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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 146
ANO DE 1956 23 DE ABRIL
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.º 146, EM 21 DE ABRIL.
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - O Sr. Presidente informou estarem na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das Finanças em satisfação de um requerimento apresentada pelo Sr. Deputado Pinto Barriga na sessão do 8 de Fevereiro findo, os quais furam entregues àquele Sr. Deputado.
Recebeu-se também na Mesa, para os efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, e enviado pela Presidência do Conselho, o Diário do Governo n.º 78, 1.ª série, de 18 de Abril, e qual insere o Decreto-Lei n.º 40 575.
Usou da palavra o Sr. Deputado Mário de Figueiredo, que deu explicações sobre uma intervenção do Sr. Deputado Bartolomeu Gromicho na sessão de 18 do corrente.
Ordem do dia. - Continuou a discussão sobre as Contas Gerais do Estado, das províncias ultramarinas e da Junta do Crédito Público.
Usaram da palavra ou Srs. Deputados Águedo de Oliveira, Carlos Mantero, Castilho Noronha, Furtado de Mendonça, Cymbron Borges de Sousa e Araújo Correia.
Foram presentes na Mesa propostas de resolução sobre as Contas Gerais do Estado e das províncias ultramarinas e sobre as contas da Junta do Crédito Público.
Postas à votação, foram aprovadas.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente : - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Cortês Lobão.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
Artur Águedo de Oliveira.
Augusto Cancella de Abreu.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
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João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luísa de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Maria Vaz.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Leonor Corrêa Botelho.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Tito Castelo Branco Arantes.
Venâncio Augusto Deslandes.
O Sr. Presidente: - Estão presentes os Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 18 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das Finanças em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Pinto Barriga na sessão de 8 de Fevereiro findo.
Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Está também na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Diário do Governo n.º 78, 1.ª série, de 18 do corrente, que insere o Decreto-Lei n.º 40 575.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: é contra a minha orientação na vida utilizar a posição política para justificar actividades privadas ou de empresa privada. Não creio que esta orientação me iniba de referir factos, nem sobre eles emitir juízos críticos. O que vou fazer é apenas referir factos.
Fez-se uma reorganização de serviços na C. P. Dessa reorganização resulta que os escritórios das secções de via e obras (mas não os recintos que representam espaços ou locais de armazém) foram concentrados nas sedes das três zonas que passam a dominá-los - Campanhã, Lisboa e Barreiro.
Isto quer dizer que desaparece o serviço que prestavam nas secções. Assim, os empregados que não puderem ser utilizados nas sedes das secções terão de ser transferidos.
Tem-se procurado transferir os que o pedem; e tem-se demorado a execução da reforma, de modo a procurar reduzir ao mínimo os prejuízos que naturalmente resultam das mudanças de local de trabalho. Assim continuará a proceder-se. As deslocações previstas, para se não ficar com funcionários sem trabalho, são as que constam do mapa que passo a ler.
Os números representam o máximo a transferir, que certamente não será atingido e que se procurará, quanto possível, preencher gradualmente, e em primeiro lugar, pelos que pedirem a transferência.
Pessoal da escritório das secções de via e obras
[Ver Quadro na Imagem].
Total a transferir:
Para Campanhã ................... 16
Para Lisboa-P ................... 28
Para Barreiro ................... 16
60
Portanto, o total máximo a transferir, nos escritórios das secções de via e obras, é de sessenta funcionários, que, como disse há pouco, são transferidos gradualmente, e só para não ficarem sem trabalho nas sedes das secções.
Aqui têm VV. Exas. os factos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre as Contas Gerais do Estado, das províncias ultramarinas e da Junta do Crédito público referentes a 1954.
Tem a palavra o Sr. Deputado Águedo de Oliveira.
O Sr. Águedo de Oliveira: - Sr. Presidente: publicou o parecer da Comissão de Contas uma introdução de vários parágrafos que resume as vistas económico-financeiras do seu autor, larga e anualmente espraiadas, o que facilita, este ano, levantar alguns pontos essenciais numa matéria intrincada, que nem sempre se apresentará com o rigor, notas, chamadas e aparato científico usual nesta ordem de estudos.
Trabalha aquela Comissão em perfeita segurança.
Em Agosto do ano passado foi apresentada a conta com seus pormenores. Foram fornecidos, pelo Ministro
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das Finanças, todos os detalhei verdadeiramente relevantes ila gerência. Nessa altura estavam distribuídos todos os balanços nacionais e internacionais que focam as circunstâncias em que se desenvolveu o ano económico e financeiro e fornecidos os elementos pelos quais se verificava como o dominaram a conjuntura iterai e os factores políticos.
Temos, assim, alguns dias para proceder, por nossa vez, ao estudo de um trabalho que pela sua dimensão e pormenor se poderá chamar exaustivo e documentado.
Já há muito tempo que, anualmente, sistematicamente, e sobranceiro também, o ilustre presidente relator, não tomando parte em debates orçamentais e quaisquer discussões, obtém uma altura que lhe permite valorizar os seus pontos de vista a "posteriori e ainda exercer o direito de, na tribuna, acrescentar sobre a conta novas e inesperadas observações.
Devo louvá-lo pela sua ingente tarefa de analisar e discutir, pela sua atitude revisora, pela magia do seu estilo, porque é uma voz independente e sincera, que não se limita a acrescentar um ámen ao fácil coral de louvores e que tem dado evidentes provas de isenção na vida pública.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Se bem interpreto, o seu desejo essencial consiste em alargar os meios financeiros para os pôr ao serviço dos seus critérios e das ideias técnicas e políticas do seu programa de obras públicas - com meios abundantes, certos esquemas que ainda não obtiveram favor ou prioridade oficial poderiam ser realizados, seguindo-se daí as melhorias e progressos que o ilustre Deputado prevê.
Assim o Tejo, agora o Cuanza, com seus biliões ... páginas e páginas, onde também, por vezes, problemas inquietantes como a Cela vêm referidos com duas únicas palavras, mas nas quais os esquemas preferidos alcançam largos capítulos e mostram as predilecções do engenheiro, do construtor social, do homem público.
Se li bem, em todos os pareceres subsiste a mesma preocupação - finanças abundantes e dóceis para serem postas ao serviço de um novo e mais vasto plano do fomento!
Nada direi agora tecnicamente - mas, politicamente, devo anotar que tais programas e esquemas de obras públicas ainda não obtiveram, aqui e nos altos corpos, o acordo necessário para o seu triunfo legal e solene consagração.
Devia estar atravessando uma clareira de silêncio.
Vou dizer porque preferia calar-me.
Creio que os que de perto seguiram os meus trabalhos, a dinâmica imprimida, a dedicação ao serviço nacional, e viram a amplitude do esforço correspondente não me negarão o direito a uma clareira de silêncio, de meses e meses, e a um repouso bem ganho, quanto à isenção temporária das discussões financeiras: ainda que nos regimes modernos sejam obviamente, devidas explicações ao País.
Havia, portanto, que deixar julgar politicamente esta conta de 1954 em plena tranquilidade e podia, em minha consciência, permanecer alheio ao debate, como tantos fazem, o abrir apenas uma excepção para registar a circunstância de favor de ser a primeira vez que solenemente as contas do ultramar sobem à sanção da Assembleia, pelo que são devidos louvores ao departamento respectivo, à Fazenda e à contabilidade das nossos províncias de além-mar.
Alguma coisa haveria de dizer a este propósito no sentido de obter as melhorias indispensáveis, rapazes de afinar o processo e tornar menos falível a decisão constitucional.
Preteria, cumprido este dever de cortesia parlamentar e esta atenção quase profissional, remeter-me ao silêncio, aguardar que a marcha dos acontecimentos aclarasse ideias, factos e juízos; corrigisse o que deveria corrigir-se; rectificar o que houvesse a rectificar; encontrar confirmação no que o aguardasse e que abrisse uma nova política para poder ser discutida, embora neste cantão o essencial que permanece, a herança que se mantém intacta e o acervo de deveres que vem do longínquo 1928 não possam ser facilmente postergados.
O que era mesmo uma esperança poderia apresentar-se como um direito.
A Assembleia votou deliberadamente a Lei de Meios. Foram-lhe facultados vários elementos para o fazer. Mantive contacto assim as suas comissões, como era o seu direito e o meu direito. Foram horas de estudo. Nenhum dos membros da sua Comissão formulou reparos ou contrapôs nessa altura aos intuitos construtivos outros intuitos construtivos. Ficámos desta sorte solidariamente responsabilizados na generalidade do esquema das receitas e na previsão das despesas, e, portanto, havia que discutir parece-me respeitosamente - a execução dada às leis orçamentais e à maneira como foram utilizadas as autorizações parlamentares conferidas.
Por outro lado, a Comissão, depois do longo e relevante trabalho apresentado, findou ns seus estudos e apreciações de duzentas e trinta e oito páginas sobre a Couta Geral do Estado, a que se obstina a chamar Contas Gerais, com verificações e quatro conclusões que abonam e sancionam a gerência financeira de 1954 e que no fundo querem significar que tudo estava bem.
Além de que grande parle dos reparos, dúvidas o apontamentos críticos feitos na exuberância do texto, e que não impressionaram os ilustres membros da Comissão, se dirigem à política geral do fomento, da economia e das obras públicas e como tais devem suscitar a atenção dos membros desta Assembleia, especialmente qualificados e rum exercício de maior autoridade política do que a minha.
O ano de 1954 foi francamente favorável nas situações e de resultados satisfatórios não sou eu que o afirmo, a despeito daqueles senões que adiante referirei. O relator das contas pinta-o com tintas bastante escuras e a sua visão pessimista retrospectiva não coincide com os documentos de responsabilidade que dão balanço aos factos sociais e económicos da gerência.
O relatório do Banco de Portugal (pp. 72 e segs.) refere-se à gerência em termos benignos, visto que foi um bom ano.
Podia apontar outros elementos sérios.
O pessimismo estampado logo na primeira página também não coincide com as noções críticas da O. E. C. E., porquanto esta última louva, mais uma vez, a solidez financeira e monetária, não discute nem diminui os conceitos fundamentais do Plano de Fomento da industrialização.
Tão elevado organismo absolve as finanças da excessiva dependência da procura efectiva externa e da timidez e relatividade do investimento privado, que, segundo ela, estão na origem do coeficiente baixo de industrialização e da nossa fraca produtividade agrícola.
As finanças do Estado Português são postas em causa porque consentem numa expansão irregular do rendimento nacional, com um imposto directo que a não corrige ou rectifica.
Ainda afirma a O. E. C. E., em conclusão, que a chave dos problemas de subemprego e do teor da vida
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não podem estar somente, exclusivamente, nas intervenções do Poder, mas encontram-se a cargo de todos os sectores.
Para economista ou financeiro o raccourci feito do ano de 1954 parece demasiadamente estreito, porque nele não avultam nem são referidas duas circunstâncias - decisivas, formidáveis - capazes de produzir as mais violentas repercussões. Vou enumerá-las, Sr. Presidente, para se ver se elas deveriam ter ficado no tinteiro, como ficaram.
A atenção da Câmara devia ter sido chamada para duas circunstâncias de tomo:
A primeira é a seguinte: os homens públicos do imundo ocidental passaram os primeiros meses do ano vigilantes, inquietos e aguardando o esclarecimento do horizonte.
A economia norte-americana, grande compradora e auxiliar das economias ocidentais, atravessava uma fase de contracção que se manifestava na queda do rendimento nacional, no declínio da produção industrial e nas oscilações dos preços, por grosso.
Havia por isso dois receios: que a conjuntura se difundisse pelos demais países e que levasse a afrouxar ou a suspender o auxílio e as compras do lado do dólar.
Além disso, para caracterizar a situação no 1.º semestre empregava-se uma palavra cujo sentido não seria perfeitamente entendido pelas massas - récession, recessão.
Queria-se dizer mais que pausa, contracção acentuada, com paragem nos investimentos e até descapitalização de stocks.
Embora os dirigentes proferissem, de quando em quando, palavras tranquilizadoras, embora os advisers se mostrassem optimistas, as políticas financeiras, as execuções orçamentais, nesse 1954, tiveram de revestir-se de cautelas e prudência s, à espera da «recessão» que ameaçava e houve a sorte de não ver convertida em triste realidade.
A segunda, devo lembrá-la com desgosto e já não pode ser eliminada da história da injustiça e do direito: certas circunstâncias de ordem internacional forraram a precavidas despesas, atordoaram no primeiro choque a bolsa e empalideceram alguns dos nossos capitalistas.
Estas circunstâncias, decisivas na vida de um pai» que quer viver livre e sem mácula, não podiam deixar de exercer também repercussão psicológica e positiva nas políticas em marcha.
Uma e outra não deveriam esquecer-se na crítica - embora os homens do Governo não fossem obrigados a proclamá-las clamorosamente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Portanto, ao rever o desenvolvimento da vida financeira nesse ano já distante de 1954, a atenção da Câmara terá de destacá-las com evidência.
Sem ruído nem espectaculosidade, para além das reivindicações jurídicas da consciência alarmada e da queda momentânea dalguns papéis, tudo se passou com grande sossego porque as medidas militares e financeiras tinham sido precavidamente organizadas.
Querer num tal ano uma política reformadora das despesas, simultaneamente inflacionista e liberal, não parecia perfeitamente autorizado.
Assim, em face destas duas circunstâncias, cias perspectivas de crescentes encargos militares, que recomendava a estratégia da economia pública?
Que se conservassem disponibilidades prontas para remediar as circunstâncias de emergência e que esse aprovisionamento fosse ainda o bastante para recorrer, se necessário, a novos levantamentos no mercado dos capitais.
Quando se fala em despesas militares tem de se confessar corajosamente que elas limitam o investimento produtivo e que são, de certo modo, superiores às forças dos países com possibilidades limitadas e recursos não inteiramente aproveitados.
Devo referir-me à facilidade com que se estabelecem alguns conceitos político-ilusórios.
Tanto a estabilidade financeira como a monetária, pelos seus efeitos psicológicos, não geram menor dose de ilusões do que os ventos contrários da inflação e da deflação.
Os valores estáveis, a mudança lenta em dois sentidos dos preços e das cotações, a perdurabilidade de certos critérios na vida financeira e nos negócios, dão a falsa aparência de lentidão na vida e de fraqueza no progresso social, a ilusão do príncipe Jacinto, ao ver o carvalho secular de Tormes - tudo tão lento ...!
Contrariamente, a inflação, com sua momentânea actividade febril, as suas melhorias aparentes e a ilusão da abastança e felicidade geral, cega e deslumbra e não deixa ver a revolução profunda na repartição dos rendimentos, os prejuízos irreparáveis, o confisco dos rentistas e da classe média - a mão esquerda dando à mão direita, enquanto os preços sobem, como diria Adão Smith!
Sou bastante delicado para não estabelecer confrontos com os países onde o desequilíbrio gerou a inflação e a inflação acarretou prejuízos e dificultou a vida com o exterior e de novo se reclamam economias. Basta a prática actual dos estados para esclarecer o problema.
Mas notarei que a estabilidade* apresenta as vantagens que sabemos, facilita o progresso real e não tolera os erros e as ilusões dos inflacionistas, pois que a natureza das coisas acaba por pô-los bem à vista, com seus prejuízos sem restauro possível.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Nesta ordem de ideias, há muita ilusão em supor que os saldos de uma balança de pagamentos externos representam poder de consumo adicional do país.
Não são as finanças públicas que coordenam o comércio exterior, como coordenam o orçamento; não obstante as alfândegas dizerem uma palavra, a tarefa principal é de outrem.
A capacidade de compra poderia ampliar-se apenas no exterior, na medida em que se não trate de capitais em regresso, colocações ou investimentos, transferências para depósito, seguros e outros elementos visíveis ou invisíveis que não tomam a forma de rendimento consumível.
Reporto-me agora a um problema essencial - o coeficiente de desvalorização monetária de 1938.
Fazendo conta à alta geral do custo da vida ou às cotações mais elevadas do preço do ouro como medida universal, têm-se tirado daqui duas falazes ilações: a de que as receitas públicas só nominalmente acompanharam a marcha dos índices; e que as despesas públicas estão muito aquém do que autorizaria um singularizado reajustamento financeiro, destinado a retomar os níveis anteriores e suplantá-los.
Como todas as falsas ideias claras, como todas as simplificações unilaterais, esta maneira de ver seduz, aninha-se entre os conhecimentos genéricos e superficiais e arrebata para quem rapidamente tente pôr
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termo a deficiências e faltas ou levante a âncora para vogar no desconhecido. E serve ainda para autorizar novos escritos e críticas.
Defender a legitimidade duma tal teoria seria o mesmo que autorizar a possibilidade política e económica de multiplicar a base do imposto ou as suas taxas como reposição perfeita das situações anteriores à guerra mundial.
A hipótese dum reajustamento em massa, duma correcção puramente estatística, está proibida pela teoria e está proibida pelas consequências fatais a que se seria conduzido.
Não pode haver reajustamento maciço porque as coisas se comportam hoje duma forma muito diversa do que se comportavam no pré-guerra.
Imagine-se o que seria obrigar a ceder ao coeficiente 286 os 100 de 1938.
Como iriam pagar tamanhos impostos os exportadores em dificuldades, os produtores que não vêem melhorar o resultado dos seus empreendimentos, os pequenos contribuintes a quem o sector privado e o semipúblico exigem elevadas rendas de casa e encargos de , a espécie, os que recebem rendimentos fixos dos capitais e dos títulos - sobretudo como iriam pagar três rezes exactamente os tocados, atingidos e confiscados pela conjuntura e inflação geral.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas há mais: é que o imposto, as taxas e contribuições especiais não recaem apenas sobre o rendimento, atingem o capital, a circulação, as transacções, os negócios jurídicos, e ainda que aqueles pudessem triplicar por hipótese, estes haveriam de comportar-se na prática por forma bem diversa.
