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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 134
ANO DE 1956 24 OE MARÇO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO Nº 134, EM 23 DE MARÇO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Castão Carlos de Deus Figueira
Carlos Alberto Lopes Moreira
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 131.
O Sr. Deputado Urgel Horta solicitou o restabelecimento tia Faculdade de Letras na Universidade do Porto.
O Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu ocupou-se do movimento de serviço na Polícia Judiciária e nos institutos de medicina legal.
O Sr. Deputado Pinto Barriga interrogou a Mesa sobre um pedido de informações ao Ministério da Economia.
Ordem do dia. - Concluiu-se e o debate provocado pelo aviso prévio do Sr. Deputado Melo Machado acerca do nosso comercio externo.
Falaram os Srs. Deputados Furtado de Mendonça, Armando Cândido. Carlos Mantero e Melo Machado, que apresentou uma moção, também subscrita por outros Srs. Deputados. Essa moção foi aprovada.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 16 horas e 15 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Américo Cortês Pinto.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António Bussell de Sousa.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Herculano Amorim Ferreira.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
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Joaquim Mendes do Amaral.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 66 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das sessões n.º 131, de 20 do corrente.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto nenhum Sr. Deputado desejar fazer qualquer reclamação, considero aprovado aquele Diário das sessões.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Urgel Horta.
O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: tendo sempre ligado o mais vivo interesse ao magno problema habitacional do Porto para classes trabalhadoras, pedi a V. Exa. a palavra para, na pessoa do Sr. Presidente do Conselho, manifestar ao Governo o reconhecimento da nossa cidade pelo aturado estudo do problema e definitivas resoluções tomadas no último Conselho de Ministros sobre tão premente assunto.
O Sr. Prof. Doutor Oliveira Salazar ao fazer inscrever especialmente na agenda de trabalhos daquele Conselho este importante estudo confirmou ao País a certeza de que o Governo se preocupa com todos os problemas que afectam os vários sectores da vida nacional, buscando-os e resolvendo-os onde eles se encontrem, e disse ao Mundo, revolto e indiferente as dores e aos sofrimentos, que Portugal continua na sua missão cristianíssima de respeito pela pessoa humana e pela dignificação da família portuguesa.
Sr. Presidente: ao fechar estas breves palavras, que desejaria fossem marcadas pela gratidão de todos nós e pela esperança daquelas seis mil famílias a quem o futuro promete casas novas, arejadas, e cheias de sol, seria imperdoável não me referir ao esforço que a Câmara do Porto vem fazendo há anos no sentido de concorrer dentro das suas possibilidades para atenuar o problema que agora se vê largamente resolvido.
Saúdo também o Sr. Presidente da Câmara Municipal do Porto e todos os serviços técnicos da mesma Câmara, que com os seus estudos e trabalhos concorreram para a apreciação e resolução de tão importante, assunto.
Sr. Presidente: desde o dia em que subi a escada deste histórico Palácio de S. Bento e entrei, como Deputado pelo Porto, na Assembleia Nacional, depois de haver percorrido os seus admiráveis salões, onde existem curiosos e significativos motivos de cultura, que falam da história e da arte, das letras e das ciências, da política e da grandeza de Portugal, no passado e no presente, germinou no meu cérebro a ideia de pugnar para, no campo da cultura artística e literária, procurar engrandece a minha cidade com o restabelecimento de institutos necessários ao estudo e à divulgação de conhecimentos e conceitos do verdadeiro humanismo, no amplo cultivo das diferentes matérias que têm por finalidade o enriquecimento dos conhecimentos em que se integra o saber humano.
E por existir no meu pensamento o no meu sentimento a verdade de um ideal, dominado pela fé em que se criou e se formou o meu espírito, por reconhecer que a mocidade de hoje, diferente da mocidade do meu tempo, no seu pensar, no seu sentir, nas suas múltiplas manifestações de carácter, necessita, como necessitava a minha, de ser bem guiada, atestando-a de grosseiro materialismos, orientando-a dentro de uma base e fundamento moral, pelo qual o homem logra elevar-se, dignificar-se, atingindo a máxima espiritualidade da vida, ouso trazer a esta tribuna problema de alta transcendência: o problema do restabelecimento da Faculdade de Letras na Universidade do Porto.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Problema cuja solução vive na mente de toda a intelectualidade nortenha, orgulhosa do seu passado, recamado de tradições literárias e artísticas, reconhecendo a sua premente necessidade, dando cumprimento à missão inerente à Universidade na formação educativa e instrutiva, compatível com os movimentos e as necessidades humanas.
As Universidades têm de ser instrumentos vivos, completos, em movimentação constante e firme, acompanhando e traçando directrizes ao Mundo, nunca esquecendo a técnica, mas educando a mocidade em sólidas bases morais e sociais, humanas, como centro polarizador das mais diferentes actividades intelectuais e científicas.
Não pode atender-se apenas à função técnica. Tem de encarar-se o homem na sua função psíquica, mais perfeita em harmonia com o espírito que o criou à sua imagem e semelhança no seu todo de integridade.
E a cultura humanista, o humanismo em si, dignificando o homem, eleva-o à mais alta espiritualidade de grandeza infinita. espiritualidade emanada de Deus, como aspiração suprema da compreensão e do conhecimento dos mistérios do infinito.
Sr. Presidente: não se compreende nem se justifica que o Porto, cidade de largas e fundas tradições no domínio cultural, não possua uma Faculdade de Letras, organismo indispensável dentro de um instituto universitário.
Não pode dizer-se que a antiga Faculdade de Letras não haja fielmente cumprido a sua missão. Porque julgo haver-lhe dado integral cumprimento, quero render homenagem ao Ministro que a criou: o Prof. Leonardo Coimbra, espírito brilhante, orador eloquentíssimo, pensador e filósofo, cuja consagração está feita
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através da extraordinária grandeza da sua obra, a quem Deus, em seus altos desígnios, chamou o recebeu na eternidade do seu destino, convertido e integrado nas doutrinas do Evangelho, onde tudo é amor, perdão e beleza.
E, ao lembrar tão alta personalidade, recordo os valores saídos daquela Faculdade, muitos dos quais, justamente integrados nas Faculdades de Letras de Lisboa e Coimbra, ascenderam à cátedra por direito de conquista. Porque não há-de voltar à vida esse instituto de tão belas e valiosas tradições? Como recusar ao Porto, onde existe tanta sede de cultura, uma Faculdade da Letras? Significativa interrogação, com bem apropriada resposta.
Sr. Presidente: o mapa que tenho presente é elucidativo e claro quanto à frequência da Faculdade extinta, criada nos termos do disposto no artigo 11.º da Lei n.º 861, de 27 de Agosto de 1919, e que foi extinta por Decreto de 14 de Abril de 1928.
MAPA N.º 1
Alunos Inscritos nas Faculdades de Letras
Ver mapa na imagem
Só julguei conveniente pôr em confronto a frequência das três Faculdades: Lisboa, Coimbra e Porto.
Estes números são eloquentes. Nada há que acrescentar à demonstração dos altos serviços prestados à cultura.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: o Instituto de Alta Cultura, magnífico organismo, honra do Estado Novo na sua tão notável como proveitosa acção, no desenvolvimento da obra cultural realizada, pôs na renovação e actualização dos problema universitários o melhor do seu interesse.
No Porto a falta de uma Faculdade de Letras faz-se amarguradamente sentir, especialmente hoje, que à Universidade está adstrita uma função educativa, bem compreensível na inquietação espiritual e no anseio de progresso da própria mocidade que a frequenta.
Para suprir ou atenuar a falta desse organismo criou o Instituto de Alta Cultura, em colaboração técnica e económica com a Câmara Municipal, o Centro de Estudos Humanísticos, anexo à Universidade, cuja inauguração se fez em Maio de 1947.
Assim se deu satisfação parcial às legítimas aspirações espirituais e culturais do corpo universitário e da cidade.
Do que tem sido a actividade exercida pelo Centro falam com eloquência não só os relatórios do magnífico reitor universitário, como os boletins do próprio Centro; a manutenção dos seus cursos, as suas sessões de estudo, a sua revista de cultura portuense -Studium Generale-, repositório das provas de trabalho dos que no Centro de Estudos Humanísticos, com permanente fidelidade, se consagram às tarefas que lhe devem ser próprias, como diz em antelóquio o Prof. Luís de Pina, a publicação em separata de lições feitas por alguns dos seus professores e investigadores, as conferências realizadas por humanistas dos mais categorizados, nacionais e estrangeiros, versando temas respeitantes à literatura, à história, à filosofia, à arte e à, etnografia, a sua numerosa frequência e o nível de valor do seu corpo docente, tão competente como desinteressado. Situa-se em primeiro plano a figura distinta, austera, de um grande espírito, que à vida da Nação tem dado, nos seus diversos sectores, muito do seu generoso e inteligente esforço.
O Prof. Luís de Pina, quer como catedrático da Faculdade de Medicina, quer como Deputado da Nação, quer como presidente da Câmara Municipal do Porto, quer ainda como provedor da sua Misericórdia, tem deixado bem marcada a sua alta. personalidade.
Como director do Centro a sua obra merece o louvor da Nação, pela honestidade e dignidade com que é realizada e pelo muito que representa de amor à cultura e à própria cidade.
E, ao falar do Prof. Luís de Pina, seja-me permitido lembrar um seu colaborador, secretário e professor do Centro Humanístico, o Dr. António Cruz, jornalista, ensaísta, conferencista, notável homem de letras e ilustre, director da Biblioteca Municipal do Porto, espírito da mais alta estirpe, tão devotado às tarefas do espírito.
Sr. Presidente: a frequência do Centro é-nos fornecida pelo mapa que apresento e que a mostra desde a, sua fundação até ao presente:
MAPA Nº 2
Alunos inscritos no Centro de Estudos Humanísticos
Ano lectivo de 1947-1948 ........ 103 (35 universitários)
Ano lectivo de 1948-1949 ........ 221 (46 universitários)
Ano lectivo de 1949-1950 ........ 232 (55 universitários)
Ano lectivo de 1950-1951 ........ 195 (43 universitários)
Ano lectivo de 1951-1952 ........ 274 (19 universitários)
Ano lectivo de 1952-1953 ........ 310 (50 universitários)
Ano lectivo de 1953-1951 ........ 181 (36 universitários)
Ano lectivo de 1054-1955 ........ 441 (87 universitários)
Ano lectivo de 1935-1956 ........ 260 (44 universitários)
(a) O aumento extraordinário de inserções neste ano foi devido ao facto de terem começado a funcionar dois cursos de língua alemã.
Posto que o Centro de Estudos Humanísticos exerça uma intensa actividade cultural de tão grande utilidade, a sua vida é difícil, mantendo-se à custa de grandes e pesados sacrifícios. Impõe-se o restabelecimento da Faculdade de Letras na Universidade do Porto, com todos os privilégios e direitos, em pé de igualdade com as restantes. O vice-presidente do Instituto de Alta Cultura, o grande reitor da Universidade do Porto, Prof. Amândio Tavares, bem compreende essa necessidade, empenhando-se no seu renascimento, pondo-o como cúpula, da vasta obra realizada dentro da sua Universidade.
Porque negar ao Porto direitos e atributos que o tornam merecedor de um instituto de interesse cultural e intelectual, de notável movimentação, onde as humanidades sejam professadas? Não acusa ele um passado cheio das melhores e mais admirável actividades nas letras, nas artes e nas ciências? Ao lado do seu labor fecundo, da sua actividade febril e constante no seu comércio e na sua indústria, viveram sempre instituições para cultura do espírito, amparadas e mantidas pela sua Câmara Municipal. E que excelsas e nobres figuras se erguem perante nós e se recordam, repetindo aqui o que o Dr. Luís de Pina compilou em conferência por ele realizada em 1947:
Na verdade, tantas dessas figuras merecem n nossa admiração, figuras do Porto, desde Vasco de
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Lobeira, o trovador, que tem versos no Amadis de Gaula, ao excelso príncipe e protector da Universidade Nacional D. Henrique, seu restaurador e salvador, a Pêro Vaz de Caminha, o primeiro relator das coisas do Brasil em 1500, a Tomé Lopes, dos primeiros a escrever sobre viagens; Diogo Brandão, poeta; o Pêro de Andrade Caminha, poeta palaciano; o Dr. João do Barros; o Dr. Belchior Beliago, bolseiro do rei e parceiro nos estudos de além-fronteiras dos Gouveias, Dr. Teive, talvez de Clenardo; Uriel da Costa, o desgraçado hebreu; Francisco de Sá de Meneses, o da Malaca conquistada; essoutro humanista João, dos mesmos apelidos do célebre Sá das Galés; do cronista seráfico Frei Manuel da Esperança; os historiadores Manuel Pereira de Novais, João Pedro Ribeiro e António Ribeiro dos Santos; o poeta moralista António de Sousa Macedo; o cónego Morais Alão; Almeida Garrett e Ricardo Jorge; Maria Peregrina; Aires de Gouveia e Sousa Viterbo; Xavier de Morais e Arnaldo Gama; Lousada, Ramalho e José Carlos Lopes; Júlio Dinis e Pedro Ivo; Joaquim de Vasconcelos e Pereira de Sampaio; Alberto de Pimentel e Raul Brandão; António Patrício, Agostinho de Campos e outros mais.
Sem contar com os poetas, esses da polpa e marca de Tomás Gonzaga, Soares de Passos, Augusto Luso, António Nobre e Augusto Gil.
Sr. Presidente: o que acabo de disser exprimo com luminosa clareza e demonstrativa simplicidade a abundância e nobreza dos pergaminhos intelectuais e artísticos de que o Porto pode orgulhar-se, usando-os como bem justificaria razão para pedir o restabelecimento da extinta Faculdade.
Não existe qualquer forte motivo impeditivo da sua existência e da sua manutenção. Tudo possuímos, na conta e na medida precisa, para o seu normal funcionamento.
Existe ambiente próprio para o seu desenvolvimento, na certeza duma larga frequência, e o fácil recrutamento dum notável corpo doente, que no Centro Humanístico, nas diferentes tarefas em que se desdobra a sua actividade -investigarão, ensino, cultura popular e alta cultura -, tem exuberantemente demonstrado a sua magnífica prepararão e (magistral competência.
Sr. Presidente: a intervenção que acabo de realizar situa-se muito aquém do significado que eu quereria que tivesse. Os modestos recursos de que disponho não bastam para, ao abordar assunto de tanta grandeza, lhe emprestar, como singela e evidente objectividade, a justiça que assiste ao Porto no pedido do restabelecimento da sua Faculdade de Letras. Que a cidade e a Universidade me perdoem se eu não soube, como seu procurador, interpretar como queria e devia as suas aspirações e que o Governo, a quem as causas justas merecem sempre o seu inteiro favor, olhe o problema com o empenho e interesse que põe em tudo quanto contribua para a grandeza e para o bem da Nação. E n Porto deposita no Governo, que nos orienta e guia, a mais cega e merecida confiança.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: as breves considerações que vou fazer são de critica - crítica construtiva, sem dúvida -, mas são também de aplauso e louvor merecidos.
Na penúltima, sessão legislativa, ocupei-me da Polícia Judiciária, mostrando que se impunham providencias imediatas o drásticas no sentido de terminar a, prejudicial e desprestigiante morosidade no andamento dos processos, morosidade proveniente especialmente da insuficiência de pessoal e da natureza e progressiva acumulação de serviço.
