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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 144
ANO DE 1956 20 DE ABRIL
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.º 144, EM 19 DE ABRIL
Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mos Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
SUMÁRIO:- O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. - O Sr. Presidente declarou estarem na Mesa os elementos fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística em satisfação de um requerimento do Sr. Deputado Pinto Barriga.
Foi recebido na Mesa o Diário do Governo n.º 76, 1.ª série, de 14 do corrente, inserindo os Decretos-Leis n.ºs 40 573 e 40 574 para os efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição.
Foi lido na Mesa um requerimento do Sr. Deputado Pinto Barriga.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Augusto Simões, que chamou a atenção do Governo para a situação da indústria da camionagem, e Azevedo Pereira, sobre o próximo centenário da inauguração do primeiro troço dos caminhos de ferro portugueses.
Ordem do dia. - Continuou o debate sobre as Contas Gerais do Estado, das províncias ultramarinas e da Junta do Crédito Público relativas a 1954.
Usaram da palavra os Srs. Deputados António de Almeida, Proença Duarte e Urgel Horta.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Bartolomeu Gromicho.
António Cortês Lobão.
António Pinto de Meireles Barriga.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raul Galiano Tavares.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
Joio Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
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João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Sebastião Garcia Ramires.
Urgel Abílio Horta.
O Sr. Presidente:- Estão presentes 63 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente:- Estão na Mesa os elementos enviados pelo Instituto Nacional de Estatística, em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 21 de Março findo pelo Sr. Deputado Pinto Barriga.
Vau ser entregues a este Sr. Deputado.
Está também na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho, o Diário do Governo n.º 76, 1.º série, de 14 de Abril corrente, que insere os Decretos-Leis n.ºs 40 572 e 40 574. Esta remessa é efectuada para os efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição.
Vai agora ser lido um requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Pinto Barriga.
Foi lido. È o seguinte:
«Nos termos constitucionais e regimentais, tenho a honra de requerer, pelo Ministério do Interior, a seguinte informação: se o Ministério do Interior, no uso habitual da sua faculdade constitucional de inspecção, tomou conhecimento da questão de caracter municipal relativamente aos pastos e agostadouros da defesa de S. Pedro, no concelho de Campo Maior; e, só assim for, autorização constitucionaliuente necessária, nos termos do artigo 96.º do diploma fundamental, para consultar e examinar o respectivo processo administrativo».
O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente: sem embargo de não serem novos para esta Assembleia os problemas referentes à torturada indústria da camionagem de carga, que tem sofrido, mais do que qualquer outra actividade corporativamente organizada, os efeitos dum cruel sistema tributário que lhe foi imposto sob o drapejar da bandeira da coordenação dos transportes terrestres e as limitações da mais variada ordem na sua vida difícil, pelos requintes de uma fiscalização apertadíssima, mas muito singular, envolvendo toda a sua actividade, desde
os horários aos trajectos e das tonelagens aos volumes das mercadorias transportadas, sinto-me na obrigação de vir renovar agora as afirmações que tive oportunidade de fazer nesta Casa nas sessões de 24 do Março de 1054 e de 25 de Janeiro do ano seguinte e de relembrar também todas as oportuníssimas alegações aduzidas em anteriores legislaturas pelos ilustres Deputados que ao assunto quiseram dedicar o muito valor da sua atenção, como ainda toda a vastíssima campanha da imprensa, em que tanto só destacou o jornal O Século, como paladino intemerato das cansas justas, campanha denunciadora de tudo o malefício do sistema que já então se tornava urgentíssimo rever com a maior presteza.
É que até agora - e tanto tempo já decorreu depois que o Decreto n.º 37 191, de 24 de Novembro de 1948, ao fazer a primeira regulamentação da base XII da Lei n.º 2008, criou esse deplorável sistema, ainda reforçado, contra o geral clamor, pelo Decreto n.º 37 272, de 31 de Dezembro desse mesmo ano - nada mais se tem directa ou indirectamente estatuído ou legislado que não seja para aumentar a desfortuna duma indústria que, não se sabe porquê, jamais gozou, ainda que de pequena parte, da compreensão que a outras semelhantes tem sido compassiva e magnânimamente concedida.
Aqueles muitos que um dia, confiadamente, na indústria da camionagem de carga se enredaram, comprometendo até fortemente a sua situação patrimonial, e na licitude da sua conduta tem procurado viver segundo os cânones da honradez, não sabem responder às perguntas inquietantes que tantas vexes se fazem sobre as causas de tão pertinaz perseguição.
Não podem acreditar facilmente na existência de qualquer preconcebido desígnio de eliminação, porque, além de absolutamente contrária à própria ética corporativa em que a indústria está integrada, essa eliminação haveria de redundar em muito graves e multiformes prejuízos para a Nação, quer desviando dos cofres do Estado uma quantidade de avultados réditos, quer dificultando a circulação dos produtos e das riquezas, o que causaria profunda perturbação económica, que ninguém pode desejar e muito menos o Estado.
Não querem também acreditar que as suas desventuras provenham somente da posição da indústria que exercitam perante a dos transportes em caminho de ferro, muito embora as aparências justifiquem amplamente residir aí a mais forte causa do apertado círculo em que são forçados a viver. Se, por um lado, sob os camandos da economia corporativa e assim autodirigida, mas obedecendo sempre aos superiores ditames do interesse geral, não se possa conceber a licitude de qualquer luta de competências entre as duas indústrias que obrigue para a sobrevivência duma à imposição à outra de permanentes dificuldades, por outro lado, os industriais da camionagem de carga sabem que não podem os caminhos de ferro esquecer aquela estreita colaboração e proveitosa cooperação que receberam quando nos tempos dificílimos da última guerra foi necessário colocar nas estações os combustíveis nacionais necessários à propulsão das máquinas dos seus comboios.
Mostrou então a indústria de camionagem o valor inestimável dos seus recursos, cruzando as mais difíceis veredas e caminhos dos quatro cantos de Portugal, em sacrifício permanente para que não faltassem à sua congénere os meios necessários ao desenvolvimento da sua actividade do valor nacional.
Demonstrado ficou plenamente que não pode o engrandecimento geral da Nação prescindir de tão importante elemento que, nos bons como nos maus momentos, tem assegurada uma verdadeira eficiência.
Consabido que nos últimos cinquenta anos poucos ou quase nenhuns metros de carril foram assentes no País, muito embora a rede dos caminhos de ferro o cubra por
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forma muito deficiente, deixando largos espaços de território por servir, tem de confluir-se que à camionagem em geral - de passageiros e de carga - se fica a dever uma parto importantíssima do novo saliente progresso económico, dado que sem bons transportes não podia criar-se uma economia próspera.
Por outro lado, o fomento da melhoria das rodovias nacionais já existentes e a abertura de outras para que as regiões deixassem de permanecer no isolamento em que se iam lentamente estiolando muito incrementou também a indústria de camionagem, que pôde prestar os mais relevantes serviços, fazendo florescer tantas regiões possuidoras de importante conjunto de riquezas, movimentando-se apropriadamente.
No entanto, sem se ter em conta a natureza específica da indústria de camionagem de carga e a sua vulnerabilidade perante as arremetidas de actividades semelhantes que podem agir com a mais ampla liberdade, foi-lhe criado o mencionado sistema tributário a que aludi, contra o qual desde logo se levantaram e continuadamente se têm erguido os mais clamorosos protestos.
Nas minhas aludidas intervenções pretendi deixar definida com a necessária clareza toda a gama das razões destes sacrificados industriais e ainda que muito se justificava a averiguação conscienciosa e cuidada do cabimento de tais clamores, para os equacionar com os primados de justiça da Revolução Nacional. Furem, em vez da apropriada solução dos angustiantes problemas que deixei relatados, tem-se assistido à olímpica indiferença a que eles têm sido votados pelo sector do Estado a que pertencia resolvê-los.
Ora, foge ao domínio da compreensão geral a circunstância de terem comungado dessa inexplicável indiferença, além do mais, os vários estudos, representações e petições que têm sido elaborados pelo Grémio dos Industriais de Transportes em Automóveis e dirigidas ao Ministério das Comunicações, denunciando o tremendo conjunto das dificuldades sentidas pela indústria e, ao que se sabe, propondo os remédios tidos como necessários para as debelar, como igualmente foge a esse domínio que se possa ficar eternamente indiferente perante a crítica situação de muitas famílias cujos membros vivem a repercussão do apertadíssimo condicionalismo que a essa sacrificada indústria é imposto.
Mas, Sr. Presidente, não podem estas situações do desequilíbrio continuar a viver sob o signo dessa alegada indiferença.
Não me parece aceitável que, para explicá-la, se lance mão do desconhecimento. Além da longa série de estudos, representações e petições a que me referi, apontando com maior ou menor nitidez todo o conjunto dos citados malefícios do sistema, também a própria Câmara Corporativa os reconheceu o amplamente se lhes referiu no seu douto parecer elaborado a propósito do projecto de decreto n.º 502, em 6 de Janeiro do ano findo, sobre, precisamente, uma representação do Grémio dos Industriais do Transportes em Automóveis.
Sr. Presidente: está hoje perfeitamente averiguado que a regulamentação, aliás incompleta, da Lei n.º 2008 desatendeu ostensivamente os altos objectivos que a deviam dominar. Partindo talvez do erróneo pressuposto de que da indústria de transportes em automóveis haveria necessariamente de sair uma desenfreada concorrência, criadora das maiores dificuldades aos caminhos de ferro toda essa regulamentação, constante dos decretos já citados e de outras numerosas disposições legais, despachos, circulares e ordens semelhantes, reflecte nitidamente um forte poder de defesa contra aquela indústria, traduzindo um condicionamento rigorosíssimo que em mais nenhum país se achou necessário estabelecer.
No entanto, todo esse conjunto de despropositada sufocação dos naturais anseios de progresso duma indústria que comunga do mais evidente e indiscutível interesso nacional, como é a indústria dos transportes em automóveis - seja de pessoas, seja de mercadorias-, cedo só revelou incongruente e contraditório.
Na verdade, se no seu rigorismo, ao estabelecer a malha suficientemente apertada para conter qualquer ímpeto de melhoria dos industriais transportadores através do poder fortemente inibitório da tributação mensal, semestral e anual, esse sistema os obriga a uma actividade que não pode conhecer paragem, por ser forçoso fazer entrar nos cofres do Estado e nos sempre ávidos da providência as quantias avultadas que se vão vencendo, sucessivamente, mostra ele inexplicável complacência para a actividade transportadora dos particulares, que deixou defeituosamente definida e por tal forma imune ao alegado rigorismo que lhe consente aumento cada vez maior e em mais impressionante proporção.
Basta para ilustrar a afirmação ter em couta que no ano de 1955 o parque das viaturas particulares já atingia a cifra elevada de 14 809 veículos ligeiros de carga e de 13 702 veículos pesados contra, respectivamente, 389 e 4496 viaturas exploradas em regime de aluguer, números aqueles que representam 97 por cento e 75 por cento da totalidade das viaturas existentes para o transporte de mercadorias. A comparação entre tão elucidativos números dispensa perfeitamente mais comentários...
Mas continuará, portanto, a ser possível, perante a lição que elos tão amplamente fornecem, persistir-se na afirmação de que a perniciosa concorrência aos caminhos de ferro parte única e simplesmente da pobre indústria do camionagem? Suponho que nem raciocinando como o lobo da tabula tal se pode concluir ...
Também nesta faceta o sistema em apreciação se apresenta igualmente vulnerável.
Ora se assim sucede não o lícito que se procure a defesa dos muito e muito legítimos interesses dos caminhos de ferro na ostensiva luta contra a actividade transportadora organizada em indústria, mas principalmente no irregular e ilegal procedimento dos transportadores particulares, que, sob um incontável número de especiosos ardis, muito têm iludido os débeis comandos legais que quase a concitam à permanente delinquência, prejudicando assim, e gravemente, a pretensa coordenação dos transportes terrestres, perturbando também profundamente todos os interesses legítimos dos industriais.
Não encontra justificação, portanto, que se continue a fustigar a vítima inocente conservando-a amarrada ao pelourinho de culpabilidade que lhe não pertence.
Mas a necessária defesa contra tantos males pertubadores da perfeita coordenação dos transportes terrestres, e que emergirá, conveniente e justa, da regulamentação inteligente que terá de ser feita com a maior urgência da mencionada Lei n.º 2008, tem muito para considerar e muitos inconvenientes para expurgar, por se haverem difundido, para além do que seria legítimo supor, os requintes do espírito da fraude.