Mesmo as tributações directas sobre o rendimento não rendem geometricamente como poderia supor-se aos multiplicadores. Há aqui problemas de sensibilidade fiscal, reacções fatais da natureza humana, consequências da ordem natural das coisas, que não permitem que um imposto multiplicado por três renda outro tanto, visto quê pode produzir menos que isso o até uma taxa moderada pode ter o condão de fazer entrar nos cofres públicos mais do que uma taxa agravada ou de progressividade acentuada. Deixo de banda problemas de justiça fiscal, porque tenciono referir-me a eles adiante.
Continuando a discutir o reajustamento maciço à ordem de um coeficiente, acrescentarei ainda: os reajustamentos maciços provocam novas quebras do valor da moeda.
No dia em que algum estadista se afoitasse a anunciar a duplicação ou a triplicação dos impostos desencadearia, sem querer, nova vaga altista de preços e, quando chegasse à altura das cobranças, o Estado receberia numa moeda que haveria perdido grande parte do seu valor.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Posta de lado, por absurda, esta correcção em grande escala, vamos ver agora, em generalidade, o que se passou quanto a receitas fiscais de 1938 a esta parte.
A julgar pelos quadros várias vezes expostos à Assembleia esta Comissão de Coutas, as receitas leriam diminuído de 1938 a 1944, e em 1945 iniciar-se-ia um movimento cauteloso de ascensão para as reconduzir ao nível originário e que dalguma forma teria suplantado as posições.
Parece, pois, que a crítica é muito a posteriori. Mas o caso há-de ver-se melhor dos índices de aumento de 1938 para 1953, gerência anterior à discutida.
Os aumentos, partindo da base 100, eram estes:
Predial rústica ............. 124
Predial urbana .............. 208
Industrial .................. 317
Profissional ................ 471
Aplicação de capitais ....... 369
Complementar ............. .. 540
Sucessório .................. 270
Sisa ........................ 213
Selo ........................ 304
V. Ex.ª, Sr. Presidente, e a Câmara conhecem a complexidade das situações e eu terei ocasião de me referir ao que se passa com a predial rústica em outro lugar.
Vê-se que só esta contribuição não acompanhou o movimento dos rendimentos. Deixo de Lado o sucessório que atinge o capital e a sisa porque essa é a própria actividade privada em circulação que dita a expressão dos seus resultados e os impostos aduaneiros, que são função directa das trocas internacionais e não correspondem a qualquer indicador de faculdades.
Mas darei aqui algum apontamento rápido porque só esse me é consentido pela tirania do tempo.
A indústria não rende ainda o que devia render, em virtude das isenções concedidas às novas indústrias, ao abrigo das Leis n.ºs 2002 e 2005.
Na predial a absorção de áreas do território pela urbanização, o repovoamento florestal, a própria industrialização, as isenções com vista a impulsionar a construção civil durante anos e anos, limitam e congelam os resultados.
O complementar acentua a sua posição desde a reforma levada a cabo em 1946.
No imposto sucessório e no imposto profissional esta Câmara conferiu isenções às transmissões e aos pequenos empregos que não podiam deixar de afectar em sentido contrário às ambições de alta, anunciadora de prodigalidade?
Esclarecerei ainda o problema da capacidade do contribuinte no que se refere a recursos parafiscais e adicionamentos.
Portanto, o problema das receitas carece ser visto ainda em toda a sua amplitude.
As finanças modernas até nos estados que mantêm as tradições mais puras de legitimidade popular dos impostos insinuaram entre as taxas e as contribuições especiais uma nova forma subtil e híbrida de imposição, que se chama recursos parafiscais, que atingem cifras enormes, por vezes em proveito de entidades pública -, e semipúblicas, e que são tidos e interpretados como autênticos recursos coactivos à capacidade do contribuinte.
Não tenho tempo de discutir demoradamente esta matéria, mas notarei apenas que eles são colhidos com base em processos de coacção jurídica, representam uma dívida social e o contribuinte paga-os convencido de que está saldando uma contribuição autêntica.
Assim, no terreno fiscal aparecem vários caçadores a porfia e muitas vezes o maior quinhão de despojos não pertence aos verdadeiros exactores da Fazenda Público.
Somente as receitas orçamentais de 1954, de 6347000 contos, acrescidas das receitas de coordenação económica e das taxas de sete fundos ao serviços autónomos, passam logo para 7 093 000 contos.
A parafiscalidade anda nalguns países por um terço dos recursos públicos totais, mas atinge entre nós cifras descomunais, havendo Ministérios que dispõem de fa-
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culdades e meios tão importantes que parecem ombrear com o verdadeiro erário.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Estudadas ns perspectivas da tributação das bebidas alcoólicas, dos automóveis, da própria cortiça exportada, pareceu difícil recorrer a taxas e impostos que não acabassem por produzir receita, mas em benefício de departamentos e organismos especiais e sem grande lucro para a Fazenda.
Foram enviados a esta Assembleia, elementos de estudo que permitiam mostrar como os funcionários do finanças trabalham por excesso e sem qualquer remuneração, lançando, liquidando e cobrando recursos parafiscais que outra» entidades utilizam e de que dispõem, em prestar contas à. Assembleia. Se era para aqui que o ilustre Deputado dirigia também as suas baterias, eu devo apoiá-lo com veemência.
Como nos heróicos tempos da primeira reforma orçamental, de 14 de Maio de 1928, é preciso estar sempre em guarda contra a desconjunção, a multiplicidade e os abusos que tornam nominal a carga conhecida, que se augura leve ao contribuinte, mas que a agravam e ampliam, na realidade a grandeza do sou sacrifício.
Mas há outros aspectos a focar:
Já em tempos se demonstrou que os 14,5 por cento da verba principal do Estado na contribuição predial se acrescentavam, pela forma seguinte:
Câmaras municipais, média (artigo 706.º do Código Administrativo) 5,075
Juntas de província, 2 por cento (artigo 784.º do Código Administrativo) 0,29
15 por cento sobre a taxa do Estado e corpos administrativos (Decreto n.º 39 506, artigo 3.º) ....... 2.979(95)
Taxa de compensação, 1,5 por cento (Decreto n.º 36 494) ....... 1.5
Fundo de Desemprego, 2 por cento (Decreto n.º 21 U99, artigo 22.º) ........... 0,29
Passa de 24 por cento!
Mas além destes encargos cabem ainda à lavoura portuguesa outros - turismo, juntas dos portos, licenças de carros, animais, quotas para os grémios da lavoura, paru as Casas do Povo, ele, que nalguns concelhos e nalgumas explorações atingem cifras enormes.
Passemos a um breve apontamento sobre os encargos industriais.
Se me servir de alguns quadros e estudos meticulosos, elaborados pela Associação Industrial Portuense, encontrarei encargos movendo-se numa ordem análoga e conduzindo a consequências semelhantes.
Entre treze explorações industriais, típicas e preponderantes, somente quatro, em 1938, pagavam encargos sociais em percentagem modesta.
Pois, em 1949, todas elas apresentavam encargos sociais que oscilavam de 14 a 17,5 por cento.
Assim, além dos impostos directos, pagavam impostos camarários, para as caixas de previdência, Fundo de Desemprego, delegação colonial, valores selados, vendas, e te., sem contar com os direitos aduaneiros à entrada das máquinas, equipamento e matérias-primas como na saída dos produtos fabricados.
Portanto, de 1938 para cá a vida das empresas e dos contribuintes que exerciam a indústria complicou-se e agravou-se também extraordinariamente, e pergunto se é justo, rigoroso, defensável e leal que no Ministério das Finanças se dê de barato tudo isto e se agrave a carga tributária, sem querer saber das complexidades da vida jurídica e sem conhecer o que se passa nos
orçamentos familiares ou das empresas, repito, de 1938 a esta parte.
Na sua função tradicional e política, pertence à Assembleia Nacional defender o contribuinte ou julgar se está em condições de suportar novo peso.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A minha ideia, exposta mais de uma vez, é que os recursos parafiscais deviam ser uniformizados, simplificados e até atenuados nos seus excessos. Para facilitar a tarefa, uma comissão competente vê já o final dos seus trabalhos. Depois discutiremos.
Só defendendo a capacidade do contribuinte podemos defender a elevação das receitas públicas e levá-las para as alturas preconizadas, que permitiriam mais-valias apreciáveis nas despesas e alargamentos dos planos e esquemas de construção social e pública.
Repetindo: foi precisamente de 1938 para cá que o Estado Novo se abalançou a uma obra de justiça social reparadora e de construção corporativa integradora, nos campos, nas oficinas, nos armazéns e nas fábricas; premido pelas necessidades vitais, inaugurou uma política de abastecimento em larga escala, dispendiosíssima0; levado pelas próprias ideias, concentrou-se numa obra de investimentos que não deixam margem a dúvidas; o, por outro lado, nos reajustamentos e adaptações para uma nova Europa, restaurou as suas relações mercantis.
Assim se tornam cada vez mais difíceis e improváveis as manobras de simples coeficientes, que a exagerada sensibilidade em matéria fiscal dificilmente consentiria.
Assim, o desenvolvimento da matéria colectável tem de ser visto de vários ângulos.
Suponho que, neste capítulo, também não dominam noções perfeitamente claras.
O nosso sistema fiscal, pelos princípios postos, pelas presunções de que se serve, pela técnica fiscal baseada nos sinais exteriores da riqueza, dirigi-se a uma certa «normalidade» de rendimentos, e não aos réditos reais, os quais só busca por excepção ou controle.
Muito haveria que explicar e discutir a este respeito, mas daqui se vê logo que ele não permite acusar prontamente todas as mais-valias e ascensões do rendimento nacional, decorrendo daqui vantagens e defeitos que conviria expor, perfeita e completamente, antes de iniciar as discussões de ordem prática, a tal propósito.
Assim; o progresso económico acusado em indicadores externos fatalmente resultará lento e como que atrasado sobre a marcha dos acontecimentos.
Além disso, não se esqueça que dispomos duma agricultura de terras causadas e geralmente pobres, servidas por um clima hostil e em zona limitada, que não é a cio melhores colheitas.
Quanto à industrialização e electrificação, sabemos que no seu início estas hão-de amortizar grandes dispêndios, lutar contra as dificuldades de adolescência e não encontrarão aquela normalidade de remuneração de que se falou acima. O comércio e as comunicações não criam riqueza senão indirectamente e, pela distanciação das técnicas actuais, estreiteza de mercados e obstáculos postos às relações mundiais, as colectas não poderão subir pela forma ambiciosa recomendada no parecer, como podia tirar-se do aviso prévio realizado há dias.
De resto, as leis a organização corporativa, os serviços de fiscalização e um conjunto de circunstâncias que terão de ser examinadas, reduzem a preços comportáveis as remunerações originárias, não sendo estes favores oficiais de desprezar quando se invoca a falta de capacidade de consumo das grandes massas do País.
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Sr. Presidente: atrevo-mo a chamar a atenção da Câmara para estas circunstâncias, pois pode ter-se como um ónus, um encargo financeiro, o que se passa na empresa agrícola com estes produtos:
Trigos. - São entregues obrigatoriamente à Federação Nacional dos Produtores de Trigo por tabela de preços variáveis segundo o peso específico;
Cevada e centeio. - Têm (preço mínimo garantido, mas a tabela varia com o específico;
Milho. - Regime análogo;
Arroz. - Fixado em tabela o preço de compra pelo descascador;
Batata de consumo. - Fixados os preços máximos de venda ao público. que limitam o custo originário;
Farinha. - Fixado o preço .por quilograma na fábrica ou sobre vagão;
Sêmea. - Tabelada;
Vinho de qualidade. - Tabela de três classes, com preço fixado por grau-litro;
Aguardente. - A Junta Nacional do Vinho vende-a por preço tabelado;
Azeite. - Tabelado o preço desde a guerra mundial;
Carne. - Fixado o preço no talhante, o que indirectamente regula os custos iniciais;
Lã. - Dispõe de preços de garantia.
Há aqui um indispensável reforço do poder de consumo.
Portanto, existe para a exploração agrícola uma zona livre de remuneração relativamente estreita e, assim, o produtor não pode defender-se na baixa nem compensar-se na alta. Por isso o Estado não se sente com autoridade excessiva para exigir muito nem pode contar que o desenvolvimento da matéria colectável apresente movimentos pronunciados, que a estatística registe incessantemente de forma perceptível.
Sobre a lavoura caíram, em certa altura, as distribuições forçadas das Casas do Povo, encargos que atingiam a duplicação da carga fiscal. Hoje nas zonas de crise mantém-se uma espécie de voluntariado, que proporciona a obrigação. As quotas para aquela instituição andam por 2 a 5 por cento do imposto predial. Acrescente-se que as derramas subiram nos últimos tempos para 10 e 12 por cento.
Era por estes e outros factos que nu minha geração se enunciava serem os fenómenos colectivos de necessidades e satisfações objecto de uma autêntica sociologia financeira, esta capaz de captar as realidades complexivas e profundas e deixar nas nuvens as abstracções duma ciência pura edomística.
Se dominar, porém, a «economicidade» das finanças - desculpem o termo -, a lógica manda que se proceda a adaptação nu a acomodações sucessivas; se considerarmos que existe um direito e uma política financeira autónoma, então olharemos para a vida complexa e enredada, onde as intervenções do Estado apresentam lugar marcado, com grandes possibilidades na realização dos ideais de justiça.
Técnica mento darei só esta simples nota:
As repercussões da conjuntura altista sobre a vida das empresas, os valores contáveis e o peso dos tributos não são segredo na literatura da especialidade.
Há uma bibliografia destacada sobre estas questões que os limites estreitos de um debate parlamentar nau consentem, mas que, fundamentalmente, repelem a manobra de um simples factor.
Umas palavras terão de ser ditas sobre reformas o progresso legislativo - e essa função deveria pertencer a todos.
A capacidade tributária apresenta novos aspectos quando focada na sua projecção futura.
Certos factos económico-sociais, ao alcance de todos, denunciam uma redistribuição dos réditos, não inteiramente favorável ao progresso social e que se afigurará juridicamente, no ponto de vista da igualdade de sacrifícios pelo menos de equidade discutível.
Haveria que ler S. Tomás e tantos, seguindo a teoria financeira nos seus mais penetrantes desenvolvimentos, preocupada como está com a repartição dos encargos e o seu peso sobre os compartimentos da Nação.
Sectores dispondo de grandes meios invadem outro -, sectores da produção e da circulação, dominando ou comandando a vida dos negócios.
O poder económico destaca-se da riqueza, concentra e organiza novas posições de estratégia e força.
Exclusivos de facto e direito obtêm consagração legal, sem que, apreciavelmente, compensem a colectividade ou o País das vantagens desmarcadas, fortuitamente ou intencionalmente obtidas.
Pelo jogo das operações cadastrais e sua excessiva tecnicidade menos económica concelhos, zona e grandes contribuintes, que não solicitaram nem merecem o favor, obtêm alívios e atenuações menos justas.
Sociedades e empresas há que levam vida de artifício e de marginalismo fiscal, escapando aos rigores de leis numerosas, mas antiquadas.
Cumulam-se e concentram-se algumas situações e benefícios em escala que a Constituição e o público não absolvem.
Há administrações quo só obstinam em conservar empreendimentos sem viabilidade.
São minoria?
São excepção?
Felizmente a vida portuguesa não se pauta pelos factos clamorosos?
Estes e outros fartos que careceriam de demonstrações completas e pormenorizadas reclamam em todo o raso rigores e aperfeiçoamentos na nossa máquina fiscal, antiquada e não trabalhando perfeitamente ajustada às realidades comercial -, do nosso tempo. O direito fiscal tem de ser reduzido a textos mais simplificados e a processos mais seguros.
Os trabalhos, estudos, ensaios, documentações e modificações de texto capazes do realizar novos ideais de justiça, dirigidos por eminentes mestres e hábeis e elevados funcionários, atrasaram-se, dilataram-se, não obstante todas as boas vontades, rogos e insistências.
O ano passado tentaram-se métodos directos para acelerar n fase da unificação textual e chegar-se a um resultado útil.
O caso escapou-me das mãos.
Direi simplesmente isto. Sr. Presidente: são questões, não de política passional, mas postas directamente à consciência jurídica da Nação. Não são apenas questões públicas deste ou daquele Ministério, deste ou daquele sector social, desta ou daquela província, mas da totalidade nacional e problemas que afectam o nosso ideal de justiça e que põem em causa os intuitos construtivos de legar aos vindouros o País desenvolvido, mas sem situações clamorosas ou desproporcionadas; não obstante à formação do capital ter de ser favorecida dentro duma margem a respeitar, que não será excessivamente elástica.
Conheço das experiências de renovação fiscal quanta coragem reformadora é preciso como ns paixões de partido ou do classe se apossam dos programas reformadores para fazer deles instrumentos de luta, os encontrados nos pensamentos iniciais tão puros
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e a perturbação imensa resultante de novos esquemas de tributação mais realistas, mais justos e conscientes. E certo que o imposto não se mostra um volante capaz de corrigir as desigualdades nem lhe incumbe a missão de confiscar uns em proveito de outros ou vencer o que tendências inelutáveis conduzem como irremovível desigualdade.