E foi possível e fácil demonstrá-lo em presença de dados estatísticos oficiais. que além do resto, revelaram, só no decurso do ano de 1953, um movimento de cerca de cem mil processos nas Polícias Judiciárias de Lisboa, Porto e Coimbra.
O Ministério da Justica sabia-o, e por isso o ilustre titular anterior adoptou algumas providencias necessárias para a simplificação e abreviamento dos serviços, em ordem a tornar-se mais pronta e eficaz a acção da justiça e a prestigiá-la.
E disto resultou na verdade uma certa melhoria, não tão extensa como era necessário, mas, todavia, já apreciável.
Realmente, examinando os mapas referentes a 194 tira-se já esta conclusão.
Basta dizer que do 1954 para 1954 ficaram pendentes na Directório, e na Subdirectora de Lisboa 66 963 processos e de 1954 para 1955 transitaram 43:670, ou seja menos 23293; e nas três Subdirectorias transitaram 96 374 para 1954 e 63 232 para 1955 - isto é, menos 33 142. Mas, sem embargo, deve notar-se que foi maior o número de processos arquivados em 1954 (mais 8797) e muitos creio que sob o pretexto de prescrição, e diminuíram as denúncias entradas nesse ano (menos 5684).
Apesar de menor, ainda foi excessivo o número de processos transitados para 1955), como para 1955. São ainda dezenas do milhares, que se não furem substancialmente reduzidos no futuro mediante novas providências de carácter permanente, constituirão um peso morto que necessariamente embaraçará sempre o andamento normal dos serviços.
Apoiados.
Além do aumento do pessoal e de mais, muito podem contribuir para esta normalidade os estudos da comissão instaladora da Directoria e da Subdirectoria de Lisboa, recentemente nomeada e empossada pelo Sr. Prof. Antunes Varela, e a transferência dos serviços para o novo edifício do Bairro Camões, construído por prisioneiros, que, certamente, com as suas amplas e apropriadas instalações, tornará o trabalho mais ordenado e relevante. E valha-nos isto, porque, exteriormente, o prédio é um casarão inestético, de traça monótona.
Para já, e na tentativa do se entrar na normalidade antes da instalação da nova sede, acaba de providenciar, acertadamente, o Decreto-Lei n.º 40 556, de 10 do corrente, onde, a título provisório, se criou em Lisboa uma nova secção de investigação, incumbida, do coadjuvar as restantes só na instrução dos processos em atraso.
Justificam plenamente esta medida de circunstância as razoes que venho de referir que, em última analiso, são as apontadas em síntese no relatório deste decreto, quo, não obstante reconhecer ter a situação melhorado, diz ser mister normalizar urgentemente os serviços, a fim de na nova sede só iniciar uma nova fase da vida da corporação e poder-se atender n uma série do operações auxiliares capazes de influir no rendimento da actividade policial.
É, pois, desnecessário encarecer a importância deste diploma.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não pedi, porém, a palavra propriamente para voltar a esto assunto, agora, felizmente, em estudo.
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Pedia-a, sim, para me ocupar de outro problema até certo ponto relacionado com aquele e há muitos anos aguardando também providências do Governo.
É uma das tais coisas que não estão certas; e certa também não está, por incompreensível, a demora na sua resolução.
Quero referir-me aos serviços de medicina legal, e especialmente ao Instituto de Lisboa o ao Conselho Médico-Legal.
Basta dizer que, na organização e nos quadros, estes serviços ainda vivem, quase em absoluto, sob o regime instituído no Decreto n.º 5023, de 29 de Novembro de 1918, isto é, há perto de quarenta anos. Custa a acreditar, mas é assim.
E não é porque tivessem faltado sãos propósitos e boas vontades, revelados nos esforços empregados, nas diligências empreendidas já no tempo do Prof. Azevedo Neves, autor daquele decreto e que durante longos anos, com notável proficiência, dirigiu o Instituto. Até agora todas as tentativas soçobraram. E por que razão? A principal, se não a única, é a falta de verba! Há para muita coisa, mas às vezes falta para o essencial.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Aquele Derreto n.º 5023 substituiu a Lei de 17 de Agosto do 1899, inspirada pelo sábio Prof. Manuel Beato de Sousa, e, apesar de ter havido um transcurso de apenas dezanove anos, ou seja cerca de um terço do tempo que mediou desde 1918 até hoje, o relatório daquele decreto disse que esta Lei de 1899 e o seu regulamento já tinham dado as suas provas, e a breve trecho os factos tinham demonstrado a necessidade de se lhe introduzirem profundas alterações.
Logo em 1957 fora nomeada uma comissão para estudar o assunto, e em Maio de 1913 o Ministro Álvaro de Castro apresentou na Camará dos Deputados uma proposta de lei, que, é claro, não chegou a ser discutida naquele antro da barafunda.
Assim ficámos ato ao decreto de 1918, e com o decorrer do tempo e dos factos a situação tornou-se absolutamente insustentável. Assim permaneceu e mais se agravou após o alargamento da competência dos institutos de medicina legal pelo Código de Processo Penal.
Para o demonstrar basta referir alguns números, que, mais do que as palavras, podem esclarecer a Assembleia. São números oficiais, obtidos através do Ministério da Justiça a meu requerimento.
O actual quadro do pessoal é, como disse, praticamente o mesmo de 1918. Pois bem: os exames requisitados ao Instituto de Lisboa furam 3979 no ano imediato, isto é, em 1919, e 15 585 em 1955, ou seja mais 12 606. Excedem o quádruplo, compreendendo clinica médico--legal, autópsias e exumações, exames grafológicos, de laboratório, toxicológicos, químicos, etc.!
Com raras excepções, no decurso dos anos o aumento foi progressivo, e mais acentuado se há-de tornar, especialmente devido ao grande aumento dos acidentes de viação.
Por outro lado, os pareceres emitidos pelo Conselho Médico-Legal foram 8 em 1920, e o seu número aumentou constantemente, até atingir 2076 em 1955, tendo neste ano entrado também ali 11927 documentos, contra 50 em 1920, e sido organizados 1779 processos em 1955, contra 11 em 1920.
Mas há números ainda mais expressivos e alarmantes.
Vejamos:
Está estabelecido - e nem era necessário a lei ordená-lo - que a justiça deve ser pronta e rápida.
Impõe-o a sua finalidade social.
Impõe-o a necessidade da reparação e da defesa do direito ofendido.
E, objectivamente, sem prontidão e rapidez compatíveis com o apuramento da verdade vêm a dar-se, frequentemente, a perda dos vestígios necessários ao exame e a ausência, a morte ou o desmemoriamento das testemunhas, quando não a morte dos próprios litigantes ou dos ofendidos.
Pois bem:
Estão pendentes de exame no Instituto de Medicina Legal de Lisboa processos entrados ali desde há dez anos sendo o mais antigo de 9 de Outubro de 1945. Existem: 1 de 1946, 3 de 1947, 1 de 1948, 2 de 1951, 1 de 1952, 8 de 1953, 15 de 1954, e de 1955 há 35 entrados há mais de seis meses. Estes processos na quase totalidade respeitam a exames grafológicos.
Mesmo para exames toxicológicos e químicos de vísceras, líquidos, etc., há-os pendentes desde Fevereiro de 1953, e, portanto, há mais de três anos; 70 entraram nesse ano e em 1954, e existem agora pendentes 134 entrados há mais de seis meses.
Praticamente, os exames grafológicos, toxicológicos e químicos têm de ser e são constantemente preteridos pelos justificadamente considerados mais urgentes, como as autópsias e os de clínica médico-legal, na sede e externos; nem admira, pois foram 14 829 só os exames desta última natureza requisitados em 1955.
A bem dizer, só os exames provenientes de acidentes de viação seriam actualmente suficientes para absorver o trabalho normal dos três institutos de medicina legal.
E não basta contemplar o grande movimento de processos nos institutos, pois é mister ter em vista os demorados estudos, os pormenores de observação e análise exigidos para que as conclusões sejam conscienciosas e exactas. Não devemos esquecer que dos exames dependerá muitas vezes a decisão dos tribunais, e portanto a sorte dos incriminados ou os resultados de uma demanda onde se discutem direitos e interesses de grande envergadura, quando não questões de honra.
E, se porventura, como é natural, em alguns casos os exames feitos por médicos das comarcas da província revelam incompetência e falta de certas especializações ou de material adequado, tal não pode dizer-se dos exames que promanam dos institutos de medicina legal: são trabalhos completos, exaustivos, perfeitos e larga e proficientemente fundamentados em extensos relatórios, suficientemente acessíveis aos juristas, como é mister.
Numa palavra: os institutos de medicina legal cumprem o seu dever e realizam um esforço superior a todas as possibilidades normais, e, no entanto, não conseguem dar aos muitos milhares de casos submetidos à sua apreciação o necessário expediente; nem o conseguiriam mesmo com sacrifício da ponderação e do escrúpulo que a dificuldade, o melindre e a própria dignidade da função lhes impõem.
E não esqueçamos funções docentes a que os médicos seus dirigentes estão obrigados por lei.
Há mais.
As dotações, mesmo para o expediente, são insuficientes, e também daqui resulta, por vezes, atraso nos exames por falta de verba para material fotográfico, aquisição de reagentes químicos, apetrechamentos, etc.
Estamos, portanto, em presença de um assunto que, de momento, se resolve principalmente com o aumento do quadro do pessoal e das dotações de que os serviços carecem para os trabalhos correntes e modernização e aquisição da utensilagem, etc.
Simultaneamente, recomenda-se o desenvolvimento dos cursos práticos e do curso superior de Medicina Legal, em ordem a habilitar-se o número de módicos legistas de que carecemos em maior escala nas comarcas da província especialmente para o exercício pericial especializado. Salienta-o o Sr. Dr. Duarte Santos em trabalhos recentes, não sem, todavia, revelar que propriamente a
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organização dos nossos serviços médico-legais é das mais perfeitas entro as que teve ocasião de apreciar.
O mesmo ilustre professor acentua que a falta de um quadro suficiente de médicos legistas resulta, entre outras razões, de o Decreto n.º5654, de 10 de Maio de 1919, ter revogado as disposições do de 1918 relativas as serviços médico-legais nas comarcas do continente e ilhas adjacentes, exceptuando as que dizem respeito a Lisboa, Porto e Coimbra.
O mais curioso é, porém, o relatório deste Decreto n.º5654 dizer que o de 1918 trazia «considerável aumento de despesa, incompatível com as circunstâncias do Tesouro».
Verdadeiramente assombroso!
O lugar onde me encontro impede-me de empregar outra expressão mais apropriada e merecida para castigar a ousadia.
E porquê?
Porque, apesar das «circunstâncias do Tesouro», este Decreto n.º 5654 fez parte daquela famosa cabazada de 390 decretos de uma só data, iniciada com o n.º 5353 e terminada pelo n.º 3787, seguido das letras do alfabeto repetidas seis vezes, sendo o último o n.º 5787-SSSSSS.
Terminaram aos «esses» na embriaguez daquela bacanal ...
São aqueles trinta suplementos ao Diário do Governo de 10 de Maio de 1919, que preencheram 1053 paginas, sendo a última a 1346 com dez «bés» à sua frente!
Escândalo dos maiores de que há memória e cometido com a conivência de todos os partidos, pois foi um Governo de concentração o seu autor.
Numa verdadeira orgia, criaram-se inúmeros empregos ... certamente para acudir às tais «circunstâncias do Tesouro».
É que não tinham onde arrumar outros tantos revolucionários civis encartados pelo Parlamento.
Sr. Presidente: de palavras proferidas recentemente pelo Sr. Ministro da Justiça depreende-se que vai ser também tratado o problema dos serviços médico-legais. Assim seja, para acabar uma situação insuportável, lesiva de altos e legítimos interesses e que afecta grandemente a acção e o prestigio da justiça.
O que se passa pode mesmo servir maravilhosamente como instrumento de chicana das partes litigantes para evitar ou protelar a acção dos tribunais.
Basta deduzir o incidente de falsidade, negar a firma numa letra de câmbio, etc. O sucesso é garantido.
Só isto diz tudo, e, portanto, nada mais é necessário acrescentar, julgo eu.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente:-Tem a palavra, para interrogar a Mesa, o Sr. Deputado Pinto Barriga.
O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: requeri há tempos me fossem facultados elementos sobre o problema do azeite, e, como manifestasse urgência, porque o assunto é de extrema urgência, S. Ex.ª o Ministro da Economia teve a amabilidade de me comunicar que esses elementos já haviam sido remetidos.
Peço, pois, Sr. Presidente, o favor de me informar se efectivamente tais elementos já se encontram na Mesa, visto querer inteirar-me completamente do assunto e tratá-lo com a maior imparcialidade e justiça.
O Sr. Presidente:-Ainda não se encontram na Mesa, mas posso informar que foram remetidos hoje para a Presidência do Conselho.
Pausa.
O Sr. Presidente:-Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente:-Continua o debato do aviso prévio do Sr. Melo Machado acerca do comércio externo. Tem a palavra o Sr. Deputado Furtado de Mendonça.
O Sr. Furtado de Mendonça: - Sr. Presidente: no seu aviso prévio acerca do comércio externo o nosso ilustre colega e presidente da Comissão de Economia -Deputado Melo Machado-, entre vários assuntos, trata:
Da recente importação de 500 t de manteiga que se seguiu imediatamente à exportação de 300 t do mesmo género.
S. Ex.ª convidou-me a prestar alguns esclarecimentos sobre a matéria, confiado em que, sendo eu vogal do conselho técnico da 3.ª secção -a dos lacticínios- da Junta Nacional dos Produtos Pecuários (J. N. P. P.), poderia elucidar suficientemente esta Assembleia e contribuir para uma conveniente apreciação do assunto.
Confesso, portanto, que tenho interesses ligados à indústria dos lacticínios, mas nem por isso deixarei de proceder com a devida isenção -embora com independência de espírito-. consciente de que nesta Câmara, não deve haver Deputados pela indústria, como os não há agrários nem regionais, ultramarinos ou continentais, mas sim Deputados da Nação, consoante tantas vezes aqui se tem frisado, o que equivale a nos considerarmos defensores do bem comum, ou seja defensores do interesse nacional.
Compreende-se, todavia, que cada um de nós intervenha, por vezes, em assuntos ligados à sua região, à sua profissão ou às funções que exerce, pelo motivo de, muito naturalmente, os conhecer mais de perto.
Animado deste espírito, passo a abordar a questão.
Julgo conveniente desfazer, desde já, a impressão causada em certos meios pelo facto de o ilustre Deputado avisante dar a entender que a importação de 500 t de manteiga se seguiu imediatamente a uma exportarão de 3OO t».
Na verdade, não foi «imediatamente», porquanto:
1.º Exportaram-se em 1954:
Toneladas
a) Em Setembro - Para Itália....... 100
b) Em Novembro - Para Itália....... 180
Para Marrocos...................... 20
................................... 200
Total.............................. 300
2.º Importaram-se dos Estados Unidos da América:
a) Ao findar o ano de 1955:
Desembarque de 25 do Novembro de 1955 - cerca de ..... 107
Desembarque de 31 de Dezembro de 1955 - cerca de ..... 193
...................................................... 300
[O preço por quilograma destas partidas foi de 28315, C.I.F. Lisboa, sobrecarregado com mais 11$73(6) de direitos alfandegários, além de outros pequenos encargos (conservação e distribuição, etc.)].
b) Ao iniciar o ano de 1956:
Desembarque de 15 de Fevereiro de 1956 .............. 200
Soma .... 500
(O preço médio foi de 24$80. C. I. F. Lisboa, sobrecarregado com mais l1$73(6) de direitos alfandegários, a que acrescem os outros pequenos encargos).