A ampla coacção emergente do sufocante sistema tributário que deixei referido, explicando muitas facetas dos trabalhos forçados da camionagem, entre as quais a da luta entre os industriais, para quem a questão de obter dinheiro é efectivamente de vida ou de morte, fomentou também a criação e estimula o desenvolvimento de certas organizações profundamente parasitárias, tentacularmente estabelecidas nos grandes centros produtores ou consumidores, que muito atraem a camionagem de longo curso e da qual se servem para o desenvolvimento dum amplo plano de exploração de transportes, em condições da mais completa especulação, agenciando e distribuindo esses transportes por forma absolutamente ilegal e atentatória do prestígio de que tem de gozar a indústria transportadora. Aí também reside imperfeição a considerar.
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Sr. Presidente: julgo ter alegado o suficiente para que se tenha por conveniente rever todo o sistema coordenador dos transportes terrestres, demonstradamente imperfeito e iníquo.
Poderia multiplicar as acusações, pois deixo fora de consideração, por exemplo, quanto à indústria transportadora de passageiros, a desarticulação de horários das suas carreiras, que lhe é imposta por sistema e que tão paradoxal dificuldade acarreta para o público, e também a exploração dos automóveis ligeiros dos particulares alugados a tanto por quilómetro... e ainda o muito mais de anomalias que terão de ser devidamente corrigidas.
Não me parece, no entanto, necessário prosseguir.
Denunciei alguns males que têm estado a afectar grande e gravemente não só os caminhos de ferro como ainda toda a indústria transportadora, e cujos interesses, no importante concerto dos valores que trabalham para o engrandecimento da Nação, em vez de colidirem se podem perfeitamente harmonizar.
Então torna-se necessário e urgente encontrar o estatuto dessa tão desejada harmonia, e espero que para tão elevado propósito se mobilizem os vastos recursos do departamento do Estado a quem cumpre realizá-la com aquela urgência que pretendi deixar devidamente vincada.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Azeredo Pereira: - Sr. Presidente: durante o próximo interregno parlamentar decorre o centenário de uma data que se me afigura da maior conveniência ficar assinalada nos anais da Assembleia Nacional.
Refiro-me, Sr. Presidente, à memorável data - 28 de Outubro de 1856 - da solene inauguração do primeiro troço dos caminhos de ferro portugueses, entre Lisboa e Carregado, na extensão de 36 km de via.
O enorme esforço desenvolvido posteriormente traduz-se cinquenta anos depois em cerca de 2900 km do rede ferroviária com que se encontrava dotado o País, atingindo na data presente cerca de 4000 km.
O aumento da rede e a construção de segundas vias foi desde 1926 aproximadamente de 500 km.
Houve, assim, na segunda metade do período centenário uma quebra no ritmo de construção, imposta por razões diversas que me abstenho de referir, que impediu o desenvolvimento e completo alargamento da rede ferroviária nacional.
Tão ingente tarefa, a que me é grato prestar a minha melhor homenagem, só tem paralelo com a que presentemente se leva a cabo nas nossas províncias ultramarinas de Angola e Moçambique.
Sr. Presidente: o centenário dos caminhos de ferro, que a Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses este ano vai condignamente celebrar, dará, certamente, ensejo a que se tornem públicas a história e as vicissitudes de tão importante serviço público.
Teremos, com certeza, oportunidade de conhecer as dificuldades que se depararam e que foram vencidas, o que se realizou à custa de grandes esforços e sacrifícios e o que projecta realizar-se para o futuro.
Não serei eu, pois, sem qualquer preparação técnica da matéria, que me proporei deste lugar fazer quaisquer considerações úteis ou valiosas sobre o problema dos caminhos de ferro portugueses.
Apenas como representante da Nação e de um distrito que considera o caminho de ferro factor importantíssimo do seu desenvolvimento económico e turístico me permito transmitir os anseios e legítimas aspirações de um grande número de portugueses.
Sr. Presidente: foi há cem anos que, através do caminho de ferro, começámos a deixar de ficar isolados do resto da Europa e durante a maior parte de tão largo período de tempo operou-se grande transformação na vida económica do País e Portugal ficou a sor conhecido dos Portugueses.
O caminho de ferro, apesar do desenvolvimento espantoso da aviação civil e dos progressos notáveis da viação rodoviária, ainda é um dos mais preferidos meios de transporte até hoje conhecidos
No ano de 1954 o número de passageiros transportados em carreiras regulares de camionagem, no País, foi de 51 146 183 e em caminho de ferro 67 104 000, notando-se, assim, um aumento destes em relação àqueles de cerca de 16 000 000.
Indispensável, porém, é que ele ofereça aos seus usuários um certo número de vantagens, sem as quais o transporte ferroviário deixará de ser o transporte número um que desejamos que seja.
Comodidade, segurança, rapidez, cumprimento de horários e redução do tarifas são os requisitos essenciais e imprescindíveis para a obtenção de um serviço eficiente, útil e satisfatório.
Em ordem à consecução de tão alto objectivo o Governo, desde 1926, vem adoptando um grande número de providências, que se referem umas ao próprio regime jurídico dos caminhos de ferro e outras são de carácter financeiro.
Entre as primeiras queremos destacar como as mais importantes a concentração da exploração dos caminhos do ferro em uma única empresa concessionária - a Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses -, a uniformização do regime dos caminhos de ferro e a simplificação do sistema tarifário; quanto às segundas, dizem respeito ao auxílio directo para obras e apetrechamento, que até 1951 se elevava a mais de 600 000 contos, a diversos empréstimos no montante de algumas centenas de milhares de contos e ainda ao empréstimo do Plano de Fomento da quantia de 600 000 contos.
Graças a esta importantíssima série de medidas, e sobretudo a partir de 1947, data da incorporação das linhas ferroviárias nacionais, a C. P., por intermédio do Fundo Especial de Transportes Terrestres e ao abrigo do Plano Marshall, vem fazendo o seu apetrechamento, vem renovando o material rolante e substituindo o seu parque de tracção por outro mais moderno, mais cómodo, mais rápido e mais económico, e iniciou já a electrificação das linhas Lisboa-Sintra e Lisboa-Entroncamento.
Espera-se que deste conjunto de providências, além de outras vantagens e benefícios, resulte uma economia apreciável e num futuro próximo o equilíbrio económico da empresa.
Esta política nacional dos caminhos de ferro, que me parece absolutamente certa e adequada e que tem plena justificação pela sua enorme e capital importância na economia, na defesa e no turismo nacionais e à qual me é grato prestar o meu caloroso, embora modesto, aplauso, não obsta, porém, a que deste lugar deixe de fazer algumas breves considerações que tom como única finalidade ver os caminhos de ferro portugueses ocuparem de novo o lugar que lhes é devido entre os meios de transporte nacionais.
As modestas considerações que a seguir enuncio referem-se à grande morosidade da obra projectada, às lentas realizações que têm sido levadas a cabo.
O progresso dos caminhos de ferro portugueses que existe, de facto, em algumas linhas tem sido realizado em ritmo suave e vagaroso.
Para o muito que é preciso, e dada a sua premente necessidade, o que se acha feito é ainda pouco.
A concorrência dos transportes rodoviários e do automóvel, derivada do desenvolvimento da rede de estradas
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e do progresso automobilístico, tem de ser encarada de frente, combatendo-a, de forma a fazer eliminar os seus prejuízos, oferecendo ao mesmo tempo vantagens ao público.
A rápida e inteira renovação do material, das vias e até dos edifícios impõe-se urgentemente, para assim se evitar o custo elevado da produção e desconforto e insegurança, com a consequente fuga do público para outros transportes.
Comodidade - aumentando a velocidade e a frequência de circulação-, actualização do material, redução das tarifas - resultado de tracção mais económica -, electrificação de algumas linhas, melhoramento dos horários e tratamento atencioso e urbano que é devido a todos os passageiros, tais são os requisitos indispensáveis à conquista da confiança por parte do público nos transportes ferroviários e, consequentemente, à sua valorização e eficiência.
Tudo o que se acaba de dizer é do conhecimento geral e não é preciso ser-se um técnico ou especializado no assunto para se afirmar a urgente necessidade de lhe dar rápida efectivação.
É sabido que tão elevados e patrióticos intuitos estão do há muito no alto pensamento e no programa de acção do Governo e da empresa concessionária.
Solicitar a aceleração desse programa por maneira a vencermos no mais curto prazo o atraso em que ainda nos encontramos em comparação com outros países, contribuindo assim para darmos um maior e mais forte impulso na transformação e melhoria da vida económica nacional, tal é um dos objectivos das rainhas considerações de hoje.
Sr. Presidente: para além das solenidades e cerimónias previstas na comemoração do 1.º centenário dos caminhos de ferro portugueses, que considero necessárias e oportunas, dever-se-ia dar a tão importante e memorável data um significado ainda mais prático e mais positivo do que aquele que também se lhe atribui.
O ano que decorre deveria marcar o inicio de realizações a curto prazo susceptíveis de transformarem radicalmente o panorama ferroviário nacional.
Para além das importantes obras de electrificação em curso, da construção do ramal de Mourão, no Baixo Alentejo, para assegurar a ligação mais rápida e directa entre Lisboa e Sevilha, da substituição das seis pontes metálicas na linha da Beira Alta, entre Luso e Santa Comba Dão, cuja primeira ponte foi há dias inaugurada, da construção de segundas vias na linha do Norte e, porventura, de outras realizações de que não tenha conhecimento dever-se-ia, dentro do mais curto prazo, promover a rápida e directa ligação do Norte com o Alentejo e Algarve, beneficiando as respectivas vias férreas, introduzir os melhoramentos indispensáveis na linha do Douro, renovando o material circulante, aumentando a velocidade mediu dos comboios, que é diminuta, cumprindo fielmente os horários e fazendo as indispensáveis obras de consolidação que evitem o desprendimento de terras e rochedos sobre a via e, finalmente, dever-se-ia restabelecer imediatamente a circulação de automotoras na linha do Dão, entre Santa Comba Dão e Viseu, e aumentar em mais unidades as da linha do Vouga, dado o seu enorme tráfego.
Estas são algumas das realizações a curto prazo que se torna imperioso e urgente efectivar, permitindo-me destacar como a mais simples e a mais fácil a do restabelecimento das automotoras na linha do Dão.
Impõe-se acabar com um estado de coisas lamentável e anacrónico.
Percorrer 49 km em cerca de duas horas, em carruagens sem conforto e em péssimo estado de conservação, pois chegam a deixar passar a água das chuvas para o seu interior, não se coaduna com a época actual, é obsoleto, inadmissível e inconveniente.
Daqui, desta tribuna, faço um veemente apelo ao Governo e à C. P. para que ao menos em Setembro próximo, por ocasião da Feira de S. Mateus, na cidade de Viseu, aonde acorrem muitos milhares de visitantes, voltem a circular as automotoras na linha do Dão, o que é de primacial interesse para a região e para a cidade.
Sr. Presidente: como empreendimento a levar a cabo em mais longo prazo pura o qual chamo a esclarecida atenção das entidades competentes, formulando o voto do que se debrucem sobre o problema, o encarem de frente e resolvam satisfatòriamente, a bem duma cidade e duma região que merece toda a protecção e carinho dos Poderes Públicos, desejo ainda referir a velha e justa aspiração de Viseu de ver transformada em via larga a linha do ramal de Santa Comba e sua ligação a Mangualde.
Centro agrícola e comercial de grande importância, com uma riqueza mineral de certo vulto, com uma intensa vida agrícola, que envolve largo movimento de produtos e mercadorias, Viseu situa-se a meio de uma região de belezas naturais - panorâmicas e paisagísticas - das mais interessantes do Pais e possui à sua volta muitas estâncias termais e de repouso que fazem atrair a si muitos visitantes do País e do estrangeiro. Com um museu que, pelo conjunto das suas obras de arte, é dos melhores do País, com a sua Sé Catedral imponente e grandiosa e com a sua riqueza histórica, monumental o artística. Viseu é hoje um dos mais progressivos centros de turismo, sendo uma das mais visitadas cidades do País.
Servida, porém, pela linha férrea do Dão, que, pelo gravíssimo inconveniente dos trasbordos, a impede de iniciativas e de largos empreendimentos industriais, Viseu sente-se oprimida na sua economia e o seu desenvolvimento natural enormemente prejudicado.
Os transportes de mercadorias e de passageiros tazem-se, na maior parte, por intermédio da viação automóvel nas estações do Santa Comba e de Mangualde, fugindo-se assim às despesas e contratempos que origina o trasbordo pelo ramal do Dão ou Vale do Vouga.
Impõe-se, pois, por forma inadiável e premente para o futuro progresso de Viseu e da sua região a transformação em via larga do ramal da linha do Dão.
Trata-se, sem dúvida, de uma questão vital para Viseu, mas que o é também de autêntico interesse nacional.
Sede tradicional de uma divisão militar que foi extinta precisamente pela falta de comunicações ferroviárias eficientes, a construção da via larga daria ensejo ao estabelecimento das condições necessárias ao reatamento da secular tradição militar de Viseu.