Mas os impostos e contribuições determinam-se por princípios tradicionais de ordem jurídica, que fazem justiça a todos aos fortes e aos fracos -, e se não se assentar sobre cies, haverá sempre uma penalidade sobre os que não podem pagar e um benefício para os que sabem ou não pagam o devido.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se a Câmara, por si e pelas suas comissões, além das intervenções em que se reclama perequação e correcção de injustiças locais, enfrentar o problema do aperfeiçoamento do direito e da técnica fiscal e coincidir nalgumas bases de renovação, para além das queixas, reclamações ou outras formas do libelo político, prestará serviço inestimável, porque lambem o País e os contribuintes hão-de ser convencidos da razão de ser de uma ulterior e mais perfeita justiça tributária.
Alguns pressupostos hão-de admitir-se como condições sine qua non:
Regresso à simplicidade e pureza da tributação principal do Estado pela contenção, disciplina e limitação das tributações parafiscais e adicionais, participações, alcavalas, contribuições fiscais e derramas que desconjuntam e desintegram o significado político e jurídico do imposto;
Organização de um sistema elástico em que o imposto indirecto não prepondere;
Organização da justiça fiscal segundo o moderno princípio da capacidade real de pagamento.
Só o Governo e a Câmara podem dizer da oportunidade de reformas de estrutura. Só o País, porém, terá de se declarar convencido da sua conveniência. Mas a verdade é que um ideal de justiça e de interdependência social muito vivo apresenta força indomável, fui e será sempre função das assembleias representativas, ao pugnar, levantar e antepor a realidade do bem geral em novos horizontes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Verdade seja que, se pensarmos que as finanças são mero capítulo da economia ou da técnica, estaremos, por imposição lógica, cruzando os braços e renunciando, sem querer, a traçar as linhas de construção capazes de melhorar o que está.
Referirei um passo que produziu sensação política o deu lugar a errada interpretação - o déficit como sistema:
Ultimamente parecem desenhar-se, nalguns sectores, opiniões que tendem a filiar no equilíbrio orçamental, mantido ininterruptamente desde 1928-1929, uma das razões, talvez a mais acentuada, do inegável desequilíbrio económico que caracteriza a vida portuguesa.
Escreve-se isto logo na primeira página do relatório e têm de reter-se as palavras ultimamente ... parecem ... desenhar-se ... tendem ... talvez ... Não se citam os livros, relatórios, estudos, onde a afirmação se recolheu, como é de uso nos trabalhos da especialidade.
Deixa-se tombar esta gota carregada de tinta, que altera a cor da água clarinha onde caiu.
A afirmação julgo-a grave, porque é de molde a deixar o leitor descuidado ou não iniciado no mistério das coisas financeiras a supor-se diante de um formidável libelo, que não estará nus intuitos.
O autor quer referir-se às teorias, não muito recentes, do déficit sistemático orçamental, capacitado para vencer o desequilíbrio económico.
Vou explicar-me melhor e assim procurará apreciar-se devidamente o caso.
Foi Sir Williain Beveridge, professor ilustre e mentor do Governo Trabalhista, que no seu célebre trabalho Full auploijment, de 3944, portanto há doze anos. pôs a ideia, como estratégica financeira, de desequilibrar o orçamento, a fim de abrir um dos caminhos capazes de realizar um estado de emprego completo - ou seja sem chômage.
Portanto, se aquela passagem figurar como insinuação crítica, ela não é de receber, pelas seguintes razões:
1.º Os teóricos da responsabilidade de William Beveridge não pretendem um déficit de vinte e sete anos, mus apenas o desequilíbrio que supõem necessário para eliminar o desemprego e acelerar assim uma economia marasmada;
2.º De 1928 para cá tem havido períodos de contracção, pausa, retrocesso, alta, guerras, conjuntura de inflação, em que a doutrina não teria inteiro cabimento, eventos de vária ordem e fases que só são a economia de subemprego.
Heveridge é levado a doutrina contrária ao parecer - pois tanto ele como os seus sequazes intentam diminuir as receitas no período de crise e aumentar simultaneamente os investimentos, o que não será sempre viável. Diminuir as receitas!
3.º O que se chama «equilíbrio económico» é coisa diferente da ideia que temos lido por aí, porque é uma economia sem desemprego, e não uma economia de prodígios.
Algumas vezes temos explicado em trabalhos oficiais que não nos convêm e estariam, entre nós, votadas a retumbante fracasso as doutrinas peregrinas do déficit sistemático.
Talvez os grandes países de recursos ilimitados, em que se não vê fim a obtenção de crédito, ou que dispõem do um poder de recuperação que suplanta todas as dificuldades, aguentassem anos e anos de desequilíbrio financeiro, sem desastrosas consequências nu moeda e nos preços e no rendimento nacional.
Connosco aconteceria outra coisa, porque o empréstimo não seria mina inexaurível para saldar situações deficitárias, como dão testemunho eloquente os factos passados antes do 28 de Maio, nem o progresso económico social que, simultaneamente, o parecer apelida e critica de lento ou retardado chegaria a tempo, alguma vez, a fim de saldar as diferenças.
De resto, a experiência não poderia constitucionalmente ser tentada e dificilmente haveria homem público, que não desprezasse as lições da história, capaz de subscrever tal medida.
Devemos, sim, na medida em que for consentido, fazer política cíclica.
O que nós estimamos, preconizamos e defendemos é outra coisa - recurso ao imposto, prudência, moderação e constituição de reservas quando a vida económica e os negócios expandem e sobem; ânimo e largueza de vistas, recurso mais lato ao crédito na vaga depressiva ou nas pausas, para desemperrar e compensar, para dar novas dimensões à economia nacional.
Quero referir-me às orientações predominantemente técnico-económicas.
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O eminente Prof. Paulo de Mereia publicou há dias o 3.º fascículo do que chamou Esboço duma História da Faculdade de Direito de Coimbra, mas que, como tudo quanto sai da sua pena fulgurante, é obra de tomo, que ficará perduràvelmente pela claridade e elevação a que se alçou.
Por ela se vê que a nova cátedra das Finanças Públicas foi criada em 18G5, abrangia a ciência e a legislação financeira e foi entregue ao Doutor António Jardim, em começo.
Desde então o programa da cadeira subiu de complexidade, umas vezes alargada na parte histórica, outras vezes desenvolvendo-se no campo da literatura da especialidade, atingindo por fim a técnica e o direito positivo.
Foi nessa cátedra que ensinou o Prof. Oliveira Salazar, a quem com o simplicidade o digo se deve o serviço nacional da renovação financeira e do ressurgimento s a quem em 27 de Abril desejaremos longa vida. e saúde perfeita para contemplar os resultados da sua obra.
Deixando de lado os adeptos de uma escola abstracta de ciência das finanças
Era, porém, a ideia de Colson, um engenheiro professor, cujo curso remonta a 1009 u que fazia das finanças um capítulo da ciência e da arte económicas. Nada de novo ...
Se os problemas fossem postos na simples base de que a «actividade económica, na sua marcha geral, repercute nas finanças do Estado» e, portanto, estas se alimentam daquela como a bomba que tira água de um poço, estaria perfeitamente bem.
Mas não! Existe prurido de novidade em supor que estamos apenas no limiar de um capítulo e que tudo é obra ou consequência de um movimento conjuntural que nos escapa; portanto, as finanças assim não podem ser responsabilizadas por não estarem na origem de toda a política económica. E é paradoxal que se intente movimento inverso.
As razões contrárias são evidentes. As finanças, como teoria, política, técnica e prática dos estados, não podem reduzir-se a um compartimento.
A exageração do factor económico pode fazer crer apressadamente num determinismo económico e até em algum factor reduzido a índices que tabelas ou coeficientes comandem. Quer dizer: deixaria de haver políticas baseadas nos grandes ideais do nosso tempo, justiça social, igualdade de sacrifício, capacidade de pagamento, combate ao parasitismo, ocupação completa, para haver apenas lima disciplina da riqueza em relação com a técnica. Não posso estar de acordo com isto.
As ligações das finanças à economia, além da origem na matéria colectável, estão em efeitos e repercussões.
O imposto, as taxas e as contribuições abastecem-se da riqueza geral e ligam-se à capacidade de compra dos contribuintes.
Mas manobrados com estratégia cautelosa podem determinar poupanças: estimular ulteriores desenvolvimentos da actividade produtora o até do empreendimento; melhorar a política social: suscitar amortizações, desvios e reflexões até que os distanciam da linha primitiva de efeitos gerais.
Apesar da dilatada intervenção, devo referir-me ainda a pequenas obras e estradas locais.
Quanto ao ruralismo das pequenas obras de fomento e à capilaridade de uma rede de comunicações, ninguém dirá que o relator esteja isolado e sem o mais estremado e simpático apoio.
O Sr. Presidente do Conselho, que conhece magnificamente a vida local, põe atenções especiais nesses problemas, cujas grandes linhas vou esboçar.
O plano rodoviário que entrou em vigor o ano passado prevê 6 milhões de contos. Os seus encargos sobem de ano para ano e acentuarão a alta com os últimos escalões do Plano de Fomento.
O esforço orçamental relativo à faixa atlântica não pode atenuar-se, porque compromissos internacionais impõem pistas e pontes de envergadura.
A faixa interior encontra-se fracamente dotada - 40 000 coutos de participações da rede local e vicinal.
Há aqui quase um dilema entre o eixo marginal e as exigências nervosas das comunicações.
As necessidades destas últimas, porém, atingem tal grau que há-de ser dificílimo acudir a tanto.
Os aglomerados rurais precisam, para conclusão da rede estradas dos municípios e caminhos vicinais - nada menos de 3 300 000 contos.
A remodelação dos abastecimentos de água orça-se por 1 900 000 contos.
Deixo de lado fontanários, obras de pequena hidráulica, etc. Novos milhões.
Os meios propostos pelos técnicos são adicionais, derramas, taxas, empréstimos e outros mais.
Não direi que seja a quadratura do círculo, mas a França tem um plano de desenvolvimento dos centros rurais atrasados.
E a primeira coisa que devemos fazer ó preparar qualquer medida semelhante.
Nesta altura assumiu a Presidência u Sr. Deputado Augusto Cancella de Abreu).
Uma explicação ainda - a lenta ascensão do poder de consumo, problema constantemente ventilado sem rigor.
Os que, como ou, têm um conhecimento dilatado em anos podem depor sobre a transformarão operada no teor da vida do povo português. Na alimentação, nas habitações, no vestuário, nas viagens no combate à doença e a infelicidade, na cultura, muita coisa mudou à vista desarmada, que a crítica económica ou social não pode desconhecer ou diminuir.
Já se vê que o poder de consumo não depende apenas do circuito monetário ou da reactivação da vida - depende da extensão dos recursos, da intensidade e elevação das técnicas, do empreendimento, naturalmente limitados entre nós.
A elevação do consumo não depende senão limitadamente das panaceias económicas do poder comprador, como o après-guerre e a crise de 1929 mostraram.
Sabe-se quais são os meios directos para o conseguir.
Por um lado, abaixar os custos dos produtos com relevância nos orçamentos domésticos, melhorar a taxa de juro e - oh! surpresa das surpresas! - diminuir a carga fiscal. Isto do lado das condições que permitem e facilitam a elevação do consumo pela baixa de preço.
Do lado positivo, com vista ao fornecimento de novos meios, a elevarão do consumo há-de ser consentida pelos salários mais altos, pelas remunerações que permitam disponibilidades crescentes com vista ao mercado primário e secundário e, nos dois casos, por distribuição mais equitativa do rendimento nacional.
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E preciso não esquecer ainda que o nosso poder de consumo se exprime numa moeda estável, de paridade assegurada, que tanto permite comprar carne na Argentina como na Austrália e inundar, torrencialmente, com automóveis e outras importações que a mercado interno absorve.
Vou findar.
Desejo dar um último apontamento sobre a execução do Plano de Fomento.
As importâncias orçamentadas para 1905, disponíveis portanto para aplicação, pelo Fundo de Fomento Nacional andavam por 661 997 coutos. Foram apenas levantados 269 727 coutos, investidos na metrópole e no ultramar.
Portanto, estes longos considerandos levam-me a evidentes conclusões:
dom um sector privado lento e receoso, despertando agora a bem dizer para a vida fabril moderna, com empreendimentos nem sempre viáveis e realistas, com um sector semipúblico que pesa demasiadamente no conjunto, com uma economia que precisa de intensificar o ritmo, com uma técnica nem sempre segura no início, mas ambiciosa, com capitais nascendo limitadamente e condensando-se, aqui e além, as finanças do Estado, sem poderem realizar todos os anseios e reclamações, cumpriram correctamente os seus deveres.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Carlos Mantero: - Sr. Presidente: não vejo como no curto espaço de uma intervenção parlamentar se possa fazer mais do que um esboço de apreciação crítica às Contas Gerais do Estado, tão grande é a premência do tempo e a massa do material a compulsar, tão difícil harmonizar os elementos e informações díspares, tão precárias as conclusões de conjunto quando a uniformidade não existe, tão incerta a actualidade quando nem tudo está em dia.
Pela própria natureza desta Assembleia estaria deslocado aqui um debate puramente técnico sobre as contas públicas. São fundamentalmente os aspectos políticos que interessa a Câmara apreciar. Por isso, hei-de limitar-me às questões que em si mesmas ou pelas suas repercussões tenham expressão política.
Dando às minhas considerações a maior actualidade possível procurarei descortinar as correntes profundas que ns factos fiscais geram.
É na medida em que formo» no encontro do que elas expressam de razoável, de legítimo anseio ou de legítima revolta que evitaremos as grandes convulsões; é na medida em que trouxermos a esta Assembleia os problemas que a Nação vive, e movem os interesses, e agitam os sentimentos, que permitiremos se espraem as forças insondáveis da vontade nacional.
Os dois volumes do parecer da Comissão de Contas Públicas em numerosos passos reflectem as apreensões de muitos.
Quem se debruçar um instante sobre a economia portuguesa logo nota a magreza dos nossos recursos, o que dá relevo ao muito que, com tão pouco, se tem podido fazer.
Enquanto o rendimento nacional nos Estados Unidos atinge anualmente cerca de 53 contos por habitante, na Inglaterra 25, na Holanda 15 e na Itália 9,4, em Portugal temos de nos contentar com 5,3 contos por habitante.
Enquanto a receita pública nos Estados Unidos se eleva a 11,4 contos per capita, na Inglaterra a 7,2, na Holanda a 4,3 e na Itália a 1,8, em Portugal ficamos em 730$, e sabe Deus com que sacrifícios. E que, depois de pagos os impostos, ao americano ficam 41 contos livres, ao inglês 17,6, ao holandês 10,7, ao italiano 7,6 e ao português uns míseros 4,5.
Fala-se muito na insuficiência da receita pública e na necessidade de a aumentar, que o mesmo é dizer reduzir o rendimento livre da população, a não ser que o produto nacional aumente mais depressa do que o agravamento da carga fiscal. Não se vê bem como há-de reduzir-se mais ainda o pobre rédito do português, a menos que se queira sepultá-lo em vida.
Diz-se que o aumento deve vir de uma distribuição mais equitativa da carga fiscal. Isto quer dizer que o imposto deve ser progressivamente, mais pesado quanto mais alto estiver o escalão dos rendimentos.
Mas pensou acaso alguém se essa progressividade ó verdadeiramente produtiva numa economia em fraca expansão, em que o produto nacional pouco mais do que acompanha o aumento da população? Ou se, na medida em que forçamos a progressividade, não iremos, do mesmo passo, esgotando os rendimentos mais produtivos de novos capitais?
Não correremos o risco de secar a fonte dos investimentos e afectar a expansão produtora precisamente no momento crucial em que necessitamos de transformar a nossa economia quase estática muna economia dinâmica para sobrevivermos no mundo moderno?
Desviando para os consumos o que tanta falta faz ao apetrechamento do País não iremos acaso atrasar o progresso nacional?
Quando o imposto progressivo faz retrair os consumos das camadas mais abastadas a favor dos menos favorecidos realiza-se justiça tributária, mas, na medida em que ele absorve os rendimentos que de outro modo teriam sido poupados para constituírem os novos capitais, então extingue-se o manancial de que se alimenta a expansão da riqueza pública, recaindo afinal e peso do imposto sobre os escalões mais baixos, porque ao criarem-se novos consumos sem contrapartida no acréscimo dos meios de produção provoca-se um movimento em cadeia dos preços que internamente eleva o custo da vida e no exterior reduz o poder de concorrência do País, agravando a balança de pagamentos.
O problema apresenta-se assim sob a sua verdadeira luz: quais a» razões profundas da nossa estagnação económica? qual a parte de responsabilidade que dela o imposto tem? como há-de tornar-se dinâmica a nossa economia?
Não estará já a produção onerada ao ponto de os incentivos à sua expansão tenderem a afrouxar? Não operará a incerteza do dia fiscal de amanhã como um freio às iniciativas? Não será o nosso sistema tributário tão complicado e tão fluidas as bases do imposto que nenhuma relação tenha o ónus tributário com os resultados, com os lucros ou prejuízos das explorações, determinando iníquas> desigualdades ou situações ruinosas que levam ao desânimo? Será antes a culpa dos custos, do custo unitário dos produtos, das técnicas equívocas, das linhas de produção demasiado restritas, ou da falta de imaginação criadora da parte dós produtores ao apresentarem no mercado produtos sem novidade que não despertam o apetite ou satisfazem os desejos do consumidor será culpa da apertada regulamentação económica, do excessivo condicionamento e concentração das iniciativas?