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Posteriormente ao aviso prévio chegaram outras 200 t, desembarcadas no começo deste mês de Março, a 22$80 cada quilograma, além dos direitos. O total atinge, assim, 700t em 1955-1956, ao preço médio de mais ou menos 26$, sem direitos.
O preço da manteiga nacional, à saída, da fábrica, é de 31$60 cada quilograma (meio-sal).
Ora, o facto de se importar manteiga não constitui novidade neste país; porém, exportar é que representa uma novidade trazida pelo Estado Novo.
Valerá a pena saber porque se importou manteiga e como tal se conseguiu? É o que vou explicar e me obriga a tocar em produtos afins e a não ser tão breve quanto desejaria.
Para se avaliarem melhor as razões das importações e das exportações começarei por recordar, em breves palavras, as principais fases da História da produção da manteiga no País».
O seu fabrico praticou-se entre nós, desde tempos imemoriais, por processos caseiros de desnatarem espontânea, mas o seu desenvolvimento industrial coincide com determinados acontecimentos dos nossos dias que contribuíram para que os produtores de leite preferissem vendê-lo a quem ia utilizando os novos maquinismos, métodos mais rendosos.
No Boletim da Direcção-Geral da Agricultura (n.º 1, 11.º ano), após referências à Exposição e Congresso de Leitaria, efectuados na Tapada da Ajuda em 1955, pode ler-se:
O maior impulso, não na expansão da indústria, mas no aperfeiçoamento dos seus processos, coube, anteriormente, aos Decretos de 18 de Julho de 1888, do grande Ministro Emídio Navarro ...
o que me apraz recordar, na presença do seu neto, o nosso ilustre colega Prof. André Navarro.
Por esses decretos criaram-se então escolas de leitarias nos distritos de Santarém, Viseu e Aveiro - e aqui recordo a frutuária de Castelo de Paiva, minha terra natal -, que, aumentando a influência exercida anteriormente pelas várias quintas regionais do Estado já existentes, como a Quinta Regional de Sintra, a Quinta Distrital do Porto (em Alentém as dos distritos da Guarda e de Beja, contribuíram para difundir o uso do material aperfeiçoado daquela época.
Mas foram as consequências da crise financeira provocada pelo ultimato de Salisbury que, à semelhança de outras indústrias, fomentaram no nosso país o desenvolvimento das de leitaria ou de lacticínios, favorecidas pela reforma pautal de 1892.
Certo é que a importação de manteiga, tendo sido de 1200 t em 1890, baixou bruscamente para menos de 500 t em 1892 e era quase nula em 1909, data em que o consumo, subindo de par com o fabrico do continente e das ilhas, já se aproxima de 1500 t.
Segundo o referido Boletim, embora o custo da produção varia-se, conforme o sistema de exploração, entre 650 e 800 réis o quilograma no continente, os preços de venda ao consumidor orçavam por 1000 a 1100 réis cada quilograma para a manteiga salgada, atingindo 1400 réis os da manteiga sem sal. Verifica-se, portanto, uma margem de lucro de 300 a 500 réis por quilograma.
Por outro lado, o leite era comprado aos lavradores da localidade da fábrica ao preço médio de 32 réis o litro, isto é, baixava para 300 réis na Primavera, e parte do Verão e chegava excepcionalmente até 40 réis no Outono e no Inverno, recebendo as recoveiras 2 1/2 , réis por litro de leite transportado.
Se multiplicarmos estas cifras por 50, obtemos o equivalente em moeda actual, aproximadamente.
Mercê destes preços, certamente compensadores, que vinham daqueles bons tempos do reinado do grande e caluniado rei D. Carlos I, a produção do leite aumentou e com ela o número de fábricas. Por todas as regiões onde as condições eram mais propícias - nomeadamente em parte do Norte do País e nas ilhas adjacentes - o seu número cresce, registando-se no continente uma unidade com a laboração de 50 000 a 70 000 kg por ano e outra na Madeira vai em 160 000 kg, sem falar nos Açores.
Mais tarde a sua multiplicação efectuou-se desmedidamente, sobretudo quando despareceram os tabelamentos de manteiga originados pela guerra de 1914-1918 e devido também ao facto de ate 1924 (Decreto n.º 10 195) não haver qualquer regulamentação, bastando um simples requerimento à Direcção-Geral dos Serviços Pecuários pura obter autorização da fábrica de lacticínios, sem se exigirem os mínimos requisitos higiotécnicos; havia desnatadeiras instaladas sem cavalariças, estábulos, currais, quartos de cama, arrecadações, garagens e telheiros ao ar livre», (Boletim Pecuário» n.º 3, de 1939).
Em 1925 a manteiga já sobrava, mas os stocks, não podendo ser exportados - até por deficiências de fabrico -. ocasionaram a queda brusca dos preços. Estes descem abaixo dos da margarina, a fim de a manteiga ser absorvida no nosso mercado, com ruinosos reflexos no leite, e levando a lavoura a reduzir a sua produção, a ponto de o País voltar a importar centenas de toneladas daquele género e de, em 1926, o total dos lacticínios adquiridos no estrangeiro se elevar a 12 000 contos.
Até que, reanimados os preços, também, a produção voltou a dar sinais de nova vida.
Assim chegamos a 1928, data em que o Estado Novo começa a orientar a indústria dentro de princípios de higiene e estabelece a obrigatoriedade do licenciamento de todos os estabelecimentos de lacticínios (Decreto n.º 16 130).
Em 1938, dez anos depois, registavam-se 255 fábricas - se fábricas se podem chamar - e 477 postos de desnatação no continente, ao mesmo tempo que na Madeira existiam 60 fábricas e 1100 postos, li aros eram os estabelecimentos que satisfaziam aos requisitos modernos.
Perante a pulverização da indústria, foram então suspensos os novos licenciamentos e a Direcção-Geral dos Serviços Pecuários cria uma comissão de vistorias a estabelecimentos de lacticínios.
As fábricas, dispondo de pouca matéria-prima, haviam-se lançado de novo, por alturas» de 1930 a 1939, na concorrência desordenada, o que favoreceu, de início, a produção; mas em breve os stocks de manteiga - sem condições de conservação- já atingem 100 t, quantidade suficiente para originar o aviltamento dos preços. Foi o bastante para que o leite baixasse de $60 e $70 para $30 e $40 cada litro, enquanto a manteiga, de 18$ a 20$, descia até 9$ cada quilograma na fábrica.
Industriais há, todavia, que melhoram as suas instalações, e os seus produtos -mercê da nova orientação oficial - e enveredam pelo fabrico de queijos, conseguindo fazer reduzir a sua importação de 471 071 quilogramas em 1930 para 123 883 em 1938, pasmando a ser quase nula logo a seguir. Por sua vez, a importação de manteiga cai de 223,3 t em 1935 para 3.5 t em 1938. Neste ano o total de lacticínios importados (leite condensado, manteiga e queijo) é apenas de 146 t, no valor de 1311 contos, ao passo que a exportação foi de 1329 contos. (Relatório do Decreto-Lei n.º 29 749).
Sr. Presidente: recordei estes factos e deles se poderá tirar alguma lição: todas as vezes que a produção não era absorvida pelo consumo interno, surgia a crise de abundância e respectiva baixa de preços, tanto
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maior quanto a fraca qualidade da manteiga impedia a sua armazenagem e exportação.
Portanto, importávamos quando ela faltava e não exportávamos quando ela sobrava. Mas agora já se exportou manteiga! Porquê? Como se conseguiu tal?
Entramos no capítulo da história moderna.
O ressurgimento provocado no nosso país pela Revolução Nacional também atingiu este sector, onde muito havia a reformar para salvar da ruína as vítimas duma concorrência desordenada, da reduzida laborarão de cada fábrica e consequentes deficiências de apetrechamento industrial e técnico, etc.
Em face da situação, o Governo, que havia posto ordem nu desordem política, na desordem financeira, na desordem social, que havia reorganizado alguns compartimentos da economia do País, resolveu também intervir na economia do leite e indústrias derivadas; primeiro, através da Junta dos Lacticínios da Madeira (Decreto n.º 26 655, de 4 de Junho de 1936) e das comissões do importação em Angola e Moçambique, que asseguravam o consumo da manteiga nacional naquelas nossas províncias; mais tarde, no continente, através da Junta Nacional dos Produtos Pecuários, criada pelo Decreto-Lei n.º 29 749, de 13 de Julho de 1939, organismo a quem compete, além do mais: «estudar as condições a que devem obedecer as fábricas para uniu laboração económica e auxiliar a fusão das que trabalhem fora dessas condições».
A luz de tais princípios a Junta promoveu a concentração desta indústria, em colaboração com a Direcção-Geral dos Serviços Pecuários e em obediência às determinações do Governo expressas na Portaria n.º 9733, de 10 de Fevereiro de 1941, que definiu as zonas de abastecimento às fábricas de lacticínios. Constituíram-se então «agrupamentos industriais» pela «fusão» de pequenas empresas, com o objectivo de construírem e explorarem modernas unidades fabris, hoje em laboração nas regiões de maior produção de leite do País; marcou-se, assim, um notável progresso, aliás prejudicado de início pelas perturbações económicas devidas à guerra e, em seguida, pela atmosfera, de incertezas lançada sobre esta indústria, desorientada por constantes mudanças de directrizes e pela campanha a favor das cooperativas de lacticínios, que, tendo até aí vida apagada -existiam três no continente-, pretendem instalar-se agora nas zonas oficialmente atribuídas à indústria, ainda fortemente carecida de matéria-prima.
Quer dizer: por um lado, a Junta Racional dos Produtos Pecuários a promover o encerramento de fábricas e, por outro, as cooperativas a pretenderem abrir outras fábricas nas áreas onde estas já existem. Não sou contrário às cooperativas de criação espontânea; mas, como se promoveu uma organização que contrariava a outra e o ilustre avisante falou em desorientação ... aqui deixo o meu reparo a semelhante desorientação, que justifica muitas hesitações da indústria e uma paragem no seu reapetrechamento.
Já agora, Sr. Presidente, permita-me que faça anais algumas considerações acerca da referida reorganização - iniciada e não acabada-, reorganização que se apresentou um tanto forçada, por falta de diploma, regulamentar apropriado.
Por isso, é certo, surgiram alguns atritos, formularam-se reclamações, não só provenientes dos industriais que não entraram para os agrupamentos e viram suas fábricas encerradas sem provia indemnização - constante é de lei em casos semelhantes e constitui doutrina confirmada posteriormente na Lei n.º 2005, ou de reorganização industrial -, como por aqueles que se sentiram mais prejudicados pelo regime das zonas.
Quanto aos primeiros -os proprietários das fabricas encerradas-, a Junta Nacional dos Produtos Pecuários, dentro de louvável espírito de justiça, havia previsto desde o início as respectivas indemnizações, que não foram então efectivada por falta do diploma a que aludi, e só puderam sê-lo há pouco; quanto aos segundos, a Junta, também havia previsto compensar os mais lesados com o anunciado «reajustamento das zonas», o que não se fez.
Em abono da verdade, direi que se criaram assim desigualdades flagrantes, donde resultaram situações ainda por reparar, e que dificultaram ou impediram a conveniente reforma de algumas empresas, nomeadamente das situadas junto das áreas de abastecimento de leite aos grandes centros urbanos, apesar de se lhes haver circulado que os seus casos seriam resolvidos (circular n.º 39, de 24 de Abril de 1941), e até hoje não o foram! ... É, pois, de elementar justiça resolvê-los!
Ao mesmo tempo que as reclamações em referência surgiam levantava-se uma campanha contra, as zonas classificadas de «monopólios odiosos» eu de «revelhas feudalidades das regiões lacticínias demonstradas» - no dizer do nosso ilustre colega Deputado Pinto Barriga.
Além disso, o seu regime foi acusado de responsável pela quebra da produção, quando ela deveria antes filiar-se em factores inerente à guerra, como o preço pouco compensador fixado para o leite destinado à industria, comparado com o de outros produtos da terra; o acréscimo do consumo de leite em natureza mesmo nos próprios centros de produção; exado do gasto leiteiro para junto dos centos urbanos; a redução dos efectivos leiteiros, devida à preferência dada aos animais de trabalho, valorizados pela falta de transportes mecânicos; a escassez de forragens e concentrados em alguns anos, acrescida da estiagem que caracterizou outras etc.
Certo é que o Governo mandou «suspender» aquele regime pela Portaria n.º 11 750, de 14 de Março de 1946, portanto, como nela se diz:
Impõe-se definir a orientação a dar à solução do problema dos lacticínios, em especial no que respeita ao fornecimento do leite ao público e à indústria. Entretanto, convém desde já suspender a execução da Portaria n.º 9733 de 10 de Fevereiro de 1941, no que respeita à definirão das zonas obrigatórias de abastecimento às indústrias.
E acrescenta:
Esta determinação é, contudo, tomada a título transitório, visto a orientação definitiva do assunto só poder ser dada após de ter completado o estudo que se impõe ser imediatamente feito.
Assim, por uma simples portaria se revogaram deposições contidas no decreto-lei que criou a Junta sem que até hoje surgi-se a orientação definitiva anunciada desde 1946. Entretanto, não é possível ,saber sob que lei se vive!
Isto não merecerá reparo? Merece-o, tanto mais quanto daí resultou nova redução do ritmo de reapetrechamento industrial, pois aqueles que por dificuldades originadas pela guerra ou outras já referidas não haviam ainda construído ou reformado as suas fábricas ficaram aguardando a anunciada «orientação definitiva do assunto». De contrário, Ter-se-ia progredido muito mais.
Não deviam aguardar? Mas como não, se o regime das zonas passou a estar apenas suspenso e não extinto? Por isso, os mais disciplinados, entenderam dever aguardar a «orientação definitiva do assunto»; os outros,
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ao contrário, uniram como se o regime das zonas tivera sido extinto, com o fundamento de que «partir é morrer». Enquanto os primeiros aguardavam, os segundos avançaram e progrediram à sombra de uma curta anarquia. Não merece isto também reparo? Onde está a orientação?
Sr. Presidente: suspenso o regime das zonas em Março de 1946, a produção do leite continuou a baixar e a lavoura insistiu pelo aumento do seu preço, que é elevado de 1$20 para 1$40 cada litro, por despacho de 31 de Agosto de 1948.
Ora, pode-se discordar das, normas adoptadas para a reorganização da indústria de lacticínios - mesmo indemnizando os lesados por forma compensadora-, mas é fora de dúvida que a concentração industrial, apesar de incompleta, acarretou um notável progresso, pois que permitiu melhorar e variar os produtos, valorizar o leite ao produtor e baixar os preços ao consumidor, considerando os valores da moeda nas diferentes épocas.
Efectivamente, a mídia dos preços do leite pagos à lavoura em regime livre fora de $44 cada litro no ano de 1939, e logo que a Junta Racional dos Produtos Pecuários resolve intervir é fixado, a partir de l de Junho de 1940. em $55 para a raça turina, com um acréscimo de $15 por litro para as raças autóctones (arouquesa, barrosã, etc.), admitindo-se como solução provisória a gordura média de 3,6 por cento: isto é, consideravam-se necessários 24 l de leite da raça turina para fabricar 1 kg de manteiga.