Não existem razões técnicas nem económicas que obstem à realização de tão justa pretensão, afirmam-no altas competências profissionais que há muitos anos estudaram o problema; pelo contrário, as facilidades de ordem técnica que se deparam são de tal ordem que não seriam investidos grandes capitais no empreendimento e o rendimento económico da futura exploração estaria assegurado sabendo-se que todo o movimento de passageiros e mercadorias deixaria de fazer-se por intermédio da viação automóvel.
Sr. Presidente: Viseu não esquece, antes reconhece, o carinho e atenção superiores com que ùltimamente vêm sendo tratados e resolvidos os seus problemas.
O futuro de Viseu, porém, o seu progresso e o sou engrandecimento só se tornarão possíveis com o estabelecimento de comunicações ferroviárias cómodas, céleres o eficientes.
O seu desenvolvimento industrial depende absolutamente de uma via ferroviária com ligações rápidas o directas às grandes linhas nacionais.
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Trata-se, volto a insistir, do um problema vital, de que depende ou o progresso da cidade ou o seu imobilismo, o seu engrandecimento ou a sua estagnação.
O esforço financeiro que se fizesse, ao contrário das verbas despendidas em obras de urbanização o aformoseamento da cidade, aliás necessárias e indispensáveis, seria largamente reprodutivo.
Tal é, Sr. Presidente, outro dos objectivos da minha intervenção parlamentar, que, em síntese, significa: chamar a atenção das entidades competentes para o problema da transformação em via larga da linha férrea do Dão e solicitar-lhes o deferimento de tão antiga como justa aspiração da capital da Beira Alta.
O interesse de Viseu e o interesse nacional justamente reclamam e serenamente, mas com o mais vivo empenho, pedem a realização de tão útil, necessário e imprescindível empreendimento e as populações da cidade e da região confiadamente esperam que lhes seja feita justiça.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente:- Continua o debate sobre as Contas Gerais do Estado, das províncias ultramarinas e da Junta do Crédito Público relativas a 1954.
Tem a palavra o Sr. Deputado António de Almeida.
O Sr. António de Almeida: - Sr. Presidente: com a vinda à Assembleia Nacional, para análise, das Contas Gerais do Estado nas províncias de além-mar dá-se satisfação a mais um dos admiráveis princípios reforçadores da unidade da metrópole è do ultramar, no sentido da identidade de interpretação e aplicação das regras fundamentais da nossa administração financeira, que permitiu a notável grandeza material e espiritual realizada nas últimas três dezenas de anos.
O facto merece assinalar-se com encómio, tamanha a sua importância política.
De acordo com os preceitos contidos na Constituição e na Lei Orgânica do Ultramar, as contas aos territórios de além-oceano, depois de apresentadas aos respectivos governadores pelos serviços de Fazenda e contabilidade locais, são verificadas e relatadas pela Direcção-Geral de Fazenda do Ultramar, subindo em seguida ao Tribunal de Contas para julgamento, donde vêm a esta Câmara para apreciação.
Os respectivos relatórios, declaração e o parecer da Assembleia Nacional - qual deles o mais claro e substancioso - constituem fontes informativas insubstituíveis para a apreciação da legalidade das contas públicas e exactidão dos seus saldos e, bem assim, da amplitude e eficiência da execução do plano de administração ultramarina.
Toda a Nação deve congratular-se com a seriedade das contas de além-mar de 1954; se um ou outro reparo de natureza quase sempre formal se anota deve este ser imputado em regra às particularidades do condicionalismo regional, como tão autorizadamente afirma o nosso colega engenheiro Araújo Correia no seu douto parecer.
Estou certo do que as contas ultramarinas de gerência e de exercício do 1955 aparecerão em inteira conformidade com os desejos expostos, que são também os de todos nós, como aliás o faz, prever a adopção de apropriados métodos de contabilização postos em vigor há cerca de dois anos.
Sr. Presidente: feita esta breve introdução, analisemos os principais capítulos das contas públicas de Timor e vejamos se o desenvolvimento da administração financeira da província que com muita honra e satisfação represento nesta Casa se reflectiu benèficamente no seu progresso, promovendo melhoria económica e valorização social e política.
É dever de gratidão não esquecer quo a reconstituição timorense não se teria operado tão rápida e frutuosamente se os Srs. Presidente do Conselho e Ministros do Ultramar e das Finanças não houvessem dispensado tanta solicitude - bem patente na concessão de cerca de duas centenas de milhares de contos sob a forma de sucessivos empréstimos e subsídios da metrópole e das províncias ultramarinas mais prósperas; ó justo afirmar ainda que semelhante actuação patriótica tem sido secundada eficazmente pelo Sr. Capitão Serpa Rosa, que desde 1950 administra este território nacional.
Vem a propósito salientar que o cuidado deste servidor da Nação vai ao ponto de semanalmente fazer o balanço das receitas e das despesas de Timor! Este exemplo singular causou-me intensa impressão, ampliada ainda pela circunstância de o Sr. Capitão Serpa Rosa ter dispensado o ajudante de campo e estar dois anos sem secretário, com o objectivo de economizar algumas centenas de contos! Foram estes e outros sacrifícios que, sem prejuízo para a boa marcha dos serviços públicos, contribuíram para a amortização de antigos compromissos financeiros, adiante relembrados.
A obra da reconstrução de Timor também se deve à dedicação dos funcionários, missionários e colonos e ao esforço dos nativos e igualmente ao vivo interesse dos serviços do Ministério do Ultramar, sempre prontos a auxiliar a mais distante terra portuguesa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Sr. Presidente: o orçamento de Timor para 1954 foi calculado prudentemente, pois, de uma maneira geral, as receitas previstas foram excedidas pelas receitas cobradas, verificando-se um saldo positivo de 7631 contos.
As receitas ordinárias da província, que em 1938 somavam 8435 contos, tiveram os seus máximos em 1951 e 1953, respectivamente com 53 154 e 59 714 contos.
Como muito bem informam os serviços de Fazenda e contabilidade de Timor e o nosso ilustre colega engenheiro Araújo Correia, em 1954 a cobrança das receitas ordinárias, que somou 48 763 contos (incluindo a parte de exercícios findos), foi superior à previsão total; em relação a 1953 verifica-se uma diferença para menos de 10 750 contos. Tal diferença não representa pròpriamente um decréscimo nas cobranças normais, mas sim resulta da contabilização de receitas de 1941 a 1948, por virtude da regularização de contas, vindas do período anormal que atravessou a província, situação financeira que só ùltimamente se pôde ajustar com a metrópole. Não se trata, pois, de quebra de receitas, como poderia parecer, sendo curioso sublinhar que houve melhoria em certos capítulos orçamentais.
Reconhece-se nos mapas daqueles serviços de Fazenda que os impostos directos e indirectos andam à volta de 60,5 por cento das receitas ordinárias totais, valor este quê não se distancia do correspondente da metrópole.
Os impostos directos, no montante de 18404 contos, aumentaram do 567 contos em relação à previsão, assim como os impostos indirectos, que subiram a 11 082 contos, com um acréscimo de 2601 contos.
A maior quota-parte dos impostos directos foi paga pelos nativos - quatro vezes superior à soma das demais contribuições e impostos, sinal evidente do progressivo enriquecimento e, por consequência, de maiores possibilidades económicas, advindas da actuação política local, que tem convencido os Timorenses por meios suasórios
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a trabalhar cada vez mais e melhor, para proveito próprio e bem geral de Timor.
Sr. Presidente: o exame dos impostos indirectos de 1954 - sobretudo importação e exportação - suscita alguns apontamentos.
O montante dos direitos de importação atingiu em 1954 8955 contos, algo inferior ao de 1953, embora a cobrança suplantasse a previsão orçamental em 3325 contos; por seu lado, em 1954 o valor dos direitos de exportação mostrou-se menor do que a previsão, devido, sobretudo, à irregularidade das importações e exportações, derivada não só da deficiência da navegação marítima, mas também da oscilação dos preços e escassez da produção.
Principalmente por este último motivo, o deficit da balança comercial, constante, aliás, na província, ascendeu a 24 181 contos em 1954, mais do dobro do de 1950.
As causas de tamanho decréscimo são fáceis de explicar. O ano agrícola de 1954 foi, infelizmente, muito desfavorável à produção do café - o género n.º 1 de Timor -, o que fez a colheita reduzir-se a metade: a exportação da copra desceu também de 50 por cento, diminuindo um pouco a venda da borracha - o terceiro produto rico da província.
A redução do volume dos direitos de exportação não conseguiu ser compensada pela elevação do valor fiscal unitário do café e da copra, nem tão-pouco pelo pequeno aumento da venda do alguns géneros sem projecção económica de maior.
Quanto à importação, se é certo que Timor em 1954 adquiriu menos arame, ferro o aço em barra, zinco, etc., do que no ano anterior - em que comprou a mais destas mercadorias, para oportunamente dispor delas para a reconstrução -, todavia cresceu a aquisição de cimento, do gasolina, de petróleo, devendo aludir se ainda à importação de farinha de trigo, açúcar, leite, vinhos comuns e outras bebidas e tecidos de algodão um peca e em rama. O aumento da importação dos géneros indicados é mais um sintoma incontestável de que, tanto as obras de restauração prosseguem activa e fecundamente, como se acentua a melhoria económica e social da população de Timor.
Sr. Presidente: só houve irregularidade na evolução das receitas ordinárias desde 1938, outro tanto não aconteceu com as despesas ordinárias, cujo aumento não tem parado de assinalar-se, como é próprio da operosa fase reconstrutiva que Timor vivo. Assim, em, 1938 as despesas somavam 8025 contos e em 1954 subiam a 53 575 contos, mais de seis vexes e meia aquela totalidade, e cerca do 1500 contos em relação a 1953. Este acréscimo foi condicionado principalmente pelo desenvolvimento dos serviços de fomento e encargos gerais.
Os grandes capítulos de despesa de Timor, por ordem decrescente, são: a administração geral, os serviços militares e os serviços de fomento; só o primeiro capitulo despende 27 por cento das despesas ordinárias, e estes encargos, somados com o dos encargos gerais, perfazem cerca de metade do conjunto das despesas totais de Timor.
Sr. Presidenta: entre as rstantes despesas ordinárias da província efectuadas em 1954 permito-me aludir apenas à rubrica das classes inactivas, tão vivos conservo na memória os quadros da pobreza que me foi dado observar em Timor, revelados por alguns oficiais e praças e uns poucos civis assalariados que vieram ao meu encontro para exporem a sua aflitiva situação.
Os primeiros eram, no tempo, nove oficiai» P seis praças europeus, residentes na província, todos velhos e alquebrados, relíquias do tempo das lutas da ocupação do princípio do nosso século, possuidores do boas folhas de serviço e alguns deles condecorados por feitos praticados em combate: dos segundos, embora julgados incapazes pela junta módica local, uns estão desligados do serviço há anos - alguns desde 1946 - o outros continuam a trabalhar, dificílmente como é natural, para não perecerem à míngua de recursos!
Os militares solicitam melhoria das suas reformas, quase todas insignificantes, e os civis carecem de um diploma que lhes dê direito à aposentação como empregados do Estado, que têm servido dedicadamente durante dezenas de anos.
Pela boa resolução de tão tristes questões muito se tem interessado o Sr. Prof. Dr. Raul Ventura, constando-me que não tardará muito tempo sem que estes assuntos tenham o merecido deferimento do Governo Central, ocasião que aguardo ansiosamente para felicitá-lo por mais esta cristianíssima acção administrativa em prol da gente que tanto se sacrificou para que Timor continuasse a ser português.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Sr. Presidente: apreciemos agora as receitas e despesas extraordinárias de Timor. Em 1954 as receitas extraordinárias totalizavam 18 560 contos, dos quais 14 000 contos provieram de empréstimos, 2617 contos de saldos de anos anteriores e 1943 contos de outras origens; as despesas extraordinárias ascenderam a 15 863 contos, gastos na sua maior parte - 11 535 contos - em obras de fomento agro-pecuário o na aquisição de casas pré-fabricadas para funcionários e em outras aplicações.
Sr. Presidente: na sessão desta Assembleia de 30 de Abril do ano passado, ao referir-me às finanças de Timor, fiz as seguintes afirmações, que muito me apraz repetir:
À custa dos saldos das contas dos exercícios findos liquidaram-se ou pagaram-se no ano de 1904 várias dívidas e empréstimos, cujo montante subiu a 6:904.338$28, correspondendo a: Moçambique, 4:229.821$95, para liquidação definitiva das despesas feitas até 1947; Macau, 2:145.074$10, para pagamento da dívida contraída em 1940; ao Banco Nacional Ultramarino, 91.676$44, e à metrópole 400.000$, respectivamente para pagamento do saldo do empréstimo gratuito de 1919 e liquidação do saldo do empréstimo gratuito de 1939.