Em resumo: será a culpa da baixa produtividade no campo, na fábrica e no balcão, da baixa produtividade na agricultura, na indústria e nos serviços? Será economicamente útil. tal como está, a carga tributária? Será ela equitativa? Será socialmente justa? Será conducente ao povoamento do ultramar e ao rápido aproveitamento das suas riquezas? Numa palavra: terá
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o sistema fiscal português sentido unitário, o sentido unitário da economia nacional, cujo objectivo é o mais rápido acréscimo da riqueza em todos os nossos territórios e a constante elevação do nível de vida, sem o sacrifício da pessoa humana e das suas liberdades!' E isto o que vamos ver!
Comparando a carga tributária por habitante na metrópole no triénio anterior à guerra com o ano de 1954 verifica-se que ela passou de 289$ para 730$, isto é, de 100 para 266, ou, melhor, para 92 se considerarmos que a moeda sofreu uma quebra de 65,3 por cento no seu poder de compra durante o mesmo período. Relacionando a carga tributária com as importações e exportações reunidas verifica-se que a posição relativa desceu de 100 para 56, e só com as exportações de 100 para 40. Apesar das suas insuficiências, os três índices apontam insofismavelmente pura um desagravamento da carga tributária real sobre a economia da metrópole tomada no seu conjunto. Mas quem foram os beneficiados!' Teria o benefício sido equitativamente distribuído?
Enquanto a economia da metrópole no seu conjunto fruiu certo desagravamento fiscal, vejamos o que sucedeu no ultramar.
Ali, a carga fiscal na sua expressão per capita passou de 100 para 416, ou melhor, 144, depois de- reduzida a moeda .de 1954 ao poder de compra da moeda de 1938, e, em relação ao total das importações e das exportações, de 100 para 87, contra 56 na metrópole, como acabei de dizer.
Se considerarmos o conjunto da receita ordinária, do todos os territórios (metrópole e ultramar) verificamos que dos 10 400 000 contos da receita ordinária o ultramar pagou 40 por cento e dos 12 200 000 coutos das receitas públicas totais (ordinárias e extraordinárias reunidas) corresponderam ao ultramar 45 por cento.
Será, acaso, a riqueza activa do ultramar tão grande como a riqueza da metrópole? Teremos nós no ultramar 40 milhões de coutos de produto nacional? Surpreendente descoberta seria se assim o pudéssemos verificar. Sedutora ilusão!
Por sobre as incertezas e riscos dos empreendimentos em longas terras e climas inóspitos, uma fiscalidade mais pesada no ultramar do que na metrópole não determina ou engrossa a corrente dos capitais particulares em busca de investimento e abre-se a porta à colonização de Estado, com o seu gigantismo a deformar a estrutura social, com as suas iniciativas económicas, as empresas privilegiadas, monopolistas, com os senti colonos e os seus funcionários, sobretudo os seus funcionários, o mar imenso da burocracia que submerge o país real açoutado pelo temporal desfeito da papelada.
Se não há dúvida de que a fiscalidade se tornou muito mais gravosa no ultramar do que na metrópole, a desigualdade entre as várias unidades territoriais do iodo português essa então adquiriu proporções inacreditáveis.
Assim, enquanto na metrópole si fiscalidade, na expressão imperfeita que lhe dão as receitas ordinárias, atingiu 730$ por habitante, no ultramar, por ordem de grandeza, foi de 106$ em Timor, 188$ na Guiné, 201$ no Estado da índia, 243$ em Cabo Verde, 341$ em Moçambique, 385$ em Angola (incluindo o imposto de sobrevalorização e o rendimento das taxas do Fundo de Fomento), 481$ em Macau e 1.086$ em S. Tomé (incluindo o imposto de sobrevalorização).
Temos de convir que ninguém acredita que a riqueza média activa por habitante em Angola nu Moçambique atinja metade da capitação na metrópole. Com mais forte razão se não acredita que a riqueza média por habitante em S. Tomé seja 50 por cento mais elevada do que na metrópole ou três vezes mais do que em Angola e Moçambique.
E o que sucede dentro de cada unidade territorial? Que verificamos com relação à distribuição da carga tributária entre os diversos agrupamentos, as diversas actividades, as diversas pessoas? Que grau de equidade se atingiu ou a que grau de injustiça se chegou?
Na metrópole o grupo de contribuintes mais favorecido foi o dos proprietários rurais, que de 1938 para cá apenas sofreu um agravamento fiscal de 26 por cento, enquanto, no seu conjunto, o agrupamento dos comerciantes e industriais foi agravado em 245 por cento, e, mais particularmente, o comércio por grosso e a retalho, que com os seus 275 000 contos é o maior contribuinte de todos os grandes grupos.
Contrariamente ao que se possa supor, a parcela da carga tributária imediatamente incorporada no preço e transferida para o consumidor não é excessivamente elevada em Portugal. Só uma parte dos impostos indirectos e das taxas pesa imediatamente sobre o consumidor, outra parte é incorporada nos investimentos, e, portanto, dissemina-se a longo prazo nos consumos, outra, ainda, é suportada pelo próprio contribuinte que a paga, sem possibilidade de a transferir a outrem através do preço ou do investimento.
(Reassumiu a Presidência o Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior).
Seja como for, mesmo tomados na sua totalidade (o que não está certo, como disse), os impostos indirectos e as taxas, em conjunto, foram desagravados em 33 por cento quando referidos à quebra da moeda, ao número de habitantes em cada período e ao índice dos salários rurais, que é, segundo creio, o único índice de salários de que dispomos para a totalidade do período a que me estou referindo.
O grupo de contribuintes sujeitos ao conjunto dos três impostos complementar, aplicação de capitais e profissional -, que, na verdade, constituem um todo, espécie de embrião de imposto de rendimento, sofreu de 1938 a 1954 um agravamento de 372 por cento, que depois de referido ao número de habitantes e à quebra da moeda fica em 109 por cento, isto é, mais do dobro, enquanto os impostos indirectos e as taxas foram desagravados de um terço.
Não há, portanto, dúvida de que na metrópole se realizou um evidente esforço no sentido da justiça fiscal entre abastados e desfavorecidos, os que têm e os que não têm, justiça que, infelizmente, os encargos sociais e outros que pesam sobre os salários e baixos vencimentos e a regressão do salário real vieram em parte anular.
Mas outro tanto não pode dizer-se da justiça fiscal entre espécies ou da que se realiza de contribuinte para contribuinte.
Tomemos, ao acaso, uma espécie: a sociedade anónima. Sobre ela incide a fúria desencadeada do tufão fiscal, talvez porque a sociedade anónima é impessoal e não tem reacções físicas, e, no entanto, se há país onde ela tenha um largo papel a desempenhar é precisamente em Portugal, país de pequenos capitais e grandes territórios, que ainda vive na pulverização das actividade».
A medida que nos vamos distanciando do progresso que o Mundo leva a carência de empresas de magnitude economicamente eficaz faz-se sentir com crescente acuidade, colocando-os na impossibilidade de realizar o equilíbrio «salário-preço (crescente salário real), que determina a expansão, sem o qual não é possível o abastecimento do mercado interno em condições
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de prego compatíveis com o nível de salários, nem melhorar o nosso poder de concorrência internacional.
Além de todos os outros impostos, contribuições e taxas que recaem sobre as sociedades anónimas, elas sofrem na altura da distribuição dos dividendos nova e fortíssima tributação, que chega em muitos, casos a absorver 40 por cento do dividendo pago nos títulos ao portador que tenham cotação na Bolsa e não se compreende bem uma sociedade anónima cujos títulos não sejam transaccionados nas Bolsas e tenham de se refugiar, escorraçados pelo fisco, as ocultas, nas transacções de porta em porta, onde o accionista, sem defesa, cai, invariavelmente, nas mãos dos que promovem as grandes concentrações.
A maré alta dos impostos sobre os dividendos dá ao accionista uma certeza: a do rendimento decrescente do seu capital, o que induz o pequeno e o médio accionista a desfazerem-se do seu papel a favor daqueles para quem o rendimento é coisa secundária e a acumulação de poder ou de riqueza essencial, dominados pelo Irresistível imperativo dos grandes excedentes que reclamam, investimento. Assim se destrói a verdadeira função da sociedade anónima: dar a todos os que poupam igual oportunidade de intervir nas actividades produtoras, de partilhar na sua prosperidade, tornando grandes e pequenos solidários nas vicissitudes da economia nacional e imprimindo uma forte base social à sociedade anónima, sociedade aberta a toda a poupança portuguesa.
A sociedade anónima não pode ser ou tornar-se monopólio de alguns, mesmo que entre eles se encontre o Estado, directa ou indirectamente, através dos seus organismos corporativos ou de previdência, em manifesto desvio de funções, ou através de outras sociedades anónimas em que o Estado já prepondere.
Fala-se muito em concentrações. O problema tornou-se de actualidade política entre nós. Elas surgem no caminho da evolução natural, irresistível, das coisas, quando um condicionamento económico que concentra muito poder em poucas mãos amordaça a concorrência. Essa concentração de poder, que favorece o nepotismo, cria, por sua vez, deformações políticas cujos perigos já foram observados por alguns e são temidos por muitos.
Na medida em que o Estado agrava os impostos sobre as sociedades anónimas (e aqui bradam aos céus as tremendas desigualdades que existem de empresa para empresa), ou interfere com a política de dividendos, impede a cotação das acções de atingir a equivalência dos rendimentos reais, favorecendo a concentração e tornando mais barato o seu preço e, do mesmo passo, acelera a formação de capitais em detrimento dos consumos.
Aqui põe-se um novo problema, que não discutirei neste momento, mas que desejo enunciar com toda a clareza: será acertada a política tendente a forçar a formação de capitais à custa do desenvolvimento dos consumos? Terá ela respeitado a utilidades económica e a conveniência social? Não terá ela sido ultrapassada? Não atraiçoará essa política, quando levada para além do equilíbrio e solidez financeiros das empresas, o objectivo, o significado social das sociedades anónimas? Não forçará essa política a formação e concentração de capitais nas pontas, à custa da sua dispersão por uma vasta área social de pequenos e médios capitalistas?
Fica posto o problema. Se a Câmara me quiser ouvir, a ele hei-de ainda referir-me noutra oportunidade. Pela importância que, a meu ver, essa política tem sobre a expansão da nossa economia, sobre a sua solidez e elasticidade, sobre a nossa estruturação social e por todas as suas vastas e imprevisíveis repercussões merece que sobre ele a Assembleia Nacional se debruce um dia.
Sr. Presidente: o tempo regimental está a passar e comecei apenas p esboço de apreciação crítica às Contas Gerais do Estado.
Já nada poderei dizer sobre as receitas e os encargos sociais e corporativos e a sua incidência nos preços nos salários e na formação e distribuição de capitais; já nada poderei dizer sobre o Plano de Fomento e a balança de pagamentos; sobre as importações e exportações dirigidas e compensadas com dinheiros públicos; sobre o imposto sucessório, factor de desintegração social; sobre a fiscalidade e os consumos, sobre a, expansão económica e o salário, sobre o salário e a receita pública; sobre a desigualdade fiscal entre territórios, grupos, espécies e indivíduos como factor de estagnação económica.
Um dia, se Deus quiser, voltarei a estes assuntos. Por si só, a minha contribuição para o estudo de tão magnos problemas pouco ilustrará VV. Ex.ªs mas, esclarecido o País pelas luzes da Assembleia, creio que poderemos dar um passo em frente no caminho do progresso nacional.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Castilho Noronha: - Sr. Presidente: vou fazer umas ligeiras considerações sobre as contas gerais da administração financeira do Estado da Índia referentes ao ano de 1954.
As contas gerais das províncias ultramarinas abrangem não só as operações orçamentais e as da tesouraria durante os doze meses do respectivo ano económico, mas também as operações- da arrecadação de receitas e pagamento de despesas referentes aos doze meses de gerência a mais, ao período complementar que, em virtude do Decreto n.º 38 738, de 28 de Julho de 1954, vai até 31 de Março do ano seguinte.
Assim, as contas que estão sendo apreciadas referem-se a esse ano e mais ao período complementar, isto é, aos três primeiros meses do ano de 1955.
Isto, como é natural, influi desfavoravelmente na elaboração e na análise das contas, tornando-as muito complicadas. São duas contas, e uma delas, a do exercício, diz respeito a todo um ano económico e uma parte do ano imediato.
Seria por isso conveniente adoptar para as províncias ultramarinas a mesma norma que o Decreto n.º 18 381, de 24 de Maio de 1930, estabeleceu para a metrópole, como se propõe tanto no lúcido e brilhante parecer sobre as contas gerais das províncias ultramarinas como no bem elaborado relatório: do Ministério do Ultramar.
No Estado da Índia fechou-se o exercício do ano de 1954 com um saldo positivo de 4:619.472-10-04 rupias, como atestam os seguintes números:
Rupias
Receita ordinária cobrada . 23:060.472-10-04
Empréstimo ........ 2:051.282-00-00
Importância utilizada do saldo das contas do exercício
findo 5:095.583-03-03
Receita total realizada 30:207.337-14-04
Despesa total . . 25:498.157-04-00
Saldo . 4:619.472-10-04
Não é sem sombrias apreensões que se verifica que no ano de 1954 houve uma sensível baixa na cobrança das receitas e que as despesas pagas excederam em avultadas quantidades as autorizadas.
As receitas de impostos indirectos atingiram apenas a importância de 7 116 814 rupias, contra 8 755 599 rupias cobradas no ano de 1953.
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Temos assim só no capítulo de impostos indirectos diferença, para menos, de 1 638 780 rupias.
Essa quebra deve-se principalmente ao bloqueio económico com que a União Indiana pretende estrangular o Estado da Índia.
Tratando de despesas ordinárias o ilustre relator da» Contas Gerais do Estado, Sr. Engenheiro Araújo Correia, a cujas poderosas faculdades de inteligência e do trabalho muito grato me é prestar a merecida homenagem, destaca os seguintes serviços aos quais o orçamento o Estado da índia consigna avultadas verbas:
Contos
Assistência pública .......... 17 056
Instrução pública ............ 6 534
Serviços de saúde e higiene .. 4 762
Imprensa Nacional ............ 2 080
Pondo em relevo as importantes somas que se despendem com esses serviços, o Sr. Engenheiro Araújo Correia exprime o seu aplauso nestas palavras, que com prazer e desvanecimento registo aqui:
Nota-se a preponderância da assistência, instrução pública e serviços de higiene, que até certo ponto explica o estado de avanço da província em relação a territórios vizinhos e o lugar especial que ocupa entre as províncias de além-mar.
De 1950 a 1953 melhoraram sensivelmente as condições económicas do Estado da Índia. Era animadora a situação da balança comercial, conquanto continuasse a ser deficitária. O saldo negativo, que em 1950 se elevava a 71 117 rupias, em 1953 estava reduzido a 27 539 rupias. Mas no ano de 1954 o comércio baixou, tanto na importação como na exportação.
A importação foi no valor de 76 031 rupias, contra 92 551 rupias do ano anterior, e a exportação no valor de 52 891 rupias, contra 63 277 rupias no ano de 1953. A lisonjeira situação económica e financeira de 1953 teve por principal factor a expansão e o desenvolvimento da indústria mineira, que até certa altura foi progredindo em ritmo crescente. Mas, dada a instabilidade dos preços do minério, não seria pessimismo augurar um eventual declínio da indústria. Foi o que sucedeu no ano de 1954, como vamos ver:
A exportação do minério de ferro teve nesse ano, em peso, um aumento de 44 por cento em relação ao ano de 1953 e a de manganês sofreu uma baixa de 61 por cento. Os preços de ambos os minérios em relação ao ano anterior diminuíram: o do ferro 9 por cento e o do manganês 24.3 por cento.
A baixa do preço do manganês foi tão considerável que deu em resultado um déficit de 10 milhões de rupias na entrada de divisas provenientes da exportação de minério. E assim o declínio da indústria mineira e o bloqueio ao qual me referi, agravado por medidas que na União Indiana se adoptaram para tornar insustentável a situação dos navios de longo curso que transportassem mercadorias do ou para o Estado da Índia, tiveram sinistro reflexo na balança de pagamentos pela depressão do movimento de divisas que originaram.
No capítulo do elucidativo relatório das contas gerais do Estado da índia sobre a dívida pública o ilustre director da Fazenda Pública e Contabilidade depois de mencionar o empréstimo gratuito que o Banco Nacional ultramarino concedeu ao Estado da índia na importância de 652:284-10-08 rupias, em conformidade com o disposto nos artigos 51.º e 52.º do Decreto n.º 17 154. de 26 de Julho de 1929, e cláusula 52.º do contrato de 3 de Agosto de 1929, justificando a não inscrição de importâncias nos orçamentos da província para amortização desse empréstimo, acrescenta:
Esse empréstimo, nos termos do artigo 52.º e cláusula 51.ª dos citados decretos, era reembolsável até 5 de Agosto de 1959. Porque o prazo de amortização era longo e nesse prazo não vencia juros não se inscreveram nos orçamentos importâncias para a sua amortização.
No ano passado, ria minha intervenção sobre as contas gerais do Estado da índia referentes ao ano de 1953, tive a honra do expor a esta Câmara algumas considerações sobre o assunto. Dou-as por reproduzidas aqui. Não sei se a questão continua no mesmo pé. Não pode, não deve. Um empréstimo inicialmente gratuito, como o de que SP trata, não pode passar a ser oneroso. Para mais, se é certo que o Banco Nacional Ultramarino concedeu em 1929 um empréstimo ao Estado da índia, não é menos certo que o mesmo Banco deve a este avultadas importâncias que não pagou.
Em virtude da, alínea f) da condição 14.º do contraiu celebrado em 4 de Agosto de 1919 o Banco era obrigado a pagar ao Estado da índia a percentagem de 4 por cento sobre a circulação fiduciária. O Banco nunca se importou com esta obrigação.
Decorridos anos, a percentagem - que, é bom frisar, nunca foi paga - foi substituída, a solicitação do próprio Banco, por um lote de 14 444 acções liberadas. Nem com esta obrigação o Banco se importou.
Ao Estado da índia não foram dadas as 14 444 acções a que tinha direito. Sendo assim, será exigível a amortização do empréstimo de 1929? Será exigível o pagamento de juros desse empréstimo, que inicialmente gratuito!
Mais uma vez recomendo o assunto às instâncias competentes.
Do que ficou dito sobre a situação económica a financeira do Estudo da índia em 1954 pode deduzir-se que ela não corresponde à dos anos anteriores. A cobrança d« receitas foi inferior à previsão e, doutro lado, as despesas foram muito superiores se que haviam sido autorizadas. A diminuição de receitas e o aumento de despesas deram em resultado um saldo reduzido, muito inferior aos dos anos transactos. Não será fora de propósito dizer que antes da discussão e da aprovação do orçamento do corrente ano no Conselho Legislativo do Estado da índia foi preciso aumentai-as taxas dos emolumentos gerais aduaneiros, que, pelo artigo 66.º do Decreto n.º 40 387, de 19 de Novembro último, passaram a ser 00 seguintes:
Percentagem
Géneros alimentícios:
De origem nacional ............... 1
De origem estrangeira ............ 2
Outras mercadorias:
De origem nacional ............... 6
De origem estrangeira ............. 8
As mercadorias de origem estrangeira pagavam 3 por cento. Hoje pagam 8 por cento - quase o triplo.
Anima-me, porém, a esperança de que a situação não continuará a ser o que foi em 1954. As vultosas obras empreendidas pelo Estado devem contribuir para a sua melhoria. Mencionarei as da hidráulica agrícola, ainda em curso o a frente agrícola, criada no ano passado, as quais terão uma benéfica repercussão na produção agrícola. São também dignas de menção as obras de abastecimento de águas à cidade de Goa, quo
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estão muito adiantadas, assim como as de construção dos aeroportos de Mormugão, Damão e Diu.
Não podem ficar em esquecimento os importantes trabalhos do apetrechamento do porto de Mormugão, que estão sendo executados para que a sua capacidade de carga e descarga corresponda às exigências do seu movimento sempre crescente. É também grato verificar que a indústria mineira, em franco declínio em 1954, vai tomando a sua antiga posição.
Tudo isto é para o Estado da índia a garantia de uni futuro mais próspero.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Furtado de Mendonça: - Sr. Presidente: ao apreciar as Contas Gerais do Estado relativas ao exercício de 1904, decorrido sob a gerência do nosso ilustre colega Dr. Águedo de Oliveira, é consolador verificar como se manteve o equilíbrio e a ordem nas contas públicas, que são norma desde 1928-1929, em contraste cora a desordem financeira que caracterizou as caóticas gerências da grande maioria dos Governou da República demo-liberal.
Em Abril de 1929 Salazar podia dizer:
Depois de um violento trabalho de revisão, publicou-se o orçamento de 1928-1929, com receitas e despesas avaliadas à volta de 1 900 000 coutos e um pequeno superavit de mil e tantos contos.
E acrescentava:
Era a expectativa bem fundada de haver desaparecido a doença crónica de déficit orçamental sem sacrifício de despesas reprodutivas, visto se inscreverem cerca de 150 000 contos, ou 1 500 000 libras, para estradas, para portos e para caminhos de ferro.
E a seguir:
Via-se que com estas bases já só podiam escolher soluções: ou fazer as obras públicas por conta das receitas ou dar-lhes um incremento maior, transformando aquelas disponibilidades em encargos de operações de crédito com o mesmo destino.
Sr. Presidente: não vou alongar-me em largas considerações acerca dos diferentes capítulos das contas do exercício de 1954, que outros colegas têm brilhantemente exposto, mas, dadas as possibilidades financeiras que o excesso das receitas sobre as despesas ordinárias revelam, desejo fazer apenas algumas observações e referir-me dum modo especial à urgência de se resolverem mais eficazmente certos problemas que interessam os meios rurais.
Antes de mais e para fixar ideias apontarei os seguintes números:
Total das receitas:
Contos
Ordinárias ...................... 6 346 861
Extraordinárias ................. 388 748 .... 6 735 609
Total das despesas:
Ordinárias .................. 5 124 733
Extraordinárias ............. 1 558 315 ... 6 683 048
Saldo ...................................... 52 561
Quanto ao orçamento ordinário temos, em resumo:
Contos
Receitas ordinárias .............. 6 346 861
Despesas ordinárias .............. 5 124 733
Saldo ........................... 1 222 128
Graças a este elevado excesso das receitas sobre as despesas ordinárias foi possível fazer face com o respectivo saldo a grande parte das despesas extraordinárias, recorrendo ao crédito apenas no montante de 25 000 contos retirados do empréstimo contraído ao abrigo do Plano Marshall e utilizando para o restante das despesas extraordinárias cerca de 300 000 contos dos saldos de anos económicos anteriores.
Tais excessos das receitas ordinárias sobre idênticas despesas não são de agora, pois caracterizam a administração financeira da era de Salazar: desde 1942 vêm ultrapassando a quota anual dos 500 000 contos e mantêm-se superiores a 1 milhão de contos desde 1951.
Realizámos assim aquelas condições que nos levam a reconsiderar sobre as palavras que o autor do res-nacional proferiu também em 1929:
E certo que precisamos de desenvolver a nossa produção e a nossa riqueza, aqui e nas colónias. e que para essa obra de verdadeiro ressurgimento económico há que recorrer ao crédito, visto não haver que custear todas as obras de fomento indispensáveis com os recursos ordinários do Tesouro.
E esclareceu:
Mas esse recurso, que, aliás, não é indefinido. só o têm em condições vantajosas os que podem sacar sobre uma riqueza ilimitada futura - ilimitada e incontestável - e os que têm dado boas provas da sua capacidade de administração.
Quão longe estamos daquela época! Quanto progresso, quanto caminho andado!
Salienta o autorizado relator do parecer sobre as contas em apreciação - o nosso ilustre colega engenheiro Araújo Correia - que o progresso das receitas tem sido muito lento, pois que só agora representam valores roais comparáveis aos de 1938, donde conclui:
Este fenómeno é sério: sério do ponto de vista social, sério até do ponto de vista político. Pode significar duas coisas: ou a matéria tributável não acompanhou o progresso económico do País ou ele foi muito lento nos últimos quinze ou dezasseis anos.
E, sustentando o princípio da interligação entre economia e os finanças o parecer ao indagar as causas dos atrasos na vida económica não contesta «ter havido progresso nos consumos considerados na cifra global, visto ter aumentado substancialmente a população», mais pergunta se teria havido sensível progresso nos «consumos específicos da maioria da população».
Para facilitar a resposta nota «sintomas graves de depauperamento e desassossego da população de certo número de distritos do País, precisamente dos mais populosos ... desemprego, endémico ou intermitente, em certas regiões, com a natural baixa dos rendimentos familiares ... deficientes índices de produtividade, a assinalar o pequeno progresso no poder de compra de percentagem relevante da população portuguesa ...».
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E conclui:
Enquanto não for melhorado o poder de cumpra de forma contínua e permanente não crescerá na medida desejada o rendimento nacional e o produto nacional bruto. E como o poder de compra em estado potencial reside na maioria da população, já localizada, que agora vive em condições precárias, como é indicado pelos índices da emigração e outros, parece necessário um grande esforço no sentido de aumentar esse nível, justamente nas zonas em circunstâncias mais precárias.
Donde se deduz que o fraco poder de compra se reflecte no montante das receitas o das dotações dos serviços que podem influir na vida económica e social do País e por isso o ilustre relator insiste na defesa do são princípio que consiste em «canalizar para fins económicos, e de entre estes para os mais reprodutivos, o maior somatório possível dos investimentos públicos e privados».
Nota-se no parecer algum pessimismo, porventura exagerado e talvez filiado em enganosos elementos estatísticos. O progresso do País, embora mais lento do que desejaríamos, tem sido notável; está aí à vista, mercê dos grandes investimentos do Estado e da iniciativa particular, li tudo e fez mantendo uma dívida pública cujos encargos atingiam em 1954 unia percentagem sobre as receitas ordinárias inferior à de 1938.
A existência do saldo, a que me referi, de 1 222 128 contos entre as receitas e as despesas ordinárias do exercício de 1904, sem agravamento sensível dos impostos, revela as nossas possibilidades financeiras. E, se lamentamos que tal saldo tivesse de ser utilizado sobretudo nas despegas extraordinárias da defesa nacional, regozijamo-nos com o facto de ele existir e de nos permitir, sem fincar sobre o futuro, satisfazer compromissos militares e apetrechar o nosso exército para melhor cumprir os seus deveres para com a Pátria, que. se dele tudo exige e espera, nada lhe deve regatear.
Não serei eu, Deputado por um distrito que tem por capital a cidade do Porto - aquela, cujos habitantes se honram do nome de tripeiros, por se haverem resignado a consumir as vísceras do gado abatido, a fim de reservarem as vísceras peças de carne para o abastecimento das tripulações dos navios da expedição organizada pelo infante D. Henrique para a conquista de Ceuta -, não serei eu, digo, quem regateará o esforço despendido ou a despender com a defesa nacional, jamais nesta hora de incertezas de ordem internacional.
Queira Deus que as atitudes de insensatos ou n loucura dos homens responsáveis pela paz do Mundo não nos obriguem a maiores sacrifícios, a novos atrasos no desenvolvimento do País ou a recorrer largamente ao crédito para a defesa da abençoada terra portuguesa ou da honra nacional! São os meus votos.
Os sacrifícios desta ordem não fórum demasiado elevados em 1954, pois que o total de todas as despesas extraordinárias, incluindo as da defesa nacional, cie obras, fomento, etc., que, como vimos, atingiram 1 558 315 contos, foi satisfeito, como já acentuei, sobretudo à custa das receitas ordinárias.
Convém, todavia, que o País não se iluda, exigindo grandezas e gastos sumptuosos, mas antes se compenetre das dificuldades e obrigações presentes, que nos levam, sem prejuízo de satisfazer as necessidades da defesa nacional, a utilizar para os fins económicos mais reprodutivos o «maior somatório possível de investimentos públicos e privados» - para usar os termos já citados do parecer.
Nunca é de mais insistir: há que o produzir mais e melhor», isto é, alcançar maior produção e melhor produtividade.
Por outro lado, não basta produzir, é preciso ter assegurado o consumo interno ou externo.
E aqui também estamos absolutamente de acordo com o parecer quando nos diz:
... um aumento de produção absolutamente essencial ao progresso do País só pode advir de melhorias apreciáveis no poder de compra das populações mais numerosas e mais atrasadas - que são, em última análise, na sua maioria, as populações da província, conforme os dados do último censo. O abandono ou a falta de reconhecimento do que acaba de se aduzir tem como consequências inevitáveis a continuidade no baixo nível do poder de compra, e portanto n falta de procura interna e a emigração para a cidade ou para o estrangeiro.
E mais adiante:
A valorização dos pequenos centros regionais - aldeias, vilas ou cidades- aparece assim um problema de primeira grandeza na vida do País; do progresso da? suas actividades económicas deriva, além de unia estabilidade social indispensável num mundo revolto, o aumento do poder de compra e dos consumos. Essa melhoria apreciável nas actividades regionais só pude ser obtida por maior desvio de investimentos para educação e assistência técnica, por melhores e mais fáceis comunicações, por maiores rendimentos unitários, pelo uso de métodos de exploração agrícola ou industrial mais eficazes, pelo melhor aproveitamento das possibilidades existentes.
Sr. Presidente: quis salientar estas passagens do parecer porque verifico o desafogo das finanças publicas naquele ano de 1954 e também verifico o contraste entre os investimentos que beneficiam os grandes centros urbanos e aqueles que se destinam aos pequenos neutros. Assim, sou levado a recordar, para a aplicação dos réditos fiscais, aquele são princípio de Salazar: «a justiça exige que onde há maiores necessidades aí seja maior a solicitude».
Seria, todavia feia ingratidão esquecer a melhoria já obtida nos últimos anos nas percentagens das comparticipações do Justado pura obras dos pequenos centros, sobretudo no que se refere aos chamados melhoramentos rurais. e as facilidades de crédito concedidas aos municípios para obras reprodutivas.
As estradas e os caminhos municipais beneficiam desde há muito de comparticipações de 75 por cento do valor dos projectos, tornando-se esta percentagem extensiva, posteriormente, às fontes e lavadouros, assim como podem atingir aquele máximo no que se refere à pequena distribuição da energia eléctrica, por disposições recentes, nas condições expressas na respectiva legislação, que baseia o montante dos subsídios do Estado na razão inversa das possibilidades financeiras dos concelhos compartipados e da rentabilidade da obra.
Câmaras há, no entanto, que não dispõem de recursos suficientes para suportarem os 25 por cento da sua parte nas despesas das obras, e desta sorte se vêem impossibilitadas de realizar aqueles melhoramento e muito menos ainda os chamados melhoramentos urbanos, para os quais as comparticipações são reduzida? a 40 ou 50 por cento.
Já agora, Sr. Presidente, aproveito o ensejo para, associando-me às judiciosas considerações aqui proferidas pelos ilustres Deputados Pinho Brandão, Augusto Simões, José Maria Vaz e outros, insistir pelo desaparecimento da anomalia de existirem verbas acumuladas no orçamento dos serviços eléctricos destinadas à pequena distribuição de electricidade, ao
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mesmo tempo que aqueles serviços se encontram impossibilitados, por falta de pessoal, de informar os cada vez mais numerosos projectos e pedidos de comparticipações para as obras a que as verbas se destinam.
Diz-se que este lamentável estado de coisas é devido ao facto de os referidos serviços disporem de um só funcionário para uma tarefa cada vez maior.
Estamos, pois, na presença de um exemplo frisante de insuficiência de pessoal nos serviços do Estado, que urge remediar. Se funcionários a mais é erro, também funcionários a menos não é erro menor, e será mesmo tanto maior quanto as contas do Estado nos dizem que é fácil remediar o mal. Urge, portanto, dotar os vários serviços com os meios necessários à sua eficácia.
Este caso dos serviços eléctricos brada aos céus, pois está retardando a conveniente expansão da energia, e contribuindo para a manutenção do atraso em que vivem muitos centros rurais, sem falar no desânimo e descontentamento de quantos haviam, num louvável espírito de colaboração com as autarquias locais, contribuído com verba» relativamente avultadas para tal melhoramento, na esperança de verem mais rapidamente satisfeita a sua grande aspiração: electricidade para luz ou para mover quer a fábrica, quer a pequena oficina, o motor de rega do quintal, da courela ou da quinta. Dia a dia se verifica quanto a falta de electricidade faz desertar das aldeias os seus melhores valores. Porque se espera?
Refere-se o parecer, mais uma vez, aos magros recursos dos corpos administrativos e à impossibilidade de em muitos casos poderem desempenhar «o papel activo de renovamento tão útil e necessário ao progresso económico e social» e refere-se, mais uma vez também, às obrigações legais e aos encargos que pesam sobre as câmaras relativamente ao alojamento, instalações e certas despesas inerentes aos serviços públicos e que a final mais conveniente seria transitarem para o orçamento do Estado, como as cadeias, quartéis pura a Polícia e Guarda Republicana, repartições ou secções de finanças e do registo civil, escolas, etc.
São esses encargos que por vezes aniquilam as possibilidades de progresso local, já de si muito reduzidas, se atendermos à circunstância de que a principal receita de muitos municípios rurais provinha dos adicionais à contribuição paga ao Estado pela propriedade rústica.
Ora. é sabido que a contribuição predial varia com o rendimento colectável, cujo índice para a propriedade rústica aumentou apenas de 22 por cento desde 1936, o que coloca as receitas de tais municípios vincadamente rurais em pé de desigualdade com as daqueles que se encontram mais industrializados, e, portanto, favorecidos pelo notável e crescente desenvolvimento da contribuição industrial.
Basta recordar que a contribuição industrial viu o seu rendimento colectável subir de 2 831 000 contos em 1938 para 8 496 000 contos em 1954, ao passo que o rendimento colectável da contribuição predial rústica acusa 949 000 contos em 1938 e 1 149 000 contos em 1954.
As receitas dos municípios, à semelhança dos do Estado, quer no continente, quer no ultramar, carecem de matéria colectável. Há que cuidar de fomentar a sua criação por medidas adequadas.
Por mim, creio que o Plano de Fomento em execução não deixará de produzir os seus frutos; basta considerar que só no que diz respeito u produção de energia eléctrica, que em 1927 era de 18C milhões de quilowatt-hora -menos do que o actual consumo da cidade do Porto-, chegámos a mais de 1800 milhões em 1955.
Antes de terminar, não quero deixar de felicitar n ilustre relator do parecer sobro as Coutas Gerais do listado de 1954, cujo notável trabalho se avolumou com o parecer acerca das contas das nossas províncias ultramarinas, pela primeira vez presente à Assembleia Nacional.
Naquelas províncias os saldos de exercícios também se têm acumulado e permitido o financiamento de obras e melhoramentos que tomam cada vez maiores as grandes possibilidades económicas do nosso vasto império, cuja influência na nossa balança de pagamentos constitui garantia do progresso de toda a terra portuguesa e da sua unidade económica.
Ao dar o meu voto de aprovação às Coutas Gerais do Estado, recordo outras palavras de Salazar, proferidos também nos tempos heróicos da Revolução Nacional, em Março de 1929:
Não é necessário nem é possível deixarem de existir no Mundo o erro e o mal; o que importa é que nas batalhas decisivas triunfem a verdade e o bem. Pessimismo, porquê?