Desde aquela data até hoje os preços oscilaram da seguinte maneira:
[Ver tabela na imagem]
(a) Os preços do leite passaram a ser estabelecidos em função do seu teor butiroso, na base de 1$20 por litro com 3,6 por cento 1 gordura ou do 251 por quilograma do manteiga.
(b) A margem cio industrial ficou reduzida ao valor dos subprodutivos.
(c) O preço era de 37$, mas, como 1$ se destinava ao fundo de Abastecimento, este absorva toda a margem.
(d) O preço da manteiga melo-sal tem sido inferior em cerca de 1$ por litro.
Verifica-se, portanto, que, tendo o leite sido pago à lavoura em 1939, em média, a $44 cada litro, foi possível triplicar o seu preço, elevando-o de 1948 a 1954 até l$40 - considerado como mínimo -, na base de 3,5 por cento de gordura, ao mesmo tempo que a margem de 4$30 por quilograma concedida de início ao industrial era reduzida para l$10, graças ao melhor aproveitamento do leite e dos subprodutos, tudo benefícios da concentração industrial. Resta saber até que ponto deve ir essa concentração.
Em consequência do melhor preço a produção aumenta, por fim, substancialmente.
Efectivamente, ao examinar as estatísticas da produção de leite e manteiga do continente, desde 1940 até 1954, notam-se duas fases bem distintas: uma vai até ao findar do ano de 1948, e caracteriza-se pelo declínio constante da produção; a outra, em que só verifica um aumento crescente, segue-se-lhe de 1949 a 1954 incluso.
Na primeira, decorrendo em grande parte durante a guerra, os preços do leite destinado à indústria e fixados pelo Governo vão subindo gradualmente desde $55, para atingirem l$20 em 1945, e aí se conservam até 16 de Setembro de 1948, data em que ascendem a l$40; na segunda este preço mantém-se e com ele coincide o acréscimo de produção, que, partindo de 99 milhões de litros em 1940, no continente e nas ilhas, ultrapassa 164 milhões em 1954.
As ilhas da Madeira e dos Açores muito influem nesta situação, pois, embora os preços sejam inferiores aos do continente, nota-se na primeira ilha uma certa estabilização da produção durante a guerra, com ligeira subida a seguir, ao passo que nos Açores, devido às suas melhores condições naturais, o aumento é contínuo, se exceptuarmos os anos de 1945-1946 e 1947, elevando-se de 22 715 811 l em 1940 para 53 488 112 l em 1954.
Para documentar a minha intervenção estou a socorrer-me de elementos estatísticos respeitantes ao leite industrializado e aos seus derivados, no continente e ilhas adjacentes, fornecido pela Junta Nacional dos Produtos Pecuários, e que conviria publicar no Diário das Sessões.
Sigamos a curva do aumento de produção:
Em 1949, o volume do leite laborado nas fábricas ultrapassou 102 milhões de litros, e portanto já foi superior aos 99 milhões industrializados em 1940, mas as quantidades de manteiga foram inferiores, visto totalizarem, respectivamente, cerca de 3500 t, contra 3800 t.
Isto talvez porque a partir do citado despacho de 13 de Setembro de 1948 todos os preços dos lacticínios ficaram livres, excepto o da manteiga, que continuou tabelada, apesar de a comissão encarregada de proceder a inquéritos aos elementos da organização corporativa considerar falta grave:
«... a de submeter a tabelamento alguns derivados do mesmo produto e não se submeterem os outros...».
Assim, só se produzirá manteiga com o leite sobrante do consumo em natureza e do fabrico de outros lacticínios. Por consequência, enquanto o fabrico de queijos e de outros produtos lácteos considerados mais ricos aumenta, continuará a sentir-se falta de manteiga sempre que a produção de leite não for suficiente para satisfazer as exigências do mercado em todas as variedades de lacticínios.
Daí a escassez de leite se reflectir apenas na produção de manteiga e havermos importado de 1946 a 1950 um total de 4125.8 t de manteiga, no valor de 155 000 contos, que foram entregues ao comércio isentas de direitos alfandegários. O prejuízo total destas importações foi de 47 963 contos, suportados pelo Fundo de Abastecimento (cerca de 12$ em cada quilograma). Convém esclarecer que ao sustento da população devem interes-
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sar mais o leite em natureza ou em pó e as proteínas do queijo, facilmente digeríveis, do que a gordura da manteiga, substituível por outras de menor preço.
Não só por motivo das sucessivas importações de manteiga a que acabo de me referir, como também pelas melhores condições climatéricas do Outono de 1949 -após dura estiagem-, este ano termina com o mercado bem abastecido de lacticínios e vai-se entrar na época de abundância de 1950 com mais de 200 t de manteiga importada em armazém, ou seja uma quantidade equivalente à chegada da "Suécia em atraso.
Neste ano de 1950, certamente porque o preço de 1$40 por litro de leite era animador, continua o aumento da sua produção e dos seus derivados, incluindo a manteiga, que, como disse, é fabricada com o leite sobrante dos outros lacticínios. Os stoks avolumaram-se nas fábricas, levando a Junta Nacional dos Produtos Pecuários a efectuar a sua primeira intervenção, a partir do mês de Junho desse ano, no sentido de evitar o aviltamento dos preços. Para tanto, procedeu à aquisição da manteiga pastorizada de fabrico nacional (no total de 176,7 t) e ao financiamento da não pastorizada (no
total de 566,8 t), bem como dos queijos, tendo o Fundo de Abastecimento suportado os encargos da armazenagem frigorífica de uma e outra manteiga.
Persistindo o crescimento da produção nos anos de 1951 e 1952 a Junta Nacional dos Produtos Pecuários não só seguiu a mesma política do ano anterior, em relação a um total de 990 t, como resolveu liquidar 497 t das reservas acumuladas, exportando-as em Novembro de 1932 para a Alemanha e Itália, aos preços do marcado internacional, já perturbado pelo dumping. O prejuízo de 13$01 por quilograma também foi suportado pelo Fundo de Abastecimento.
Pela primeira vez se evidenciaram as vantagens do conveniente apetrechamento da indústria em ordem a permitir o fabrico e armazenamento de produtos de melhor qualidade e conservação, condições estas que favoreceram a intervenção da Junta, permitiram o saneamento do mercado e evitaram uma nova queda de
preços eminente. Pela primeira vez também esta crise pôde ser evitada.
Tudo indicava no triénio de 1930-l932 que havíamos alcançado o equilíbrio compatível com o auto-abastecimento
do País em lacticínios, em face da nossa fraca capitação de consumo, pois que a produção de leite disponível para a indústria atingira 144 700 985l em 1952 e o fabrico de manteiga 5300t contra 3800 t em 1940.
Cada vez se tornava mais patente a conveniência de prosseguir no caminho iniciado, isto é, o de as fábricas se organizarem para poderem satisfazer cabalmente as necessidades crescentes do mercado continental nos variados lacticínios -e, enquanto for possível, as do ultramarino- ou constituir prudentes reservas e exportar os excedentes para o estrangeiro quando se julgue oportuno. Aqui recordo que em 1952 exportámos do continente e das ilhas 29 923 contos de lacticínios de fabrico nacional para o ultramar, acrescidos de 18 284 contos para o estrangeiro, e que os Açores possuem condições capazes de permitir um maior aumento de produção. Ponto é que as coisas se organizem devidamente.
Entrámos em 1953 com a situação desafogada, com o mercado descongestionado, mercê das referidas exportações; mas a produção de leite continuava a aumentar (totalizou 155 636 599 l) e, conjuntamente, a da manteiga, que subiu para 3687 t, sem que a Junta pudesse encarar a possibilidade de intervir no financiamento ou warrantagem, à semelhança dos anos anteriores, porque não obteve de S. Ex.ª o Ministro da Economia
despacho favorável à utilização do habitual recurso ao Fundo de Abastecimento.
Procurou então outra solução: arrecadar um «diferencial» retirado do leite a industrializar e destinado a fazer face aos encargos da projectada intervenção ou de possíveis exportações. Todavia, chegámos ao fim do ano com grandes saldos de manteiga em poder das fábricas, sem que tal solução também tivesse merecido a concordância de S. Ex.ª o Ministro, talvez por ser considerada equivalente à criação duma taxa e contrariar a lei de autorização de receitas e despesas para 1954, que, como a de 1953, determinava:
Enquanto não estiverem concluídos os estudos de que foi encarregada a comissão referida no artigo 7." da Lei n.º 2039, de 29 de Maio de 1952, fica vedado aos serviços do Estado e aos organismos corporativos ou de coordenação económica criar ou agravar taxas ou receitas de idêntica natureza, não escrituradas em receita geral do Estado, sem expressa concordância do Ministro das Finanças, sob parecer da aludida comissão.
Assim, avizinha-se a época de abundância de 1954, com um saldo superior a 300 t de manteiga imobilizadas nas fábricas, sem esperanças de colocação e sobre-carregadas com as despesas inerentes, não previstas nos tabelamentos.
Dá-se então o inevitável: cooperativas e industriais, vendo os seus stoks a a- cumular-se, começaram a lançar a manteiga no mercado a preços muito abaixo do custo, o que acarretou, a breve prazo, perturbações várias e a impossibilidade de manter os preços do leite à lavoura ou de o pagar com a devida prontidão; chegou-se a vender para várias indústrias manteiga dos Açores em vias de se alterar a 14$ e 13$ cada quilograma, quando o preço era de 36$.
É que o ano de 1954 decorria como o de maior produção jamais atingida e a situação agravara-se com o aumento do consumo da margarina, obtido à custa de uma intensa propaganda e do baixo preço desta gardura em relação ao da manteiga, de maneira que a sua produção, que fora de 60 t em 1938 e de 769 t em 1950, subira para 1112 t em 1953.
Além disso, a situação mais se agravou ainda pelo facto de, por via oficiosa, se ter consentido o «acerto da gordura» ou desnatagem parcial do leite para consumo de Lisboa -dita «normalização»-, que a nossa legislação considerava como prática fraudulenta, denunciada nesta Assembleia nas sessões de 19 e 20 de Março de 1954, prática aquela só mais tarde legalizada pelo Decreto n.º 39 825, de 22 de Setembro daquele mesmo ano.
Tudo contribuiu para se ultrapassarem as 6000 t no fabrico de manteiga em 1954, pois que a proveniente da normalização de cerca de 38 milhões de litros de leite, consumidos em Lisboa e na sua área abastecedora, se não rendeu a estimativa feita de 200t, excedeu 100t, sem falar na obtida pelo mesmo processo em outras partes do País.
Em suma: a falta, de intervenção da Junta, impedida de criar a aludida taxa ou «diferencial», inutilizou uma solução que, à míngua de outro remédio eficaz, teria salvo da queda o preço da manteiga e do leite destinado à indústria.
Ora, parece-nos que tal diferencial se justificava,
porquanto não se tratava de uma taxa com carácter e imposto destinado a fazer face a despesas ordinárias do organismo coordenador, mas de uma medida de fomento, necessária à defesa do próprio produto, que a suportaria pura saneamento do seu mercado.
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O Governo preferiu outra solução: por despacho de 29 de Junho de 1954 sancionou a baixa do preço do leite, de l$40 paru 1$22, e da manteiga, de 36$ para para 31$60 (meio-sa!). Mais tarde, por despachos de 5 de Agosto de 1954 e 28 de Outubro de 1954, concedeu, peio Fundo de Exportação, 1500 contos de subsídios para as 300 t de manteiga a exportar, ou seja um prémio de 5$ por quilograma, que incidiu sobre o preço de 32$60 para estabelecido para a manteiga pastorizada de fabrico nacional (maior valia de 1$ por quilograma sobre a manteiga não pastorizada).
Certo é que a exportação não trouxe prejuízo ao País, portanto se evitaram despesas de armazenamento, que, em contar as quebras, orçam por 5$70 em quilograma.
Por outro lado, a manteiga importada até podia dar um lucro substancial à Junta Nacional dos Produtos Pecuários, se não houve que suportar -e pela primeira vez - os encargos aduaneiros. Com efeito, o preço C. I. F. Lisboa foi de 26$, números redondos, por quilograma e os preços de venda foram de 31$10 e31$60, respectivamente para armazenistas e retalhistas, o que representaria um lucro por quilograma de 5$60 ou 5$10, que num total de 700 l seria superior a 3500 contos.
Assim, passou a representar um prejuízo à volta de 6$60 quilograma (diferença entre os direitos de 11$73 e o lucro calculado de cerra de 6$60, o que, adicionado a outros encargos inerentes (frigoríficos, descargas, etc.), eleva o prejuízo para rei ca de 5000 contos.
Entretanto, os novos preços do leite desanimaram os produtores de algumas legiões e contribuíram para que em 1955-1956 voltasse a faltar a manteiga e regressássemos às importações, avolumado pelas más condições climatéricas, pelo maior consumo dum produto tabelado a preços convidativos e ainda pelo acréscimo de. exportação para as nossas províncias ultramarinas, sem falar no volume superior de leite desviado para outros lacticínios e para consumo directo.
A quebra de produção de leite em 1955 não foi tão grande como a falta de manteiga poderia fazer supor, visto ter baixado apenas cerca de 5 por cento, ou seja de 164,2 milhões de litros em 1954 para 155 700 000 1 em 1955 ao passo que a produção de manteiga, essa caiu de 6000 t. em 1954, para -5218 t, em 1955, porquanto, como disse, só se utiliza no fabrico deste produto o leite sobrante do consumo em natureza e do fabrico crescente de outros lacticínios, cuja procura se tem acentuado.
Mas haveria necessidade de exportar manteiga para o estrangeiro em 1954 e baixar os seus preços e os do leite? Havia que exportar ou armazenar, suportando encargos superiores - repito - ao prémio de exportação.
Eu sei, Sr. Presidente, eu sei que não faltou quem discordasse de tal baixa, não faltaram adeptos de outras soluções, não faltou quem se escandalizasse com o receio dum pequeno excesso de produção de leite e criticasse a sua exportação a preços baixíssimos depois de transformado em manteiga - valorizando-o em 1$ cada litro -, quando a nossa capitação de consumo de leite e de lacticínios também é baixíssima.
Eu sei que não faltou quem preconizasse: se há leite, fomente-se o seu maior consumo, tanto mais que a dieta do povo português é pobre em proteínas e o leite é um alimento rico em proteínas de l.ª classe, facilmente digeríveis.
E, para tanto, não faltou quem acrescentasse: Lisboa e arredores consomem por ano cerca de 40 milhões de litros de leite relativamente caro, se atendermos à .sua qualidade e ao preço corrente em outras regiões próximas. Isto devido a abastecerem-se duma zona fechada; abra-se, portanto, a barreira a que aludiram os Deputados Dr. Pinto Barriga e major Botelho Moniz nas referidas sessões de Março de l954 e consumir-se-á mais leite em Lisboa, por os preços se tornarem mais populares ...
A solução tinha muitos adeptos se atentarmos à firmeza e convicção reveladas na intervenção do Deputado major Botelho Moniz - militar decidido como o foram os cadetes do Sidónio e da guerra de Espanha.