A par destes volumosos encargos, outros, computados em 7:120.466$40, foram satisfeitos nesse ano pelos saldos das contas dos exercícios findos, dos quais salientarei as seguintes quantias: 937.500$ para reforço da verba destinada à compra de viaturas motorizadas para os serviços das obras públicas, agrimensura e cadastro; 275 contos para aquisição e montagem de dez casas pré-fabricadas para funcionários: 2:437.500$ para aquisição de um avião bimotor e de alguns acessórios; 312.000$ para ocorrer às despesas com a construção em Díli de um monumento a Nossa Senhora da Conceição; 600 contos para pesquisas de petróleo, e 2:557.966$40 para reforço da verba orçamental destinada ao pagamento de despesas ordinárias não previstas - neste caso a substituição dos guldens postos em circulação pelos Japoneses quando ocuparam Timor.
Quero, finalmente, apontar a apreciável verba de 6250 contos, também proveniente de saldos das contas dos exercícios findos, reservada ao custeamento da construção do pavilhão central do edifício das repartições públicas em Díli.
Sr: Presidente: findas as anotações que pretendia fazer sobre as contas públicas de Timor, concluo dizendo: se adicionarmos às receitas ordinárias as receitas extraordinárias (empréstimos, saldos de exercícios findos, recursos alheios à cobrança e verbas transferidas de 1953)
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e à rubrica das despesas ordinárias os créditos especiais, obter-se-ão, para as primeiras, o montante de 79 765 contos e, para as segundas, o de 60 440 contos, quantias que subtraídas deixarão um saldo de 10 325 contos; transferindo para 1955 os créditos de 2697 contos, restarão 7628 contos, que constituem o saldo real do exercício de 1954.
Sr. Presidente: porque decorreu quase um ano após a minha referida intervenção nesta Assembleia, e porque durante este período de tempo se executaram em Timor novos e importantes trabalhos públicos, julgo de grande interesse trazer aqui algumas informações sobre o estado de adiantamento da reconstituirão dessa nossa província do Extremo Oriente.
Para conhecimento e mais fácil análise da evolução do Plano de Fomento convém reparar-se no quadro seguinte, contendo as verbas inscritas e despendidas em 1953, 1954 e 1955, segundo as rubricas respectivas:
(ver tabela na imagem)
Os elementos invocados dispensam esclarecimentos demorados.
No ano de 1953 não foi possível, por circunstâncias várias, iniciar o estudo do porto de Díli, acontecendo o mesmo com os trabalhos a realizar nos aeroportos - rubrica que em 1955 aparece sem qualquer importância despendida, por virtude de nos anos anteriores lhe terem sido atribuídas todas as verbas próprias.
A existência em anos seguintes de cômputos de verbas gastas superioresà e inscritas em orçamentos de anos anteriores justifica-se pelo facto de os saldos de um ano passarem automàticamente a constituir receitas do ano imediato.
Sr. Presidente: em meados de 1054 as obras de reconstrução da cidade de Díli continuavam com regularidade e esperava-se o inicio de outras; em fins de Setembro estavam em construção sete moradias para funcionários, uma caserna do quartel de infantaria e o centro de saúde e reconstruíam-se a igreja de Motael e a escola primária, encontrando-se concluídas as residências do comandante militar e do juiz, três casas para funcionários e uma caserna do quartel de infantaria.
Em Novembro do mesmo ano enviaram-se os elementos para a abertura do concurso por empreitada, a realizar na metrópole, Macau e Timor, para a construção do pavilhão central do edifício para as repartições públicas de Díli; tão necessária e importante obra está a ser executada por administração directa, por o respectivo concurso, aberto no 1.º trimestre de 1955, ter ficado deserto.
Deixo aqui uma palavra de grande apreço para a Repartição de Obras Públicas de Timor, à qual se deve a execução de todas as obras do pós-guerra.
No fim de 1954 achavam-se terminadas a caserna do quartel de infantaria e duas residências para funcionários, estando em construção quatro residências e o edifício principal do centro de saúde, e prosseguiam as obras de restauração da igreja de Motael e da escola primária.
Em 1955 concluíram-se as obras iniciadas ou que vinham do ano precedente, entre outras nove moradias para funcionários e dependências de várias casas, a igreja de Motael e a escola primária, continuaram os trabalhos do edifício principal do centro de saúde, tendo-se iniciado as obras do corpo central do edifício das repartições públicas e do colégio-liceu e várias casas para funcionários.
Também no interior da província foi intensa a actividade reconstrutiva. Assim, em Junho de 1954 concluíram-se a secretaria e uma casa para funcionários em Lospalos, duas residências de chefes de posto, as residências dos médicos de Manatuto e de Suro e trabalhava-se nas obras da secretaria de Suro, dos anexos do hospital do Lahane, de duas casas de chefes de posto e na do chefe dos serviços de saúde de Timor e, bem assim, em duas moradias de funcionários da estação rádio de Baucau, em várias obras da diocese, como a residência missionária em Ossu, e os internatos de Maliana e de Nuno-Heno.
Durante o ano de 1955 concluíram-se os anexos do hospital de Lahane e as residências de chefes de posto e dos missionários em Ossu, prosseguindo a construção das moradias para funcionários públicos, iniciadas anteriormente, e os trabalhos nos internatos de Maliana e de Nuno-Heno, e começou a construção da igreja e secretaria administrativa da Ermera, da capela da ilha de Ataúro, iniciando-se também a do internato de Soibada e das residências do administrador de Ocussi, de chefes de posto, etc.
Sr. Presidente: no que respeita ao fomento agro-pecuário de Timor igualmente o labor desenvolvido é digno de se exaltar. Ao terminar o ano de 1954 estava em organização o envio de uma brigada do estudo dos aproveitamentos hidroeléctricos e agrícolas e para a elaboração de planos de construção de algumas pontes de estradas; a referida brigada não chegou a partir, por virtude de razões ponderosas não aconselharem a realização das obras hidroeléctricas e agrícolas, excepto porventura como complemento das de saneamento de Díli - drenagem dos pântanos vizinhos - ou de Baucau ou outra localidade, julgadas convenientes após apropriado conhecimento dos caudais e de outros elementos indispensáveis.
E porque se torna urgente dar à capital timorense energia eléctrica - presentemente para utilização doméstica e mais tarde para fins industriais-, faço votos para que Díli tenha em breve uma central eléctrica, cujo projecto de construção e respectiva rede de distribuição estão merecendo a melhor atenção dos ilustres Ministro e Subsecretário de Estado do Ultramar.
No fim de 1954 estavam em construção dois celeiros, para 300 t cada um, providos de câmara de expurgo, em Betano e Lautém, e mais um armazém na Estação Zootécnica do Ossu. Durante o ano de 1955 prosseguiram os trabalhos precedentes, concluindo-se algumas obras, como a residência para o encarregado da Estação Zootécnica de Ossu e a Estação de Beneficiamento de Couros e Ceras, iniciada nesse ano, e principiou a edificação dos celeiros de Baucau e de Viqueque, com a capacidade do 600 t e 300 t, respectivamente, e da residência do director da Estação Zootécnica de Ossu.
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Sr. Presidente: no discurso de 30 de Abril do ano findo ocupei-me largamente da construção do porto de Díli, dando informações pormenorizadas, que agora não pretendo invocar.
Circunstâncias especiais e superiores à vontade dos Governos central e local tem obstado à abertura dos trabalhos necessários à elaborarão do projecto definitivo de tão importante empreendimento, impossível de efectivar-se sem prévio estudo geológico da zona de implantação das obras portuárias, a realizar por meio de sondagens apropriadas.
A aquisição de uma sonda e dos materiais sobresselentes dotados das características requeridas, a ida a Timor de um técnico especializado para manejá-la, que houve de pedir à Administração-Geral do Porto de Lisboa, a presença do inspector superior engenheiro Viriato Canas em Díli e a prometida colaboração e assistência técnicos do magnifico Laboratório Nacional de Engenharia Civil conseguirão que o porto de Díli não demore mais a construir-se, para bem de Timor e prestígio de Portugal.
Sr. Presidente: quanto às vias de comunicação, em fins de 1954 haviam-se concluído ou iniciado em Timor quarenta e sete aquedutos e sete pontes e tabuleiros de betão em pontoes; durante o ano de 1955 inauguraram-se sessenta e uma pontes e duzentos e vinte e um aquedutos, além dos trabalhos nos ramais das estradas de Soibada e de Same, e efectivaram-se diversas obras de arte.
A verba para trabalhos de melhoramentos de aeroportos está esgotada; em 1954 trabalhou-se na construção da aerogare e no armazém de sobresselentes do aeródromo de Díli, obras que ficaram terminadas durante o ano de 1955.
Sr. Presidente: cheguei ao fim do meu discurso. Porém, não quero deixar esta tribuna sem expressar a minha fé ilimitada em que poucos anos faltarão para a província do Timor estar reconstituída totalmente e constituir um território próspero e feliz, digno modelo da acção colonizadora de Portugal, a exemplo das restantes irmãs espalhadas pela Ásia e pela África.
E como remate das minhas considerações permito-me dirigir ao Governo da Nação dois apelos de interesse para todo o nosso ultramar: o primeiro visa a concessão, aos funcionários públicos de certa categoria de Ultramar, da possibilidade de virem à metrópole gozar licença graciosa; o segundo, já posto nesta Câmara por mim e, posteriormente, com muita elevação pelo ilustre Sr. Deputado Engenheiro Augusto Cancella de Abreu, pretende que os servidores ultramarinos em gozo de licença graciosa no continente recebam por inteiro os vencimentos a que tenham direito em terras de além-oceano.
O valor político e nacional destas duas providências, por tão evidente, dispensa quaisquer esclarecimentos. Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Proença Duarte: - Sr. Presidente: as Contas Gerais do Estado relativas ao ano económico de 1954, que estamos apreciando nos termos e por imperativo o disposto no n.º 3.º do artigo 91.º da Constituição Política, mereceram do Tribunal de Contas a sua declaração de conformidade, como se vê do seu respectivo relatório, publicado no Diário do Governo, 2.ª série, de 27 de Março do corrente ano, enviado a cada um dos Srs. Deputados.
Por esta fundamentada decisão do alto Tribunal, proferida dentro do prazo legal, é dado conhecimento a esta Câmara e ao País de que a correlativa lei de
receitas e despesas e leis especiais promulgadas durante a gerência referentes a matéria financeira, bem como a conta de receitas e despesas do Fundo de Fomento Nacional e respectivo balanço referido a 31 de Dezembro de 1954, foram integralmente cumpridas sem quaisquer infracções.
Assim tem esta Câmara e o País a consoladora certeza de que a administração dos dinheiros públicos se fez dentro de uma absoluta legalidade financeira, sem habilidades ou expedientes de emergência, mas antes com observância rigorosa da estabelecida disciplina jurídica.
Todos quantos se interessam pela coisa pública podem ter viva satisfação de que assim aconteça desde há cerca de trinta anos a esta parte.
Compete agora a esta Câmara apreciar os aspectos económico-políticos das receitas cobradas e a aplicação que lhes foi dada.
Essa apreciação nos habilitará a emitir juízo sobre os benefícios ou malefícios que resultaram para a comunidade nacional da acção administrativa do Governo.
A apreciação económico-política, a fazer por esta Câmara, das Contas Gerais do Estado é tanto mais legítima quanto é certo que cada vez mais a cobrança das receitas e o destino que lhes é dado, através das despesas públicas, se repercute sobre a vida económica da Nação.
Certamente por se reconhecer a verdade deste conceito é que nas «Reflexões preliminares» do relatório do Tribunal de Contas e escreveu que a apreciação da Assembleia Nacional «visa a conhecer dos efeitos e das perspectivas económico-políticas resultantes da aplicação dos meios financeiros que condicionam a administração do Governo» e que na «Introdução» ao parecer se disse:
Últimamente parecem desenhar-se, nalguns sectores, opiniões que tendem a filiar no equilíbrio orçamental, mantido ininterruptamente desde 1928-1929, uma das razões, talvez a mais acentuada, do inegável desequilíbrio económico que caracteriza a vida portuguesa.
Na verdade, nenhum Estado moderno deixa de intervir na vida económica e mais ou menos orientar as suas linhas mestras, quer directamente, quer por via indirecta, no sentido de aumentar a produção e a produtividade e de facilitar, concomitantemente, o poder de compra.
O que se impõe é que os encargos e benefícios a que leva esta conduta se distribuam proporcionalmente por todas as camadas sociais, em virtude do princípio da justiça distributiva que deve condicionar a sua acção.
O exame das contas deve dar indicações nesse sentido, quando feito comparativamente entre as receitas cobradas e as despesas realizadas pelos vários sectores da administração pública.