Por mim, creio na continuidade e na aceleração do ressurgimento nacional.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito b«m !
O orador foi muito cumprimentada.
O Sr. Pedro Cymbron: - Sr. Presidente: subi a esta tribuna animado do desejo de trazer contributo útil, embora o âmbito restrito, à apreciação das contas públicas, colaborando assim em disposição constitucional que durante tantos anos foi letra morta na vida política portuguesa. Oxalá a intenção que me move seja atingida.
Há alguns anos já que o Sr. Deputado Araújo Correia, como relator do parecer sobre as Contas Gerais do Estado relativas à metrópole, traz à Assembleia Nacional trabalho extenuante, pela vastidão do campo que abrange e minúcia com que é feito, repleto de elementos muitíssimo interessantes e úteis para o estudo daquelas contas.
Este ano são postas pela primeira vez à apreciação da Assembleia as contas das províncias ultramarinas, dando-se assim inteiro cumprimento às disposições constitucionais.
Acontece, porém, que alguns imposto? e contribuições cobrados nos distritos continentais peta Estado constituem nas ilhas adjacentes receitas das respectivas juntas gerais. Em contrapartida estão a cargo daqueles corpos administrativos muitos serviços cujas despesas no continente saem do orçamento do Estado.
Assim, as contas agora em discussão nesta Casa não englobam as receitas das juntas gerais nem se referem a grande parte das despesas públicas feitas nos distritos insulares, que, embora mal atinjam 1.5 por cento da despesa total do Estado, têm a maior importância para as nossos ilhas adjacentes, porque traduzem a obra da administração pública nelas realizada em tudo o que diz respeito a fomento agro-pecuário, obras públicas, cultura, saúde pública, instrução primária, técnica e elementar e liceal, etc.
Por falta de tempo não me foi possível obter elementos suficientes para apreciação cuidada de todas as actividades do distrito de Ponta Delgada, pelo que serão forçosamente superficiais as minhas considerações.
Espero, porém, se as circunstâncias mo permitirem, fazer no próximo ano trabalho mais conciso, acompanhado dos indispensáveis elementos de estudo.
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Quanto propriamente às contas das juntas gerais, só me foi possível obter as de Ponta Delgada, com as quais organizei os quadros I e II, que dão a quem sobre eles se debruçar indicações interessantes relativas à actividade daquele corpo administrativo. À responsabilidade que me cabe naquelas coutas impede-me de a elas fazer qualquer critica. Limitar-me-ei a bordar algumas considerações a propósito da evolução das mais importantes receitas.
Tem sido norma não se restringir n apreciação das contas públicas nesta Assembleia a verificação do cumprimento dos preceitos constitucionais no arrecadar das receitas e na aplicação delas aos diferentes serviços públicos.
O estudo da situação económica e social e dos recursos latentes tem estado sempre presente na discussão das contas como elementos que permitem a avaliação das possibilidades de progresso nacional, da evolução das receitas e do valor da obra fomentativa realizada. A vida no distrito de Ponta Delgada, fundamentalmente influenciada pela situação da ilha de S. Miguel, desenvolveu-se ainda em 1904 sob a pressão dos excessos demográficos, cujas consequências são, para a população rural, condições de existência muito dolorosas, que se impõe a todo o transe dominar.
Emigração vultosa durante 1954 e incremento de obras públicas vieram trazer aos micaelenses que do amanho da terra tiram o pão de cada dia melhoria em relação a anos anteriores, mas o seu nível de vida ao fechar o ano mantinha-se muito baixo.
O reflexo na economia distrital dá evolução operada desde 1952 nus condições de trabalho do camponês foi certamente, dado o ainda limitado valor total dos salários distribuídos em 1954 (cerca de 10 000 contos), bastante superficial, mas outras circunstâncias, como diminuição de determinadas importações e intensificação da saída de produtos locais, terão levado a melhoria que, embora ainda pouco profundo, e pouco sensível à vista do grande público, algumas indicações de ordem financeira também parecem afirmar.
De facto, elevação do numerário em depósito nos bancos e caixas económicas, subida em quantidade e valor das letras descontadas, com estacionamento do número de protestos, e tendência pura aumento dos empréstimos em geral e dos hipotecários na Caixa Nacional de Crédito destinados a novos empreendimentos são índices que não é razoável menosprezar.
Em outros sectores notam-se factos que levam a considerar a economia de Ponta Delgada em melhoria porventura débil mas, real. Assim, aumento visível da camionagem, subida, de consumo de gasolina, não obstante ascensão forte do imposto de compensação, e desenvolvimento da construção urbana, até há poucos anos praticamente nula, são factores que apontam no mesmo sentido dos índices atrás citados.
A saída de 2144 indivíduos, dos quais 958 homens válidos, para o Canadá em 1954, ano que deu à América do Norte o ao Brasil importante contingente (1565), veio aliviar, embora de forma insignificante, a situação demográfica, visto que o saldo liquido naquele ano foi negativo, mas a sangria, se bem que de vantagem imediata indiscutível para o rural, é manifestamente grave, porque se dá entre os mais aptos e na 'idade do máximo rendimento.
Naturalmente as actividades públicas que as contas de 1954 traduzem desenvolveram-se no distrito de Ponta Delgada no sentido de melhorar de momento a situação da grande, maioria da população, criar na própria terra lugar aos homens de amanhã e incrementar riqueza, que arrasta subida de nível de vida.
Os índices de que podemos dispor comprovam a afirmação muitas vezes feita de que o problema mais grave a resolver no distrito é o da falta de trabalho para o rural, puis a economia geral, se bem que débil ainda, fortalece-se.
Traçado este ligeiro panorama geral da vida no distrito de Ponta Delgada e antes de fazer algumas considerações sobre a economia das ilhas de Santa Maria e S. Miguel, suas necessidades e possibilidades, farei breves comentários às receitas públicas distritais, aos excessos demográficos e suas consequências e ao comércio em cabotagem e com o estrangeiro.
Vejamos primeiro as receitas distritais:
O quadro I mostra as receitas da Junta Geral de Ponta Delgada nos anos de 1952, 1953 e 1954.
No parecer da Comissão de Coutas da Assembleia Nacional diz-se que o desenvolvimento das receitas sem, termos reais foi muito pequeno no longo período que vem de 1938 até 1954».
Ora, relativamente às contribuições predial e industrial e aos impostos profissional, sobre a aplicação de capitais e camionagem, que nos distritos insulares são cobrados para as juntas gerais, a evolução em Ponta Delgada acusa subida muito menos intensa ainda do que a verificada nos distritos continentais.
Este facto e o aumento dos vencimentos vieram desequilibrar, como já aqui há alguns anos foi dito, as finanças distritais e perturbar a acção das juntas gerais. Felizmente, o Governo, retirando alguns encargos e dando nova? receitas àqueles corpos administrativos, tem procurado solucionar a situação, e aqui me apraz registar o que pelo Decreto n.º 39 965, de 13 de Dezembro de 1954, durante a estada do Doutor Águedo de Oliveira no Ministério das Finanças, foi concedido às nossas ilhas adjacentes.
Pode, entretanto, afirmar-se que é possível no distrito de Ponta Delgada subida da contribuição predial, não só por melhor distribuição de carga tributária, mas pela valorização da própria terra, trazendo à cultura vastas áreas inaproveitadas.
Estudo recentemente mandado fazer pela Junta Geral indica a existência em S. Miguel e Santa Maria de alguns milhares de hectares de incultos agricultáveis, cuja utilização lhes imporá valorização muito importante, da ordem das centenas de milhares de contos, origem de nova e importante matéria colectável.
O desenvolvimento industrial inerente à electrificação geral da ilha de S. Miguel e ao aproveitamento das possibilidades latentes, por um lado, e a expansão comercial, ligada à evolução da agricultura e da indústria, por outro, podem considerar-se receitais públicas em potência.
Mas é conveniente não esquecer que os contribuintes marienses e micaelenses estão sujeitos a tributação mais pesada do que os de outros distritos portuguesas, porquanto, em consequència de deliberações da própria Junta Geral que a lei permite, os impostos directos arrecadados por aquele corpo administrativo estão sobrecarregados com 20 por cento e o açúcar consumido no distrito de Ponta Delgada agravado com $56 por quilograma.
Além destes ónus são cobradas taxas para a remissão distrital de assistência sobre vários produtos de consumo, que atingem cerca de 3500 contos anualmente, verba pouco inferior à contribuição predial rústica que o distrito paga.
Apesar da modificação que o Decreto n.º 39 965, a que já fiz referência, veio trazer à situação financeira das juntas gerais a posição quanto ao distrito de Ponta Delgada continua a provocar apreensões e a análise das contas de todas as juntas gerais mostra claramente que aquele distrito é o mais gravemente afectado pela evolução dos acontecimentos.
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Os excessos demográficos e suas consequências, o baixo nível de vida e os fracos consumos e a política de obras públicas também merecem ligeira referência.
No quadro III registei números relativos a nascimentos, óbitos, emigração e mortalidade entre os anos de 1949 e 1954.
Verifica-se impressionante aumento dos saldos demográficos, motivados por natalidade, com marcada tendência para subir (em 1955 já ultrapassa 34), e a mortalidade em franco declínio, apesar de ainda ser muito mais alta do que a média portuguesa.
A perspectiva é muito sombria. A situação dos rurais, a manter-se o sentido e intensidade da evolução, pode vir a ser muito mais grave do que a actual na época em que os varões agora nascidos entrarem na classe activa, se até lá não forem criadas novas fontes de trabalho.
Afirma-se muitas vexes que as dificuldades do camponês micaelense provêm da fraca divisão da propriedade P dá-se tomo prova o que se observa nos outros distritos açorianos, particularmente no da Horta, cujas boas condições de vida. impressionam qualquer que os visite.
De facto, vê-se nos anuários do Instituto Nacional de Estatística que no distrito da Horta há cerca de 8 700 proprietários isentos de contribuição rural e no de Angra do Heroísmo 4700, aproximadamente, ao passo que em Ponta Delgada só existem 2700 pessoas cujo rendimento colectável é inferior a 15$:
Mas pergunto: é o usufruto de propriedade de tão baixo valor que origina vida desafoga?
Indicam também os publicações do Instituto Nacional de Estatística que a percentagem e, consequentemente, o número de contribuintes nos escalões correspondentes a propriedades que podem ter significado, embora pequeno, no nível de vida dos respectivos possuidores é maior no distrito de Ponta Delgada do que nas outras terras açorianas. O que realmente condiciona os casos açorianos é a densidade populacional, que em S. Miguel já deve ter ultrapassado 250 habitantes por quilómetro quadrado. Digo propositadamente casos açorianos porque a população da ilha da Madeira, com muito maior densidade ainda, mercê de fontes de trabalho e de riquezas diversas desfruta situação muito melhor do que a de S. Miguel.
No distrito da Horta, com 55 000 armas e 76 000 ha de área total, devia haver quase três vezes mais trabalho rural do que em Ponta Delgada, com 184 000 habitantes (em 1954) e 85 000 ha, mas, considerando a maior percentagem de incultos existente, no distrito ocidental dos Açores, a diferença não será tão grande. No entretanto, o número de jornas que a agricultura daquele distrito fornece aos seus rurais é certamente muito superior ao dobro das que o camponês micaelense tira da terra.
Além disso as obras públicas realizadas nas ilhas do Faial, Flores e Pico, em ritmo vivo nos últimos anos, têm tido influência profunda no aumento do trabalho rural.
No distrito de Angra, onde a população é mais densa do que no da Horta, já a terra garante menos ocupação aos camponeses, mas a situação foi sempre muito melhor do que em S. Miguel, apesar de menos feliz do que nas ilhas ocidentais.
Visto e estudado o assunto em profundidade, o que não consegui fazer agora, talvez se chegue à conclusão de que a propriedade está mais bem distribuída na ilha de S. Miguel do que nos outros distritos dos Açores, mas o que nela existe com certeza é gente sem nada possuir em número muito mais elevado do que nas outras terras açorianas.
O problema fundamental é de falta de trabalho rural, e esse não aumenta com a divisão da propriedade, antes, pelo contrário, diminui.
O montante das rendas também tem sido alvo de apaixonados comentários. É verdade que há rendas altas, mas os maiores proprietários, herdeiros de casas antigas, em sua grande maioria, mantêm as honrosas tradições da terra portuguesa e passam os arrendamentos de pais a filhos, não especulando com a concorrência que o aumento de população provoca. De facto, quantas vezes são os próprios rurais que, na ânsia de melhoria para o próprio trabalho, vão oferecer maiores rendas. Contra o abuso desumano que existirá não vejo, infelizmente, forma legal do agir, mas o aumento das obras públicas, dando trabalho em abundância, creio, levará ao justo equilíbrio. Talvez negociações bem conduzidas entre Casas do Povo e o Grémio da Lavoura chegassem a resultados convincentes.
É evidente que estando a grande massa da população a sofrer falta de trabalho não há forma de aumentar substancialmente os consumos.
Se é certo que se nota subida em tonelagem dos produtos entrados, também é verdade que a população cresce muito. Quanto aos produtos agrícolas que constituem principal alimento du população micaelense devem admitir-se melhores produções unitárias, mas há sempre a considerar o aumento da população, que está, como se tira do quadro III, a acusar saldos líquidos anuais da ordem de 3000 almas! Consequentemente é provável que não haja apreciável melhoria nos consumos por cabeça, se bem que deva admitir-se subida nos consumos totais.
É em toda a parte o mesmo problema - baixo nível de vida provocando fracos consumos.
O incremento dos trabalhos públicos, que estão a receber do Governo muito cuidada atenção, é ainda o meio mais eficaz de combater de momento as dificuldades, que afinal são quase inteiramente sociais. Pode afirmar-se que os detentores de terra inculta ainda reconhecem a função social que lhes cabe e, quando os meios de comunicação permitem, ocupam muita mão-de-obra, arroteando tudo o que é susceptível de aproveitamento.
Vou referir-me, em rápida análise, ao comércio de cabotagem com o estrangeiro.
O quadro IV indica entre 1951 e 1954 melhoria notável da balança comercial do distrito de Ponta Delgada, se é permitido chamar assim ao movimento comercial de saída e de entrada de produtos diversos em região limitada do País.
Nota-se quanto à saída de produtos subida de tonelagem e aumento de valor global e quanto à entrada de mercadorias descida ligeira do valor total, embora se apresente oscilante, mas talvez com tendência para crescer, a respectiva tonelagem.
A diferença entre o valor global dos produtos entrados e o dos saídos do distrito tem baixado fortemente nos últimos anos e é bastante provável, dadas as deficiências das fontes de informação, que o saldo negativo registado em 1954 esteja muito abaixo de 21 contos.
Não consegui obter indicações seguras de entrada de invisíveis, mas tudo leva a crer que atinja quantia, capaz de cobrir largamente o saldo negativo acusado peias únicas estatísticas que possuímos.
Parece interessante registar aqui algumas considerações sobre o comércio com o estrangeiro e o feito em cabotagem - comércio externo.
Entre os produtos exportados figuram com valores que podem atingir umas dezenas de milhares de contos os ananases, causavas de peixe, amendoim e pouco mais. Em contrapartida, as importações de maior vulto são: sementes, automóveis, adubos (por vezes mais de
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5000 contos), trigo, ultrapassando 10 000 contos, e óleos minerais, que em 1952 chegaram a atingir 27 000 contos, mias que normalmente oscilam de 10 000 a 15 000 contos, e basta esta numeração para se verificar a dificuldade de baixar de forma sensível o valor global dos importações.
A importantíssima baixa no importação de trigo, que de 10 000 contos, aproximadamente, caiu para 1500 em 1954, é consequência de medidor adequadas respeitantes à produtividade, embora circunstâncias que provocaram o interesse pela cultura também não sejam estranhas à situação favorável registada com aquele produto alimentar.
Dadas as excepcionais condições agrícolas dos Açores, onde as irregularidades do clima pouca influência têm na fertilidade do solo, e não se prevendo alterações nas circunstâncias que condicionam a, subida da produção do trigo, é natural que se mantenha ou mesmo melhore a posição actual.
E a favor das exportações o que se poderá fazer? Se o valor das conservas depende das cotações internacionais e o seu quantitativo da felicidade da pesca, o ananás, nosso principal produto de exportação, é mercadoria com velhos pergaminhos e compradores fiéis. Possibilidade de novos mercados e melhoria de produção, em alguns casos, justifica esperança de expansão da cultura e valorização da indústria ananaseira.
Outras frutas, particularmente as laranjas, de notáveis tradições no mercado inglês e cuja cultura absorve muita mão-de-obra, constituem esperança para o nosso comércio externo.
Produtos hortícolas micaelenses, livres de doenças que impedem a sua entrada em alguns países, podem vir a ser mercadoria de exportação de grande interesse.
A cabotagem. - Os principais produtos que saem deste distrito para os mercados nacionais são: álcool, amendoim, ananases, açúcar, chicória, gado, lacticínios, massas alimentícias e tabacos, que atingem cerca de 75 por cento do valor total das mercadorias enviadas em cabotagem, isto é, aproximadamente 70 000 contos. As madeiras, borracha manufacturada, produtos agrícolas (chás, batatas, favas, etc.), caseína, couros verdes, farinhas de peixe, sacaria, etc., cobrem os 25 por cento restantes.