Não faltará ainda quem proclame; já vai longe o tempo em que as cidades viviam do seu termo; hoje em dia são abastecidas, em toda a parte, por produtos oriundos de regiões mais distantes e mais privilegiadas - onde se encontram em abundância e mais baratos-, depois de acondicionados e transportados por forma a alcançarem os centros de consumo em boas condições.
Não faltará quem argumente: no momento em que se pretende destruir as barreiras entre a metrópole e as províncias ultramarinas -para não falar já entre as nações- não faz sentido dividir o continente português em novas zonas destinadas a impedir a livre circulação dos produtos necessários às populações ou estabelecer exclusivos de fornecimentos, originando fortes diferenças de preços entre regiões limítrofes ou próximas.
Não faltará quem conclua: as mesmas razões que motivaram a extinção das zonas de abastecimento das fábricas de lacticínios devem conduzir à abolição das zonas abastecedoras das centrais de leite para consumo.
O problema é deveras complexo, pois reveste-se de aspectos de ordem económica, higiénica e social, com todos os prós e os contras dos monopólios.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As opiniões divergem: enquanto uns defendem e conseguiram a promulgação de leis que conduzem ao monopólio do abastecimento de leite dos centros urbanos, através de uma única central leiteira, outros insurgem-se contra tal critério e preconizam um condicionamento capaz de permitir uma concorrência moderada, subordinada a determinados requisitos, porque ouviram a palavra de Teotónio Pereira: «não sacrificar aquilo que se nos afigura essencial pura uma economia sã e progressiva: a iniciativa privada, a concorrência legítima, a cooperação racional das actividades organizadas num plano que não suprima o seu âmbito natural de vida nem as mias liberdades tradicionais».
Verdade é que os problemas do leite e dos lacticínios confundem-se por tal forma que constituem um problema único e, todavia, foram encarados separadamente por leis e organizações sobrepostas e até contrapostas, donde tom resultado duplicações desnecessárias, mesmo inconvenientes, com reflexos nefastos na própria Administração e nos serviços do Estado.
De facto, não se encontra diferença sensível entre uma empresa exploradora da indústria de lacticínios e uma empresa que explora uma central leiteira, porquanto a primeira, embora dedicando-se de um modo especial ao fabrico de lacticínios, pode dispor de leite em quantidade e qualidade que lhe permita concorrer ao abastecimento de um centro urbano; a segunda, dedicando-se ao abastecimento de leite para consumo, tem necessidade, por sua vez, de industrializar as sobras, isto é, tem de se transformar numa empresa exploradora de indústria de lacticínios como a primeira .
Por outro lado, nada impede que as múltiplas centrais leiteiras a estabelecer por leis em todos os centros urbanos estendam a sua vasta rede através de todo o País e apanhem assim nas suas apertadas malhas quase toda a produção de leite, transformando em lacticínios as sobras cada vez mais volumosas e aca-
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bando por aniquilar a indústria apoiadas no preço, relativamente elevado, estabelecido para o leite alimentar.
De resto, que diferença pode haver entre uma oficina que prepara leite pastorizado do tipo corrente e outra que pode preparar leite esterilizado e deve utilizar uma matéria-prima produzida em condições idênticas?
Ouve-se argumentar que a produção de leite alimentar é mais onerosa, visto obedecer a maiores exigências higiénicas. Ora, se isso é assim quanto a leites especiais - como os do tipo certificado, por exemplo-, de custo de produção necessariamente elevado, já não é de aceitar quanto ao leite comum para vencia a preços populares, cujos requisitos mínimos importa exigir, quer se destine ao consumo público após conveniente higienizarão, quer para fins industriais - o leite tem de ser leite em toda a parte, tem de ser limpo e são.
Ao submeter tom calma e sem paixão estas considerações à apreciação da Assembleia e do Governo julgo que elas são de flagrante actualidade e estão ligadas ao problema da manteiga - o leite e a carne, os cercais e a pecuária são interdependentes.
Já agora, Sr. Presidente, insistirei: podemos produzir mais leite e convém, sem dúvida, aumentar o seu consumo e o dos seus derivados, cujas capitações são baixíssimas, mas tal não se conseguirá com preços demasiado elevados num país onde o poder de compra também é baixo - aqui, como em tudo, tem de haver equilíbrio.
Por outro lado, a manter-se o critério da central leiteira única para cada centro urbano, julgo de elementar justiça indemnizar aqueles que ficam privados de exercer a sua actividade por força de leis de excepção, e para muitos representa o pão de cada dia.
Efectivamente, actividades há que têm desempenhado uma função útil e não é justo serem «cilindradas», para usar a expressão que infelizmente ouvi a alguém investido de responsabilidades.
Não creio tal solução conforme com o espírito de corporativismo cristão que nos anima ... Prefiro a doutrina que nos ensina:
O fim natural da sociedade e da sua acção é coadjuvar os seus membros, não destruí-los nem absorvê-los;
ou a doutrina expressa, por exemplo, no relatório da lei da reorganização industrial, onde se lê:
A nossa formação moral exige que tudo se faça com humanidade, isto é, achando compensação justa para os interesses que porventura venham a ser afectados.
O interesso nacional, o bem comum da Nação, exige de facto soluções monopolistas?
Os critérios divergem, e divergem tanto que pessoa de cujas intenções ninguém pode duvidar, com assinalados serviços prestados ao País -como os nossos ilustres colegas Dr. Rafael Duque e Prof. André Navarro, ao tempo Ministro da Economia e Subsecretário de Estado da Agricultura, respectivamente-, viram decretado, ira sua vigência, o regime de zonas abastecedoras das fábricas de lacticínios; ao passo que, pouco depois, estadista igualmente eminentes -como Supico Pinto e Albano Homem de Melo, quando, respectivamente, Ministro e Subsecretário daquelas mesmas pastas- suspenderam o regime das referidas zonas.
Admite-se a divergência de opiniões, até entre os governantes da situação actual, mas não se compreende que não seja adoptado para as centrais leiteiras critério idêntico ao previsto para as fábricas de lacticínios e se tenha optado pelo exclusivo para cada central leiteira, agora em regime de duplo monopólio -o da zona de produção e o da industria de tratamento do leite -, com aspirações a também usufruir a mesma organização um terceiro monopólio, ou seja o da sua distribuição.
Tais soluções embora adoptadas em tempo numa ou noutra cidade de países acusadas de totalitarismo, não existem -que eu saiba- na América do Norte, Inglaterra. França, Holanda Dinamarca Suíça. etc.
Sr. Presidente estou abusando de V. Ex.ª e dos ilustres colegas Deputados, mas seja-me permitido frisar que o Decreto-Lei n.º 36 973, de 17 de Julho de 1948 - dito das centrais leiteiras-, diz-nos no seu relatório;
Facultam-se os meios indispensável de as actividades em jogo, para que possam exercer com êxito o seu mister, dentro da esfera dos seus legítimos interesses.
Mais tarde, por despacho de S. Ex.ª o Subsecretário de Estado da Agricultura de 25 de Abril de 1952, davam-se determinadas garantias aos abastecedores de leite inscritos na Junta Nacional dos Produtos Pecuários.
Mas, pelo Decreto-Lei n.º 39 178, de 20 de Abril de 1953, que regulamenta a recolha do leite destinado ao abastecimento pública ou à indústria, criou-se um estado de coisas que, na prática, acaba por canalizar todo o Leite para os postos de recolha das cooperativos, obrigando, por fim, todos produtores a inscreverem-se nelas, o que certamente não estava no espírito do legislador.
Repito: não sou adversário das cooperativas constituídas espontaneamente pelos interesses e até reconheço as vantagens da «cooperativa-baliza», mas já não concordo com cooperativas obrigatórias, organizadas por intermédio do Estado, o que nos faz resvalar para as cooperativas generalizadas; e receio mesmo que haja quem aproveite a boa fé de muitos para ir criando o ambiente propicio aos seus planos de colectivização ou de socialização.
Perdida a personalidade, perdido o amor das nassas coisas, perder-se-á o amor da Pátria!
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Sr. Presidente: é tempo de terminar. O problema da manteiga é semelhante ao da carne: tem todos os anos oscilação de produção estacionais -épocas de abundância e de escassez- e além disso, atravessa anos mais ou menos fartos.
Os preços devem, pois, também oscilar, dentro de certos limites compatíveis com os, encargos de armazenamento e outros. Tem de haver uma certa clasticidade que permita fomentar a produção de leite, até se conseguirem as quantidades necessárias a todos os fins, até se atingir aquele «um tudo nada mais do que o necessário» a que me referi ao intervir no aviso prévio acerca do problema das carnes.
Os dois produtos são de facto interdependentes e os preços também o são, estando tudo ligado à mais rendosa utilização da capacidade forrageira do País e ao emprego de técnicas racionais.
Se uma vitela para aumentar l kg de peso vivo necessita de 101 a 11l de leite, logo se deduz que rendendo ela 60 por cento de carne limpa, esta custará uns 161 de leite por quilograma. Assim, dados os trabalhos e cuidados que o leite exige, a lavoura ,só se interessará pela sua produção quando esta for sensivelmente mais remuneradora do que a criação de vitelas e de carne.
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Importa, pois, estimular a produção forrageira, aperfeiçoar métodos e melhorar raças pura satisfazer as necessidades crescentes de carne, leite e derivados. Importa apetrechar as industrias afins, em ordem a evitar desperdícios, estabelecer stoks prudentes e exportar os inevitáveis excessos, com prémio ou sem prémio e quando se julgue oportuno, criando taxas ou fundos indispensáveis à defesa dos próprios produtos, caminho, aliás, já seguido em parte, mas com interrupções funestas. Que o exemplo da manteiga seja proveitoso!
Organizada a lavoura, urge organizar a indústria, a fim de melhor coordenar os interesses em causa. Salazar o disse:
Toda a produção pode ser organizada, para conhecimento das suas possibilidades, estudo dos seus problemas, regularização dos seus movimentos, conselho junto da actividade governativa.
Os industriais de lacticínios requerem, por grande maioria, a constituição do seu grémio, desde l946, e ainda aguardam deferimento!
«A hora é dos que sabem o que querem», disse um dia Salazar.
Retomemos a marcha: «para a frente na organização corporativa»!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: começo pelas três razões que me levam a discutir este aviso prévio :
Consideração pelo Sr. Deputado Melo Machado;
Oportunidade do tema;
Importância dos problemas económicos.
E vou direito aos aspectos que me interessam, desembaraçando as ideias das palavras que as afogam.
Através do relatório da proposta da Lei de Meios para este ano pode verificar-se que o comércio da metrópole com o estrangeiro, e em relação ao período de Janeiro a Agosto, acusou um deficit de 238 000 contos.
Exportámos mais cortiça em bruto, mais conservas de peixe, mais cortiça em obra e mais amêndoa em casca do que nos dois primeiros quadrimestres de 1954, mas exportámos menos tecidos de algodão e vinho, para mencionar o mais saliente; e importámos mais 942 000 contos de mercadorias do que no ano anterior, sendo onze produtos responsáveis por cerca de 41 por cento, principalmente o algodão, os ferros e os aços, os óleos para destilação e as embarcações.
Vendo isto, a primeira ideia que se tem é a de aumentar a produção e a exportação. E não será difícil encontrar técnicos improvisados, destes que surgem invariàvelmente nas épocas de crise, tal como em tempo de guerra : generais paisanos com a espada de condão da sua estratégia.
Mas as realidades não cedem:
As balanças comerciais sofrem, por vezes, de desequilíbrios necessários.
No relatório da proposta de lei apresenta-se um exemplo:
Nas trocas com o Brasil o nosso deficit foi de 81 000 contos. Para o Brasil poder comprar produtos portugueses o Governo teve de efectuar compras substanciais, nem sempre realizadas nas condições favoráveis oferecidas por outros mercados.
Imaginemos agora que nos lançamos a valer na campanha da produção, activando-a a fundo em todas as frentes.
Planificamos o melhor possível, escolhendo os produtos convenientes à economia nacional, com vista ao
consumo interno o externo, determinamos a localização das indústrias e intensificação da agrícola, estabelecemos o regime dos financiamentos, paramos o escol dos orientadores, o dinamismo da inteligência, da vontade e do dinheiro, o dinamismo da competência.
Dispomos a acção em bases logicamente seguras.
Preocupamo-nos com o poder de compra da população, de modo a mantê-lo e a aumentá-lo segundo o ritmo da produção.
Estudamos o escoamento dos produtos dentro e fora do País.
Tomamos as medidas capazes de enfrentar as prováveis baixas da produção, designadamente no sector agrícola, por causa dos rigores e inclemências do clima.
Sentimo-nos aptos a comandar o nível dos preços, impedindo-os de provocar a corrida aos salários ou o desânimo do produtor.
Estamos habilitados a seguir a marcha da produção, de modo a evitar-lhe o crescimento ou o decréscimo inadequados.
Damos a mão à gente dos campos, recompensando o seu abençoado esforço e erguendo-a à altura do seu valor como elemento de coesão nacional.
No número dos dirigentes não contamos técnicos exclusivamente técnicos, incapazes de entenderem o que lhes ultrapassa a competência.
Além de técnicos dirigentes, dotados da imprescindível cultura humana, recrutamos os técnicos assistentes, apóstolos da acção directa, impregnados de nobre e fecunda humildade profissional.
Estamos certamente prontos a receber as boas e frutuosas diligências da iniciativa privada, reconhecendo-as o acarinhando-as.
Não temos gente que coloque o êxito pessoal acima do bem comum.
Sr. Presidente: preenchemos -vamos a supor-, com o preciso conteúdo, estes requisitos todos. Se deixamos pontos vazios, haverá que suportar a crítica e aproveitá-la para fermento do necessário remédio.
O ilustre autor do aviso prévio apontou factos; eu alinho princípios. Na medida em que os factos se afirmem poderão os princípios sentir-se.
Prefiro imaginar que fomos em tudo previdentes e justos, pelo menos tanto quanto o permite a capacidade humana.
Em todo o caso pergunto:
Assegurámos tudo?
No mundo de hoje as realidades nascem mais do imprevisto. O que neste momento é de boa razão, dentro em pouco, pela desconcertante mutabilidade dos ambientes e das suas forças dinâmicas, torna-se inaceitável.
É muito difícil.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-O inimigo mobiliza armas de toda a espécie e procura ganhar em cada dia mais um dia. Designadamente nos países economicamente atrasados a sua acção desenvolve-se por todas as formas.
Toma na China a imensidade terra e a imensidade gente.
Com a União Indiana celebra acordos comerciais e contratos de assistência económica, obrigando-se a construir até 1959 um complexo siderúrgico, que deverá custar 200 milhões de dólares e produzir anualmente l milhão de toneladas de aço, e a entregar 2000 vagões de mercadorias de toda a espécie; promete auxílios vultosos ao novo plano quinquenal, cooperação franca no campo atómico.
Fornece armas, ao Egipto, propõe-lhe um empréstimo de 200 milhões de dólares, ao juro de 2 por cento, para
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o paga [...],[...] ou recebe [...] tensão e satisfaz
de 40 000 t de algodão, , que em 1904 comprara 35 0001. [...]mania quatro acordos comerciais, e a promessa de aquisição de uma parte de arroz daquele país.
Há no Afeganistão investimentos em obras aproavas no valor de 3 500 000 dólares e um acordo comercial válido por cinco anos.
A Inglaterra dava à Jordânia -eu disse «dava» -10 milhões de libras - no corrente ano financeiro 12 700 000 libras. De 1946 para cá emprestou 75 milhões de libras.
Nem por isso conseguiu que a Jordânia aderisse ao pacto de Bagodá.
O comandante inglês da Legião Árabe é destituído das suas funções pelo rei Hussein e outros oficiais ingleses são também afastados.
Três países sem dinheiro aparecem feitos milionários de um dia para o outro: o Egipto, a Síria e a Arábia Saudita dividem entre si o encargo do auxilio inglês e oferecem ao Governo de Ama a generosa dádiva anual de mais de uma dúzia de milhões de libras.
Os Holandeses perdem a Indonésia.
Apagada a presença do Ocidente, a Rússia mostra-se ao jovem país fabricado à pressa com a pele de cordeiro da sua assistência económica.
Demite-se o Governo do Líbano por causa, diz-se, das suas negociações com a China, a Polónia e outros países além da «cortina de ferro», que «gelaram» as relações amigáveis com o Ocidente.
Na África do Norte andam os terroristas, com o nome de nacionalistas, a dizimar vidas e fazendas. Andam, a despeito da independência ... Nem ao menos se deu paz ao território para se dar autoridade à opinião.
Transigiu-se, negociou-se. Os bandos de insurrectos (a liberdade dos nomes!) continuam a matar e a incendiar. Não querem, talvez, a chamada interdependência...
E não tardarão, porventura, as tarefas comerciais, os contratos, as promessas, os planos, os auxílios, a penetração económica soviético-comunista.
Até que ponto esta ofensiva, toda esta ofensiva, poderá desordenar os esquemas da produção dos países do Ocidente?
Até que ponto esses países se verão forçados a perder hoje para poderem ganhar amanhã?
Até onde poderá levar a contra-ofensiva?
Que normas de previsão, de acerto económico, poderão resistir?
Repito: é muito difícil, é muito difícil estabelecer directrizes, manter rumos, salvar os programas do presente, dominar as perspectivas do futuro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Na sessão de encerramento da reunião de estudo sobre higiene e segurança industrial promovida pela Ordem dos Engenheiros o Prof. Marcelo Caetano, com a lucidez da sua visão e o poder da sua provada experiência de governante, atacou a política social baseada em motivos de propaganda, em ambientes demagógicos, em gestos espectaculares, e defendeu os planeamentos de conjunto para toda e qualquer acção económico-social.
Doutrina, escol consciente e eficiente, atenção às possibilidades do meio foram requisitos apontados pelo ilustre Ministro da Presidência para se poderem alcançar resultados duradouros.
Em três pontos fundamentais - sintetizou ainda - se firma o Governo no desenvolvimento da sua política social: elevação da riqueza através dos investimentos públicos e particulares, com vista ao aumento da produtividade; estabilidade de preços; justa repartição do poder de consumo.
Tudo para dar mais trabalho e mais rendimento aos Portugueses, mais garantias à produção, melhor nível de vida.
Política social nítida e conscientemente traçada. Mas a sua execução dependerá só de nós?
Recorde-se, por exemplo, a última reunião da O. E. C. E., em Paris, a liberalização das trocas para a criação de um vasto mercado livre europeu, ligada à necessidade de os compromissos assumidos e a assumir para tal fim deverem assentar numa base de perfeita reciprocidade, para cujo cálculo efectivo terá de entrar, como primeiro factor, o nível das tarifas aduaneiras com referência aos esforços a desenvolver por cada país.
Sr. Presidente: enumerei as razões que me levaram a subir a esta tribuna; fiz uma nota muito breve do déficit da nossa balança comercial; castiguei a ideia simplista do equilíbrio fácil; preenchi um quadro de acção; coloquei o País dentro desse quadro; admiti falhas de execução, omissões, erros; no entanto, imaginei o contrário; imaginando o óptimo de previsão e execução, dei conta dos embaraços emergentes da ordem -ia a dizer: da desordem- internacional; a propósito salientei a marcha da penetração económica do bloco comunista, designadamente nos países subevoluídos; apontei as consequências de tal penetração - as consequências para o mundo livre, para a sua economia; referi afirmações do Sr. Ministro da Presidência relacionadas com a política económica e social do Governo Português; perguntei se essa política dependia só de nós.
E tudo isto, Sr. Presidente, para quê?
No final da sua declaração de aviso prévio o Sr. Deputado Melo Machado reparou na falta de um organismo destinado a polarizar os movimentos da nossa balança comercial.
Antes de seguir o reparo e o desejo seja-me permitido começar pela necessidade, que se me afigura instante, de libertar cada Ministro dos afazeres a que chamarei de pura mecânica burocrática.
Assuntos de banal expediente, episódios sem a devida importância, notas ou resoluções de simples pormenor, deveriam, de um modo geral, ter andamento mais em baixo.
Por mais que se tenha feito neste particular, o certo é que os Ministros continuam assoberbados com a maré das coisas pequenas - das muitas coisas pequenas - que os impossibilitam de se dedicarem, como convém, às questões de fundo.
Contaram-me que certo funcionário superior, após duas horas de despacho com o Ministro competente, lhe pediu licença para objectar:
V. Ex.ª já reparou que está a trabalhar há duas horas e ainda não teve ocasião de exercer a sua inteligência?
Esta tragédia de não ter tempo, que está sendo a tragédia do exercício de muitas funções públicas, na esfera ministerial atinge um nível de gravidade inquietante.
Mas volto ao organismo polarizador:
Não há dúvida de que, em presença da situação internacional, de cada vez mais tecida por lances imprevistos de uma política económica de combate e salvação, apoiada nas exigências naturais e dirigida, aparentemente, pela actividade diplomática, mas comandada, no fundo, pelos rumos ideológicos e pelas conveniências da estratégia militar, se tem de melhorar o poder de coordenação.
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E o pior é que a critica, facilmente interessada ou interessadamente fácil, mistura, por vezes, as dificuldades internas com o esquecimento das dificuldades externas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Parece-me chegado o momento de dar ao problema a solução mais completa. Essa solução há-de procurá-la o Governo. No entretanto nada nos impede de formular sugestões de boa vontade e de preocupado zelo.
Sr. Presidente: o Decreto n.º 26 782, de 13 de Julho de 1930, criou o Conselho de Ministros para o Comércio Externo (Conselho Económico).
Através de novos diplomas, como os Decretos-Leis n.os 36 967, de 14 de Julho de 1948, e 37 909, de l de Agosto de 1950, aquele decreto foi sucessivamente adaptado à evolução das condições que justificaram a sua publicação.
A Lei n.º 2058, do 29 de Dezembro do 1952, criou outro Conselho de Ministros, outro Conselho Económico, mas destinado exclusivamente à execução do Plano de Fomento.
Conforme a pressão das circunstâncias, tom sido nomeadas comissões de cooperação e coordenação.
Com o Decreto-Lei n.º 37 909, de l do Agosto de 1950, deu-se um importante passo no sentido de aperfeiçoar o sistema da coordenação.
Ao criar-se, no decreto, o cargo de Ministro da Presidência e ao atribuírem-se-lhe funções, ressalvaram-se, «as de que for encarregado pelo Presidente do Conselho, em especial no que respeita à coordenação de pastas que interessam a mais de um departamento do Estado».
É mais do que visível a vontade do Governo manifestada nos esforços desenvolvidos para dominar os crescentes embaraços provocados pela concorrência internacional.
Tira-se mesmo do relatório do primeiro decreto, o n.º 26 782, a certeza de que o Governo tem o perfeito conhecimento -como não podia deixar de ser- dos perigos a que se expõe a economia nacional pela falta de ligação pronta entro os diferentes organismos de informação e reacção.
Mas os dois conselhos económicos existentes têm as suas funções limitadas: um destina-se ao comercio externo e o outro à execução do Plano de Fomento.
A Presidência do Conselho só poderá ocupar-se, quanto a mim, da coordenação nos seus aspectos gerais e fundamentais. Não deveria descer a exigências ou a delineamentos de pormenor. Ainda assim, ó preciso que exerça o seu poder de coordenação em grau de cada vez mais activo.
Haverá, suponho, que rever a estrutura dos próprios Ministérios. Vejamos o da Economia. Mostrar-se-á este Ministério organizado de fornia a corresponder ao trabalho de coordenação que se lhe pede?
Suprimidos os Ministérios da Agricultura e do Comércio, o Ministério da Economia foi criado por justaposição. Tem dois Subsecretariados de Estado, mas o Ministro da Economia não dispõe, por si, de órgãos efectivos e permanentes que o ajudem a coordenar.
Por um lado os Subsecretários de Estado sentem, porventura, limitadas as suas possibilidades de iniciativa; por outro lado, o Ministro vê-se desprovido, por assim dizer, de meios que o habilitem a estar presente no curso das dificuldades, a tempo de as conhecer e a tempo de as resolver.
Este problema da coordenação é dos mais difíceis - dos mais difíceis e dos mais urgentes-, e não minto se disser que não consegui ainda estabelecer um esquema de solução nitidamente viável ou francamente satisfatório, tanto mais que não sou detentor de muitos elementos que se mo afiguram imprescindíveis.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-E se o tivesse estabelecido ainda me restaria a tareia de o rever à face das possibilidades humanas.
Não obstante, penso que todo o serviço de coordenação, seja ele qual for, tem de ser rápido e esclarecido: coordenar não é complicar nem atrasar. As hesitações e as demoras no despacho da coordenação podem traduzir-se - e traduzem-se as mais das vezes- em prejuízos tristemente irreparáveis.
Acima de tudo, coordenar é defender a economia nacional, respeitando e garantindo, facilitando tanto quanto possível o arranco e a vida das iniciativas.
Apelo para o Sr. Presidente do Conselho.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-No seu discurso de 20 de Outubro de 1949 - «Questões de política interna»- foram ponderadas, com a costumada e inegável autoridade do reflexão, as dificuldades que o problema comporta e esboçadas as directrizes para a sua solução.
A homogeneidade do que, os Governos devem ser dotados, o inconveniente de actividades diversas o contraditórias, a subordinarão do conjunto das atitudes aos princípios fundamentais, a utilidade do um processo de coordenações sucessivas e em planos diferentes, a possível multiplicação das pastas ministeriais e a constituição de um gabinete restrito, formado por Ministros de pastas coordenadoras, constituíram, salvo erro, os pontos essenciais do discurso no capítulo a que me refiro.
Fico no apelo, e já agora outro mérito não tenho senão o de confiar na resposta que lhe for dada.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Sr. Presidente: o âmbito do aviso prévio em discussão é muito vasto. Não se reduz ao comércio externo.
Por entre as tentações de tratar os vários assuntos em causa, mesmo bem perder a noção dos mais pertinentes, esforcei-me por escolher e seguir um processo de rumo tanto quanto possível isento de desvios.
Só a respeito da nossa política demográfica, há quatro anos precisos, falei deste lugar durante duas sessões seguidas.
E não esqueço o apoio que o Sr. Deputado Melo Machado me deu através da sua intervenção, cheia de todo o interesse.
Ao recordar a atitude, recordo as preocupações que nos levaram então a subir a esta tribuna, e, julgando-as actuais em certos pontos, tiro daí o latejo, deveras humano e deveras político, que despertou no ilustre autor deste aviso prévio a vontade do o realizar.
Os temas da produção e do consumo ligados à vida da terra e da indústria, a batalha do povoamento reflectida na sorte da emigração, a porfia do social com o económico, a escalada do sistema político na afirmação da própria substância, condensam-se no renovado desejo de colaboração desempoeirada mas construtiva.
Desta vez, Sr. Presidente, concertei as minhas observações à volta de um aspecto que me parece importante - o da coordenação.
Independentemente das minhas reacções a propósito desse aspecto especial, se alguma coisa devo confessar acerca do meu estado de espirito perante os factos, virando-me para alguns dos mais recentes citarei, com ín-
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tima e veemente esperança: a campanha de intensificação agrária, iniciada há perto de dois anos e reacesa há poucos dias pela assinatura do mais um projecto do colaboração com a I. C. A. (International Cooperntion Administration), desta vez, para a recuperação de terrenos baldios e incultos nos Açores, o que me é particularmente grato, havendo a notar que são da responsabilidade do nosso Governo as maiores verbas a despender; a remessa a esta Assembleia das propostas do lei para a instituição das primeiras corporações e sobre o Plano do Formação Social e Corporativa, acontecimento do mais largo e profundo alcance moral, político e social, tão largo e profundo que representa a consolidação do regime, a última mensagem de Salazar, neste ponto:
O nosso voto é que todos possam compreendê-la, a essa revolução necessária, como nós a vamos fazendo - em paz. Demasiado devagar? Talvez um tanto devagar, mas repito e sublinho -em paz.
E termino. Sr. Presidente: alterar a paz para alterar a estrutura social seria fazer duas revoluções - uma contra a outra.
E a verdadeira revolução não se nutre de atropelos ou choques escusados.
Os triunfos da violência podem ser mais rápidos, mas a revolta das consciências esmagadas mina-lhes a base e derrota-lhes o futuro.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Carlos Mantero: - Sr. Presidente: estamos a atingir o termo do debata.
Ouvimos os valiosos depoimentos e as sugestões de muitos Srs. Deputados. Alguns problemas foram examinados de vários ângulos com largueza e independência. Mas o debate não logrou ampliar-se, nem a análise descreu ao âmago das questões; talvez porque o objectivo do aviso prévio tivesse sido imprecisamente definido.
É já tarde para dar outro rumo ao debute. Na minha, intervenção procurarei, por isso, cingir-me apenas ao que nele descortino de essencial.
Sr. Presidente: fui interpelado pelo autor do aviso prévio na qualidade de defensor do comércio, talvez porque se julga que sou seu defensor nato. Não devo, nem posso, de direito, assumir nesta, câmara política a representação orgânica de um simples sector ou de uma actividade particular. Por isso a minha intervenção no debate situa-se no plano puramente político, que me compete, no plano dos interesses nacionais, como eu os vejo e os penso servir.
Acusa o Sr. Deputado Melo Machado o Governo e os comerciantes dos males que sofrem as actividades produtoras, muito especialmente os produtores de vinho, que têm encontrado no seio de Assembleia o constante desvelo do combativo Deputado por Lisboa.
Estranha associação é essa do comércio com o Governo numa mesma acusação. Tão habituados andamos nesta terra a ver toda a gente acusar o comércio a propósito de tudo e de nada assacando-lhe a responsabilidade dos erros dos governantes e dos desacertos dos governados, que não posso deixar de apontar a estranha associação de agora.
Será porque o comércio português tem sido constantemente amarfanhado e sucessivamente absorvido em muitas das suas funções tradicionais, ou dirigido pelo Estado ou pelos seus organismos tutelares? Será dessa contusão ou dessa tutela que se queixa o Sr. Deputado Melo Machado?
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª há-de compreender que a minha afirmação, como foi feita, não se entende com o Governo actual.
O Orador: - Como pode S. Ex.ª pedir responsabilidades a quem não tem inteira independência e quase foi deixado sem iniciativa? Pobre comércio de agora, poderoso comércio de outros tempos, que andou à frente da expansão nacional!
Queixa-se. S. Ex.ª de que o Português não tem inclinação para o comércio. É uma afirmação que contraria a própria foi mação nacional e a realidade, mesma do nosso tempo. Se ele até foi levado às cadeiras do Poder, e já não há quase Ministério em que se não intervenha, directa ou indirectamente, nas actividades económicas da Nação, descendo-se, por vezes, aos ínfimos pormenores, em verdadeiras operações de balcão.
Estamos num país em que se contam os que não sofrem deformação comercial. Conheci até lentes sábios que andaram metidos em negócios, com proveito nuns casos e com muitos, dissabores noutros, e nas escolas as crianças cedo de mais começam a permutar objectos entre si. Na indústria há quem faça comércio, chegando à própria venda a retalho, e a agricultura faz comércio, quando mais não seja em cooperativa.
De confusão e perturbações que isto traz constantemente só tem queixado o comércio profissional, que vê o seu terreno próprio tornado logradouro público, invadido por toda a gente, cruzando-se em todos os caminhos com a legião dos amadores com autoridade, que, pondo e dispondo do que lhes não pertenço, só julgam habilitados a dirigi-lo.
Mas,... ia-me desviando do fundo da questão como ela foi posta pelo autor.
O Sr. Melo Machado: - Parece que a Inglaterra é necessariamente um país considerado possuidor de génio comercial, e, todavia, o cooperativismo é ali excepcionalmente desenvolvido. Suponho que ninguém em Inglaterra se queixa desse facto.
O Orador: - Não é só na Inglaterra que o sistema existe. As cooperativas existem em quase todos os países do Mundo Livre.
A minha afirmação não envolve a condenação do sistema cooperativista em si mesmo, mas a simples constatação da sua existência entre nós como forma de comércio privilegiado exercido pela agricultura em claro desvio das suas funções próprias.
O Sr. Melo Machado: - Mas o que é facto é que o cooperativismo existe nesses países e ninguém se queixa.
O Orador: - Creio que V. Ex.ª está mal informado. É um assunto que tem sido fortemente, debatido nos meios internacionais competentes e em que as opiniões dos técnicos divergem profundamente. Posso, contudo, afirmar a V. Ex.ª que as queixas prevalecem sobre os aplausos.
Mas não quero desviar-me do fundo da questão.
Se bem interpreto o pensamento do Sr. Deputado Melo Machado, trata-se de encontrar colocação para 50 000 pipas aguardente e 60 000 pipas de vinho, que não têm mercado a preço que convenha ao lavrador, contra equipamento a importar ao abrigo do Plano de Fomento (e, se houver prejuízo, que o suporte alguém menos o vendedor). A sedução oportuna de casos desta natureza depende, na opinião do ilustre Deputado, da criação de um organismo central com poderes para orientar a nossa exportação e tirar todo o partido possível das importações e que, assegurando o regular escoa-
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mento dos excedentes agrícolas, contribua paia elevar e nível de vida da «classe agrária».
A questão assim posta está deslocada do seu verdadeiro terreno.
O autor do aviso prévio, que veio tratar fundamentalmente de um caso concreto, levantou a sou propósito uma questão de fundo -a questão do nível de vida no campo-, que envolve todo o planismo económico português: a nossa política demográfica, a político cerealífera, a política vinícola, a política industrialista, a política ultramarina, a política dos investimentos públicos, a política da formação de capitais e da sua decomposição em fixos e flutuantes, a política financeira, a política monetária, a política do crédito, a política social, a política do salário e a doutrina do auto-abastecimento, que a tudo preside, por oposição à do interabastecimento.
Como tratar isoladamente de uma parte deste complexo todo sem afectar o conjunto, ou melhor, de que serve cuidar de um sector isoladamente, com a antecipada certeza de que a nada de construtivo chagaremos se não tratarmos simultaneamente do todo, dada a interdependência dos diversos sectores?
Com efeito, seria interessante conhecer parque é que o produto nacional da Europa do Ocidente (para não ir mais longo) cresceu no ultimo triénio à razão de 5 a 6 por cento ao ano e se verifica o pleno emprego em quase todos os países, e em Portugal o aumento do produto nacional não excedeu o ritmo anual de crescimento de 2 por cento e o subemprego crónico se mantém, e os consumos individuais não aumentaram senão em 6 por cento, enquanto no conjunto dos países do Ocidente Europeu se verificou um aumento de 14 por cento.
Seria interessante averiguar se é ou não conveniente para o País, para a sua estrutura social, para a sua estabilidade política, a formação dos feudalismos económicos.
Seria bom saber-se até que ponto o factor económico deve prevalecer sobre outros valores sociais, outras utilidades que compõem a felicidade humana.
Chegaríamos assim a um debate de fundo sobre o nosso planismo económico, que não envolve apenas os planos de agora, porque no planejamento português se encontram constantes que vêm de trás.
Não é isto o que se pretende. Trata-se de debater o dirigismo, porque se julga que a panaceia dirigista, bem conduzida, pode tudo resolver.
Por isso o aviso prévio se reduz a uma simples discrepância da política dirigista. Acha-se que ela é imperfeita ou insuficiente. Pode-se mais e melhor: mais intervenção e maior eficácia na resolução das situações particulares.
Mas então em que ficamos? lista ou não está condenado o dirigismo? Devemos ou nau devemos estimulá-lo? É mau quando nos prejudica e bom quando nos favorece?
Não se ataca de frente ou defende corajosamente o sistema. Procura-se simplesmente pô-lo ao servido de interesses particulares quando convém. E, neste campo restrito, será ao menos possível chegarmos a acordo, se os interesses são opostos, se o que convém a uns não convém aos outros?
A experiência dos últimos anos demonstra à saciedade que n progressiva liberalização das trocas deu forte impulso ao comércio intra-europeu do grupo de países que a adoptou.
O Sr. Melo Machado: - Tenho ouvido queixas de que o nosso Governo tem sido generoso em matei ia de liberalizações.
O Orador: - A política comercial portuguesa tem sido, com efeito, conduzida no sentido da progressiva liberalizarão das importações. Tenho podido verificar nos meios internacionais o alto conceito em que Portugal é tido pela sua contribuição ao esforço de libertação da economia europeia.
De 1953 para cá o comércio entre os treze: países da O. E. C. E. cresceu quantitativamente em 27 por cento, o que tornou possível a expansão da produção e um melhor índice de produtividade nos diversos países do grupo, e, aliviando a pressão inflacionista, permitiu o pleno emprego, com elevação do nível de vida. Activada, si concorrência, logo só notou que a qualidade dos produtos melhorara e que a variedade de artigos oferecidos no mercado se multiplicava constantemente, o que, por sua vez, contribuía para activar os consumos, alimentando a expansão produtora.
O dirigismo, com todas as suas complicações, é um atoleiro em que os Governos se afundam, acabando por descontentar leniu a gente. A solução do problema tem de ser encontrada mais longo.
Mas vamos no vinho, que é atinai, do que se trata.
No decénio de 1915 a 1924 produziram-se, números redondos, 48 milhões do hectolitros, no decénio seguinte 69 milhões, no decénio de 1935 a 1944 86 milhões e no de 1945 a 1954 91 milhões.
Por outro lado a área cultivada aumentou de 1944 a 1953 em cerca de 60 000ha, se considerarmos as reconstruções, as transferências autorizadas e as novas plantações - qualquer coisa como 22 por cento de aumento.
Enquanto se opera esta dupla expansão produtora -na área plantada e mi quantidade colhida-, o que se verifica, do lado dos consumiu; e da exportação? Retraimento! Que a baixa dos preços no mercado interno e a decadência da exportação para o estrangeiro traduzem.
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª dá-me licença? Mas não há retraimento no consumo.
O Orador: - A baixa dos preços internos sem expansão simultânea de consumo significa retraimento.
Contrariando as intervenções reguladoras, os preços no mercado interno caíram, nos últimos dez anos, 14 por cento, comparadas as médias dos dois quinquénios 1944 a 1949 e 1950 a 1954), apesar de a população ter aumentado 10 por cento no mesmo período e de se ter verificado certa redução do poder do compra da moeda.
As exportações para o estrangeiro, convertidas em vinho comum, baixaram persistentemente de 18 milhões de hectolitros, números redondos, no decénio de 1915 a 1924 para 9 400 000 hl no decénio de 1945 a ]954.
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª está-se servindo da estatística que reduz tudo a vinho comum e como a exportação do vinho do Porto tem diminuído, encontra ou demonstra uma diminuição de exportação, o que não corresponde à verdade.
O Orador: - É indispensável a redução das exportações a vinho comum para se poder fazer a comparação com a produção, que é expressa nos mesmos termos.
O Sr. Rebelo de Figueiredo: - V. Ex.ª, Sr. Deputado, não entra certamente em consideração com o mercado francês, pois que este mercado está ávido de vinho do Porto e importaria o dobro, pelo menos, do que nos leva actualmente, se o contingente fosse alargado ...
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O Orador: - Se não houvesse dificuldades, se houvesse a tal liberalização que eu preconizo, os nossos vinhos do Porto teriam uma saída muito maior, não só para França, mas também para o Brasil e outros países, apesar da decadência geral dos consumos.
É evidente que a política vinícola, com as suas constantes intervenções no mercado interno, pervertendo o preço como função económica reguladora, da produção e do consumo, impediu simultaneamente a expansão do consumo e o ajustamento da produção, salvou as plantações marginais do inevitável desaparecimento e estimulou o alargamento da produção, quando teria sido mister desanimá-la.
O problema desloca-se, assim, para o seu verdadeiro terreno: o acerto ou o desacerto da política vinícola.
Não há dúvida de que a forte expansão da nossa produção vinícola, que as sucessivas intervenções na estrutura do mercado tornaram possível, impediu a eliminação dos produtores marginais, cuja sobrevivência agrava a situação de todos.
Dado o condicionalismo económico português, que só a revisão profunda do nosso planismo pode modificar, é, sobretudo, na produção que deve procurar-se a solução do problema vinícola, e não no mercado. É um problema específico da lavoura do vinho. É essencialmente um problema de produtividade - de produtividade absoluta e de produtividade selectiva.
Como as coisas se apresentam, parece que o custo de produção é excessivo e não comporta o preço do mercado internacional, e o preço do merendo nacional é demasiado alto para concorrer nos mercados estrangeiros ou provocar a expansão do consumo interno, que há-de, afinal, absorver os excedentes.
O Sr. Melo Machado: - Isso contende com os dumpings que fazem as outras nações. Mas nesta matéria não toca V. Ex.ª, porque destrói o seu pensamento.
O Orador: - Eu não quero entrar em discussões sobre a formação do preço nos mercados internacionais, porque deslizaria com V. Ex.ª para o mundo das hipóteses. Prefiro lidar com realidades: os preços do mercado.
De resto, não creio que o hipotético dumping de outras regiões produtoras tenha algo que ver com as nossas exportações de vinhos do Porto, por exemplo. A redução das nossas vendas em certos mercados é devida a restrições impostas pelos respectivos governos.
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª não tinha dito isso.
O Orador: - V. Ex.ª, com os seus constantes apartes, que, de resto, muito aprecio, força-me a alterar o curso do meu raciocínio.
O assunto que V. Ex.ª agora levantou pensava tratá-lo mais adiante e ainda a ele me referirei, na ordem própria.
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª começa a pôr uma questão e só daqui a meia hora é que a recomeça ...
O Orador: - V. Ex.ª quer por força antecipar-se ao meu raciocínio, ao desenvolvimento da minha tese.
Eu estava a dizer que a nossa produção é cara e que, por esse motivo, não podemos concorrer favoràvelmente nos mercados estrangeiros.
A solução proposta das compensações é a confirmado de que o preço pedido é, com efeito, excessivo e de que para ser realizável carece de uma bonificação, a retirar do sobrepreço que teremos de pagar, cá ou lá fora, pelas mercadorias importadas em contrapartida,
ou talvez por outras que nada têm que ver com o negócio.
Talvez a situação privilegiada que tivemos durante e no pós-guerra nos tenha mal acostumado. Enquanto nos anos de 1940 a 1949 a produção mundial sofreu apreciável quebra, baixando 17 por cento com relação ao período de 1934 a 1938, a nossa produção nacional elevou-se 17 por cento. Mais vinho e melhor preço, com o desaparecimento da concorrência no mercado internacional. Pudemos aproveitar em cheio os benefícios da guerra.
Por outro lado, não se verifica na economia do vinho qualquer vitalidade. Assim é que, ao cabo de vinte anos, a produção mundial não mostra sintomas de expansão. A média anual da produção mundial foi de 195 milhões de hectolitros no quinquénio de 1934 a 1938 e de 199 milhões no quadriénio de l930 a 1953, o que, na realidade, significa retrocesso, em face do aumento da população, que foi de l9 por cento, e do acréscimo do poder de compra geral.
Entre nós as coisas sucederam ao invés. Comparados os quinquénios de 1934 a 1938 e de 193O a 1954, a produção de vinho aumentou 21 por cento, excedendo, portanto, e em muito, o crescimento da população.
Insistimos em forçar uma produção da qual o Mundo se vai desinteressando, querendo impor aos outros o que os outros já não querem. Temos de confessar que andamos atrasados na observação do que se passa lá fora, ou é, porventura, deficiente a nossa capacidade de interpretação, ou ainda porque ficamos hesitantes quando temos de tomar uma decisão e somos lentos e timoratos quando chega o tempo de darmos execução as decisões tomadas.
Também em França, há três anos, os viticultores se agitaram, chegando à revolta, porque o Estado recusara acudir-lhes com maior auxílio. A crise do vinho é um fenómeno mundial, agravado entre nós porque teimamos em seguir uma orientação contrária à tendência geral.
O Sr. Melo Machado: - É por isso que em França não há este ano um excedente de 20 milhões de hectolitros ... Há excedentes em França, há-os também em Espanha, etc.
O Orador: - O que teria sido da nossa produção vinícola se não fosse o amparo dos organismos corporativos, a protecção do Estado? Mas teria, afinal, a política do Estado benfeitor sido acertada? Não teria ela impedido o ajustamento inevitável da produção às realidades do mercado, em condições muito mais favoráveis do que poderá agora fazer-se?
Será o problema da exportação dos vinhos comuns para o estrangeiro suficientemente importante para justificar os sacrifícios que se pedem ao País? Terão os mercados externos capacidade para resolver a nossa crise vinícola aos níveis de preços que a lavoura pode ou requer?
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª acha que não valo a pena o Governo fazer qualquer sacrifício para melhorar a situação de uma grande parte da população do País.
É curioso que V.Ex.ª não queira essa protecção para a lavoura e o comércio a peça para fazer a propaganda dos vinhos.
O Orador: - Vou responder a V. Ex.ª
Resumir-se-á o problema a dispormos nos mercados externos dos excedentes da nossa produção? Constituirá ele um simples problema comercial, um problema
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a ser resolvido pelo comércio privado nos termos em que está posto?
Por um lado, os preços do mercado interno, superiores aos da concorrência internacional, fecham-nos os mercados livros. Por outro lado, o comércio de Estado domina meio mundo. Nuns países monopólios, noutras medidas indirectas tendentes à restrição do consumo de vinhos, noutros ainda a subordinação do comércio internacional à teoria da essencialidade dos produtos, que não admite a troca de supérfluos senão contra supérfluos. Há países que a protecção às produções vinícolas locais ou a carência de meios internacionais de pagamento tornam quase inacessíveis.
Por fim, há países em que a técnica da venda evoluiu de tal forma que comerciar deixou de ser a simples arte de outros tempos. Quero referir-me aos Estados Unidos. Hoje o mercado cria-se pela propaganda, pela propaganda em massa, persistente, que dura até ao momento de provocar a subordinação das vontades individuais à vontade geral que criou - à moda, ao bom tom, ao standard social, como lá dizem. Pode compreender-se o que isto significa num país de classe única, classe única abastada, em que as diferenças de fortuna ou de posição não destroem a uniformidade.
Propaganda desta natureza e magnitude excede a capacidade e as funções específicas das empresas comerciais. Por isso, a propaganda nos Estados Unidos é, sobretudo, encargo dos produtores, porque dela depende a ampliação e escoamento das suas produções.
O mercado cria-se antes do produto, a procura antes da oferta. São os conceitos da nova técnica comercial, que alimenta a expansão.
O Sr. Melo Machado: - Pode V. Ex.ª dizer-nos, por exemplo, por quanto se vende l L de vinho na produção e por quanto se vende a mesma quantidade de vinho no restaurante?
O Orador: - É de 50 a 100 por cento a diferença entre o preço do armazém e o preço de venda do restaurante.
O Sr. Botelho Moniz: - Ainda está em vigor uma lei que obriga os restaurantes a fornecerem gratuitamente 3 dl de vinho. Se o restaurante os não fornece, a culpa é do consumidor, que prefere pagar esses 3 dl a exigir que lhos forneçam gratuitamente.
O Orador: - Dizia eu que a propaganda, nos Estados Unidos é sobretudo encargo dos produtores ...
O Sr. Melo Machado: - Discordo. Essa propaganda deve ser função do comércio, e não da produção.
O Sr. Botelho Moniz: - Não deve estabelecer-se confusão entre duas espécies de propaganda. Uma é a propaganda geral, que deve ser função do Governo; outra é a propaganda de marcas especiais, que deve ser função ou do comerciante proprietário das suas marcas ou do produtor proprietário das respectivas
marcas.
O Sr. Melo Machado: - Querer que seja a produção a fazer propaganda do comércio é pretender colocar o carro adiante dos bois.
O Orador: - Dentro da moderna técnica de vendas, quem paga as despesas da grande propaganda é o produtor, porque é ele que tem de lançar o seu produto.
O Sr. Botelho Moniz: - Quando o produtor exerce o comércio, evidentemente que é ele que tem de fazer a propaganda.
Mas há a considerar outros casos; por exemplo, o do agente comercial que faz a propaganda de determinado produto, precisamente para que o comerciante retalhista o compre, pois a propaganda já está feita entre o público.
Há a considerar casos que são muito diferentes.
O Orador: - Do que não há dúvida é de que é o produtor directo, o proprietário da marca, que faz a propaganda dos seus produtos.
É o caso da General Motors, com os seus automóveis, da Gillette, com as lâminas de barbear, da cassa Coty, com a sua perfumaria. Não é o comércio que suporta os encargos dessa propaganda.
Mas voltemos ao que importa: à exportação e propaganda do vinho.
Que fez o Governo no meio de tudo isto? Fez mais do que devia. O Governo, em verdade, não se esqueceu dos vinhos comuns ao negociar acordos comerciais. Eles figuram, com ou sem contingentes, nos acordos com a Alemanha, Brasil, Dinamarca, Egipto, Inglaterra, Itália, Noruega e Suécia e foram incluídos em diversas compensações realizadas com os Estados Unidos, o México e os países do Leste. O Governo, excedendo-se, também pensou na propaganda do vinho e pensa financiá-la.
O Sr. Melo Machado: - Acho que faz muito bem!
O Orador: - Mas não basta fazer acordos e fixar contingentes. Para vender nos mercados externos é necessário que haja compradores e que os nossos preços não sejam superiores aos da concorrência. Na exportação só temos uma certeza: o preço do mercado internacional, que é o melhor preço em concorrência.
É no ultramar que se encontra o mercado natural dos nossos vinhos. A maior expansão do consumo na África Portuguesa depende do acerto da política fomentadora do povoamento. Por isso, o problema do vinho não pode desligar-se do planejamento geral, que tudo envolve.
O Portugal de além-mar levou-nos no decénio de 1935 a 1944 2 030 000 hl e no último decénio (1945 a 1954) 5 650 000 hl. É o único mercado em franca expansão que os nossos vinhos agora conhecem. O seu futuro está nas mãos do colono e, no pé em que as coisas hoje estão, o colono está nas mãos da política ultramarina.
Não cessarei de acentuar o que tantas vezes tenho repetido: a nossa colonização africana será obra conjunta do Estado e da iniciativa privada, cada um no seu lugar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O Estado criando as condições gerais que facilitem e acelerem a colonização e o aproveitamento económico das nossas províncias africanas: o colono tomou espontâneamente as iniciativas económicas.
São condições gerais do povoamento uma fiscalidade mais baixa no ultramar do que na metrópole, que atraia e fixe ali os nossos excedentes de capitais; boas e extensas vias de comunicação, que tornem economicamente acessíveis as zonas produtivas do interior; apoio técnico efectivo, em vasta escala, e um meio económico em que o intervencionismo seja reduzido ao mínimo indispensável, um meio económico mais livre do que o da metrópole, que seduza os homens dispostos- ao sacrifício, desde que os acalente a esperança de uma vida melhor.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - As províncias ultramarinas são o mercado natural dos excedentes de muitas das produções
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metropolitanas, mas esse mercado só está assegurado na medida em que soubermos ali preservar as nossas tradições. É a corrente povoadora que o mantém e expande. Muitos dos nossos problemas económicos encontrarão o seu mais forte apoio na chamada da África, na atracção que ela exercer, qual novo Brasil, sobre a imaginação popular.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O nosso povoamento africano sofreu forte impulso no quadriénio de 1947 a 1950, que o quadriénio seguinte confirmou. O seu ritmo acelerou-se à razão de 100 para 467 para 724.
O significado deste fenómeno é de tal transcendência histórica, de tão grande importância política, económica e social para o futuro da comunidade portuguesa que é dever indeclinável do Governo e de todos nós segui-lo cuidadosamente, alentá-lo com carinho e protegê-lo contra qualquer desfalecimento. A nossa política ultramarina adquire assim uma importância sem par nesta hora crítica do Ocidente, encruzilhada de duas eras, que é também hora decisiva para Portugal.
Cheguei ao termo das minhas considerações. É a altura de resumir.
Que me perdoe o insinuante autor do aviso prévio e meu querido amigo, o Deputado Melo Machado, por não ter pelo sistema das compensações que propõe a mesma simpatia que S. Ex.º manifesta. Não posso deixar de ver na permuta o regresso aos tempos primitivos, a negação de séculos de civilização e avanço nos métodos comerciais, o rebaixamento dos países que a pratiquem ao nível daqueles que vivem em regime de suspensão de pagamentos crónico ou de comércio de Estado.
Por isso não a considero uma solução à altura da responsabilidade desta Assembleia. Alguma coisa de mais elevado, de mais integral temos de propor no plano da política comercial, no plano da política económica.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não nos preocupemos demasiado com a nossa balança comercial, porque a balança de pagamentos tem-nos sido sempre fiel através dos séculos. É uma constante nacional, que deriva da nossa função povoadura.
O que seria de nós se, com uma balança de pagamentos sistemàticamente favorável, não pudéssemos temperar o desequilíbrio monetário que ela nos traz com o saldo desfavorável da balança comercial? Viveríamos nesta terra na mais perigosa inflação, na mais negra miséria.
Prossiga-se na política de libertação da economia,
para que os mercados se alarguem cá dentro e lá fora, deixando-os comandar os próprios movimentos, numa sadia autodirecção, bem mais sábia e eficaz que o di-rigismo do Estado ou dos interesses alcandorados em situações econòmicamente viciosas.
Há tanto de bom no planismo português que é pena ver certos desvios dirigistas comprometerem por vezes o perfeito funcionamento do conjunto.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: o Sr. Deputado Carlos Mantero usou neste caso de uma técnica muito cuidada, S. Ex.ª foi o último
Deputado a falar, a uma hora já bastante adiantada, e, perante um pouco de impaciência da Camâra, tornou-se inviável, manifestamente inviável, vir aqui fazer uma prelecção contraditória de todos os pontos que S. Ex.ª aqui focou e com os quais não concordo.
Eu não me desculparia se fosse ainda tomar a V. Exas. uns longos minutos a uma hora destas. Não posso, todavia, deixar de fazer algumas observações àquilo que aqui foi dito.
Do muito ou do pouco que eu disse, algumas coisas foram tomadas em aspecto absoluto, e isto sem razão, porque, quando, por exemplo, digo que é preciso fazer coordenação, não quero dizer com isto que haja necessidade de criar mais embaraços à economia nacional. Mas uma coisa é criar estes embaraços e outra coisa é haver uma coordenação, por forma que os planeamentos económicos sejam firmes e seguros. E suponho que não há nada a objectar a esta afirmação.
Quando falo em operações adequadas para poder escoar os nossos excedentes em crise também não me refiro a operações de compensação. O que digo é que não se deve perder nenhuma ocasião para nos vermos livres das coisas que nos estão embaraçando econòmicamente. Isto faz-se em todo o Mundo, e, se nós queremos ser uma excepção a esta regra, parece-me que isso não será de louvar.
Sempre ouvi dizer que aquelas pessoas a quem não se pode apontar senão o epíteto de boas pessoas não devem sentir-se muito satisfeitas com tal classificação, e tenho muito receio de que neste aspecto das relações internacionais nós sejamos boas pessoas.
Tem-se falado aqui muito em liberalização, mas a Inglaterra, país essencialmente partidário do liberalismo, ainda há pouco tempo estabeleceu um tratado de comércio connosco, no qual se mencionou que, com relação à importação do vinho do Porto, não havia que estabelecer contingentes, visto que se tratava de um produto liberalizado. Liberalizado dizem, mas cobram-se 20 contos de direitos por cada pipa de vinho do Porto importada!
Eu não quis criticar, mas tive apenas o desejo de trazer a esta Assembleia uma série de ideias que podiam ser aqui discutidas e estudadas, para que o Governo pudesse tirar delas algumas conclusões. Estou, porém, certo de que uma conclusão o Governo não tirará: a de que é à produção vinícola que compete tratar do escoamento dos excedentes que actualmente se verificam, porque suponho, Sr. Presidente, que essa função foi sempre a função do comércio, o qual tem de movimentar a produção, pois é para isso que ele tem uma larga margem de lucros, não devendo limitar-se a arrecadá-los, já que o produtor, coitado, é a grande vítima da economia.
É ele o que mais trabalha, o que mais esforços faz, mas o que menos recebe.
Posto isto, desejo esclarecer que quando falo na necessidade de se fazer propaganda evidentemente não poderia pensar que fosso o Governo a fazer toda a propaganda. A minha ideia era que o Governo fizesse só a grande propaganda nos grandes países onde ela pudesse, interessar excepcionalmente. como é o caso da América, e não todas as propagandas, porque essas competem ao comércio.
Poderia ainda fazer largas considerações a respeito da forma como correm os tratados do comércio e da necessidade indispensável de se estar atento, porque quando se estabelecem contingentes estes não obrigam nem quem compra nem quem vende.
Os acordos são feitos de ano para ano e há toda a vantagem em que estejamos atentos e que seja ouvido o comércio interessado e conhecedor dos respectivos
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mercados, para que as correcções só possam fazer anualmente, de forma a serem úteis para a nossa economia.
Nas considerações a respeito do desenvolvimento do nosso ultramar esqueceu-se o Sr. Deputado Carlos Mantero de tudo o que eu disse sobre o desejo de que se promova de forma adequada e eficiente a sua economia e sobretudo a nossa emigração.
Vou ler a V. Ex.ª a seguinte moção, que é assinada por todos os Deputados que intervieram no debate, com excepção do Sr. Deputado Carlos Mantero:
Moção
«A Assembleia Nacional, considerando a importância do comércio externo no conjunto da economia nacional e certa de que, por um lado, vão continuar a executar-se os planos de aumento de produção industrial e agrícola e, por outro lado, impulsionar-se o fomento das actividades exportadoras, para o qual só reputa da maior vantagem a execução da propaganda projectada relativamente a grandes mercados consumidores, formula o voto de que a balança comercial, mercê de política efectiva de coordenação, possa tender para a situação de equilíbrio, por forma a os seus saldos devedores não continuarem a influenciar tão directamente a posição da balança geral de pagamentos do País.
A Assembleia Nacional emite também o voto de que se prossiga no propósito de melhorar o nível de vida da classe agrícola, elemento basilar da economia na-oional, considerando como meios atinentes à realização dessa finalidade uma assistência técnica eficiente e amparo económico nos momentos de crise.
Francisco de Melo Machado - José Sarmento de Vasconcelos e Castro - José Muria Pereira Leite de Magalhães e Couto - Alberto Henriques de Araújo - Jorge Botelho Moniz - Eduardo Pereira Viana - Armando Cândido de Medeiros - Alexandre Aranha Furtado de Mendonça».
Quando na moção se diz «tender para uma situação de equilíbrio» não se deseja nem se pede um equilíbrio absoluto. O que se deseja é que acabe este desequilíbrio, que me parece grave: 3 milhões de contos de desequilíbrio num ano é uma quantia que merece ser meditada.
Vale mais que tenhamos algum cuidado com este desequilíbrio, para evitar que amanhã se tenham de adoptar medidas graves.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrito para este debate. Dou, por isso, a matéria por discutida e vou pôr à votação a moção mandada para a Mesa polo Sr. Deputado Melo Machado, cuja leitura a Câmara ouviu.
Submetida à rotação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
A primeira sessão realizar-se-á no dia 4 de Abril próximo, tendo por ordem do dia a discussão da proposta de lei sobre, actividades gimnodesportivas do ultramar.
Aproveito a ocasião para esclarecer a Câmara da sequência dos trabalhos que lhe serão propostos. Depois de discutida e votada aquela proposta de lei, seguir-se-á a discussão das propostas sobre a organização
do turismo e a indústria hoteleira. Entretanto, devem chegar à Mesa as Contas Gerais do Estado, da Junta do Crédito Público e das províncias ultramarinas, que prevejo entrarão em discussão na Câmara a partir dos meados de Abril.
Dou conhecimento do programa provável dos nossos trabalhos para que os Srs. Deputados se vão preparando para as suas intervenções.
Sabe a Câmara que o Governo lhe enviou duas propostas de lei cujo interesse e cuja importância frisei no momento de as anunciar à Câmara: a proposta de lei que institui algumas corporações e a proposta de lei relativa ao Plano de Formação Social Corporativa.
Salientando mais uma vez a importância dessas propostas de lei, pelo que elas podem representar na evolução política do regime, quero lembrar a indispensável conveniência de os Srs. Deputados não aguardarem os pareceres da Câmara Corporativa para o estudo desses diplomas, pareceres que, dada a complexidade e delicadeza dos problemas em causa, só virão à Câmara em momento adiantado da sessão legislativa. As propostas vêm precedidas de desenvolvidos relatórios, que facilitam o seu estudo; e quando voltarem da Câmara Corporativa com mais eficiência e mais brevidade poderão os ponderados os respectivos pareceres.
Desejo aos Srs. Deputados muito boas festas.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
José Garcia Nunes Mexia.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Rui de Andrade.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agnelo Ornelas do Rego.
Alberto Cruz.
António de Almeida Garrett.
António Carlos Borges.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Rodrigues.
António dos Santos Carreto.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Afonso Cid dos Santos.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim de Sousa Machado.
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660 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 134
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Mana da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Marques Teixeira.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.