Mas as contas, só por si, na frieza dos números que referem, não podem conduzir a juízo seguro da realidade económica das diferentes actividades e empreendimentos da população portuguesa.
Para se formular juízo mais aproximado da verdade têm de considerar-se outros indicadores que a vida real fornece.
A recolha desses indicadores requer, porém, competência especializada, que me falta, e facilidade de obtenção que só certas posições permitem.
Por carência de um e outro requisito, coloco-me, como já referi no passado ano, na posição de simples observador e comparticipante da vida pública portuguesa para, nesta Assembleia política, fazer algumas considerações sobre um compartimento das Contas Gerais, qual seja: o que traduzem e como se repercutem as Contas Gerais
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sobre a agricultura e o poder de compra das populações da província.
Quanto à agricultura, deve considerar-se em que medida contribui, por tributação directa, para as receitas do Estado e qual a parte destas que pelo Estado, através dos vários serviços, é aplicada directamente em seu benefício.
Este é o aspecto meramente financeiro da questão, sob o ponto de vista estadual.
É, portanto, apenas um dos factores que interferem na situação económica da agricultura, porventura o menos importante.
Para além deste enquadramento financeiro da vida agrícola, há que considerar toda a demais interferência do Estado através da vária legislação que publica ou deixa de publicar sobre regime jurídico da propriedade, protecção alfandegária, tabelamento de preços na produção, assistência técnica, serviços de saúde e de assistência às populações rurais, hidráulica agrícola, condicionamento das indústrias complementares da indústria agrícola, etc.
E inclino especialmente a minha atenção para a agricultura porquanto é sabido que na base e agravamento das crimes económicas está a falta de atenção e de valoração do factor agrícola no complexo da vida económica nacional e internacional.
Mal vai a toda a população quando a vida agrícola detinha por falta de justa rentabilidade.
É que «a agricultura desempenha em matéria económica um papel primordial ou, mais exactamente, vital».
Na grande crise económica que avassalou o Mundo em seguida à primeira grande guerra (1914-1918) todos os esforços empregados pareceram incapazes de a debelar.
Então se concluiu, como disse Etienne de Felcourt, economista francês, que:
Toda a tentativa de reprise foi reconhecida vã se a produção agrícola não estiver organizada, se o mercado não for restabelecido, se o operário agrícola, que, constitui a base social e económica de toda a nação equilibrada, não possuir um poder de compra assegurando pelo menos a estabilidade do mercado interno... Os meios industriais começam a perceber esta verdade primordial da necessidade absoluta da prosperidade das populações rurais, para lhes assegurar o mercado interno, ponto de partida para a exportação.
Agricultura e indústria são, na verdade, actividades interdependentes e solidárias, devendo os lucros de uma e outra seguir a menina evolução, para que se mantenha e equilíbrio económico.
Se assim não acontecer, a ruína de uma provocará crise na outra.
Ora, Sr. Presidente, neste momento, em que diàriamente se publicam na imprensa os relatórios e contas de diversas empresas industriais e comerciais, o empresário agrícola português verifica quanto cada vez mais se vai acentuando o desnível entre os saldos dos seus balanços e os dessas outras actividades, com manifesta vantagem para estas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Qual será a causa do fenómeno?
Há uma primeira verificação que desde logo impressiona: é que, enquanto os preços dos produtos industrializados sobem gradualmente, os da produção agrícola, ao sair da mão do produtor, ou se mantêm estacionários ou descem.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A tabela oficial do preço do trigo vem de 1927, só acrescida dos prémios de cultura, que apenas deviam reverter a favor do produtor, mas que, de facto, revertem hoje, em grande parte, a favor do senhorio, absentista, que desde então só passou a arrendar a curto prazo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Apesar disso o regime jurídico dos arrendamentos dos prédios rústicos não foi ainda revisto e adaptado às circunstâncias actuais, como já nesta Câmara foi sugerido.
O regime de arrendamento dos prédios rústicos a curto prazo prejudica gravemente a terra, conduzindo-a para um empobrecimento constante, e impede a aplicação dos modernos progressos da técnica nessas explorações agrícolas a título precário, além de impedir investimentos fundiários em arborização, exploração de águas, construção de nitreiras, silos, etc.
Para ilustrar a instabilidade da situação dos rendeiros refiro um caso de meu directo conhecimento.
Um rendeiro de largos tractos de terra de uma grande companhia agrícola no Ribatejo, onde mantinha seiscentas cabeças de gado vacum, cavalar e lanígero e que o era há muitos anos sem contrato escrito, por mero capricho foi despedido abruptamente, com os sessenta dias de antecedência legal, sem querer saber-se do destino a dar a esses gados, se bem que se soubesse que outras terras não tinha para os apascentar.
Como pode, assim, um rendeiro aventurar-se a uma exploração pecuária?
Mas também o agricultor paga cada vez mais caro todos os produtos industrializados necessários à sua exploração.
Veja-se o que acontece com as máquinas agrícolas, sejam quais forem.
Um exemplo:
Um tractor de determinada marca e potência, que em 1948 custava 216.500$, custa hoje 360.000$.
E o que se passa com estas máquinas passa-se com tudo o mais; ceifeiras mecânicas, charruas, grades de discos, combustíveis, consertos nas máquinas, etc.
Por isso muitos agricultores que tinham mecanizado as suas explorações propõem-se regressar ao sistema antigo, por impossibilidade de substituir a utensilagem que se vai inutilizando, o que é, evidentemente, um mal.
Isto significa que a agricultura não beneficia com o progresso industrial, nem com o aumento de receita que daí advém para o Estado, porquanto os respectivos produtos cada vez chegam mais caros às suas mãos e o rendimento da sua exploração não acompanha proporcionalmente o custo desses produtos industriais.
E a exploração agrícola em que se não compreenda algum produto especialmente valorizado caminha para uma descapitalização, para um empobrecimento, para um endividamento que a ninguém poderá ser útil.
Que os serviços competentes do Estado observem o que se passa com as caixas de crédito agrícola e outras instituições de crédito que emprestam à lavoura, e o montante crescente dos débitos desta poderá confirmar-lhes o que deixo dito.
Aponto um dado do meu conhecimento, obtido através de uma secretaria notarial, que mostra o número
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de escrituras de hipotecas de prédios rústicos lavradas desde Outubro de 1950:
Outubro de 1955............ 11
Novembro de 1955........... 18
Dezembro de 1955........... 23
Janeiro de 1956............ 26
Fevereiro de 1956........... 30
Março de 1956............. 32
Os devedores são pequenos empresários agrícolas.
Se considerarmos o que se passa no campo da produção pecuária verificamos, através das considerações e conclusões do aviso prévio do Sr. Deputado Nunes Mexia, que não é brilhante, nem mesmo suficiente, a situação do produtor.
A esse propósito afirmou o Sr. Deputado avisante, sobre a situação actual:
Não satisfaz a produção porque lhe não dá o preço justo, lhe não garante a absorção, quando tem para entregar, nas melhores condições, não tem preço que lhe permita fugir das entregas maciças, que rebaixam o valor, nem estímulo para produzir de melhor qualidade.
É oportuno também lembrar aqui o que sobre o assunto escreveu o Sr. Ministro das Finanças no seu preâmbulo da Lei de Meios de 1956.
Enfim, percorrendo toda a gama da produção agrícola, verifica-se que só um ou dois desses produtos — a cortiça e o arroz — se encontram com preços que de alguma maneira estão ao nível dos preços industriais.
Mesmo quanto a estes, anuncia-se considerável baixa no preço da cortiça, hipótese prevista pelo Sr. Ministro das Finanças no relatório da lei de autorização das receitas e despesas para 1956, e quanto ao arroz já há quem alvitre o seu rebaixamento — solução simplista e antieconómica pelo agravamento do desequilíbrio já existente na economia agrícola.
Todos os demais preços de venda na produção ou se têm mantido estacionários ou baixaram consideràvel-mente em 1954, como aconteceu com o preço do vinho e outros.
No entretanto a contribuição predial rústica subiu, como o demonstram as contas em apreciação e o afirma, no relatório que as precede, o Sr. Ministro das Finanças, quando diz:
Todos os impostos directos, com excepção do imposto sobre a aplicação de capitais, acusaram aumentos . . .
Perante estas realidades apontadas e tantas outras que poderiam apontar-se e ainda as perspectivas do fu-
turo pode concluir-se que não é animadora a situação do agricultor.
No já referido relatório, notável relatório com que o Sr. Ministro das Finanças abre a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1956, elaborou S. Ex.ª um quadro de «Estimativas de algumas, produções agrícolas em 1955» e sobre ele formulou o seguinte comentário:
Dos doze produtos considerados, unicamente três (arroz, vinho e azeite) apresentam colheitas superiores à média do último decénio.
A colheita do trigo, por muito baixa, terá a maior repercussão na economia do País, circunstância esta agravada ainda pelo facto de as demais produções de cereais, exceptuando o arroz, serem igualmente menores que as de 1954.
As condições climatológicas em que está decorrendo o ano agrícola de 1955-1956 fazem já prever que fracas serão as produções e mais se agravará a situação económica da agricultura.
Considerámos até aqui a situação do empresário agrícola.
Mas a esta anda soldada a do trabalhador rural, sobre o qual se repercute directa e indirectamente a situação económica do empresário agrícola.
Não tenho elementos que possa referir sobre os salários agrícolas nas várias regiões do País.
Mas os que colhi em relação ao Ribatejo mostram que a média do salário diário para os homens é de 22$ e para as mulheres de 12$.
Estes salários médios vêm-se verificando, sem oscilações sensíveis, desde 1944 para cá.
E é isto na região do País em que os salários rurais têm mais alto nível e em que, bem pode dizer-se, não há crise de desemprego, a não ser em épocas de grandes calamidades, como as provocadas pelas repetidas cheias — são já quatro — que no ano corrente têm submergido a várzea ribatejana.
No entretanto, de 1948 para cá o custo de vida tem subido acentuadamente, sentindo-se o maior agravamento nos produtos da indústria, que o trabalhador rural tem de adquirir: instrumentos de trabalho, artigos de vestuário, calçado, medicamentos, combustíveis para aquecimento e luz, etc.
Já em 1948 a Junta de Colonização Interna procedeu a investigações para determinar o nível de vida do rural português e chegou a conclusões que dão uma noção de qual seja.
Aqui vou referir o que consta do respectivo quadro, que é uma síntese com base em 176 monografias suficientemente representativas do País.
QUADRO N.º l
[Ver quadro na imagem]
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QUADRO N.º 2
(ver quadro na tabela)
QUADRO N.º 3
(ver quadro na tabela)
A França e a Inglaterra elaboraram orçamentos tipos, como objectivo a alcançar, que é o que consta do quadro seguinte:
QUADRO N.º 4
(ver quadro na imagem)
Verifica-se que cerca de 70 por cento do salário destas três classes de trabalhadores no nosso país lhes são absorvidos pela alimentarão, ficando a restante para satisfação de todos as demais exigências da vida.
Ora este índice 70 é o que foi registado para o operário português em 1917, como se vê do estudo do Prof. E. Lima Bastos, intitulado Níveis de Vida e Custo de Vida.
Se os salários que deixo referidos são os mais altos do País na classe de trabalhadores rurais, por aqui pode avaliar-se o poder de compra desta parte da população portuguesa, indiscutìvelmente a mais numerosa.
Os consumos hão-de ser necessàriamente baixos, quer dos produtos agrícolas, quer dos da indústria, com os correlativas consequências no mercado interno.
Por isso o 7.º relatório da Organização Europeia de Cooperação Económica (O. E. C. E.) destaca o baixo nível de vida da maioria da nossa população.
Sr. Presidente: as considerações que venho fazendo levam-me a concluir que se impõe ao Estudo olhar com especial atenção para a nossa vida agrícola, porquanto ela influencia, especialmente, toda a nossa vida económica.
Está em elaborarão, há anos, desde 1949, um plano de fomento agrário que, quando concluído e conhecido, poderá contribuir para dar indicações úteis à agricultura, divulgando a constituição dos solos e seu ordenamento, culturas mais adaptáveis e de maiores probabilidades de compensadora rentabilidade, apontando no campo da pecuária quais as espécies a preferir para cada região e esclarecendo, enfim, os agricultores sobre a forma mais racional de explorarem as suas terras.
Mas a verdade é que a respectiva carta agrícola e florestal, a carta pecuária, a curta dos solos e o ordenamento para que vários técnicos têm trabalhado não aparecem à luz do dia; e ao facto parece não ser estranha a deficiência de verbas, a despeito de o relatório das contas nos dizer que se gastaram mais «700 coutos pelos serviços agrícolas com as campanhas e tratamentos de sanidade vegetal, instalação de estações agrárias e estudos e trabalhos para a elaboração do plano de fomento agrário».
O plano de fomento agrário teve uma dotação de mais de 200 contos em relação a 1953; despenderam-se com ele, em 1954, 1200 contos.
