por mais um mês.
Temos, efectivamente, ainda pendentes a proposta de interpretação da lei hoteleira, as Contas Gerais do Estado, as contas das províncias ultramarinas, a proposta de lei sobre turismo, as contas da Junta do Crédito Público, a proposta de lei que institui algumas corporações, a relativa ao plano de formação social corporativa e ainda a proposta de lei sobre organização geral da Nação em tempo de guerra, actualmente na Câmara Corporativa.
Isto sem falar ainda na proposta de lei dobre as actividades gimnodesportivas, que será um dos pri-
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melros assuntos a tratar depois da reabertura da Câmara, passadas as férias da Páscoa, caso não nos seja possível fazê-lo antes.
Nestas circunstâncias, e usando da faculdade que me é conferida pelo § único do artigo 94.º da Constituição, prorrogo o funcionamento efectivo desta Assembleia por um mês, a partir do próximo dia 25.
A próxima sessão será amanhã, à hora regimental, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 58 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Gaiteiros Lopes.
António Carlos Borges.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
João Alpoim Borges do Cauto.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
José Soares da Fonseca.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa
Rui de Andrade.
Tito Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agnelo Ornelas do Rego.
Américo Cortês Pinto.
António de Almeida Garrett.
António Russell de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Afonso Cid dos Santos.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Urgel Abílio Horta.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
Mapa a que se referiu o Sr. Deputado José Sarmento no seu discurso:
Exportação de vinho do Porto para os principais mercados europeus e americanos, antes e depois da última guerra
(Números expressos em litros)
(ver tabela na imagem)