Em sentido contrário a cabotagem traz às ilhas de Santa Maria e S. Miguel adultos, materiais de construção (como cimento, ferro, cal em pedra, tintas, vidros, etc.); produtos alimentai PS (como arroz, bacalhau, óleos comestíveis, etc.); tecidos diversos, maquinaria, automóveis, papel, sabão. etc.. cujo valor total, que vinha a ser superior ao das mercadorias saídas do distrito, já em 1954 foi pelo destas coberto.
Vejamos agora as possibilidades e necessidades da economia do distrito de Ponta Delgada.
Têm os Açores grandes possibilidades de desenvolvimento económico. De facto, a agricultura, em solo muito fértil auxiliado por clima particularmente favorável, a pecuária (como nesta Assembleia foi, há cerca de três meses, posto em evidência por representantes dos distritos açorianos), em meio extraordinariamente propício, e a silvicultura, numa região onde as árvores atingem idade de corte em cerca do melado do tempo necessário no continente ao seu desenvolvimento, são potenciais de riqueza que é indispensável utilizar plenamente.
As actividades industriais em Ponta Delgada, se bem que em geral um tanto desactualizadas quanto a processos técnicos, têm algum valor. As indústrias daquele distrito, exercidas numa terra onde. à parte as águas minerais (cujo aproveitamento económico não parece dar margem a grandes empreendi mentos), se desconhece a existência de minérios actualmente susceptíveis de exploração que possa atrair capitais, estão todas ligadas à agricultura, salvo as muito menos importantes, dependentes do mar.
As grandes fábricas que absorvem importante mão-de-obra e movimentam muitas dezenas de milhares de contos são a de açúcar de beterraba, a de álcool de batata doce, a de manipulação de tabaco (todas usando matéria-prima saída dos campos micaelenses), a de lacticínios, que valoriza a pecuária, local, e a de moagem, hoje alimentada quase exclusivamente por trigo regional, vivem dependentes da terra e são um complemento da agricultura.
Outras indústrias de menor projecção, como torrefacção de chicória, produção de fibras de espadana e de madeira (esta para a embalagem dos ananases), também devem ao solo a matéria-prima utilizada.
As farinha e conservas de peixe constituem importante indústria alimentada pelo mar. A pesca, que apesar de fomentada pelos industriais conserveiros se mantém oscilante sem tendência para subir, não permite considerar aquelas actividades como riqueza ainda em potencial. E natural que os similares do atum passem nos mares açorianos todos os anos em abundância, mas enquanto não houver meios de determinar a localização das correntes migratórias estará a indústria sujeita aos vaivéns do acaso.
As indústrias caseiras, como bordados e objectos de vidro, são susceptíveis de desenvolvimento e merecem todos os esforços feitos no sentido de as animar. Os bordados, que anualmente dão à Madeira muitas dezenas de milhares de contos, têm grandes possibilidades nos Açores. Os vimes em Ponta Delgada são indústria incipiente que, lançada com boa visão pelo antigo governador capitão Aniceto dos Santos, se espera e deseja venha a ocupar na exportação do distrito o lugar que merece pela qualidade e perfeição da mercadoria produzida.
A ilha de S. Miguel possui importante potencial hidráulico em condições de fornecer por preço conveniente electricidade suficiente para distribuição da ordem dos 200 KW por cabeça. Tendo em vista a ruralidade dominante da vida micaelense, aquela capitação pode considerar-se razoável e certamente a electrificação de S. Miguel arrastará a instalação de novas pequenas indústrias da maior interesse económico o social. Aguarda-se para breve a solução de um problema complexo que, infelizmente, se arrasta há muitos anos.
O distrito de Ponta Delgada ainda está em condições de originar novas e importantes riquezas e melhorar as condições de existência dos que ali nascem.
Susceptíveis de importante valorização, principalmente por aumento numérico do armentio, têm as ilhas de Santa Maria e de S. Miguel pecuária de notável qualidade que pode ser fonte abundante de lacticínios e carne de categoria internacional e fornecer animais seleccionados de alto nível zootécnico.
Existem incultos terrenos cuja maior valia, como disse, se coteja por centenas de milhares de contos.
A agricultura pode aperfeiçoar-se e, seguindo honrosíssimas tradições micaelenses, aumentar a produtividade do solo.
Possuímos, pois, riquezas latentes às quais é indispensável dedicar cuidada e permanente atenção para aproveitar em benefício nosso o melhor do capital humano que as fortíssimas taxas da natalidade micaelense e mariense fornecem.
Para colher todos os frutos que os recursos potenciais do distrito de Ponta Delgada estão em condições de fornecer torna-se necessário juntar ao esforço do distrito a atenção do continente.
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De facto, grande parte das necessidades económicas do distrito de Ponta Delgada pode encontrar satisfação na acção da Administração Central e nos mercados continentais. À melhoria dos bovinos leiteiros do continente em regiões nas quais as raças holandizadas se adaptem pode obter-se a partir de núcleos escolhidos em S. Miguel (como aliás já tem sido feito por entidades oficiais que muito bem conhecem o valor zootécnico do gado vacum daquela ilha), sem recurso a reprodutores estrangeiros.
Há algumas semanas desta tribuna se demonstrou como era viável combater ou, pelo menos, atenuar as grandes crises de falta de carne no continente fomentando o desenvolvimento pecuário açoriano. Os lacticínios de Ponta Delgada, de boa qualidade, podem ter no continente colocação segura.
A valorização da pecuária corresponde em todas as ilhas açorianas ao aproveitamento dos incultos, que, como também aqui foi dito, só pode fazer-se desde que para eles sejam abertas convenientes vias de comunicação.
Felizmente o Sr. Ministro das Obras Públicas apercebeu-se tão bem daquele facto que já estão em curso estudos sobre as possibilidades económicas das regiões capazes de serem fontes de novas riquezas.
Os ananases à medida que o nível de vida subir encontrarão melhor colocação no País.
O álcool foi uma das indústrias que, em qualquer tempo, maiores prosperidades trouxe à ilha de S. Miguel. Por isso a sua economia foi profundamente abalada com o primeiro golpe que lhe vibraram. Ainda hoje a cultura que alimenta a indústria do álcool é importantíssimo para a vida rural, pelo que se torna indispensável manter a posição actual, se não for possível melhorá-la.
A chicória vive do consumo continental e a indústria, mercê dos esforços feitos no melhoramento da qualidade e aumento da produtividade do solo, tem enfrentado vitoriosamente a luta que abateu outros contendores nacionais.
A indústria dos tabacos, também devido a esforços técnicos bem sucedidos, tanto na cultura da planta como na manipulação dela, pode apresentar os seus produtos a qualquer consumidor. É necessário conceder ao tabaco insular posição idêntica à que foi conferida à produção ultramarina.
O chá, produtos hortícolas e outras mercadorias de origem agrícola podem melhorar a posição que têm no consumo continental.
Os produtos pecuários são, sem dúvida, de entre os dependentes da terra, aqueles que estão em condições de ocupar melhor lugar nos mercados portugueses. As possibilidades dos Açores são imensas neste ramo de actividade. Política económica convenientemente conduzida seria de grande vantagem para o País e daria àquele arquipélago incomparável instrumento de progresso.
Sr. Presidente: é com viva satisfação que reconheço o interesse que o Governo vem a demonstrar pelas nossos ilhas.
Ao Sr. Ministro das Obras Públicas não posso deixar de dirigir novos agradecimentos. Depois da referência que há pouco tempo fiz nesta sala à viagem de S. Ex.ª ao distrito de Ponta Delgada, dois diplomas da maior importância para aquela terra foram publicados e outros de mais vasta projecção ainda estão em preparação.
No Ministério da Economia também se trabalha para Santa Maria e S. Miguel. O Sr. Subsecretário de Estado da Agricultura não tem esquecido aquelas ilhas e as suas direcções-gerais dos Serviços Agrícolas e dos Serviços Pecuários e os organismos de coordenação económica dele dependentes estão a prestar magnífica colaboração u Junta Geral, quer orientando os técnicos locais, quer cedendo os seus melhores especialistas, quer encaminhando auxílios materiais importantes para aquelas ilhas.
Espera-se que a coordenação económica, de que hoje tanto se fala, fiquem os Açores devendo o melhor do seu futuro económico.
A coordenação económica dos distritos insulares é atribuição das juntas gerais, por disposição do estatuto que as rege. São vastas aquelas atribuições, mas julgo que necessitavam ser mais latas, além de que é indispensável criar os serviços correspondentes de forma a poder-se tirar das disposições legais todo o rendimento.
A coordenação económica entre os distritos insulares, da qual muito há a esperar, só pode efectivar-se em nível ministerial, mas creio que bem merecerá o esforço que em tal sentido o Governo fizer.
Sr. Presidente: não há dúvida que bons juros se podem colher das despesas a realizar com o fomento da economia açoriana, pois a nossa matéria tributável criada trará maiores receitas ao Estado e às juntas gerais, que por sua vez as distribuirão em benefício de todos os portugueses.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Araújo Correia: - Sr. Presidente: não alongarei muito mais o debate, que já vai longo, e limitar-me-ei apenas a explicar certas passagens dos documentos apresentados a esta Assembleia e a tentar esclarecer dúvidas postas por alguns dos nossos ilustres colegas sobre a vida na metrópole e no ultramar.
Antes de entrar na matéria, desejo, porém, pedir desculpa à Câmara da extensão dos pareceres das contas, embora houvesse o propósito de os reduzir.
Não foi possível por este motivo completar os apêndices do ano passado sobre depósitos, e crédito e sobre o regime de propriedade rústica no Minho e Alto Douro.
Quanto ao primeiro -depósitos e crédito-, falta ainda examinar a parte relativa ao crédito, na metrópole e no ultramar, que é o natural corolário do estudo do ano passado sobre as disponibilidades de investimentos susceptíveis de serem utilizadas.
Os elementos coligidos e a experiência dos últimos vinte e cinco anos, depois das reformas de 1929 e 1930, de tão bons resultados, permitem chegar já a conclusões sobre o crédito a curto e a longo prazo e sobre o estabelecimento de directrizes, no que respeita às disposições inovadoras a introduzir nos investimentos em novas empresas. Logo que seja possível, será publicado este natural complemento do estudo iniciado no parecer de 1953.
Quanto ao regime de propriedade rústica, que decorre de inquéritos em boa hora iniciados pelo Instituto Nacional de Estatística, uma vez mais se comprova o extraordinário parcelamento da propriedade e seus inconvenientes na exploração agrícola. A baixa produtividade na agricultura também em muitos casos provém deste facto.
Parece, pois, necessário tomar medidas no sentido de iniciar o emparceiramento gradual da propriedade dispersa, à semelhança do já feito com benéficos resultados na produtividade da exploração agrícola em quase todos os países europeus.
A inclusão destes dois estudos sobre momentosos problemas económicos -o do crédito e o da extrema divisão da propriedade rústica-, impossível neste pá-
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rever, terá certamente outra oportunidade, mas não quis deixar de assinalar agora as razões de não fazerem parte do trabalho deste ano.
Tenho aprendido muito com os debates nesta Câmara, desde há dezoito anos. O parecer das contas toma sempre em atenção as sugestões, as queixam, os reparos e os comentários Aos diversos oradores.
O exame das condições do País, numa atmosfera serena e compreensiva, leito por quem está em directo contacto com as realidades da vida quotidiana e com a complexidade dos problemas humanos, representa um dos mais sólidos instrumentos de governo.
O País necessita do concurso de todos, de modo a poder atingir o lugar que naturalmente decorre das potencialidades económicas e humanas que contém. É falaz, sem consistência, a ideia de que tudo pode ser resolvido apenas por medidas de governo, que nelas reside o elixir para todos os males. A iniciativa particular é um poderoso instrumento de prosperidade. Mas a iniciativa privada em muitos aspectos da economia nacional tem-se mostrado apática e tímida.
Parece haver o receio de inovações, ou a falta de energia para levar a cabo empresas de interesse privado e nacional, muitas vezes perturbadas por desnecessárias interferências burocráticas. £ daí atrasos de muitos instrumentos de fomento, baixo nível do poder de compra, insuficiência nos consumos, coisas que necessitam de ser neutralizadas em tempo curto, sob pena de gravosas consequências no futuro.
As duas grandes guerras, mas sobretudo a última, operaram uma transformação brusca na política mundial, que se repercutiu profundamente na vida económica dos povos.
Os progressos realizados na produção, a luta cada vez mais acerba na concorrência em mercados internacionais, as necessidades de novos países que procuram em poucos anos atingir níveis de consumo idênticos aos de velhas sociedades, os dissídios, os antagonismos de doutrinas, as dificuldades nas trocas internacionais originadas em causas de natureza económica ou política, o desvio de vastas somas para imposições de defesa, a desconfiança, o ciúme e as rivalidades ocultas e latentes entre povos, tornam difíceis as condições de governo e impõem cada vez maior vigilância da economia e coordenação mais estreita dos seus diversos aspectos.
Ora nós somos uma nação dispersa pelo globo. Precisamos de estar atentos não só às condições locais, derivadas de climas e circunstâncias que diferem de uma para outra parcela da comunidade portuguesa, mas também aos progressos e circunstâncias inerentes a territórios vizinhos.
Apesar do considerável avanço nos meios de comunicação, os processos de administração provincial, fora da metrópole, terão de se adaptar às condições locais. E, assim, o próprio orçamento, os métodos de exploração agrícola e industrial, o crédito, as complicadas questões relacionadas com a mão-de-obra, o povoamento europeu, e outros, terão de requerer tratamento diferenciado. Sendo todos parte de um aglomerado nacional, temos de admitir que, enquanto não for operada uma soldagem mais perfeita nas condições que prevalecem em cada parcela do conjunto, há necessidade de harmonizar com as condições locais os métodos de governo - na administração e na economia.
O parecer das contas tenta dar uma ideia de conjunto da unidade portuguesa - na metrópole e no ultramar. Embora volumoso, ele está longe de corresponder às necessidades da compreensão exacta das condições de vida nos vastos territórios das províncias ultramarinas. Já foram focados aqui alguns aspectos das suas actividades por oradores conhecedores da matéria, que completaram as considerações feitas no parecer ou trouxeram ao conhecimento de nós todos elementos úteis para bom entendimento da administração e dos recursos de Portugal de além-mar.
Espero, se me for possível redigir um novo parecer, que me seja dado por todos os que se interessam por estes assuntos o auxílio indispensável para a imparcial e cuidadosa consideração dos factores que condicionam a vida das nossas províncias ultramarinas.
No estado actual dos negócios internacionais, na luta travada de ambições e desejos desvairados, na anarquia tão alheia à compostura de outras idades, os problemas ultramarinos requerem cuidados especiais - necessitam de ser vistos à luz das realidades do presente e antevistos à luz de previsões futuras. E certamente infundada a ideia da existência de nacionalismos nos nossos territórios. As suas populações são estruturalmente portuguesas, orgulham-se da sua nacionalidade e da sua civilização, ainda que pertençam a raças- diferentes das da Mãe-Pátria. Quem viajar pelos vastos descampados de Angola ou Moçambique sente esta realidade nas relações com os povos que os habitam, sem distinção de origem ou de raça.
É um fenómeno inédito no mundo revolto que caracteriza o momento - mas é um fenómeno à vista e sentido por todos os que têm tido o privilégio e o prazer de viajar em territórios portugueses.
Como foi possível atingir esta uniformidade de sentir, ninguém o poderá explicar, e não vale talvez a pena proceder a profundas investigações, porque ele é sem dúvida um produto do andar dos séculos, de generosos contactos entre populações de modos de ser diferentes, deste inato humanismo e bondade que nos torna compadecidos da pobreza ou da pouquidão de nossos semelhantes, independentemente da sua origem ou raça.
Mas este sentir inato e indiscutível precisa de ser mantido nas nova.- condições que tudo indica se desenvolverão no próximo futuro em terras africanas. Precisamos de acompanhar o ritmo de progresso e de modernização nus territórios nacionais e executar neles a obra indispensável ao seu rápido progresso.
Apontam-se nas páginas do parecer algumas disposições a tomar no sentido de trazer à superfície o conhecimento mais perfeito dos recursos das províncias ultramarinas, de modo a estabelecer uma escala de prioridades nos investimentos que possam ser anualmente desviados para o ultramar, ou lá desenvolvidos. Esta necessidade, ou, talvez com maior rigor se possa dizer, esta exigência do condicionamento da política económica nacional, tem projecção extraordinária nas províncias ultramarinas.
O mundo português constitui hoje um todo coeso, cimentado por um imponderável liame de sentimento e patriotismo, assinalado em todas as graves emergências da vida nacional. As suas economias são complementares, dando à palavra o sentido de a prosperidade de cada território estar inteiramente ligada à dos outros territórios da comunidade. De modo que os problemas económicos, como os de natureza política, têm de ser coados por uma visão de conjunto, serena, objectiva e imparcial, que nos dê exactamente a resultante mais produtiva e melhor adaptada aos interesses do aglomerado nacional constituído por todos os territórios.
Chegamos justamente ao ponto da ascensão da nossa vida de nação independente e livre, por tantos séculos, em que se desenrola diante de nós um novo panorama de interesses políticos e económicos de territórios dispersos.
Precisamos de encontrar uma linha geral que defina o rumo certo da contribuição de cada um para o bem
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de todos e da satisfação das ambições de cada um dentro da unidade de todos.
O exame das condições gerais já conhecidas das províncias portuguesas de além-mar, embora imperfeito ainda em muitos aspectos, e as qualidades de trabalho e de iniciativa demonstradas, sobretudo no pós-guerra, por muitos dos que as povoam permitem augurar progressos no futuro.
Mas não devemos esquecer que no mundo moderno a improvisação redunda quase sempre em desperdício e atrasos, e que projectos baseados apenas na imaginação, ou na ânsia de construir, podem demorar progressos que têm de ser graduais e metódicos para serem efectivos e seguros.
Quase todas as províncias ultramarinas têm recursos importantes susceptíveis de produzir bons frutos. Mas podem destacar-se do conjunto os vastos territórios de Moçambique e Angola. Recentes trabalhos de investigação e de reconhecimento económico permitiram pôr a nu e trazer à superfície, ou simplesmente fazer vislumbrar, algumas das vastas possibilidades inerentes aos próprios territórios, ou em relações com territórios vizinhos.
Mas para que essas possibilidades produzam efeitos é necessário estudá-las e estabelecer prioridades de realização. Parece-me que os métodos aconselhados nos pareceres das contas para a metrópole desde o início se impõem ainda com mais força ao caso do ultramar.
Devemos aplicar no desenvolvimento dos recursos ultramarinos planos de conjunto, relacionar os esquemas de modo a fazer realçar o princípio da produtividade dos investimentos e o d
Esquemas de conjunto que extraiam os maiores benefícios dos investimentos, como o que é apresentado, no caso -d« Angola, paro o aproveitamento do Cuanza e terrenos limítrofes, são fundamentos do progresso do ultramar, como o seriam na metrópole se acaso tivessem sido adoptados em tempo oportuno.
Estas ideias, na aparência simples, necessitam de espíritos inovadores atentos a todos os progressos da economia e da técnica. Às sugestões indicadas no apêndice relativas a futuras empresa» no Centro de Angola, nos planaltos a norte e a sul daquele rio, enquadram-se no movimento destas ideias. São a guarda avançada de futuros progressos. Para construir são necessários elementos de trabalho. E preciso estudar as condições e proceder ao reconhecimento geral, tão aproximado quanto possível, dos recursos e métodos de os aproveitar.
Só deste modo será realizável uma obra inteligente, com o estabelecimento de prioridades que assegurem Tis províncias ultramarinas os rendimentos indispensáveis ao seu bem-estar material, ao seu progresso moral e à formação dos investimentos para novas empresas.
Sr. Presidente: não desejo levantar neste fim do debate problemas específicos relacionados com a metrópole e ultramar, nem referir-me especialmente a esta ou àquela província. Mas há uma questão, aqui examinada com brilhantismo, digna de ser trazida à superfície e que merece a atenção de todos: a da população nacional nos seus aspectos demográficos e fisiológicos.
E erro sério, num país com tão vastos territórios e com largos recursos susceptíveis de aproveitamento, supor ser suficiente ou satisfatório o ritmo de crescimento da população nacional. Nós temos uma parte do País - o Alentejo - esparsamente povoada, com densidades das mais baixas da Europa; dentro do nosso
ambiente político há vastos territórios com largas parcelas de terras próprias para o povoamento europeu, e um país novo e poderoso, com predominância de sangue nacional e costumes e usos que urge manter no âmbito da influência lusitana, ainda necessita do afluxo da emigração portuguesa.
Isto por um lado. Por outro lado, observamos a diminuição exagerada das taxas da natalidade; enfraquecem assustadoramente os saldos líquidos, e os saldos fisiológicos nem acompanham o ritmo normal de um crescimento ordenado. E é exactamente nas zonas menos povoadas que se manifesta em maior grau a diminuição de nascimentos.
Este estado de coisas pode levar a grandes males, porque futuros desenvolvimentos! económicos em perspectiva e desejáveis, como a intensificação agrícola e a industrialização na metrópole e no ultramar, hão-de exigir um suplemento de ocupação de actividades humanas. O progresso da Nação, pode dizer-se, está ligado ao seu normal crescimento.
Às receitas têm sido motivo de algumas interessantes considerações de diversos oradores nos debate» sobre as contas públicas e o relator do parecer por várias vezes tem mostrado a sua insuficiência, atribuída à má repartição do imposto por alguns e a fraquezas da matéria tributável por outros. Apesar dessa insuficiência, as contas acusam o fenómeno do grande desequilíbrio entre as receitas e as despesas ordinárias, que se materializa em grandes excessos idas primeiras sobre as segundas.
Este fenómeno, diz o parecer, pode levar à conclusão da possibilidade de muitos julgarem, sem agravamento social, ser possível uma redução nas receitas ordinárias.
E acrescenta o parecer: aquém atentar cuidadosamente na situação dos serviços/públicos, com insuficientes dotações para fins úteis, nos próprios queixumes e reclamações formuladas da Assembleia Nacional e no lento progresso notado em muitos aspectos da vida da Nação sente logo que as causas dos excessos de receitas são derivadas de insuficiências, e que essas insuficiências são, pelo menos em parte, a causa de atrasos nos consumos».
Com esta passagem o parecer tenta mostrar que uma diminuição de receitas ordinárias pode trazer graves consequências para o futuro do País, por obrigar ainda a diminuir os consumos das despesas ordinárias ou, como se disse em pareceres anteriores, a reduzir o ritmo das despesas extraordinárias. E apontam-se as pequenas dotações actuais nas Universidades, no ensino, nos transportes, nas estradas e noutros serviços essenciais ao progresso normal do País, insusceptíveis de serem diminuídas.
("m nosso ilustre colega parece ter visto nesta passagem a condenação da política dos excessos de receitas sobre idênticas despesas, quando há apenas um argumento contra a corrente de opinião que preconiza diminuição no quantitativo das receitas. Não parece que o ilustre Deputado pertença à corrente de opinião que, em frente de volumosos excessos de receitas sobre despesas ordinárias, aconselha a diminuição das primeiras. Ou não será assim?
E não julgo também que o ilustre Deputado possa ser contrário ao reforço de dotações de certas despesas ordinárias, aliás preconizado tantas vezes nesta Câmara, porque seria ir contra os seus próprios desejos de melhoria social, expressos em algumas das suas brilhantes intervenções.
A política dos excessos de receitas ordinárias sobre idênticas despesas tem sido uma necessidade, só satisfeita pela insuficiência das despesas ordinárias. Ela fere porém, quando excessiva, certos consumos produ-
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tivos, e na falta desses consumos estuo atrasos na produção e na vida social.
Aliás, o equilíbrio ornamental, tenazmente defendido pelo parecer das coutas, durante a sua já larga, existência, e que é um dos mais sólidos esteios da vida nacional, em nada será alterado com uma cuidadosa revisão da.» despesas ordinárias e extraordinárias. Antes, porventura, levaria à supressão de aplicações improdutivas, a favor de outras indispensáveis, como as a conservação de estradas, certos casos relacionados com n instrução e assistência e outras.
Sr. Presidente: outro ilustre Deputado produziu nesta tribuna uma longa oração e focou alguns pontos levantados no parecer.
Não é fácil, em matéria tão complexa e delicada como a que se refere à análise de números e cifras que exprimem pensamentos, critérios de governo e acções humanas, poder analisar, de simples ouvido, o que o nosso distinto colega diz-se sobre as matérias contidas no parecer, li sentir-me-ia réu de algum deslize na interpretação de Ião profundos conceitos aqui expressos pelo nosso ilustre colega, sem prévio estudo.
Mas, sem querer atingir a perfeição na análise do seu discurso, que será feita em tempo oportuno, com mais vagar e com os textos e aã cifras à vista, não posso deixar passar em claro algumas afirmações que me pareceram paradoxais, para não empregar outra palavra talvez mais adequada.
Julgo que o parecer foi acusado de defender a inflação. Provavelmente a ideia veio do exame dos nossos baixo consumos e da necessidade de os fazer subir, verificada no documento em apreciação e por quase todos os oradores que subiram a esta tribuna.
Na verdade, quem examinar o relatório com atenção e ler o que nele se coutem sobre a matéria vê logo, sem necessidade de longas congeminações, que o parecer de 1954, como, aliás, todos os anteriores tem mantido um combate tem tréguas contra todas as medidas que porventura possam levar a uma inflação dos preços.
Veja-se esta simples passagem, relativa ao crédito e investimentos:
Num espaço económico débil a influência de variações nos seus quantitativos é bem mais sensível do que em outros. Quando são baixos os consumos da grande maioria, aquém das necessidades supostas essenciais no nível de vida contemporâneo, um surto indiscriminado no crédito ou nos investimentos, sem contrapartida sensível no aumento de bens de consumo, pode produzir inflações nos preços susceptíveis de destruírem em pouco tempo os resultados atingidos ou até antes de serem atingidos.
O uso do crédito ou dos investimentos sem a consideração dos restantes factores, que com eles formam o todo económico, constitui, por isso, um problema delicado e de manipulação perigosa ... e não vão muito longe os anos em que, por motivo dum surto nos meios monetários à, disposição do público, se saldou a balança de pagamentos, em três anos. com o déficit da ordem de alguns milhões de contos.
Este trecho não deve ter sido lido pelo nosso ilustre colega ou se foi, ignorou-o na sua análise. Ele revela uma preocupação angustiosa de crise nos preços, gerada por inflação; é um poderoso ataque aos que pregam o uso imoderado de disponibilidades monetárias; é, para rematar, a negação completa do que aqui disse o nosso ilustre colega *obre o assunto.
Diversas outras passagens Ne levantam contra o seu pressuposto, e até uma avisa o País contra sintomas prevalecentes, na hora em que foi escrita, de possíveis inflações.
Escreve-se o seguinte:
Sintomas recentes, ainda indefinidos em alguns dos seus aspectos, permitem fazer reservas sobre as necessidades actuais do mercado monetário e aconselham moderação e vigilância dos meios de pagamento ... Se este se dirigir (o crédito) em grande parte para transacções estéreis, de especulação ou improdutivas - é certo que se há-de desenvolver a inflação. Medidas tendentes a canalizar os investimentos e o crédito para fins úteis são necessárias antes de outras que tendam a lançar no mercado maior somatório de meios de pagamento.
Como foi possível deduzir-se o contrário do que está escrito?
Que movimento de ideias impulsionou o ilustre Deputado a tirar conclusões de conceitos que, existindo no parecer, exprimem exactamente o contrário do que ele afirmou nesta tribuna?
A falta de respeito e a incompreensão deste princípio trouxe a muitos países, inclusivamente ao nosso, graves perturbações económicas, políticas e sociais», acrescenta o parecer, para dar o golpe final nas aspirações dos que porventura aconselhassem a inflação. E, não obstante esta peremptória afirmativa, acusa-se de defensor da inflação o documento que a contém!
Outro ponto refere-se às causas do desequilíbrio económico, que alguns atribuem ao déficit. O parecer expõe os factos assim:
Ultimamente parece desenhar-se, nalguns sectores, opiniões que tendem a filiar no equilíbrio orçamental, mantido ininterruptamente desde 1928-1929, uma das razões, talvez a mais acentuada, do inegável desequilíbrio económico que caracteriza a vida portuguesa.
Defendeu-se sempre neste lugar a necessidade do equilíbrio das coutas públicas, que aliás, é imperativo constitucional; convém por isso examinar com certa minúcia um assunto de grande interesse na vida da Nação.
Na transcrição do nosso distinto colega faltou o último período.
Como pode o ilustre Deputado acusar o parecer de unia doutrina que ele próprio nega e repudia? Como?
É o próprio parecer que seca, ou tenta secar, sa gota de tinta que altera a cor da água clarinha onde caiu» - para parafraseadas palavras risonhas do ilustre Deputado, pitorescamente enunciadas.
Não posso, neste adiantado de hora e neste fim de sessão, continuar a análise das considerações do ilustre Deputado. Parece quase toda» elas valerem tanto como as que acabo de pôr diante da Câmara. Prometo, porém, que, se merecer a pena, em tempo oportuno procurarei aclarar o assunto e tentar desvendar o seu verdadeiro sentido.
Por último, desejo agradecer a todos os ilustres Deputados a amabilidade dos seus juízos sobre as intenções dos trabalhos apresentados a esta Assembleia no cumprimento de um dever constitucional.
Auxiliar tanto quanto caiba nas minhas forças o progresso e o bem-estar do povo português -na metrópole e no ultramar foi sempre para mini, como estar certo o é para toda a Câmara, um dever do consciência.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrito para este debate.
Estão na Mesa duas propostas de resolução: uma relativa às contas da metrópole e do ultramar, apresentada pelo Sr. Deputado Araújo Correia, e outra sobre as contas da Junta do Crédito Público, subscrita pelo Sr. Deputado João Augusto das Neves. Vão ser lidas.
Foram lidas. São as seguintes:
Proposta de resolução
«Tenho a honra de submeter à Assembleia Nacional as seguintes bases de resolução:
A) Quanto à metrópole:
1) A cobrança das receitas públicas durante a gerência entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro de 1954 foi feita de harmonia com os termos votados na Assembleia Nacional.
2) As despesas públicas, tanto ordinárias como extraordinárias, foram efectuadas de conformidade com o disposto na lei.
3) O produto de empréstimos contraídos teve a aplicação estatuída nos preceitos constitucionais.
4) Foi mantido durante o ano económico o equilíbrio orçamental, como dispõe a Constituição, e é legítimo e verdadeiro d saldo de 52:560.783$50 apresentado nas contas respeitantes a 1954.
B) Quanto ao ultramar:
Considerando que as contas das províncias ultramarina», relativas no ano económico de 1954, depois de verificadas e relatadas pela Direcção-Geral de Fazenda do Ultramar e pela primeira vez submetidas ao julgamento do Tribunal de Contas, embora acusando a deficiência de certos elementos necessários ao seu rigoroso julgamento, revelam todavia um grande trabalho, por parte dos respectivos serviços:
A Assembleia Nacional, tendo tomado conhecimento da declaração de conformidade segundo os termos do Acorda o do Tribunal de Contas de 7 de Março do ano corrente, aprecia o esforço já realizado e, fazendo votos por que a apresentação das contas do ultramar prossiga no seu ritmo de aperfeiçoamento, até inteira satisfação do texto constitucional, resolve dar-lhe a sua aprovação.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 19 de Abril de 1956. - O Deputado, José de Araújo Correia».
Proposta de resolução
«A Assembleia Nacional, considerando que, no tocante à dívida pública fundada, a política do Governo durante a gerência de 1954 respeitou sempre, escrupulosamente, os preceitos da Constituição e das leis, continuando a prestigiar o crédito do Estado e a mostrar-se a mais adequada e conveniente aos superiores interesses do País, resolve dar a sua plena aprovação às contas da Junta do Crédito Público referentes ao ano de 1954.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 19 de Abril de 1956. - O Deputado, João Luís Augusto das Neves.
O Sr. Presidente: - Vou pôr à votação a proposta de resolução sobre as contas da metrópole e do ultramar.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Ponho agora à votação à proposta de resolução sobre as contas da Junta do Crédito Público.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Após um largo debate, a Câmara acaba de aprovar as Contas Gerais, do Estado e das províncias ultramarinas. A Câmara exemplificou pela apreciação das contas uma independência e liberdade de espírito que não podem ser postas em dúvida. Não fez apologética; procurou ser justa e imparcial nos seus juízos. Se o conseguiu inteiramente, não é do meu foro decidir. Mas é do meu dever pôr em relevo o esforço feito pelos oradores que subiram à tribuna para criticar, sem paixão, a gestão financeira e económica do País em 1954 e concorreram assim para se formar uma verdadeira consciência política, base indispensável de uma esclarecida, sólida e corajosa governação pública.
Para esse resultado concorreram, sem dúvida, em larga escala os trabalhos e os pareceres da Comissão de Contas desta Assembleia e especialmente do seu ilustre relator, o digno Deputado Araújo Correia, que por isso desejo associar nas felicitações que aqui deixo exaradas na Câmara.
Vou encerrar a sessão.
Teremos sessões na segunda e na terça-feira próximas, as quais serão consagradas à efectivação dos avisos prévios do Srs. Deputados Melo Machado e Pinto Barriga sobre o problema do azeite.
Está encerrada a sessão.
Eram 10 horas e 50 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Manuel de Magalhães Pessoa.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Cruz.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Américo Cortês Pinto.
Antão Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida Garrett.
António Carlos Borges.
António Júdice Bustorff da Silva.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Rodrigues.
António Russell de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Gosta.
João Afonso Cid dos Santos.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Maria Porto.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Sousa Machado.
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José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Dessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Urgel Abílio Horta.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
Quadros a que se refere o discurso do Sr. Deputado Pedro Cymbron:
QUADRO I
Ponta Delgada
Receitas em contos
(Ver Quadro na Imagem).
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QUADRO II
Janta Geral de Ponta Delgada
Despesas em contos
(Ver Quadro na Imagem).
(a) Inclui despesas com: Policia (400), serviços florestais (288), Direcção de Finanças (411).
(b) Faziam parte das obras públicas até 1946.
(c) Não se incluem na secretaria as despesas com assistência, cultura, etc.
(d) Inclui cantoneiros.
(e) Não estavam ainda a cargo da Junta Geral a delegação do I. N. T. P. e o Tribunal do Trabalho.
(f) Não existia plano de estradas.
(q) O aumento substancial é devido ao empréstimo contraído para, a execução do plano de entradas, impossível de realizar sem recurso ao crédito.
(h) Não inclui reparações realizadas com comparticipações, consideradas nas despesas extraordinárias e que foram 1215,1199 e 1127 nos anos da 1952,1953 e 1954, respectivamente.
(j) Deduzidas as Importantes despesas com reparação de estradas, aliás auxiliadas com comparticipações do Estudo, verificam-se as fracas possibilidades da Junta Geral para a realização do obras extraordinárias.
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QUADRO III
Distrito de Ponta Delgada
Demografia
(Ver Quadro na Imagem).
QUADRO IV
(Em toneladas)
(Ver Quadro na Imagem).
(Em contos)
(Ver Quadro na Imagem).
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA