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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 142

ANO DE 1956 18 DE ABRIL

ASSEMBLEIA NACIONAL

VI LEGISLATURA

SESSÃO N.º 142, EM 17 DE ABRIL

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues

SUMÁRIO: - O Sr. Previdente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o n.º 109 de Diário das Sessões.
O Sr. Presidente informou estarem na Mesa, para os efeitos do § 3.º do artigo 109 da Constituição, os n.ºs 73 e 75 do Diário do Governo, que inserem os Decretos-Leis n.ºs ...
Foi lido um requerimento do Sr. Deputado Botelho Moniz dirigido ao Ministério da Economia.
Deu-se conta do expediente.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Elísio Pimenta, para agradecer ao Governo a construção do hospital regional de Braga; Urgel Horta, no sentido de ser dado fora de legalidade às ... Pinto Barriga, que enviou um requerimento à Mesa.
O Sr. Presidente deu conhecimento haver sido recebida uma proposta de lei sobre organização geral da Nação em tempo de guerra, remetida pela Presidência do Conselho. Tem já parecer da Câmara Corporativa e baixará às Comissões de Política e Administração Geral e Local e de Defesa Nacional.

Ordem do dia. - Iniciou-se a dimensão sobre as Contas Gerais do Estado.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Diniz da Fonseca, Venâncio Deslandes, Vaz Monteiro.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 15 minutos.

CÂMARA CORPORATIVA . - Parecer n.º 40/VI, acerca do projecto de proposta de lei n.º ... (organização geral da Nação para o tempo de guerra.

O Sr. Presidente : - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 20 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Rodrigues.
Artur Águedo de Oliveira.
Augusto Cancella de Abreu.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.

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Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa
João Ameal.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Gosta Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.
Teófilo Duarte.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.

O Sr. Presidente:-Estão presentes 60 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das sessões n.º 140.

Pausa

O Sr. Presidente: - Visto nenhum Sr. Deputado desejar fazer qualquer reclamação, considero-o aprovado.
Estão na Mesa os n.ºs 73 e 75 do Diário do Governo, l.ª série, de 12 e 14 do corrente, que inserem os Decretos-Leis n.ºs 40 568 e 40 571, para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituirão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa um requerimento do Sr. Deputado Botelho Moniz, que vai ser lido à Câmara.

Fui lido. É o seguinte:

«Requeiro que, por qualquer dos organismos competentes do Ministério da Economia, sejam enviadas à Assembleia Nacional, a tempo de serem consideradas durante a discussão dos avisos prévios anunciados pelos Srs. Deputados Melo Machado e Pinto Barriga, amostras seladas, acompanhadas dos boletins de análise respectivos, relativas a:

1.º Cada um dos tipos de mistura de azeite com óleo de mendobi previstos pelas disposições legais em vigor:
2.º Cada um dos tipos de azeite puro e do óleo de mendobi, também puro, que entraram nas misturas a que aquelas amostras respeitarem».

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegrama

Da Comissão do Aero Clube do Porto a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Urgel Horta sobre socorros a pescadores.

O Sr. Elísio Pimenta: - Sr. Presidente: poucas vezes terei sentido mais intensamente o imperativo de manifestar ao Governo o meu reconhecimento, e o daqueles que represento, como neste momento.
Nunca o fiz, na verdade, com tanta satisfação como ao dizer a V. Ex.ª e à Assembleia que Braga conseguiu ver finalmente satisfeita uma das suas grandes aspirações, porventura a maior de todas as que viviam no sentimento de uma cidade que justamente se ufana de ser a metrópole portuguesa do catolicismo e que através das suas instituições - e tantas e tão valiosas elas são - procura exercer a caridade pela prática das obras de misericórdia.
Retiro-me à obra de construção do novo hospital regional, cujos estudos se iniciaram há menos de um ano, foi posta a concurso há dias - na sua primeira fase - e vai ser iniciada em 28 de Maio próximo, durante as festivas comemorações do 30.º aniversário da Revolução Nacional.
E permito-me, a esse propósito, pôr em relevo a consciência, o desejo de servir e o extraordinário ritmo de trabalho que são hoje, mais do que nunca, as características dominantes do Ministério das Obras Públicas, em boa hora entregue à direcção dessa grande figura de estadista integro, esclarecido e de rara visão política que é o Sr. Engenheiro Eduardo de Arantes e Oliveira.
E delas é vivíssima nota a transformação que neste momento Braga está a sofrer, onde se trabalha aceleradamente em obras de vulto excepcional, de um volume e importância raras vezes ou, talvez, nunca atingidas na Cidade dos Arcebispos.
É uma cidade nova que nasce, marca indelével da inteligência, do senso político, do espirito de acção e da dedicação pela sua terra do presidente do Município bracarense, a quem o Governo, que nunca nega auxilio e cooperação a todos os que verdadeiramente o servem e à Nação, tem felizmente compreendido.
Não me pertence ir mais longe nas referências e no destaque que devem fazer-se a todos esses grandes melhoramentos a inaugurar em Braga no próximo 28 de Maio. Mas, por circunstancias inerentes a funções que exerço, cumpre-me render homenagem e agradecer a todos quantos tornaram possível esse belo sonho, a caminho da realidade, que é o novo hospital da cidade.
Há cerca de um ano, Sr. Presidente, assisti, na qualidade de representante da Misericórdia de Braga, a uma reunião presidida pelos ilustres Subsecretários de listado da Assistência Social e das Obras Públicas, com o objectivo de se determinar até que ponto as Misericórdias poderiam participar da construção dos hospitais regionais.
O Governo resolvera finalmente - e em boa hora, tenho motivos especiais para dizê-lo - encarar a construção desses hospitais, já que até então a sua atenção se voltara para os hospitais escolares de Lisboa e Porto e para os pequenos hospitais de província, os sub-regionais.
Tem sido, na verdade, excelente a obra dos Ministérios do Interior e das Obras Públicas, através da Comissão de Construções Hospitalares, a cujo director-dele-

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gado, Sr. Engenheiro Maçãs Fernandes, e aos distintos técnicos do serviço quero agradecer, neste momento, a dedicação posta no estudo e elaboração do projecto do hospital regional de Braga.
A Comissão de Construções Hospitalares promoveu desde 1947 as obras necessárias à conveniente instalação hospitalar de 120 concelhos do Pais, compreendendo a construção de 54 novos edifícios e à remodelação maior ou menor ou a ampliação de 107 hospitais já existentes, tudo isso representando um total despendido de 135 000 contos.
Todos nós temos sido testemunhas presenciais, ou através dos relatos dos jornais, de frequentes inaugurações de novos hospitais ou de hospitais remodelados, a que o Governo procura dar justificado relevo com a presença de algum ou de alguns dos seus membros.
E ao falar-se deste aspecto da assistência surge sempre a figura ilustre do Ministro do Interior, Sr. Dr. Joaquim Trigo de Negreiros, a quem se deve a estruturação dos serviços hospitalares no País, sem a qual a obra a que me referi e a que vai continuar com os hospitais regionais não seriam possíveis.
Da reunião antes citada saiu o compromisso da Misericórdia de Braga de participar na construção do seu novo hospital com quantia compatível com as suas disponibilidades financeiras, a qual nunca poderia ser grande, sabendo-se que as despesas ordinárias da instituição excedem 5000 contos, para as quais o Estado concorre com uma pequena parte.
Tive a honra de confirmar o compromisso na sessão desta Assembleia de 2 de Maio seguinte, ao recordar que a Misericórdia festejaria em 1958 os quatrocentos e cinquenta anos da fundação do Hospital de S. Marcos pelo grande arcebispo D. Diogo de Sousa e que era seu desejo, dentro do espírito de que o Governo estava animado, que o edifício pudesse ser inaugurado durante esse ano.
Mais ainda, Sr. Presidente: pensou-se também que melhor padrão de que um grande hospital não poderia haver para assinalar os trinta anos da Revolução Nacional, que o País e Braga, muito especialmente, iriam festejar solenemente em 28 de Maio de 1956.
O que posso dizer, Sr. Presidente, é que tudo quanto se previu, com Deus, se virá a realizar. Em menos de um ano fizeram-se os necessários estudos, elaboraram-se projectos e pôs-se a obra da primeira fase a concurso, que terminará em 3 de Maio próximo, a tempo, portanto, de no dia 28 de Maio os homens eminentes que presidem à Nação assistirem ao inicio dos trabalhos.
E dentro de trinta meses, isto é, antes de terminar o ano de 1958, erguer-se-á em Braga um grande edifício de sete pavimentos - o maior edifício da cidade - para duzentos e cinquenta doentes, que terá custado mais de 6OOO contos, começando então uma outra fase do trabalhos, que abrangerá a remodelação do actual hospital, bela e harmoniosa construção do arquitecto Carlos Amarante, restituído à sua traça primitiva.
Peço licença para, em nome da Misericórdia de Braga e, com certeza, da própria cidade e de toda a região, embora para tal tenha de figurar como gestor de negócios, pois não disponho de mandato formal, render a respeitosa homenagem do devido reconhecimento a S. Ex.ª o Presidente do Conselho, por ter tornado possível tão grande obra de assistência social, homenagem que vai também para SS. Ex.ªs os Ministros das Obras Públicas e do Interior e Subsecretário de Estado da Assistência Social, grandes obreiros da sua realização.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: na sessão de 13 de Março passado prestei neste lugar sincera homenagem à grandeza e à sublimidade do gesto do padre italiano D. Cario Gnocchi, legando as córneas dos seus olhos para serem enxertadas nos olhos de duas crianças cegas, portadoras de leucomas. E esse gesto, pleno de nobreza, exemplo eloquentemente vivo, como manifestação de caridade de alguém que à humanidade deu grande lição de bondade e de amor, ofereceu-me oportunidade de abordar o problema das queratoplastias, de que já me havia ocupado no período legislativo anterior.
Desta tribuna dirigi então sentido apelo ao Governo, e em entrevista concedida dias depois ao Diário de Lisboa, entrevista de que resultou uma manifestação de apoio vinda de todos os cantos do País, apelei também para toda a imprensa portuguesa, pedindo não esquecesse questão de tão grande importância no futuro dos que, sendo cegos por opacidades da córnea, podem, através de uma intervenção cirúrgica, recuperar a visão. E é com a maior satisfação, com o mais vivo entusiasmo, que posso comunicar à Câmara que o Governo, como era de esperar, se ocupa interessadamente do problema, para o resolver dentro de uma legislação que há muito se impunha.
O Sr. Ministro do Interior, cuja obra nos vastos sectores da sua actividade ministerial, e muito especialmente no campo da assistência, ficará como marco inextinguível e brilhante do seu inteligente labor, e o Sr. Subsecretário da Assistência, nosso distinto colega, inteligente, activo e prestigioso colaborador do Sr. Dr. Trigo de Negreiros, que exuberantemente vem demonstrando a sua capacidade governativa, um e outro sempre atentos a tudo quanto represente valorização da saúde do semelhante, trabalham em favor daqueles que possuem indicação clínica para serem queratotomizados. Tudo se congrega para esse fim, motivo para os felicitarmos e nos felicitarmos.
Os pareceres dados pelas entidades competentes, conselhos médico-legais, Sociedade de Oftalmologia, Sociedade das Ciências Médicas e mesmo da Procuradoria-Geral da República, são unânimes em reconhecer a necessidade de dar foro de legalidade às queratotomias.
Sr. Presidente: é, na verdade, nos sinais que atestem com segurança a morte do indivíduo que reside a máxima dificuldade para a realização dos enxertos, enxertos homoplásticos, visto a lei portuguesa não consentir na recolha de fragmentos de um cadáver sem haverem decorrido vinte e quatro horas sobre a morte, e a extracção das córneas, para serem utilizadas com segurança, ter de fazer-se dentro de um período que não poderá ultrapassar seis horas.
Esses sinais que julgamos atestarem seguramente a morte, sem haver necessidade de recorrer à electrocardiografia, desde que a colheita dos materiais se faça num período situado entre cinco e seis horas, são os seguintes: prova de Bouchut, ou auscultatória; sinais de cessação de vida muscular (fácies, atitude, imobilidade, midríase, embaciamento da córnea, etc.); verificação do abaixamento da temperatura rectal; pesquisas dos livores cadavéricos; verificação da rigidez cadavórica; prova de Lecha-Marzo, ou de Sílvio Rebelo; tenatognose angiográfica de Hilário Carvalho, a executar quando no fim de cinco horas e meia se não hajam colhido com toda a evidência os sinais que acabo de enumerar, o que substitui vantajosamente a arteriotomia.
Julgamos não haver motivos para receios ou escrúpulos em seguir as normas indicadas, o que dispensaria a electrocardiografia para confirmação de morte real. Se o tempo for reduzido para menos de seis horas, ou seja, por exemplo, quatro horas, então haverá necessidade de a verificação ser levada a efeito pelo electrocanlio-

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grama, que constitui um método seguro de verificação de morte.
Sr. Presidente: a execução desta verificação e destas intervenções exige a criação dos meios indispensáveis, através dos quais se estabeleçam e realizem as colheitas necessárias, que têm de ser executadas sob a responsabilidade de técnicos especializados.
Julgamos indispensável a criação de serviços especiais, em Lisboa, no Porto e em Coimbra, subordinados a uma direcção central; serviços devidamente apetrechados com pessoal técnico competente, aos quais serão atribuídas as funções de verificação do óbito, sempre realizada por dois ou mais peritos; colheitas das córneas a aproveitar e sua conservação e distribuição, tudo realizado dentro das regras consagradas pela técnica médico-cirúrgica.
Estas actividades só deveriam poder realizar-se em hospitais de categoria, dotados com serviços especiais, como os hospitais escolares, os Hospitais Civis de Lisboa e o Hospital de Santo António do Porto, visto tratar-se de actos da maior responsabilidade.
Sr. Presidente: com as palavras que acabo de proferir, impostas à minha consciência de médico e deputado, encerro estas considerações, louvando, no seu maior merecimento, o Governo pelo vivo interesse ligado ao problema, cuja solução será brevemente facto consumado. E louvarei também a imprensa, que, na sua meritória actividade, demonstrativa da grandeza da sua alta missão, tão dedicadamente vem batalhando em favor dos cegos, bem dignos do nosso amparo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

Requerimento entregue na Meta pelo Sr. Deputado Pinto Barriga e que o Sr. Presidente mandou publicar no Diário das Sessões:

«Nos termos regimentais, tenho a honra de solicitar da Presidência do Conselho informação sobre se os processos respeitantes a antigos funcionários civis e militares, que, tendo requerido em devido tempo, ainda não foram beneficiados pela Lei n.º 2039 e Decreto n.º 38 267, foram objecto ultimamente de novas diligências burocráticas destinadas a averiguar se estão em condições de merecer esse benefício».

O Sr. Presidente:-Está na Mesa, enviada pela Presidência do Conselho, uma proposta de lei sobre a organização geral da Nação em tempo de guerra, a fim de ser submetida à apreciação desta Câmara. Tem já o parecer da Câmara Corporativa e vai baixar às Comissões de Política e Administração Geral e Local e de Defesa Nacional.
Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente:-Vai passar-se à apreciação das Contas Gerais do Estado relativas a 1954. Tem a palavra o Sr. Deputado Dinis da Fonseca.

O Sr. Dinis da Fonseca: - Volto mais uma vez ao assunto das contas públicas e animado dos mesmos propósitos:
a) Mostrar a sua importância para a ordem e solidez da nossa vida financeira e para a correcção e honestidade da nossa administração pública;
b) Colaborar no aperfeiçoamento da sua organização e publicidade;
c) Contribuir para que a sua apreciação, constitucionalmente imposta à Assembleia, se converta numa realidade política, imperiosa e eficiente.
Nas considerações que há dois anos tive ocasião de fazer nesta tribuna procurei demonstrar que a organização das contas públicas constituíra uma verdadeira batalha contra uma tradição de desacerto, atraso e ocultação longamente enraizada nos nossos hábitos.
Por isso a primeira eficiência das contas públicas provém, como se diz no relatório do Decreto com força de lei n.º 15 465, de 14 de Maio de 1928, da sua própria organização e publicidade.

A falta de ordem, de homogeneidade e clareza das contas públicas é um resultado e um inventivo da má administração. E funesta ao crédito público e à produção do País.

Pelo contrário, a ordem e a clareza das cantas, ou seja a sua boa organização, exigem, por si só, boa administração e tornam-se incentivo para a sua realidade.
Por seu turno, a publicidade sujeita a vida administrativa à primeira das fiscalizações, a exercida pela opinião pública, que a mesma Constituição reconhece como «elemento fundamental da política e administração do País».

(Nesta altura assumiu a Presidência o Ex.mo Sr. Francisco Cardoso de Melo Machado).

O primeiro interesse que devem merecer-nos as contas é, pois, o da sua organização quanto possível clara e completa.
Mas, em face das graves dificuldades a vencer para alcançar essa organização, o critério prático que deverá orientar-nos deve ser este: todos os aperfeiçoamentos realizados nas contas devem ser recebidos com aplauso e louvor; e todas as faltas devem ser notadas e apontadas, como exigência de mais e de melhor.
Foi este o critério adoptado pelo voto de conformidade do Tribunal de Contas quanto às contas ultramarinas, que pela primeira vez lhe foram presentes. O douto Tribunal levantou, quanto à organização das primeiras contas do ultramar, dúvidas e faltas sérias, mas apesar disso concedeu-lhe o seu voto de conformidade, baseado nas seguintes razões, que me parece deverem merecer o inteiro aplauso desta Assembleia:

A possibilidade deste facto manifesta que a ordem financeira do ultramar, se ainda susceptível de aperfeiçoamentos, atingiu um estado de orgânica, disciplina e movimento na sua generalidade definitivo no plano da doutrina fundamental que a informa. Decerto este resultado assenta sobre uma muito longa, laboriosa e contraditória experiência anterior.
É certo - continua o mesmo douto Tribunal - que ao relatório de simples verificação não acresce o relatório do Ministro, esclarecedor da orientação político-aministrativa que presidiu à execução orçamental e que transcende o aspecto da estrita legalidade. Mas, se a matéria solicita ainda esclarecimentos, a necessidade destes não se poderia suscitar nem atender sem que esse primeiro passo fosse dado, e o facto de ter sido dado merece se realce o muito mérito da sua iniciativa.

São igualmente de louvar os aperfeiçoamentos introduzidos nas contas públicas da metrópole e o compendioso e elucidativo relatório que as acompanha e pelo qual me apraz felicitar S. Ex.ª o Ministro das Finan-

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ças; mas as responsabilidades deste lugar forçam-me a ser descontentadiço e a desejar também para estas mais e melhor.
Aludi o ano passado à vantagem que podia advir, para melhor exame das contas, do desdobramento das despesas efectuadas por certas verbas globais, que deixam liberdade administrativa discricionária aos respectivos executores. Ganhariam estes em patentear ao País as directrizes ou critérios que nortearam a aplicação dessas verbas e teriam porventura ensejo de mostrar os bons resultados dos critérios seguidos ...
Há, porém, um outro aspecto, mais geral, que se me afigura digno de complemento.
O artigo 1.º do citado Decreto com força de lei n.º 15 465 dispôs que o orçamento compreenderia, além das receitas e despesas do Estado, os elementos necessários à apreciação da situação financeira das autarquias locais e das colónias. Quanto às províncias ultramarinas, a evolução doutrinal transformou os simples mapas sintéticos em verdadeiras contas, que pela primeira vez nos são presentes e que - estamos certos disso - se irão de ano para ano aperfeiçoando cada vez mais.
Mas quanto às autarquias locais?
Mantêm-se os simples mapas sintéticos dos elementos orçamentais previstos em 1928?

Se, no dizer do relatório do Decreto-Lei n.º 27 223, de 21 de Novembro de 1936, que organizou a Conta Geral do Estado, «as contas devem ter a mesma estrutura do orçamento», parece razoável que aos mapas sintéticos respeitantes aos orçamentos das autarquias locais correspondessem também as contas-relatórios que permitam fazer ideia das suas realizações práticas.
A vida das autarquias locais está sujeita a duas inspecções: uma através da Inspecção-Geral de Finanças e outra através da inspecção administrativa do Ministério do Interior; não seria, pois, difícil que na Conta Geral do Estado figurassem ainda os elementos elucidativos do comportamento dessas actividades descentralizadas?
Esses elementos seriam indispensáveis ou, pelo menos, muito convenientes à inteireza do julgamento político-administrativo da Nação que à Assembleia compete fazer.
Se uma boa parte das verbas orçamentais do Estado é aplicada em comparticipação com a actividade financeira e administrativa das autarquias locais, mal se compreende que a apreciação política dessas despesas possa ser feita independentemente do relatório da actividade exercida pelas mesmas autarquias.
Direi mais: só em face do relatório da actividade descentralizada das autarquias fomentada ou comparticipada pelo Orçamento Geral do Estado poderia avaliar-se da justiça distribuitiva exercida pela política do Estado em face das necessidades das várias regiões do País.
A política dos melhoramentos rurais, por exemplo, dificilmente poderá tornar-se objecto de um juízo seguro, independentemente da actividade exercida em conjunção com as autarquias.
O ilustre relator da nossa Comissão de Contas levanta, no preâmbulo do seu relatório, alguns problemas cuja apreciação só poderia fazer-se, a meu ver, em face do relatório das actividades regionais desenvolvidas pelas autarquias locais em conjunção com as previstas no Plano de Fomento.
Diz o ilustre relator que certas opiniões tendem a filiar no equilíbrio orçamental, mantido ininterruptamente desde 1928-1929, o desequilíbrio que se nota na economia nacional e na vida portuguesa.
Por mim creio podermos responder, aberta e concretamente, aos que sentem o fastio do equilíbrio orçamental que sem este equilíbrio o desequilíbrio económico não só se tornaria mais agudo, mas se teria convertido, sob muitos aspectos, em desastrosa situação de ruína.
Assinala ainda o ilustre relator que o equilíbrio orçamental se realiza limitando excessivamente as despesas ordinárias e cobrindo com saldos de receitas ordinárias despesas indevidamente consideradas extraordinárias.
De facto, a análise dos números mostra que nos anos decorridos desde 1938 a 1954 o excesso das receitas ordinárias sobre as despesas da mesma natureza atingiu o avultado montante de 12 milhões de contos!
E estas importâncias foram, na verdade, aplicadas à cobertura de despesas consideradas extraordinárias!
Mas o que se pergunta é se esta estrutura ou técnica orçamental pode ter contribuído para o desequilíbrio económico.
A limitação das despesas ordinárias para poupar receitas dessa natureza e aplicá-las à cobertura de despesas extraordinárias representou, no fundo, a conversão de despesas de consumo em despesas de investimento.
Ora esta conversão só pode ter sido favorável e não desfavorável ao equilíbrio económico, pois visou a fortalecer e melhorar os rendimentos da Nação.
Se a política seguida, em vez de limitação dos gastos, fosse, pelo contrário, de aumento de consumos improdutivos, estes só poderiam ter sido cobertos por uma e três formas:

Deficit orçamental;
Aumento de dívida;
Agravamento de impostos.

Poderia qualquer destas formas contribuir para o equilíbrio económico do País?
O deficit orçamental e o aumento desmesurado da dívida influiriam imediatamente na segurança da moeda e do crédito e, consequentemente, no preço do dinheiro.
A taxa de desconto de 2 e 2,5 por cento passaria para 4, 5 ou mais, e então veríamos o desequilíbrio económico reflectir-se em todas as actividades comerciais e industriais.
Não queremos negar que na economia do País exista um grave desequilíbrio, que se caracteriza a olhos vistos por excessos de riqueza, ao lado de situações de pobreza e de penúria económica incomportáveis.
Mas o erro está em atribuir esse desequilíbrio ao equilíbrio orçamental, quando só este pôde evitar que aquele se tornasse ruinoso ou catastrófico.
O desequilíbrio económico provém de outros factores, entre os quais são acusados dessa responsabilidade os seguintes:
a) Um intervencionismo ou dirigismo económico que se tornou imperfeito ou excessivo, permitindo situações equivalentes a monopólios de facto, sem a menor consideração pelos interesses dos consumidores;
b) Certos feudalismos económicos e financeiros invadiram sectores da administração pública, reclamando protecção abusiva em seu favor, com abandono dos mais fracos e pequenos e do sentido da prosperidade comum, que deve ser o fim de toda a economia política;
c) Certos grupos de interesses constituídos em empresas que mais parecem exploradores do público do que servidores dos interesses comuns;

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - d) Abusa-se das concentrações capitalistas, das quais propositadamente são excluídas, por

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formas capciosas, as pequenas colocações de capitais, e, consequentemente, uma mais equitativa distribuição social dos rendimentos;
c) Se os fracos rendimentos não podem pagar mais impostos, aos grandes não é exigido na proporção em que justamente os podiam e deviam pagar;

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - f) O êxodo rural agrava-se desoladoramente, porque a pequena agricultura não tem encontrado o amparo, a protecção e a assistência suficientes junto dos organismos oficiais;

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - g) As melhorias económicas e sociais que deviam acudir à vida rural não encontraram ainda a suficiência indispensável; nem água potável, nem caminhos, nem telefones, nem luz, nem energia eléctrica indispensável à assistência e transformação necessárias;
h) Enquanto as grandes concessionárias encontrarem junto dos organismos oficiais todas as facilidades e protecções e os interesses do comum todos os embaraços e dificuldades para fazerem valer os seus direitos, continuará a falar-se, com mágoa, da abusiva ligação dessas concessionárias com certos órgãos oficiais e, se estas perigosas ligações não forem atalhadas a tempo, podem chegar à corrupção e desprestígio dos próprios Poderes Públicos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Estes o outros desvios são acusados do desequilíbrio económico e de certa desordem da vida portuguesa e cremos que a sua apreciação desassombrada é um dos imperativos desta Assembleia e o momento próprio o da discussão das contas públicas.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Seja qual for a evolução que as actuais instituições políticas possam vir a sofrer, a existência de uma Assembleia política, eleita desta ou daquela forma, não pode deixar de existir e de lhe ser confiada a apreciação e crítica da gerência administrativa, ou seja a apreciação das contas públicas.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Creio mesmo que para intensificar e valorizar politicamente a fiscalização da vida administrativa, com prejuízo das faculdades legislativas que outrora as Assembleias políticas se arrogaram como primaciais, se encaminham as modernas correntes do mais avançado quadrante político do nosso tempo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Quando falo em quadrante político avançado excluo o totalitarismo colectivista da Rússia, com o seu capitalismo de Estado e a sua tirania irresponsável, como excluirei o capitalismo dos trusts á americana, que, se tenderem a converter os órgãos do Estado em corretores dos seus negócios, podem tornar-se tão perigosos e nocivos à prosperidade nacional e tão opressivos dos direitos da pessoa humana como o totalitarismo colectivista!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas considero quadrante avançado, por exemplo, o trabalhismo britânico.
Li há tempos um pequeno volume contendo as suas perspectivas políticas.
Numa das dissertações condenavam-se abertamente tanto a política individualista do progresso indefinido como a política comunista, que vê no homem novo, colectivizado pela supressão da propriedade individual, o apogeu do progresso e da ventura humana. Para este arauto trabalhista tanto o progresso indefinido profetizado pela ideologia de Rousseau, a partir do bom selvagem, como o paraíso terreal sonhado pelo colectivismo de Marx correspondem a concepções erradas e falsas. Não há -diz o escritor inglês- nenhum progresso moral assegurado no Mundo.
Há só um progresso, que consiste na acumulação de conhecimentos, dos quais o homem pode servir-se para exercer maior domínio sobre a natureza e sobre os outros homens; mas seja qual for a forma política ou a forma de propriedade que se imagine, sempre os homens tenderão a abusar da supremacia política e da exploração do trabalho alheio, se faltar uma consciência social forte que se encarregue de impedir ou corrigir esses abusos; e essa consciência forte não pode ser obra da multidão, mas de um escol que a desperte e fortaleça no meio da massa.
Creio que esta perspectiva política corresponde à melhor doutrina, oposta tanto ao retorno do liberalismo individualista s seus excessos como à aclimatação do totalitarismo colectivista, que nega o valor da pessoa humana e da sua influência correctiva nos abusos e desvios da conduta social.
Por isso, repito, julgo que a inspecção da administração pública será uma das faculdades cometidas a esse escol, a quem competirá a acção fiscalizado rã e detentora duma consciência social forte.
Ao pleitearmos, pois, pela discussão cada vez mais consciente e activa das, contas públicas suponho estarmos no mais seguro caminho do futuro político das nossas instituições, sejam quais forem as vicissitudes que lhes estejam reservadas.
Não quero terminar sem dizer a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que nas falhas ou desvios de que fiz menção nas minhas considerações não há matéria de que V. Ex.ª e o Governo não tenham conhecimento; mas entendi que era o momento de os trazer a esta tribuna para que o País fique sabendo que esses rumores, com que se procura envenenar a opinião pública, não têm a complacência desta Assembleia, como a não têm os homens honestos que presidem à governação pública, e por isso, confiadamente podemos aguardar que encontrarão a emenda ou o justo correctivo que possam reclamar.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Venâncio Deslandes: - Sr. Presidente: uma vez mais se estão discutindo, nesta Casa as contos públicas, acompanhadas, como também è de rotina, pelos circunstanciados e sempre oportunos pareceres da Comissão de Contas, da qual me permito destacar os seus a muitos títulos ilustres relatores, que desde longa data vêm dotando a Assembleia e o País com estes valiosíssimos elementos de apreciação, séria e objectiva, da Administração.
Demonstram as contas, na fria clareza dos números, que a casa portuguesa continua a ser gerida com o rigor e segurança tradicionais do regime, tradição que é legítimo orgulho de uma geração dada inteiramente ao serviço do País e está na base da obra imensa levada a cabo neste quarto de século de resgate.

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Um ano muito económico que passa é mais um degrau subido na longa caminhada empreendida para restauração de Portugal como potência civilizada.
E, assim, se cada um de nós pode porventura lastimar-se de os serviços ou sectores que melhor conhece não terem atingido ainda a perfeição que a nossa insatisfação ambiciona, seria cegueira e má fé não reconhecermos que se ainda não foi possível fazer tudo, o muito que já foi feito é segura garantia de que, na justa medida das nossas reduzidas possibilidades, o que falta venha a completar-se também em ritmo acelerado. Por isso, perante as contas do ano que passou, não são descabidos os melhores louvores a quem conduziu sobre os seus ombros o pesado fardo da Administração e soube, uma vez mais, merecer o reconhecimento e a confiança da Nação.
Militar por profissão, seja-me permitido, na ligeira análise que vou fazer, referir-me particularmente à defesa nacional.
Consta do parecer quo foram despendidos com a defesa nu ano de 1904 quase 2 milhões de coutos, o que importa em quase um terço da despesa geral do Estado.
Esta despesa pode desdobrar-se em cinco grandes parcelas:

a) As despesas, ordinárias e extraordinárias, para manutenção das instituições e organismos militares, no valor do 100 000 contos;

b) As despesas extraordinárias para potenciar estes organismos, tendo em atenção os compromissos militares assumidos, no valor de 386 000 contos;

c) As despesas extraordinárias com forças destacadas no ultramar em consequência da situação no Estado da Índia, somando 166 000 contos;

d) Os aditamentos e subsídios reembolsáveis, nos termos do Decreto-Lei n.º 39 397, quo atingem 13-3 000 contos;

e) E, por fim, as despesas com as classes inactivas, no valor de 178 000 contos.

Quando se fala de despedis da defesa nacional quer-se geralmente referir o que as forças armadas custam ao País, e não tanto as acções militares ou do outra índole que são necessárias para garantir a sua segurança, presente ou futura.
Esta maneira de ver não me parece de todo descabida. Com efeito, não poucas vezes a segurança é obtida por acções concordantes noutros campos que não o militar, cujos dispêndios não vêm. Por isso, influir nas verbas que lhe são próprias, como acções se tomam no campo militar com incidências directas no económico ou no político sem que, visivelmente, a defesa beneficie.

Assim posto o problema verifica-se que só as duas primeiras rubricas, ou sejam l 500 000 contos, números redondos, constituem despesas com os organismos militares, não devendo, portanto, as restantes ser-lhe imputadas.
Analisemo-las:
A despesa com forças destacadas no ultramar por virtude de garantir a integridade do território nacional é, antes de tudo um encargo da Nação: a reacção à ameaça de ser ferida e porventura amputada no seu próprio corpo. Compete aos organismos militares, sem sombra de dúvida, a missão de se aprestar a defendê-la, a dádiva generosa do sangue, se disso for mister; o encargo, esse, deveria ser dividido por Iodos, num contributo adicional, para que ao menos, embora em fraca medida, cada português sentisse que estava a
fazer alguma coisa de útil por esse quinhão da nossa, terra.

Os adiantamentos u subsídios entram no domínio do económico porque são reembolsáveis, só representam despesa sob o ponto de vista contabilístico, pois a seu tempo serão compensados por receita.

Quanto às despesa com as classes inactivas, já incluídas nus encargos gerais da Nação, são o contributo de previdência com que o patrão - Estado concorre, como qualquer outro patrão da filosofia corporativa, para assegurar a reforma e a pensão dos seus servidores. Aceitando-a como verdadeira, a percentagem de despesas militares, que se teria aproximado dos 30 por cento (29,4 concretamente), vem rondar os 20 por cento (32,2).
Mas, na verdade, estes valores absolutos, por maiores que sejam, pouco dizem quando isolados. E necessário buscar um termo de comparação para lhes encontrar significado.
Sob o aspecto militar, a conjuntura que vivemos encontrará o seu paralelo no ano de 1938. tendo em conta que os compromissos internacionais imperativos do hoje podem ter equivalência no apetrechamento em que as forcas aniladas se empenhavam nosso ano.

Foram as seguintes as despesas militares em 1938:

Milhares de contos

Exército ............. 336
Marinha .............. 178
Defesa e segurança ... 172
Total ................ 686

Esta despesa corresponde a 29.8 por cento da despesa geral do ano (2 298 000 contos).

Se para garantirmos o paralelismo eliminarmos em 1954 as despesas com as forças destacadas no ultramar e os adiantamentos e subsídios referidos, que então não existiam, a percentagem que se obtém não chega a 25 por cento (24,9 por cento). Incluiram-se num e noutro caso as despesas com as classes inactivas na impossibilidade de as eliminar em 1938.
Faculta-nos o parecer uma comparação interessante, permitindo-nos com base no índice dos preços, transpor a verba dos dois anos considerados quer para escudos de 1938. quer para escudos de 1904, quer mesmo para escudos de 1948, como aliás, ali se faz com as receitas e despesas gerais.
Em escudos de 1954 (índice de 1937) a despesa com os organismos militares em 1938 (680 000 contos) subiria à l 910 000 contos e como a despesa de 1954 só eifria em 1 665 000 contos, verifica-se quo houve neste ano uma diferença, para menos, da ordem dos 245 001 contos.
É legítimo, portanto, pôr-se a dúvida: havia excesso nu primeiro daqueles anos ou falta no segundo?
Constatemos, entretanto, quo os organismos de defesa existentes em 1938 eram i» exército e a Marinha e em 1954 a Defesa Nacional, que inclui a defesa civil, o Exército, a Marinha e as forças aéreas.

As contas públicas não estão organizadas para facultarem, pela simples leitura dos números, uma apreciação sobre o grau do eficiência alcançado pelos diversos componentes militares; no entanto, a diferença encontrada o acréscimo de organismos beneficiando da verba global fazem crer que talvez exista, na verdade, um desequilíbrio entre as necessidades e as disponibilidades oferecidas.

As verba despendidas são sem dúvida, muito importantes e representam enorme esforço e sacrifício da Nação, se pensarmos no tanto que há a fazer para

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melhorar as condições de vida do povo português, apesar (e nunca será demais repeti-lo) do imenso caminho já percorrido na prodigiosa obra da revolução. Admite-se perfeitamente que a economia de um país não possa suportar o quantitativo de forças que a técnica militar considere necessário, tendo em conta os ambientes político e geográfico que enquadram os territórios a defender. É função da política suprir esta deficiência, jogando com os factores comuns a outras potências igualmente interessadas nos possíveis teatros de guerra, compensando assim por acordos e auxílios exteriores o que não pode garantir por si mesma. Incorre, porém, em gravíssima responsabilidade quem julgar que se pode simplificar a orgânica das forças e reduzir as suas dotações. Onde se procura uma economia pratica-se um desperdício, porque, em vez de se forjar uma máquina apta para a luta, cria-se apenas uma outra que só parece sê-lo em tempo de paz, batida de antemão ao menor sopro da batalha.
Tem, portanto, de admitir-se na defesa um compromisso entre o que a economia pode suportar e o quantitativo de forças a constituir, mas nunca será de considerar que esse compromisso possa existir em prejuízo do valor real para a guerra que as forças tidas como mínimas devem representar.
Isto sob o ponto de vista teórico, abstracto. Como disse, as contas não facultam elementos com que se possa abordar problema de tal delicadeza e gravidade, apenas suscitado pela disparidade notada.
Há cerca de vinte anos desenvolveu o País uma real acção de potenciação das suas forças armadas, despendendo, em particular, importantes verbas na substituição de velhos armamentos e na aquisição de outros ao tempo inexistentes. A par deste esforço financeiro uma diferente estrutura foi criada com base numa série de documentos notáveis, constituindo toda uma orgânica nova.
Acredito firmemente que sem esse arranque em boa hora levado a efeito não teria sido possível tomarem--se os dispositivos adequados que a defesa da soberania impôs no decorrer do último conflito. Penso que essa acção foi uma das pedras basilares de garantia da neutralidade, em concorrência com a genial direcção da política exterior. Julgo que vivemos hoje um período que implica idêntica viragem na nossa história militar. Para novos objectivos, novas fórmulas.
A dúvida que o jogo dos números em mim fez nascer terá uma razão de ser, um fundo de verdade. Porém, para que se possa concretizá-la em condições de tal clareza que o País compreenda novas necessidades e aã aceite creio ser indispensável que se faça primeiro uma grande revisão, eliminando o que passou a ser supérfluo ou foi ultrapassado, contraindo u que em órgãos, comandos e serviços a interdependência cada vez maior das três armas na batalha moderna permitir, para enfim se poder dotar, sem riqueza mas sem faltas, o que for considerado como estritamente essencial.
Sr. Presidente: há um argumento que contraria a dúvida que pus e que não quero fugir a enfrentar: o da existência de saldos relativamente importantes nas verbas com que foram dotados os organismos da defesa. Se compararmos as dotações orçamentais e as verbas despendidas nos corpos de oficiais do quadro permanente dos diversos departamentos militares, verificamos saldos com as seguintes ordens de grandeza:

Percentagens

No Exército........... 10
Na Marinha ........... 7,5
Nas forças aéreas..... 29

Estes saldos em verbas destinadas ao pagamento dos oficiais dos quadros aprovados por lei traduzem-se, como não podia deixar de ser, em deficiências no preenchimento desses quadros. A situação é, porém, bastante pior do que a que os números apresentam, em especial se nos reportarmos aos oficiais combatentes. De facto, nas forças aéreas a carência de oficiais pilotos do quadro permanente é de cerca de 35 por cento, embora esse quadro seja tão exíguo que nos próprios efectivos orgânicos de tempo de paz das unidades de caça, estabelecidos a um piloto por avião, se inclui estranhamente 34 por cento de pessoal do quadro de complemento. No Exército a situação afigura-se mesmo como calamitosa, subindo a muitas centenas as vagas existentes, o que o saldo não indica, por a deficiência ser em larga parte suprida mantendo nas fileiras oficiais de complemento.
Este estado de coisas há-de ter, como é lógico, uma razão e esta creio bem poder filiá-la na falta de condições de atracção da carreira das armas.
A carreira militar não é e um modo de vidas como outro qualquer, jutas o exercício duma função como nenhuma outra na sociedade ou no Estado. Certamente se vive dela, como têm de viver da sua actividade todos os que não criam directamente riqueza: mas o interesse, como princípio dominante, mas o espírito de lucro ou de enriquecimento indefinido que encontramos, e com legitimidade, nas profissões privadas, deve andar longe da função militar. Não se trata de ganhar a vida, mas de desempenhar altas missões sociais.
Esta definição da função militar, de limpidez e claridade singulares, proferiu-a o mais alto expoente do pensamento português contemporâneo e se as trouxe neste momento para aqui foi apenas para que o elevado conceito que encerra não se aparte do meu espírito nas considerações que vou fazer.
A carreira militar não é um modo de vida como qualquer outro, mas o exercício de uma função como nenhuma outra.
Implica a posse de altas virtudes: o sentimento do dever, o amor da responsabilidade, a coragem moral, o respeito pela verdade, a necessidade de justiça, o desejo de servir, a fé nos altos princípios que informam a vida. Não é militar quem apenas veste uma farda, mas o que sente a necessidade permanente de a honrar.
A carreira militar é diferente de qualquer outra: a vida é mais intensamente vivida, mais esgotante. Não tem horas: o serviço pode ocupar as vinte e quatro horas do dia. Não é estável: exerce-se onde é preciso servir. Não é cómoda: é permanente movimento, toda acção, sacrifício, arrojo.

O oficial é um condutor de homens, um chefe, desde os mais baixos postos. Exige-se que tenha o raciocínio claro e a decisão rápida; capacidade na concepção e firmeza ao realizar ; que saiba definir um rumo e tenha perseverança e energia para o seguir; que seja o primeiro a enfrentar a dificuldade e o último a beneficiar do repouso.

Estas virtudes e qualidades não são exclusivo do militar; mas se nas outras actividades se pode prescindir delas, em maior ou menor grau, porque não as condicionam, são atributos essenciais da função militar.
Mas o oficial tem de viver da sua actividade, porque não cria directamente riqueza. Viver como? Sem ostentação, sem luxo, sem gastos supérfluos, mas com o dignidade que a alta missão social que exerce lhe impõe.

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Esta dignidade implica suficiência, isto é, a possibilidade de poder garantir uma vida material saudável à família que deve constituir quaisquer que sejam as dimensões que ela venha a tomar, onde encontre um clima moral de paz e segurança, única garantia de se poder dedicar inteiramente à sua absorvente missão sem ter de se distrair por outras actividades, por vezes, se não impróprias, pelo menos de nível inferior a sua categoria.
Nesta época que vivemos, materialista pela força das circunstâncias, as carreiras escolhem-se menos por vocação do que pelas perspectivas que oferecem.
Quem se habituou a servir, apenas por servir, em longos anus de dedicação e de amor profissional, queixa-se, lastima-se das dificuldades da vida, mas vai fazendo por cumprir a sua missão por entre os maiores sacrifícios. Como exigir, porém, que os jovens que têm de escolher e se sentem com qualidades de vencer (e são esses que têm qualidades que era essencial que servissem as forças armadas) optem por uma vida que se apresenta eriçada de dificuldades materiais e diferente das outras, por ser mais exigente e despótica?
Não se trata de interesse, como princípio dominante, espírito de lucro ou de enriquecimento indefinido. O militar não é desmedidamente ambicioso. Ninguém acredita que em 1938 o oficial tivesse um vencimento exagerado; estou mesmo certo, de que um pai de vários filhos não teria então uma vida desafogada.
No entanto, se aplicarmos aos vencimentos desta época o índice dos preços de que atrás me servi ver-se-á a extensão dos sacrifícios agora exigidos.
Estou, por isso, firmemente convencido de que para se resolver o problema de recrutamento, que se contém nas deficiências apontadas, é condição necessária melhorar substancialmente, por gratificações apropriadas e por outras facilidades realizáveis, a situação material dos militares profissionais.
É condição necessária, mas não é suficiente.
Duma forma geral a vida do oficial é uma vida sem estímulo, onde raro é possível distinguir o mais apto e fazê-lo beneficiar do seu maior valor. Salvo raras excepções, algumas de puro acaso, é só no sopé da vida que se pude vislumbrar o topo da carreira militar. A pirâmide dos quadros tem necessariamente de ter uma grande base, porque a execução envolve grandes efectivos, enquanto o planeamento é já obra de poucos e a direcção de um só.
A experiência dos anos, quando bem aproveitados, a cultura e o estudo dos problemas, o ambiente sucessivamente mais lato a que a hierarquia conduz estão intimamente relacionados com a formação dos altos chefes militares e nada faz prever que se possa um dia voltar aos jovens marechais do tempo do Império.
Para que haja estímulo é, porém, indispensável que sejam os mais aptos que progridam, e progridam rapidamente, na medida em que a formação que os chefes devem possuir e as provas de comando que devem prestar o permitam. Este princípio, se se afigura evidente para maior eficiência das forças armadas, julga-se que terá reflexos não menos importantes na atracção que a carreira das armas deve e tem de exercer na juventude de hoje, cuja preocupação dominante é a luta pela vida.
Para que os serviços funcionem é preciso existir quem os active.
Por isso, os saldos existentes nas verbas de pessoal se reflectem imediatamente nas verbas com que aqueles são dotados. Portanto, assim interpretados, os saldos que apontei não têm o significado que se lhes poderia atribuir.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: num país como o nosso todos os problemas são graves, suspensos, como andamos sempre, da gota de água a mais ou a menos que nos caia do céu.
O assunto que acabo de apresentar à vossa esclarecida ponderação é de solução na verdade complexa. quando confrontado com o condicionalismo das nossas possibilidades.
Parece-me, porém, que quanto maior é a modéstia mais necessário se torna não cair na mediocridade.
Se os problemas são graves e complexos, os homens excepcionais que a Providência colocou nos mais elevados postos da Administração têm altura para os enfrentar e resolver. Pô-los com clareza e com verdade é, por isso, manifestar-lhes a nossa confiança inquebrantável.
Não queria terminar sem ainda referir dois pontos mais.
Um aparecimento do primeiro parecer sobre as Coutas Gerais do Ultramar. Se o ilustre Deputado que o subscreve fosse uma figura desconhecida creio bem que a obra apresentada firmaria, por si só, o seu valor. Assim, é apenas mais um motivo para merecer a nossa admiração e respeito pelas suas altíssimas qualidades.
Refere-se este parecer às despesas militares no ultramar, que totalizam 217 000 contos e representam apenas 6,5 por cento da sua despesa ordinária (3 289 000). Na falta de dados anteriores para comparação, pondo apenas os números actuais em confronto com a extensão e dispersão dos territórios a que se referem, verifica-se que em nada alteram as considerações atrás produzidas. Antes pelo contrário.
O segundo ponto diz respeito à orientação que o ilustre colega e distinto profissional que no ano passado analisou as contas militares nesta Assembleia deu a sua intervenção para sistematizar as diversas origens de despesa. Rendendo a minha homenagem à clareza e utilidade do método, não quis eximir-me a trabalho semelhante, seguro de que, quando se puder dispor destes dados referentes a alguns anos sucessivos, muito interessantes conclusões deles poderão ser tiradas. Peço por isso. a V. Ex.ª, Sr. Presidente, para os fazer publicar no Diário das Sessões.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

Reassumiu a presidência o Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.

O Sr. Vaz Monteiro : - Sr. Presidente : pela primeira vez, em obediência ao artigo 171.º da Constituição Política, as contas anuais das províncias ultramarinas serão tomadas pela Assembleia Nacional nos termos do n.º 3.º do artigo 91.º
É certo, Sr. Presidente, que anualmente eu tenho apresentado desta tribuna o resultado das contas de exercício das oito províncias ultramarinas e feito a sua análise, embora desvaliosa ou sem o merecimento que deveria ter. Elaborei trabalhos de harmonia com as minhas possibilidades o que apenas tiveram por mérito a vontade em esclarecer a Assembleia Nacional e prestar colaboração leal ao Governo.
Mas neste ano é a primeira vez que a Assembleia Nacional dispõe do relatório e declaração geral do julgamento feito pelo Tribunal de Contas, do exaustivo e esclarecedor parecer da nossa Comissão das Contas Públicas, de que foi relator o nosso ilustre colega Sr. Eng. Araújo Correia, e ainda do elucidativo relatório de verificação das contas ultramarinas, que foi elaborado pelo director-geral de Fazenda do Ultramar.

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É sobre estes três importantes documentos que começarei por apresentar as minhas considerações ao pretender apreciar, segundo a minha maneira de ver, as contas anuais das províncias ultramarinas relativas ao ano económico de 1954.
Antes, porém, desejo manifestar a minha enorme satisfação por se ter alcançado esta meta na administração pública do País.
Cabe ao nosso ilustre colega Sr. Eng. Araújo Correia grande parte na obtenção deste bem, pela insistência que sempre desenvolveu neste sentido, e por isso mesmo, daqui lhe dirijo as minhas homenagens.
Apresento felicitações ao Sr. Ministro do Ultramar, Prof. Dr. Raul Jorge Rodrigues Ventura, por só ter alcançado esta vitória para as províncias ultramarinas e para o País sob a sua superior orientação.
E do alto desta tribuna me dirijo ao ultramar com o coração a vibrar de intenso patriotismo e verdadeiro amor pelas províncias que prolongam a Nação por outros continentes, para lhe enviar felicitações pelo acontecimento, manifestar o nosso interesse pelo seu crescente progresso e dizer que muito nos desvanece reconhecer o seu acrisolado patriotismo, sempre revelado em todas as circunstâncias, o que faz erguer cada vez mais o nome de Portugal perante o Mundo inteiro.
Sr. Presidente: vou então referir-me aos documentos que mencionei e servem de base à nossa apreciação crítica sobre as contas ultramarinas.
Foi-nos distribuído, por amável deferência de V. Ex.ª, Sr. Presidente, o que registo com o meu agradecimento, o relatório e declaração geral do Tribunal de Contas sobre as contas ultramarinas de execução orçamental do ano económico de 1954, que foi publicado a p. 1956 do Diário do Governo, 2.ª série, de 27 de Março deste ano.
Ao ler este relatório e declaração geral vê-se claramente que aquele alto Tribunal, a que preside com elevada e invulgar competência o nosso ilustre colega o antigo Ministro das Finanças Sr. Doutor Águedo de Oliveira, deseja e se vai esforçar para de futuro obter mais elementos que lhe permitam julgar as contas quanto à legalidade das despesas, ordenando a anotação sistemática da legislação das províncias ultramarinas que interesse à execução orçamental.
Esta atitude do Tribunal de contas é de louvar inteiramente e vem dizer-nos pela palavra do seu ilustre relator e antigo governador-geral de Angola, Sr. Dr. Marques Mano, que aquele Tribunal não se quer limitar à simples declaração de que as contas do ultramar foram prestadas, embora a sua resolução acarrete maior soma de trabalho.
Presto tributo do meu aplauso a esta iniciativa do Tribunal de Contas.
Sr. Presidente: não há dúvida de que o Tribunal se viu em presença de oito contas distintas de oito administrações financeiras autónomas e, portanto, tendo de contar em oito responsáveis. É como muito bem se diz no douto relatório e declaração geral do Tribunal de Contas: «Não há uma conta geral do ultramar, mas oito contas provinciais de execução orçamental».
Assim é que todos nós devemos compreender e interpretar ao formar o nosso juízo crítico sobre a apreciação das contas ultramarinas.
Permito-me, porém, fazer uma sugestão que me surgiu ao ler aquele douto relatório do Tribunal de Coutas quando preconiza a elaboração de um relatório do Ministro do Ultramar correspondente ao relatório do Ministro das Finanças sobre a Conta Geral do Estado, esclarecedor do critério político-administrativo que dirigiu a execução orçamental durante o ano económico.
Se no alto critério do Tribunal de Contas se entende que deveria ser elaborado aquele relatório do Ministro do Ultramar, como responsável superior pelo cumprimento do critério político-administrativo que se deveria ter seguido em cada província ultramarina na execução do seu orçamento, e o Governo também assim o entender, tomo a liberdade de apresentar um alvitre, que justifico com os seguintes comentários.
Se cada conta foi elaborada pela respectiva Direcção dos Serviços de Fazenda e o seu director lhe juntou o seu relatório, como está determinado, e que muito vem auxiliar o exame da conta, certamente que no Ministério do Ultramar, onde, nos termos constitucionais, terão de ser verificadas e relatadas as oito coutas, dever-se-ia juntar também o relatório de verificação elaborado pulo director-geral de Fazenda do Ultramar.
Foi exactamente, o que aconteceu, e é o próprio Tribunal de Contas que nu seu douto relatório considera justamente merecedor de realce e muito mérito a louvável iniciativa do director-geral ao elaborar o seu precioso relatório verificador das contas das oito províncias ultramarinas.
Se agora justificadamente se preconiza a apresentação do relatório do Ministro do Ultramar, à semelhança do que é anualmente elaborado e apresentado pelo Ministro das Finanças, então alvitro, como indispensável, que as contas venham das províncias ultramarinas acompanhadas, além do relatório dos respectivos directores de Fazenda, do relatório do governador a esclarecer como cumpriu o critério político-administrativo estabelecido na execução que deu ao orçamento da província que lhe está confiada.
E na posse de todos estes elementos de apreciação - contas e relatórios dos directores de Fazenda, dos governadores das províncias e do director-geral de Fazenda - já o Ministro do Ultramar »c encontrará perfeitamente habilitado a elaborar o seu relatório de crítica apreciação à política de administração financeira de cada governador.
Este é o meu alvitre.
Devo ainda esclarecer que a falta do relatório de cada governador de província já a tenho sentido todas as vezes que me proponho examinar com atenção a couta de exercício de cada província ultramarina.
Se o meu alvitre fosse aceite, Sr. Presidente, se houvesse o relatório anual do governador a acompanhar a conta, no esclarecimento do critério politico-administrativo seguido ao dar execução ao orçamento, o País ficaria assim no conhecimento mais perfeito do nosso ultramar, do seu valor, do seu progresso e da maneira como lá se tem exercido a nossa política e a nossa administração financeira.
E as vantagens do relatório do Sr. Ministro do Ultramar será desnecessário encarecê-las.
Estas são algumas das considerações que me foram sugeridas pela leitura do douto relatório e declaração geral do julgamento feito às contas do ultramar pelo Tribunal de Contas.
Como todos sabem, neste importante documento acordam os Srs. Juizes Conselheiros do Tribunal de contas em dar a sua declaração de conformidade às contas de execução orçamental das nossas oito províncias ultramarinas.
Sr. Presidente: cabe-me agora ligeira referência a outro documento da maior importância sobre a análise das contas ultramarinas que estão a ser tomadas pela Assembleia Nacional. Refiro-me ao relatório do director-geral de Fazenda do Ultramar, que termina por nos dizer: «De uma maneira geral, as contas estão bem elaboradas e os resultados delas constantes estão em conformidade com os elementos que as instruem».
Tenhamos, pois, a certeza de que as coutas foram verificadas e estão certas.

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Mas, antes de mais, desejo frisar o interesse do Ministério do Ultramar em dar satisfação às sugestões aqui apresentadas no sentido de melhorar a apresentação das contas quanto aos prazos, à sua uniformização e outros aspectos dignos de reparo.
É curioso notar que neste esclarecedor relatório se; traduz o brio característico dos funcionários do quadro de Fazenda do ultramar quando o seu director-geral nos pede sugestões e a todas as entidades que tenham do apreciar as contas ultramarinas.
Registo esta atitude, demonstrativa do zelo pelo serviço.
O relatório é tão importante que teve a honra de ser publicado no suplemento do Diário das Sessões n.º 103, de 26 de Novembro de 1933. Nele se vê, em parte, a evolução do regime das contas ultramarinas até ao estatuído no artigo 91.º, n.º 3.º, da Constituição Política e ao n.º III da base LXIV da Lei Orgânica do Ultramar; a desactualização das normas de contabilidade das províncias, ultramarinas, as quais ainda se regulam por disposições contidas nos regulamentos de 4 de Janeiro de 1870, de 31 de Agosto de 1881 e de 3 de Outubro de 1901, se bem que o Decreto n.º 17 881, de 11 de Janeiro de 1930, desse extraordinário impulso à ordem e disciplina do orçamento e das contas do ultramar; a actuação do Ministério do Ultramar para dar cumprimento ao disposto no artigo 91.º da Constituição Política, e no n.º III da base LXIV da Lei Orgânica do Ultramar, publicando o Decreto n.º 39 738, de 23 de Julho de 1954, particularmente destinado à fixação do encerramento das contas das províncias ultramarinas e à sua remessa ao Ministério do Ultramar; as diferenças técnicas actualmente existentes nos sistemas de administração financeira e contabilidade pública seguidos no ultramar e na metrópole quanto a prazos, a contas de gerência e de exercício, abertura e anulação de créditos, sua revalidação, aproveitamento de saldos das contas, integração no orçamento e nas contam das receitas e despesas dos serviços autónomos, etc.
De tudo isto nos elucida aquele relatório do director-geral de Fazenda do Ultramar, para melhor se poderem interpretar as contas das províncias ultramarinas submetidas à nossa apreciação.
Convém sempre indagar, através das receitas previstas, autorizadas, cobradas e realizadas e das despesas autorizadas e pagas, se houve a cautela devida na previsão das receitas e se as despesas variáveis foram contraídas e pagas com a economia imposta pelo equilíbrio financeiro.
Para isso teremos também de comparar os ornamentos do ano económico de 1954 das províncias ultramarinas com o resultado das respectivas coutas do exercício.
Essa comparação, perfeitamente esclarecedora e elucidativa, faz parte do mencionado relatório que acompanhou as contas.
Por essa discriminação das receitas e despesas só observa que no ultramar e durante o exercício do ano económico de 1954 foram cumpridos os preceitos fundamentais do Estado Novo que vêm regendo a sua administração financeira: as receitas ordinárias previstas nos orçamentos foram calculadas com a margem de segurança estabelecida nas regras da previsão e houve realmente parcimónia nos gastos tanto nas despesas ordinárias como nas extraordinárias.
Sr. Presidente: para apresentar à Assembleia o valor financeiro das oito províncias ultramarinas e o resultado das suas contas de exercício no ano de 1954. que pela primeira vez são tomadas pela Assembleia Nacional, elaborei o seguinte mapa com os elementos extraídos das respectivas contas:

[ver tabela na imagem]

(a) Abatendo a este saldo, não disponível, a importância de 37:424.817$ relativa aos créditos revalidados e transferidos, o saldo disponível de S. Tomé e Príncipe é de 19:652.983$14.
b) Diminuindo-lhe o saldo revalidado de 293:610.080$78, fica o saldo disponível da conta de Angola na importância de 310:476.066$51.
c) Este saldo em rupias corresponde a 27:022.079$91.
d) O saldo de Macau, em patacas, corresponde em escudos, ao acréscimo de 5$50, a 3:720.667$66.
e) Retirando o saldo do Plano de Fomento- $ 131.479,69-, o saldo da conta de Timor fica reduzido a $ 789.058,6, que em escudos, no câmbio de 6$25 corresponde a 1:931.616$23.

Neste mapa vê-se rapidamente quais fórum as possibilidades financeiras de cada província ultramarina no ano económico de 1954, pelas receitas cobradas, quer de natureza ordinária, quer extraordinária. E destaquei as receitas pela sua natureza, porque ao apreciar as contas públicas só há vantagem no conhecimento dos dois montantes das receitas, que têm origem e aplicação diversas.
Pelo montante, das receitas ordinárias fica-se com uma ideia geral do valor das fontes tributárias de cada província ultramarina e dos seus, gastos normais.
Desde que se apresentem num mapa de conjunto, torna-se mais fácil apreciar o poder financeiro de cada província ultramarina, pela comparação com as restantes províncias.
Podemos, porém, cair em erro, se não obtivermos precavidos, no pretendermos considerar os montantes das receitas ordinárias das províncias de Moçambique e de Angola.
Na leitura do mapa vê-se que a província de Moçambique apresenta o montante de 2 068 000 contos de receitas ordinárias, ao passo que a província de Angola figura apenas com , 1 318 000 contos de receitas da mesma natureza, quando de todos nós é sabido que o montante das receitas ordinárias de Angola se não distancia muito do de Moçambique.
A razão de tão grande diferença entre os montantes das receitas ordinárias nas duas províncias ultramarinas reside no seguinte facto de natureza técnica, isto é, no modo diferente de organizar a conta de exercício: na conta geral de Moçambique estão incluídas receitas dos serviços autónomos, o que dá em resultado aumentar o volume das receitas ordinárias da província; enquanto que na conta de Angola não se encontram incorporadas as receitas daqueles serviços. É nesta diferença de técnica de contabilização que reside o exagero que se nota na diferença existente entre os volumes das receitas ordinários nas duas grandes províncias ultramarinas do continente africano.

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Quem se der ao cuidado de examinar a conta de exercício de Moçambique relativa ao ano económico de 1904 verificará que nela se encontram incorporadas as receitas dos serviços autónomos, na importância de 915:034.999$68, e portanto às receitas ordinárias de Moçambique dever-se-á abater esta importância se, relativamente ao ano de 1954, quisermos estabelecer comparação com as restantes províncias ultramarinas.
Já no ano passado, na sessão realizada em 27 de Abril, quando no uso da palavra sobre o debate acerca das Contas Gerais do Estado, tive oportunidade de apontar este facto verificado na conta do exercício de 1953 da província de Moçambique.
Hoje volto a insistir no mesmo assunto, verificado novamente na conta de 1954, para mostrar a necessidade que há de uniformizar a elaboração das contas em todas as províncias ultramarinas.
Sr. Presidente: vou passar a referir-me agora ao terceiro documento que nos foi apresentado pela nossa Comissão de Contas Públicas. Este é o documento mais substancial pelo volume de elementos colhidos, pelas críticas e ideias expostas e pelas conclusões que encerra para nosso estudo e ponderação ao serem tomadas as contas dos territórios ultramarinos.
É um volumoso livro, que tem despertado interesse nos meios ultramarinos, atendendo aos pedidos, de requisições que têm sido feitos.
A nossa atenção terá de incidir especialmente sobre as seis conclusões do parecer que são submetidas à nossa apreciação.
Precisamos de meditar sobre estas conclusões para formarmos o nosso juízo depois da leitura do parecer. Vou prestar alguns esclarecimentos nesse sentido.
Na primeira conclusão indica-se que seria vantajoso uniformizar a apresentação das contas das províncias ultramarinas nos moldes das da metrópole. E, para tanto, poder-se-ia nomear uma comissão de representantes dos serviços da Direcção-Geral da Contabilidade Pública e da Direcção-Geral de Fazenda do Ultramar.
Como esclarecimento a esta conclusão, direi que realmente a técnica das contas ultramarinas diverge da técnica seguida nas contas da metrópole, assim como a maneira de contabilizar as despesas públicas no ultramar é diferente da maneira seguida na contabilidade pública da metrópole. Disto nos esclarece perfeitamente o relatório do director-geral.
No ultramar ainda se organizam anualmente duas contas: a de gerência e a de exercício. Estas duas contas também existiram na metrópole antes do Decreto n.º 18 381, de 34 de Maio de 1930.
No ultramar o ano financeiro coincide com a da metrópole, indo de Janeiro a Dezembro; mas o período complementar do exercício vai na metrópole até 14 de Fevereiro do ano seguinte, ao passo que no ultramar vai até 31 de Março. Na metrópole prolonga-se por quarenta e cinco dias; no ultramar prolonga-se por noventa dias.
A conta da metrópole encerra-se no final do período complementar, em 14 de Fevereiro; as contas das províncias ultramarinas encerram-se em 31 de Dezembro.
Daqui resulta o seguinte: as despesas da metrópole efectivadas durante o período complementar são datadas de 31 de Dezembro e descritas na conta do ano u que realmente pertencem; as despesas do ultramar realizadas no período complementar do exercício só aparecem descritas na conta do ano seguinte.
Isto basta para esclarecer a Assembleia Nacional da vantagem que há em adaptar as contas das províncias ultramarinas aos moldes usados na conta da metrópole, conforme se alvitra na primeira conclusão do parecer da nossa Comissão de Contas Públicas.
Na segunda conclusão do parecer avisam-se as províncias ultramarinas de que é sempre delicado adoptar ou alterar novos regimes ou providências tributárias em países novos; e, quando o grau de desenvolvimento de algum território implicar a necessidade de estudo contínuo das receitas e sua justa repartição, não devem ser feridos os investimentos essenciais a novas empresas e indispensáveis nas zonas em formação.
Isto, creio eu, quererá dizer que o facto de tributar os contribuintes é assunto tão sério que obriga a duas condições: não alterar os regimes tributários estabelecidos e não ferir os investimentos. Será assim, se bem interpreto o pensamento da nossa Comissão de Contas e do ilustre relator do parecer, ao ser-nos apresentada esta segunda conclusão.
Procurando através do extenso parecer de 377 páginas onde haveria algum regime tributário de excepção, ou fora do âmbito dos regimes tributários estabelecidos, encontra-se efectivamente um regime novo de tributar os contribuintes na província ultramarina de S. Tomé e Príncipe. O parecer faz-lhe referência a p. 115. Na verdade, é a única província ultramarina onde há o Conselho Regulador do Comércio, como meio de obter recursos financeiros.
Criaram-se taxas tão elevadas que em 1954 este organismo de S. Tomé e Príncipe conseguiu obter dos contribuintes a importância de 2818 contos.
Podemos percorrer todas as contas das oito províncias ultramarinas e verificaremos que só em S. Tomé se regista este facto: o Conselho Regulador do Comércio a funcionar, contra todos os princípios da tributação, como órgão destinado à obtenção de receitas.
É, pois, contra a desvirtuada função de serviço de se criarem novos regimes ou providências tributárias, como o exemplo apontado, que a nossa Comissão de Contas Públicas procura reagir e chamar a atenção da Assembleia. E o caso ainda é mais flagrante porque também vai ferir os investimentos indispensáveis à província, como mais adiante terei oportunidade de esclarecer.
Devo, porém, informar que era tão gritante a função do Conselho Regulador do Comércio da província ultramarina de S. Tomé e Príncipe que o Governo houve por bem mandar publicar o Decreto n.º 40 144, de 26 de Abril de 1955, que inseriu disposições de carácter legislativo tendentes a dar àquele Conselho exclusivamente a função de órgão disciplinador e de fiscalização do comércio da província.
Fica assim saneado em 1955 o mal a que o nosso ilustre relator das contas faz referência.
Porém, Sr. Presidente, por um lado, aquele Decreto n.º 40 144 saneou o mal apontado, extinguindo as taxas e outras imposições cobradas pelo Conselho Regulador do Comércio, mas, por outro lado, para não diminuir as receitas do Conselho Regulador, aumentou as taxas da contribuição predial rústica por quilograma de cacau, café, oleaginosas e outros produtos agrícolas exportados.
Sr. Presidente: na terceira conclusão do parecer da nossa Comissão de Contas diz-se haver vantagem em rever cuidadosamente os diversos capítulos que formam as despesas ordinárias e extraordinárias, de modo a poder-se determinar mais facilmente o custo de cada serviço e de cada obra.
Para se alcançar esta finalidade diz-se na terceira conclusão que se deverão transferir despesas de um para outro capítulo.
Sr. Presidente: é inteiramente justo e razoável o que nesta conclusão se contém.
Poderemos fazer ideia da grande importância de que se reveste esta conclusão do parecer se nos dermos ao cuidado de ler, neste extenso documento, o capítulo

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«Encargos gerais» relativo a cada província ultramarina.
A p. 94 do parecer mostra-se que os encargos gerais representam cerca de 31 por cento das despesas ordinárias da província da Guiné. Em 1953 atingiram 35 por cento. Em 1954 importaram em 28 383 contos, mais 630 contos do que no ano anterior.
A despesa dos encargos gerais da província de Angola, indicada a p. 205 do parecer, soma a importância de 294 150 contos; e na província de Moçambique, p. 294, soma a importância de 311 389 contos.
Aponto estas importâncias apenas como exemplo, para se ficar a fazer ideia do volume dos encargos gerais pelas províncias ultramarinas.
O volume das importâncias é grande, como grande é também a diversidade das despesas incluídas neste capítulo orçamental.
As despesas mais importantes referem-se ao suplemento dos vencimentos do pessoal, ao abono de família, ao subsídio de renda de casa, ao complemento de vencimentos e gratificações, às ajudas de custo e às passagens.
O suplemento dos vencimentos atinge 7269 contos na Guiné, 4521 contos em S. Tomé e Príncipe, 57 970 contos em Angola e 74 455 contos em Moçambique.
Quem quiser saber o que se gasta por cada serviço, para melhor ajuizar da sua eficiência, terá de ir procurar as despesas ao capítulo respectivo e depois acrescentar as do capítulo «Encargos gerais». Se não estivermos ao par desta maneira de organizar os orçamentos gerais das províncias ultramarinas e das suas contas arriscamo-nos a fazer estudos e apreciações defeituosos, pois consideraremos as despesas muito aquém da sua realidade.
E são muitas dezenas de verbas que neste capítulo se acumulam, tanto respeitantes ao pessoal, como ao material e a outros encargos.
O princípio é defeituoso, Sr. Presidente.
Não será necessário apresentar mais explicações para se dar toda a razão à nossa Comissão de Contas ao julgar vantajoso reclassificar certas despesas, transferindo-os de um para outro capítulo, a fim de se poder apreciar melhor o custo de cada serviço e de cada obra.
Sr. Presidente: na quarta conclusão do parecer preconiza-se contabilizar os fundos provenientes dos saldos de anos anteriores em receitas extraordinárias e utilizá-los em idênticas despesas.
É tão evidente e meritória esta conclusão, Sr. Presidente, como é lamentável ser necessário figurar no parecer.
Na vigência do Estado Novo já foi recomendado, determinado por diploma legal e cumprido, que a administração financeira no ultramar também fosse exercida nesse sentido.
Os saldos de exercícios findos têm aplicação em obras extraordinárias e não deverão cobrir encargos normais e permanentes. Isto é o ABC da nossa administração financeira.
A brandura doa nossos costumes, Sr. Presidente, não consente que se descanse na actividade permanente de vigiar pelo cumprimento dos princípios fundamentais que orientam a administração das finanças públicas.
Curou-se o mal que o Estado Novo herdou no ultramar, saneando as finanças à custa do esforço e tenacidade daqueles que, caminhando na esteira de Salazar, sofreram o embate e a Desistência de hábitos antigos.
Hoje teremos de manter a posição criada por Salazar, não assistindo a que se gaste de qualquer modo sem a nossa relação. O respeito pelas leis e regulamentos fazendários que disciplinam o ordenamento dos gastos deve ser um dos maiores cuidados na nossa administração pública. Foi assim que Portugal se resgatou,
Tanto na metrópole como nas províncias ultramarinas, sob a égide de Salazar.
O País espera de nós que seja útil a acção da Assembleia Nacional ao tomar as contas públicas. E eu entendo que faríamos trabalho proveitoso aprovando a quarta conclusão do parecer da nossa Comissão de Contas.
Sr. Presidente: na quinta conclusão do parecer manifesta-se a conveniência de nas províncias ultramarinas se estudarem planos de conjunto, à semelhança do já feito nalguns casos.
Em presença desta conclusão poder-se-á perguntar:
Será necessário recomendar que se façam planos de conjunto quando já há alguns elaborados, aprovados e que estão a ser executados?
Não é do conhecimento de todos nós que antes de se executarem quaisquer obras é indispensável haver projectos e planos de conjunto?
Eu respondo afirmativamente. Mas entendo também que é preciso evitar o que em contrário se tem feito.
Sr. Presidente: por último o parecer apresenta-nos a sexta conclusão, que diz respeito somente à Assembleia Nacional. Recomenda-nos que na apreciação das coutas do ultramar e na sua aprovação deveremos ter em conta as circunstâncias especiais dos territórios e as dificuldades que lhes são inerentes.
Ora, Sr. Presidente, já na introdução do parecer o ilustre relator das contas, Sr. Engenheiro Araújo Correia, nos manifestou as dificuldades havidas na elaboração do parecer quanto à parte relativa ao regime de contabilização e quanto ao possível desconhecimento das condições locais de cada província ultramarina.
Quanto às dificuldades relativas ao regime de contabilização, provenientes de circunstâncias várias e meios diferentes, pertencerá aos serviços de Fazenda a tarefa de as resolver dentro das suas possibilidades. E o relator das contas reconhece o esforço daqueles serviços.
Relativamente às restantes dificuldades, a nossa Comissão de Contas, pela palavra do relator do parecer, confia «em que os Deputados eleitos pelos diversos territórios ultramarinos esclareçam questões ou sugiram métodos tendentes a tornar mais límpida a interpretação das cifras orçamentais».
É, Sr. Presidente, uma chamada a estes Deputados para virem depor nesta tribuna sobre o que pensam e sabem acerca das circunstâncias especiais de cada território ultramarino, das suas características mais salientes, das suas dificuldades, para darmos a conhecer ao País se a orientação político-administrativa vista através das coutas se tem orientado no sentido mais favorável aos interesses gerais da Nação.
Eu estou disposto a responder à chamada.
O meu depoimento que vai seguir-se abrange a» oito províncias ultramarinas.
Antes, porém, de me referir especialmente a cada província, devo expor as razões que me levam a concordar com a sexta conclusão do parecer das contas.
Compreende-se perfeitamente que na análise às contas públicas do ultramar é indispensável atender a diferenciação administrativa.
Como todos nós sabemos, além dos regimes jurídicos de contemporização com os usos e costumes dos indígenas das províncias da Guiné, de Angola e de Moçambique, em coda província ultramarina há uma organização político-administrativa adequada à sua situação geográfica e às condições do seu meio social, de harmonia com a base V da Lei Orgânica do Ultramar.
Pelas circunstâncias particulares de que se revestem as províncias ultramarinas, é evidente que o seu regime administrativo terá de ser diferenciado daquele que vi-

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gora na metrópole. E de província para província há necessariamente diferenciação das leis e da administração, visto que todas as províncias se diferenciam entre si.
A diferenciação dos meios geográficos -físicos e humanos- não pode suportar a mesma solução para o mesmo problema em todos os meios, em todas as províncias ultramarinas. À diferenciação dos- meios exige forçosamente que se dêem soluções diferentes ao mesmo problema, conforme, a província de que se trate.
Antes de se agir administrativamente é preciso atender a extensão ou área do território, às suas fronteiras políticas, a sua (posição geográfica, a estrutura da sua economia, a economia dos territórios vizinhos, ao sistema comercial da província, quer nas cidades e outros centros populacionais, quer no interior da província - como sejam as «feitorias» ou «operações» da Guiné, os «aviados» em Angola, as «cantinas» das roças em S. Tomé e Príncipe-, aos meios de transporte, a densidade da população e à diversidade dos seus elementos étnicos, a psicologia dos povos, para atender à satisfação das suas necessidades peculiares, ao desenvolvimento do estádio evoluído em que as respectivas populações se encontram, enfim, é preciso prever as reacções dos povos aos nossos actos administrativos, embora estes sejam sempre ditados para sen benefício.
Mas esta administração diferenciada em nada fere o princípio da unidade política, da unidade da Nação, visto que o Governo, e particularmente o Ministro do Ultramar, superintende e fiscaliza o conjunto da administração das províncias ultramarinas, de harmonia com o artigo 103.º da Constituição Política e o n.º I da base IX da Lei Orgânica do Ultramar Português.
Ficam assim expostas as razões da minha concordância com a sexta conclusão do parecer das contas das províncias ultramarinas.
Sr. Presidente: o que nós precisamos para a apreciação que vamos fazer às contas do ultramar é de entrar primeiramente no conhecimento das características especiais de cada província, para se apreciar com justiça sobre o emprego dos dinheiros públicos, sobre a carga tributária e sobre a orientação político-administrativa.
Referir-me-ei às províncias ultramarinas pela sua ordem geográfica.