O Sr. André Navarro: - V. Ex.ª dá-me licença? Devo informar V. Ex.ª de que ainda recentemente, ao dar posse à Comissão de coordenação dos trabalhos públicos na província do Alentejo, o Sr. Ministro das Obras Públicas fez referência aos trabalhos de prospecção efectuados por aquele departamento, em colaboração com o Plano de Fomento Agrário, os quais lhe tinham permitido antever um acréscimo sensível de cerca de 100 000 ha de terras de regadio.
O Orador: - Agradeço muito a V. Ex.ª a informação prestada e, se da colaboração entre o Ministério das Obras Públicas e o Ministério da Economia para a realização do Plano de Fomento Agrário alguma coisa de útil resultar, como é de esperar, só teremos que nos felicitar, bem como com as declarações que publicamente fez o Sr. Ministro das Obras Públicas sobre o assunto.
Também só agora se anuncia um plano de electrificação rural.
De desejar é que essa electrificação se estenda aos campos, onde a electricidade pode ter aplicação na exploração das terras.
A elevação de águas nas culturas de regadio, que tanto onera a produção pelas máquinas que impõe e
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combustível de importação que nelas se consome, podia rebaixar esses custos de produção.
Não basta dizer à lavoura que baixe os custos de produção e aumente a produtividade; é necessário facultar-lhe os meios.
Se bem considerarmos os factos, teremos de reconhecer que a lavoura ainda não auferiu benefícios directos do grande aumento de produção da energia hidroeléctrica verificado no País.
Sr. Presidente: torna-se necessário aumentar substancialmente as verbas de auxílio directo à agricultura; com isso lucrarão também substancialmente todas as demais actividades e a economia nacional, pois, como diz o parecer das contas, «um aumento da produção, absolutamente essencial ao País, só pode advir de melhorias apreciáveis no poder de compra das populações mais numerosas e mais atrasadas - que são, em última análise, na sua maioria as populações da província, conforme os dados do último censo ...».
O que deixo dito não significa que não reconheça o muito que se tem feito pelas populações rurais através dos vários sectores da administração pública, como as contas revelam e todos podemos testemunhar.
Pode dizer-se que por todos os compartimentos da administração pública cuja acção se repercute sobre as populações rurais foram aumentadas as verbas para serviços que directamente as beneficiam.
O parecer sobre as contas assinala e destaca justamente o facto.
Assim, pelo Ministério do Interior foram reforçadas visivelmente as verbas para a assistência e saúde públicas, respectivamente com mais 22 104 e 2227 contos do que em 1953, aumentos esses de que beneficiaram as populações rurais pela construção e apetrechamento de hospitais sub-regionais, assistência à maternidade e primeira infância, luta contra a tuberculose, serviços anti-sezonáticos, etc.
É de justiça salientar aqui o muito que ordenadamente a actual situação tem realizado pela saúde pública, cujos efeitos bem se têm feito sentir, como o revela o decrescimento da taxa de mortalidade, que, como diz o parecer, em 1954 foi de 10,94, taxa esta pela primeira vez atingida. A mortalidade infantil passou de 4,26 em 1930 para 1,94 em 1954.
Muitos de nós podemos dar testemunho, por conhecimento directo, de que os serviços da saúde pública vão chegando às nossas aldeias, com mais assistência médica, por meio do estabelecimento de postos médicos, nomeação de enfermeiras, parteiras, fornecimento de subsídio para medicamentos às classes pobres, etc.
Só é de louvar a acção persistente dos Srs. Ministro do Interior e Subsecretário de Estado da Assistência e de formular votos para que ela continue e se intensifique ainda mais.
Neste aspecto da saúde pública não pode deixar de referir-se o que se passou com a luta contra o sezonismo, grande flagelo que tanto martirizava as populações rurais e que hoje pode considerar-se extinto, mercê das providências tomadas pela actual situação política.
Pelo Ministério das Obras Públicas, também pelas populações rurais se espargiram largos benefícios, mantendo-se o ritmo de melhoramentos de toda a ordem estabelecido vigorosa e esclarecidamente pelo notável e sempre saudoso Ministro Duarte Pacheco.
Como consequência directa dessa obra muitos milhares de salários foram pagos a trabalhadores rurais e muitas indústrias da província puderam desenvolver-se e progredir.
A obra de melhoramentos rurais é, sem dúvida, um dos melhores títulos de nobreza da actual situação.
Neste aspecto, porém, é tempo de ela se acentuar mais intensamente nas nossas aldeias, onde ainda falta em tantas conveniente abastecimento de águas, regularização de caminhos, comparticipação na construção de casas, modestas mas higiénicas, para casais pobres que de novo se constituam.
Pois se isto se faz nas cidades e vilas, como há-de apetecer viver nas aldeias?
Também através da acção desenvolvida por este Ministério de alguma forma tem beneficiado a agricultura, pelas obras de hidráulica agrícola, da qual, segundo me parece, não se têm tirado todos os resultados económicos e sociais por falta de ajustado regime jurídico, que importa decididamente criar.
Falando em regimes jurídicos, uma vez mais relembro a necessidade de rever e actualizar a anacrónica legislação sobre serviços de hidráulica, que, como estão, pouco colaboram com a agricultura e antes, por vezes, lhe criam dificuldades e embaraços.
Podia e devia prosseguir na apreciação da interferência que tem na vida agrícola, no bem-estar e elevação das populações rurais, a acção de outros compartimentos da administração pública, designadamente dos Ministérios da Economia, da Educação e das Comunicações.
Sinto, porém, que, além de o tempo regimental o não permitir, me tornaria ainda mais fastidioso.
Não posso, assim mesmo, deixar de destacar, pelo Ministério da Educação Nacional, o impulso dado à criação das escolas técnicas na província e a Campanha de Educação de Adultos que assinalará para sempre o nome do seu iniciador, o Dr. Veiga de Macedo.
Quanto a escolas, técnicas, daqui me permito chamar a atenção do Sr. Ministro da Educação Nacional, que tão marcadamente assinalou a sua passagem por esta Assembleia Nacional, para a imperiosa necessidade de criar uma escola técnica de comércio e indústria na sede do distrito de Santarém, também capital da província do Ribatejo.
Ainda o parecer assinala que no Ministério da Economia foram reforçadas as verbas de quase todos os serviços.
Mas a verdade é que são exíguas as verbas para os serviços externos, ou seja aqueles que põem os técnicos em contacto directo com a agricultura, orientando e esclarecendo culturas e amanhos, familiarizando técnicos e agricultores, para que do recíproco conhecimento resulte mais confiança e melhor colaboração.
Há ainda muitos concelhos no País onde raramente aparece um técnico de agronomia ou de pecuária, quando é certo que seria muito desejável e profícua a existência permanente de um técnico de cada modalidade - agrónomo e veterinário - na sede de cada concelho.
A existência desses técnicos, com inspecções periódicas, em muito pode contribuir para aperfeiçoar e melhorar a exploração e rendimentos das actividades agro-pecuárias, com manifesto benefício para a economia nacional e para o bem-estar das populações rurais.
Neste aspecto não quem deixar de referir e louvar o que pela Direcção-Geral dos Serviços Pecuários se tem feito com a organização das campanhas profilácticas e de combate às várias epizootias, que tantos prejuízos causam à economia agrícola.
A vacinação gratuita e obrigatória contra o carbúnculo e a luta contra a tuberculose e a peripneumonia dos bovinos, a campanha da produção higiénica do leite e outras muito vêm contribuindo para evitar esses prejuízos e para dar trabalho, experiência e contacto com as populações rurais a tantos técnicos veterinários e pessoal auxiliar, que da remuneração desses trabalho carecem para viver.
Estas campanhas eventuais, em que hoje se empregam trinta e dois veterinários, também eventualmente con-
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tratados, além dos que fazem parte dos quadros permanentes, precisam de se intensificar e alargar, porquanto os resultados que com elas se obtêm são altamente profícuos para a economia nacional.
Sr. Presidente: termino estas mal articuladas considerações sobre as Contas Gerais do Estado.
Com elas quero especialmente chamar a atenção do Governo para a situação da agricultura, a vida das populações rurais e o poder de cumpra na província.
Salientando o muito que se tem feito, quero também fazer sentir que a agricultura e as populações da província anseiam ainda por mais e melhor e confiam que assim se fará.
Por mim concluo que a arção administrativa do Governo, que as contas revelam, foi benéfica para a comunidade nacional.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: ao iniciar as minhas considerações sobre as Contas Gerais do Estado, quer referentes à metrópole, quer referentes ao ultramar, posto que não seja técnico no verdadeiro significado da palavra, compreendo claramente o esforço, a vontade, a dedicação pela causa pública que o seu relator, o ilustre Deputado Sr. Eng. Araújo Correia, aliados à sua alta competência, eloquentemente demonstra no parecer agora apresentado.
Não posso deixar de patentear-lhe o meu sentimento de admiração e de louvor pela forma completa, criteriosa e digna como é feito o balanço das nossas actividades, reflectida com notável evidência no bom arranjo das contas, visto elas exprimirem com a máxima clareza a vida financeira do Estado, hoje isento das dificuldades que assoberbaram o Tesouro nacional.
E, falando de contas referentes a 1954, não pode esquecer-se o homem que a estas operações está profundamente ligado, pela alta função exercida como Ministro das Finanças dessa época - o Dr. Artur Águedo de Oliveira -, cuja conscienciosa, inteligente e bem orientada acção se torna bem patente em todos os problemas por ele tratados e desenvolvidos, sejam de natureza financeira, económica, cultural ou moral, visto tratá-los com a elevação e alta dignidade que sabe sempre pôr em todos os actos da sua vida pública, isenta da mais leve mácula. Seria ingratidão não lhe prestar neste instante a homenagem devida a tão primoroso carácter, às suas reconhecidas e admiráveis qualidades e virtudes.
Sr. Presidente: o parecer sobre as contas do Estado ocupa-se no seu n.º 61 da emigração e dos saldos fisiológicos. É desse problema, de tão alta importância e de tão grave influência na vida política, social e económica da Nação, que quero neste instante ocupar-me, embora sinta múltiplas dificuldades no desenvolvimento de uma exposição desta natureza, onde sociólogos e economistas encontram fortes motivos de apaixonante interesse nacional, para estudo de tanta valia na vida de um povo.
O acto emigratório - acto espontâneo ou mesmo forçado praticado pelo indivíduo - não encerra sòmente miséria, e quantas vezes é motivo de manifestações de grandeza, repercutidas na história dos homens, na vida da humanidade. E a emigração traz, pelo poder e pela influência que exerce, influência já demonstrada por determinadas massas populacionais que se deslocam, uma valorização do povo e da raça, dando oportunidade e origem à constituição e engrandecimento de países que no Mundo marcam lugar da mais alta preponderância.
O facto sucedeu com as Américas, aonde os povos do Velho Mundo levaram a sua civilização, a sua cultura, as suas aptidões, propulsoras das melhores iniciativas e do mais produtivo trabalho, fazendo desse novo continente um todo, onde as qualidades ancestrais dos povos colonizadores se afirmaram em toda a sua pujança, criando um conjunto de nações prósperas, felizes, em alto nível de progresso e vida social.
O exemplo dos Estados Unidos e do Brasil são bem expressivos como demonstração das palavras que acabo de proferir.
O problema da emigração - problema da actualidade - pode bem dizer-se ser problema de todos os tempos, do passado e do premente. Estudá-lo especialmente na parte que nos diz respeito, à face das realidades do momento, fazendo um pouco de história, procurando as causas que o determinam, as consequências que dele advêm, a acção perniciosa e favorável que ao mesmo tempo exerce no País, procurar-lhe remédio, protecção e organização compatível com os nossos recursos é tarefa meritória, que bem merece ser olhada nas suas consequências, visto estar-lhe ligado, em determinado grau, o interesse da Nação.
A história de emigração portuguesa encontra-se ìntimamente ligada ao movimento demográfico da sua população, ascensional na altura referida, que, aproveitando a reduzida extensão territorial que possuíamos, alargada depois à sombra das conquistas e dos Descobrimentos, fez de nós um povo de alto sentido colonizador. que deu ao Mundo novas terras, novas gentes e novas pátrias - nosso orgulho, fruto magnífico da compreensão, do esforço, da energia, da vontade, que nunca regateamos, pelo progresso e bem-estar da humanidade.
Há constantes históricas ou determinados factos que mio podem ser desmentidas ou desconhecidos como factores de alta projecção e finalidade concreta. E foi um desses acontecimentos históricos no Mundo, delimitando zonas de influência para onde as nossas correntes emigratórias foram levadas, dividindo-o em duas partes, que originou a demonstração, bem confirmada através dos tempos, das qualidades inerentes à raça lusa.
O Tratado de Tordesilhns, cuja assinatura é padrão indestrutível na história das duas nações peninsulares - Portugal e Espanha-, marca a época do nosso mais alto prestígio no Mundo. E dentro desse espírito principiou a nossa corrente emigratória a dirigir o seu afluxo, de preferência para o Brasil e para as colónias portuguesas; e a Espanha orientou-se então para os países que ficaram sendo conhecidos como hispano-americanos.
Tornando-se notável o aumento da extensão territorial de além-mar - zonas inexploradas, possuidoras de fabulosas riquezas-, este facto deu-nos oportunidade para resolvermos determinados problemas, proporcionando-nos soluções que até ali se tornavam difíceis.
E inicia-se então, em tempos tão remotos, na apresentação de dificuldades ligadas por vezes a causas de natureza política ou de natureza religiosa, a emigração de massas populacionais, heterogéneas nos seus sentimentos e nas suas aspirações, que em campos diferentes das suas actividades procuram a melhor forma de dar satisfação aos seus desígnios.
A população portuguesa em fins de 1954 acusava 8 705 232 indivíduos, número acrescido dos saldos fisiológicos de 1951 a 1954; estes saldos tinham nos catorze anos que vão desde 1951 a 1954 estes valores: 49 399, 6O 972, 76 214, 82 098, 93 535, 85 025, 90 051, 113 405, 94 771, 102 365, 102 397, 118 727, 104 675 e 102 448.
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As taxas de natalidade e de mortalidade estão ìntimamente ligadas à vida económica da Nação e à sua vida política.
Possuindo saldos excedentes, demonstrativos de uma natalidade que todos os povos, na compreensão dos seus deveres, pretendem elevada, o que corresponde a um aumento de potencialidade humana, índice de valorização, merecedora da melhor protecção nas condições de vida material, económica e social do povo, temos de dedicar a tal problema uma importância muito especial.
O Mundo pode dividir-se em três grandes grupos: nações que possuem um excedente de braços para o trabalho; nações que necessitam de braços e, portanto, precisam de absorver milhares de trabalhadores, e nações que possuem o número de trabalhadores suficientes paru as suas possibilidades de trabalho activo. Nós pertencemos ao primeiro grupo e temos, portanto, de recorrer à emigração.
Os nossos excedentes fisiológicos, influenciados pelo alongamento de vida pelos progressos da medicina, da higiene e da terapêutica, e não devidos ao aumento de natalidade, facto que largamente debati quando na Assembleia Nacional versei o problema da assistência materno-infantil, justificam a procura dos meios necessários ao melhoramento das suas más condições económicas.
Se os recursos faltam ou se existe uma insuficiência, como reflexo de mau clima económico, recorre-se à emigração, que pretende encontrar noutros países as condições mínimas para a manutenção da família.
Na verdade, são dificuldades quase sempre de natureza económica, que justificam o deslocamento para países distantes, tornando-se urgente a continuação no seu mais acentuado ritmo do aproveitamento de recursos naturais, na defesa de actividades agrícolas ou industriais, olhando o problema em toda a objectividade e imprimindo-lhe uma orientação mais firme e de harmonia com interesses comuns, que por vezes parecem olvidar-se.
Os nossos saldos fisiológicos poderiam, à face dos recursos que possuímos, ser considerados sem apreensões ou receios.
Posto que a natalidade tenha diminuído - e impõe-se o estudo e a combate às causas que a diminuem, visto vivermos em magnífico clima moral, orientado pela doutrina do Evangelho, não admitindo práticas contrárias à limitação da vida, crime cometido contra Deus, do qual resultam os maiores perigos para a sociedade, tão sàbiamente combatidos por S. S. o Papa Pio XII em memorável encíclica e em admiráveis exortações, plenas de nobres e admiráveis conceitos-, há que criarmos dentro dos princípios que seguimos a suficiência de meios para a multiplicação e continuação da maravilhosa instituição que é a família.
Temos de adoptar medidas que obstem à baixa da natalidade, contribuindo assim para darmos satisfação às exigências que no cumprimento do dever a Nação impõe.
Vejamos agora, Sr: Presidente, qual foi o movimento fisiológico dos últimos anos.
Assim, em 1900 a nossa população atingiu 5 423 132; em 1910, 5 960 056; em 1920, 6 032 991; em 1930, 6 825 883; em 1940, 7 722 152; em 1950, 8 441 312, e em 1954, 8 705 232.
Quer dizer: neste ritmo, dentro de um período de cinquenta anos, só houve uma quebra no aumento da população, por efeitos da guerra de 1914-1918 e ainda pela acção exercida quando da gripe pneumónica.
Os saldos fisiológicos apurados desde 1950 a 1954 são-nos dados pelos números seguintes, correspondentes aos respectivos anos: 102 365, 102 397, 118 727, 104 675 e 102 448.
Em 1954 o movimento fisiológico da população portuguesa foi constituído por 69 361 casamentos, 197 530 nado-vivos, 8110 nado-mortos e 95 008 óbitos, havendo, portanto, como já referi, um saldo de 102 448.
Pelos cálculos realizados por individualidades competentes, algumas das quais colegas nesta Câmara, como o Srs. Engs. Araújo Correia e Daniel Barbosa, há fortes motivos para crer que, dentro da normalidade de factos, deveremos em 1960 atingir uma cifra populacional muito aproximada de 10 milhões de almas.
E então, com uma densidade de população sensívelmente aumentada, muito especialmente nas províncias do Norte do País, na Madeira, nos Açores e ainda na Estremadura, região onde se encontra a capital, as preocupações aumentarão, visto milhares de homens necessitarem de actividade que lhes proporcione trabalho preciso para a sua sobrevivência e do seu agregado familiar.
Que fazer perante o problema de valorização da riqueza que o homem representa na humanidade?
Não podemos deixar de afirmar que o Governo não esquece o problema na sua conveniente solução, procurando o desenvolvimento de todas as fontes de riqueza, aproveitando e valorizando todos os recursos, factores de rendimento indispensáveis à melhoria económica do povo.
Temos de continuar em ritmo constante os esforços possíveis para, criando riqueza, lhe dar o melhor destino, fazendo mais equitativa distribuição do seu rendimento, para elevação do nível de vida.
O Estado procura novas actividades para os trabalhadores, reconhecendo-lhes direitos e garantias dentro dos princípios que nos governam. Há que trabalhar para que o nível de vida da nossa população adquira novo plano de melhoria.
E se assim não procedermos u emigração continuará em progressivo aumento, com todas as suas ansiedades, as suas ambições de bem-estar e tranquilidade económica, ambições e anseios realizados por muitos à custa de bem pesados sacrifícios.
E cabe aqui recordar o que Salazar afirmou com toda a sua autoridade, que não é mais que um programa a meditar e a realizar:
De 1926 a 1938 a nossa população do continente e ilhas aumentou cerca de 1 400 000 indivíduos - quase um quinto do total.
O solo está ocupado e não é fácil; salvo as terras aptas e destinadas à cultura florestal, as restantes estão aproveitadas e não é possível estendê-las; a sujeição a regadio pode, entretanto, melhorar o aproveitamento de algumas.
O subsolo, embora nalguma parte desconhecido, pode considerar-se pobre, sobretudo nos minérios e larga extracção e fundamentais para a economia moderna.
O clima é óptimo para viver, mas não igualmente bom para produzir.
Os rios são irregulares e o mar nem sempre é generoso e amigo.
Fechados os países americanos do norte e do sul à emigração europeia, deixamos de poder contar com esse derivativo para o excesso da nossa população, que na nossa casa temos de ir instalar para fazer viver.
Assim teríamos em breve aqui a generalização da miséria se não tivéssemos possibilidades de fazer crescer os recursos para troca, se o Mundo os recebe, para consumo, se, como previ, as dificuldades da economia geral aumentarem ainda.
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E então minérios, mesmo pobres, hão-de substituir metais importados; a energia dos rios tomará seu lugar ao carvão estrangeiro; a terra e o mar hão-de ser levados a desentranhar-se, a maior riqueza a absorver maior soma de trabalho.
Este teria de fornecer rendimento mais elevado, nem que não fosse se não para autuar em condições naturais sucessivamente mais difíceis. Mas nós queremos ir mais longe - pretendemos fazer subir o nível geral da vida.
Que admirável programa. Que extraordinária síntese do pensamento de um homem que ocupa no conceito mundial o lugar que lhe advém das suas eminentes qualidades de inteligência, carácter, superioridade de espírito, sempre na defesa dos direitos humanos e das necessidades da grei.
Sr. Presidente: o Governo, pelo Ministério da Interior, em cuja pasta o Sr. Dr. Trigo de Negreiros tem indelèvelmente marcado profunda acção, criou, pelo Decreto-Lei n.º 36 558, a Junta da Emigração, nas bases seguintes:
a) Estudar e propor superiormente as providências relativas à emigração;
b) Submeter à apreciação do Governo os princípios gerais de carácter técnico a observar nas negociações destinadas à celebração de acordos internacionais sobre emigração;
c) Definir as bases de contrato de trabalho, com o objectivo, não de se assegurar a defesa dos emigrantes, a fixação dum período de duração do contrato e repatriação, a previdência, indemnizações por doença e acidentes de trabalho, como também de garantir a remessa pelos emigrantes ou pagamento em Portugal (da parte dos salários);
d) Propor o contingente dos emigrantes autorizados a sair para cada país;
e) Propor para cada região e cada profissão o número dos trabalhadores autorizados a emigrar.
Estas bases, elaboradas com a amplitude de um critério são e absolutamente justo, representam um compromisso de garantia para todos aqueles que em país estrangeiro pretendem ganhar a sua vida e que na luta perdem a saúde e voltam à sua terra, desfrutando do benefício protector que o Governo, através da Junta, lhes proporciona.
Este problema merece o melhor louvor, visto a falta que havia de medidas legislativas protectoras daqueles que partiam para terras desconhecidas, o que originava muitas vezes graves delitos ou tragédias, numa ignóbil exploração realizada por indivíduos sem escrúpulos, atirando emigrantes para a maior das misérias. Não sucede hoje o mesmo, graças à jurisprudência em boa hora posta em vigor.
Sr. Presidente: em 1952, 1953 e 1954 o volume emigratório é-nos dado pelos quadros n.ºs 1, 2 e 3, que me dispenso de ler.
Pelas observações que fizemos, e que estão em harmonia com os saldos fisiológicos, os distritos que em 1954 forneceram maior número de emigrantes foram os do Funchal, Aveiro, Viseu, Porto, Guarda e Bragança - distritos do Norte do País, de grande densidade populacional e alguns de grande densidade na sua pobreza.
As percentagens sobre o total dos emigrantes são-nos dadas pelos seguintes números: 13,55, 12,90, 11,53, 11,09, 7,8 e 6,05.
Os maiores números de emigrantes retornados couberam aos distritos do Funchal e do Norte do País - exactamente aqueles que acusam maior emigração.
Quanto ao país de destino, continua sendo o Brasil o país preferido, o que sucede desde remotas eras - o Brasil, sangue de Portugal, grande e progressivo país, orgulho da nossa colonização, onde labutam com proveito milhares de portugueses, que têm dado valioso auxílio a problemas nossos.
A história da sua colonização e os resultados colhidos por Portugal no seu passado e ainda no seu presente bem mereciam largo comentário, visto ser para ali que corre a nossa corrente emigratória.
Assim, em 1953 foi de 81,03 por cento dos nossos emigrantes e em 1952 em percentagem maior se fez ainda essa emigração, constituída por operários dedicados à construção civil e ao comércio e ainda por agricultores, que na maioria dos casos não procuram actividades nos campos, concentrando-se nas cidades.
E esse êxodo agrava-se constantemente, e seria maior despovoando-se algumas terras, especialmente do distrito de Vila Real e mais ainda do de Bragança, onde o agricultor, quer seja operário quer seja rendeiro, ou pequeno lavrador, vive na luta quotidiana pelo pão que come, vida de sacrifício heróico, que requer legítima protecção e amparo.
Posto que a Junta da Emigração venha realizando uma grande obra, o que se torna necessário é que os indivíduos possuam uma preparação técnica conveniente, pois, além de analfabetos ou quase analfabetos, emigram sem possuir qualquer preparação especial no desempenho da missão a que se destinam.
Os especializados - pedreiros, carpinteiros, serralheiros, torneiros, em suma, operários da construção civil - lá como cá podem vencer, mas não se improvisam operários com competência nos diferentes ramos, visto que um trabalhador agrícola, conhecedor apenas dos princípios mais rudimentares da profissão, não pode ocupar funções pura que não foi criado e educado.
Deve-se à falta de preparação técnica, à falta de cultura, à falta das mínimas exigências que a vida lhe impõe para o seu triunfo a razão de muitos fracassos.