CABO VERDE. - A província ultramarina de Cabo Verde, com a área de 4033 km2, é caracterizada pela irregularidade das chuvas, do que resulta periodicamente, haver tremendas crises de alimentação, com falta do produtos da leira, especialmente do milho, que é a base da alimentação do cabo-verdiano. É caracterizada também pela dispersão de dez ilhas e quatro ilhéus do arquipélago, que dificulta as comunicações entre as populações das diversas ilhas e torna menos eficaz a administração da província. E caracteriza-se ainda pela sua posição geográfica, que lhe permite ser importante centro de comunicações marítimas no oceano Atlântico e de comunicações aéreas entre o velho e o novo continente.
Ali construímos a nossa primeira povoação no ultramar - a «cidade velha» de Santiago, a cidade da Ribeira Grande-, da qual restam ruínas evocativas do nosso passado de navegadores e civilizadores, e nesta província realizámos grande obra de colonização -povoando terras desertas com família; do Reino e mão-de-obra de terra africana da costa da Guiné-, conseguindo formar uma população crioula de notável instrução e cultura, com reduzida percentagem de analfabetos.
Destas características de Cabo Verde resulta a orientação que temos imprimido à nossa actividade administrativa naquela província ultramarina.
Da irregularidade das chuvas resulta a necessidade de se realizarem obras de hidráulica agrícola. E assim é que a brigada técnica já construiu muitos quilómetros de condutas em extensas galerias subterrâneas para captação de águas a distribuir por canais do irrigação.
No relatório do chefe dos serviços de Fazenda e contabilidade que precede as contas da gerência e do exercício de 1954 indicam-se as despesas com os trabalhos realizados pela brigada técnica de estudos e trabalhos de hidráulica.
O Governo Central não tem sido avaro em atender esta necessidade fundamental da província de Cabo Verde, assim como em realizar trabalhos de repovoamento florestal. Em matéria de arborização é grande a obra realizada em vários locais. Para exemplificar, citarei o perímetro florestal do Curralinho, na ilha de Santiago, a cargo dos serviços agrícolas da província, que não só é útil como correcção climática e aproveitamento e conservação do solo, como também constitui um local aprazível de notável beleza.
Quanto às obras de hidráulica agrícola muito se têm sentido os seus efeitos. Com o levantamento de levadas e aproveitamento das aguas têm alimentado as áreas de regadio. Porém, ao incremento de frescos e mantimentos devido àquelas obras parece não corresponder a sua fácil colocação em S. Vicente, por motivo de falta de vias de drenagem terrestre e de portos que permitam rápido escoamento daqueles produtos.
São outros problemas que se levantam e que certamente serão resolvidos quando houver oportunidade para tal.
Neste sentido devo dizer que no Plano de Fomento está incluída a construção da estrada que liga a zona norte da ilha de Santo Antão a Porto Novo, por onde se fará o escoamento natural dos produtos denta para a ilha de S. Vicente, da qual fica distanciada apenas 9 milhas.
Santo Antão -celeiro de Cabo Verde-, a segunda ilha do arquipélago, quer na área, quer na população, tem recebido extraordinário impulso pela acção da brigada técnica de estudos e trabalhos de hidráulica na execução do plano de arborização e no aproveitamento de novos terrenos de regadio. E o seu clima é tão bom que dá origem ao facto de haver uvas e mangas ao lado umas das outras; e o cabo-verdiano ufana-se ali de produzir fruta tão saborosa como a da metrópole.
Certo é que o Governo não se tem poupado a esforços na luta contra as crises de Cabo Verde, procurando por todos os meios ao seu alcance abastecer a população de géneros alimentícios nessas pavorosas ocasiões.
E assim é que não posso deixar de fazer uma referência especial ao Saga- Serviço de Aquisição de Géneros Alimentícios -, pois foi criado como medida salvadora, muna ocasião das mais aflitivas para a população cabo-verdiana, em que lhe faltavam os géneros alimentícios indispensáveis à vida.
E tão grave se apresentava a situação que deu motivo, em Dezembro de 1941, a que o Ministro das Colónias, Sr. Dr. Francisco Machado, visitasse as províncias da Guiné e de Cabo Verde, com o fim de obter auxílios, em géneros e em numerário, prestados pela Guiné, e estudar o assunto na província de Cabo Verde, onde a escassez de géneros criara uma situação calamitosa.
Foi em resultado desta visita ministerial que se criou, em 1942, o serviço conhecido por Saga.
Previa-se que este serviço fosse transitório, que durasse apenas enquanto a grave crise justificasse a sua existência. Porém, foi tão útil e apreciada a sua acção na aquisição de géneros alimentícios e na disciplina

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(hi sim distribuição que se entendeu por bem não mais se dispensarem os seus serviços.
Devo esclarecer, com conhecimento de causa, que para os mesmos efeitos e com as mesmas atribuições fora pouco antes criada na Guiné a Inspecção do Comércio Geral, no tempo em que ali desempenhei as funções de governador.
E do mesmo modo veio a confirmar-se, na Guiné a necessidade de o Governo local dispor de um serviço com carácter de permanência paru acudir às necessidades do consumo, quando a falta de géneros alimentícios mais se faça sentir, ou o seu elevado preço não permita a sua aquisição pelas classes menos abastadas, que constituem a grande maioria da população.
Não seria curial que nessas ocasiões angustiosas o Governo da província tivesse de improvisar o respectivo serviço.
A existência do Saga, no meu entender, justifica-se muito mais na província de Cabo Verde do que em qualquer outra província ultramarina, por motivo das suas crises periódicas.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: quem esclareceu com acerto a situação de Cabo Verde e nos indicou o caminho a seguir na sua administração, atendendo às realidades que devemos ter presentes, foi S. Ex.ª o Sr. Presidente da República.
Na sua visita triunfal à província de Cabo Verde, em Maio de 1955, fez considerações, as mais judiciosas e exactas, num discurso que então proferiu, mostrando perfeito conhecimento das características da província e dos anseios da sua população, e indicou-nos a melhor orientação que há a seguir na governança da província, em obediência a um justo sentido das realidades.
S. Ex.ª o Sr. General Craveiro Lopes referiu-se ao acréscimo populacional e à capacidade e ânsia do povo cabo-verdiano pela instrução; referiu-se às contingências meteorológicas, que tantas horas amargas têm levado às populações daquele arquipélago; aludiu às iniciativas louváveis no campo industrial, tais como a exploração das pozolanas e da pesca; ao aproveitamento dos recursos hidroagrícolas e defesa das plantações florestais; no problema das comunicações entre as ilhas; à execução das obras no Porto Grande de S. Vicente e outros, incluídas no Plano de Fomento e da iniciativa do governo local e dos municípios; e tudo para manifestar o seu agradecimento aos colaboradores de tantas obras realizadas em Cabo Verde e formular também as suas conclusões, quando nesse magnífico discurso nos disse:

A solução, no presente e para o futuro, terá de encontrar-te no melhor aproveitamento dos terrenos, no desenvolvimento das indústrias e na colocação dos excedentes demográficos em outros territórios.

E assim se tem procedido relativamente à província de filho Verde, seguindo nessa orientação, a que já tive oportunidade de me referir.
Quanto à colocação dos excedentes demográficos em outros territórios nacionais, devo esclarecer que numeroso» contratos de trabalho pelo período de três anos se têm realizado entre os trabalhadores agrícolas das ilhas do arquipélago de Cabo Verde, com destino às plantações da província de S. Tomé e Príncipe. E devo esclarecer mais ainda que alguns desses trabalhadores contratados se têm recontratado por novos períodos de trabalho, outros se têm fixado em S. Tomé e Príncipe, e a grande maioria regressa à sua terra natal quando findos os contratos.
É minha convicção, Sr. Presidente, que, depois do aproveitamento dos recursos hidroagrícolas da província, de fomentar indústrias transformadoras de produtos, de facilitar as comunicações, de melhorar o regime das chuvas por efeitos da arborização e até de se pôr cobro à desenfreada usura que se diz ter asfixiado muitos doa pequenos agricultores cabo-verdianos, a situação económica de Cabo Verde se transformará radicalmente. Haverá mais pão e mais trabalho. Mas não me quero deixar conduzir na corrente daqueles que pensam que um dia rirá em que há-de cessar a emigração do cabo-verdiano.
Embora com menos intensidade que n dos dias presentes, por ter melhorado a situação económica, e apesar do cabo-verdiano se prender muito à sua terra natal, como todos os portugueses, sempre haverá emigração para Dakur, para a Guiné, para S. Tomé e Príncipe e para outros territórios nacionais e estrangeiros, com fundamento no excesso populacional, na procura de trabalho e na tentativa de se alcançarem meios de fortuna.
Sr. Presidente: na análise da conta do exercício de 1954 verifica-se que arrecadação das receitas foi superior ao que se esperava, e nas despesas economizou-se a importância de 1500 contos.
Na administração das finanças fizeram-se, portanto, esforços para o seu equilíbrio, mas a evolução dai receitas ordinárias é a mais baixa de todas as províncias ultramarinas. Durante o período de 1938 a 1954 atingiu apenas o índice de 216, isto é, pouco mais que dobraram as suas receitas ordinárias.
A situação financeira da província de Cabo Verde é tal que ainda lhe não permitiu o pagamento de juros e amortizações do empréstimo contraído para acudir àqueles que mais duramente foram atingidos pela crise que terminou em 1949. pelo que o pagamento desses encargos continua a cargo do Ministério das Finanças, nos termos do artigo 7.º do Decreto n.º 39 194, de 6 de Maio de 1953.
Como a sua economia depende, entre outros factores, do fomento agrícola, florestal e pecuário, entende a nossa Comissão de Contas Públicas, e com justificada razão, que a dotação de 553 contos para os respectivos serviços é muito baixa e deveria, por isso, ser aumentada.
Eis as circunstâncias especiais da província de Cabo Verde e as dificuldades que lhe são inerentes para a Assembleia Nacional melhor apreciar a sua conta de exercício.

GUINÉ. - A província ultramarina da Guiné tem a área de 36 125 km2, o que corresponde a uma superfície superior à terça parte do nosso território europeu.
A posição geográfica da província e as características étnicas da população das suas catorze tribos dão-lhe profunda diferenciação das restantes províncias ultramarinas.
Envolvida pela África Ocidental Francesa, a Guiné Portuguesa não se pode esquivar à influência exercida por aqueles vizinhos e deixar de seguir os seus movimentos económicos.
Como é grande a extensão das fronteiras terrestres e fácil a sua transposição, fica assim facilitada e torna-se bastante convidativa a formação de apreciáveis movimentos migratórios sem autorização e sem conhecimento das respectivas autoridades e dá lugar também a passagem de mercadorias e produtos agrícolas de conformidade com as ocasionais conveniências políticas, económicas e sociais.
Para se fazer ideia da importância que atingem os fenómenos migratórios através das fronteiras da Guiné citarei a indicação que nos fornece o censo de 1950, dando a existência na província de 17 000 indígenas vindos dos territórios vizinhos.

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Por este número se ajuizará de quantos indígenas franceses se encontram na Guiné Portuguesa e dos portugueses que atravessam a fronteira para o vizinho território francês.
É já sobejamente conhecido que os reflexos quer da acção administrativa quer da cotação dos produtos se traduzem sempre na transposição de fronteiras, tanto num como noutro sentido, das vizinhas populações indígenas, assim como das matérias-primas e dos produtos da sua agricultura.
Além disto há a considerar na população indígena da nossa província a obediência à sua organização tribal e o facto de a sua grande maioria se ocupar na agricultura e entre os agricultores existir o predomínio do conceito da propriedade privada.
Devemos considerar também que a previdência, o futuro, a escolha de sementes, a sua selecção, a defesa e conservação do solo e a perda de tempo em caminhadas para vender o produto não preocupam muito os indígenas desta nossa província.
O indígena realiza a grande parte das culturas agrícolas à custa das suas mulheres e não se exime a canseiras e perdas de tempo percorrendo as distâncias que forem necessárias para vender melhor os seus produtos, e, podendo ser, aumentando o peso com impurezas, cascas e acréscimo de humidade.
Entende-se, pois, que para se encontrar a melhor solução dos problemas económicos da Guiné, sobretudo quando estes se relacionem com a população indígena, terá de se partir das bases que acabo de indicar.
A economia da província ultramarina da Guiné está baseada na agricultura indígena. Ainda que se considerem as concessões ou «pontas» - nome pelo qual são conhecidas na Guiné as propriedades sob a direcção de europeus, cabo-verdianos ou outros estranhos à população indígena-, a agricultura é sempre exercida pelos naturais da província. E, dentro da produção agrícola, é considerável o predomínio da mancarra ou amendoim.
A mancarra está para a economia privada e pública da Guiné como o cacau para a economia de S. Tomé o Príncipe. A diferença está em que a cultura da mancarra é de exclusiva produção indígena, ao passo que a cultura do cacau é exercida em propriedades perfeitas e na sua quase totalidade por empresas agrícolas metropolitanas utilizando mão-de-obra contratada noutras províncias ultramarinas.
Presentemente é fraco o rendimento por hectare da cultura da mancarra e variável conforme a região da província. Na região de Bafatá, Farim e Gabu há médias de 700 kg por hectare. Nas regiões de Bolama e de Fulacunda a média não irá além de 300 kg a 400 kg por cada hectare.
O segredo da economia do indígena da Guiné, isto é, a maneira de ele obter o máximo rendimento do seu trabalho, está na produção por hectare de cultura.
Se, com o mesmo esforço e despesa, em vez de 500 kg de mancarra por hectare ele passa a obter 1000 kg ou 1500 kg, o seu nível de vida subirá rapidamente.
E não duvidemos das possibilidades de a anedia subir, pois há exemplos em terras novas, e portanto mais férteis, da zona de Gabu de se ter obtido a média de 2000 kg por hectare. Ë tudo questão de se orientar convenientemente o indígena na escolha e conservação da semente e em técnicas adequadas à defesa e conservação do solo.
É urgente na Guiné melhorar a qualidade da mancarra e aumentar a produção por hectare. Aqui reside o problema fundamental da sua economia.
Para esclarecer a Assembleia Nacional sobre este grande problema guineense terei de observar que a tonelagem exportada não traduz exactamente a produção anual da mancarra da província e antes indica quantidade inferior à produzida.
Além da quantidade exportada, há a considerar mais as seguintes: aquela que os indígenas consomem em natureza quando lhes falta arroz ou outros produtos para a sua alimentarão; a que é indispensável guardar como semente, e ainda a que é exportada clandestinamente para o vizinho território francês, quando o preço é convidativo à exportação clandestina.
Portanto, não queiramos fazer cálculos de produção por hectare entrando apenas com as quantidades de mancarra exportada. Bastará considerar que é muito baixa a produção por unidade e consequentemente diminuto o rendimento da mancarra.
Não nos devemos entusiasmar muito com as quantidades exportadas, e antes deveremos ter em atenção que o problema do amendoim da Guiné consiste mais na melhoria da sua qualidade do que no aumento da quantidade. E senão vejamos.
A mancarra foi exportada em casca para o estrangeiro durante anos e daqui resultava melhoria na situação económica. Porém, a partir de 1953 surgiram dificuldades de colocação da mancarra, com fundamento na sua má qualidade.
Recorreu-se então ao descasque da mancaria antes de ser exportada, julgando-se estar aí o remédio do mal. Mas não deu o resultado desejado, pois a razão das dificuldades encontradas estava na sua má qualidade.
Sr. Presidente: o problema da má qualidade da mancarra, por mais voltas que se lhe dê, depende essencialmente de dois factores: por um lado, do ataque das doenças de fungos e das pragas de insectos que infestam a mancarra armazenada e das viroses que atacam as plantas muito novas; e, por outro lado, das deficientes condições de sanidade dos celeiros destinados ao armazenamento das sementes.
A baixa qualidade da mancarra, que lhe não favorece a colocação nos mercados estrangeiros, é proveniente dos vírus, das bactérias, dos fungos e dos insectos, como em anos anteriores já aqui expus.
As viroses aparecem com mais frequência e intensidade quando as plantas, novas de poucos dias, não podem resistir. O ataque é favorecido pelas chuvas intensas e o indígena apercebe-se perfeitamente do perigo.
As bactérias desenvolvem-se durante o período em que a mancarra, em planta e vagem, está empilhada em medas.
Os insectos e fungos aparecem no período em que o amendoim, descascado ou não, se encontra armazenado na província ou na metrópole.
Daqui se deduz a necessidade da intervenção de técnicos especializados - entomologistas e fitopatologistas.
Os serviços de agricultura da província não têm organização apropriada ao seu fim, e muito menos adequada à investigação agronómica, e não dispõem de verbas cujo montante seja capaz de cobrir as avultadas despesas necessárias à investigação e à assistência técnica à agricultura.
A sua existência não se terá limitado apenas ao formalismo burocrático. Serei eu, pelo cargo ali exercido, quem testemunhará o benefício levado à agricultura da Guiné pelos serviços de agricultura da província; mas a verdade é que a sua acção não corresponde aos anseios da vida actual, às exigências dos mercados pela qualidade da produção, principalmente da mancarra.
É certo que noutros aspectos da vida ultramarina, particularmente no que respeita à política indígena, muito temos suplantado os outros. A prova evidente e incontestável do que afirmo está na paz e tranquilidade que se desfruta em todo o ultramar português.

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Porém, Sr. Presidente e Srs. Deputados, no campo da investigação agronómica e da prática da assistência técnica à agricultura encontramo-nos aquém das nossas possibilidades.
E para confirmar o que acabo de expor bastará fazer referência aos bons resultados obtidos no vizinho território da África Ocidental Francesa pelo Centro de Pesquisas Agronómicas de M'Bambey, em relação à mancarra, e em Richard Toll, relativamente ao arroz.
Está provado que são mais eficientes os serviços de investigação e de técnica agrícola quando dirigidos pelos próprios interessados na produção. Não há o receio de se burocratizarem. Mas não é este o caso da Guiné. Nesta província ultramarina, onde o indígena é o produtor, seria absurdo admitir que este tomasse a direcção administrativa dum centro de pesquisas agronómicas. Só as grandes empresas, os grandes concessionários estariam em condições de arcar com tal responsabilidade.
Mas o que está fora de dúvida é que o progresso agrícola da província depende da acção dos serviços de agricultura e que estes precisam de estar bem apetrechados em material e dispor de verbas, de pessoal técnico sabedor e experimentado e de campos experimentais para o desempenho cabal da sua missão. Doutra forma é pura ficção.
Não costumo apresentar o exemplo alheio em política de administração ultramarina, pois nós nesta matéria devemos servir de modelo. Porém, ao ter conhecimento dos resultados obtidos pelo Centro de Pesquisas Agronómicas na África Ocidental Francesa, e sabendo do fracasso que nos atingirá se continuar a decrescer n percentagem do óleo produzido pela mancarra da Guiné, sinto o dever, que me é imposto pela colaboração que sempre tem oferecido a Assembleia Nacional, de chamar para o caso a atenção, do Governo.
O funcionamento dos celeiros administrativos terá de ser vigiado pelos serviços de agricultura, tanto na recolha da semente como na ocasião da sua distribuição ao indígenas agricultores.
E neste sentido é louvável a recente medida tomada na Guiné, sob proposto, certamente, dos serviços de agricultura, de distribuir a (temente previamente descascada e escolhida pelo indígena na presença das respectivas autoridades administrativas.
Anteriormente fornecia-se a semente em casca e, portanto, sem oferecer garantia de boa produção, pois não se via o seu estado e qualidade.
O grão destinado à sementeira deverá ser fisiològicamente bom, proveniente de plantas bem desenvolvidas e que não tenham sofrido ataques de vírus; e, além disso, é indispensável que durante o período de armazenamento nos celeiros não tenha o grão sido atacado por doenças de fungos e pragas de insectos.
Haja em vista o que sucedeu neste ano agrícola na circunscrição civil de Bafatá. Devido às más condições de armazenamento do respectivo celeiro administrativo pode dizer-se que na região pouco se produziu de mancarra comerciável.
A semente inutilizou-se quando armazenada naquele celeiro. Pouca se aproveitou, e mesmo assim em más condições para ser lançada à terra. Faltou, portanto, semente para distribuir, na época própria, aos indígenas agricultores. As consequências foram desastrosas para a economia do indígena da região e para os rendimentos do Estado.
Tem-se verificado, duma maneira geral, que os celeiros administrativos, e sobretudo aqueles que foram construídos definitivamente, não satisfazem capazmente às condições de sanidade indispensáveis a conservação da semente.
Este problema é sério e grave pela sua repercussão na economia da província da Guiné.
Por vezes a ele me tenho referido, e continuarei a insistir até que as minhas palavras tenham eco.
A construção dos celeiros, o seu arejamento e a sua desinfecção devem estar sob a vigilância dos serviços técnicos de agricultura, para haver sanidade perfeita ha conservação da semente.
É preciso haver cuidados especiais no arejamento e, sobretudo, na desinfecção dos celeiros. Para destruir os insectos não se vá destruir também o germe da semente, tornando inútil o grão como reprodutor.
O expurgo nos silos é uma coisa, a conservação da semente nos celeiros é diferente.

E todos os cuidados são poucos para vigiar pela escolha da semente, pela sua conservação e pela sua abundância na época das sementeiras, pois, quanto às variedades da mancarra, já está provado por técnicos competentes que são boas e já estão adaptadas às diversas regiões da província.
Sr. Presidente: as considerações que acabo de fazer relativamente à mancarra dizem também respeito ao arroz da Guiné, que constitui a principal alimentação do indígena da província.
Quanto ao coconote, algumas observações tenho a fazer, principalmente à falta de fiscalização por parte do Estado na venda do produto.
Das características que enunciei do agricultor indígena fácil será depreender a possibilidade de fraude na venda do coconote. Vende-se o coconote com grande percentagem de impurezas e de cascas partidas, donde resulta inferior qualidade do óleo e, consequentemente, surgem dificuldades na sua colocação.
Se o coconote da Guiné dá uma percentagem de óleo entre 45 e 49 por cento, inferior à percentagem obtida com a mesma matéria-prima de S. Tomé e Príncipe, que produz 52 por cento, maior será a desvalorização com o aumento das impurezas.
Não deverá, pois, o Estado limitar-se a estabelecer anualmente os preços de venda. Deve estabelecer esses preços e ao mesmo tempo fiscalizar a venda do produto agrícola, para evitar as fraudes cometidas pelo indígena.
Sr. Presidente: com a mudança da capital da Guiné para Bissau e devido ao esgotamento dos terrenos, a cidade e a ilha de Bolama sofreram forte abalo.
Sucede, porém, que se está a proceder ao ordenamento, na orla marítima da ilha, de plantações de coqueiros e de palmeiras. Há ali propriedades perfeitas, com a área de 6000 ha de terreno. Com os trabalhos que presentemente se estão a desenvolver, já há 200 ha de plantações, empregando-se numerosa mão-de-obra indígena. Está a ser compartimentado o terreno com sebes de caju, para evitar a acção erosiva dos ventos, e outros trabalhos de recuperação daquelas terras, esgotadas por dezenas de anos de cultura da mancarra.
E desta acção progressiva da nossa actividade na Guiné está a verificar-se o regresso dos indígenas a Bolama.
É de louvar a iniciativa e de esperar que ela prossiga, para mais vantagens se colherem nos campos económico e social e até se pagar o tributo devido à histórica ilha de Bolama.
Sr. Presidente: para outro assunto, que tem importância e actualidade, entendo que devo pedir também atenção e vigilância por parte do Estado, com o fim de evitar que sejamos surpreendidos.
Ao ver arder a casa do vizinho devemos tomar precauções contra incêndios na nossa casa.
O assunto diz respeito ao que presentemente se nota em todo o território do continente africano, com aspecto

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atraente à população indígena, mas que, no fundo, são labaredas lançadas do Oriente pelo inferno russo.
Acerca desta matéria de natureza subversiva me hei-de referir mais vezes no decorrer desta intervenção, e no final das minhas considerações voltarei de novo ao assunto ,para destacar o interesse especial que lhe deverá dedicar a administração pública das nossas províncias ultramarinas.
Estou convencido, Sr. Presidente, de que o nativismo muitas vezes não é mais do que um disfarce do comunismo russo, assim como as greves, as sedições e os tumultos dos insatisfeitos. Exacerba-se o nativismo como manobra conveniente ao imperialismo russo e por ele instigado.
Não estão as nossas províncias ultramarinas muito tocadas pela podridão desse mal, que parece subverter o Mundo inteiro, e ainda se mantêm como zonas de paz. Mas entendo ser meu dever indicar que é necessário exercer vigilância em que muito mal nos pode causar.
Nesta altura da minha intervenção desejo chamar a atenção para certos meios transmissores do mal, ou que como tal poder ao ser considerados, e sobre os quais deverá exercer atenta vigilância.
O intenso movimento migratório a que já me referi, e existe na Guiné ao longo de toda a sua fronteira, facilita a transmissão de notícias e de toda a propaganda, inclusivamente das ideias subversivas que alastram por todo o continente africano.
A instituição existente na Guiné dos chamados «judeus» e seus auxiliares, que percorrem o território da província a exibir os seus espectáculos nocturnos e a difundir o seu jornal falado, é meio transmissor que necessita de vigilância.
Os comerciantes ambulantes conhecidos pela denominação de«degilas», os quais desfrutam, como os judeus, de preponderância na população nativa da província da Guiné, devem andar sob os olhares das autoridades administrativas e policiais. Os mouros, xerifes e outros chefes e dirigentes de seitas religiosas que pululam pelo território da Guiné ao abrigo da liberdade religiosa devem ser elementos aquecidos ao fogo das ideias vindas do Oriente.
Aqui deixo a advertência, para que não sejamos colhidos por surpresas desagradáveis.
Sr. Presidente: na conta de exercício da província da Guiné respeitante ao ano de 1954 ressalta que se arrecadaram receitas em importância superior à previsão orçamental e se fizeram economias na tabela das despesas.
O resultado da conta mereceu justo reparo do director-geral de Fazenda do Ultramar.
Os encargos das dívidas da província atingiram a importância de 5389 coutos mo ano de 1954.
Pelas razões que anteriormente expus, a província não aproveita as suas possibilidades no aumento geral da produção nem no aumento por hectare. A mesma conclusão chegou a nossa Comissão de Contas Públicas.
No parecer das contas nota-se a deficiência dos serviços de estatística.
Já no ano passado, quando na sessão de 27 de Abril se continuava o debate sobre as Contas Gerais do Estado, me referi a essa deficiência. Chamei então a atenção para o facto de haver províncias ultramarinas, entre as quais a Guiné, que não têm elementos do seu comércio geral e especial publicados no lugar próprio, que é o Anuário Estatístico de Ultramar, a cargo do Instituto Nacional de Estatística.
Tanto insistiremos, Sr. Presidente, que algum resultado útil se há-de obter.
Pelas considerações que acabo de fazer acerca das circunstancias especiais da Guiné e dos seus maiores problemas creio assim Ter correspondido ao apelo feito pela nossa Comissão de Contas Públicas.

S. Tomé e Príncipe.- A província ultramarina de S. Tomé e Príncipe, constituída por um pequeno território, com a área de 964 Km2, é caracterizada por um pequeno território, com a área de 964 Km2, é caracterizada por ser essencialmente uma província de plantação, que se encontra na sua quase totalidade dividida em fazendas ou roças.
Toda a vida da província sr movimenta, pois, à volta da riqueza produzida nas plantações agrícolas. A exportação do cacau, que é o produto de maior valor, do café e das oleaginosas constitui a fonte, por excelência, da riqueza da província. E o movimento da importação é destinado, na sua maior parte, a manter o exercido da actividade agrícola.
Uma das características mais salientes da província de plantação de S. Tomé e Príncipe é a predominância do valor do cacau sobre todos os outros produtos e matérias-primas ali produzidos.
A cotação do cacau nos mercados internacionais de Londres e Nova Iorque é motivo de preocupações constantes para aqueles ,sobre quem pesa a responsabilidade de orientar a administração das propriedades agrícolas e satisfazer todos os seus encargos tributários e de exploração.
O número de sacos ou de arrobas de cacau produzido por cada roça serve de elemento básico para se obter o valor de transacção da propriedade agrícola.
Até o comércio ilícito, que na província, infelizmente, se pratica e dá motivo a determinações especiais para o reprimir, tem por objecto o cacau.
A província, fundamenta a sua economia pública e privada na produção das suas plantações agrícolas e nestas o elemento predominante é o cacau.
O próprio comércio da cidade exerce grande parte da sua actividade como correspondente e fornecedor das propriedades agrícolas, e as casas comerciais de maior prosperidade exercem cumulativamente a actividade agrícola, pela administração de várias roças.
Pelo que acabo de expor se vê que no domínio da administração pública de S. Tomé e Príncipe, quer nos impostos que hão-de incidir sobre a produção, quer noutros aspectos administrativos, não há dúvida alguma de que a agricultura terá de ser verdadeiramente encarada como base de toda a economia da província.
Há, portanto, que lhe dedicar cuidados e atenções especiais, quer se trate da grande agricultura, activada e dirigida por empresas e capitais metropolitanos, quer se trate da pequena agricultura, explorada por naturais da província de reduzidos recursos financeiros.
O que, no meu entender, é preciso principalmente ter sempre em vista no campo da economia de S. Tomé e Príncipe é tudo preparar e promover no sentido de se manter e aumentar a produção agrícola, melhorar ainda mais a qualidade dos produtos conhecidos e conceituados nos respectivos mercados e sobretudo não se asfixiarem ou diminuírem de qualquer modo as possibilidades para se alcançarem os objectivos indicados.
Outra característica desta província ultramarina é a tradicional falta de mão-de-obra local para os diversos trabalhos da agricultura europeia. Os nativos, já civilizados e com direitos de cidadania, sendo apenas em número de 30 000 e dedicando-se à agricultura por conta própria e alheia, à pesca, ao comércio, à construção civil e outros misteres, não podem dar o contingente necessário aos trabalhos das plantações. Se àquele número de ocupam trabalhos diferentes da agricultura, não ficará número bastante para as necessidades da agricultura.

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No entanto está hoje calculado que mais de 4000 nativos se empregam com maior ou menor regularidade ao serviço das roças como operários, enfermeiros, escriturários, condutores de automóveis, etc., e como trabalhadores agrícolas, tomando os trabalhos nas plantações por empreitada.
Sempre foi necessário, e continuará a ser, contratar trabalhadores agrícolas noutras províncias ultramarinas.
E então todo o interesse e amparo pela agricultura para ela se desenvolver, aperfeiçoar e baratear a produção será uma constante que deveremos ter sempre presente em S. Tomé e Príncipe.
Nas medidas a tomar dever-se-á, portanto, considerar sempre os reflexos que delas resultarão, e que directa ou indirectamente tragam aumento do custo da produção, para evitar perturbações à economia da província.
A melhor das intenções que não atenda a esta constante, que domina, e sempre dominou, a economia das duas ilhas, arrisca-se a dar resultados contrários ao bem geral da província.
A secular administração de S. Tomé e Príncipe confirma, o que acabo de expor. E elevado o custo da produção nas explorações agrícolas da provinda, e sempre ali se registou este fenómeno, bastando para tanto que o comparemos com o custo dos outros países produtores de cacau.
Outra característica que diferencia a província é a existência de duas populações distintas: a população nativa, com carta de cidadania, que é fixa, ali residente e com os seus interesses ali criados; e a população natural doutras províncias ultramarinas, que temporariamente trabalha nas plantações das roças por meio de contratos de trabalho celebrados nas respectivas províncias donde é originária.
Ora, Sr. Presidente, a população dos nativos e a população temporária, contratada por três anos, por se encontrarem em situações diferentes, merecem cuidados diferentes e peculiares a cada uma.
Os cuidados crescentes com a população nativa, à medida que ela se vai desenvolvendo em número e civilização, estão incluídos no nosso código civilizador, constam dos nossos métodos tradicionais de colonizar e em tudo se identifica com a nossa vida metropolitana.
Quanto aos cuidados e atenções pela população temporária e contratada, dirigem-se no sentido do rigoroso cumprimento dos contratos, particularmente no salário, na alimentação, no alojamento e nas assistências médica e hospitalar, e deverão continuar a ser o timbre da nossa acção na província de S. Tomé e Príncipe.
Sr. Presidente: expostas assim as características especiais desta província ultramarina e ao que elas nos conduzem na sua administração, mais funil se torna interpretar os actos administrativos e as sugestões que se possam apresentar.
Seja-me, pois, permitido, Sr. Presidente, que aborde um assunto palpitante de interesse nacional e internacional, que diz respeito ao bem-estar da população flutuante e contratada.
É sem dúvida alguma assunto de capital importância para a economia da província e para o prestígio de Portugal a maior eficiência, que possa haver nos serviços de enfermagem, hospitalização e clínica médica e operatória destinados à população trabalhadora das plantações agrícolas.
Não deu o resultado que se esperava o sistema de zonas sanitárias que foi criado em S. Tomé e Príncipe, por ser hoje considerado menos profícuo e mais dispendioso.
O Sr. Ministro do Ultramar, Prof. Doutor Raul Ventura, para remediar alguns inconvenientes daquele sistema, teve de o substituir pelo Decreto-Lei n.º 40 195, de 21 de Junho de 1935, mediante regulamentação a ser elaborada.
Para a boa solução deste importante problema, que envolve o prestígio da Nação, todos as sugestões serão de aproveitar.
É nesse sentido que irei fazer algumas considerações e dar o meu contributo na medida das minhas possibilidades e do conhecimento que possa ter daquela província ultramarina.
Desde já devo dizer, Sr. Presidente, que o sistema das zonas sanitárias não foi ainda de facto suprimido, apesar de todos os seus reconhecidos inconvenientes e da aplicação do referido decreto-lei.
Como a alteração introduzida pelo Governo está dependente de diploma regulamentar e este ainda não foi publicado no Boletim Oficial da província, resulta daqui que o sistema se mantém no estado anterior à publicação daquele decreto-Lei.
A posição das empresas agrícolas da província é de expectativa, na esperança de que, mais cedo ou mais tarde, a alteração ao sistema das zonas sanitárias, que foi introduzido pelo Governo, venha a ter a sua efectivação.
Porém, seja qual for a modalidade que se queira adoptar na assistência sanitária aos trabalhadores contratados e assalariados para serviços agrícolas das plantações, dever-se-á ter em atenção que será preferível atribuir ao Estado tumente a missão fiscalizadora. Lembremo-nos de que desde sempre esse serviço especial e particular de assistência sanitária foi prestado pelas entidades patronais ao seu pessoal trabalhador, embora regulamentado por disposições da lei.
O caso apresenta-se de tal maneira e até revestido de certos melindres e particularidades que só convém continuar entregue às empresas patronais, sob a fiscalização do Estado.
Para se obter toda a eficácia possível na assistência prestada aos trabalhadores agrícolas da província e por todas as razões internas e externas que se possam invocar, só encontro vantagens que ao Estado, pela Repartição do Serviço de Saúde e Higiene, seja cometido apenas o papel fiscalizador.
Sr. Presidente: este assunto da assistência sanitária aos trabalhadores contratados em S. Tomé e Príncipe é de extraordinária importância. O assunto é de tal natureza, que já em tempos passados trouxe dissabores a Portugal, provocados por industriais de chocolate doutro pais, e é por isso mesmo que não devo deixar o problema em suspenso ou simplesmente esboçado.
É minha intenção, ao esclarecer a Assembleia Nacional sobre pontos capitais de administração ultramarina, prestar colaboração ao Governo e que as minhas objecções possam ter alguma utilidade aproveitável.
Seja-me permitido, pois, fazer algumas considerações que lancem mais luz sobre o assunto e nos levem a dar boa solução ao problema, mas dentro das normas estabelecidas na Lei Orgânica do Ultramar Português. Não faria sentido, Sr. Presidente, que se alvitrassem soluções fora dos princípios orientadores daquela Lei Orgânica.
A imaginação de cada um de nós, por mais fértil e fulgurante que seja, terá forçosamente de se submeter aos princípios que regem a nossa administração ultramarina.
Já lá vai o tempo em que cada um tinha o seu programa dentro dos seus princípios, sem obediência a princípios legais de conjunto e unidade, que não havia. O Estado Novo modificou esse estado de coisas. Hoje todos devemos obediência aos princípios consignados na Lei Orgânica do Ultramar em matéria de administração dos territórios ultramarinos.

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Sr. Presidente: as condições de salubridade da província de S. Tomé e Príncipe são hoje bem diferentes daquelas que existiam quando esteticamente nos lançámos na sua ocupação agrícola.
Para dar uma ideia do esforço o da tenaz persistência dos nossos colonos naquela província ultramarina e da luta que tiveram de travar contra a terrível mortalidade que a todos implacàvelmente dizimava bastará citar o número de governadores que lá faleceram no exercício do seu cargo em época anterior a 1873.
De setenta e cinco governadores de S. Tomé que exerceram o cargo anteriormente a esta data, trinta e um adoeceram e faleceram na província.
Por esta indicação se avaliará do clima inóspito que teve a província de S. Tomé e Príncipe.
A insalubridade daquela terra portuguesa era a causa principal do seu enorme poder mortífero, e tanto bastou para criar à província a má fama que teve de possuir um clima altamente traiçoeiro.
Porém, Sr. Presidente, tudo se veio a modificar com o aterro de pântanos, com a melhoria das habitações e da água, com o completo desaparecimento da mosca do sono, com o desenvolvimento da higiene e do saneamento dos centros populacionais, com a produção de alimentos frescos, com a assistência médica e hospitalar, que se tornou modelo e bem conhecida no País e no estrangeiro.
A taxa de mortalidade entre os trabalhadores das plantações, que atingira mais de 60 por mil, está hoje reduzida a um mínimo insignificante, que é inferior ao de muitos centros europeus.
Há hospitais do Estado e além destes há outros, magníficos, em todas as roças de certa importância. E na maior parte das restantes propriedades há enfermarias e postos sanitários convenientemente apetrechados.
Devido ao fado da existência de numerosas instalações particulares nas plantações da província de S. Tomé e Príncipe, está naturalmente indicado que se procure dar, tento quanto possível, unidade e a maior eficiência à assistência sanitária aos trabalhadores agrícolas, evitando a dispersão de esforços e despesas.
E nesta orientação se preconiza a criação de uma instituição particular de assistência, de harmonia com o preceituado no n.º II da base LXXXIV da Lei Orgânica do Ultramar, que estabeleça a ligação entre as diversas unidades privadas, permitindo, porventura, a eliminação das que se prove serem supérfluas, e em regime associativo organize os serviços de interesse comum e os de assistência social.
Está naturalmente indicada a criação em S. Tomé desta instituição particular de assistência aos trabalhadores indígenas, não indígenas e europeus das suas roças e, creio eu, ela está felizmente no espírito dos dirigentes das empresas agrícolas de S. Tomo e Príncipe.
Não há dúvida, Sr. Presidente, de que a criação desta instituição de assistência, que a Lei Orgânica do Ultramar prevê, trará vantagens para os patrões e pura os seus assalariados, e, portanto, conduzirá ao bem-estar geral daquela província ultramarina e contribuirá certamente para maior prestígio de Portugal ultramarino.
Encontrando-se a nossa administração ultramarina superiormente confiada ao ilustre Ministro e professor de Direito Sr. Doutor Raul Ventura, podemos estar certos de que a solução deste importante problema de S. Tomé e Príncipe será tomada dentro dos princípios legais que nos regem e de conformidade com os mais altos interesses da Nação.
Eu assim o espero e com a maior confiança.
Sr. Presidente: pelos dados estatísticos ficamos a saber que no ano de 1954 a tonelagem do cacau de S. Tomé e Príncipe que foi exportado baixou de 3467 t em relação ao ano de 1953 e em 1955 menos 5132 t em referência àquele mesmo ano.
Continua, pois, a verificar-se a quebra na produção do género agrícola que maior influência tem na economia da província. E, além desta influência na situação económica da provinda, a queda na produção do cacau também vai diminuir, em vez de aumentar, o seu grande contributo para o equilíbrio da balança de pagamentos do País.
Ainda assim, apesar de ter sofrido a baixa na exportação de 3467 t no ano de 1954, o cacau de S. Tomé e Príncipe contribuiu com 192 976 contos para o equilíbrio daquela balança.
Pelos dados estatísticos de que disponho e que se encontram transcritos no relatório das contas de gerência o de exercício de 1954 do chefe dos serviços de Fazenda da província verifica-se que S. Tomé e Príncipe, no ano de 1954, exportou produtos agrícolas no valor de 46 304 contos para a metrópole, nos quais se encontram incluídos 395 coutos sob a designação de «á ordem», cujo destino foi provavelmente para o estrangeiro, e exportou directamente para países participantes da O. E. C. E. -Organização Europeia de Cooperação Económica - o valor de 192 976 contos, atribuídos sobretudo ao cacau e também a oleaginosas.
Vê-se, pois, a alta influência do cacau, quer na economia da província, quer na balança portuguesa de pagamentos.
Pena é que tenha continuado a baixar a sua produção.
Já no ano passado, na sessão n.º 99 da Assembleia Nacional, no dia 27 de Abril, ao tomar parte no debate sobre as Contas Gerais do Estado, tive ocasião de esclarecer acerca da quebra assustadora que anualmente se vem produzindo na quantidade do cacau exportado e na produtividade dos cacaueiros.
A produção, que há trinta e cinco anos, era superior a 33 000 t. baixou em 1954 para 7416 t. Está, portanto, reduzida no momento presente a menos de um quarto.
E a produtividade, que regulava por cerca de 1,5 kg por cacaueiro, evidentemente em boas condições de produção, correspondia à média de 1 t por hectare ou por 625 cacaueiros dispostos a 4 m por compasso.
Pois, Sr. Presidente, a produtividade está hoje reduzida a menos de 300 kg por hectare, isto é, a uma média inferior a 0,3 kg de cacau comerciável por cacaueiro. E assiste-se à confrangedora situação de verificar que o novo cacaueiro plantado começa realmente a produzir no fim de cinco anos, como outrora acontecia, mas apresenta-se hoje em estado débil de vegetação e produz quantidade insignificante de cacau.
A produtividade baixou, pois, para menos de um terço.
Há, pois, profundas razões para se actuar imediatamente contra a forte e progressiva queda da produção do cacau.
Não é motivo para nos deixarmos apoderar pelo desânimo, embora alguns já se sintam desanimados, nem mesmo para se julgar que não será possível aumentar a produção. Estou convencido de que se pode e deve suspender a quebra da produção e até ir mais longe, aumentando-a dentro de poucos anos.
Tudo dependerá da maneira como soubermos reagir contra esta adversidade.
Para isso é indispensável, em primeiro lugar, que a agricultura tenha possibilidades para fazer os investimentos necessários à reconstituição das plantações. E não as tem com o actual nível de encargos, e com as cotações abaixo do custo da produção.
Em segundo lugar, é indispensável e urgente que se façam estudos de investigação sobre as causas do de-

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créscimo da produtividade e se acuda com assistência técnica especializada às plantações da província.
Os limitados meios de acção de que dispõe a Repartição Técnica de Agricultura da província não se compadecem com as necessidades existentes, no momento actual, da investigação e da assistência técnica.
A reconstituição e defesa dos solos, a selecção das variedades mais reprodutivas, a técnica cultural mais apropriada àquele meio são problemas que requerem experiência, tempo, despesas e estudo especializado, mas cujas soluções não se podem adiar.
Já por vezes me tenho referido na Assembleia Nacional às diversas causas a que se deve atribuir a queda da produção e da produtividade, pelo que me dispenso de repeti-las. Em todo o caso, referir-me-ei à falta pela parte do Estado, por ser de notável grandeza, em não ter facultado a agricultura assistência prestada por serviços agronómicos e de fitopatologia convenientemente montados e apetrechados. Devo no entanto, com a maior satisfação, fazer ressaltar a recente colaboração entre as empresas agrícolas europeias e os serviços oficiais do Estado, particularmente os de investigação científica.
Para isso terei de fazer breves referências a uma praga que atacou coqueirais da ilha do Príncipe e à benéfica intervenção do Estado, por intermédio da Junta das Missões Geográficas e de Investigações do Ultramar.
Vou, pois, referir-me ao caso alarmante provocado pela praga da cochonilha do coqueiro -Aspidiotus destructor-, que na ilha do Príncipe fez tão grande razia nos coqueirais que a produção da copra baixou para cerca de metade naquela ilha.
Pois bem, em presença deste estado calamitoso, o Estado e os agricultores uniram-se e, cada um dentro da sua esfera de acção, têm lutado contra aquela praga, e de maneira tão eficaz que se julga a levem de vencida dentro de alguns anos.
É-me grato registar que, sob os auspícios da missão cientifica de S. Tomé e Príncipe, que foi presidida pelo Eng. Prof. Ezequiel de Campos, e com o patrocínio da Junta das Missões Geográficas e de Investigações do Ultramar, a que preside o nosso ilustre colega Dr. Prof. Mendes Correia, houve oportunidade de o biologista daquela Junta Dr. Castel-Branco realizar uma missão de estudo na província, para se conhecer a praga e saber dominá-la.
Mas, Sr. Presidente, no mesmo tempo que tenho o prazer de registar este facto consolador, sinto também o dever de frisar, e com profunda mágoa, que a intervenção foi tardia.
A existência da praga foi notificada e comunicada aos serviços agrícolas da província em princípios do ano de 1954. A intervenção do biologista Sr. Dr. Cas-tel-Branco só teve lugar no 2.º semestre de 1955, quando já toda a ilha estava infectada.
Se a intervenção tivesse sido imediata sobre os primeiros focos, a praga tinha morrido à nascença e, consequentemente, tinha-se evitado que milhares de contos fossem perdidos para a economia particular e para o País.
Eu não podia deixar de fazer este reparo. Sr. Presidente.
A demora na intervenção causou profundos prejuízos!
Agora só há que remediar o mal, e à custa das empresas particulares, cujas plantações foram atingidas pela praga.
E desejo indicar, Sr. Presidente, qual foi o bom resultado da missão realizada pelo distinto funcionário da Junta das Missões Geográficas e de Investigações do Ultramar.
Conseguiu aquele biologista identificar a cochonilha - Aspidiotus destructor-, que se fixa nas folhas dos coqueiros, vivendo da seiva destas plantas.
Esta cochonilha, atacando os coqueiros da ilha do Príncipe, enfraqueceu aqueles que ofereceram maior resistência e matou os outros menos resistentes.
Dos coqueiros velhos, mais fracos pela idade, que foram atacados pela cochonilha ficaram apenas os troncos despidos, tendo morrido as árvores. Os coqueiros de pouca idade também não resistiram ao ataque, pois definharam e morreram. Só os coqueiros com mais vitalidade, de cinco ou seis anos, ofereceram maior resistência ao ataque, mas decaíram no seu aspecto vegetativo, ficaram amarelecidos e o fruto passou a cair antes de completar a sua formação.
No seu conjunto os coqueirais da ilha do Príncipe atingidos pela praga apresentam-se com zonas amarelas de maior ou menor extensão e com paus ao alto de velhos coqueiros mortos pela cochonilha. É realmente uma situação desoladora, que tive oportunidade de observar num documentário cinematográfico do Dr. Cas-tel-Branco. Não admira, pois, que na ilha do Príncipe tenha baixado para quase 50 por cento a produção da copra nas plantações atacadas.
Depois de identificada a doença, era necessário escolher o processo mais prático de a atacar.
Como é sabido, são numerosos os processos de luta contra os insectos. Estes são destruídos por outros insectos ou fungos, pelo emprego de insecticidas, pela apanha e destruição das posturas, pela reacção defensiva da planta, pela acção de fenómenos meteorológicos, etc.
O biologista Dr. Castel-Branco reconheceu impraticável o emprego de insecticidas e outros, e decidiu-se pela luta biológica, por meio de joaninhas -Cocinela eryptognata-, que foram adquiridas em Trindade e estão a dar óptimos resultados.
Aquele entomologista da Junta das Missões Geográficas e de Investigações do Ultramar, ao realizar as suas observações na ilha do Príncipe, entrou em contacto com o Imperial College of Tropical Agriculture do Commonwealth Institute of Biological Control para concretizar os seus estudos no reconhecimento do Aspidiotus destructor e assentar na maneira de combater este insecto e de adquirir e transportar para a ilha do Príncipe o insecto depradador -Cocinela eryptognata - fornecido pelo referido instituto biológico.
Temos hoje de reconhecer, Sr. Presidente, que foi coroada do melhor êxito a missão realizada pelo entomologista da Junta das Missões.
As joaninhas são criadas em recintos a abrigos especiais -insectários- e, depois de apanhadas em número aproximado a oitenta, para haver todas as probabilidades de reunir casais para se reproduzirem, são lançadas nos coqueiros atacados pela doença. Aí vivem à custa da cochonilha. limpando completamente as folhas das plantas.
Hoje, Sr. Presidente, reina a esperança de se recuperarem os coqueiros, que já aguentam o fruto devido à limpeza operada pelas joaninhas; e procura-se proceder à replantação das baixas verificadas e continuar na labuta constante e persistente de destruir a praga, à custa de encargos e cuidados das respectivas empresas agrícolas.
Sr. Presidente: o que acabo de expor diz-nos das vantagens que resultam da colaboração e entendimento entre o Estado e as empresas agrícolas da província de S. Tomé e Príncipe e mostra-nos a necessidade que há de cuidados e encargos financeiros por parte dos agricultores para manter as plantações e do auxílio e atenção que estes assuntos de técnica agrícola ao Estado devem merecer.

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Já não é a primeira vez, Sr. Presidente, que as plantações da província são dizimadas por pragas de insectos. A província de S. Tomé e Príncipe tem sido vítima de insectos que atacam as plantas produtoras, levantando alarme pavoroso pelos enormes prejuízos causados.
Houve o flagelo da rubrocinta a partir do ano de 1919, que se estendeu até 1930 e que, atacando os cacaueiros, fez baixar assustadoramente a produção do cacau; surge agora a cochonilha, que, levando o enfraquecimento e a morte a muitos coqueiros nas plantações da ilha do Príncipe, reduziu para cerca de metade a produção de copra nas zonas atacadas.
A praga dos insectos tem levado bastante desalento à agricultura. A anterior, da rubrocinta, deu quebras na produção do cacau que ainda hoje não estão compensadas.
A Roça Água Izé, que em 1916 produziu 270 000 arrobas de cacau, ficou reduzida a 70 000 arrobas depois do ataque da rubrocinta. A Roça Ubá Budo, que produzira 110 000 arrobas de cacau, baixou a sua produção para 7000 arrobas.
Por estes exemplos se poderá fazer ideia dos prejuízos causados pelos insectos e do pavor que eles levantam entre aqueles que têm de sofrer as suão consequências.
Sr. Presidente: antes de terminar as considerações que entendo dever fazer sobre a província ultramarina de S. Tomé e Príncipe, com espírito de colaboração com o Governo e de esclarecimento a prestar à Assembleia Nacional, vou referir-me à tributação de matérias-primas e produtos a exportar, que, por ser considerada de evidente exagero, nem por isso se lhe deverá atribuir significado que não tem.
Assim, as oleaginosas da província de S. Tomé e Príncipe estão realmente sobrecarregadas com encargos tributários, superiores até aos de outras províncias ultramarinas; mas isto não significa que o Governo pretenda dar orientação diferente à economia da província, nem deixe de procurar corrigir esta anomalia tributária. Caso» destes observar-se-ão em todos os tempos, porque escapam sempre à mais cuidadosa atenção dos homens.
Para mostrar a VV. Ex.as, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a falsa orientação administrativa que se poderia atribuir ao Estado na província de S. Tomé e Príncipe, partindo da tributação lançada sobre as oleaginosas, irei apresentar apenas percentagens tributárias, para não maçar VV. Ex.as com indicações numéricas pormenorizadas.
É realmente tão flagrante o exagero da tributação que recai sobre as oleaginosas de S. Tomé e Príncipe que pode até parecer que o Governo procura assim dar uma indicação à agricultura da província, apontando-lhe novo rumo a seguir na exploração das plantações.
Vou esclarecer este assunto, Sr. Presidente.
Sobre as oleaginosas incidem respectivamente as seguintes percentagens de tributação:

Copra:

Para a metrópole..........16,4
Para o estrangeiro........36,1

Coconote:

Para a metrópole............21,1
Para a estrangeiro..........38,4

Óleo de palma:

Para a metrópole.............14
Para o estrangeiro...........24

Pelas percentagens que acabo de apresentar verifica-se ser pesada a tributação lançada sobre as oleaginosas.
Com tal sobrecarga tributária poderia colher-se o convencimento de que o Governo procuraria chamar a atenção das empresas agrícolas da província para o abandono da exploração das oleaginosas ou, pelo menos, para o desinteresse pela sua cultura e exportarão. Mas não é assim. O Governo sobre o assunto tem ideias assentes, e sempre tem revelado, quando a oportunidade se oferece, que o sistema da monocultura não é de aconselhar.
Aquela sobrecarga tributária não traduz, pois a indicação governativa da monocultura.
A elevada tributação que em S. Tomé e Príncipe recai sobre a exportação dos géneros agrícolas não representa mais do que uma deficiência na justiça tributária. E isto não nos deve causar espanto algum, pois o homem está sempre sujeito a cometer erros nesta justiça, por mais cuidada e escrupulosa que seja a sua atenção em matéria tão vasta e complicada.
Porém, Sr. Presidente, o assunto está presentemente a merecer o cuidado devido a quem de direito pertence para se efectivar a sua justa revisão.
E se o assunto é de considerar, pelas razões expostas, tem presentemente flagrante oportunidade, devido aos estragos causados pela praga do insecto destruidor dos coqueiros.
A solução destes problemas, que merecem ser revistos com a brevidade possível para se não atrofiarem mais as possibilidades de recompor as plantações de coqueiros que foram devastadas, está confiada em boas mãos.
O actual titular da pasta do Ultramar já atendeu situações semelhantes, que surgem por todas as províncias, por meio de portarias publicadas no Diário do Governo.
Citarei a Portaria n.º 15 723, de 9 de Fevereiro de 1956, que suspende até 31 de Dezembro do corrente ano, na província ultramarina da Guiné, a liquidação e cobrança da sobretaxa que incide sobre o arroz descascado ou em meio preparo e respectivos subprodutos; a n.º 15 772, de 15 de Março deste ano, que suspende durante o ano de 1956 a liquidação e cobrança da sobretaxa que incide sobre o arroz em casca classificado pelo artigo 168 da pauta de exportação da província ultramarina de Moçambique, e a n.º 15 773, que reduz para 6 por cento a sobretaxa criada pelo artigo l.º do Decreto n.º 40 512 para o amendoim em casca exportado da província ultramarina da Guiné. E mais recentemente foram publicadas no Diário do Governo de 19 de Março findo as seguintes Portarias: n.º 15 779, que reduz para 3 por cento a sobretaxa criada pelo artigo 1.º do Decreto n.º 40 512 cara o óleo de palma exportado da província ultramarina da Guiné, e n.º 15 780, que reduz para l por cento a sobretaxa que incide sobre a exportação dos cimentos classificados pelo artigo 85 da pauta de exportação vigente na província ultramarina de Moçambique.
Não nos resta, pois, dúvida alguma de que a seu tempo se há-de considerar conveniente e de inteira justiça aliviar o peso tributário que em S. Tomé e Príncipe incide sobre a copra, o coconote e o óleo de palma, em relação a idêntica incidência tributária nas outras províncias ultramarinas, e tendo ainda em consideração a pavorosa devastação causada nos coqueirais da ilha do Príncipe.
Sr. Presidente: a província de S. Tomé e Príncipe encerrou a sua conta de exercício com o saldo de 19 625 contos.
No período compreendido entre 1938 e 1954 a evolução das receitas ordinárias subiu do índice 100 para

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o índice 421; islã é, houve um aumento superior ao quádruplo das receitas.
No mesmo período, Cabo Verde atingiu o índice 216, Guiné 361, Angola 662 e Moçambique 593. Proporcionalmente, S. Tomé e Príncipe foi a província de África que mais aumentou as suas receitas.
A nossa Comissão de Contas Públicas nota o facto de sor muito grande a ascensão das despesas de administração e encargos gerais na província de S. Tomé e Príncipe. As despesas de administração geral subiram de 1422 contos em 1938 para 10 131 contos em 1934. Os encargos gerais aumentaram de 2112 contos para 18 309 contos no mesmo período. É elucidativo de orientação administrativa seguida em S. Tomé e Príncipe o quadro das despesas por capítulos apresentado a p. 118 do parecer da Comissão de Contas.
No entanto, apesar deste agravamento tributário, as estradas encontram-se na sua quase totalidade em estado deplorável, diz-se no parecer a p. 122 e eu o confirmo.
Oxalá, Sr. Presidente, que da apreciação das contas e dos reparos feitos pela Assembleia Nacional alguns benefícios se possam colher. O nosso interesse é servir e colaborar.
Com as considerações que acabo de expor sobre a província de S. Tomé e Príncipe creio ter correspondido ao chamamento que a Comissão de Contas Públicas lançou aos Deputados eleitos pelo ultramar.

ANGOLA. - Passo agora a referir-me à maior província ultramarina, que abrange a área de l 246 700 km2, com uma população de 4 146 266 almas.
Desejaria dar uma ideia das características mais salientes da província de Angola, para indagar também se a sua administração, vista através das contas, se tem orientado no sentido que nos pareça mais conveniente aos interesses gerais da Nação.
Mas entendo que será ousadia da minha parte querer definir a esta grande província a sua diferenciação das restantes parcelas nacionais.
Angola é um mundo novo a surgir na sua imensa área, a consolidar o prolongamento da Pátria, pelo crescente progresso e desenvolvimento que se nota em todos os lugares da província, pelo movimento que se observa em todos os ramos de actividade, pelo extraordinário acréscimo que tem havido no seu povoamento europeu, pelo aumento de nativos que o censo indica terem assimilado a nossa civilização e por muitos outros factores de progresso que fazem de Angola o orgulho da Nação.
Esta grande e progressiva província tem as características de um país novo, a, denunciar toda a sua vitalidade e todo o seu portuguesismo, fiem lhe faltar o sabor ultramarino.
Tem 3 800 000 indígenas que vivem em regime tribal o algumas dezenas de milhares de destribalizados que vivem nos arredores de Luanda e de outras cidades daquela província.
Tem valiosos recursos naturais, planaltos, como os do Malanje, Benguela e Huila, próprios para intensificar o povoamento europeu, esplêndidos portos de mar e caminhos de ferro de penetração, vastas áreas a beneficiar para nelas se instalarem casais agrícolas e erguerem aldeias metropolitanas.
O que também se torna digno de ser mencionado e hoje dá característica especial a Angola é o facto de parte importante da sua produção já ser absorvida nos mercados internos da província.
Com reconhecida satisfação tenho de confirmar que tudo quanto acabo de indicar se tem tomado na devida consideração.
A população nativa sempre tem sido amparada pela dedicada acção dos missionários católicos portugueses, pelos serviços administrativos e de saúde, pelo contacto com europeus, a nossa maneira cristã de colonizar, e particularmente protegidos e guiados nos colonatos indígenas e nos bairros respectivos.
Aos colonatos europeus e a várias facilidades concedidas para a instalação e colocação de europeus na província por vezes aqui me tenho referido, pois constituem problemas fundamentais da nossa acção ultramarina nas províncias de povoamento. E do mesmo modo tenho feito referências especiais e de concordância à obra dos portos de Luanda, Lobito e Moçâmedes e seu apetrechamento; ao novo caminho de ferro do Congo e aos prolongamentos pura sul e para leste do caminho de ferro de Moçâmedes; à obra das barragens, irrigação, enxugo, aproveitamentos hidroeléctricos e aldeamentos de trabalhadores agrícolas europeus.
É louvável esta orientação administrativa e este interesse publicamente manifestado pelo crescente progresso de Angola. Só aplausos merece de todos os portugueses.
Mas, neste entusiasmo febril de fazer progredir Angola com ritmo cada vez mais acelerado, esquecemos o declínio que se foi operando nas disponibilidades do seu Fundo Cambial. E em meados do ano findo de 1955 tomaram-se medidas de emergência para ocorrer com brevidade à deficiência de cambiais que foi verificada na província de Angola.
A experiência dos últimos meses do ano veio demonstrar que as medidas de emergência que se haviam tomado eram incapazes de ocorrer por completo aos pedidos de transferências apresentados pelas actividades agrícolas, comerciais e industriais da província.
Teve de se recorrer ao rateio de coberturas, regulando as importações da província, seja qual for a sua proveniência, e publicando o Decreto-Lei n.º 40 483, de 31 de Dezembro de 1955.
Estas medidas tomadas pelo Sr. Ministro do Ultramar, Prof. Dr. Raul Ventura, foram justamente consideradas da máxima importância para a vida económica de Angola.
Os fenómenos económicos e financeiros que se vinham observando na província mostravam a imperiosa necessidade de se controlarem as importações, paru evitar abundante saída de divisas.
Embora a situação se deva considerar de crise transitória, certo é que não atinge as proporções calamitosas da crise de 1929, que foi de natureza mundial. E por isso é que as medidas agora tomadas não foram tão drásticas como aquelas que o saudoso Ministro Prof. Dr. Anuindo Monteiro foi obrigado a tomar para salvar Angola.
Lembrando-me da obra de extraordinário alcance realizada pelo grande Ministro das Colónias que foi o Prof. Anuindo Monteiro, neste lugar presto mais uma voz sincera e profunda homenagem à memória que dele respeitosamente conservo.
A economia de Angola também está hoje mais fortalecida para resistir aos embates de crises, sobretudo quando elas têm carácter transitório, como acontece no raso presente.
Sr. Presidente: muitos assuntos relativos à administração de Angola poderia aqui tratar, para alguma luz lançar sobre a orientação que se tem seguido no emprego dos dinheiros do contribuinte. A análise às contas dar-me-ia oportunidade para destes assuntos me ocupar durante, dias. Há, porém, alguns problemas cuja solução tem despertado crítica de discordância. Julga-se ter havido desperdício de dinheiro na obra dos colonatos indígenas, além de se atribuírem outros inconvenientes a este empreendimento.

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Vou expor. Sr. Presidente, a minha opinião, no intuito de se ventilar um assunto que entendo ser da maior importância para a vida de Angola, para a Nação e para o nome de Portugal como país colonizador.
O objectivo u atingir com a obra dos colonatos indígenas consiste em fixar o indígena à terra, criar nele a noção de propriedade rural e criar-lhe também o gosto pelas técnicas modernas da agricultura.

O Sr. Prof. Dr. Marcelo Caetano considera também ser necessário fazer evoluir racionalmente a agricultura feita pelos nativos, acabando com o sistema intinerante e promovendo que o indígena se fixe ao solo, para o valorizar e se valorizar a si próprio.
Se trago à crítica do assunto a opinião valorizada do ilustre professor e Ministro Dr. Marcelo Caetano é para mostrar à Assembleia Nacional que também lia opiniões de alto Valor favoráveis à iniciativa dos colonatos indígenas da província de Angola.
Entendo que nesta obra, a realizar com afinco e carinho, não se deverá atender unicamente ao aumento de produtividade, mas também, e sobretudo, h evolução social do nativo, quer como pequeno proprietário independente a trabalhar por conta própria orientação que se lhe imprime nos colonatos indígenas- quer como simples trabalhador rural ao serviço de outrem.
Não quero com isto dizer que o pequeno agricultor indígena dos colonatos fique excluído de produzir trabalho como assalariado.
Na ânsia de adquirir meios para satisfazer todas tis Mias necessidades, é natural que o indígena que trabalha por conta própria queira ir trabalhar por conta alheia nas épocas que lhe ficarem disponíveis, tal como acontece na metrópole; mas entendo que, pelo menos para já e durante o período transitório da adaptação, não se poderá contar com o indígena dos colonatos para obter mão-de-obra destinada às empresas dos colonos europeus: e para o futuro é duvidoso que da massa desses colonos indígenas possa sair mão-de-obra para empresas europeias, se atendermos à psicologia do trabalhador indígena.
Daqui se conclui que os colonatos indígenas fomentam a vinculação do indígena à terra, nuas diminuem a mão-de-obra disponível, já hoje bastante escassa, para trabalhos por conta alheia.
Mas, como a nossa política não se subordina a fórmulas absolutas e rígidas, resulta que tudo se harmoniza no sentido de fazer evoluir o nativo no progresso da técnica agrícola, na subida do seu nível de vida, sem se cair no erro de pretender a proletarizacão total dos indígenas.

Não poderá haver progresso social entre os indígenas enquanto eles viverem dispersos pelo mato em sanzalas e palhotas primitivas, empregando a cultura itinerante e processos rudimentares de agricultura.
A agricultura nómada ou itinerante terá de ser substituída pela agricultura fixa, conservadora.
É obra de longa duração e que demanda muita persistência, mas terá de ser realizada, para fixar o indígena agricultor, para fazer subir o seu nível de vida, para o assimiliar e civilizar.
A criação e a organização dos colonatos indígenas correspondem aos humanitários e civilizadores propósitos da nossa política indígena de assimilação.
É indispensável criar hábitos de civilização nas populações indígenas, para que sintam a necessidade de se vestir, de se calçar, de melhorar a sua alimentação, de utilizar meios de transporte, de construir casas definitivas com materiais de maior duração e com divisões apropriadas :i vida civilizada, de dispor com higiene e mais conforto o interior das suas habitações, de também consumir produtos metropolitanos importados, à semelhança das populações brancas.
O nosso esforço colonizador, destinado a civilizar as populações primitivas, dentro do campo material, consiste em despertar necessidades naquelas populações, pela educação, pelo hábito, pela imitação, pelas facilidades concedidas, para assim as impelir a participarem no desenvolvimento da economia das suas província.- como agentes de produção e de consumo. O nosso dever e o nosso fim civilizador, na ordem material, será converter o indígena, ao mesmo tempo, em produtor e consumidor.
Seria contrariar o nosso espírito colonizador se nos contentássemos, na ordem material, em criar hábitos de trabalho no indígena, em fazê-lo trabalhador ou produtor.
Torna-se indispensável que ele aprenda também a ser previdente e consumidor, para seu proveito
Ora os colonatos suo boa escola para o indígena produzir mais e melhor; para se fixar e abandonar a cultura nómada para se habituar a ser previdente, pelo depósito dos lucros e pela guarda e conservação de sementes; para ser consumidor do que necessita para nas suas lavras e para o seu bem-estar e da família.
O colonato fornece moradias; cede material agrícola, mediante aluguer ou maquia; faculta a aquisição de alfaias, insecticidas, fungicidas e sementes; presta, assistência técnica; aceita depósitos em dinheiro ou géneros; concede créditos.
Além de toda esta assistência, o colonato dispõe ainda de postos sanitário», escolas, igreja e maternidade.
O sistema dos colonatos indígenas instituído na província de Angola tem pois a grande vantagem de transformar o cultivador nativo em agricultor. Fixando-o junto da sua propriedade evita que ele emigre com tanta facilidade como presentemente acontece e, sendo mais fácil e eficiente prestar-lhe assistência técnica em regime de colonato, não só se aumenta u produtividade, como se actua no sentido da conservação do solo.
E o problema da conservação do solo em África é de tão premente acuidade que se reconheceu a necessidade de promover conferências internacionais para lhe dar solução.
Posso apresentar um exemplo bem elucidativo da complexidade do problema da erosão e da urgência que há em resolvê-lo.
Na II Conferência Internacional da Conservação do Solo, realizada na província de Angola em Setembro de 1953, o chefe dos serviços de agricultura daquela província informou que o aumento da restinga do Lobito, que ameaça encerrar o porto à navegação, é atribuído à erosão do solo, que resulta da cultura itinerante do milho, iniciada em 1010.
No ano de 1700 não existia a restinga. De 1891 a 1910 a restinga aumentou 11,84 m por ano. De 1910, início da cultura intensiva do milho, a 1928 a restinga cresceu anualmente 13,33m, e em 1952 o ritmo do crescimento alcançou 17,50 m por ano.
Daqui se poderá avaliar da complexidade, da extensão e da importância do problema da erosão do solo e da urgência em lhe dar solução.
Haja em vista o que as chuvas têm causado em Luanda e nos seus arredores.
As estradas e os caminhos de ferro são causa permanente da erosão; mas a cultura indígena, por não utilizar a técnica da conservação do solo, contribui poderosamente para aumentar o perigo do fenómeno da erosão do solo. Vê-se, pois, ser indispensável instruir o indígena na defesa contra a erosão, na técnica da conservação do solo
Sejam quais forem os resultados obtidos nos colonatos indígenas -e parece que são bastante optimistas-.

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certo é que com os processos primitivos, usados pelos indígenas nas suas culturas itinerantes não seria possível aumentar a produtividade nem elevar o seu nível de vida.
Além de que a agricultura nómada conduz à destruição do solo, que não é fácil depois recuperar, pois o indígena não reconstitui a floresta que derruba e queima para a cultura agrícola, e assim não se dá a regeneração do terreno.
Se continuarmos, a pedir ao cultivador indígena aumento de produção e ele continuar a derrubar e queimar a floresta, para utilizar o seu sistema do cultura nómada, levantar-se-á um grave problema no futuro com o empobrecimento do terreno.
Era, pois, necessário que fossem postos em prática processos de agricultura que, dando mais rendimento ao indígena, evitassem também o esgotamento da terra. Em Angola apresentava-se indispensável o urgente resolver este problema fundamental da organização da agricultura indígena, introduzindo-lhe processos de técnica agrícola ajustados ao meio, a capacidade produtora das terras das várias regiões da província e à conservação do solo o das florestas.
0 sistema dos colonatos indígenas que se criou em Angola veio resolver em parte este magno problema. Foi uma iniciativa feliz. Assim a realização tenha correspondido ao alto espírito que a inspirou. A despesa com esta obra, embora avultada, é perfeitamente aconselhada. Além do aspecto de economia agrícola, há ainda a considerar o problema sob a sua faceta humana do atender ao bem-estar dos indígenas e à sua assimilação.
Ninguém nos poderá acusar com justiça de não termos feito todos os esforços possíveis para a elevação moral e material dos indígenas. E da elevação do seu nível de vida há exemplos frisantes em toda a parte do território de Angola.
Sr. Presidente: muito haveria a dizer acerca do nosso esforço em matéria de agricultura na província de Angola, tanto por parte do Estado como dos particulares, e do qual tem beneficiado a população indígena. Citarei apenas que na ocupação científica de Angola há a contar com as estações e postos agrícolas distribuídos pelas várias altitudes, desde o do Cazengo, a 690 m acima do nível do mar, até ao da Humpata, a 1000 m, ficando situados intermediàriamente o posto de culturas regadas do Cunene, a cerca de 1000 m, e a estação de Malanje, a 1200 m.
Além desta rede de estações e postos agrícolas dos serviços de agricultura de Angola, há ainda os postos experimentais montados pelas Juntas do Café, do Algodão e dos Cereais e ainda temos de contar com os campos experimentais instalados pelos grandes agricultores nas suas plantações.
Por todo o território angolano se estuda, se experimenta, se ensaia.
A ocupação agrícola da província de Angola tomou o carácter científico. O amadorismo e a rotina fizeram a sua época.
Sr. Presidente: pelo que deixo exposto, a Assembleia Nacional poderá formar o seu juízo crítico acerca do critério político-administrativo que tem presidido em Angola e onde parte dos seus réditos tem sido utilizada.
Referi-me, Sr. Presidente, ao nosso esforço em prol da população indígena de Angola e especialmente aos seus colonatos indígenas.
Entendi que deveria marcar a minha posição acerca destes colonatos, pois, quanto à colonização europeia, já por várias vezes tenho exposto à Assembleia Nacional o meu pensamento.
Sem querer mencionar todas as vezes que ao problema da colonização europeia me tenho referido, julgo, no entanto, oportuno recordar a minha intervenção na sessão do dia 10 de Dezembro de 1954, em que, com algum desenvolvimento, me ocupei do êxito obtido pelo colonato europeu da Cela.
Referindo-me então à nossa obra colonizadora na província de Angola por gente portuguesa metropolitana, destaquei o valor e o êxito do colonato europeu da Cela e as obras grandiosas do Sul de Angola, incluídas no Plano de Fomento Nacional, que se destinam, entre outros fins, à ocupação do vale do Cunene por casais agrícolas europeus.
A este assunto voltarei a referir-me mais adiante, ainda dentro das considerações relativas à província ultramarina de Angola; mas para já convém fixar que se tem procurado atingir a finalidade da colonização indígena e europeia, destinando-lhe certos gastos volumosos.
Podemos afoitamente afirmar. Sr. Presidente, que o Estado Novo tem realizado em todos os sectores da vida nacional a obra mais grandiosa de todas as épocas da nossa administração pública. Se há erros a corrigir - e alguns aponto no decorrer desta intervenção-, o somatório das benfeitorias é tão grande que deixa a perder de vista as nossas imperfeições.
Seja-me permitido, Sr. Presidente, que transmita à Assembleia Nacional algumas impressões colhidas em Luanda numa recente visita que fiz à capital da grande e portentosa província de Angola.
Ao compulsar os jornais diários daquela província ultramarina deparei, numa correspondência de Lourenço Marques, com um artigo intitulado «O estreitamento das relações entre a metrópole e o ultramar visto por um jornalista moçambicano», onde se contém o princípio basilar em que terá de assentar o estreitamento dos laços que hão-de unir perpètuamente a metrópole e o ultramar.
Vou ler o enunciado desse princípio, tanto mais quiete deverá traduzir o pensamento geral do nosso ultramar:

É, sobretudo, da Mãe-Pátria que devem vir os capitais, os técnicos e os braços indispensáveis para o desenvolvimento do ultramar português.

Ninguém pode pôr em dúvida a afirmação deste jornalista moçambicano. Ninguém duvidará de que pelo investimento do capital metropolitano nas províncias ultramarinas e pela ocupação financeira, económica, técnica e de braços metropolitanos no ultramar se poderá assegurar o futuro das nossas empresas, o progresso ultramarino, a perpetuidade da Nação.
Ligados economicamente os territórios ultramarinos entre si e a metrópole, serão mais intensas as relações, ficará mais fortalecida a unidade nacional e será mais impulsionado o progresso metropolitano e ultramarino.
Os laços das finanças e da economia são dos que mais prendem as populações dos territórios dispersos e daqueles que mais contribuem para o estreitamento das suas relações.
Não há, pois, dúvida alguma do acerto contido naquelas palavras do jornalista moçambicano.
Todos aqueles que amam o ultramar e entendem que no seu progresso e desenvolvimento se deverá perpectuar o nome de Portugal pensam igualmente como aquele jornalista; mas há casos que se apresentam na prática com a aparência de contrariar aquele salutar princípio.
Infelizmente, sucede haver avultado capital metropolitano investido no ultramar que em vez de ser ali apoiado, é combatido por forças que parece desconhecerem a sua patriótica e benéfica actuação.
Na rápida visita que fiz à cidade de Luanda tive oportunidade do observar um destes casos, que julgo

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merecer a atenção de quem do direito e especialmente do Sr. Ministro do Ultramar.
Próximo da cidade de Luanda fui instalada uma fábrica de roçaria, destinada ao aproveitamento de matéria-prima local. A fábrica está apetrechada com os mais modernos teares circulares, de recente invenção, que só algumas unidades europeias utilizam em parte uns suas instalações.
Pois, Sr. Presidente, assiste-se a esta situação confrangedora: a sacaria portuguesa, com emprego de fibra angolana e juta importada, fabricada, u custa de capital e técnicos portugueses e mão-de-obra nacional, em boas condições de resistência e embalagem, continua armazenada, sem ser utilizada; e da índia e de outras origens, em menor escala, importam-se sacos, em nada superiores em qualidade, com enorme dispêndio de cambiais, somente por serem adquiridos por preço inferior em relação aos nacionais.
É indispensável esclarecer das razões que no momento actual fazem com que o preço do saco angolano seja superior ao importado da índia. Note-se desde já que a diferença nos preços de custo não se reflecte nos preços de venda, visto na sacaria importada se ter de auferir maior lucro, por vazões óbvias.
No caso de o importador ser o próprio consumidor, isto é, quando a indústria importa sacaria para nela exportar o seu produto, aquela diferença de custo verifica-se de facto; mas este não é o caso geral. O importador de sacaria armazena para vender ao consumidor e, portanto, neste caso, que é o geral, terá de haver, evidentemente, margem de lucro para o importador. Eis a razão pela qual o saco importado não poderá ser vendido em Angola ao preço de custo no armazém do importador.
A fibra até agora produzida na província de Angola pelo indígena provém das plantas de geração espontânea - U rena Lubata e Punga - e não oferece a resistência da fibra indiana, embora apresente características semelhantes à juta, devido à forma deficiente da sua preparação.
Por esta razão foi necessário importar juta, que é produzida na sua quase totalidade no Paquistão, para ser misturada com a fibra nacional e assim tornar possível a sua utilização em boas condições técnicas.
Actualmente a fábrica de grossaria emprega cerca de 30 por cento de juta e 70 por cento de fibras locais.
Vou procurar esclarecer o que há em Angola quanto às fibras de produção indígena e de produção europeia em regime de experiência e adaptação de nova fibra e quanto à juta importada.
A produção das fibras locais é feita tradicionalmente pelos indígenas, especialmente em várias zonas do distrito do Congo, à semelhança do que sucede nos territórios análogos do Congo Belga, onde a fibra é destinada à sacaria.
Para fomentar e melhorar a técnica da produção indígena , a empresa que possui a referida fábrica de grossaria criou um serviço chefiado por um regente agrícola de colaboração com as autoridades administrativas locais.
Por outro lado outra empresa está a tentar na peneplanície do rio M Bidge a produção em larga escala da fibra substituta da juta nomeadamente o Kcnaf, que é uma malvácea designada por Hbiscos Cananabix.
O fomento da produção da fibra na província de Angola encontra, além das dificuldades naturais a estes empreendimentos, uma dificuldade especial proveniente do elevado custo do transporte, com os meios de que presentemente se dispõe na província, desde as zonas do produção ale às da industrialização.
Embora pareça exagero, a verdade é que, enquanto o custo médio do transporte da fibra, devidamente prensada, da zona produtora à cidade de Luanda custa l $30 por quilograma, a juta indiana é transportada de Calcutá para os portos da Europa ou da África com o dispêndio de $50 por quilograma.

Este é o factor de relevante importância que faz elevar o preço da fibra indígena, dada a sua influência na economia da exploração da referida fábrica de grossaria.
A notada influência das vias de comunicação será naturalmente eliminada quando estiver construído o em funcionamento o caminho de ferro do Gongo.
Isto é o que se passa relativamente à carestia do custo da fibra angolana no armazém da fábrica, devido às dificuldades do transporte no interior da província.
Vejamos agora o que acontece quanto aos direitos de importação da juta e da sacaria estrangeira.
A importação de sacaria de origem estrangeira não está presentemente sujeita ao pagamento de direitos aduaneiros, ao passo que a matéria-prima - juta - de que a indústria nacional carece para valorização e aproveitamento das fibras de produção nacional está sujeita a tributação pautai de expressivo valor.
Daqui resulta outro meio de encarecer o custo da produção nacional, e além disso ainda se baixa o custo da produção estrangeira.
E eu pergunto. Sr. Presidente, sem conseguir obter resposta satisfatória:
Como se poderá compreender e justificar que na importação de matéria-prima para ser trabalhada pela indústria nacional se paguem direitos aduaneiros e o produto manufacturado pela indústria estrangeira com a mesma matéria-prima entre na província de Angola ,em pagamento desses direitos?
Então não seria mais lógico e, sobretudo, respeitador dos nossos princípios gerais de protecção à indústria nacional que a matéria-prima - juta - estivesse isenta do pagamento de direitos aduaneiros, quando importada, para tornar possível o aproveitamento económico das fibras de produção nacional?
Creio ter apontado, Sr. Presidente, os motivos especiais que dão causa à diferença de custo, a qual como já informei, não se reflecte no preço de venda.
Com os factores indicados a contribuírem pesadamente para o agravamento do custo da produção nacional, não poderá causar espanto que os sacos importados da União Indiana tenham preço de custo, no armazém do importador, inferior ao dos sacos de produção angolana.
Quando o Sr. Ministro do Ultramar vier a ter conhecimento desta gritante anomalia, ou dela se aperceber a Inspecção Superior das Alfândegas do Ultramar, poderemos estar certos de que providências serão tomadas de harmonia com os interesses da província de Angola e da Nação.
Pelo que me- foi dado observar, este grande empreendimento de capital e leonina nacionais em terras de Angola visa a satisfazer totalmente a necessidade imperiosa de consumo de sacaria da província.
Sabendo-se que o mercado angolano contorno cerca de 4500 t a 5000 t de sacos anualmente, tudo está preparado para satisfazer este consumo, conforme em Luanda fui informado.
Devemos ainda atender, Sr. Presidente, a que a utilização dos silos do Lobito deverá permitir o embarque de milho a granel, e, portanto, será menor do que até hoje o consumo de sacos na província de Angola.
Apoiando, pois este grandioso empreendimento, que tanto me impressionou quando ultimamente estive em Luanda, apoio também todos os outros em idênticas que se enquadrem nos nossos princípios nacionalistas da unidade nacional e engrandecimento do ultramar.

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Sirvam, ao menos, os Comentários que sobre este importante assunto acabo de fazer para mostrar como a gente portuguesa anda empenhada em atrair ao ultramar capitais, técnica e experiência da metrópole, e, ao mesmo tempo, para evidenciar a imperiosa necessidade que há de as actividades particulares encontrarem no ultramar o estímulo de que precisam para ali se criarem e desenvolverem as indústrias que hão-de impulsionar o progresso das províncias ultramarinas.
Sr. Presidente: não quero deixar de fazer alguns reparos e transmitir à, Assembleia Nacional as boas impressões colhidas na minha rápida passagem pela cidade de Luanda.
É impressionante o seu extraordinário progresso, quer nos seus magníficos edifícios e estabelecimentos comerciais, quer na extensão da sua área urbanizada.
A cidade está servida por esplêndido aeroporto e na sua urbanização destacam-se a linda avenida, marginal, com prédios grandiosos e de boa arquitectura, e os bairros novos, com bonitas vivendas, que se estendem pela antiga zona dos muceques.
A cidade cresce e, alinda-se e vai resolvendo os seus problemas dentro das suas possibilidades.
Há porém alguns reparos a fazer. O plano de urbanização, que foi feliz, tomado no seu conjunto, obriga contudo a pequenos reparos, que se ouvem por toda a parte. Aponta-se, com justificada razão, o acanhamento na largura de algumas das suas novas artérias, acontecendo isto numa terra onde felizmente abunda o espaço livre para se planear com toda a largueza. A largura dessas ruas ficou tão reduzida que só permite o estacionamento de carros de um lado, para não ser interrompido o trânsito.
No jardim do Largo do Município foi construir-se um grande prédio, que parece será destinado a repartições públicas, merecendo comentários desagradáveis o ter-se ocupado aquele recinto com um edifício.
Esta ideia de inutilizar ou reduzir jardins públicos para nesse espaço se erguerem edifícios não se nota só em Luanda, mas também na cidade de S. Tomé.
É pena observar estes exemplos quando não há falta de espaço nestas cidades.
Notei com aprazimento a existência, na zona dos muceques, dê algumas hortas destinadas ao abastecimento da cidade de Luanda. E recordei as dificuldades que já existiram no abastecimento de hortaliças e outros alimentos frescos quando em grande parte vinham da zona de Malanje, à distância de 300 km.
Se grande parte dos milhares de destribalizados que vivem na zona dos muceques, onde certamente aumentará este número, atendendo as numerosas crianças que ali se vêem, se dedicasse ao cultivo das hortas, ajudaria muito a resolver o grande problema dos destribalizados. Mas por enquanto estas hortas, que se estão a criar por iniciativa daquela gente, ainda não podem ser suficientemente desenvolvidas, pois são regadas com água ao preço de 3$ por (metro cúbico.
Sr. Presidente: já que me referi ao problema dos destribalizados, não quero deixar de contribuir com a minha quota-parte para algumas considerações a seu respeito.
Se o problema se apresenta de difícil e complicada resolução, e por isto mesmo é que muitos se defendem de o abordar, entendo que só há motivo para cada um expor a sua opinião até se encontrar a mais conveniente e acertada resolução.
O problema dos destribalizados é geral no continente africano.
Se há 130 000 à volta de Luanda, pior é ainda haver 400 000 nos arredores de Leopoldville, dos quais 200 000 não têm habitação.
É um problema grave, que se vai agravando cada vez mais, pelo facto de dia a dia aumentar o número dos destribalizados. Esta circunstância impõe urgência imediata na resolução do problema.
Quanto a mim, apresentam-se duas soluções: fazer regulados ou urbanizar os arredores das cidades onde existirem destribalizados.
Para formar regulados, isto é, agrupar os nativos segundo o seu direito consuetudinário, tribalizá-los não é aconselhável nem talvez possível.
Por serem de tribos diversas, de origens étnicas as mais diversas, não seria possível- formar regulados com estes elementos. E notemos que eles vêm para as cidades para serem cidadãos, para não estarem acorrentados à disciplina tradicional da tribo, se bem que a tribo já hoje não existia, pelo menos com aquela feição primitiva de obediência, cega ao régulo, de serem apenas responsáveis perante a autoridade gentílica.
Desde que se estabeleceu o imposto individual, podemos dizer que a tribo perdeu o seu cunho tradicional, o cunho primitivo. E também se pode dizer que a criação dos postos administrativos veio reduzir a função do régulo e a sua autoridade e prepotência. Com o imposto individual, os indígenas deixaram de pagar ao régulo os seus impostos e outras obrigações e o régulo deixou de ser o árbitro nas suas contendas. A vida comunal indígena sofreu, assim, o golpe de misericórdia.
Não há, pois, razão séria para se pensar em fazer regressar à tribo no interior do mato os destribalizados de Luanda ou de outras cidades, nem tão-pouco dar-lhes vida comunal indígena nos locais onde se encontram presentemente instalados nos arredores das cidades.
Há que urbanizar, fazer bairros indígenas ou de pretos, mas considerá-los pretos só na cor.
Estes pretos, se em grande parte não estão inteiramente assimilados, também já se não encontram no estado Selvagem; e, portanto, os bairros indígenas não podem ser .feitos com palhotas. E outra condição a atender na resolução deste problema é que estes destribalizados, na minha opinião, se uma parte se adapta aos serviços de agricultura, na sua grande maioria só procuram ser operários, criados, funcionários, caixeiros, etc. tudo lhes agradará, menos serem trabalhadores rurais.
Dentro destas realidades se deverá procurar resolver diferentemente o problema dos destribalizados para cada caso, conforme o local, o meio e as possibilidades.
Ao querer apresentar perante a Assembleia Nacional as características desta grande província ultramarina e ao mesmo tempo mostrar a orientação e interesse do Governo na administração de Angola e no impulso que tem dado ao seu progresso, não posso nem devo deixar de se referir a duas grandes obras inscritas no Plano de Fomento - as barragens da Matala e do Biópio. E sou levado a citar estes dois empreendimentos por motivo não só das elevadas quantias despendidas na sua realização, e que a Assembleia Nacional terá de apreciar, como também pela sua importância na economia da província e, particularmente, na valorização de duas importantes regiões - Moçâmedes e Sá da Bandeira, no Sul de Angola, e Lobito-Catumbela-Benguela, na zona do porto e caminho de ferro que liga ao Congo Belga e à Rodésia do Norte, na zona açucareira de Catumbela e industrial de Benguela.
A barragem da Matala, que tem um desenvolvimento de cerca de 1 km, destina-se à produção de grande quantidade de energia eléctrica, à rega de muitos milhares de hectares de terra e à travessia do rio Cunene por meio de estrada e do caminho de ferro de Moçâmedes.

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Este aproveitamento hidroeléctrico do Cunene é de extraordinária importância para a vida económica de Angola, para o seu bem-estar social, para o desenvolvimento das cidades de Sá da Bandeira e Moçâmedes, para o aproveitamento agrícola de enormes extensões de terreno e, enfim, para o aumento da ocupação étnica do Sul de Angola.
As vantagens da travessia do rio Cunene, quer por estrada, quer pelo prolongamento do caminho de ferro de Moçâmedes, será desnecessário encarecê-las sob o seu aspecto económico e social; mas o prolongamento do caminho de ferro até à fronteira, ligando-nos com Liviugstown, ficará a atestar ao Mundo quanto nos temos, esforçado e contribuído para a civilização do continente africano e até onde vai o nosso esforço de colaboração internacional e de boa vizinhança.
A Assembleia Nacional, para formar o seu juízo crítico, terá de se deter na apreciação das despesas da barragem da Matala, do prolongamento do caminho de ferro, das obras do porto marítimo de Moçâmedes, dos cabos aéreos transportadores da energia eléctrica da barragem para Sá da Bandeira, num percurso de 200 km, acrescidos de mais 168 km até à cidade de Moçâmedes, da irrigação de muitos milhares de hectares de terrenos destinados a pastagem de gados e à exploração agrícola, da instalação de colonatos agrícolas europeus em Vila Folgares, Algés-a-Nova e outros centro colonizadores, onde europeus e indígenas participam dos benefícios realizados pelo Estado.
Ao formular o nosso juízo crítico lembremo-nos da admiração que causou e das dúvidas que surgiram por motivo da importância superior a 1 milhão de contos que foi atribuída às obras de fomento e povoamento do Cunene, que têm por base a barragem da Matala.
Lembremo-nos do despacho do Sr. Presidente do Conselho de 22 de Maio de 1952, por mim aqui mencionado pouco tempo depois de S. Ex.ª o ter exarado, pelo qual foi autorizada a valorização do Sul de Angola com as obras hidroeléctricas do rio Cunene e com o prolongamento do caminho de ferro de Moçâmedes em direcção à fronteira leste da província de Angola.
Lembremo-nos do que então aqui se discutiu e aprovou sobre a proposta do Governo relativamente ao Plano de Fomento Nacional e, particularmente, ao plano de fomento de Angola, das esperanças que então se depositaram no executor desta obra grandiosa e extraordinário, o inspector-geral do fomento Sr. Engenheiro Trigo de Morais, e apreciemos agora o seu estado de adiantamento, o sonho tornado realidade.
Apreciemos com imparcialidade e justiça se alguma razão haverá que justifique ter-se dado o nome de Salazar à enorme barragem da Matala, sobre o rio Cunene, base do grandioso empreendimento do Sul de Angola.
Se anteriormente fiz alguns reparos à nossa administração na grande província de Angola, e alguns mais faria se o tempo e a oportunidade o permitissem, quanto ao grandioso empreendimento da iniciativa do Governo e incluído no Plano de Fomento sobre a valorização do Sul da província de Angola só encontro motivo para nos felicitarmos.
Mas, Sr. Presidente, prometi referir-me também à barragem do Biópio.
Esta barragem, lançada sobre o rio Catumbela, a cerca de 50 km do Lobito, não foi iniciada com o Plano de Fomento, mas transitou do plano de fomento privativo do Governo-Geral da província, da administração da C. A. F. F. A., para o Plano de Fomento Nacional.
A sua importância no fornecimento de energia eléctrica à cidade e ao porto do Lobito, a Catumbela e respectiva zona açucareira, à cidade de Benguela e às suas indústrias dispensa quaisquer comentários. Há no entanto a frisar o desvelado interesse do Governo pelo progresso de Angola.
Estamos, pois, a seguir pelo bom caminho que desta tribuna ouvi apontar o nosso ilustre colega Sr. Deputado Carlos Mantero, aquando da efectivação do aviso prévio do nosso activo e ilustre colega Sr. Deputado Melo Machado, referindo-se à nossa colonização africana, disse o Sr. Deputado Carlos Mantero, com inteira aprovação de todos nós, ser obra conjunta do Estado e da iniciativa privada. E, querendo concretizar este seu pensamento, indicou o que a cada um pertencia fazer:

O Estado criando condições gerais que facilitem e acelerem a colonização e o aproveitamento económico das nossas províncias africanas; o colono tomando espontaneamente as iniciativas económicas.

Sr. Presidente: pela concordância que merece esta orientação na política da administração ultramarina, faço os mais ardentes votos para que ela seja seguida noutras províncias ultramarinas.
Para finalizar as minhas considerações acerca da orientação administrativa na província de Angola, seja-me permitido fazer rápida referência às obras que se anunciam para breve na baía dos Tigres.
Devido à importância económica e de natureza política de que sempre se revestiu a baía dos Tigres, e a que já tive oportunidade de me referir em intervenções anteriores, desejo congratular-me com a notícia da despesa de milhares de coutos que ali irão ser investidos nas obras e instalações para abastecimento de água.
Não é despesa do ano económico de 1954, mas a orientação governativa de transformar a baía dos Tigres num dos principais centros industriais de Angola marca e define uma política, que sómente poderá pecar por não ter sido realizada há mais tempo.
A deficiência do abastecimento de água, que vem de longe e é racionada, tem impedido que a baía dos Tigres seja um centro piscatório de grande importância.
E do conhecimento de todos nós que há grande abundância de peixe neste mar, capaz de abastecer e alimentar importante centro fabril de conservas, óleo e farinha de peixe. Conhecemos também as dificuldades do transporte de água e a sua escassez para as necessidades de vida da actual população. São conhecidas as avultadas dimensões quer da extensão quer da profundidade da baía e do seu abrigo natural, assim como a sua óptima posição, sob vários aspectos, na costa ocidental do continente africano, o que tem feito despertar ambições estranhas.
Pois, Sr. Presidente, apesar da falta de água para a vida do homem, podemos apreciar o esforço que ali se tem desenvolvido comparando o que era a baía dos Tigres há bem pouco tempo - em 1943 havia apenas quarenta e oito brancos e duzentos e cinquenta indígenas - com a sua actividade actual, que compreende catorze pescarias, traineiras, fábricas de óleo e farinha de peixe, tendo exportado cerca de 14 000 contos no ano de 1954.
Bem empregados serão, Sr. Presidente, os milhares de contos que forem necessários despender para abastecimento de água à baía dos Tigres.
E quando tal acontecimento for uma realidade ver-se-á então que a água do rio Cunene transformará as areias inóspitas e sequiosas do «fim do mundos - nome pelo qual são conhecidas - em terrenos produtivos e a baía dos Tigres desenvolver-se-á como centro português da indústria piscatória de Angola, o maior de toda a província, assim como a baía é a maior de toda a África, deixando de despertar cobiças alheias por terem desaparecido algumas das razões invocadas.

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Neste sentido tem actuado o Governo, o que me apraz registar. Pela Portaria Ministerial n.º 15 539, de 13 de Setembro de 1955, foi criada, com carácter temporário, a missão técnica da baía dos Tigres e a respectiva brigada de estudos, com a finalidade de projectar as obras a realizar para a instalação de um porto comercial, testa de eventual caminho de ferro, escolher a localização de um aeroporto e o traçado das vias de comunicação terrestres e estudar os problemas do abastecimento de água e energia eléctrica.
Cito esta portaria ministerial porque ela vem definir a política do Governo que mais convém ao interesse da Nação relativamente ao magno problema angolano da baía dos Tigres e por isso mesmo merece o nosso inteiro aplauso.
Sr. Presidente: o orçamento da província de Angola foi elaborado em regime de autorização concedida por portaria ministerial.
O resultado da conta de 1954 acusa o saldo positivo de 634:116.147$32, desdobrado em 340:476.066$54 de saldo disponível e em 293:G40.080$78 de saldos revalidados.
Os encargos da dívida de Angola atingiram 32 no contos em 1954, representando (terça de 3 por cento das despesas ordinárias da província.
De juros a província pagou 17 914 contos em 1954 e de amortizações 16 923 contos.
No parecer das contas mencionam-se vários problemas de Angola. Faz-se ressaltar a ineficaz e imperfeita rede de estradas, cujo mal vem de há muitos anos, com manifesto prejuízo para a economia da província e seu desenvolvimento social.
Não há dúvida de que a falta de comunicações adequadas dá lugar a queixumes constantes da população de Angola.
Porém, Sr. Presidente, devo esclarecer que há dias foi publicado o Decreto n.º 40 569, de 13 do corrente, que fixou normas para a realização da rede fundamental de estradas das províncias de Angola e de Moçambique, definindo a constituição e funcionamento das brigadas técnicas intervenientes na realização dos respectivos planos.
As brigadas destinam-se a suprir a natural insuficiência dos quadros privativos.
O plano geral rodoviário de cada província que vier a ser aprovado será executado por fases, conforme as possibilidades de execução e os recursos financeiros que o orçamento da província comportar.
Dou aqui por terminadas as minhas considerações relativas à grande província de Angola.

MOÇAMBIQUE. - A província ultramarina de Moçambique tem a área de 771 125 km2, sendo, portanto, em extensão a, segunda província do ultramar português.
A sua densidade populacional é maior do que a de Angola, pois tem a população avaliada em 5 732 737 almas.
É influenciada na sua vida económica pela facilidade de comunicações internacionais através do porto e caminho de ferro de Lourenço Marques, que a liga ao Transval, do caminho de ferro do Limpopo, que a li«;a. com as Rodésias e, possivelmente, com a Suazilândia quando se prolongar a via férrea de Goba até Stegi, e está sendo altamente influenciada pelas comunicações estabelecidas pelo porto e caminho de ferro da Beira, que liga Moçambique com a Rodésia do Sul.
Desempenha papel importante na vida económica e financeira da província a emigração espontânea e recrutada de trabalhadores para as minas da África do Sul e da Rodésia e, em grau numérico incomparavelmente inferior, para as plantações da província de S. Tomé e Príncipe.
Na economia de Moçambique predominam as grandes empresas e o comércio com as populações indígenas é feito, sobretudo, por comerciantes indianos.
Nestes e noutros aspectos contrasta com a província de Angola, onde se verifica a predominância das pequenas empresas e ser feito o comércio com o nativo por comerciantes nacionais.
Entre Angola e Moçambique há diversidades na paisagem humana e social, no acidentado da terra e no agregado das empresas capitalistas.
Em Angola há extensos planaltos e desertos; em Moçambique predominam as terras baixas.
Tanto uma como outra tem características próprias, a que será necessário atender no exercício da sua administração, a par de facetas iguais que ambas possuem.
Tanto Angola como Moçambique são províncias de povoamento, com espaço, clima e outras condições exigidas para absorverem excedentes demográficos metropolitanos nas duas províncias há indígenas que vivem em regime de indigenato, devido ao seu atraso,- e, portanto, necessitando de mais amparo e protecção, e outros que já se consideram verdadeiros cidadãos pelo seu estado adiantado de civilização; e em ambas as províncias há igualmente o mesmo sentimento patriótico de arreigado e profundo amor à Pátria.
E o Governo, no cumprimento do seu dever de zelar pela integridade de todo o território nacional - metropolitano e ultramarino - e sentindo o arreigado patriotismo da província de Moçambique, foi dar satisfação aos anseios nacionalistas da sua população, extinguindo os prazos e recuperando o território da Companhia do Niassa, em 1929, e o território da Companhia de Moçambique, em 1942, e comprando à Rodésia o porto e caminho de ferro da Beira.
Ao Governo do Estado Novo se deve a recuperação nacional da província de Moçambique.
Nunca será de mais relembrar estes acontecimentos administrativos do Estado Novo, pelo seu alto significado na restauração de Portugal.
O Governo tem, realmente, sabido corresponder, sem regatear os sacrifícios necessários, ao patriotismo dos portugueses de Moçambique, à vontade da Nação.
E por sua vez a gente e os serviços da província têm correspondido inteiramente ao que era lícito esperar, ultrapassando até as opiniões mais optimistas na dedicação, no trabalho e interesse pelo serviço, movidos principalmente pelo brio nacional.
Haja em vista a organização do porto e caminho de ferro da Beira, depois que passou para as mãos portuguesas, desembaraçando a baldeação e o transporte das mercadorias com tal rapidez e ordem que os ralesianos se não cansam de manifestar o seu agradecimento e a sua admiração.
Recordemos que o caminho de ferro do Limpopo, que entrou em exploração provisória em 1 de Agosto do ano findo de 1955, terminou a sua construção com a antecedência de um ano em relação ao prazo que fora previsto. Cerca de 5500 operários, entre indígenas e não indígenas, dirigidos pelo pessoal técnico dos caminhos de ferro da província, conseguiram alcançar o recorri, de 3,5 Km de via por dia no assentamento de carris.
E todo este afã movido pelo patriotismo, pelo brio nacional!
Grande nação é Portugal, que se pode orgulhar deste esforço e do patriotismo da sua gente no ultramar!
E, encarado sob o aspecto de cooperação internacional, este esforço português na província de Moçambique é digno de todo o louvor. A Nação o reconhece com legítima vaidade, pois a nossa política no campo internacional sempre tem sido de paz, cooperação e boa vizinhança. Isto mesmo já foi confirmado pelo Pri-

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meiro-Ministro da Federação da Rodésia do Sul e da Niassalândia. - Lord Malvern - por várias vezes.
O Sr. Nehru é que não tem de nós a mesma opinião quando na tribuna parlamentar do seu país se refere ao caso da Índia Portuguesa. Procurando agradar aos seus correligionários e a certo meio internacional, não hesita nos meios a empregar e nas palavras a proferir contra nós, pura atingir os seus fins. Se obedecesse apenas ao impulso de sã consciência, far-nos-ia justiça e reconheceria o tradicional espírito português de boa vizinhança e cooperação internacional.
Ainda o recente contrato, realizado no ano findo, para o fornecimento de energia eléctrica a cidade de Untali, na Rodésia do Sul, pela Hidroeléctrica do Revuè, foi motivo para todos nós de verdadeira satisfação e até de orgulho, e não há dúvida de que constitui mais uma prova do nosso espírito de colaboração e boa vizinhança.
Se não fora o nosso espírito de paz, de concórdia, de colaboração internacional e de boas relações de vizinhança não se teria chegado ao acordo de fronteiras que veio resolver amigavelmente situações difíceis das fronteiras entre os territórios de Moçambique e da Niassalândia.
E assim é que a Assembleia Nacional, animada do mesmo espírito conciliatório do País inteiro, ao decidir aprovar este acordo para ratificação, considerou-o alto exemplo de política internacional.
A compreensão mútua dos povos levou a demarcação fronteiriça entre a nossa província de Moçambique e a Niassalândia à linha média das águas do lago Niassa, e daí resultará o engrandecimento de territórios daquela nossa província ultramarina, da Niassalândia e das Rodésias por intermédio da ligação do próximo prolongamento do caminho de ferro de Moçambique, que partirá de Nacala, na costa africana do Indico, até Meponda, na margem leste do lago.
Deste novo acordo de fronteiras foram previstas consequências vantajosas, entre as quais se destaca o aproveitamento do lago Niassa como via de comunicação entre a província portuguesa da África Oriental e os territórios da África Central.
Este assunto da ligação ferroviária com os territórios vizinhos interessa-nos tanto que no iniciar-se neste mês de Abril o primeiro período do Conselho Legislativo de Moçambique paxá o corrente ano de 1956 ali se fez alusão à alegria da população moçambicana ao saber, pela voz do seu governador-geral, que os trabalhos do caminho de ferro para o lago Niassa se deverão iniciar ainda neste ano e está previsto que atinja Catur dentro de três anos, continuando depois os trabalhos de construção da linha até ao lago.
Assim se verifica uma vez mais a nossa política de cooperação internacional e de boa vizinhança.
Os actos confirmam a nossa política, que não se fixa em palavras ou promessas enganadoras, e muitos são os exemplos que tenho apontado através das considerações desta minha intervenção.
E a ordem e tranquilidade existentes na província, onde trabalham pretos e brancos, gregos e chineses, cidadãos de países da Europa, do Paquistão, da recente República Indiana, é sintoma evidente do nosso espírito de paz e de bom entendimento com os outros, povos.
Sr. Presidente: apesar da natural diferenciação que existe entre as duas grandes províncias - Angola e Moçambique -, há contudo problemas semelhantes.
A emigração do indígena para o estrangeiro faz-se em Angola para o Congo Belga e para a Rodésia do Norte; na província de Moçambique pára a União da África do Sul, para a Rodésia do Sul e para a Niassalândia.
Para a União da África do Sul há emigração legalizada, com destino às minas do Rand, no Transval, pela qual se limita o recrutamento ao sul do paralelo 22º e se fixa em 80 000 o número máximo de emigrantes; mas há ainda a contar com a emigração clandestina, que é bastante elevada e de consequências quase sempre más.
A experiência nos ensina que todo o nosso esforço se deverá orientar no sentido de metodicamente se promover o desenvolvimento do rural a indígena e simultaneamente continuarmos a dar protecção à maternidade e à primeira infância.
Na província de Moçambique não se instituíram os colonatos indígenas que foram criados em Angola; mas está a realizar-se obra de boa política indígena quanto a fixação do nativo, à elevação do seu nível de vida, ao emprego da técnica agrícola e à noção de propriedade rural.
Na Inhamiça fizeram-se obras de irrigação e parcelamento de terras distribuídas a cultivadores indígena», que o Governo local deseja transformar em agricultores.
Realizou-se aqui uma grande obra de drenagem, por intermédio dos serviços de hidráulica agrícola, que ficou conhecida por «Resgate dos machongos do Sul do Save».
Desde 1951 que vastas regiões pantanosas do Sul do Save, as quais se encontravam absolutamente improdutivas e eram abundantes focos de mosquitos, se transformaram em fonte de riqueza para a população indígena.
Milhares de famílias indígenas se encontram já instaladas a agricultar as suas terras, que foram resgatadas aos pântanos pela drenagem, parceladas e distribuídas por agricultores indígenas que previamente se haviam inscrito para esse fim.
A área resgatada ascende a muitos milhares de hectares nas zonas pantanosas.
Atravessando os antigos machongos há hoje avenidas.
Nos mercados vendem-se hortaliças, frutas, batatas, milho, arroz, etc., do agricultor indígena, que alcançou assim a sua independência económica.
Sr. Presidente: a obra económico-social realizada pela recuperação e parcelamento dos machongos da Inhamiça e outras zonas do Sul do Save é digna do nosso maior apreço, merece aplauso e torna-se salutar exemplo a seguir noutras regiões idênticas do continente africano.
Desta tribuna presto a minha homenagem a todos aqueles que nesta obra colaboraram.
Promover a criação de fontes de riqueza destinadas à população indígena é levantar cada vez mais alto o nome de Portugal. E continuar a nossa obra cristã de assimilar o indígena e elevar o seu nível de vida. E contribuir para se lutar contra a propaganda subversiva do imperalismo russo, que se nos pode apresentar sob a forma de nativismo ou outra aparência qualquer, mas que se mostra grassar no continente africano com bastante intensidade.
As nossas províncias ultramarinas ainda continuam a ser zonas de paz neste Mundo conturbado pelas chamas devastadoras do comunismo russo. Mas será necessário, para assim nos mantermos, que não cesse nem abrande a nossa acção colonizadora, que continuem as obras económico-sociais fundamentadas nos princípios da moral da nossa religião.
A obra de recuperação e parcelamento dos machongos do Sul do Save é obra de fundamento cristão, é uma das manifestações do sistema tradicional português de assimilar o indígena, de o fixar à terra, de o trazer ao nosso convívio, de o tornar mais útil a si e à sociedade.

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Eis a razão do meu entusiasmo por esta obra notável realizada lia província ultramarina de Moçambique.
Seguiu-se aqui o sistema associativo das cooperativas agrícolas dos indígenas, que tem dado os melhores resultados na organização desta louvável iniciativa moçambicana.
No vale do Limpopo há já grandes rebanhos de gado e o indígena agricultor utiliza no trabalho das suas terras numerosas charruas e alfaias agrícolas de modelo europeu.
Sr. Presidente: é deveras consolador verificar a unidade de vistas que há nos Governos-Gerais de Angola e de Moçambique relativamente à política, indígena.
Nas duas províncias procuram-se atingir os mesmos fins quanto à fixação e assimilação dos trabalhadores e agricultores indígenas, embora se utilizem meios diferentes.
Enquanto em Angola se recorreu à criação dos colonatos indígenas, em Moçambique adoptou-se o sistema das cooperativas agrícolas.
O que temos de reconhecer é que constitui hoje preocupação dominante nas. duas grandes província» ultramarinas, de Angola e Moçambique desviar os indígenas da miragem do estrangeiro, dos grandes centros citadinos e da sua cultura nómada, para os fixar em meios rurais, quer pelo sistema dos colonatos, quer pelo sistema das cooperativas, de maneira a ser mais fácil prestar-lhes assistência técnica, sanitária e religiosa, ensinar-lhes a nossa língua e dar-lhes hábitos da nossa civilização.
Assim é fazer colonização portuguesa, e portanto as despesas realizadas neste sentido nas nossas províncias ultramarinas devem merecer concordância, desde que os gastos tenham a devida aplicação legal.
Não me podendo prolongar, por falta de tempo regimental, vou referir-me a outro assunto de grande importância para Moçambique e portanto para o País. Sr. Presidente e Srs. Deputados: é verdadeiramente notável o progresso verificado no panorama industrial da província ultramarina de Moçambique. As estatísticas elucidam-nos que no final do ano de 1954 havia na província de Moçambique trezentas e vinte e uma sociedades destinadas a exercer actividades industriais. E já avultado o capital investido nos empreendimentos industriais: 118 000 contos nas empresas mineiras; 1 214 966 contos nas indústrias transformadoras. Os investimentos no equipamento industrial atingiram em 1954 o montante de 1 124 737 contos.
Moçambique é de todas as nossas províncias ultramarinas aquela que mais cedo iniciou o seu desenvolvimento e progresso, com base nos empreendimentos industriais. E há razões especiais para se dar esta antecipação. Para ela concorreram as características peculiares da província: os seus recursos naturais agrícolas e mineiros; a influência exercida pelos territórios vizinhos, onde a actividade industrial está muito desenvolvida; o incentivo que despertam os dois grandes centros de actividade económica - Lourenço Marques e Beira.
E se não fora a escassez de energia eléctrica que se nota em Moçambique maior seria a expansão industrial da província.
Quando aumentar a produção de energia e melhorar a sua distribuição em Lourenço Marques e na Beira, quando se realizarem os projectos do Niassa, do Limpopo, das quedas de água de Iiihamucara e outros e quando o aproveitamento hidroeléctrico do Revuè fornecer energia às localidades situadas ao longo do caminho de ferro Beira-Untali podemos contar com maior actividade industrial e agrícola e com novos empreendimentos fabris.
E assim, através de energia eléctrica abundante e barata, aumentará o ritmo do progresso na província, haverá mais possibilidades para se desenvolver o povoamento, para subir o nível de vida, fortalecer a unidade nacional e elevar no Mundo o nome de Portugal.
Sr. Presidente: pela leitura da conta de exercício da província de Moçambique do ano de 1904 fica-se sabendo que se arrecadaram receitas em importância superior à previsão orçamental e se alcançaram economias na tabela das despesas, pelo que se, obteve o saldo positivo de 237 000 contos.
No relatório do director de Fazenda da província salienta-se não ter havido aumento de taxas ou impostos nem criação de novas receitas.
As receitas dos serviços autónomos dos portos e caminhos de ferro muito contribuem para o Fundo de Cambiais, sobretudo com libras esterlinas, como se nota no parecer da Comissão de Contas Públicas. Com os encargos da dívida pública, incluindo juros e amortizações, a província de Moçambique pagou em 1954 a elevada importância de 50 973 contos, tendo pago no ano de 1953 a importância de 36 201 contos.
Nota-se no parecer das coutas a necessidade de resolver o problema das estradas, que está a cargo da província, e o aumento da produção unitária do algodão. Quanto ao plano geral rodoviário deu solução o Decreto n.º 40 569, de 13 de Abril de 1956, a que já anteriormente me referi ao tratar da província de Angola.
Verifica-se o incremento havido na execução das obras do. Plano de Fomento.
Termino assim as minhas considerações acerca das circunstâncias especiais que mais pendem sobre a província de Moçambique, para deste modo mais facilmente a Assembleia Nacional tomar a conta da província.

ÍNDIA. - O Estado da Índia abrange três pequenos territórios - Goa, Damão e Diu -, cuja área total é de 3983 km2, e a sua população compreende 637 846 almas, entre católicos, hindus, muçulmanos e sectários de outras religiões.
É caracterizada esta nossa província ultramarina por ter uma população inteligente, civilizada, de cunho essencialmente português, com acesso, portanto, a todas as carreiras e profissões em situação de plena igualdade com os portugueses metropolitanos.
A economia do Estado da Índia é predominantemente agrícola, sendo o arroz a base da alimentação dos luso-indianos.
Por ser grande a densidade populacional -160 habitantes por quilómetro quadrado- e pobre o país, resulta que a população emigra, mas sem perder o amor à sua terra. E assim é que ainda recentemente os emigrantes goeses da África Oriental Britânica solicitaram o estabelecimento de uma carreira de barcos nacionais entre Mormugão, Dar-es-Salam e Mombaça. E a imprensa da província, fazendo-se eco desta antiga aspiração dos emigrantes goeses no Quénia, na Uganda, em Tanganica e Zanzibar, sugeriu que fosse estabelecida a carreira de barcos nacionais.
Por motivo de ser o arroz a base da alimentação dos povos do Estado da índia, a nossa administração realizou algumas obras de irrigação, entre as quais deverei mencionar os canais de Parodá e Candeapar, que importaram em cerca de 26 000 contos. Com estas obras de irrigação foram abrangidos mais de 1000 ha, que se calcula produzirem 2500 t de arroz, isto é, cerca de 25 por cento do deficit cerealífero.
E por outros meios se tem procurado tornar autónoma a economia da província em matéria de bens alimentícios, a fim de reagir contra a tentativa de

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asfixia movida pelo Sr. Nehru com o seu bloqueio contra o Estado da índia.

O distrito de Diu, desde que obteve ligações pelo seu campo de aviação e no seu território se instalaram fábricas de conservas de peixe e de gelo, conseguiu a sua autonomia económica, dispensando as ligações com o território vizinho da timão Indiana.
O distrito de Damão, que vivia do turismo e da fonte económica de Nagar Aveli, isto é, vivia do exterior, foi o distrito que mais sofreu com a usurpação da aldeia de Dadrá e do território de Nagar Aveli. Desde Junho de 1954 que Damão ficou privado das vantagens que lhe advinham do turismo e das relações económicas que mantinha com aqueles enclaves portugueses.
O distrito de Damão ficaria asfixiado pela desumanidade do bloqueio imposto pelo Sr. Nehru se não tivesse comunicações aéreas asseguradas e a sua gente não fosse capaz de resistir com patriotismo e sem o menor desfalecimento. Pela sua abnegada resistência e pela sua dedicação patriótica, os luso-indianos de Damão tem dado ao Mundo um exemplo verdadeiramente notável, que nos enche de orgulho e não desmerece o valor do heroísmo e a nobreza, do patriotismo dos goeses.
A todos os portugueses de Goa, Damão e Diu presto rendida homenagem da maior admiração pela serena atitude da sua firmeza patriótica perante fortes ameaças de usurpação e actos de banditismo praticados por miseráveis que pululam nos cantos infectos de Bombaim.
O distrito de Goa não desfalece com os frequentes actos de banditismo e continua a fortalecer a sua estrutura económica. E assim, para não estagnar a sua indústria salineira. que sempre foi largamente exercida, resolveu-se tentar o mercado de Moçambique. A título experimental, serão enviadas para aquela província da costa oriental de África cerca de 800 t de sal a exportar de Goa, Damão e Diu.
Se esta primeira consignação vier a ser coroada de êxito, ficará solucionado, em parte, o problema da exportação do sal da Índia Portuguesa.
Dada a importância da agricultura na economia da província e a necessidade imperiosa de cultivar com abundância alimentos frescos, como hortaliças, que vinham do país vizinho antes do bloqueio, e reconhecida a necessidade de aumentar a produção do arroz e o rendimento das várzeas, sobretudo das pertencentes às comunidades - antigas associações aldeãs -, que são em maioria, tomaram-se as medidas necessárias e que foram possíveis para melhorar e aumentar a produtividade do solo e abastecer os mercados de consumo interno.
E neste campo os goeses corresponderam inteiramente ao que as circunstâncias ocasionais exigem para romper o bloqueio.
Há males que vêm por bem. O bloqueio do Sr. Nehru fez despertar energias adormecidas. E espantoso o número de centenas Je milhares de toneladas de minério de ferro que se exportou em 1954 (1 228 114 t, no valor de 36 021 milhares de rupias) e de dezenas de milhares de minério de manganês (101 796 t, no valor de 10 781 milhares de rupias).
Desde o princípio deste século que se tinha conhecimento da existência de importantes jazigos de ferro e de manganês no território de Goa do nosso Estado da Índia.
Em 19-30 uma empresa francesa obteve a respectiva concessão, que explorou durante anos, e acabou por abandoná-la ao ter fracassado economicamente.
Em 1949 voltou o interesse pela exploração daqueles jazigos. Mas sómente quando a União Indiana se voltou contra nós, pretendendo absorver a terra e a gente de Goa, se começou a dar notável impulso à exploração dos jazigos de ferro e de manganês.
A luta pela vida tem de ser intensificada quando surgem os períodos da adversidade.
Despertaram as energias adormecidas, fazendo ressurgir o interesse pela exploração dos jazigos de minério.
O minério de ferro é exportado para a Alemanha Ocidental, Japão, Itália e Áustria. O minério de manganês para a Alemanha, Itália, Aústria, França, Suécia e Estados Unidos da América.
O porto de Mormugão já não satisfaz o intenso movimento exportador de minério.
Todos os meios de transporte - caminho de ferro, camionagem, embarcações - são utilizados para levar o minério ao porto de embarque.
A exportação de minério continua a aumentar, pois foram introduzidos processos mecânicos de exploração dos jazigos.
A economia da província fortaleceu-se à custa do desenvolvimento desta actividade, que também tornou possível a aquisição de divisas, nomeadamente dólares americanos.
E todos estes bens se devem afinal à atitude de violenta agressão do nosso grande vizinho da Índia e de este se recusar a cumprir as suas obrigações de convívio internacional e de boa vizinhança.
Em todo o caso, fomos espoliados violentamente dos territórios de Dadrá e Nagar Aveli por bandos armados na União Indiana, cujas autoridades não reprimiram nem impediram que se cometesse esse atentado de banditismo e usurpação; e ao mesmo tempo a União Indiana recusa-se a garantir-nos o direito de acesso aos nossos territórios, tal como fora estabelecido pelo tratado assinado no século XVIII.
Resta-nos aguardar a decisão que venha a tomar o Tribunal de Justiça Internacional da Haia, que é o mais alto tribunal internacional do Mundo, perante o qual o nosso Governo reclamou, pedindo justiça.
Presentemente pode dizer-se que a situação política quanto ao Estado da Índia é de confiança na sentença que venha a ser dada por aquele alto tribunal. Nehru vem agora insinuar que o Paquistão tem aspirações sobre a Índia Portuguesa; mas o Governo do Paquistão repeliu energicamente essa acusação. A população daquela nossa província ultramarina continua a manifestar o seu patriotismo e a repelir a ideia do Sr. Nehru em querer integrar terra e gente portuguesas na jovem república da União Indiana.
Economicamente a situação do Estado da Índia continua a melhorar. A exportação do minério tem aumentado, como já fiz notar, assim como as relações comerciais com o exterior. A campanha para o aumento da produção agrícola sob a orientação dos agrónomos que servem na província é encarada com optimismo, devido não só à, actividade dos dirigentes como também ao alto espírito e boa compreensão da população rural de Goa, que deles tem dado exuberantes provas.
Como se sabe, o Governo-Geral da província tomou várias medidas para fomentar a produção agrícola e, assim, fazer frente às dificuldades de abastecimento que foram criadas pelo desumano bloqueio que nos mover a União Indiana.
A Junta Central da Frente Agrícola, que em boa hora foi criada, desdobra-se em vários sectores de actividade. Para o corrente ano de 1906 foi atribuída à Junta a verba de rup. 263:041-01-09, a fim de prestar assistência agrícola por intermédio de celeiros e parques de material.
Pelos celeiros guardam-se e distribuem-se as melhores sementes. Pelos parques de material fornecem-se alfaias agrícolas, outra ferramenta e máquinas destinadas à abertura de poços e mais serviços.

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A Frente Agrícola concede auxílios para a implantação de novos arrozais e ainda distribui prémios aos agricultores que melhores resultados obtiverem nas suas culturas.
Não há, pois, dúvida, alguma de que a violência e desumanidade do bloqueio com que a União Indiana procura violentar os goeses à integração naquele país deu em resultado despertar energias em toda a população do Estado da Índia, que procura atingir o seu auto-abastecimento, reagindo assim contra as pretensões do Sr. Nehru.

MACAU. - A província ultramarina de Macau, compreendendo a península e as ilhas adjacentes da Taipa e Coloane, tem a área de 16 km2.
Caracteriza-se por ser província de comércio, por exercer principalmente comércio de trânsito, servindo de entreposto comercial do Ocidente com o Oriente.
É, pois, uma província com característica inteiramente diferente das restantes províncias ultramarinas.
A sua população fixa está avaliada em 187 772 almas, sendo constituída por chineses na sua quase totalidade, pois os europeus não excedem 3000; mas, por vezes, quando há lutas intestinas. na China, os foragidos procuram abrigo na neutralidade e hospitalidade da província, dando em resultado que nesses períodos transitórios a população de Macau chega a atingir 500 000 habitantes.
É reconhecida e apreciada pelos chineses a grande vantagem que Macau lhes oferece como território neutro e hospitaleiro.
A grande base da economia de Macau assentou sempre no movimento comercial resultante das mercadorias em trânsito do Ocidente para o Oriente. Importava da metrópole, das províncias ultramarinas e dos países ocidentais, para depois reexportar para o território chinês.
Porém, as estatísticas indicam que o comércio externo do entreposto de Macau vem diminuindo a partir de 1952, o que suscita as maiores apreensões.
As causas deste declínio são conhecidas. O receio da guerra que ameaça os países do Ocidente obriga estes a tomarem precauções, com embargos às exportações para a China Popular ou Comunista de matérias-primas ou produtos susceptíveis de directa ou indirectamente terem aplicação a fins militares. E outra causa de declínio do comércio externo do entreposto de Macau deverá ser o desvio directo das mercadorias para Hong-Kong, que é um dos maiores centros comerciais e industriais do Extremo Oriente. Até o nosso comércio externo de Macau é feito, na sua quase totalidade, por intermédio de Hong-Kong.
Os resultados desta situação económica decadente, motivada pela contínua diminuição do comércio externo de Macau, já se fizeram sentir. As consequências desastrosas estão à vista de todos. Baixou o rendimento da contribuição industrial fixa, influenciado pelo comércio de importação e exportação, encerraram-se muitas casas comerciais importadoras e exportadoras e fecharam alguns hotéis e restaurantes.
É evidente a depressão que a economia de Macau está a sofrer.
Sr. Presidente: por mim entendo que, se cessarem os embargos à exportação para a China, e mesmo que continue a província sem serviços aduaneiros, a base da economia de Macau, como entreposto comercial entre o Ocidente e o Oriente, não voltará à posição de solidez que adquirira em tempos passados.
Precisamos de dirigir noutro sentido as nossas atenções administrativas; promover, por medidas adequadas, a intensificação do comércio da província com a metrópole, Timor, Moçambique e as outras províncias ultramarinas.
A indústria da pesca, salga e secagem do peixe e as indústrias de tecidos, esteiras, panchões, fósforos, tabaco, chá, etc., merecem cuidados especiais, assim como se deverá facilitar o estabelecimento de novas indústrias que em Macau se queiram instalar, atraídas pelas facilidades a conceder.
Sou levado a fazer estas considerações ao saber que o chinês é empreendedor e arrojado nas suas iniciativas, com a mira de conseguir dinheiro, e que vários chineses têm tentado explorar mais indústrias em Macau.
Se a situação financeira é precária e se está previsto que por mais tempo assim se mantenha, então estará naturalmente indicada a redução de despesas por parte do Estado.
Já não é a primeira vez que o Governo do Estado Novo lança mão de tais medidas, quando as crises assim nos obrigam a proceder, para eliminar ou reduzir os seus maléficos efeitos.
Porém, ao reduzir despesas nos serviços é indispensável atender se a sua eficácia ficará diminuída e até que ponto irá afectar a economia da província ou outros sectores.
Há quase trinta anos dizia pessoa conhecedora de Macau, ao julgar exageradas as despesas com os serviços públicos da província: «O Governo de Macau despende em patacas ou dólares tanto quanto o Governo-Geral do Estado da Índia despende em rupias, numa região de área quatrocentas a quinhentas vezes superior, com exigências de fomento como existem naquele Estado, e apesar disso possuindo organismos menos numerosos e menos dilatados de administração.
A situação de hoje em Macau será diferente e talvez se não notem os exageros que foram apontados naquela época.
Tudo dependerá do resultado dos estudos que há a fazer e da revisão que for imposta pela gravidade que se atribuir à situação financeira da província.

TIMOR. - Timor é a mais distante das nossas províncias ultramarinas e esta circunstância tem influência na maneira como é exercida a nossa acção administrativa naquela província.
O seu tamanho abrange quase metade da parte oriental da ilha de Timor, na Oceânia, com a área de 18 990 km2.
A restante banda ocidental da ilha de Timor faz parte do território da recente República dos Estados Unidos da Indonésia, o que de certo modo influi na nossa administração relativamente às relações internacionais de boa vizinhança.
A sua população é de 442 378 almas, sendo composta na sua esmagadora maioria por malaios, pois apenas há 2500 chineses, idos de Macau, que para ali vão exercer comércio, 700 mestiços e 500 europeus.
O comércio da província ultramarina de Timor está quase todo nas mãos de comerciantes chineses, que, por serem sóbrios e persistentes e, além disso, serem dotados de excepcionais aptidões para o exercício do comércio, são realmente tão bons comerciantes que muito dificilmente poderão ser batidos no exercício da sua actividade comercial.
Temos ainda de reconhecer que a colónia chinesa se tem comportado de maneira a merecer a hospitalidade e generosidade que Portugal lhe tem dispensado na província de Timor.
E por sua vez a comunidade chinesa, de Timor tem sabido corresponder à nossa hospitalidade, pois oportunamente e por documento escrito manifestou ao Governo de Portugal os benefícios dispensados para refazer a sua vida, que fora profundamente abalada depois

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de perder todos os seus haveres durante a ocupação estrangeira.
E característica destacada de Timor e constitui até apanágio da sua população, que bem se iguala às populações das restantes províncias ultramarinas, a decidida lealdade à Pátria Portuguesa.
O patriotismo e a bravura dos timorenses ficaram bem evidenciados na luta que travaram contra os invasores, destacando-se o histórico e notável exemplo que deu ao Mundo o heróico régulo D. Aleixo Corte-Real.
Na galeria dos timorenses que tombaram cobertos de glória na defesa de Portugal durante a invasão japonesa sobressai pelo seu heroísmo e amor à Pátria o nativo Jeremias dos Reis Amaral, chefe do suco de Luca, que, para salvar a vida a muitos portugueses, ocultá-los à fúria do inimigo e até matar-lhes a fome naquelas horas amargas da ocupação, expôs a sua própria vida e foi exemplo glorioso de estoicismo e lealdade à Pátria Portuguesa.
Está hoje largamente comprovado que a quase totalidade da população timorense se não revoltou contra a soberania portuguesa, apesar da persistente insistência do invasor japonês, que tudo fez nesse sentido.
Mas, Sr. Presidente, não são só dos nossos dias os exemplos da população de Timor sobre a sua dedicação e lealdade à pátria comum.
Os timorenses revelaram sempre o seu amor pela Pátria Portuguesa. Há vários exemplos demonstrativos do seu sentimento (patriótico desde os princípios do século XVI, em que começaram a ser influenciados pela acção civilizadora de missionários católicos portugueses.
Devo citar, entre outros exemplos anteriores ao heroísmo do régulo D. Aleixo e do chefe de suco Jeremias, a resistência que opuseram em 1858 os habitantes da ilha das Flores para que o território dessa ilha continuasse a pertencer a Portugal e não fosse cedido à Holanda.
A acção missionária portuguesa teve larga influência na civilização do timorense e na sua dedicação à Pátria. E, continuando a seguir o caminho da nossa tradicional obra de expandir a civilização cristã, logo ao terminar a guerra mundial se manifestou extraordinária actividade missionária junto da população nativa da nossa província ultramarina de Timor.
Todos sabemos que na defesa do nosso património territorial, humano e civilizador, teremos de nos opor pelos nossos meios, e em todos os recantos da terra portuguesa, à influência deletéria das ideias comunistas e anticristãs que alastram furiosamente pelo Mundo, como chamas devastadoras da civilização ocidental. E por isso mesmo é que todos os portugueses esclarecidos e atentos às realidades do momento presente, e particularmente na província ultramarina de Timor, a que me estou a referir, deverão considerar certamente como salutar e oportuno serviço prestado a Portugal, ao Ocidente e ao povo timorense a intensificação do apostolado missionário naquela província ultramarina.
Sr. Presidente: a outra orientação seguida em Timor, assim como nas outras províncias ultramarinas, e que merece a nossa inteira concordância, terei de seguidamente me referir. Diz respeito à nossa tradicional política de boa vizinhança.
Em Timor são de acentuada cordialidade as nossas relações com a Austrália e com a Indonésia.
Das boas relações de fronteira posso citar o exemplo que é do meu conhecimento. Em 1948 o vigário apostólico do Timor Indonésio pediu auxílio para as crianças das suas escolas, que estavam a sofrer as consequências de falta de alimentação. Todo o auxílio possível foi prestado imediatamente pelo Governo da
província de Timor, como deveres de humanidade e a boa vizinhança que sempre cumprimos com agrado e prontidão, sejam quais forem as fronteiras de que se trate, quer da metrópole, quer das províncias ultramarinas.
Esta atitude portuguesa de cooperação internacional e de boas relações de fronteira deu motivo a manifestações de satisfação e agradecimento por parte de Batávia.
O acontecimento não deveria merecer citação especial, pois casos destes são vulgaríssimos entre nós. Apenas o quis citar para mais uma vez pôr em evidência que não é culpa nossa o que está a suceder na índia, nas fronteiras, de Goa, Damão e Diu.
Sr. Presidente: caracteriza-se mais ainda a província de Timor por ter a sua economia assente predominantemente na agricultura e no comércio, pois a indústria pode dizer-se que é na província quase inexistente.
Existem em Timor algumas fazendas em terrenos adquiridos pelo antigo governador Celestino da Silva e que ao tempo da guerra mundial estavam a ser exploradas com capital português e japonês. Estas fazendas, conhecidas pela designação de a Pátria e Trabalho, produzem especialmente café.
No ano de 1948 fez-se a liberação de quotas por parte do Estado na Sociedade Agrícola Pátria e Trabalho, Lda., na importância de $ 245.000,00, por virtude da posição que ali tomou, com inteiro aplaudo dos portugueses, para libertar as quotas japonesas.
As restantes explorações agrícolas da província de Timor são de pequena monta e não atingem nem se aproximam, como seria para desejar, da importância económica daquelas fazendas.
A maior produção agrícola da província é proveniente das culturas feitas pela gente nativa.
Há ainda, Sr. Presidente, outros factores de grande importância que deverão ser considerados para justa apreciação da nossa obra administrativa em Timor e do nosso esforço de recuperação ao ser conhecido todo o dispêndio feito em dinheiro próprio da província e também proveniente de dádivas e empréstimos, que montam a soma bastante elevada.
No ano passado, na sessão n.º 99 da Assembleia Nacional, realizada em 27 de Abril, no debate sobre as Contas Gerais do Estado, tive ocasião de indicar que o auxílio financeiro à província de Timor, incluindo o ano de 1954, atingira 277:484.816$43. E esclareci que a metrópole contribuíra com 250:484.816$43 e as províncias ultramarinas com 27 000 contos, contribuindo a Guiné com 500 contos, S. Tomé e Príncipe com 2000 contos, Angola com 10 500 contos, Moçambique com 13 500 contos e Macau com 500 contos.
Sr. Presidente: os factores importantes a considerar para justa apreciação a que me quis referir são a distância da província e as devastações da guerra.
A grande distância a que Timor fica da metrópole e as devastações da guerra, que durante três anos, de 1942 a 1945, tudo destruiu na província, fazem com que os nossos esforços administrativos e pesados sacrifícios em dinheiro da metrópole e de outras províncias ultramarinas ainda não tenham alcançado a prosperidade que seria para desejar no campo da economia.
E assim as estatísticas indicam que a província só tem exportado em quantidades apreciáveis, mas ainda insuficientes: para a sua economia, café - Arábica sobretudo -, borracha e copra e em quantidades mínimas arroz em casca, canim, cera, conchas, lenha, manganês, milho, peles de búfalo e sândalo.
O seu labor agrícola ainda não conseguiu alcançar situação de desafogo à economia da província. E tanto assim é que o comércio externo de 1950 a 1954 ainda

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apresenta saldos negativos de milhares de patacas, sendo o maior de 3869 milhares em 1954, devido a ser a colheita do café atingido apenas cerca de metade das colheitas dos anos anteriores.
Vê-se, portanto, que a estatística aduaneira, não acusa progressos económicos na província agrícola de Timor, apesar dos enormes esforços despendidos e da apreciável actuação do Governo local. É que, Sr. Presidente, as devastações da guerra não só exterminaram vidas como também destruíram haveres naquela província mártir.
Não há dúvida de que o novo esforço administrativo se tem acentuado principalmente em promover o desenvolvimento da agricultura, pois esta constitui a base em que assenta a economia timorense; mas temos também de notar que os cuidados administrativos na restauração de Timor se tem estendido a outros sectores.
No ano passado, por ocasião do aniversário da arrancada gloriosa do movimento militar de 28 de Maio, foram inauguradas na cidade de Díli novas instalações no hospital e três moradias no Bairro do Foral. É nessa, ocasião encontravam-se em construção o centro de saúde e a avenida marginal da cidade.
Por aqui se vê o cuidado que se tem dispensado também a saúde pública, ao problema da habitação e à urbanização da cidade de Díli.
Mas podemos ainda ver que a reconstrução de Timor tem de ser levada a outros sectores, sem excluir o administrativo, junto das populações nativas.
Na região do Same, que foi teatro da heróica resistência do régulo de Álvaro, D. Aleixo Corte-Real, os trabalhos realizados em Maio do ano passado previam que começaria brevemente a funcionar mais um posto administrativo da circunscrição do Suro.
Sr. Presidente: terá de ser prolongada e dispendiosa a nossa acção administrativa na província ultramarina, de Timor até se alcançar o objectivo desejado da sua reconstrução e recuperação.
Sr. Presidente: dou por terminadas as minhas considerações acerca da sexta conclusão do parecer da nossa Comissão de Contas Públicas, que diz respeito às circunstâncias especiais de que se revestem os nossos territórios ultramarinos e às suas dificuldades.
Assim como concordei com as anteriores conclusões do parecer, também dou à sexta a minha inteira concordância.
Ao terminar a minha intervenção devo dizer que me esforcei por interpretar e esclarecer os três documentos importantes - relatório do Tribunal de Contas, relatório do director-geral de Fazenda do Ultramar e parecer da nossa Comissão de Contas Públicas - sobre os quais terá de recair a nossa atenção para darmos cumprimento ao preceito constitucional de tomar as contas às províncias ultramarinas.
E devo dizer mais ainda que as considerações e os reparos que fiz à nossa administração ultramarina podem ficar sem aproveitamento, por serem considerados sem valor; no entanto, quero declarar, Sr. Presidente, que não lhes falta o mérito de serem produzidos com espírito de servir o interesse do ultramar e da Nação e de oferecer colaboração ao Governo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O :Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Amanhã haverá sessão à hora regimental, com a mesma ordem do dia da de hoje.

Eram 19 horas e 13 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
André Francisco Navarro.
António Calheiros Lopes.
António Camacho Teixeira de Sousa.
Carlos Mantero Belard.
João Alpoim Borges do Canto.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Agnelo Orneias do Rêgo.
Alberto Cruz.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Antão Santos da Cunha.
António Carlos Borges.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raúl Galiano Tavares.
António Russell de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Herculano Amorim Ferreira.
João Afonso Cid dos Santos.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Luís de Azeredo Pereira.
Luis Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luis Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Marques Teixeira.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.

O REDACTOR - Luis de Avillez.

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Quadros a que se refere o Sr. Deputado Venâncio Deslandes no seu discurso:

QUADRO I

Defesa nacional

(Despesa ordinária, em milhares de escudos)

[Ver Quadro na Imagem]

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QUADRO II

Ministério da Marinha

(Despesa ordinária, em milhares de escudos

[Ver Quadro na Imagem]

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854 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 142

QUADRO III

Ministério do Exército

(Despesa ordinária, em milhares de escudos)

[Ver Quadro na Imagem]

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18 DE ABRIL DE 1956 855

QUADRO V

Subsecretariado de Estado da Aeronáutica

(Despesa ordinária, em milhões de escudos)

[Ver Quadro na Imagem]

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856 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 142

QUADRO V

Despesa com a defesa nacional

(Em milhares de escudos)

[Ver Quadro na Imagem]

QUADRO VI

Despesa com a defesa nacional (por classes)

(Em milhares de escudos)

[Ver Quadro na Imagem]

(a) Não se incluem 12:047.945$90, saldo da verba destinada a pagamento de todas ai despesas com a manutenção de forças, militares destacadas no ultramar, que foi entregue na Fazenda Nacional.
(b) Inclui o reajustamento de vencimentos.
(c) Inclui o abono do família, acidentes em serviço o despesas de anos económicos findos.

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Proposta de lei a que o Sr. Presidente se referiu nu decorrer da sessão:

TITULO I

Dos princípios fundamentais

BASE I

1. A defesa nacional visa manter u liberdade e independência da Nação, a integridade dos territórios portugueses e a segurança das pessoas e dos, bens que neles se encontrem.
2. O Estado Português considera «eu dever cooperar na preparação e na adopção de soluções que interessem a- paz entre os povos e ao progresso ida Humanidade.
3. Portugal preconiza a arbitragem como meio de dirimir os litígios internacionais.

BASE II

1. Em caso de guerra cumpre a toda a Nação colaborar na sua defesa, empenhando a totalidade dos seus recursos no esforço da obtenção da vitória.
2. Para que a Nação esteja pronta a resistir a qualquer agressão inimiga cumpre ao Governo, em tempo de paz, tomar as providências necessárias à preparação moral, administrativa e económica do País.

BASE III

1. A organização da Nação em tempo de guerra deverá respeitar, quanto possível, as normas estabelecidas para o tempo de paz.
2. A orgânica da administração pública e das empresas privadas cuja actividade seja essencial à vida da colectividade deve ser concebida de modo a permitir a rápida adaptação de todos os serviços tis condições e necessidades próprias do estado de guerra com o mínimo de perturbação.

BASE IV

1. A presente lei aplica-se a todo o território nacional.
2. A organização da defesa nacional é una para todo o território, podendo as forças armadas de terra, mar e ar estacionadas em qualquer ponto dele ser empregadas dentro ou fora dos seus limites, onde quer que as conveniências nacionais aconselharem ou os compromissos internacionais exigirem.
3. Tudo quanto respeite à preparação, organização e operações de defesa nacional é considerado matéria de interesse comum da metrópole e das províncias ultramarinas.

BASE V

1. As disposições da presente lei respeitantes ao estado de guerra ou que o pressuponham entram imediatamente em vigor no caso de declaração de guerra ou de agressão efectiva por forças armadas de potência estrangeira a qualquer ponto do território português.
2. Compete ao Conselho de Ministros, reunido sob a presidência do Chefe do Estado, resolver a entrada em vigor das referidas disposições em emergência que faça temer agressão iminente ou perturbação da paz.

3. A resolução de fazer entrar em vigor as disposições a que esta base se refere pode respeitar apenas a determinadas parcelas do território nacional.

TITULO II

Dos órgãos superiores de direcção e de coordenação da defesa nacional

SECÇÃO 1.º

Órgãos de direcção

BASE VI

1. O Presidente da República é o chefe supremo das forças armadas de terra, mar e ar.
2. Compete ai Presidente da República decidir a declaração de guerra e firmar a paz, quando autorizado peia Assembleia Nacional nos termos constitucionais.
3. O Presidente da República tem o direito de ser informado, quer em tempo de paz, quer em tempo de guerra, sobre todas as matérias pertinentes à defesa nacional, podendo convocar, sempre que julgue conveniente, o Conselho Superior da Defesa. Nacional.

BASE VII

1. Compete ao Governo em tempo de paz orientar e dirigir a preparação da defesa nacional, especialmente no que respeita aos seguintes pontos:

a) Organização e treino das forças armadas;
b) Mobilização militar e civil;
c) Reunião dos recursos indispensáveis à sustentação da guerra;
d) Acção diplomática tendente à consecução dos necessários apoios externos;
e) Protecção da população civil e do património nacional.

2. Incumbe ainda ao Governo definir a política tia guerra e aprovar as directrizes para a elaboração dos planos de operações, orientando e coordenando a acção militar da responsabilidade dos comandos e pondo à disposição destes, os meios, de acção possíveis.

BASE VIII

1. A coordenação e a direcção efectiva da acção do Governo na defesa nacional, em tempo de paz ou de guerra, pertencem ao Presidente do Conselho de Ministros.
2. O Presidente do Conselho poderá delegar num ou mais Ministros o exercício dos seus poderes de coordenação e de direcção, exceptuados os relativos à condução política, pela qual é responsável.

BASE IX

1. Os poderes de coordenação e de direcção da defesa nacional do Presidente do Conselho serão normalmente delegados no Ministro da Presidência e no Ministro da Defesa Nacional.
2. Serão delegados no .Ministro da Presidência os poderes relativos à preparação e execução da mobilização e da protecção civil, nos domínios psicológico, científico, económico e administrativo.
3. Serão delegados no Ministro da Defesa Nacional os poderes referentes à preparação e à eficiência dos meios necessários à organização militar e à defesa civil.

BASE X

1. A preparação e execução da mobilização civil nos domínios psicológico, científico, económico e administrativo e a reunião dos recursos necessários à sustentação do esforço de defesa e à protecção das populações civis competem aos Ministérios civis.

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2. Cada Ministro é responsável pela preparação dos serviços a seu cargo para o desempenho da missão que lhes caiba em tempo de guerra.
3. Ao Ministro da Presidência compete orientar e coordenar a acção que os Ministérios civis deverão desenvolver segundo os planos estabelecidos de acordo com as necessidades essenciais da defesa nacional e aprovados pelo Conselho Superior da Defesa Nacional.

BASE XI

1. A organização e instrução das forças armadas, a preparação da defesa militar, a inspecção superior e orientação da defesa civil, a elaboração dos planos de operações, bem como a determinação das necessidades de abastecimentos, transportes, comunicações e recursos sanitários para o caso de guerra, são da competência dos departamentos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, sob a orientação e coordenação do Ministro da Defesa Nacional.
2. O Ministro da Defesa coordenará a preparação e a execução dos orçamentos militares do Exército, da Marinha, e da Aeronáutica e repartirá pelos três departamentos as verbas que sejam globalmente atribuídas a despesas com a defesa nacional.

SECÇÃO II

Órgãos de coordenação

BASE XII

1. A definição da política da defesa nacional será feita em Conselho de Ministros.
2. Para estudo e coordenação de problemas concretos relativos à preparação da defesa poderão reunir-se conselhos restritos, com a presença dos Ministros directamente interessados e para os quais o Presidente do Conselho, ou o Ministro em quem ele delegar, poderá convocar o Subsecretários de Estado e altos funcionários civis ou entidades militares.
3. Os conselhos restritos não têm competência deliberativa, salvo o disposto por lei para o Conselho Superior da Defesa Nacional.

BASE XIII

1. O Conselho Superior da Defesa Nacional é constituído pelo Presidente do Conselho, pelos Ministros da Presidência, da Defesa Nacional, do Interior, das Finanças, dos Negócios Estrangeiros e do Ultramar e pelo chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas.
2. O Presidente da República presidirá ao Conselho sempre que a ele queira assistir, e tem a faculdade de o mandar convocar quando deseje ser informado do estado dos problemas da defesa nacional.
3. Poderão ser chamados a participar nas reuniões do Conselho quaisquer Ministros cuja presença o Presidente do Conselho julgue útil, sem embargo da faculdade conferida na parte final do n.º 2 da base anterior.

BASE XIV

1. Em tempo de paz compete ao Conselho Superior da Defesa Nacional examinar os problemas relativos:

a) À política militar da Nação;
b) À organização da defesa nacional;
c) Aos programas gerais de armamento;
d) À organização da defesa civil do território e da protecção das populações civis em caso de guerra;
e) Às convenções internacionais de carácter militar;
f) A determinação das zonas onde deverão ser observadas restrições temporárias ao direito de propriedade;
g) De maneira geral, à colaboração interministerial necessária ao apetrechamento defensivo do País e à eficiência dos meios de defesa.

2. Em tempo de guerra o Conselho Superior da Defesa Nacional assumirá os poderes e desempenhará as atribuições próprias do Conselho de Ministros em tudo quanto respeita à condução da guerra e às forças arma-

BASE XV

1. O Conselho Superior Militar é composto pelo Ministro da Defesa Nacional, que presidirá na ausência do Presidente do Conselho, pelos titulares dos departamentos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, pelo chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas e pelo secretário-adjunto da Defesa Nacional, que servirá de secretário sem voto.
2. Poderão ser convocados para as reuniões do Conselho Superior Militar os chefes de estado-maior dos três ramos das forças armadas.
3. O Conselho Superior Militar será ouvido sobre os problemas relativos à preparação militar dos três ramos das forças armadas e emitirá obrigatoriamente o seu parecer sobre:

a) Programas gerais de preparação militar;
b) Programas anuais de armamento;
c) Repartição pelos diversos departamentos militares das verbas globais anualmente consignadas ao apetrechamento e preparação militar das forças armadas.

4. Em tempo de guerra o Conselho Superior Militar, reunido sob a presidência do Presidente do Conselho ou, por delegação sua, do Ministro da Defesa Nacional, será ouvido sobre a condução militar da guerra, designadamente no que respeita à preparação e direcção da luta armada.

BASE XVI

1. A fim de facilitar a coordenação dos serviços a seu cargo, o Ministro da Presidência poderá convocar a reunião de todos ou de alguns dos Ministros e dos Subsecretários dos Ministérios civis e dos altos funcionários civis e das entidades militares cuja presença julgue necessária.
2. Os funcionários que não dependam directamente da Presidência do Conselho deverão ser sempre convocados através dos Ministros sob cujas ordens sirvam e com anuência deles.

SECÇÃO III

Órgãos de execução

BASE XVII

1. A Presidência do Conselho organizará os serviços de estudo, informação e execução necessários ao desempenho das atribuições que pela presente lei lhe competem.

2. O chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas é o secretário-geral da Defesa Nacional, conselheiro técnico militar do Ministro da Defesa Nacional, e superintenderá na execução das suas decisões em relação aos três ramos das forças armadas, e à organização da defesa civil.
3. Em todos os Ministérios civis era designado o secretário-geral ou um director-geral encarregado de com os meios que serão postos à sua disposição, estudar os problemas relativos à adaptação dos serviços ao tempo de guerra e à sua participação ora mobilização civil, sob

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a orientação das serviços centrais de coordenação dependentes do Ministro da Presidência.
4. Os chefes dos Estados-Maiores do Exército, da Armada e das Forças Aéreas são os conselheiros técnicos dos titulares dos respectivos departamentos e respondem p ela preparação das forças colocadas sob a sua inspecção superior, de harmonia com a orientação traçada pelo Governo.

TITULO III

Das relações entre a direcção política e o comando militar em tempo de guerra

BASE XVIII

1. Ao Conselho Superior da Defesa Nacional compete, em tempo de guerra, além do exercício das suas atribuições normais de tempo de paz e das que o Conselho de Ministros possua relativamente às forças armadas, aprovar a orientação geral das operações militares e tomar as providências conducentes à satisfação das necessidades da Nação e das forças armados oriundas do estado de guerra.
2. O Conselho Superior Militar constituirá o órgão de estudo e consulta do Presidente do Conselho e do Ministro da Defesa Nacional no tocante à condução militar da guerra, designadamente no que respeita ia preparação e direcção da luta armada.

BASE XIX

1. Compete ao Presidente do Conselho ou, sob a sua. autoridade, ao Ministro da Defesa Nacional a aprovação dos planos gerais das operações e a nomeação duri comandantes das grandes Unidades operacionais nos diferentes teatros de guerra, bem como a outorga das respectivas cartas de comando.
2. A preparação e a direcção estratégica do conjunto das operações são da responsabilidade do chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, sob as ordens imediatas do Presidente do Conselho e do Ministro da Defesa Nacional.
3. Os chefes dos Estados-Maiores do Exército, da Armada e das Forças Aéreas respondem, em relação aos respectivos ramos das forças armadas, pela execução das directivas superiores e asseguram a inspecção geral das armas e serviços.

BASE XX

1. As zonas do território nacional em que se desenrolem operações militares ficam sob a autoridade do comando das forças nelas empenhadas, de acordo com as leis e usos da guerra.
2. O comandante militar da zona de operações responde pela defesa militar e civil do território colocado sob a sua jurisdição e superintenderá na administração dele em tudo quanto for necessário à eficiência da acção militar, podendo dar ordens e instruções, para esse efeito às autoridades administrativas locais.
3. Sempre que seja considerado conveniente será o comandante militar da zona de operações investido nas funções do superior autoridade civil em todo o território sob a sua jurisdição, as quais, por via de regra, serão exercidas por intermédio de um adjunto, nomeado, sob proposta ou com anuência daquele, pelo Conselho Superior da Defesa Nacional.
4. A determinação das áreas de jurisdição dos comandos para efeitos do disposto nesta base é da competência do Conselho Superior da Defesa Nacional, sob proposta do Ministre da Defesa Nacional.

BASE XXI

1. Compete ao Governo orientar tudo quanto respeite u segurança interna e à protecção da população civil,

designadamente a prevenção de actos subversivos, a repressão da espionagem e dos actos de inteligência com o inimigo, a defesa dos órgãos e serviços vitais da economia nacional, a manutenção da ordem pública e a assistência, evacuação ou orientação das populações atingidas ou ameaçadas por actos de guerra.
2. Todas as forças de segurança, militares ou militarizadas, bem como os organismos policiais, salvo os de polícia judiciária civil, serão em caso de guerra subordinadas a um comando geral de segurança interna, cujo titular será designado pelo Conselho Superior da Defesa Nacional.
3. O comando geral de segurança interna poderá ser instituído em tempo de paz para efeitos de organização e preparação, de modo a poder entrar imediatamente em funções ao verificar-se o estado de emergência ou o estado de guerra.

TITULO IV

Da mobilização e utilização das pessoas e dos bens

BASE XXII

1. Todos os recursos necessários à defesa ou à vida da Nação podem, em caso de guerra ou de emergência, ser mobilizados pelo Governo.
2. A mobilização compreende a convocação dos cidadãos e a requisição de todos os bens ou serviços indispensáveis u realização dos fins que as circunstâncias imponham e o Governo defina.
3. A mobilização pode ser escalonada no tempo e por zonas de território.

BASE XXIII

1. A mobilização militar será assegurada pelos serviços competentes das forças armadas, sob a orientação dos titulares dos respectivos departamentos e dentro dos planos previamente aprovados.
2. A preparação e execução da mobilização dos elementos de segurança interna e de defesa civil ficará a cargo dos serviços que forem para tal designados e adequados em tempo de paz.
3. Os Ministérios civis, de acordo com as instruções do Conselho Superior da Defesa Nacional, preparam e asseguram a mobilização civil, designadamente a mobilização industrial e de mão-de-obra.

BASE XXIV

1. Todos os portugueses têm o dever de contribuir para o esforço da defesa nacional, de harmonia com as suas aptidões e condições de idade e sexo.
2. Os indivíduos sujeitos a obrigações militares serão convocados para as forças armadas à medida que as necessidades imponham, não sendo admissível a escusa ou dispensa do serviço de quantos sejam declarados aptos.
3. Diploma especial estabelecerá as condições em que os indivíduos sujeitos a obrigações militares poderão ser delas dispensados, a fim de assegurarem a continuidade de serviços públicos essenciais ou de actividades privadas imprescindíveis à vida da Nação ou às necessidades das forças armadas.
4. Serão também estabelecidas nos termos fixados no número anterior as isenções da mobilização militar consideradas indispensáveis em proveito da mobilização civil, designadamente da mobilização administrativa o industrial.
5. Os membros do Governo, enquanto no exercício das suas funções, serão dispensados das obrigações de mobilização que lhes possam caber. Os Deputados e os Procuradores a Câmara Corporativa ficam sujeitos ao cumprimento das obrigações da mobilização que lhes caibam, mas serão dispensados do serviço durante os períodos de sessão legislativa.

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BASE XXV

1. Podem ser requisitadas para serem afectados a organização militar ou à defesa civil, bem como a serviços públicos ou de interesse público cujo funcionamento regular seja essencial à defesa nacional ou ao abastecimento do País, todos os indivíduos maiores de 18 anos, ainda quando não abrangidos pelas Leis de recrutamento ou isentos do serviço militar.
2. A afectação dos requisitados terá quanto possível em consideração as respectivas profissões e aptidões físicas e intelectuais, a idade, o sexo e a situação familiar.
3. Os requisitados para as necessidades da mobilização civil serão remunerados com vencimento ou salário de acordo com a natureza do trabalho prestado e o nível médio corrente da retribuição das correspondentes actividades privadas e conservarão todos os direitos nas instituições de previdência social em que estejam inscritos à data da requisição.
4. Os aposentados ou reformados do Estado, dos institutos públicos ou das autarquias locais poderão, em caso de guerra ou de emergência, ser mandados prestar serviços compatíveis com as suas aptidões físicas e intelectuais na administração pública, nos organismos de defesa civil ou de protecção és populações civis ou noutras funções em que a sua experiência possa, ser aproveitada.

BASE XXVI

1. O Governo tem o direito de requisitar, mediante justa indemnização, coisas móveis e semoventes e a utilização temporária de imóveis, sempre que por virtude do estado de guerra ou de emergência haja urgente necessidade dos bens ou não seja possível ou conveniente procurá-los pelas formas normais do mercado.
2. A requisição pode ter por objecto estabelecimentos industriais para o efeito de laboração exclusiva pana as necessidades d a defesa, sob a direcção de autoridades designadas pelo Governo ou continuando a sua gerência normal sob a fiscalização e com a assistência de delegados da mobilização industrial.
3. Podem ser igualmente requisitados todos os meios de transporte, incluindo os aéreos, com as respectivas instalações de apoio e infra-estruturas.
4. Poderá ser requisitado pelo tempo necessário à defesa nacional o exercício exclusivo de direitos de propriedade industrial, literária ou artística, devendo o Estado adoptar as providências conservatórias convenientes à prevenção do uso de inventos portugueses contra o interesse nacional.
5. Diploma especial determinará .as «autoridades competentes para a requisição, o respectivo processo e as regras de fixação das indemnizações a pagar.

XXVII

1. Os serviços, do Estado, as autarquias locais, os organismos corporativos e de coordenação económica e as associações, instituições e empresas privadas tem o dever de concorrer para a mobilização dos recursos nacionais e para a preparação da defesa, em especial no tocante à defesa, civil e à protecção dos bens localizados em território nacional.
2. Os organismos que assegurem a exploração de serviços públicos, do Estado ou municipalizados, as empresas concessionárias de serviços dessa natureza, e em geral toda. s as que sejam consideradas de interesse colectivo, deverão elaborar em tempo de paz e manter permanentemente em dia o cadastro do seu pessoal, para efeitos de eventual mobilização ou de cooperação na defesa civil.

3. O Secretáriado-Geral da Defesa Nacional tomará u seu cargo tudo quanto respeite à mobilização e defesa dos estabelecimentos fabris militares do Estado, da indústria privada que produza ou seja adaptável ao fabrico de armamento, munições ou explosivos e do pessoal científico e técnico utilizável em trabalhos de investigação ou de produção de grande interesse para a defesa nacional.

BASE XXVIII

1. Em tempo de guerra ou em estado de emergência as necessidades militares relativas a comunicações e transportes, bem como ao abastecimento de matérias-primas ou de produtos necessários as forças armadas, terão preferência sobre quaisquer necessidades privadas e serão devidamente consideradas no conjunto das necessidades públicas pelo Conselho Superior da Defesa Nacional.
2. O uso público dos serviços de comunicações, de transportes colectivos ou outros indispensáveis ao planeamento e desenvolvimento de operações militares fica sujeito às restrições que, possam resultar da prioridade das necessidades militares ou da defesa, segurança e protecção das populações.
3. Lei especial estabelece as servidões e restrições ao direito de propriedade privada nas zonas confinantes com organizações ou instalações militares ou de interesse para a defesa nacional, de segurança ou que estejam compreendidas nos planos de operações.

BASE XXIX

1. O Estado não se obriga a pagar indemnizações por prejuízos individuais resultantes directa ou indirectamente de operações ou acções de guerra contra inimigo interno ou externo.
2. O Estado não é igualmente responsável pelos prejuízos causados por bombardeamentos aéreos, ou por factos que deles sejam consequência.
3. Os prejuízos resultantes do estado de guerra serão da responsabilidade do país agressor e como tal será reivindicada a respectiva indemnização no tratado de paz ou na convenção de armistício.
4. O Estado assistirá, de acordo com as possibilidades, as populações civis atingidas por actos de guerra.

TITULO V

Da organização política e das garantias fundamentais nos casos de guerra ou de emergência

BASE XXX

1. O Governo tomará, em devido tempo, as. providências necessárias para assegurar o livre exercício da soberania e o funcionamento dos seus órgãos em caso de guerra, podendo prever a mudança da capital política para qualquer ponto do território nacional.
2. Quando, por virtude de actos de guerra ou de ocupação de parte do território, os órgãos da soberania não possam funcionar ou agir livremente, os titulares deles que se encontrarem em território livre providenciarão no sentido de os reconstituir.
3. O Chefe do Estado, quando, em estado de necessidade e para salvaguarda do livre exercício da soberania portuguesa em face de inimigo externo, se ausente do território nacional, permanece no pleno exercício das suas funções, devendo, logo que lhe seja possível, estabelecer-se de novo em qualquer ponto desse território.
4. Se o Presidente da República estiver impedido de exercer livremente a saia autoridade, por se encontrar em território ocupado pelo inimigo, assumirá as funções da chefia do Estado aquele dos membros do Governo que, achando-se em território livre, tiver prece-

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dência sobre os outros pela ordem legal ou consuetudinariamente aceite.
5. Se nem o Presidente do Conselho nem nenhum Ministro se encontrar em território livre, assumirá a plenitude das funções governativas e reconstituirá o Governo Português, com autoridade sobre todo o território, o governador-geral de província ultramarina de África mais antigo no cargo.

BASE XXXI

1. Em caso de guerra ou de emergência será declarado o estado de sítio, nos termos prescritos pela Constituição.
2. O estado de sítio pode ser declarado com suspensão total ou parcial das garantias constitucionais.
3. A declaração com suspensão total das garantias importa ais restrições aos direitos e liberdades individuais e sociais que forem impostas pelas necessidades da salvação pública, salvo sempre o dever que às autoridades assiste de observar os ditames da justiça natural e de não exceder os limites dessas necessidades.
4. A declaração com suspensão parcial das garantias pode especificar ou não as garantias suspensas.
5. Quando a declaração de suspensão parcial não especifique as garantias suspensas, entender-se-á que tem a extensão seguinte:

a) Condicionamento do trânsito das pessoas e da circulação de veículos, nos lugares e às horas marcadas, à, posse de salvo-conduto passado pela autoridade militar, nos termos por ela anunciados;
b) Faculdade de detenção dos indivíduos suspeitos ou perigosos, independentemente de mandado judicial ou formação de culpa;
c) Proibição de uso e porte de armas de qualquer natureza, salvo em serviço e sob as ordens da autoridade militar;
d) Supressão da inviolabilidade de domicílio;
e) Condicionamento de todas as reuniões à licença expressa da autoridade militar;
f) Censura prévia a todas as formas de correspondência, à difusão de notícias ou à expansão de qualquer forma de imprensa, de publicidade ou de propaganda;
g) Direito de requisição de bens e de serviços nos termos legais;
h) Submissão ao foro militar da instrução e do julgamento dos crimes, contra a segurança do Estado, contra a ordem e tranquilidade públicas e contra a economia, nacional, bem como das transgressões à legislação sobre mobilização civil.
6. A declaração indicará a extensão territorial da sua vigência, podendo abranger todo o território nacional ou parte dele ou referir-se indeterminadamente às zonas de operações.
7. A declaração deverá especificar se as autoridades militares assumem a mera superintendência, sobre as autoridades civis e serviços de segurança, ou se ficam investidas na plenitude das funções dessas autoridades.

Disposição final

BASE XXXII

Continuam em vigor as bases I, IV, VI, VII, salvo no que se refere ao Conselho Superior da Mobilização Civil, VIII e IX da Lei n.º 2051, de 15 de Janeiro de 1952.

O Presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar. - O Ministro da Presidência, Marcello Caetano. - O Ministro da Defesa Nacional, Fernando dos Santos Costa. - O Ministro do Ultramar, Raul Jorge Rodrigues Ventura.

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CÂMARA CORPORATIVA

VI LEGISLATURA

PARECER N.º 40/VI

Projecto de proposta de lei n.º 517

Organização geral da Nação para o tempo de guerra

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.º da Constituição, acerca do projecto de proposta de lei n.º 517, elaborado pelo Governo sobre a organização geral da Nação para o tempo de guerra, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Política e administração geral e de Defesa nacional), sob a presidência de s. Exa. o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

I

Apreciação na generalidade

A) Q projecto de proposta de lei e sua finalidade

1. A proposta de lei cujo projecto se submete à apreciação da Câmara vem completar o conjunto de leis fundamentais em que deve assentar a estrutura defensiva da Nação, paia que esta, se for caso disso, possa realizar com êxito o pesado esforço que as características da guerra moderna exigem e dar assim cumprimento ao preceituado no artigo 55.º da Constituição Política.

B) Da necessidade

2. Se é certo que através de uma continuidade governativa raramente verificada foi possível estruturar, em obediência a pensamento uniforme, a organização militar da Nação e um conjunto de normas respeitantes à defesa civil e u mobilização industrial estabelecidas durante a última guerra mundial, a verdade é que se torna indispensável a publicação de um diploma básico que abra caminho à solução, na sua total e real extensão, de problemas da maior importância e urgência no âmbito da defesa nacional, de harmonia com as circunstâncias que dominam os modernos conflitos internacionais.

3. Com efeito, na época actual, a passagem do pé de paz para o pé de guerra implica a adaptação da vida e das energias potenciais da Nação, no campo moral, político, económico e financeiro, científico e militar, a uma finalidade suprema a que tudo se sacrifica: a vitória sobre o adversário. Nessa conjuntura, toda a vida da Nação se transforma, orienta e canaliza no sentido da guerra, por forma a permitir a realização do máximo esforço possível contra o inimigo, reduzindo-se ao mínimo compatível com a segurança e estabilidade da retaguarda as actividades que se orientam no sentido de manter o possível equilíbrio da vida civil e prover às necessidades da população.
Para que a passagem da vida da Nação de tempo de paz para a guerra possa realizar-se rapidamente e com a menor perturbação possível, é necessário que a transformação esteja prevista e seja regulada por disposições cuidadosamente estudadas e estabelecidas desde o tempo de paz. E indispensável é também que esteja garantida a preparação e a mais perfeita coordenação

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do esforço de guerra, que deve abranger todas as potencialidades da Nação. Foi o alto grau de coordenação alcançado pelos aliados na última conflagração mundial que, na opinião de um dos seus mais eminentes chefes militares, constituiu a verdadeira chave da sua vitória.

4. A Lei n.º 2051, de 29 de Fevereiro de 1952, constituiu já um passo dado no sentido de se atingirem as finalidades desejadas. Fixava ela algumas atribuições do Governo no domínio da organização da defesa nacional; criava certos órgãos superiores de direcção e coordenação nos campos militar e civil; esboçava os princípios orientadores da direcção da guerra e da condução das operações e tendia para a unidade da política de defesa em todo o território português, metropolitano e ultramarino.
No entanto, não abrangia todos os aspectos de defesa nacional que numa organização geral da Nação para a guerra são de considerar, e a sua doutrina, nalguns pontos a que a Câmara se referirá adiante no exame na especialidade, ao apreciar as bases do projecto de proposta de lei que eles se relacionam, carece ser convenientemente modificada e completada.

5. A lei que agora o Governo pretende se promulgue preenche as lacunas que se revelam e refunde, no sentido aconselhável, os pontos carecidos de modificação, constituindo assim o fecho natural da legislação básica existente sobre matéria de defesa nacional.
Com base nela, poderão ser criadas as disposições legais ou regulamentares que permitam a indispensável colaboração harmónica entre todas as actividades que interessem à defesa nacional e, assim, encontrar solução adequada para importantes problemas emergentes de compromissos assumidos pelo País no seio das alianças em que participa.
Genérica, como é, fraco merecimento terá a matéria da proposta se lhe não for dado o desejável seguimento, isto é, se não forem estudadas e estabelecidas aquelas referidas disposições complementares, que os órgãos responsáveis, agora postos em face de novas preocupações e responsabilidades, deverão ordenar e pôr em execução.

C) Do carácter

6. O carácter da presente lei é consequência natural dos aspectos e natureza dos conflitos modernos. Se na primeira guerra mundial os exércitos inimigos combatiam já em zonas imensas e na condução da luta atingiam duramente as populações dos países invadidos, na segunda, o campo de batalha, no sentido próprio da expressão, estendeu-se sobre a totalidade dos territórios dos povos beligerantes. A população civil, como os exércitos, sofreu a acção directa da guerra e a dos seus meios indirectos - materiais e morais -: o bloqueio, a fome e a propaganda inimiga intensa e extensa a todos os sectores da vida dos povos. Guerra travada com uma energia, uma violência, uma paixão inauditas. Lutas travadas nas regiões da diplomacia, nos campos de batalha, no mundo da economia e na esfera da propaganda, todas elas integradas na guerra total e reagindo uma sobre as outras: a luta diplomática sobre a militar, mm ela conseguindo os beligerantes o alinhamento a seu lado de novos povos aliados ou a neutralização de outros inclinados a tomar o partido do inimigo, ou o afastamento dele, de alguns que o acompanhavam; sobre a económica, com a realização de acordos comerciais vantajosos em detrimento do adversário. Por seu lado, a acção militar, ou a simples coacção ou pressão da sua força, auxiliando a diplomacia na consecução dos seus objectivos e revigorando, pela conquista territorial, a economia com a obtenção de novas matérias primas ou aumento das já existentes, com a utilização de novas fábricas, aproveitamento de mão-de-obra e acrescentamento de meios de transporte, etc., e a economia reagindo por seu turno sobre o estado moral da nação e sobre a eficiência das forças armadas. Em suma, guerra diplomática travada entre as chancelarias, guerra militar entre as forças armadas, guerra de acção directa nos centros populacionais, e de propaganda para abalo da força anímica dos povos, e guerra económica para aumento dos recursos próprios e ataque aos do inimigo.
O panorama não será melhor se uma nova guerra mundial - que Deus afaste! - eclodir. O incremento constante do poder destruidor das novas anuas ofensivas (atómicas e termonucleares), a extensão da luta armada a espaços cada vez mais amplos da terra, mar e ar, o aparecimento das diferentes formas de guerra subversiva com as quais se pretende minar o moral das retaguardas e desarticular toda a estrutura orgânica da Nação, acentuam cada vez mais o carácter total da guerra, não só pelo que à sua intensidade e amplitude diz respeito, como principal meu te porque nenhum aspecto da actividade nacional há que possa ser considerado sem interesse para o esforço que ela exige.

7. Nestas condições, impõe-se que ao esforço das armas se adicionem todas as energias efectivas e latentes da Noção e que esta se encontre em condições do fazer face a todas as surpresas. E forçoso é também que desta verdade indiscutível e evidente ela tome plena consciência.
Em consequência, a mobilização, para a passagem da organização de tempo de paz à do de guerra, deve ser integral, englobando todas as actividades militares e civis. Uma perfeita mobilização - civil e militar - constitui factor importante da vitória, mas exige um trabalho de preparação e ulterior actuação realizado em conformidade com directrizes traçadas e desenvolvidas com grande espírito de unidade. Nesse sentido se orienta o projecto de proposta de lei e isso constitui o seu carácter dominante.

D) Da oportunidade

8. Vive o Mundo uma época agitada e confusa em que as esperanças de uma paz electiva e duradoura alternam com tal frequência com perspectivas de guerra que se torna impossível prever com alguma segurança o futuro. Agora, atitudes, gestos, declarações que iluminam a alma dos povos fazendo-lhes crer que finalmente os dois blocos opostos em que se divide o Mundo vão finalmente entrar nu desejada senda da coexistência pacífica, vivendo cada um deles segundo a sua ideologia e os princípios da civilização em que se integra, mas ambos procurando com os seus sistemas políticos e métodos de trabalho diferentes elevar o nível de vida e o bem-estar das populações - logo, afirmações, procedimentos, factos contraditórios que destroem a fugaz expectativa criada e levam de novo as gentes ao abatimento e à descrença. E Genebra com o prometedor ambiente de conciliação que cria. são as visitas de chefes políticos do Ocidente à Rússia e as cordiais recepções que lhes são feitas; mas são logo a seguir o conflito entre a Grécia e a Turquia com a intervenção clandestina dos agentes do bloco oriental interessado no enfraquecimento do Pacto Balcânico; o oferecimento de armas, técnicos militares e industriais e assistência económica feito pelas mesmas potências ao Egipto; a para nós tristemente célebre visita de Khruchev e de Bulganine à União Indiana; a estruturação do Pacto de Varsóvia em termos de réplica ao

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Pacto do Atlântico Norte; tudo culminando com a explosão em território russo de uma nova bomba de hidrogénio.
No momento presente são Israel e a Jordânia, o Egipto e quase todo o Norte de África, é Chipre, todos campo de incidentes da maior gravidade, na sua quase totalidade consequência do sentimento de nacionalismo árabe, fomentado, excitado, exacerbado pelos comunistas, na sua acção subterrânea para minar e enfraquecer as nações do bloco ocidental. É a nossa índia alvo da desmedida cobiça da União Indiana, ajudada e fortalecida abertamente pelos próprios dirigentes russos. Amanhã poderá a mesma acção sub-reptícia e subversiva ser levada ao coração da África e às nossas províncias africanas, no desenvolvimento do propósito de subtrair ao Ocidente todo o continente africano, sem o qual não lhe será talvez possível sobreviver. Entretanto, novos contactos entre chefes políticos da Rússia e os de algumas das grandes nações atlânticas se estabelecem ou anunciam, admitem-se progressos satisfatórios na acção da comissão de desarmamento. Aqui e acolá a esperança do entendimento debilmente renasce! ...

9. Portugal, integrado na coligação atlântica, disposto a defender o seu território e a civilização cristã, em que nasceu, se criou e fez grande, embora só deseje a paz e preconize vigorosamente a arbitragem como meio de resolver os diferendos internacionais, tem que admitir, pela força das circunstâncias, a hipótese da guerra e deve preparar-se para o caso de ela, desgraçadamente, lhe ser imposta. Aliás, isso constitui imperativo urgente dos próprios compromissos assumidos na Organização do Tratado do Atlântico Norte.

10. Com grandes dificuldades se topa quando, para satisfação de tais compromissos, se encara a preparação de certas medidas para a defesa nacional de acordo com conceitos de defesa dominantes nessa organização, por falta de diploma legal que possibilite arredá-las. Extraordinariamente agravadas seriam elas se um conflito subitamente surgisse e tivéssemos então de improvisar tudo de qualquer modo. Impõe-se, por consequência, remediar tal estado de coisas e abrir caminho à resolução conveniente de sérios problemas que é mister enfrentar.
O projecto de proposta de lei que o Governo submete agora à apreciação das Câmaras é, pois, de uma oportunidade evidente. Mais do que isso, a sua promulgação como lei é da manifesta urgência.

E) Da economia da proposta

11. Mostra o projecto de proposta de lei, em primeiro lugar, de forma bem precisa e clara, o propósito defensivo que a orienta e o desejo sempre manifestado e nitidamente declarado pela Nação de cooperar no plano internacional com vista à paz e ao progresso da humanidade, em perfeita conformidade com os preceitos estabelecidos na Constituição Política e normas de sã moral do direito internacional, tomando como ponto fundamental de partida das disposições que insere a definição da finalidade da defesa nacional e a paralela afirmação de obediência a altos conceitos pacificadores e civilizadores que tradicionalmente caracterizam a vida internacional portuguesa.
Posta em evidência esta atitude fundamental, toda a sua economia se orienta e inspira nos princípios da universalidade, previsão, unidade e utilidade.

a) Universalidade

12. A defesa da Nação é finalidade suprema que a todos interessa e à qual nada pode ser negado, em bens, serviços e restrições aos direitos e liberdades individuais e sociais. Todas as potencialidades nacionais devem reverter em proveito da defesa nacional, e a Nação inteira tem imperiosa obrigação, resultante da aplicação do actualizado conceito de «Nação em guerra» que responde às exigências da guerra total, de contribuir leal e abertamente para tal fim.
Na sua aplicação deve o princípio ser orientado pelo da utilidade e condicionado à necessidade e ao equilíbrio. A isso se atende, com efeito, no projecto de proposta de lei.
Nele repousam as bases II, XXII, XXV, XXVI, XXVII, XXVIII, XXIX e XXXI.

e) Previsão

13. Segundo este princípio, a passagem da organização de paz u de guerra, tem de ser cuidadosamente preparada com larga antecedência para reduzir ao mínimo os efeitos da crise que ela sempre provoca.
Isso impõe um estudo cuidadoso das medidas que devem ser tomadas em todas as fases de mobilização de vigilância, de intensificação fabril, de mobilização das forças armadas, de mobilização total do país em todas as suas actividades - e ainda o das normas de pré-mobi-lização que visam dar à estrutura orgânica nacional do tempo de paz a firmeza e resistência moral e a robustez material que possibilitem pôr tais medidas em prática com regularidade e êxito.
Como corolário resulta a necessidade de assegurar a acção governativa, prevendo as formas de manter o livre exercício da legítima autoridade quando os azares da guerra de qualquer modo o dificultem.
Em tais conceitos se apoiam as bases II, III, XI, XXIII, XXVII e XXX.

c) O Unidade

14. O princípio estabelece que uma chefia suprema, única, deve existir em todo o território para coordenar no plano nacional cada uma das múltiplas actividades que interessam ao esforço de defesa e que critério idêntico se deve adoptar, sempre que possível, nos planos regional e local. São seus corolários o conceito da responsabilidade, segundo o qual a cada missão particular específica deve corresponder um chefe e um organismo próprios, e o da coordenação manda que coordenar as actividades dos organismos afins por um chefe e um organismo únicos no escalão imediatamente superior e estabelecer, em cada escalão, contactos entre organismos com missões distintas mas cujas zonas de acção de algum modo se interfiram.

15. Inspirada nele, o projecto de proposta de lei estabelece, como norma hásica, a sua aplicação a todo o território nacional (extensão do preceito considerado no § único do artigo 53.º da Constituição), afirmando assim a integral unidade e coesão da Nação Portuguesa, não obstante a pluralidade do seu território, e resolve, entre outros, os importantes problemas respeitantes à preparação da defesa nacional e à direcção da guerra e chefia das operações.

16. Atribuídas ao Presidente da República funções que lhe permitem assumir, em matéria de defeca nacional, as suas altas responsabilidades perante a Nação e que se podem considerar abrangidas pelo espírito dos artigos 70.º, 81.º e 91.º da Constituição Política, dá ao Presidente do Conselho de Ministros, como expressão bem elevada da aplicação do princípio da unidade, a incumbência da direcção efectiva e da coordenação da acção do Governo na defesa nacional, e insere as normas básicas que, sempre harmónicas com o princípio da unidade, devem presidir a uma e outra, destas importantíssimas funções.

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Preparação da defesa nacional:

17. Ao Governo compete a responsabilidade suprema de preparar a defesa nacional, na paz e na guerra, mas essa responsabilidade reparte-se pelos elementos que nele se integram.
Esta repartição aparece, logicamente, no projecto de proposta de lei, em rolarão com as características mais acentuadas dos modernos conflitos.

18. Na realidade, definida a política de defesa em Conselho de Ministros, a responsabilidade da sua realização efectiva é atribuída ao Presidente do Conselho, que, conforme a natureza das medidas a tomar, delega os seus poderes de direcção e de coordenação nos Ministros da Defesa e da Presidência. Normalmente, serão delegados no primeiro os referentes à preparação e à eficiência dos meios necessários à organização militar e à defesa civil, e no segundo os problemas relativos à mobilização civil e à assistência e apoio às populações, conservando sempre o Presidente do Conselho nas suas próprias mãos tudo o que se refere à alta direcção e coordenação políticos.
Aos diversos departamentos ministeriais corresponderão os aspectos particulares da política de defesa (política militar, de acção diplomática, de defesa económica, etc.), que, desenvolvidos segundo as convenientes directrizes, se traduzirão, para cada um deles, numa missão clara e precisa a cumprir.
É orientação esta que se afigura excelente, pois não só permite considerar, com a oportunidade e o paralelismo necessários, os problemas de índole vária respeitantes à defesa, muitos deles fora do âmbito propriamente militar, como se identifica, com o espírito do Decreto-Lei n.º 37 909, de l de Agosto de 1950. A descentralização de responsabilidades pelos diversos Ministérios, civis na preparação e execução, no domínio civil, de medidas respeitantes à defesa, constitui, sem dúvida, prática de grande alcance na consideração de certos aspectos delicadas da segurança nacional até agora muito deficientemente encarados.

19. Verifica-se igualmente que, além do aspecto militar, são considerados, como se impõe, os outros aspectos, também fundamentais duma moderna defesa nacional: a prepararão moral e psicológica, a mobilização civil e bem assim:

i) A defesa preventiva e activa contra os efeitos directamente resultantes de qualquer forma de ataque inimigo e, muito em especial, contra os ataques aéreos ou de engenhos teleguiados, geralmente designada por «Defesa civil»;

ii) A assistência e apoio às populações sujeitas directa ou indirectamente às consequências da guerra e a conservação e recuperação do património ameaçado ou atingido por actos de guerra, o que no diploma parece querer-se abranger com a designação de protecção civil», mas se julga mais apropriado designar por: Assistência às populações e conservação e recuperação do património»;

iii) A defesa contra as actividades subversivas, de espionagem e de inteligência com o inimigo, a alteração da ordem pública e a sabotagem, a que se pode dar a designação geral de: Segurança interna».

Estes três últimos aspectos, que interessam à sobrevivência das populações e à firme manutenção da frente interna, passaram a ter uma importância capital com o advento das armas de destruição maciça e o desenvolvimento progressivo das actividades subversivas e insidiosas.

20. A dependência da defesa civil do departamento da Defesa Nacional, estabelecida no projecto de proposta de lei. e concordante com o facto, hoje geralmente reconhecido, de as características orgânicas e operacionais de uma moderna defesa civil imporem estreita colaboração com as actividades militares e a assimilação dos métodos a elas inerentes.
Na realidade, é unanime e acentuadamente reconhecida a necessidade dessa estreita colaboração e da ligação dos campos:

Do alerta, de cujos sistemas electrónicos, a cargo da defesa aérea, depende intimamente a defesa civil;
Dos evacuações das populações dos centros urbanos ameaçados, as quais devem ser perfeitamente coordenadas com as operações ou movimentos militares em curso, por se realizarem em momentos sempre críticos;
Da intervenção de formações militares em auxílio da defesa civil, para fazer face às extensas consequências, em vítimas e destruições, de um ataque atómico ou termonuclear, intervenção que hoje em dia é absolutamente indispensável encarar.

Na vária bibliografia das diferentes nações e da NATO relativa ao assunto essa necessidade é frequentemente apontada e é ela que justifica a actual tendência para confiar a responsabilidade da direcção e da coordenação das actividades militares e da defesa civil a um único departamento, que só pode ser então o da defesa nacional.
A conclusão, aliás, é bem corroborada pelas seguintes afirmações de dois celebrados e altamente responsáveis chefes da defesa ocidental:

As tarefas da administração central da defesa civil dizia o general Eisenhower, a certa altura, na sua mensagem ao Congresso de 5 de Janeiro do ano corrente estão estreitamente ligadas à missão do Ministério da Defesa. Um exemplo particular desta relação reside no facto de a chave da defesa civil assentar no programa de expansão da defesa continental, compreendendo o sistema de alerta.
Por seu turno, o marechal Montgomery, numa conferência realizada no Royal United Service Institute em 12 de Outubro de 1955 e subordinada ao título Organização da defesa civil nos tempos modernos», afirmava, entre outras coisas: A organização da defesa civil é vital em cada território e deve ser colocada sob a direcção e controle militar».

21. Os aspectos da defesa nacional que, no n.º 19 deste parecer, a Câmara julgou preferível designar por Assistência às populações e conservação e recuperação do património» compreendem um grupo de complexos e importantes problemas cuja resolução está relacionada directamente com a vida administrativa e económica do País e com o nível moral, psicológico e sanitário das populações. É por isso compreensível a vantagem de os afectar, como se dispõe na proposta de lei, à entidade a quem cumpre orientar e coordenar a acção dos diferentes departamentos civis governamentais, a grande número dos quais dizem respeito, ou seja à Presidência do Conselho por intermédio do Ministro da Presidência.

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22. Quanto, à segurança interna, dela se ocupam actualmente, mas sem a extensão e o desenvolvimento necessários em tempo de guerra ou de emergência, várias forças afectadas a departamentos ministeriais diferentes e com comandos independentes uns dos outros. O sistema, se admissível em tempo de paz, é, todavia, inadequado para o tempo de guerra, porque não permite nem a unidade de acção, nem a coordenação das actividades dessas forcas para o mesmo fim comum, impedindo assim que delas se tire todo o rendimento possível.
Convém, por consequência, em caso de guerra ou de emergência, subordinar todas as ditas forças a um comando geral único, responsável pela segurança interna do País.
Tal comando, porém, só poderá exercer, com a prontidão requerida, acção eficaz se tiver realizado oportunamente todo o extenso trabalho de preparação indispensável, o que significa que a sua criação deverá fazer-se ainda em tempo de paz. Num e noutro sentido se orienta efectivamente o projecto de proposta de lei.

23. O que fica dito a respeito dos três aspectos da defesa nacional, que vimos considerando de modo especial, não significa que exista uma nítida independência entre eles ou se possa definir uma fronteira precisa entre as respectivas esferas de acção.

Aquilo que se designou por assistência às populações, conservação e recuperação do património constitui um complemento natural e indispensável da defesa civil. De facto, se a defesa civil, preventivamente, fizer evacuar populações dos centros urbanos, será indispensável que nos locais de recepção estejam garantidas condições materiais e morais de vida satisfatória. O mesmo se poderá dizer acerca do tratamento hospitalar ou sanitário que espera os sinistrados, removidos pela defesa civil dos locais atacados, etc.
Por outro lado, também existem várias e compreensíveis relações de interdependência entre a segurança interna e cada um dos dois outros aspectos antes focados. Eles formam um todo de capital importância na defesa de cada território, sendo a necessária coesão e harmonia na preparação e nas intervenções garantida, precisamente, pela distribuição de responsabilidades indicada.

24. Nas suas linhas gerais, pois, o projecto de proposta de lei sobre a Organização Geral da Nação para o tempo de guerra», presente pelo Governo à Câmara Corporativa, tem em conta os conceitos expostos, havendo somente nalgumas passagens, como já se referiu, divergência de terminologia.
E porque dessa divergência poderão talvez resultar dificuldades futuras na interpretação e execução de algumas disposições do dito diploma que se julga vantajosa a substituição das expressões protecção civil» e protecção da população civil», embora empregadas em acepção concordante com as ideias expendidas.
De facto, tomadas ao pé da letra, as expressões «protecção civil» ou «protecção das populações civis» compreendem também as medidas de defesa civil e até algumas de natureza militar (defesa aérea). Além disso, sucede que nos documentos em língua francesa originários da NATO a designação «protection civile» significa precisamente o que no consenso geral se entende por defesa civil, e isso constituiria outro factor de possível confusão.

25. Do exposto se constata, pois, que, no projecto de proposta de lei, ainda o princípio da unidade levou a colocar na dependência do departamento da Defesa Nacional, sob a chefia do respectivo Ministro, o que diz respeito à preparação das forças armadas e da defesa civil e aos aspectos da mobilização do pessoal e da indústria que às mesmas interessam; e na dependência da acção coordenadora do Ministro da Presidência os aspectos civis da defesa, exceptuado o político. Mas tudo, porém, por delegação da autoridade superior do Presidente do Conselho, que assim garante a unidade de direcção e coordenação.

Direcção e condução da guerra:

26. É da responsabilidade colectiva do Governo a definição da política de guerra, mas, declarada ela, os poderes de direcção e de coordenação do mesmo são transferidos para o Conselho Superior da Defesa Nacional, constituído - digamos - em gabinete de guerra, de composição mais restrita, mas com os elementos essenciais, e, portanto, com possibilidades de actuação mais pronta e eficaz.
Definida a política da guerra, de acordo com a respectiva finalidade e com a situação político estratégica existente e os meios possíveis, compete ao Presidente do Conselho ou, sob a sua autoridade, ao Ministro da Defesa, a aprovação dos planos gerais de operações, elaborados segundo directrizes dimanadas do Governo, quando em paz, ou do Conselho Superior da Defesa Nacional, quando em guerra. Ao chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, sob as ordens imediatas do Presidente do Conselho e do Ministro da Defesa, incumbe a preparação e a direcção estratégica do conjunto de operações. Exerce ele, assim, o comando operacional superior de todas as forças armadas, conduzindo a luta no campo estritamente militar.

27. O princípio da unidade levou, portanto, à existência de um comando superior único, embora a responsabilidade da execução se reparta pelos chefes dos estados-maiores dos três ramos dessas forças, o que é hoje conceito consagrado e prática corrente em quase todas as nações.
Sem embargo da liberdade e das responsabilidades destes chefes subordinados no exercício das suas funções, não cessa a actividade governamental no que à conduta das operações se refere: os chefes políticos dos departamentos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, como representantes do Governo para o efeito, devem não só pôr à disposição dos comandos operacionais respectivos os meios necessários ou possíveis, como velar por que não se perca o sentido da finalidade política que se tem em vista com as operações. Não interferindo de qualquer modo nos aspectos táctico técnicos da condução destas, assegurarão, por tais modos, a unidade do objectivo político sem perturbar a da execução técnica.
Neste princípio da unidade assentam as bases IV, VI,
VII, VIII, IX, X, XI XII, XIII, XIV, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX E XXI.

d) Utilidade

28. Estabelece, o princípio, que os bens e serviços que constituem o potencial de guerra da Nação devem ser sempre utilizados onde è como sejam mais úteis, com vista a realizar o esforço de guerra de acordo com as necessidades e sem romper o equilíbrio das exigências antagónicas.
E consequência dele a ideia de que não devem ser impostas restrições inúteis às liberdades e direitos individuais e sociais, mas não se deve hesitar em adoptar tais medidas sempre que as operações o exijam ou os altos interesses nacionais o reclamem.
Em tais conceitos se apoiam as bases XXIV, XXV, XXVI, XXVIII, XXIX E XXXI

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F) Conclusão

29. O projecto de proposta de lei constitui notável documento, de grande interesse nacional e clara urgência, cuja matéria se apresenta de forma genérica, é certo, como, aliás, é próprio dos diplomas legais básicos, mas concisa e clara, repartida racionalmente por cinco títulos diferentes e concordante com os princípios consagrados que presidem na actualidade às organizações de defesa das nações.
Os ajustamentos ou ligeiras modificações que, no parecer da Câmara, devem ser efectuados num ou noutro ponto de detalhe não alteram o equilíbrio da sua estruturação, nem afectam apreciavelmente a sua economia.
A Câmara dá-lhe, por isso, a sua concordância na generalidade e passa ao

II

Exame na especialidade

TÍTULO I

30. Nada a objectar.

BASE I

31. Nada a objectar.

BASE II

32. A preparação do País para resistir a eventual agressão inimiga deve fazer-se, além de nos campos moral, administrativo e económico, também no técnico, e, em todos eles, nos aspectos civil e militar.
Sugere-se a pequena alteração correspondente.

BASE III

33. Nada a objectar.

BASE IV

34. Nos n.º 1 e 2 desta base estabelece-se a aplicação da lei a todo o território nacional, a unidade de organização da defesa nacional em todo ele e a possibilidade de empregar as forças estacionadas em qualquer ponto do mesmo, dentro ou fora dos seus limites, conforme necessário, o que se harmoniza perfeitamente com os princípios exarados no § único do artigo 53.º e no artigo 136.º da Constituição Política da República Portuguesa.
No n.º 3 dispõe-se que tudo quanto respeite à preparação, organização e operações de defesa nacional é considerado matéria de interesse comum da metrópole e das províncias ultramarinas. Deste modo, nos termos do n.º 2º do artigo 150.º da Constituição Política da República Portuguesa, passará a ser das atribuições do Governo legislar sobre a referida matéria para qualquer dos territórios do ultramar.
Não se levanta qualquer objecção à doutrina exposta; no entanto, entende-se conveniente modificar ligeiramente a redacção da base.
Assim, no n.º 2, sugere-se a substituição da expressão e «organização da defesa nacional» pela de a «estrutura orgânica da defesa nacional», marcando, por este modo, a distinção entre esta e as múltiplas actividades de organização que interessam à defesa do País.
No n.º 3, com a finalidade de marcar melhor o alcance da disposição nele estabelecida, sugere-se a pequena alteração constante da redacção que abaixo se indica:

2. A estrutura orgânica da defesa nacional é una para todo o território, podendo as forças armadas de terra, mar e ar estacionadas em qualquer ponto dele ser empregadas dentro ou fora dos seus limites, onde quer que as conveniências nacionais ou os compromissos internacionais exigirem.
3. Tudo quanto respeite a legislação sobre preparação, organização e operações de defesa nacional é considerado matéria de interesse comum da metrópole e das províncias ultramarinas.

BASE V

35. Nada a objectar.

TITULO II

36. Este título compreende três secções, a saber:

Secção 1.ª - Órgãos de direcção;
Secção 2.ª - Órgãos de coordenação;
Secção 3.ª - Órgãos de execução.

Não é pois lógico que a sua designação inclua somente as correspondentes à 1.ª e à 2.ª secção, e por isso se propõe a sua substituição por:

Dos órgãos superiores da defesa nacional
Poderia também adoptar-se a epígrafe:

Dos órgãos superiores de direcção, de coordenação e de execução da defesa nacional

mas parece preferível a primeira, por mais simples.

BASE VI

37. Nada a objectar.

BASE VII

38. Esta base tem por objecto enunciar de uma maneira geral tudo o que compete ao Governo no que diz respeito à preparação e condução da defesa nacional.
Dada a importância e volume das questões que se prendem com a defesa civil, a assistência às populações e a guarda, conservação e recuperação do património, entende-se que elas devem também ser referidas na especificação feita no n.º 1.
Parece ainda conveniente substituir a palavra a «treino» por «preparação», dada a maior amplitude desta.
Assim, propõe-se, para a base, a redacção seguinte:

1. Compete ao Governo, em tempo de paz, promover, orientar e dirigir a preparação da defesa nacional, especialmente no que respeita aos seguintes pontos:

a) Organização e preparação das forças armadas;
b) Organização e preparação da defesa civil, da assistência às populações e da guarda, conservação e recuperação do património;
c) Mobilização militar e civil;
d) Reunião dos recursos indispensáveis à sustentação da guerra;
e) Acção diplomática tendente à consecução dos necessários apoios externos.

2. Incumbe ainda ao Governo definir a política da guerra e aprovar as directrizes para a elaboração dos planos de operações, orientando e coorde-

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nando as acções militares da responsabilidade dos comandos e pondo à disposição destes os meios de acção possíveis.

BASE VII

39. Nesta base atribui-se ao Presidente do Conselho de Ministros a coordenação e a direcção efectiva da acção do Governo na defesa nacional e dá-se-lhe a possibilidade de delegar o exercício desses poderes, exceptuados os relativos à condução política, num ou mais Ministros.
Ora, como a coordenação e a direcção referidas hão-de apoiar-se na política da defesa nacional adoptada, parece aconselhável começar por dizer que a definição de tal política será feita em Conselho de Ministros, preceito este que deixaria de figurar na base XII, com vantagem, pois esta inclui-se já na secção referente aos órgãos do coordenação, e o Conselho de Ministros é fundamentalmente um órgão de direcção.

BASE IX

40. Estabelece esta base as delegações que o Presidente do Conselho faz, normalmente, dos poderes que a base viu lhe atribui quanto à defesa nacional. O conceito geral em que se apoia o preceito foi já explanado na apreciação na generalidade e, por isso, a Câmara faz aqui, unicamente, a sugestão de ser dada ao n.º 2 a redacção seguinte, de acordo com uma mais clara terminologia, justificada, também, na apreciação na generalidade.

2. Serão delegados no Ministro da Presidência os poderes relativos à preparação e execução da mobilização civil nos domínios psicológico, científico, económico e administrativo, da assistência às populações e da conservação e recuperação do património.

BASE X

41. Nada a objectar, salvo pequena alteração para empregar terminologia mais adequada.

BASE XI

42. Tal como está redigida a base, não fica convenientemente definido a quem cabe a orientação e inspecção superior da defesa civil. Se naturalmente se há-de entender que aos departamentos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica cabem a organização e instrução das respectivas forças armadas, não pode deduzir-se a qual deles ou se a algum deles compete a inspecção superior e a orientação da defesa civil.
É certo que, conforme a parte final da base, tudo se faz sob a orientação e coordenação do Ministro da Defesa Nacional, mãe parece essencial esclarecer a quem incumbe aquela missão.
Até para efeito da repartição, pelos diferentes departamentos, das verbas globalmente atribuídas a despesas com a defesa nacional, importa saber qual o departamento que terá de fazer face aos encargos com a defesa civil, que não poderá ser preparada sem disponibilidades orçamentais relativamente elevadas.
Por outro lado, parece que a expressão preparação da defesa militar é suficientemente genérica para englobar as atribuições dos departamentos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica citadas nesta base e ainda outras nela não especificadas, não devendo portanto ser posta em paralelo com a organização e instrução das forças armadas, etc., que, em boa lógica, são unia parte do todo que ela constitui.
Nestas condições, propõe-se a redacção seguinte:

1. A preparação geral da defesa militar e a inspecção superior e orientação da defesa civil são da responsabilidade do departamento da Defesa Nacional.
2. Compete aos departamentos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, sob a orientação e coordenação do Ministro da Defesa, a preparação da defesa militar nos campos respectivos, em particular no que diz respeito aos pontos seguintes:
a) Organização e instrução das forças armadas;
b) Elaboração dos planos de operações;
c) Determinação das necessidades de abastecimentos, transportes, comunicações e recursos sanitários e outros para as forças armadas em caso de guerra.

3. O Ministro da Defesa Nacional coordenará a preparação e execução dos orçamentos militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica e do da Defesa Civil e repartirá pelos departamentos respectivos as verbas que sejam globalmente atribuídas a despesas com a defesa nacional.

BASE XII

43. Incluído já na base viu o disposto no n.º l desta base, há que suprimi-lo aqui.
Nada a objectar à matéria restante.

BASE XIII

44. Estabelece esta base a nova constituição do Conselho Superior da Defesa Nacional e corresponde, juntamente com a base XIV, à base n da Lei n.º 2051, de 15 de Janeiro de 1952, que deixa de vigorar.
A Câmara não tem quaisquer reparos a opor à sua matéria, mas, porque a constituição agora estabelecida para o Conselho difere da fixada na citada base da Lei n.º 2051, julga conveniente, para facilitar a Assembleia Nacional o estudo do projecto de proposta de lei, prestar alguns esclarecimentos, que, em seu parecer, justificam as alterações verificadas.
Apresenta o Conselho na sua constituição, relativamente à estabelecida na referida lei, as seguintes inovações: figuram nele a mais os Ministros da Presidência e do Interior; deixam de figurar os Ministros do Exército e da Marinha, o Subsecretário de Estado da Aeronáutica e o Secretário Adjunto da Defesa Nacional.
A necessidade de incluir no Conselho o Ministro da Presidência é evidente, dadas as funções que no projecto de proposta de lei lhe são atribuídas e o largo âmbito da defesa nacional, que não se restringe apenas aos sectores militares, mas abarca todas as actividades da Nação.
A inclusão do Ministro do Interior explica-se pela interferência que certos organismos e serviços na dependência desse membro do Governo terão nos problemas relativos à organização da defesa civil do território e da assistência e apoio às populações civis em caso de guerra, cujo exame constitui uma das atribuições do Conselho, e ainda pela repercussão que a guerra exercerá no funcionamento da estrutura orgânica da vida política interna da Nação.
Poderá, à primeira vista, parecer estranha a eliminação dos titulares dos três ramos das forças armadas dum conselho cujas funções visam a defesa nacional, que se realiza, fundamentalmente, por meio dessas forças. Mas há-de compreender-se que, sendo o Ministro da Defesa Nacional o representante e chefe político do conjunto delas, os problemas da defesa nacional que lhes digam respeito terão no Conselho a devida consideração, tanto anais que o Ministro da Defesa, além da colaboração que nele directamente receberá

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do chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, ouvirá, segundo o projecto da proposta de lei, o Conselho Superior Militar, referido na base XV e no qual participam os três titulares das pastas militares, sobre os problemas de preparação militar e da condução militar da guerra.
Deve ainda notar-se que, podendo, pelo número final da base em análise, ser chamados a participar nas reuniões do Conselho os Ministros cuja presença o Presidente do Conselho julgue útil, não deixará certamente de ser convocado para as reuniões algum daqueles titulares quando se trate de problemas para cuja consideração seja particularmente qualificado.
A possibilidade de nas deliberações do Conselho intervir qualquer Ministro ou Subsecretário de Estado existia já pela Lei n.º 2051, mas no presente projecto de proposta de lei vai-se mais além, pois pode o Conselho fazer participar nas suas reuniões altos funcionários civis ou entidades militares, como se reconhece pelo confronto do n.º 3 da base com o n.º 2 da base anterior.
A Câmara julga vantajosa esta nova faculdade, dados os aspectos altamente especializados que por vezes apresentam a defesa nacional e a guerra moderna.
O direito atribuído ao Presidente da República de presidir ao Conselho sempre que a ele queira assistir e a faculdade de o mandar convocar também não são novos, pois os dava igualmente a base n da Lei n.º 2051. E se eles já se justificavam, maior justificação têm agora que o Presidente da República, pela proposta de lei, passa a ser o chefe supremo das forças armadas de terra, mar e ar.

BASE XIV

45. Nesta base definem-se as atribuições do Conselho Superior da Defesa Nacional.
Comparando-as com as estabelecidas na base n da Lei n.º 2051, verifica-se, por um lado, a supressão dos problemas relativos à organização geral da Nação para a guerra, os quais deixam de ter cabimento se, como a Câmara espera, o projecto de proposta de lei for aprovado pela Assembleia Nacional; e, por outro, a inclusão dos respeitantes à organização da defesa civil do território, da assistência às populações e da conservação e recuperação do património e à determinação das zonas onde deverão ser observadas restrições temporárias ao direito de propriedade.
Estas questões são, na verdade, da maior importância, e a sua integração no âmbito das atribuições do Conselho impunha-se. Só porque na altura da publicação da Lei n.º 2051 não se estava ainda firme na orientação definitiva a tomar quanto a tais problemas, designadamente os dois primeiros, de cuja necessidade se tinha aliás plena consciência, se explica que eles não tenham sido considerados nesse diploma.
Apresenta ainda a base em análise uma inovação fundamental relativamente ao estatuído na base n da Lei n.º 2051 relativamente às atribuições do Conselho Superior da Defesa Nacional, que consiste em assumir ele, em caso de guerra, os poderes e desempenhar as atribuições próprias do Conselho de Ministros em tudo quanto respeite à condução da guerra e às forças armadas.
Trata-se dum princípio salutar que corresponde a sistemas semelhantes postos em prática na última guerra por algumas das nações beligerantes com o fim de facilitar e tomar, com a oportunidade necessária, as decisões relativas à direcção e desenvolvimento da guerra e aos problemas das forças armadas, reduzindo ao mínimo indispensável o número de pessoas com intervenção directa nessas decisões.
O Conselho funcionará assim como verdadeiro gabinete de guerra, do qual o chefe e dirigente superior é o Presidente do Conselho e onde tem voz, além dos chefes políticos responsáveis pelos sectores mais ligados à defesa nacional e à guerra, o próprio chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, entidade militar suprema e responsável pela preparação e direcção estratégica do conjunto das operações.
A Lei n.º 2051 deixava no vazio este aspecto fundamental da defesa nacional, nada referindo de particular a seu respeito, do que havia de inferir-se que, em caso de guerra, a condução superior da mesma seria feita pelo próprio Governo na sua expressão global, embora apoiado nos diversos conselhos nela previstos.
E prática esta que não se coaduna com as exigências da guerra moderna e já no último conflito mundial foi posta de parte em todos ou quase todos os países beligerantes.
A função que ora se dá, em tempo de guerra, ao Conselho Superior da Defesa Nacional elimina-a e resolve satisfatoriamente o problema.
A Câmara considera, pois, plenamente justificadas as modificações que esta base apresenta relativamente à Lei n.º 2051 e dá-lhe, por isso, a sua concordância. Sugere, porém, para a alínea d) do n.º 1 a seguinte redacção, que comporta terminologia mais adequada:

d) A organização da defesa civil do território, da assistência às populações e da conservação e recuperação do património em caso de guerra.

BASE XV

46. Com o mesmo intuito esclarecedor que se teve ao fazer a apreciação da base anterior se examina agora esta.
Define ela a composição e atribuições do Conselho Superior Militar e corresponde à base m da Lei n.º 2051, base que deixará de vigorar e em relação à qual apresenta as seguintes modificações:

a) Quanto à composição e entidades que podem ser convocadas:

Deixa de fazer parte do Conselho o Presidente do Conselho de Ministros e deixam de poder ser convocados para as suas reuniões os Ministros dos Negócios Estrangeiros e o Ministro do Ultramar.

b) Quanto às atribuições:

Além dos assuntos sobre que obrigatoriamente já era consultado, passará a ser ouvido, também obrigatoriamente, sobre os problemas gerais de preparação militar.
Em tempo de guerra deixa de assumir as funções militares do Conselho da Defesa Nacional, mas reunido sob a presidência do Presidente do Conselho de Ministros ou, por delegação sua, do Ministro da Defesa Nacional será ouvido sobre a condução militar da guerra, designadamente no respeitante à preparação e direcção de luta armada.

As modificações indicadas harmonizam-se com as que sofreu a matéria disposta na base n da citada Lei n.º 2051. As funções do Conselho, em tempo de paz, todas elas relacionadas com a preparação geral da defesa militar, de que é responsável o departamento da Defesa Nacional, não exigem, efectivamente, a presença do Presidente do Conselho; e, em tempo de guerra, se assim o entender, pode ele ouvir directamente o Conselho sobre o importante e delicado problema da condução da guerra, para cuja consideração o Ministro

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da Defesa, os titulares dos três ramos das forças armadas, assistidos pelos respectivos chefes do estado-maior, como a base faculta, e o chefe do Estado-Maior General são especialmente qualificados.
As funções agora atribuídas, apropriadamente, em tempo de guerra, ao Conselho Superior de Defesa Nacional explicam que tenha sido retirado do Conselho Superior Militar o encargo de se substituir àquele no desempenho das funções militares, para o qual, aliás, não deixará de constituir órgão de consulta fundamental.
A desnecessidade de convocar para as reuniões do Conselho os Ministros dos Negócios Estrangeiros e do Ultramar, ambos com assento no Conselho Superior da Defesa Nacional, é evidente, em face das novas atribuições dos dois Conselhos.
Nenhuma alteração, pois, se oferece propor.

BASE XVI

47. Nada a objectar.

BASE XVII

48. Faz-se somente o reparo de que, certamente por lapso, na redacção do n.º 3 foi omitida a referência à defesa civil; de facto, dever-se-ia dizer: «... a adaptação dos serviços ao tempo de guerra e a sua participação na mobilização e na defesa civil, sob a orientação ...».
A Câmara propõe a alteração correspondente.

TITULO III

49. Nada a objectar.

BASE XVIII

50. A matéria desta base está praticamente expressa nas bases XIV e XV, com excepção do encargo que, em tempo de guerra, nela se atribui ao Conselho Superior da Defesa Nacional de tomar as providências conducentes à satisfação das necessidades da Nação oriundas do estado de guerra.
Levanta-se, pois, naturalmente, a dúvida sobre se não seria preferível incluir na primeira das citadas bases - que estabelece as atribuições do mesmo Conselho - também este novo encargo, que lá não figura, e suprimir, pura e simplesmente, a base em apreciação. Parece, no entanto, que é de admitir a fórmula adoptada para que o título do projecto de proposta de lei, em que a base se inclui e que consigna os preceitos que presidem às e relações entre a direcção política e o comando militar em tempo de guerra», apresente estrutura completa.

BASE XIX

51. Nada a objectar.

BASE XX

52. Nada a objectar.

BASE XXI

53. Delegados no Ministro da Presidência, conforme a nova redacção proposta para o n.º 2 da base IX, os poderes relativos à preparação e execução da assistência à população e da conservação e recuperação do património, nesta base só devem ser referidas as questões relativas à segurança interna, às actividades de carácter informativo, aos refugiados e à guarda dos órgãos e serviços vitais da economia nacional.
For isso se propõe a redacção seguinte:

1. Compete ao Governo orientar tudo quanto respeite à segurança interna e às actividades de carácter informativo que interessem à defesa nacional, designadamente no que se refere à prevenção de actos subversivos, à repressão da espionagem e dos actos de inteligência com o inimigo, à manutenção da ordem pública, aos refugiados, à guarda dos órgãos e serviços vitais da economia nacional.
2. Todas as forças de segurança, militares e militarizadas, bem como os organismos policiais, salvo os de polícia judiciária civil, serão, em caso de guerra ou de emergência, subordinados a um Comando-Geral de Segurança Interna.
3. O titular do Comando-Geral de Segurança Interna será designado pelo Conselho Superior de Defesa Nacional.
4. O Comando-Geral de Segurança Interna poderá ser instituído em tempo de paz para efeitos de organização e preparação, de modo a poder entrar imediatamente em funções ao verificar-se o estado de emergência ou o estado de guerra.

TITULO IV

54. Nada a objectar.

BASE XXII

55. Nada a objectar.

BASE XXIII

56. Sem alteração de substância. Convém inverter a ordem das palavras a «designados» e «adequados» no n.º 2.
Para o n.º 3, com a finalidade de esclarecer que os Ministérios civis têm de dar ao departamento da Defesa Nacional a sua contribuição e colaboração para a parte da mobilização que pelo n.º 3 da base XXVII fica a cargo deste, propõe-se a redacção seguinte:

3. Os Ministérios civis, de acordo com as instruções do Conselho Superior de Defesa Nacional, preparam e asseguram a mobilização civil, designadamente a mobilização industrial e da mão-de-obra, incluída a contribuição e colaboração a dar ao departamento da Defesa Nacional.

BASE XXIV

57. Sobre os n.º 1, 2, 3 e 4 desta base nada há a objectar.
O n.º 5 suscita, porém, o reparo seguinte: Não há qualquer dúvida quanto ao alto interesse e necessidade de os membros do Governo, no exercício das suas funções, serem dispensados das obrigações de mobilização que lhes possam caber. O mesmo não sucede relativamente ao critério de os Deputados e Procuradores à Câmara Corporativa serem dispensados das suas obrigações de mobilização durante os períodos de sessão legislativa, o qual parece não dever ser adoptado sem algumas restrições. Com efeito, a sua aplicação àqueles que sejam militares do quadro permanente na situação de actividade ou aos que pertençam às tropas disponíveis pode ser muito difícil e inconveniente. Difícil, porque podem encontrar-se, nessa altura, tomando parte activa em operações em curso em regiões longínquas; inconveniente, pela natureza e importância das missões que podem estar desempenhando. Por outro lado, isentar pura e simplesmente das obrigações de mobilização todos os Deputados e Procuradores à Câmara Corporativa não parece aceitável, em

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especial pela influência de ordem moral e psicológica que pode ter sobre as tropas e o público, bestas condições propõe-se a redacção seguinte:
5. Os membros do Governo, enquanto no exercício das suas funções, serão dispensados das obrigações de mobilização que lhes possam caber; os Deputados e os Procuradores à Câmara Corporativa, com excepção daqueles que sejam militares do quadro permanente na situação de actividade e dos que pertençam às tropas disponíveis, serão dispensados das obrigações militares que lhes competirem, durante os períodos da sessão legislativa.

BASE XXV

58. O conteúdo fundamental desta base consiste em poderem ser requisitados para afectação à organização militar ou à defesa civil, bem como a serviços públicos ou de interesse público essenciais u defesa nacionais ou ao abastecimento do País, todos os indivíduos maiores de 18 anos. mesmo os não abrangidos pelas leis de recruta muni o militar ou isentos do serviço militar e os de sexo feminino, subordinando-se essa afectação às circunstâncias peculiares de cada um, relativas à profissão, aptidão física e intelectual, idade, sexo e situação familiar.
Tal possibilidade harmoniza-se e integra-se no princípio geral fixado no n.º l da base anterior, segundo o qual todos os portugueses tem o dever de contribuir para o esforço da defesa nacional, de harmonia com as suas condições de idade e sexo.
Pode a extensão do princípio aos indivíduos de sexo feminino chocar a gente portuguesa, pela novidade que para ela constitui, habituada como está à sua vida patriarcal e tranquila, própria de uma nação que, graças à Providência, vive há dezenas de anos em paz e que tudo quanto deseja é manter a sua liberdade e independência e a integridade do seu território e poder trabalhar pacífica e afincadamente para o seu progresso social e económico por forma a elevar o nível de vida e o bem-estar de todos os seus filhos. A medida, porém, não apresenta nada de novo quando considerada no âmbito mundial. Em numerosíssimos países as mulheres dão, desde há muito tempo, a sua contribuição para a defesa das suas nações, constituindo corpos militares integrados nas forças armadas para o desempenho de certas funções militares auxiliares compatíveis com o seu sexo. Fora do campo propriamente militar, mas ainda no domínio geral da defesa nacional, designadamente na produção e na defesa civil onde elas são em especial úteis pela sua permanência em casa. o seu concurso tem sido considerável, libertando para a luta e para as tarefas mais duras os homens.
Será sobretudo para utilização nestes campos que a base consigna a possibilidade da afectação à defesa nacional de indivíduos do sexo feminino.
Não deve, pois, estranhar-se o limitado princípio agora incluído no projecto de proposta de lei, tanto mais que é corto estabelecer-se desde logo para a afectação condicionamento regulador que, na medida do possível, obviará a que as mulheres sejam desviadas da sua normal função no lar e seja atingida, na sua unidade e coesão, a família, elemento social que o Estado tão interessadamente procura defender e valorizar.
É na firme convicção de que assim sucederá de facto que a Câmara dá à base em apreciação à sua concordância.
As restantes disposições da base, além de não merecerem comentários, não carecem, no entendimento da Câmara, de qualquer justificação.

BASE XXVI

59. Nada a objectar.

BASE XXVII

60. Em lógico seguimento das bases anteriores e dentro da orientação geral de que a todos cumpre colaborar na defesa da Nação, esta base estabelece o dever que terão os serviços do Estado, as autarquias locais, os organismos corporativos ou de coordenação económica e outras pessoas colectivas, públicas ou privadas, de decorrer para a mobilização dos recursos nacionais e para a prepararão de defesa nacional, designadamente no tocante à defesa civil, criando, assim, como é fundamental, base jurídica para disposições complementares que regulem depois a forma como deverá ser prestado esse concurso.
Parece, porém, que se deveria ir um pouco mais longe, estabelecendo a possibilidade de organizar militarmente instituições, serviços ou empresas de carácter público ou privado, quando circunstâncias especiais o imponham para assegurar a normalidade da vida da Nação e prover às necessidades da defesa. Aliás, tal possibilidade está legalmente assegurada nos campos particulares da mobilizarão industrial (Decreto n.º 32 670, de 17 de Fevereiro de 1943), da utilização dos caminhos de ferro e dos correios, telégrafos e telefones (respectivamente Decretos nº. 5450, de 29 de Abril de 1919. e 21 510, de 26 de Julho de l932), mas importa dar-lhe a generalidade necessária e deixá-la consignada na lei básica proposta.
Afigura-se também conveniente alterar ligeiramente o n.º 3 da base por forma a torná-la mais flexível e conforme com as exigências e realidades da execução da parte da mobilização industrial que compete ao Secretariado Geral da Defesa Nacional, a qual não poderá alhear-se do conjunto da mobilização civil, especialmente nos seus aspectos económico e da mão-de-obra.
Assim, sugere-se um novo n.º 3 para a base com a redacção a seguir indicada e a passagem a n.º 4 do n.º 3, alterado no sentido julgado aconselhável e conforme a redacção que também se indica:

3. As instituições, serviços ou empresas de carácter público ou privado poderão ser organizadas militarmente, com o fim de assegurar a manutenção das condições normais de vida do País e atender às necessidades das forças armadas.

4. O Secretariado Geral da Defesa Nacional, em ligação com os serviços centrais de coordenação dependentes do Ministro da Presidência, tomará a seu cargo a mobilização e defesa dos estabelecimentos fabris militares do Estado, da indústria privada que produza ou seja adaptável ao fabrico de armamento, munições ou explosivos e do pessoal científico e técnico utilizável em trabalhos de investigação ou de produção de grande interesse para a defesa nacional.

BASE XXVIII

61. Nada a objectar.

BASE XXIX

62. Nada a objectar.

TITULO V

63. Nada a objectar.

BASE XXX

64. Nesta base dá-se ao Governo o encargo de tomar oportunamente as providências atinentes a salvaguarda

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dar a soberania nacional e o funcionamento dos seus órgãos em caso de guerra e estabelecem-se desde logo vários preceitos para se alcançar esse fundamental objectivo.
Louváveis e previdentes disposições são essas, sobretudo quando consideradas à luz do que na última grande guerra se passou com alguns dos países beligerantes cuja ocupação pelo inimigo, com a consequente coacção exercida sobre certos elementos nacionais, gerou, por falta de disposições legais preestabelecidas que, regulando-a em tal conjuntura, tanto quanto possível a preservassem, sérias divergências e disputas sobre a sua soberania, com funesta repercussão na vida dessas nações, no decurso ulterior da guerra, e na defesa dos seus interesses, quando chegou o momento da derrota dos invasores. Os factos estão ainda tão vivos na memória de todos que a Câmara dispensa-se de os referir em detalhe.
Essa vívida experiência aconselha, na verdade, que, para a eventualidade de a ocupação de parte do território nacional impedir o funcionamento e o livre exercício dos órgãos da soberania existentes se fixe legalmente a forma de os reconstituir, a fim de que a Nação permaneça íntegra na sua expressão soberana e possa afirmar a sua presença perene ao lado dos seus aliados, colaborando até ao limite das suas forças na luta comum pela recuperação e pela vitória, e defender, de fronte erguida e em pé de igualdade com eles, os seus. direitos, quando finalmente surgir a paz.
A geografia do território nacional oferece-nos, para tanto, grandes possibilidades. Extraordinariamente extensa e desafortunada haveria de ser a guerra que não nos permitisse conservar livre, como último bastião, ao menos uma parcela desse território onde hastear em segurança a bandeira de Portugal, a bandeira da Nação!
Entre os preceitos estabelecidos figuram os que dizem respeito à eventual deslocação do Chefe do Estado para território estrangeiro, pela força das circunstâncias e em face de inimigo externo, e à sua substituição no caso de estar impedido de exercer livremente as suas funções por se encontrar em território ocupado pelo inimigo. São, esses, preceitos extraordinários de emergência não previstos na Constituição Política e que pela sua natureza especialíssima não podem considerar-se como colidindo com ela. Antes, no parecer da Câmara, se justificam plenamente, dada a alta finalidade que visam.
Igualmente extraordinários e até agora nunca previstos são os restantes. Todos se afiguram lógicos e susceptíveis de cobrir as eventualidades possíveis. Deles, o último, ou seja o do n.º 5 da base, designa o governador-geral de província ultramarina de África mais antigo no cargo para, no caso de nem o Presidente do Conselho nem nenhum Ministro se encontrar em território livre, assumir a plenitude das funções governamentais e reconstituir o Governo Português com autoridade sobre todo o território. A escolha feita parece à Câmara adequada, por, nas parcelas de território nacional com maior probabilidade de se manterem livres na situação em que o preceito tem aplicação, ser essa a entidade que por hierarquia política e antiguidade ocupa o primeiro lugar entre os que podem ser considerados.
Parece, porém, necessário substituir neste número «Ministro» por «membro do Governo», já que no n.º 4 se diz que, na situação nele indicada, assume a chefia do Estado aquele dos membros do Governo (incluindo portanto Subsecretários de Estado) que, achando-se ... etc.
No caso extremo de um ataque aéreo devastador provocar o desaparecimento do Presidente da República e de todos os membros do Governo, continuando, porém, livre o território continental ou parte dele, o n.º 5 da base teria ainda aplicação. Apenas se põe a dúvida se, em tais circunstâncias, será realmente aconselhável e prático dar ao governador-geral que a base indica a plenitude das funções governativas e o encargo de reconstituir o Governo, e não aproveitar algum dos representantes dos órgãos da soberania, ou o próprio comando militar, subsistentes no território continental livre.
A Câmara limita-se a focar o caso e, na dúvida e porque ele reveste feição bastante pessimista, opta pela solução do Governo.

BASE XXXI

65. A base estabelece, para o caso de guerra ou de emergência, a declaração do estado de sítio nos termos prescritos na Constituição, com suspensão parcial ou total das garantias, e define, para a hipótese de a suspensão ser parcial e não especificar as garantias suspensas, qual a sua extensão.
Tal como se reconhece indispensável, sem deixar de considerar as imperiosas necessidades de segurança e salvação públicas, fá-lo com manifesto sentido de respeito pelos direitos e liberdades individuais e sociais, salientando o dever que às autoridades incumbe de respeitar os ditames da justiça natural e não exceder os limites dessas necessidades e limitando ao mínimo indispensável as garantias que serão suspensas se a declaração do estado de sítio as não especificar.
A Câmara entende, por isso, não dever recusar a sua concordância a essa medida extrema, a que a guerra ou a iminência dela igualmente obrigam, e nada objecta, pois, à substância da base, mas julga, no entanto, necessário que o Governo regulamente a acção a exercer pelas autoridades como consequência da declaração do estado de sítio, por forma a precisar, tanto quanto possível, o alcance e efeito da suspensão de garantias a que as necessidades de salvação pública obriguem e a extensão e natureza das medidas e procedimentos que poderão ser postos em prática para se atingirem os fina que com ela se têm em vista.

BASE XXXII

66. Nada a objectar.

III

Conclusões

67. A Câmara Corporativa, por tudo o exposto, entende ser de aprovar o projecto de proposta de lei submetida à sua apreciação, com as alterações que sugeriu, ou seja nos termos seguintes:

TITULO I

Dos princípios fundamentais

BASE I

Sem alteração.

BASE II

1. Em caso de guerra cumpre a toda a Nação colaborar na sua defesa, empenhando a totalidade dos seus recursos no esforço da obtenção da vitória.
2. Para que a Nação esteja pronta a resistir a qualquer agressão inimiga cumpre ao Governo, desde o tempo de paz, tomar as providências necessárias à preparação moral, técnica, administrativa e económica do País, nos seus aspectos militar e civil.

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BASE III

Sem alteração.

BASE IV

1. A presente lei aplica-se a todo o território nacional.
2. A estrutura orgânica da defesa nacional é una para todo o território, podendo as forças armadas de terra, mar e ar estacionadas em qualquer ponto dele ser empregadas dentro ou fora dos seus limites, onde quer que as conveniências nacionais ou os compromissos internacionais exigirem.
3. Tudo quanto respeite a legislação sobre preparação, organização e operações de defesa nacional é considerado matéria de interesse comum da metrópole e das províncias ultramarinas.

BASE V

Sem alteração.

TITULO II

Dos órgãos superiores da defesa nacional

SECÇÃO I

Órgãos de direcção

BASE VI

Sem alteração.

BASE VII

1. Compete ao Governo em tempo de paz promover, orientar e dirigir a preparação da defesa nacional, especialmente no que respeita aos seguintes pontos:

a) Organização e preparação das forças armadas;
b) Organização e preparação da defesa civil, da assistência às populações e da guarda, conservação e recuperação do património;
c) Mobilização militar e civil;
d) Reunião dos recursos indispensáveis à sustentação da guerra;
c) Acção diplomática tendente à consecução dos necessários apoios externos.

2. Incumbe ainda ao Governo definir a política da guerra e aprovar as directrizes para a elaboração dos planos de operações, orientando e coordenando as acções militares da responsabilidade dos comandos e pondo à disposição destes os meios de acção possíveis.

BASE VIII

1. A definição da política da defesa nacional será feita um Conselho de Ministros.
2. A coordenação e a direcção efectiva da acção do Governo na defesa nacional, em tempo pó de paz ou de guerra, pertencem ao Presidente do Conselho de Ministro.
3. O Presidente do Conselho poderá delegar num ou mais Ministros o exercício dos seus poderes de coordenação e de direcção, exceptuados os relativos à condução política, pela, qual é responsável.

BASE IX

1. Os poderes de coordenação e de direcção da defesa nacional do Presidente do Conselho serão normalmente delegados no Ministro da Presidência e no Ministro da Defesa Nacional.
2. Serão delegados no Ministro da Presidência os poderes relativos a preparação e execução da mobilização civil, nos domínios psicológico, científico, económico e administrativo, da assistência às populações e da conservação e recuperação do património.
3. Serão delegados no Ministro da Defesa Nacional os poderes referentes à preparação e à eficiência dos meios necessários à organização militar e à defesa civil.

BASE X

1. A preparação e execução da mobilização civil nos domínios psicológico, científico, económico e administrativo, e a reunião dos recursos necessários à sustentação do esforço de defesa e à assistência e apoio às populações civis competem aos Ministérios civis.
2. Cada Ministro é responsável pela preparação dos serviços a seu cargo para o desempenho da missão que lhe caiba em tempo de guerra.
3. Ao Ministro da Presidência compete orientar e coordenar a acção que os Ministérios civis deverão desenvolver segundo os planos estabelecidos de acordo com as necessidades essenciais da defesa nacional e aprovados pelo Conselho Superior da Defesa Nacional.

BASE XI

1. A preparação geral da defesa militar e a inspecção superior e orientação da defesa civil são da responsabilidade do departamento da Defesa Nacional.
2. Compete aos departamentos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, sob a orientação e coordenação do Ministro da Defesa, a preparação da defesa militar, nos campos respectivos, em particular no que diz respeito aos pontos seguintes:

a) Organização e instrução das forças armadas;
b) Elaboração dos planos de operações;
c) Determinação das necessidades de abastecimentos, transportes, comunicações e recursos sanitários e outros para as forças armadas em caso de guerra.

3. O Ministro da Defesa Nacional coordenará a preparação e execução dos orçamentos militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica e do da defesa civil e repartirá pelos departamentos respectivos as verbas que sejam globalmente atribuídas a despesas com a defesa nacional.

SECÇÃO II

Órgãos de coordenação

BASE XII

1. Para estudo e coordenação de problemas concretos relativos à preparação da defesa poderão reunir-se conselhos restritos, com a presença dos Ministros directamente interessados e para os quais o Presidente do Conselho, ou o Ministro em quem ele delegar, poderá convocar Subsecretários de Estado e altos funcionários civis ou entidades militares.
2. Os conselhos restritos não têm competência deliberativa, salvo o disposto por lei para o Conselho Superior da Defesa Nacional.

BASE XIII

Sem alteração.

BASE XIV

1. Em tempo de paz compete ao Conselho Superior da Defesa Nacional examinar os problemas relativos:

a) A política militar da Nação;
b) A organização da defesa nacional;

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c) Aos programas gerais de armamento;
d) A organização da defesa civil do território, da assistência às populações e da conservação e recuperação do património em caso de guerra;
e) As convenções internacionais de carácter militar;
f) A determinação das zonas onde deverão ser observadas restrições temporárias ao direito de propriedade;
g) De maneira geral, à colaboração interministerial necessária ao apetrechamento defensivo do País e à eficiência dos meios de defesa.

2. Em tempo de guerra o Conselho Superior de Defesa Nacional assumirá os poderes e desempenhará as atribuições próprias do Conselho de Ministros em tudo quanto respeite à condução da guerra e às forças armadas.

BASE BASE XV

Sem alteração.

BASE XVI

Sem alteração

SECÇÃO III

Órgãos de execução

BASE XVII

1. A Presidência do Conselho organizará os serviços de estudo, informação e execução necessários ao desempenho das atribuições que pela presente lei lhe competem.
2. O chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas é o secretário-geral da Defesa Nacional, conselheiro técnico militar do Ministro da Defesa Nacional, e superintenderá na execução das suas decisões em relação aos três ramos das forças armadas e à organização da defesa civil.
3. Em todos os Ministérios civis será designado o secretário-geral ou um director-geral encarregado de, com os meios que serão postos à sua disposição, estudar os problemas relativos à adaptação dos serviços ao tempo de guerra e à sua participação na mobilização e na defesa civil, sob a orientação dos serviços centrais de coordenação dependentes do Ministro da Presidência.
4. Os chefes dos Estados-Maiores do Exército, da Armada e das Forças Aéreas são os conselheiros técnicos dos titulares dos respectivos departamentos e respondem pela preparação das forças colocadas sob a sua inspecção superior, de harmonia com a orientação traçada pelo Governo.

TITULO III

Das relações entre a direcção política e o comando militar em tempo de guerra

BASE XVIII

Sem alteração.

BASE XIX

Sem alteração.

BASE XX

Sem alteração.

BASE XXI

1. Compete ao Governo orientar tudo quanto respeite à segurança interna e às actividades de carácter informativo que interessem à defesa nacional, designadamente no que se refere à prevenção de actos subversivos, à repressão da espionagem e dos actos de inteligência com o inimigo, à manutenção da ordem pública, aos refugiados, a guarda dos órgãos e serviços vitais da economia nacional.
2. Todas as forças de segurança, militares e militarizadas, bem como os organismos policiais, salvo os de polícia judiciária civil, serão, em caso de guerra ou de emergência, subordinados a um comando-geral de segurança interna.
3. O titular do Comando-Geral de Segurança Interna será designado pelo Conselho Superior da Defesa Nacional.
4. O Comando-Geral de Segurança Interna poderá ser instituído em tempo de paz, para efeitos de organização e preparação, de modo a poder entrar imediatamente em funções ao verificar-se o estado de emergência ou o estado de guerra.

TITULO IV

Da mobilização das pessoas e dos bens

BASE XXII

Sem alteração.

BASE XXIII

1. A mobilização militar será assegurada pelos serviços competentes das forças armadas, sob a orientação dos titulares dos respectivos departamentos e dentro dos planos previamente aprovados.
2. A preparação e execução da mobilização dos elementos de segurança interna e de defesa civil ficarão a cargo dos serviços que forem para tal adequados e designados em tempo de paz.
3. Os Ministérios civis, de acordo com as instruções do Conselho Superior de Defesa Nacional, preparam e asseguram a mobilização civil, designadamente a mobilização industrial e da mão-de-obra, incluída a contribuição e colaboração a dar ao departamento da Defesa Nacional.

BASE XXIV

1. Todos os portugueses têm o dever de contribuir para o esforço da defesa nacional, de harmonia com as suas aptidões e condições de idade e sexo.
2. Os indivíduos sujeitos a obrigações militares serão convocados para as forças armadas à medida que as necessidades imponham, não sendo admissível a escusa ou dispensa do serviço de quantos sejam declarados aptos.
3. Diploma especial estabelecerá as condições em que os indivíduos sujeitos a obrigações militares poderão ser delas dispensados, a fim de assegurarem a continuidade de serviços públicos essenciais ou de actividades privadas imprescindíveis à vida da Nação ou às necessidades das forças armadas.
4. Serão também estabelecidas nos termos fixados no número anterior as isenções da mobilização militar consideradas indispensáveis em proveito da mobilização civil, designadamente da mobilização administrativa e industrial.
5. Os membros do Governo, enquanto no exercício das suas funções, serão dispensados das obrigações de mobilização que lhes possam caber; os Deputados e os Procuradores à Câmara Corporativa, com excepção daqueles que sejam militares do quadro permanente na situação de actividade e dos que pertençam às tropas disponíveis, serão dispensados das obrigações militares que lhes competirem, durante os períodos da sessão legislativa.

BASE XXV

Sem alteração.

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BASE XXVI

Sem alteração.

BASE XXVII

1. Os serviços do Estado, as autarquias locais, os organismos corporativos e de coordenação económica e as associações, instituições e empresas privadas têm o dever de concorrer para a mobilização dos recursos nacionais e para a preparação da defesa, em especial no tocante à defesa civil e à protecção dos bens localizados em território nacional.
2. Os organismos que assegurem a exploração dos serviços públicos, do Estado ou municipalizados, as empresas concessionárias de serviços dessa natureza, e em geral todas as que sejam consideradas de interesse colectivo, deverão elaborar em tempo de paz e manter permanentemente em dia o cadastro do seu pessoal, para efeitos de eventual mobilização ou de cooperação na defesa civil.
3. As instituições, serviços ou empresas de carácter público ou privado poderão ser organizados militarmente, com o fim de assegurar a manutenção das condições normais de vida do País e atender às necessidades das forças armadas.
4. O Secretariado Geral da Defesa Nacional, em ligação com os serviços centrais de coordenação dependentes do Ministro da Presidência, tomará a seu cargo a mobilização e defesa dos estabelecimentos fabris militares do Estado, da indústria privada que produza ou seja adaptável ao fabrico de armamento, munições ou explosivos e do pessoal científico e técnico utilizável em trabalhos de investigação ou de produção de grande interesse para a defesa nacional.

BASE XXVIII

Sem alteração.

BASE XXIX

Sem alteração.

TITULO V

Da organização política e das garantias fundamentais nos casos da guerra ou de emergência

BASE XXX

1. O Governo tomará, em devido tempo, as providências necessárias para assegurar o livre exercício da soberania e o funcionamento dos seus órgãos em caso de guerra, podendo prever a mudança da capital política para qualquer ponto do território nacional.
2. Quando, por virtude de actos de guerra ou de ocupação de parte do território, os órgãos da soberania não possam funcionar ou agir livremente, os titulares deles que se encontrarem em território livre providenciarão no sentido de os reconstituir.
3. O Chefe do Estado, quando, em estado de necessidade e para salvaguarda do livre exercício da soberania portuguesa em face de inimigo externo, se ausente do território nacional, permanece no pleno exercício das suas funções, devendo, logo que lhe seja possível, estabelecer-se de novo em qualquer ponto desse território.
4. Se o Presidente da República estiver impedido de exercer livremente a sua autoridade, por se encontrar em território ocupado pelo inimigo, assumirá as funções de chefia do Estado aquele dos membros do Governo que, achando-se em território livre, tiver precedência sobre os outros pela ordem legal ou consuetudinariamente aceite.
5. Se nem o Presidente do Conselho nem nenhum membro do Governo se encontrar em território livre, assumirá a plenitude das funções governativas e reconstituirá o Governo Português, com autoridade sobre todo o território, o governador geral de província ultramarina de África mais antigo no cargo.

BASE XXXI

Sem alteração.

Disposição final

BASE XXXII

Sem alteração.

Palácio de S. Bento, 12 de Abril de 1956.

Manuel Duarte Gomes da Silva.
Fernando Quintanilha e Mendonça Dias. (Vencido quanto à base XIII, porquanto entendo que não se justifica a exclusão no novo Conselho Superior da Defesa Nacional dos Ministros do Exército e da Marinha e do Subsecretário de Estado da Aeronáutica Militar, que dele faziam parte, ao abrigo da Lei n.º 2051, de 15 de Janeiro de 1952. São múltiplas as razões que militam a favor do meu ponto de vista, conforme detalhadamente acabo de expor durante a discussão e aqui resumidamente saliento:

a) A reconhecida e profunda diferença existente entre Portugal e alguns países, nomeadamente nos campos material, psicológico, funcional e até sentimental, que aconselha a maior prudência quando pensamos implantar no nosso meio organizações estranhas, que, na maioria das vezes, não asseguram a consecução de resultados idênticos por deverem ser diferentes os remédios a aplicar a males distintos;
b) As críticas, as dúvidas e as discussões que tiveram e ainda têm lugar em certos países, nomeadamente nos Estados Unidos da América, a propósito dos órgãos militares de nível mais elevado ultimamente remodelados, que vêm reforçar a minha convicção de que é prematura e desvantajosa a alteração agora apresentada;
c) As vastas atribuições conferidas ao Conselho em tempo de paz e de guerra, que exigem a presença dos chefes políticos responsáveis pelos sectores mais intimamente ligados à defesa nacional e à condução da guerra, a fim de bem poderem cumprir a sua missão, tanto no que respeita à preparação do tempo de paz, como de disporem dos meios necessários aos comandos operacionais e de velarem para que se não perca o sentido da finalidade política que se tem em vista com as operações.
Para que tal objectivo possa ser conseguido sem soluções de continuidade, é necessário que esses chefes políticos estejam imbuídos de uma doutrina comum, a qual somente será operosa através do contacto íntimo e constante nas reuniões do Conselho;
d) A eventualidade de ser o Ministro da Defesa um civil, daí resultando ficar o Conselho Superior da Defesa Nacional,

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que tem a seu cargo a condução da guerra, reduzido nos seus membros componentes a um militar, que pode ser oficial general do Exército ou da Armada e que, necessariamente, não pode abarcar completamente todos os problemas militares dos três ramos das forças armadas.

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 142

c) A existência de organismos correspondentes em outros países, nomeadamente na Grã-Bretanha. fazendo parte deles os ministros das pastas militares.

Frederico da Conceição Costa.
José António da Rocha Beleza Ferra.
Joaquim de Sousa Uva, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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