O problema adquire extraordinária importância e o emigrante necessita de uma preparação que lhe dê garantias, não lhe bastando a protecção que o Estado lhe confere, mas necessitando de adquirir, por si próprio, os conhecimentos indispensáveis ao exercício de uma actividade compensadora. Mas a emigração não se dirige sòmente para o Brasil, mas também para outros países novos, que precisam de gente para aumento de potencialidade das suas actividades, como o Canadá, o México, a Venezuela e a Argentina, países possuidores de grandes riquezas e em progresso.
O Canadá, para onde a emigração se iniciou pràticamente em 1953, é país de grandes possibilidades, que a Junta da Emigração estudou e apreciou convenientemente, estabelecendo um convénio onde trabalhadores nossos, especializados, foram colocados em plano de igualdade com operários de igual categoria canadianos, e assim no ano referido para ali se dirigiram em número de 179, atingindo em 1953 o número de 278 e em 1954, com o novo contrato esse contingente, atingiu 950.
Para os Estados Unidos dirigiram-se, respectivamente nos anos de 1951, 1952 e 1953, 676, 592 e 1455 indivíduos de profissão escolhida e em número limitado pelo Governo daquele país.
Para a Venezuela deu-se um movimento emigratório que os números indicam - 1410, 1608 e 3504 indivíduos nos anos de 1951, 1952 e 1953.
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20 DE ABRIL DE 1956 911
Nos mesmos anos para Curaçau, com contrato especial feito sobre a responsabilidade da Junta da Emigração, emigraram 612, 556 e 254.
Para a Argentina, 1994, 1447 e 784, sendo a causa da baixa em 1953 devida à desvalorização da moeda,
Sr. Presidente: temos de encontrar remédio para a emigração. O programa a estabelecer gira à volta do aperfeiçoamento técnico da nossa agricultura, do aproveitamento da nossa riqueza pecuária, da colonização interna dos nossos territórios, obra de notável aproveitamento em franco progresso, através da Junta de Colonização Interna, dentro do Plano de Fomento.
Temos de fazer o melhor aproveitamento do nosso potencial de energia eléctrica e dos jazigos minerais, de tão grande valor, que possuímos. E a agricultura e a industrialização do nosso país, uma e outra orientadas num espírito de verdadeira compreensão das necessidades humanas, sem condicionalismos comprometedores, são fontes de riqueza, a todos podendo proporcionar melhor vida material.
Mas, Sr. Presidente, a saúde, o equilíbrio e o vigor de um povo na sua vitalidade não estão muitas vezes em proporção ou relação com a grandeza do seu território, com a extensão do espaço que ocupam.
Dá-se mesmo o caso de povos pequenos gozarem de uma maior prosperidade e de uma mais intenda actividade, possuindo um maior poder pela sua unidade e coesão orgânica. E esse facto bem poderia dar-se com o nosso país, onde existe verdadeira unidade nacional.
Posto que tenhamos de recorrer à emigração para solucionar o problema de saldos fisiológicos, podemos, valorizando-os nossos territórios, quer na metrópole, quer no ultramar, resolver muita dificuldade.
Sr. Presidente: possuímos um império vastíssimo espalhado pelas cinco partes do Mundo.
Terras onde encontramos o lugar próprio para o escoamento, com melhor proveito dos nossos excedentes fisiológicos, e onde se torna necessária a presença, em larga escala, de colonos portugueses.
Nas novas províncias ultramarinas, e especialmente em Angola e Moçambique, não nos faltam recursos tão necessários à resolução de problemas económicos e sociais de tanta actualidade.
No seu estudo, na organização, na sua planificação, numa palavra, na competência dos seus técnicos e no tino administrativo dos seus dirigentes reside o bom aproveitamento económico de imensos territórios onde as qualidades da raça tão bem se afirmaram já.
Salazar afirmou ser necessário, além da emigração para as colónias, na solução do problema demográfico, a mais intensa industrialização do País.
Assim é na verdade. Temos de valorizar todos os nossos recursos, em progressivo aumento, e enviar para o nosso império ultramarino, colonos adestrados para, nas suas diferentes actividades, actuarem com melhor proveito.
Para tanto precisamos de estudar convenientemente esses diferentes territórios, entregando-os a pessoas competentes no conhecimento das culturas a empregar, da humidade existente, da incidência solar, etc, visto que tudo isso indicará aos colonizadores o caminho a seguir para bom aproveitamento da sua acção.
A higiene ligada com habitat de vida; o clima, a defesa contra agentes parasitários, patogénicos, tem de prosseguir, hoje em estado de grande adiantamento pela competência manifestada pelos nossos médicos higienistas.
O número de colonos que demandaram o ultramar é insignificante comparado com os nossos excedentes demográficos. Julgo que esse movimento teria sido em 1953 e em 1954, respectivamente, de 39 696 e 37 731, mas, se assim é, o número é insuficientíssimo perante o exigido pelo nosso interesse, pelo interesse nacional.
Pelo Fundo de Colonização, criado em 1945 pelo Sr. Dr. Marcelo Caetano, tinham emigrado para as nossos províncias ultramarinas até 1951, em média anual, 2000 indivíduos, número que deve ter crescido extraordinàriamente nos últimos anos.
Sr. Presidente: para os economistas o crescimento da população assume notável significado pelas repercussões sentidas em face dos rendimentos pessoais e dos rendimentos da comunidade.
O crescimento da população envolve um acréscimo das suas necessidades. O aumento de produção para poder estabelecer relativo equilíbrio tem de manter-se em harmonia com o crescimento populacional.
Nós pertencemos ao número dos países que tiram da sua agricultura o maior proveito, empregando oa seus rendimentos, essencialmente agrícolas, na aquisição dos produtos de que carecemos, produtos manufacturados pelos chamados países industriais.
Os excedentes da população têm de ser utilizados de acordo com a produtividade necessária aos seus meios de subsistência, e quando a sua densidade se toma maior o problema atinge maior acuidade e a emigração vem trazer uma parte da sua influência na distribuição desses excedentes. Mas a emigração não é solução definitiva para o problema duma população em plena reprodutividade.
E dá-se até o facto curioso de serem os indivíduos mais necessários à vida de um povo, aqueles que possuem melhor valia técnica para o trabalho, os especializados, que obtêm maiores facilidades para poderem emigrar, levantando-se as maiores dificuldades aos que são menos aptos, o que é também, em meu entender, a sua própria defesa.
Nós, portugueses, encontramo-nos em condições especialíssimas, visto possuirmos recursos que podem compensar qualquer excesso populacional.
E para Angola e para Moçambique, como já afirmei, podemos encaminhar os nossos emigrantes, certos como estamos, de que a mão-de-obra é ali bem precisa e que o trabalho do branco é, no seu produto, incomparàvelmente superior ao trabalho do indígena, ao trabalho do negro.
A emigração, como afirma um notável economista nosso, não é mais que um simples movimento de trabalho em direcção ao capital. E na emigração para as nossas províncias ultramarinas, na sua colonização, há muito a fazer para lhe tornar possível um ambiente económico, social e físico que se torna necessário à vida do colono ou do emigrante português.
Se a agricultura é insuficiente, se a colonização dos nossos territórios ultramarinos não basta, fie o aproveitamento das nossas riquezas metropolitanas e de além-mar não são suficientemente aproveitadas, teremos de rever a complexidade dos problemas, que, não sendo insolúveis, impõem um estudo profundo e aplicação de capitais, a fim de podermos substancialmente tirar um lucro bastante em relação à nossa densidade populacional.
Portugal de hoje é um Portugal bem diferente de um passado que não vai distante.
Podem os maldizentes, os críticos de má fé, os portadores de doutrinas dissolventes, incompatíveis com a noção de Pátria que nós possuímos, os que tanto especulam com as actuações, quer sejam boas ou más, tudo lhes servindo para exploração social ou política, na sua ânsia de deturpação dos factos, não verem, por assim o quererem, a renovada transformação operada em todos os sectores da vida nacional.
Mas, seja como for, pensem ao sabor das suas incompreendidas conveniências, a verdade é que a obra efec-
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912 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 144
tivada, podendo ser maior, é ainda tão grande que cega os que, tendo olhos para a ver, os fecham, mantendo na sua provocada ou simulada cegueira um desconhecimento de realidades que não mais poderão apagar-se.
Sr. Presidente: a industrialização, problema da mais palpável actualidade, é também fórmula a adoptar para combate à emigração. A criação de novas indústrias na metrópole e no ultramar, com equipamentos bem actualizados, como algumas das que possuímos, é factor e meio para escoamento dos nossos saldos fisiológicos.
Temos de fomentar a instalação e o desenvolvimento de indústrias que nos forneçam muitos dos produtos que importamos, causando relativa sangria no erário público e particular, desequilíbrio na nossa balança económica, obrigando-nos à exportação do ouro de que necessitamos para manutenção da nossa saúde financeira.
O Estado, nos financiamentos feitos a favor de uma obra industrial de notável relevância, no auxílio dado ao seu aperfeiçoamento técnico para aumento de produção e de riqueza, no melhor aproveitamento da mão-de-obra nacional, no estabelecimento do equilíbrio entre a produção e a procura, numa regularização legal, rigorosamente concebida e estudada, vem demonstrando o interesse ligado à industrialização do País.
Todas estas questões comportam graves e delicados problemas em que a indústria e o comércio têm de colaborar como auxiliares e grandes esteios da obra económica e social que o Estado vem realizando, não isenta totalmente de defeitos, para o bem e para o progresso da colectividade.
Possuímos riqueza agrícola, riqueza hidrológica, detentora de potencial eléctrico do mais alto valor.
Riquezas minerais espalhadas pelo nosso império; três notáveis elementos cujo aproveitamento contribuirá para equilíbrio dos nossos saldos fisiológicos, que não podem nem devem ser reduzidos ou combatidos por formas contrárias à vida.
Não nos faltam meios que nos garantam as mais fortes possibilidades num maior engrandecimento económico a que aspiramos e pelo qual trabalhamos com o maior empenho.
Juntemos a esses meios a industrialização daquelas zonas do País mais pobres e mais carecidas de recursos; daquelas populações que vivem dominadas pela miséria, que sofrem as inclemências da falta do que lhes é indispensável à vida, não possuindo meios de trabalho para poderem adquirir aquilo que necessitam.
E trabalhando em favor de todos, numa melhor repartição de riqueza, pela aplicação de uma justiça social contida na doutrina cristã, dignificando o ser humano na integralidade da sua personalidade, lutamos por um Portugal que, estendendo-se do Minho a Timor, possui recursos suficientes para criar, educar e proporcionar meios de trabalho a todos quantos os procuram nesta Pátria sempre protegida de Deus.
E, Sr. Presidente, para terminar, declaro dar o meu voto ao parecer elaborado sobre as contas de 1954.
Tenho dito.
Vozes : - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Antes, porém, convoco a Comissão de Política e Administração-Geral e Local para segunda-feira, 23, às 14 horas e 30 minutos, para estudo do projecto de proposta de lei sobre organização geral da Nação para o tempo de guerra.
Amanhã haverá sessão, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 25 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Aurélio Pereira da Conceição.
Américo Cortês Pinto.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Calheiros Lopes.
António Camacho Teixeira de Sousa.
Carlos Mantero Belard.
João Maria Porto.
Joaquim Mendes do Amaral.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Vaz Monteiro.
Teófilo Duarte.
Venâncio Augusto Deslandes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão
Abel Maria Castro de Lacerda.
Agnelo Ornelas do Rego.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
António Carlos Borges.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Rodrigues.
António Russel de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Herculano Amorim Ferreira.
João Afonso Cid dos Santos.
João Cerveira Pinto.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Botelho Moniz.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Rui de Andrade.
Tito Castelo Branco Arantes.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
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30 DE ABRIL DE 1956 913
Quadros a que se refere o discurso do Sr. Deputado Urgel Horta:
QUADRO N.º 1
Volume de emigração - 1952
Número de Continente:
emigrantes
Aveiro ..................... 5 052
Beja ....................... 54
Braga ...................... 2 802
Bragança ................... 3 562
Castelo Branco ............. 370
Coimbra .................... 2 806
Évora....................... 35
Faro ....................... 858
Guarda...................... 3 101
Leiria...................... 1 777
Lisboa ..................... 977
Portalegre.................. 55
Porto....................... 5 600
Santarém ................... 626
Setúbal..................... 133
Viana do Castelo Vila Real.. 2 214
Vila Real................... 2 910
Viseu....................... 5 791
Ilhas adjacentes:
Angra do Heroísmo ........... 131
Funchal. .................... 6 968
Horta. ...................... 12
Ponta Delgada ............... 401
QUADRO N.º 2
Frequência emigratória
(ver quadro na imagem)
QUADRO N.º 3
Saldos fisiológicos, emigração, movimento com o ultramar - Percentagens
(ver quadro na imagem)
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA