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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 149
ANO DE 1956 6 DE JUNHO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)
SESSÃO N.º 149, EM 5 DE JUNHO
Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mos Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Nota. - Foram publicados os seguintes suplementos ao Diário das Sessões: um ao n.º 135, inserindo o parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1954 (metrópole); um ao n.º 138, inserindo o parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1954 (ultramar), e quatro ao n.º 148, inserindo: o 1.º, os textos, aprovados pela Comissão de Legislação e Redacção, dos decretos da Assembleia Nacional sobre turismo e interpretação e aplicação da Lei n.º 2073 (indústria hoteleira e similares com interesse turístico); o 2.º, o texto, aprovado pela mesma Comissão, sobre actividades desportivas no ultramar; o 3.º, o aviso da convocação extraordinária da Assembleia Nacional para o dia 5 do corrente, e o 4.º, os textos, aprovados pela Comissão de Legislação e Redacção, dos decretos da Assembleia Nacional, sob a forma de resolução, acerca da Conta Geral do Estado e das contas das províncias ultramarinas referentes ao ano de 1964 e das contas da Junta do Crédito Público relativas ao ano de 1954.
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 144, 145, 146, 147 e 148 do Diário das Sessões.
Leu-se o expediente.
Enviados pela Presidência do Conselho e para os efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, receberam-se na Mesa os n.ºs 80, 82 e 83 do Diário do Governo, 1.ª série, de 20, 23 e 24 de Abril próximo passado, que inserem os Decretos-Leis n.ºs 40 578, 40 580 e 40 581.
Foi aprovado um voto de pesar pelo falecimento da mãe do Sr. Deputado Amaral Neto.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Pinto Barriga, para um requerimento; Urgel Horta, que agradeceu ao Governo o plano de melhoramentos a introduzir na cidade do Porto; Proença Duarte, para agradecer, em nome da província do Ribatejo, a recente visita do Chefe do Estado a Santarém; Almeida Garrett, na mesma ordem de ideias do Sr. Deputado Urgel Horta.
O Sr. Presidente referiu-se as comemorações do XXX Aniversário da Revolução Nacional, celebradas em 28 de Maio último em Braga, a que assistiu em representação da Assembleia.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas.
CÂMARA CORPORATIVA. - Parecer n.º 41/VI, acerca da proposta de lei n.º 38 (Plano de Formação Social e Corporativa).
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Fez-te a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Américo Cortês Finto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
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António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
António Russel de Sousa.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Eduardo Pereira Viana.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Sousa Machado.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Rui de Andrade.
Sebastião Garaia Ramires.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
O Sr. Presidente:-Estão presentes 61 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente:-Estão em reclamação os n.ºs 144, 145, 146, 147 e 148 do Diário das Sessões.
Pauta.
O Sr. Presidente:-Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, considero aprovados estes números do Diário das Sessões.
Vai ler-se o
Expediente
Ofício
Da Jefatura Nacional del Servicio Exterior a agradecer as palavras de homenagem pronunciadas na Assembleia por ocasião da morte do general Moscardo.
Telegramas
Da comissão concelhia da União Nacional do Porto a homenagear os Srs. Deputados pelo circulo do Porto, nomeadamente o Sr. Urgel Horta, que chamaram a atenção do Governo para a resolução do problema das «ilhas» daquela cidade.
Da comissão consultiva dos cineclubes a pedir que a Assembleia considere o caso dos filmes destruídos pelos distribuidores.
O Sr. Presidente:-Está na Mesa o n.º 89 das Actas da Câmara Corporativa, que insere o parecer sobre a proposta de lei relativa ao Plano de Formação Social e Corporativa.
Pausa.
O Sr. Presidente:-Estão também na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os n.ºs 80, 82 e 83 do Diário do Governo, 1.º série, respectivamente de 20, 23 e 24 de Abril findo, que inserem os Decretos-Leis n.ºs 40 578, 40 580 e 40 581.
Pausa.
O Sr. Presidente:-Durante o interregno parlamentar faleceu a mãe do Sr. Deputado Amaral Neto.
Creio interpretar os sentimentos da Assembleia Nacional apresentando a S. Ex.ª os nossos sentidos pêsames.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Sr. Presidente:-Tem a palavra para um requerimento o Sr. Deputado Pinto Barriga.
O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: mando para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Não podendo apreciar politicamente a actuação do corporativismo português, em face do artigo 71.º da Constituição, que o arredou da sua orgânica representativa e deliberativa, senão pelos seus evidentes e proveitosos resultados económico-sociais, bem relacionados com a sua administração financeira e contabilização relativamente aos encargos que fez e faz incidir sobre o conjunto económico nacional, tenho a honra, nos termos regimentais e constitucionais, de requerer, pelos Ministérios das Corporações, Finanças e todos os demais que se mostrarem competentes, cópia de quaisquer estudos ou relatórios elaborados no período de vigência do corporativismo português que nos possam dar uma visão global e de conjunto do seu balanço económico-financeiro».
O Sr. Urgel Horta: -Sr. Presidente: acontecimentos de extraordinário vulto e notável importância se deram neste curto interregno de trabalhos parlamentares. Por dever da função que exerço e que escrupulosamente sirvo, dando cumprimento às obrigações inerentes ao mandato que me foi confiado, não posso deixar de fazer-lhes o devido e preciso comentário, concedendo-lhes o merecimento e a valorização que acusam como factores de progresso e engrandecimento nacional que todos aspiramos e procuramos realizar.
Quero referir-me hoje, Sr. Presidente, à adjudicação, tornada efectiva em 27 de Abril passado, da empreitada respeitante à construção da ponte da Arrábida, acontecimento do mais extraordinário relevo, marcando data memorável nos anais da cidade.
E quero também ocupar-me, e foço-o com o mais intenso júbilo, do decreto publicado no Diário do Governo,
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1.ª série, de 28 de Maio, que permitirá a demolição das tristes e miseráveis «ilhas» do Porto, onde o sol não chega e a luz é escassa.
Medida do mais alto alcance como solução de um problema de ordem social, moral e político, em seu favor me bati sempre, como imperativo da minha consciência, dentro de um espirito de verdadeira confiança e sentida fé na acção patriótica e inteligente do Governo, agora bem claramente demonstrada.
Tenho desempenhado dentro desta Câmara o papel de elemento defensor e transmissor das justas aspirações da região que represento. Na defesa dos seus mais instantes problemas, na concretização das suas aspirações, pus todo o calor do meu entusiasmo, toda a vibração do meu sentimento de um homem do Norte, num dispêndio de energia compatível e justificado pela solução desse mesmo problema e pela vontade de ver cada vez mais prestigiada a situação que orgulhosamente apoio e defendo sem a mais ligeira quebra de ânimo.
E ao recordar a série de intervenções realizadas, numa finalidade absolutamente construtiva, sinto, com toda a sinceridade o afirmo, a voz da minha consciência a segredar que cumpri integral e honestamente o meu dever.
Mas acima dos sentimentos dominantes do meu ser coloco, apoio, admiro e louvo a acção governativa, em pleno reconhecimento pela obra efectivada através de todas as dificuldades, obra que atinge todos os departamentos da vida nacional e que bem merece o reconhecimento e a gratidão do País inteiro.
Não podem nem devem regatear-se agradecimentos; e o Porto, desfeitas determinadas incompreensões e desvanecidas todas as dúvidas, sabendo sempre, na justa medida, ser reconhecido para os que trabalham pelo seu engrandecimento, tem agora fortes motivos e razões para orgulhosa e sinceramente saudar o Governo pela alta compreensão e pelo reconhecido interesse com que as suas necessidades e os seus anseios são ouvidos e são atendidos.
Como seu representante e em nome da sua população, só tenho que manifestar inteiro regozijo por tudo quanto se está realizando, e que representa um esforço admirável, nunca até agora igualado. Uma série de empreendimentos da mais alta valia, em que se estão despendendo muitas centenas de milhares de contos, mostra à evidência ter chegado a hora que o Porto com ansiedade aguardava, desfazendo-se assim lendas e fantasias criadas à sombra de reservados intuitos.
A construção da ponte da Arrábida, a cuja inauguração deverá proceder-se no período das comemorações centenárias do infante D. Henrique, é uma das realizações de mais larga envergadura técnica realizadas entre nós; fruto do trabalho aturado e profundo da engenharia portuguesa; expoente do mais alto valor social e económico no futuro do Norte do País.
Rendendo a mais sincera das homenagens aos técnicos que a conceberam e vão realizar, quero merecidamente destacar a personalidade do Sr. Ministro das Obras Públicas, engenheiro Arantes e Oliveira, que tão brilhantes provas tem dado da sua invulgar competência no desempenho do alto cargo que ocupa, e para com quem o Porto contraiu dívida de liquidação extremamente pesada, visto só o nobre sentimento da gratidão ser capaz de a solver com inteira verdade.
Essa obra tão vultosa e de tão largas perspectivas desempenhará na vida da cidade e na vida do Pais acção de utilidade extraordinária. Repercutir-se-á na sua transformação urbanística, dando origem a outros grandes problemas, valorizando-a em diversos aspectos das suas múltiplas actividades. Manifestar-se-á a sua influência na considerável melhoria do aproveitamento económico da vasta região que vai servir, abrindo novos horizontes a muitas e fecundas iniciativas. O Sul aproximar-se-á assim mais do Norte, com mútua vantagem.
O conjunto realizado por esse magnifico empreendimento, com os seus acessos, as suas estradas de ligação às grandes vias rodoviárias do Norte e do Sul, a caminho de transformação umas e de iniciação outras, e a modificação duma larga zona da cidade dentro dos princípios urbanísticos modernos, ficará como grande obra da mais extraordinária técnica, a atestar a competência dos seus realizadores, numa valorosa conjugação de esforços e vontades.
Sr. Presidente: o plano da construção das seis mil casas agora aprovado, casas que substituirão essas «ilhas» há tanto tempo condenadas e justamente classificadas como antecâmaras mortuárias, foi por mim neste lugar largamente apreciado e louvado. Recebeu então como agora o meu entusiástico e merecido apoio, que de novo lhe reafirmo, como também não esqueci o apontar-lhe deficiências e defeitos de que enferma a sua execução.
Trata-se dum problema de extrema valia, ao qual o Governo deu uma solução compatível com as necessidades da grei, proporcionando os recursos financeiros indispensáveis à sua execução, e pena é que o prazo estabelecido, dez anos, não possa, apesar de todas as dificuldades, sofrer notável redução.
A Revolução continua obedecendo a um programa de realizações tão notáveis como esta; realizações que vão melhorar profundamente todos os sectores da vida nacional. E a resolução do problema das «ilhas», problema há tanto debatido, representa inolvidável progresso como ampla medida de verdadeira e protectora acção social, dentro do espírito da caridade cristã.
Não é somente problema de técnica ao serviço do homem, mergulhando bem fundo as suas raízes, pois trata-se de um problema verdadeiramente humano, que pela sua especial delicadeza terá de ser encarado à luz dos preceitos do Evangelho.
Impõe-se a factura de um inquérito social que dê satisfação a determinadas aspirações daqueles que irão habitar esses novos bairros, visto à habitação estar ligada, além da saúde física do indivíduo, a valorização moral e espiritual da pessoa humana, e consequentemente da família agrupada no seu lar. E ao lado das habitações substitutivas das «ilhas» torna-se necessário neste instante destacar a obra, em marcha, da realização no ano corrente de um milhar de habitações de renda económica, empresa a que o Sr. Ministro das Corporações meteu ombros e que por sua espontânea iniciativa sofrerá extraordinário impulso.
Mas, Sr. Presidente, a vida activa e laboriosa de uma cidade como é o Porto, em constante e progressivo aumento, exige atenção permanente perante os problemas habitacionais. Problemas novos surgirão, que as entidades responsáveis têm de acautelar e resolver, não atendendo unicamente ao presente, mas olhando previdentemente o futuro.
A estabilidade duma obra exige, para sua segurança, a posse de bons alicerces. A fachada é apenas o seu remate.
A transformação sofrida por Lisboa só foi possível pela nítida compreensão de necessidades futuras, que um estadista da mais alta estirpe, e que a morte prematuramente roubou, viu com largueza, inteligência, clareza e amplitude, qualidades que realçam tão forte e distinta personalidade.
Não podem deixar-se fugir oportunidades, no traçado dum plano suficientemente largo, para aquisição de espaços livres, base do problema urbanístico duma cidade que, naturalmente, tende a expandir-se numa larga zona de que a via rápida será espinha dorsal.
O estudo deste problema tem de fazer-se olhando a importância que representa no futuro desenvolvimento
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da capital nortenha. Empresa arrojada para o meio, possivelmente revolucionária, estão-lhe ligadas questões de que noutro momento me ocuparei, como base do indispensável alargamento das barreiras da cidade, compatível com os seus empreendimentos, que deverão ser real e efectivamente pertença do Porto.
Sr. Presidente: só por um conjunto de circunstâncias firmemente estruturadas e especialmente criadas se poderia levar a bom termo a obra de admirável renovação e engrandecimento a que estamos assistindo, obra que as comemorações da data da Revolução do 28 de Maio eloquentemente mostraram em toda a sua grandeza. O Governo deve sentir-se orgulhoso pela acção exercida, dentro dos princípios rígidos duma administração substancialmente valorizante do património que os nossos maiores nos legaram.
Tudo está dito, mas não é de mais repeti-lo, visto os homens nas suas fraquezas esquecerem, muitas vezes, a grandeza dos acontecimentos que dão vida e projecção a um povo, olhando os factos de transcendente relevo através de prismas diminutivos da sua projecção.
Salazar foi e continuará a ser o grande e infatigável obreiro da Revolução, seu chefe incontestado, inteiramente digno de ser exaltado no seu génio criador e reformador de tudo quanto importa ao progresso e ao prestigio da Nação e à grandeza do Império. O povo português acaba de inequivocamente confirmar os sentimentos de respeito, admiração e gratidão que inteiramente lhe dedica e lhe deve.
Nessa justificada admiração, nesse constante respeito e nessa bem merecida e bem ganha consideração vai todo o sentimento de gratidão para com o eminente homem de Estado, o maior de todos, glória de uma Pátria que sempre honrou, dignificou e engrandeceu na fecundidade do constante e intenso labor abençoado por Deus. E o Porto, cidade do trabalho e cidade da Virgem, jamais esquecerá quem tão devotada e tão abnegadamente trabalha a seu favor e por seu bem, sempre a bem da Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Proença Duarte: - Sr. Presidente: no passado domingo o Sr. Presidente da República visitou a cidade de Santarém, capital da província do Ribatejo.
A visita de S. Ex.ª, além do mais que para nós traduz, revela o interesse do Chefe do Estado por todas as manifestações da vida local deste país e, designadamente, manifestou especial interesse pela vida económica da província do Ribatejo, destacando a vida da agricultura, actividade ali predominante.
A bonomia e simplicidade com que acolheu todos quantos dele se aproximaram, a honra que conferiu à cidade de Santarém inaugurando o novo domus municipalis e a terceira exposição-feira do Ribatejo, que ali está decorrendo, e o interesse que manifestou por todas as actividades económicas que nela estão representadas impressionaram profundamente todos os ribatejanos, porque se aperceberam de que o Chefe do Estado se interessa por todos os problemas económicos e culturais de Portugal.
Em nome da província do Ribatejo, que de alguma maneira represento, quero deixar aqui consignadas palavras de justo agradecimento em nome dos Ribatejanos e em meu nome ao Sr. Presidente da República e afirmar que todos ficaram encantados e recolheram as melhores impressões da pessoa do Sr. Presidente da República.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Sr. Presidente: são estas as palavras de homenagem e de agradecimento que eu aqui queria deixar consignadas ao Chefe do Estado.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Almeida Garrett: -Sr. Presidente: tem sido tão grande o interesse do Governo pela cidade do Porto, ultimamente manifestado por forma tão excepcional, que não ficaria de bem com a minha consciência, como Deputado da Nação, nado e criado nessa minha amada cidade, se não proclamasse aqui quanto ela está reconhecida, juntando o meu sentimento de gratidão ao de quantos, dentro dos seus muros, do coração aplaudem a acção governativa. Seria ocioso repetir a enumeração dos benefícios em causa, já por mais de uma vez citados; mas não devo deixar de destacar a generosa assistência ao Município para a edificação de casas para famílias de escassos recursos e respectiva urbanização, passo de evidente valia para a salubrização da urbe e normalização da vida de um importante sector social bem digno de protecção.
Bem haja um Governo que assim prova quanto lhe importa o bem social e o melhoramento da segunda cidade do Pais. Bem haja!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente:-Srs. Deputados: devo comunicar à Assembleia que fui convidado pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal de Braga para, em representação desta Assembleia, estar presente nas festas comemorativas do XXX Aniversário da Revolução Nacional, que se realizaram naquela cidade.
Efectivamente acedi a esse convite e estive presente nos actos essenciais que assinalaram as comemorações.
É-me grato, neste momento, comunicar à Assembleia que as manifestações comemorativas em Braga assumiram um brilho e entusiasmo de verdadeira apoteose e deixaram em todos quantos a elas assistiram a certeza de que ali continua viva e forte a chama da fé nos destinos da Revolução Nacional.
O acolhimento de simpatia, de carinho e de respeito que em Braga, em todos os actos, foi dispensado ao Chefe do Estado, apesar do mau tempo, deram a impressão de que na capital do Minho, que bem pode considerar-se a expressão do Pais a tal respeito, os trinta anos decorridos em nada afectaram o dinamismo inicial da Revolução.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente:-Devíamos seguidamente entrar na ordem do dia que tinha sido anunciada. Todavia, as informações que tenho acerca dos trabalhos das comissões a quem foram mandadas baixar as propostas de lei sobre organização geral do Pais para o tempo de guerra e aquela que se refere ao Plano de Formação Social e Corporativa dizem-me que não se deve iniciar já a discussão sobre essas propostas, visto essas comissões não terem tido tempo para ultimar os seus trabalhos de preparação e estudo relativamente a esses diplomas.
Nestas condições, vou encerrar a sessão, designando a próxima para o dia 12 do corrente, começando então a discutir-se a proposta de lei que diz respeito à organização geral do Pais para o tempo de guerra.
Entretanto, permitam-me que recomende às comissões a quem foram mandadas baixar as outras propostas de lei que vão desde já ultimando o exame desses diplomas, de modo a estarmos preparados para a sua discussão
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logo que acabe a apreciação da proposta de lei a que acabo de referir-me.
O Sr. Deputado Augusto Cancella de Abreu comunicou-me que, tendo de ausentar-se do Pais, só estará de regresso dentro de dez ou doze dias. Como S. Ex.ª é o presidente da Comissão de Política e Administração Geral, a quem foram enviadas diversas propostas de lei, peço ao Sr. Vice-Presidente dessa Comissão a fineza de entrar imediatamente em exercício, convidando os seus membros a reunirem-se a fim de examinarem essas propostas de lei, que já têm parecer.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Teófilo Duarte.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Carlos Borges.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António dos Santos Carreto.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
João Afonso Cid dos Santos.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Mana da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Ricardo Vaz Monteiro.
Tito Castelo Branco Arantes.
O REDACTOR - Luís de Aville:
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CÂMARA CORPORATIVA
VI LEGISLATURA
PARECER N.0 41/VI
Proposta de lei n.º 38
Plano de Formação Social e Corporativa
A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 103.º da Constituição, acerca da proposta de lei n.º 38, sobre o Plano de Formação Social e Corporativa, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecção de Política e administração geral), à qual foram agregados os Dignos Procuradores António Aires Ferreira, Domingos da Costa e Silva, João Baptista de Araújo, João Ubach Chaves, Joaquim Moreira da Silva Cunha, José António Ferreira Barbosa, José Augusto Vaz Pinto, José Frederico do Casal Ribeiro Ulrich, José Gabriel Pinto Coelho, José Maria Dias Fidalgo, José Penalva Franco Frazuo, Luís Quartin Graça. (Manuel Alberto Andrade e Sousa, Manuel de Almeida de Azevedo e Vasconcelos, Mário da Silva de Ávila, Quirino dos Santos Mealha, Rafael da Silva Neves Duque e Tomás de Aquino da Silva, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:
I
Apreciação na generalidade
1. Propõe-se o Governo, no mesmo momento em que são lançadas as bases das primeiras corporações, levar por diante um vasto e plano de formação social e corporativa», com vista a atingir o objectivo da formação dum escol, votado ao estudo científico dos grandes problemas do corporativismo e capaz de orientar superiormente a sua resolução, e ainda com vista à criação dum ambiente psicológico e doutrinal propício à consolidação do sistema corporativo, que agora atinge a sua maioridade legal. Nesse sentido surge a presente proposta de lei.
O esclarecido relatório que antecede a proposta começa por focar, de forma bem incisiva, a necessidade e a oportunidade do plano de doutrinação que se deseja empreender. Nada diz, porém, talvez por desnecessário - tão evidente se afigura a resposta afirmativa - , quanto a um problema que logicamente precede qualquer daqueles dois: a questão de saber se se legitima, no domínio dos princípios, tão larga interferência do Estado no campo da doutrinação política, económica e social.
Não quer a Câmara Corporativa, no entanto, deixar de começar por aí a apreciação da proposta de lei em causa, a fim de estruturar e fundamentar suficientemente o voto, que desde já emite, de que ela seja aprovada na generalidade. Procurar-se-á assim, sucessivamente, proceder a uma tríplice demonstração: que a proposta se legitima, no plano doutrinal; que, além de legitimar-se, se apresenta como necessária; e que, além de legítima e necessária, se afigura também oportuna.
§ 1.º
Legitimidade doutrinária da proposta
2. Dentro duma orientação doutrinária de feição individualista e positivista, ou dentro duma concepção
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totalitarista do Estado, a discussão do primeiro problema seria simplesmente ociosa: no primeiro caso, porque a legitimidade da proposta derivaria, tão-sómente, da sua virtualidade para se transformar em lei, através do jogo mecânico e formal da sua aprovação pela maioria parlamentar; no segundo, porque a omnipotência do Estado bastaria, só por si, para legitimar uma iniciativa tomada em nome do interesse nacional, independentemente de quaisquer limitações impostas pela moral, pelo direito natural ou por considerações de outra espécie 1.
Já não sucede outro tanto, porém, num ordenamento político e jurídico que declaradamente se manifesta anti-individualista e antitotalitário. E que esse é o caso do ordenamento português é por demais sabido para que se torne necessário explicá-lo em detalhe. Anti-individualista no domínio dos princípios - ao afirmar-se uma «República unitária e corporativa» 2 e ao declarar-se e uma unidade moral, política e económica, cujos fins e interesses dominam os dos indivíduos e grupos que a compõem» 3 -, a Nação Portuguesa é-o mais ainda no domínio das realizações práticas, pois toda a legislação dos últimos trinta anos tem sido marcada do selo do interesse colectivo e do bem comum, como realidades diferentes do somatório dos interesses individuais que devem sobrepor-se a esses mesmos interesses 4.
E, se este anti-individualismo é uma das características dominantes da nossa estrutura política e da nossa ordem jurídica, económica e social, não o é menos a sua feição marcadamente antitotalitárias 5. É nessa ordem de ideias que a Constituição declara a soberania
1 Seria descabido, num trabalho deste género - que não é nem pretende ser uma exposição de filosofia política e jurídica - , entrar em largas considerações para justificar as afirmações acabadas de fazer. Remeteremos o leitor para os trabalhos da especialidade, principalmente Jacques Leclercq, Leçons de Droit Naturel, vol. II: L'Etat ou la Politique, 8.ª ed., Namur, 1948, pp. 34 e segs. e 108 e eegs. ; Cabral de Moncada, Filosofia do Direito e do Eitado, vol. J, Parte Histórica, Coimbra, 1947, pp. 806 e segs. e 880 e segs; Marcelo Caetano, Lições de Direito Constitucional e de Ciência, Política (1951-1952), Coimbra, 1952, pp. 61 e segs. e 93 e segs.; e Adolf Süsterhenn, «L'étatisme vaincu. L'avenement du droit supra-positif dans 1'évolntion du droit oonstitutionnel allemand», in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, vol. XXXI (1955). pp. 168 e segs. (no prelo). Concretamente sobre o Estado totalitário, vide a bibliografia citada por Teixeira Ribeiro, em «Principio e Fins do Sistema Corporativo Português», in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, vol. XVI, 1939-1940, p. 24, nota 2.
[...] Artigo 5.º da Constituição Política, aprovada pelo plebiscito nacional de 19 de Março de 1938.
[...] Artigo 1.º do Estatuto do Trabalho Nacional (Decreto-Lei n.º 28 048, de 23 de Setembro de 1938).
[...] Na verdade, desde a estruturação e funcionamento dos órgãos da soberania à hierarquização de toda a engrenagem administrativa, desde a administração financeira ao jogo dos interesses económicos, desde a solução dos grandes problemas da saúde e da assistência pública à dos problemas sociais da cooperação entre o capital, a propriedade e o trabalho, e desde a regulamentação dos direitos e garantias individuais dos cidadãos ao próprio domínio do direito privado, toda a nova ordem jurídica portuguesa tem sido inspirada por aquela subordinação dos interesses dos indivíduos e dos grupos ao interesse da unidade moral, política e económica da Nação, de que fala o Estatuto do Trabalho Nacional. Exemplificá-lo seria supérfluo.
[...] O carácter antitotalitário do Estado Novo Português tem sido justamente posto em relevo por vários autores, que se têm dedicado ao estudo filosófico dos seus princípios inspiradores. Cf., designadamente, Mário de Figueiredo, Princípios Essencias do Estado Novo Corporativo. Coimbra, 1936, pp. 21, 22 e 34; Texeira Ribeiro, ob. cit., pp. 23 a 25; Fezas Vital, Curso de Direito Corporativo, Lisboa. 1940, pp. 49 e segs.; Francisco Inácio Pereira dos Santos, Un Etat Corporatif. La Constitution Socials et Politique Portugaise, 2ª ed., Paris-Porto, 1940, pp. 79 e segs.; e Pires Cardoso, Uma Escola Corporativa Portuguesa, Lisboa, 1949, pp. 31 e 32 estadual limitada pela moral e pelo direito 1, e que atribui ao Estado a missão de «fazer respeitar os direitos e garantias impostos pela moral, pela justiça ou pela lei, em favor dos indivíduos, das famílias, das autarquias locais e das outras pessoas colectivas, públicas ou privadas»2; e é no mesmo sentido que o Estatuto do Trabalho Nacional afirma que «o Estado reconhece na iniciativa privada o mais fecundo instrumento do progresso e da economia da Nação» e declara e garantida a liberdade de trabalho e de escolha de profissão em qualquer ramo de actividade» 3.
Também aqui não nos ficámos na afirmação de princípios vagos ou na proclamação de fórmulas vazias de conteúdo. Na palavra de ordem dos nossos governantes como na redacção das leis e sua execução, se alguma preocupação tem dominado é a de dar realização prática àqueles princípios, sobretudo no sentido de evitar que - por excesso de zelo de alguns ou fácil imitação o modelo estrangeiro por parte de outros - o anti-individualismo inspirador da nossa ordem política, económica e jurídica, degenere facilmente em totalitarismo disfarçado.
Sem necessidade de mais exemplos - tantos e tão expressivos eles são -, releiam-se, ao menos, em reforço do que acabamos de dizer, os discursos proferidos pelo Chefe do Governo no momento em que se lançavam as bases doutrinárias do Estado Novo Corporativo, há já uns bons vinte e dois anos. Em várias passagens desses discursos - a que o tempo e os acontecimentos vieram dar sabor quase profético -, proclama-se bem alto a impossibilidade de «nos poderem servir de guia modelos estranhos, pela diversidade de algumas concepções fundamentais» 4, a repulsa por tudo o que possa levar cá omnipotência do Estado em face da massa humana, simples matéria-prima das grandes realizações políticas», a condenação do Estado como fonte da moral e da justiça, sem que às suas decisões e normas se sobreponham os ditames duma justiça superior», o repúdio da força como «mãe de todos os direitos, sem respeito pela consciência individual, pelas legítimas Liberdades dos cidadãos, pelos fins que se impõem à pessoa humana» 5.
1 Artigo 4.º da Constituição. Onde se diz soberania limitada pela moral», entenda-se doutrina e moral cristãs, tradicionais do Pais» (artigo 48.º, § 8.º); e onde se diz «soberania limitada pelo direito», entenda-se «direito natural», e não apenas «direito positivo», fabricado pelos órgãos daquela mesma soberania que tem no direito uma limitação.
[...] Artigo 6.º, n.º 1.º, da Constituição.
[...] Artigo 4.º do Estatuto do Trabalho Nacional. Poderíamos acrescentar numerosas outras citações de preceitos da Constituição e do Estatuto do Trabalho Nacional onde se proclamam princípios inconciliáveis com o totalitarismo político e com o totalitarismo económico. O artigo 8.º da Constituição, por exemplo, na sua longa enumeração das liberdades e garantias individuais dos cidadãos portugueses, constitui, só por si, uma perfeita síntese doutrinal do antitotalitarismo.
[...] Cf. Oliveira Salazar, «Problemas da Organização Corporativa» (conferência realizada no Secretariado de Propoganda Nacional, em 18 de Janeiro de 1934), in Discursos, vol. I, 1928-1934, 4.º ed., revista e acrescida de novo prefacio do autor, Coimbra, 1948, p. 284.
[...] As passagens transcritas pertencem a um trecho da mesma conferência cujo teor completo á o seguinte: «Nenhum de nós afirmaria em Portugal a omnipotência do Estado em face da massa humana, simples matéria-prima das grandes realizações políticas. Nenhum de nós se lembraria de considerá-lo a fonte da moral e da justiça sem que às suas decisões e normas se sobreponham os ditames de uma justiça superior. Nenhum de nós ousaria proclamar a força mãe de todos os direitos sem respeito pela consciência individual, pelas legítimas liberdades dos cidadãos, pelos fins que se impõem à pessoa humana. Nenhum de nós - nacionalista e amante do seu pais - faz profissão de nacionalismo agressivo, exclusivo, odioso; antes, se se apega à noção de pátria, é que compreende, por instinto do coração e por imposição da inteligência, que o plano nacional é ainda o melhor
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Num momento em que os nacionalismos totalitaristas estavam ainda longe de ser batidos por ventos adversos - e em que, pelo contrário, pareciam destinados a obter uma crescente simpatia -, o Chefe do Governo Português proclamava serenamente que o nacionalismo do Estado Novo deveria manter-se «tão afastado do liberalismo individualista, nascido no estrangeiro, e do internacionalismo da esquerda como de outros sistemas teóricos e práticos aparecidos lá fora, como reacção contra eles»; e insistia, em termos particularmente vivos, na necessidade de «afastar de nós o impulso tendente à formação do que poderia chamar-se o Estado totalitário - o Estado que subordinasse tudo sem excepção à ideia de nação ou de raça por ele representada, na moral, no direito, na política e na economia», porque essa concepção do Estado «poderia envolver um absolutismo pior do que aquele que antecedera os regimes liberais» e seria «incompatível, por natureza, com o génio da nossa civilização cristã» 2.
para a vida e os interesses da humanidade. E no entanto, fugindo da divinização do Estado e da sua força, em nome da razão e da história, nós temos de realizar o Estado forte, em nome dos mais sagrados interesses da Nação; temos de fortalecer a autoridade, desprestigiada e diminuída, diante dos arremetidas de mal compreendida liberdade; temos de dar a engrenagem do Estado a possibilidade de direcção firme, de deliberação rápida, de execução perfeita». Cf. Discursos, vol. e ed. cit., p. 285; e Salazar - Antologia. Discursos, Notas, Relatórios, Teses, Artigos e Entrevistas (1909-1953), Lisboa, 1954, pp. 226 e 227.
Noutro passo da mesma conferência, o Presidente do Conselho formula as devidas prevenções contra o risco dum totalitarismo económico, produto inevitável do crescente dirigismo então verificado em certos países da Europa: e... está aqui uma das dificuldades do problema, visto que, aliás sem desconhecer as necessidades presentes, não quer o Estado português arrogar-se papel exagerado na produção e pretende valorizar ao máximo a acção da iniciativa individual - mola real de uma vida social progressiva. Quando o Estado vá além da indicação das necessidades colectivas e da realização das condições gerais para que os particulares poisam satisfazê-las, entra no caminho dos grandes desperdícios, das concorrências indevidas, do trabalho improgressivo. É preciso salvar, no interesse particular e no público, a iniciativa privada». Cf. Discursos, vol. e ed. cit., pp. 287 e 288; e Antologia, p. 132.
1 Cf. Oliveira Salazar, «O Estado Novo Português na Evolução Política Europeia» (discurso proferido na sessão inaugural do I Congresso da União Naciona11, em 26 de Maio de 1934), in Discursos, vol. e ed. cit., p. 334.
2 Eis o passo integral do discurso citado na nota anterior, onde figuram as afirmações transcritas no texto: «E isto exacto; e todavia é preciso afastar de nós o impulso tendente à formação do que poderia chamar-se o Estado totalitário. O Estado que subordinasse tudo sem excepção à ideia de nação ou de raça por ele representada, na moral, no direito, na política e na economia, apresentar-se-ia como ser omnipotente, princípio e fim de si mesmo, a que tinham de estar sujeitas todas as manifestações individuais e colectivas, e poderia envolver um absolutismo pior do que aquele que antecedera os regimes liberais, porque ao menos esse outro não se desligara do destino humano. Tal Estado seria essencialmente pagão, incompatível por natureza com o génio da nossa civilização cristã, e cedo ou tarde haveria de conduzir a revoluções semelhantes às que afrontaram os velhos regimes históricos e quem sabe se até a novas guerras religiosas mais graves que as antigas.
A Constituição aprovada plebiscito popular repele como inconciliável com os seus objectivos, tudo o que directa ou indirectamente proviesse desse sistema totalitário. Ela começa por estabelecer como limites à própria soberania a moral e o direito. Impõe no Estado o respeito pelas garantias derivadas da natureza a favor dos indivíduos, dos famílias, dos corporações e das autarquias locais. Assegura a liberdade e inviolabilidade das crenças e práticas religiosas. Atribui aos pais e seus representantes a instrução e educação dos filhos. Garante a propriedade, o capital e o trabalho, em harmonia social. Reconhece a Igreja, com as suas organizações próprias, e deixa-lhe livre a acção espiritual». Cf. Discursos, vol. e ed. cit., pp. 336 e 337, e Antologia, p. 229.
Teixeira Ribeiro, no citado trabalho «Princípio e Fins do Sistema Corporativo Português», pp. 26 e 27, chama justamente a atenção para o contraste flagrante entre estas afirmações do Chefe do Governo Português e os discursos que proferiam, pela mesma ocasião, Mussolini e Hitler, transcrevendo alguns passos, bem elucidativos, de tais discursos.
3. «O nacionalismo português - como disse ainda o Presidente do Conselho -, para ser o que é pela Constituição, para ser conforme ao que é exigido pelas mais sãs tradições nacionais, tem de manter com pureza e desenvolver com lógica estas e outras ideias que, ao lado da concepção do Estado nacional e autoritário, são essenciais do Estado Novo» l. E por isso mesmo é que importa formular a questão - que seria supérflua noutro ambiente doutrinário - de saber se é lícito ao Estado, sem quebra do antitotalitarismo de que faz ponto de honra, lançar-se numa campanha de doutrinação com as características descritas na presente proposta de lei.
A resposta a esta questão, temos de ir buscá-la ao próprio corpo de doutrinas em que o Estado Novo português se inspira - corpo de doutrinas que não é outro senão o da sociologia e moral cristãs, a que a Constituição Política e outros textos legislativos dão expressa ou tácita adesão 2.
Ora esse corpo de doutrinas ensina-nos que o Estado, em matéria de educação - e o «plano» que temos presente não é senão um grande plano de educação -, desempenha um papel supletivo e complementar, como, aliás, no domínio da economia, do fomento interno e noutros sectores: compete-lhe proteger e fomentar a iniciativa privada; e, em segundo plano, suprir as suas deficiências e completar os espaços por ela deixados em aberto, indo até onde ela não pode ou não dere chegar 3.
Na verdade, a realização do bem comum, justificação última de toda a actividade do Estado, envolve duas actividades bem diferenciadas, e perante as quais é diferente também a posição da máquina estadual: a tutela da ordem jurídica e o desenvolvimento da prosperidade pública ou bem-estar social 4. Na tutela da ordem jurídica - que envolve a dupla tarefa de promover a justiça e de defender a segurança social, tanto na ordem internacional como na ordem interna - tem o Estado uma função primordial: é ele que aparece em primeiro plano, muito embora seja dever colectivo o de com ele colaborar, na medida em que as circunstâncias o exigirem. No desenvolvimento da prosperidade publica ou bem-estar social, pelo contrário, tem o Estado uma função mais discreta - íamos a dizer quase paternal: quem aparece em primeiro plano é a iniciativa privada: o Estado deve procurar orientá-la e fomentá-la: e só na medida em que ela se mostrar deficiente deve substituir-se a ela, para a completar t» suprir as suas lacunas, indo até onde ela não pode ou não deve ir nas suas realizações práticas.
É certo que o Estado, nesta missão de promover o bem-estar social, vai ocupando nos tempos modernos um lugar cada vez mais absorvente, por serem também
1 Pertencem estas palavras ao mesmo discurso citado nas duas notas anteriores; e figuram imediatamente a seguir às passagens aí transcritas. Cf. Discursos, vol. e ed. cit., p. 338. e Antologia, loc. cit.
2 V., por todos, Teixeira Ribeiro, ob. cit., pp. 5 e 6.
3 Cf., neste sentido, a alínea 9.» das «Conclusões» do Congresso Internacional de Cultura Católica pela Paz do Mundo, realizado em Ciudad Trujillo (República Dominicana), de 28 de Fevereiro a 6 de Março do corrente ano: «As relações entre cada um dos cidadãos, corpos intermédios e o Estado devem regular-se pelo principio da subsidiariedade; o que os cidadãos individualmente ou diversamente associados são capazes de realizar, ou de facto realizam, não há-de pretender fazê-lo o Estado».
4 V. Marcelo Caetano, Lições citadas, pp. 112 e 113; Afonso Queiró, «Os Fins do Estado. Um Problema de Filosofia Política», in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, suplemento ao vol. XV (1939), ,pp. 61 e 62; Braga da Cruz, Direitos e Deveres do Estado na Educação, separata do IV Curso das Semanas Sociais Portuguesas, Braga, 1952, p. 21; e, do mesmo. Problemas de Educação - Direitos da Família, da Igreja e do Estado (conferência proferida na sessão comemorativa do XXV aniversário da encíclica Divini Illius Magistri), p. 17.
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cada vez mais numerosas as necessidades individuais e colectivas insusceptíveis de serem satisfeitas pela iniciativa privada 1. Mas isso em nada altera o título que justifica a sua intervenção nesse domínio, que é sempre o de completar e suprir as deficiências da iniciativa dos particulares.
Ora a tarefa de doutrinar e educar -quer se trate de doutrinação no plano individual, quer no plano colectivo - não é mais do que um aspecto dessa realização do bem-estar social e, por intermédio dela, da própria realização do bem comum; o que equivale a dizer que a medida da legítima intervenção do Estado na actividade educativa e doutrinadora deve ser determinada pelos próprios limites da sua actividade na promoção do bem-estar social e na realização do bem comum 2. Daqui se inferem logicamente as seguintes conclusões:
1.º Em matéria de educação, como nos demais aspectos da realização da prosperidade pública, ao Estado compete, antes de mais nada, promover e proteger as iniciativas privadas ; e só na hipótese de estas se mostrarem insuficientes ou inadaptadas aos fins em vista lhe compete supri-las e completá-las, arvorando-se ele próprio em doutrinador e educador;
2.º Quando haja o Estado de substituir-se aos particulares na missão de doutrinar e educar, não pode ensinar qualquer doutrina ou fixar a seu bel-prazer o tipo de educação que deve ministrar. Tem de subordinar-se sempre ao critério da promoção do bem comum; e só lhe é lícito propagar doutrinas ou difundir ideias que com ele se harmonizem e a ele conduzam;
3.º Assumindo a posição de educador, o Estado só como educador deve proceder. Não lhe é lícito ceder à tentação da força de que dispõe para impor doutrinas; é lhe lícito tão sómente propô-las à aceitação dos particulares, deixando-lhes sempre plena liberdade de as aceitaram ou repudiarem 3.
4. O problema que nos propusemos apreciar reduz-se agora simplesmente a verificar se o Estado, no plano de doutrinação social e corporativa que se propõe empreender, se enquadra ou não nos princípios acabados de enunciar.
A resposta parece dever ser francamente afirmativa em relação a qualquer das três regras formuladas. Mas isso não quer dizer que o problema não mereça ser objecto de um pouco mais de meditação, especialmente pelo que toca à concordância da proposta do Governo com a primeira das regras em causa.
E que essa regra, levada às suas últimas consequências, obriga logicamente a aceitar uma outra, que pode formular-se assim: se o Estado se arvorar em doutrinador ou educador, com fundamento em que a iniciativa privada não pode levar a cabo a doutrinação ou educação que as circunstâncias exigem, deve estar sempre pronto a ceder o seu lugar àquela, logo que ela se apresente em condições de assumir por si o encargo de tal doutrinação 1.
E, em face disto, o problema que pretendemos solucionar complica-se algo mais, pois desdobra-se em dois: saber se, nas circunstâncias actuais, é impossível contar com a iniciativa privada para empreender uma campanha de doutrinação social e corporativa do género da que o Governo se propõe levar por diante; e, na hipótese afirmativa que desde logo legitima a iniciativa do Estado de tomar conta de tal doutrinação, saber se é de prever ou não que, num futuro próximo, alguma instituição ou instituições extra-estaduais estejam em condições de tomar sobre si este encargo de doutrinar.
O primeiro ponto - quer-nos parecer - não oferece discussão. De quem poderia esperar-se, neste momento, uma campanha de doutrinação com a amplitude e a eficiência que se impõem? Certas organizações existentes, como a União Nacional, a Legião e a Mocidade Portuguesa, estão já demasiado absorvidas com outras tarefas de responsabilidade para que delas se possa esperar uma iniciativa deste género; pode pedir-se-lhes que colaborem, dentro do seu campo - próprio de actividade, mas não se pode contar que tomem sobre si totalmente a iniciativa dum empreendimento deste vulto 2.
A organização corporativa é que pareceria naturalmente indicada para orientar e dirigir esta doutrinação, que para ela própria assume importância vital. Mas é evidente que, enquanto as corporações não se encontrarem em perfeito funcionamento, ela não dispõe da unidade de estrutura e direcção para tanto necessárias. Não há dúvida, pois, de que só o Estado, através do Ministério das Corporações e Previdência Social, pode neste momento propor-se a execução dum plano como o que consta da proposta de lei em apreciação.
Se tudo isto é certo, não se afigura menos certo, porém, que é de prever, num futuro próximo, um estado de coisas substancialmente diverso. Na verdade, à medida que as corporações se forem progressivamente estruturando e dotando dos meios de acção indispensáveis, em termos de poderem realmente orientar e dirigir por si toda a vida corporativa da Nação, o ambiente tornar-se-á propício a que sejam elas próprias a tomar sobre si o encargo da doutrinação social e corporativa, que as circunstâncias - obrigam, de momento, a depositar nas mãos do Estado 3.
Se o Plano de Formação Social e Corporativa, a que a presente proposta de lei se refere, tivesse carácter puramente transitório, o problema a que estamos a referir-nos talvez não tivesse razão de ser. Poder-se-ia dizer que a perfeita estruturação e funcionamento das corporações não depende da sua simples criação por via legislativa, antes exige numerosos- e demorados esforços, que hão-de absorver meses e anos; e que, nesse meio tempo, a execução do Plano teria chegado ao seu termo. O problema da sua eventual transferência para as corporações não chegaria ... a ser problema.
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1 Observa acertadamente o Prof. Marcelo Caetano, a este propósito: «Há um século, era possível conceber um Estado que tivesse por fins quase exclusivos a Justiça e a Segurança e deixasse À iniciativa privada, em regime de livre concorrência, A realização do bem-estar (Estado liberal); hoje, tal sistema é praticamente inconcebível, e todo o Estado é, como os ingleses dizem, um Estado dirigido ao bem-estar». Cf. Lições citadas, p. 113.
2 V. Braga da Cruz, Direitos e Deveres do Estado na Educação, p. 22, e Problemas de Educação - Direitos da Família, da Igreja e do Estado, p. 18.
3 V. Mário da Figueiredo, ob cit., pp. 22, 23 e 34.
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1 V. Braga da Cruz, Direitos e Deveres do Estado na Educação, p. 24.
2 Aliás, dado o carácter destas organizações, não seria lícito dizer, em tal hipótese, que a doutrinação revestia totalmente o carácter duma iniciativa privada.
3 Queremos referir-nos, evidentemente, a tudo o que no Plano representa verdadeira doutrinação corporativa e acção social. Já não será exigido forçosamente pela lógica do nosso raciocínio que também o Centro de Estudos Sociais e Corporativos, a que se referem as bases IX a XI ida proposta, transite da alçada directa do Estado para a alçada das corporações. Tratou dum organismo de estudo e consulta que o Ministério pode ter vantagem em conservar sempre ligado a si.
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Mas, se alguma verdade basilar existe em matéria de educação e doutrinação, é a da impossibilidade de se chegar ao fim, já porque o caminho da perfeição humana, fim último da educação, tem sempre novos passos a dar, já porque a tarefa se renova permanentemente, em face de cada nova geração que desponta para a vida. Por isso mesmo, um «plano de formação social e corporativa» só tem razão de ser como plano de execução permanente, que a todo o momento se disponha a voltar ao princípio, como se nada tivesse conseguido ainda realizar.
Por demorada que seja, portanto, a definitiva estruturação das corporações e a sua progressiva emancipação da tutela do Estado - em direcção a um ideal corporativismo de associação 1 -, o presente plano destina-se a viver para além desse momento; e isso obriga a encarar a sua entrega ao Estado como algo de transitório, que só pode subsistir até que as condições actuais se modifiquem e se torne possível confiar a sua orientação, direcção e execução às próprias corporações.
5. A previsão desta transferência, além de imposta por uma lógica observância dos princípios doutrinários a que prestamos fidelidade, é exigida também por óbvias considerações de ordem política.
Na verdade, uma das grandes dificuldades que a organização corporativa tem encontrado em Portugal para captar a simpatia e adesão da grande massa - quer no meio dos trabalhadores, quer entre os patrões e pequenos produtores - está no facto de se apresentar aos seus olhos como demasiado dependente da máquina estadual. Sindicatos nacionais, grémios, uniões e federações burocratizaram-se em excesso, aparentando ser, não poucas vezes, verdadeiras repartições públicas, de que os beneficiário» se sentem tão distanciados como das mesmas repartições do Estado. Compreendem a necessidade da sua existência com a mesma mentalidade com que sofrem a existência da engrenagem administrativa do Estado; mas, verdadeiramente, não têm por tais organismos o entusiasmo que poderiam ter se os sentissem como coisa sua.
Tudo quanto possa contribuir para acabar com este preconceito e para libertar a organização corporativa da tutela do Estado terá um efeito altamente benéfico para o prestígio do próprio corporativismo. Se a notícia da próxima criação das corporações despertou em todo o País a onda de entusiasmo e de expectativa que todos temos vindo a presenciar, isso deve-se fundamentalmente - não tenhamos dúvidas - à esperança, que essa notícia fez nascer, de ver a organização corporativa progressivamente libertada da tutela estadual - esperança que a rotina dos últimos anos tinha feito de todo esmorecer.
Ora é fácil de compreender que seria politicamente inoportuno entregar como coisa definitiva ao Estado a direcção e execução dum plano de importância vital para o corporativismo, no justo momento em que se vislumbra a emancipação deste, na medida do possível, do jugo daquele.
E a isto acresce que o Plano, como obra humana que é, há-de valer o que valerem os homens que o executarem; há-de atravessar altos e baixos na sua execução, períodos de sucesso e períodos de dificuldades. Ora a opinião pública compreenderá facilmente essas oscilações se a respectiva direcção estiver confiada a organismos de índole privada, cujos dirigentes têm de recrutar-se ao sabor das circunstâncias de ocasião; mas já não perdoará os insucessos que a execução do Plano possa ter sob a direcção do Estado. Este, ao lançar-se em tão delicado empreendimento, assume uma grave responsabilidade, pois no dia em que as circunstâncias obriguem a quebrar o ritmo ou intensidade da doutrinação o Plano correrá logo o risco dum fracasso, arrastando nesse fracasso -o que é bem mais para lamentar - o próprio prestígio da ideia que pretende servir.
Daqui se conclui que o Plano de Formação Social e Corporativa não deve aguardar nas mãos do Estado o surto da sua primeira crise cíclica. Deve, nesse momento - momento que surgirá sempre, mais tarde ou mais cedo, por muito que o nosso optimismo procure negá-lo ou evitá-lo -, estar já devidamente entregue às corporações, pois o que seria um fracasso definitivo sob a direcção do Estado pode facilmente conseguir-se que seja uma simples crise de crescimento sob a chefia das corporações.
6. São, pois, simultâneamente, razões de ordem doutrinária e razões de ordem política as que justificam o acrescentamento de uma nova base à proposta em estudo, na qual se preveja como puramente transitória a orientação, direcção e execução do Plano por parte do Estado e se fale já da sua entrega definitiva, num futuro próximo, às corporações. Aliás, este pensamento parece não brigar de modo nenhum com os desígnios do Governo, pois na proposta de lei relativa à criação das corporações já se prevê como uma das suas atribuições normais [alínea e) da base IV] a de «desenvolver a consciência corporativa e o espírito de cooperação social, bem como o sentimento de solidariedade de interesses entre todos os elementos que a compõem». Pode dizer-se, pois, que o que se passa é apenas isto: provisoriamente, as corporações desempenhar-se-ão deste encargo colaborando no Plano de Formação Social e Corporativa, que fica entregue ao Estado; mais tarde, desempenhar-se-ão do mesmo encargo chamando a si a direcção e orientação do referido plano.
Tudo isto suscita, porém, certas dificuldades de ordem jurídica e de ordem prática. Ë que toda a proposta do Governo vem redigida dentro do pressuposto de que é o Estado, pelo Ministério das Corporações, quem dirige e executa o Plano; e essa redacção nem sempre se adapta a uma futura direcção e execução por parte das corporações. Desde a orgânica e competência da Comissão Directiva da Acção Social e dos organismos que hão-de trabalhar na sua dependência até aos problemas do financiamento do Plano, tudo carece de remodelações maiores ou menores, conforme os casos, na hipótese de se operar a transferência prevista.
Ora não é fácil dizer desde já que remodelações devam ser essas, enquanto as corporações não estiverem suficientemente estruturadas e enquanto o seu funcionamento não tiver sido devidamente regulamentado.
É problema, portanto, que tem de ser deixado em aberto, fazendo-se apenas uma referência genérica à necessidade de o Plano ser adaptado às novas circunstâncias quando for entregue às corporações.
7. Verificada, assim, a concordância da proposta do Governo com o primeiro dos princípios apontados no final do n.º 3 deste parecer, vejamos se a proposta respeita igualmente os outros dois princípios aí formulados.
1 Intencionalmente dizemos sem direcção a um ideal corporativismo de associação», pois é sabido que o puro corporativismo de associação só é possível como um ideal, impossível de atingir na sua plenitude. V., sobre o problema, por todos. Teixeira Ribeiro, «O Destino do Corporativismo», in Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano I (1945-1946), pp. 44 e sega., especialmente pp. 49 a 51.
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A resposta, conforme logo se disse, é francamente afirmativa e será até ocioso entrar em largas considerações a esse respeito.
Na verdade, o Estado, ao chamar licitamente a si neste caso concreto a tarefa de desenvolver um vasto plano de doutrinação, não se propõe doutrinar arbitrariamente; fá-lo em subordinação ao critério de promover o bem comum, propondo-se difundir uma doutrina que é, no domínio do social e económico, a que melhor com esse bem comum se harmoniza e mais razoavelmente a ele conduz.
Ninguém ignora, efectivamente, que a doutrina corporativa vai buscar à noção tomista e cristã do bem comum o seu principal fundamento filosófico 1; e que ela é, com apoio na doutrina social da Igreja e noutros pressupostos de inspiração cristã 3, a fórmula mais feliz até hoje encontrada para alcançar aquele objectivo. «O seu apelo aos valores tradicionais de hierarquia e ordem, o seu propósito de conciliar o progresso económico com a justiça social, o seu método de procurar pela evolução aquilo em que a revolução tinha falhado e a afirmação de um ideal de paz e de justiça a contrapor ao de luta e retaliação» - como alguém recentemente a caracterizou em síntese perfeita 3 - fazem que ela seja a doutrina que melhor tem sabido colocar o indivíduo ao serviço da colectividade, sem quebra da liberdade e dignidade que lhe são inerentes como pessoa humana, antes colocando a própria colectividade ao serviço dos fins transcendentes do homem como pessoa 4.
E, para além desta perfeita identificação do corporativismo com o ideal cristão do bem comum - que só por si bastaria para legitimar o propósito do Estado de o fazer objecto de uma campanha de doutrinação -, não pode esquecer-se que proclamar e difundir a sua doutrina é ir ao encontro das realidades económicas e sociais do nosso século, que têm obrigado a generalidade dos países livres a adoptá-la, apesar de teimarem em não querer, na maioria dos casos, dar-lhe o seu verdadeiro nome 5.
Propondo-se empreender uma campanha de doutrinação corporativa, o Estado Português, portanto, além de proceder em inteira obediência lógica aos princípios doutrinários que lhe servem de fundamento, demonstra
_____________________
1 Cf. Teixeira Ribeiro, «Princípio e Fins do Sistema Corporativo Português», no citado volume do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, pp. 8 e segs.; Fezas Vital. Curso de Direito Corporativo, pp. 24 e segs.: e Pires Cardoso, Corporatirismo, vol. I «Introdução». Lisboa. 1950, pp. 35 e segs., e especialmente a p. 58.
2 Cf. Marcelo Caetano, Lições de Direito Corporativo, Lisboa, 1935. p. 12: Fezas Vital, ob. cif., p. 44: Marcelo Caetano. Posição Actual do Corporativismo Português, Lisboa, 1950, p. 21; e João Manuel Cortês Pinto, A Corporação. Subsídios para o seu Estudo vol. I «A Corporação e o Estado», Coimbra, 1955, p.13.
3 João Manuel Cortês Pinto. ob. e vol. cit., pp. 13 e 14.
4 Toda a doutrina tomista do bem comum gravita realmente em torno desta conhecida distinção entre indivíduo e pessoa humana, cujo significado, por demais sabido, não temos que estar aqui a explicar. A sociedade civil, em nome da realização do bem comum imanente, seu fim intrínseco, pode exigir o sacrifício dos interesses do homem como indivíduo: mas, no serviço do bem comum transcendente, seu fim extrínseco, está subordinada ao próprio homem, como pessoa. É senhora absoluta do homem como indivíduo, para se tornar escrava do mesmo homem como pessoa. ou, como disse o Prof. Teixeira Ribeiro numa fórmula clara e precisa, «é fim supremo do indivíduo, e domina-o, subordina-lhe os interesses próprios as condições da vida virtuosa de todo, que formam a ordem do bem comum; mas é simples meio ou instrumento ao serviço do que há de mais intimo e superior no homem: o seu destino transcendente» (ob cif., p. 24). Sobre a doutrina tomista do bem comum, além do citado trabalho de Teixeira Ribeiro, veja-se especialmente o livro de Suzanne Michel, La Notion Thomiste du Bien Commun. Quelques-unes de ses Applications Juridiques, Paris 1932.
5 O presente trabalho, dada a sua índole especial, não tem que entrar na demonstração do rápido crescimento da ideia corporativa nas várias nações do imundo livre; tem de limitar-se a registar o facto, que anda. de resto, sobejamente demonstrado nos livros da especialidade.
Quando a Itália perdeu a guerra de 1939-1945, não faltou quem supusesse que a derrota do fascismo acarretaria consigo a derrota do corporativismo. Hoje, a mais de dez anos de distância do termo da guerra, os factos já se encarregaram de desmentir totalmente esses vaticínios. Apenas o nome de «corporativismo» parece ainda inspirar certos escrúpulos em alguns paires, com medo de que a palavra possa ser tomada como rótulo de um disfarçado fascismo. A ideia, essa, ganha terreno a passos agigantados, e o Mundo «organiza-se corporativamente com uma rapidez assombrosas, como disse recentemente Cortês Pinto (ob. cit., p. 15).
Em Portugal, cabe a Teixeira Ribeiro o mérito de primeiro ter vaticinado esta perenidade do corporativismo no campo económico, para além do efémero insucesso que a queda do fascismo lhe fez sofrer. Num estudo que saía n lume no próprio ano em que findava a guerra («O destino do corporativismo», in Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano I, 1945-1946, pp. 44 e segs.), o ilustre mestre da Faculdade de Direito de Coimbra chamava a atenção para a tese do fatalismo histórico do corporativismo, defendida dez anos antes por Mihail Manoilesco, no seu conhecido livro Le Siècle du Corporatisme, perguntando se a derrota da Itália, acabada de verificar, nau acarretaria consigo a derrota do corporativismo, em formal desmentido àquela tese. A sua resposta, depois de uma cuidada análise do problema, foi claramente formulada: «O destino do corporativismo não está, como alguns supôem fèrreamente ligado à sorte vária dos regimes políticos. Sejam estes da esquerda ou da direita, queiram servir de ponte de passagem para a colectivização ou reforcem ainda a propriedade privada - em ambos os casos haverá que dirigir mais ou menos a economia; e como o Governo, decerto, o não fará sozinho, haverá que recorrer ao concurso dos produtores - e teremos corporações. Não importa o nome néon os detalhes da organização. Não interessa que seja muito ou pouco acentuada a ingerência dos poderes públicos na vida delas. O facto, despido de todas as suas contingências, é sempre o mesmo: é o Governo que renuncia, em benefício dos particulares, ao controlo exclusivo da produção ou dos mercados». Cf. ob. cit.. p. 52.
Outros corporativistas portugueses voltaram ao assunto em trabalhos posteriores, sempre para frisar a ideia da perenidade da doutrina corporativa e do inevitável caminhar do mundo livre para ela, ou para registar as primeiras confirmações práticas trazidas a essa tese pelo pós-guerra. Pires Cardoso, numa conferência proferida em 1949, além de uma justa colocação do problema no plano teórico, podia já apontar a Suíça como exemplo concreto de um país onde e& realizações corporativas ganhavam rapidamente terreno, quatro anos volvidos sobre o termo da guerra. Ct. Uma Escola Corporativa Portuguesa, Lisboa, 1949, pp. 7 a 9. E Marcelo Caetano, numa outra conferência proferida poucos meses depois, de novo chamava a atenção, em termos bem vivos, para essa justificada sobrevivência do corporativismo por sobre as ruínas da última guerra. Cf. Posição Actual do Corporativismo Português, Lisboa. 1950, p. 24.
Mais recentemente, Adérito Sedas Nunes, no seu excelente livro Situação e Problemas do Corporativismo, Lisboa. 1954, pp. 48 e 49, autorizado já pela lição dos factos, podia concluir um dos capítulos do seu trabalho com a afirmação de que «o corporativismo é nina doutrina que se crê situada sobre a linha da evolução social dos nossos tempos». E noutro trabalho de indiscutível merecimento, aparecido em fins do ano transacto, da autoria de João Cortês Pinto, A Corporação. Subsídios para o seu Estudo, Coimbra, 1955, pp. 40 e segs., fornecia-se ao público português a surpresa de um estudo descritivo das realizações corporativas mais recentes de vários países estrangeiros tidos e havidos como fiéis detentores da tradição liberal.
Os factos têm vindo assim a confirmar o que o Presidente do Conselho pôde afirmar, com a sua habitual clarividência, no discurso de inauguração da Conferência da União Nacional proferido no Porto em 7 de Janeiro de 1949: «... o operariado não tem diante de si senão duas perspectivas, quero dizer, dois caminhos - comunismo e corporativismo: o primeiro com posição definida quanto aos meios de produção, quer esta se verifique mais conveniente, quer menos, para a riqueza geral e para os mesmos trabalhadores; o segundo livre de escolher os processos de maior rendimento colectivo e de maior benefício para o operariado; o primeiro obrigado, por força da socialização, a dirigir rigidamente a vida o a suprimir toda a liberdade; o segundo assegurando, dentro do condicionalismo da produção, os interesses materiais e morais do trabalho e respeitando a liberdade do homem, do membro da família, do trabalhador, do cidadão; o comunismo criando a miragem de os trabalhadores serem eles o Poder e o Estado: o corporativismo dando-lhes a realidade da sua comparticipação no Estado e da sua solidariedade com todos os outros portugueses nos interesses da Nação». Cf. «O Meu Depoimento», in Discursos, vol. IV. p. 369, e Antologia, p. 197.
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um apurado sentido realista das coisas: verifica e regista que a marcha do Mundo para o corporativismo - com esse nome ou sem ele, é o que menos interessa - se opera em ritmo rápido e inevitável; certifica-se de que o nosso país não pode deixar de continuar a caminhar também nesse sentido, já por imperativo doutrinário, já pela força inevitável do condicionalismo suciai e económico do resto do mundo livre; e conclui que é melhor fazè-lo trilhar esse caminho devidamente esclarecido e orientado do que ao sabor dos acontecimentos.
Além de uma justificação ideológica, a doutrinação que o Estado se propõe empreender através do presente diploma encontra, pois, uma decisiva justificação de ordem prática.
8. Resta o terceiro e último ponto, que interessa a apreciação da legitimidade da proposta. Não basta, realmente, para legitimar a intervenção do Estado na actividade educativa, verificar que a iniciativa privada não está em condições de empreender a tarefa e apurar que o Estado se propõe educar dentro da melhor doutrina. E necessário que este dê garantias de ser verdadeiramente educador, não pretendendo impor doutrinas, mas somente propô-las à aceitação dos interessados, a quem ficará sempre salvaguardada a liberdade de as seguir ou não.
Mas que este é o caso presente ressalta com nitidez da simples leitura da proposta do Governo, onde não se encontra unia única palavra que possa traduzir coacção sobre os espíritos ou emprego da força sobre as consciências individuais. Nem outra atitude seria possível, pois «o corporativismo cristão -como acertadamente disse um dia Marcelo Caetano '- é essencialmente uma doutrina de liberdade»; e uma doutrina de liberdade não pode impor-se pela força ou pelo fanatismo, ornas apenas fazer-se aceitar pela persuasão e fazer-se respeitar pelo exemplo.
Que esse é, na verdade, o sentido da proposta, interpretou-o bem a opinião pública ao afirmar, através de um dos mais conceituados órgãos da imprensa diária, que nela «não se visa naturalmente, como sucede nos regimes fundados no materialismo, a criar fanáticos nem a impor doutrinas por métodos que contrariem a liberdade individual considerada como elemento da dignidade humana» 2. O que se pretende é apenas, como no mesmo lugar se diz, «levar uma acção social profunda e esclarecedora aos meios operários e patronais, marcando as posições que ocupam dentro da organização corporativa, definindo direitos e deveres, travando as linhas da cooperação entre o capital e o trabalho e preparando dirigentes que não só conheçam os princípios que servem de fundamento à organização, mas que espiritualmente estejam integrados na verdade corporativa, fundada na doutrina social cristã, na experiência da história e nas exigências políticas e sociais do nosso tempo».
§ 2.º
Necessidade da formação social e corporativa a que a proposta visa
9. A legitimidade doutrinária do presente Plano de Formação Social e Corporativa vem juntar-se a sua imperiosa necessidade.
A tarefa da doutrinação, da reforma da mentalidade e da formação de dirigentes foi sempre reconhecida e proclamada pelos nossos homens de governo e pelos estudiosos destes problemas como de importância vital para a estruturação do Estado Novo e, particularmente, da organização corporativa.
No pensamento de Salazar, por exemplo, a primazia do problema da educação e da reforma da mentalidade - repetidas vezes afirmada já em escritos anteriores à sua entrada para o Governo 1 - é uma ideia que logo domina nos seus primeiros discursos de homem de Estado. No discurso proferido em Julho de 1930, na Sala do Conselho de Estado, perante o Governo e os representantes de todos os distritos e concelhos do País, depois de ter enunciado os «princípios fundamentais da revolução política» - epígrafe que ele próprio deu a esse discurso -, previne os seus ouvintes do risco que haveria em que as ideias expostas, uma vez passadas para um texto constitucional, ficassem aí sendo letra morta, sem serem «sentidas, vividas, executadas», pois «as leis, verdadeiramente, fazem-nas os homens que as executam, e acabam por ser, na prática, por debaixo do véu da sua pureza abstracta, o espelho dos nossos defeitos de entendimento e dos nossos desvios de vontade» 2. E isso leva-o a proclamar «não se estar construindo nada de sólido fora de uma revolução mental e moral nos Portugueses de hoje e de uma cuidadosa preparação das gerações de amanhã» 3.
Três anos e meio mais tarde, em Dezembro de 1933, é a mesma ideia que se repete noutro discurso seu, já concretamente a propósito da organização corporativa, cujas bases haviam sido lançadas poucos meses antes: «Improvisar quadros, estatutos, sindicatos, corporações, não nos interessa; levar os interessados a assimilar os princípios, a ver o interesse da organização, a desejar servir-se dela para elevar o nível económico, intelectual e moral dos seus pares, isso é o que para o futuro da obra principalmente nos convém» 4.
Nos discursos proferidos por Pedro Teotónio Pereira, no período da instalação dos primeiros organismos corporativos (1933-1934), encontramos a cada passo expresso o mesmo pensamento sobre a necessidade de doutrinar as massas e de reformar a mentalidade dominante. Ao falar do papel das entidades patronais na organização corporativa, num discurso proferido em Fevereiro de 1934, o homem que teve a honra de ser o primeiro Subsecretário de Estado das Corporações não esconde o seu receio de ser por elas mal compreendido por falta de mentalidade adequada 5,
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1 Ct. Posição Actual do Corporativismo Português, p. 21.
2 «A Grande Batalha Corporativa» (artigo de fundo do Diário de Diários de 4 de Abril de 1956).
1 Já em 1909, numa conferência proferida no Liceu de Viseu, pronunciava as seguintes palavras: «Tudo se tem reformado, menos aquilo que na realidade o devia ser primeiro - o homem. Início de todas as reformas, era a ele que devia pensar-se em reformar primeiro, por meio de uma sólida e completa educação».
Cf. Antologia, p. 14.
E dez anos mais tarde, já professor da Universidade de Coimbra, insistia na mesma ideia ao escrever: «Eu estava convencido de que o problema nacional - como na França, como na Itália, como na Espanha - era um problema de educação, ou que, pelo menos, na base de todas as questões, nós (amos reencontrar uma deficiente formação do português, e que portanto de pouco valeria mudar governos ou regimes, se não tratássemos em primeiro lugar de mudar os homens. Eram precisos homens: tornava-se mister educá-los». Cf. A Minha Resposta, p. 8, e Antologia, p. 15.
2 Cf. Discursos, vol. I (ed. cit.), p. 93, e Antologia, p. 18.
3 Cf. Discursos, vol. e ed. cit., p. 94, e Antologia, loc. cit.
4 Cf. «Os Delegados do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência e a Reforma Social», in Discursos, vol. e ed. cit., p. 278, e Antologia, p. 183. Em Abril do ano imediato, no discurso proferido na sua visita oficial ao Porto (27 de Abril de 1934), insiste de novo: «Revolução tão extensa e tão profunda, ou não chega a ser nada ou se opera pela lenta absorção de princípios novos que inspiram a vida dos homens, e estará tanto mais adiantada quanto mais a sentirmos dentro de nós mesmos». Cf. «O Espírito da Revolução», in Discursos, vol. e ed. cit., p. 317, e Antologia, p. 25.
5 V. A Batalha do Futuro. Organização Corporativa, Lisboa, 1937, p. 70: «Também não tenho ilusões de que, de entre as entidades patronais, muitas haverá que considerarão isto que
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e termina afirmando que «da transformação da mentalidade das classes patronais depende em grande parte o ritmo mais ou menos acelerado das realizações do Estado Novo no campo económico e social» 1. Noutro discurso do mesmo ano, a propósito da função das Casas do Povo, insiste em que «se queremos fazer um mundo novo, devemos começar por nos criarmos uma mentalidade nova, uma alma nova» 2; e no Centro de Estudos Corporativos, recentemente criado, volta a dizer que «os progressos de ordem material devem ser acompanhados pela transformação da mentalidade» e que «se assim não acontecer a cada passo, é porque nos desviamos do bom caminho» 3.
10. Que estas palavras dos dois supremos orientadores da nossa organização corporativa, no momento em que ela ensaiava os primeiros passos, não foram proferidas em vão, mostra-o o muito que nesse pouco tempo conseguiu fazer-se.
Rodeado de um valoroso grupo de colaboradores na Subsecretária de Estado e nas delegações do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência - colaboradores provindos, na sua quase totalidade, dos quadros do Integralismo Lusitano, e por isso mesmo bem doutrinados e de espírito retemperado para a luta -, Pedro Teotónio Pereira conseguiu o verdadeiro milagre de pôr em funcionamento, em curto espaço de tempo, toda a engrenagem básica da organização corporativa.
Nesse primeiro período da vida do nosso corporativismo e dentro da orientação traçada pelos chefes, doutrinou-se intensamente, fez-se propaganda das novas ideias, procurou-se a transformação da mentalidade geral e estudou-se com seriedade nos gabinetes a resolução dos grandes problemas.
Até que ponto esta doutrinação conquistou os espíritos, e não apenas os corações, é problema a que não nos cumpre responder. Mas que, pelo menos, conquistou os corações pode afirmá-lo quem viveu essa nora de entusiasmo ou quem friamente releia hoje os discursos dos chefes.
Efectivamente, nos discursos dos dois estadistas, desde fins de 1934 - um ano volvido sobre a promulgação do Estatuto do Trabalho Nacional -, a nota que passa a dominar deixa de ser, como até aí, a de proclamar a cada instante a necessidade da doutrinação e da reforma da mentalidade, para ser a de um são optimismo perante as realizações que estão à vista e perante o entusiasmo que por toda a parte as acompanha.
À parte algum queixume esporádico contra a resistência passiva oferecida em certos sectores que deviam ser os primeiros a colaborar 4, do que se fala agora, de preferência, já não é da necessidade de reformar a mentalidade, mas da própria mentalidade renovada, de que o entusiasmo suscitado pelas realizações corporativas seria prova decisiva.
É de fins de 1934 o primeiro discurso de Teotónio Pereira dominado por esta nota optimista: «Para muitos o facto pode afigurar-se de certo modo inesperado, pelo que significa de transformação da mentalidade, de caminho andado em tão pouco tempo. E alguns perguntarão mesmo como foi possível chegar a tais resultados» 1. E mais adiante: «Neste capítulo ainda - e tão delicada era a prova! - o método de Salazar triunfou. Um ano volvido sobre a publicação dos primeiros diplomas de organização corporativa, os factos provam, (e com que alta e clara eloquência!) que os trabalhadores portugueses o entenderam e entenderam bem» 2.
Em discursos posteriormente pronunciados é sempre o mesmo entusiasmo e optimismo que transparece. Em Abril de 1936, ao inaugurar em Vila Nova de Gaia a primeira caixa sindical de previdência, regozija-se com a compreensão crescente que a orgânica corporativa vai obtendo nos sectores patronais, a contrastar com a indiferença e desconfiança primitivas 3; e no 1.º de Maio do mesmo ano, discursando em Barcelos, na Festa do Trabalho, podia entusiasticamente proclamar: «Como maré cheia que sobe e alastra avassaladoramente, o influxo das doutrinas corporativas alcança já Portugal inteiro. Cresce sem cessar o número dos convertidos e são verdadeiras multidões que dia a dia abraçam a Ordem Nova» 4.
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acabo de dizer um tanto chegado ao bolchevismo. Contudo, niio perderei tempo a explicar que os princípios que preconizamos agora foram de certo modo os que dominaram a vida económica e social, até ao momento em que a doutrina da luta de classes veio cavar entre patrões e trabalhadores o abismo que estamos fazendo desaparecer».
1 Ibidem, p. 70.
2 «Casas do Povo» (alocução pronunciada em Serpa, aquando da inauguração da Casa do Povo de Pias, em 25 de Março de 1934), na ob. cif., p. 129.
3 Cf. ob. cit.. p. 121.
4 «E não temos que nos admirar da relativa lentidão verificada no domínio das actividades particulares quando o próprio Estado em muitos dos seus sectores tem tido tão pouca pressa de se converter à fé corporativa». Cf. Teotónio Pereira.«Teoria dos Grémios. Apontamentos de Palestras Feitas em Reuniões do
Centro de Estudos Corporativos», na ob. cit., p. 90.
1 Cf. «A Organização do Trabalho» (discurso pronunciado no Teatro Nacional, em 11 de Dezembro de 1934), na ob. cif., pp. 133 e 134.
2 Ibidem, p. 140.
3 «A organização corporativa pode dizer-se que começa agora a encontrar caminho aberto na sua frente. A certa incompreensão dos primeiros momentos notada em alguns sectores da classe patronal sucedeu uma expectativa confiante, e não faltam já valores, e dos melhores, que têm clara noção dos problemas actuais». Cf. «Jornada Corporativa de Gaia» (discurso pronunciado em Vila Nova de Gaia, na inauguração da primeira caixa sindica de previdência, em 18 de Abril de 1936), na ob. cif., p. 155.
1 Cf. «Festa do trabalho em 1936» (discurso pronunciado em Barcelos, no dia 1.º de Maio), na ob. cit., p. 170.
Num artigo publicado no Diário da Manhã em l de Janeiro de 1037, sob a epígrafe «Depois da Fase Sindical a Fase Corporativa», Pedro Teotónio Pereira mostra-se ainda dominado do mesmo optimismo: «A primeira fase teve de vencer obstáculos graves: a desconfiança dos humildes, a incompreensão das classes patronais, a falta de homens de acção bem doutrinados, as intrigas políticas dos inimigos, a impaciência dos simpatizantes e o desconhecimento, pode dizer-se geral, dos dados do problema e das suas condições de resolução. Alguns desses obstáculos nunca serão definitivamente vencidos, porque renascem como a grama e carecem de vigilância constante. Outros estão praticamente arredados do nosso caminho ou é fácil neutralizar o pouco que deles nos resta.
De facto, que as classes trabalhada rãs já não estão no geral sob o jugo da miragem demo-socialista, provam-no sem sombra de dúvida os números de inscrição mós sindicatos nacionais. Por outro lado, os impacientes já não profetizam o fim de tudo para o dia seguinte: habituaram-se a ver produzir coisas novas que vão ficando de pé. Existem elementos de valor, dia a dia mais numerosos, que sabem o que é precito fazer e que pouco a povoo vão ocupando os lugares de comando. As classes patronais saíram dos acus redutos de resistência ou de incompreensão e começam a ajudar o esforço geral, seguindo no sulco dos primeiros exemplos. E ao mesmo tempo os princípios vão sendo mais conhecidos. Nota-se uma tendência cada vez maior, sobretudo na gente moça, para estudar os problemas objectivamente e pôr de parte as atitudes de ciência livresca, susceptível de brilhar nas controvérsias da critica e da oposição, mas estéril e incapaz na hora de realizações urgentes que para nós soou». Cf. ob cit., pp. 175 e 176.
No entanto, neste artigo já nem tudo são cantos de vitória. Deixa-se realmente levantar a suspeita - numa outra passagem mais abaixo - de que não haja por detrás dos entusiasmos do sentimento a necessária aquiescência da razão; e insiste-se, por isso, na necessidade de que a campanha de doutrinação seja continuada com persistência e firmeza: «A fase sindical da nossa organização encontrou na sua frente os rudes obstáculos a que mais acima se aludiu. Mas não foram só esses. Ainda hoje muito boa gente que se diz integrada nos princípios não entendeu
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Embora por natureza menos expansivo, o Presidente do Conselho não deixa de exteriorizar também, nessa hora de entusiasmos, a convicção de uma mentalidade renovada, como explicação dos crescentes sucessos da organização corporativa. Dirigindo-se aos trabalhadores de Portugal, na manifestação realizada em Fevereiro de 1939, afirmava designadamente: «Quando vos ouço afirmar o desejo de trabalhar sem descanso pela grandeza e a eternidade da Pátria ; que desejais contribuir para o desenvolvimento económico de Portugal e para melhorar as condições de vida dos Portugueses; que sois para tanto atentos à palavra do comando e que estais com os chefes como um irmão com outro irmão - sinto que haveis mergulhado até às raízes profundas e. compreendido na pura essência das coisas a que tende o nosso corporativismo» 1.
11. O que foi a crise que o corporativismo português teve de enfrentar, depois deites primeiros anos de dinâmico entusiasmo e de arrojadas realizações, é por demais sabido e está por demais estudado nos livros, com a devida objectividade, para que seja aqui necessário recordá-lo 2.
Muitas foram as causas dessa crise, desde a burocratização do sistema à rotina dos seus servidores 3, desde o excesso de regulamentação aos abusos do paternalismo estadual 1 e desde os desvios de finalidade impostos pela guerra 1 à campanha insidiosa dos adversários, que habilmente souberam servir-se das circunstâncias para criar uni ambiente de descontentamento geral, em que todos os males de ordem económica ou social - qualquer que fosse a sua causa ou origem - eram atribuídos à organização corporativa 2. Não temos de entrar aqui no estudo de cada uma dessas causas, pois ao nosso objectivo só interessa pôr em destaque que cedo começou a sobressair por entre todas elas - e até como explicação de algumas delas - a insuficiência da formação doutrinária da grande massa e a falta de preparação técnica da maioria dos dirigentes 3.
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uma palavra da política social do Estado Novo e se não fosse a tragédia espanhola não faltariam vozes agoirentas a proclamar que tudo o que se tem feito não passa do bolchevismo ... branco. Uns acham pouco, outros acham demais, mas não é raro que uns e outros falem de cor, não tendo lido nada, não verificando coisa nenhuma, não estando mesmo em condições de poder avaliar o caminho percorrido. É, pois, necessário que continue com grande firmeza e persistência a persistência a campanha de doutrinação». Cf. ibidem. p. 180.
1 E imediatamente a seguir: «Podíamos não ter feito mais nada - podíamos não ter melhorado os salários nem feito contratos colectivos, nem estabelecido caixas de previdência, nem assistido ao desemprego, nem construído casas para os operários e jardins para os filhos dos pobres, nem aumentado as exportações, nem defendido os preços - podíamos nada ter feito que beneficiasse a economia ou melhorasse materialmente a condição dos Portugueses, e teríamos realizado obra imensa nó com dar aos trabalhadores a consciência e o respeito da sua dignidade, só com ter criado o ambiente de paz social, só com ter feito compreender, feito viver a solidariedade existente entre os que estudam as soluções e os que organizam e dirigem o trabalho ou o executam, e convencido a todos a trabalhar cada vez mais para benefício comum». Cf. «Revolução Corporativa» (discurso leito na grande manifestação dos sindicatos. Casas do Povo e Casas dos Pescadores, realizada no Terreiro do Paço, em 27 de Fevereiro de 1989), in Discursos, vol. III (1938-1943), pp. 131 e 132, e Antologia, p. 191.
2 Remetemos especialmente o leitor para a conferência pronunciada por Marcelo Caetano em 23 de Março de 1930, na Sociedade de Geografia, a convite do Gabinete de Estudos Corporativos do Centro Universitário de Lisboa da Mocidade Portuguesa, e publicada por iniciativa do mesmo Gabinete sob a epígrafe de Posição Actual do Corporativismo Português, Lisboa, 1950. Aí se encontra, em perfeita síntese, um estudo completo das várias causas que determinaram a crise do corporativismo no período que corresponde aos anos da guerra.
3 V. Marcelo Caetano, ob. cif., pp. 6 a 11 e 18 a 20.
4 O paternalismo estadual foi indispensável na mine en marche duma orgânica completamente nova como a do corporativismo. Mas esse mesmo paternalismo levado ao exagero corre sempre o cisco de se transformar no pior inimigo da organização, conduzindo-o para os caminhos do socialismo ou, pelo menos, do corporativismo de Estado, contra o verdadeiro espírito que a deve inspirar. Repetidas vezes se tem, enfare nós, chamado a atenção para isso. Já Marcelo Caetano, em 1936, insistia na necessidade de dar carácter puramente transitório a essa «ingerência pedagógica do Estado» (cf. «O Espírito do Corporativismo», trabalho publicado mais tarde na sua colectânea de estudos Problemas da Revolução Corporativa, Lisboa, 1941. p. 91); e em 1941, no prefácio do livro acabado de citar, voltava a insistir nessa nota: «A absorção pelo Estado das atribuições que devem caber às corporações é o maior perigo de desvio do sistema. Introduzir o estatismo no regime corporativo seria a repetição, por varie dos socialistas, do estratagema- clássico do cavalo de Tróia.
Tenho sempre entendido que o Estado só a título provisório e transitório pode, inicialmente, ingerir-se no sistema corporativo a ocupar posições reservadas aos membros das actividades organizadas. Pode fazê-lo para pôr a máquina a andar, suprindo as omissões resultantes da falta de dirigentes à altura entre os interessados. Mas nesse período preparatório a missão principal do Estado é ensinar e guiar os que hão-de tomar em mãos o próprio destino, sempre na disposição de lho entregar quanto antes» (cf. ob cif., pp. 25 e 26).
V., sobre o mesmo tema: Fezas Vital, Desvio do Corporativismo Português», in Revista do Gabinete de Estudos Corporativos, ano I, n.º l (Janeiro-Março de 1950), pp. 6 e 7: José Augusto Correia de Barros, «Subsídio para a Revisão do Corporativismo Português» (comunicação apresentada ao III Congresso da União Nacional, realizado em Coimbra de 23 a 26 de Novembro de 1931), in Revista do Gabinete de Estudos Corporativos, ano II, n.º 8 (Outubro-Dezembro de 1951). pp. 6 e 7; e Adérito Sedas Nunes, Situação e Problemas do Corporativismo, Lisboa. 1954, cap. V. Corporativismo e estatismos, pp. 107 a 114.
1 Os desvios de finalidade dos organismos corporativos, impostos pelas circunstâncias da guerra, foram talvez a mais grave das causas que contribuíram para a crise do corporativismo português. Todos os que a esta crise se tem referido o põem devidamente em destaque. V., designadamente: Teixeira Ribeiro, «A Organização Corporativa Portuguesa» (conferência feita na Semana Jurídica Portuguesa, em Santiago de Compostela, em 28 de Abril de 1944), no vol. V dos Suplementos ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, p. 295 (p. 16 da separata): Oliveira Salazar, «Portugal, a Guerra e a Paz» (discurso na Assembleia Nacional, em 18 de Maio de 1945), in Discursos, vol. IV (1943-1950), Coimbra, 1951, p. 121, s Antologia, p. 194; Carlos Hermenegildo de Sousa. O Panorama da Organização Corporativa em Portugal (separata da revista Brotéria, vol. XLV, fase. 5.º, Novembro de 1947), pp. 6 e segs... 14 e 15;
Fezas Vital, ob. cit. na nota anterior, p. 4; Marcelo Caetano, Posição Actual do Corporativismo Português, pp. 14 o 16; Correia de Barros ob. cit. na nota anterior, pp. 6 a 8:. e Pires Cardoso, «Prefácio» ao livro de Adérito Sedas Nunes já citado, Lisboa. 1954. pp. 11 a 13.
2 Essa campanha dos adversários já o Presidente do Conselho a denunciava em 1938, no seu discurso «Preocuparão da Paz e Preocupação da Vida» (ao microfone da Emissora Nacional, em 27 de Outubro): «E quando, pelo raciocínio e pela experiência, ... chego à conclusão de que nos incumbe desenvolver com urgência, completar e aperfeiçoar a nossa organização corporativa, de depara-se-me e a campanha insidiosa que sobre faltas, erros ou possíveis abusos individuais se aprontaria, se a deixassem, a restabelecer a fraqueza, a dispersão e a desordem, que também por vezes toma o nome de liberdade. Ora eu não defendo os erros de ninguém, nem sequer os que eu próprio cometa; não absolvo nenhuma falta, não e solidarizo com nenhum abuso e acho bem que consciências recta» e inteligências esclarecidas possam apontá-los à atenção do Governo para futura correcção. Mas havemos de distinguir estas criticas cuidadosamente dos ataques, filhos de superficial vivacidade ou de interesses opostos a toda a espécie de disciplina, absolutamente certos de que, nas condições do próximo futuro, só teríamos de escolher entre a suficiência na organização e a miséria no caos». Cf. Discursos. vol. III (1938-1943). pp. 118 e 119, e Antologia, pp. 189 e 190. Depois dessa data, a campanha de descrédito da organização corporativa havia de tomar proporções ainda muito maiores, apoiada no novo condicionalismo que a guerra viria trazer.
3 E manifesto, por exemplo, que a deficiência de formação doutrinária está na base da rotina e da burocratização de que o sistema foi vítima e que a falta de preparação técnica dos dirigentes es>tii na base do excessivo intervencionismo estadual, que contribuiu - e continua ainda hoje a contribuir - para desvirtuar o verdadeiro sentido do nosso corporativismo. Já o salientou devidamente Marcelo Caetano, na citada conferência Posição Actual do Corporativismo, pp. 12 e 13.
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Os factos vinham mostrar que a reforma da mentalidade levada a efeito nos primeiros anos de vida da organização não fora tão larga nem tão profunda como julgou poder-se acreditar no meio do entusiasmo reinante, apesar do muito que nesse sentido conseguira fazer-se em tão pouco tempo; e vinham mostrar, sobretudo, que o grande ponto fraco da organização era a falta de dirigentes adestrados, cora cultura e conhecimentos técnicos suficientes para resolver os difíceis problemas que o nosso corporativismo fora obrigado a enfrentar. Mesmo entre aqueles onde a mentalidade fora efectivamente reformada e onde fora possível criar um ambiente de fé e de esperança nos destinos do corporativismo, faltava o natural complemento de uniu cultura adequada para dirigir os destinos da organização. Muitos deles, julgando servi-la de alma e coração, não faziam mais do que comprometè-la e expô-la aos ataques inimigos.
12. Assim se explica que, passada a perplexidade dos primeiros momentos da crise, doutrinadores e políticos voltem a insistir, nos seus estudos e nos seus discursos, na grande necessidade de continuar a formação da consciência corporativa e, especialmente, na grande urgência da preparação e formação cultural dos dirigentes. Essa nota especial, que tinha desaparecido ou passado para segundo plano nos discursos e conferências dos responsáveis, desde fins de 1934 aos começos de 1939 - para dar lugar ao tom optimista que acima salientámos -, volta agora a ser a nota dominante sempre que se alude ao futuro da organização.
Logo em 1939, é Marcelo Caetano quem denuncia que «não se curou com o descelo preciso da educação dos dirigentes e das massas» 1, insistindo na necessidade de formar uma consciência corporativa, porque «não há reforma social que vingue quando não se faça através da reforma dos indivíduos» 2. E em 1941 volta a afirmar que aos três pontos fundamentais em que è preciso insistir no nosso país para se levar a bom termo a implantação do sistema corporativo são a formação de dirigentes, a aprendizagem de métodos de trabalho e a criação da consciência corporativa» 3.
No mesmo sentido, o Chefe do Governo, com a objectiva serenidade que lhe é característica, num discurso proferido em 1942, analisa nestes termos a situação do corporativismo português: «Por mira atribuo as faltas verificadas a estes dois factores: primeiro, vivemos um caso em que a revolução mental, em vez de preceder, teve de seguir-se à revolução legal, a qual por isso mesmo encontra, por força da inércia, muitos espíritos descansados em princípios opostos (muitos de nós raciocinam à liberal ou à socialista, mesmo quando pretendem ser corporativistas); o segundo factor é a falta de propaganda formativa para a massa e de cultura apropriada para os dirigentes. A boa vontade de que, se não todos, o grande número tem dado provas nesta difícil época de transição não basta; e há muito tenho a intenção e sinto a necessidade de retomar em bases diversas o Centro de Estudos Corporativos e ampliar os estudos destinados à formação dos dirigentes sindicais» 4.
13. O que assim se dizia ainda em plena guerra - num momento em que o corporativismo português, longe de superar a crise que o atingira, a via agravada pelas circunstâncias do momento - havia de repetir-se depois de terminadas as hostilidades, quando o regresso à normalidade começava lentamente a verificar-se e a hora se tornava propícia para um balanço de contas sobre as futuras possibilidades do sistema.
Nos discursos e escritos deste período - que se prolonga já até aos nossos dias - são três, fundamentalmente, as ideias que dominam:
l.ª A crise do corporativismo português, iniciada untes da guerra e por esta fortemente agravada, longe de comprometer a organização, só veio demonstrar a sua vitalidade e as suas extraordinárias possibilidades. Se o sistema conseguiu prestar ao País os serviços que prestou, apesar de desviado nas suas finalidades e de nem sempre bem servido por alguns dos seus dirigentes, isso significa que tem virtudes próprias muito superiores ao condicionalismo de rada momento e si qualidade dos homens que o servem l;
2.ª Todos os esforços se devem conjugar para libertar a organização corporativa dos desvios de que foi vítima, restituindo-a à pureza dos princípios que a inspiram, libertando-a do excessivo paternalismo estadual e completando a sua estrutura com a criação das corporações 2;
3.ª A grande lição da crise que o corporativismo português sofreu é a da urgência da doutrinação e, muito especialmente, a da formação de dirigentes. Sem essas condições mínimas a organização poderá estagnar sob a permanente tutela do Estado, mas não poderá progredir, como convém, no campo da restituição aos seus princípios inspiradores.
Sem entrar na apreciação dos dois primeiros pontos - cuja verdade se afigura, aliás, evidente -, cumpre-nos chamar a atenção para a insistência com que.
__________________________
1 Cf. «Pela Formação da Consciência Corporativa» (conferência pronunciada em 1939 e hoje publicada na colectânea Problemas da Revolução Corporativa), Lisboa, 1941, p. 81.
2 Cf. ibidem, p. 82.
3 No prefácio da citada colectânea, a p. 31. O tema é depois desenvolvido de p. 31 a p. 34.
4 Cf. «O Corporativismo e os Trabalhadores» (resposta à mensagem dos dirigentes sindicais lida no Coliseu dos Recreios, em 23 de Julho de 1942, na sessão ali
realizada pelos sindicatos nacionais), in Discursos, vol. III (1938-1943). pp. 366 e 367, e Antologia, p. 193.
Em passagem anterior do mesmo discurso tinham-se já apontado como fundamentais deficiências da organização corporativa as próprias deficiências dos homens que a serviam: «E agora, que já fizemos um começo de justiça, podemos dizer algum mal da organização. Apesar da sua vasta obra, ela revela com efeito deficiências de espírito e de técnica; mas ambas as faltas passam à margem dos princípios do sistema para residirem na pessoa dos crecutantes. Entendemos por espírito a compreensão exacta dos princípios e finalidades do corporativismo, a adesão e fidelidade à sua doutrina, a observância da sua ética, a dedicação pela sua obra. Por técnica pode entender-se o conjunto de regras e de processos pelos quais se chega à realização dos objectivos corporativistas, e que vão desde o segredo da chefia ao conhecimento da administração e da contabilidade». Cf. Discursos, vol. cit.. pp. 365 e 366.
1 Já demonstrada no relatório da comissão parlamentar de inquérito uns elementos da organização corporativa - a que presidiu o Deputado Mário de Figueiredo -, esta tese foi retomada num elucidativo estudo de Carlos Hermenegildo de Sousa, saído a lume em 1947, sob o título «O Panorama da Organização Corporativa em Portugal (na revista Brotéria, vol. XLV, fase. 5.º). Posteriormente, foi de novo exposta por Marcelo Caetano (Posição Actual do Corporativismo Português. 1950. pp. 16 a 18) e encontram eco em muitos escritos sobre corporativismo.
2 Pode ver-se o desenvolvimento desta ideia, entre outros;, nos seguintes trabalhos: Oliveira Salazar. Discursos, vol. IV, pp. 433 e 434. e Antologia. p. 198 (o discurso é de 1949): Fezas Vital. «Desvios do Corporativismo Português», 1950, no loc. cif., pp. 7 e 8; Marcelo Caetano, Posição Actual do Corporativismo Português, 1950. pp. 25 a 27: Correia de Barros. ob. cit.. 1951. pp. 8 e segs.; e Pires Cardoso. O Problema Actual da Corporação Portuguesa» (discurso proferido na sessão plenária comemorativa do 20.º aniversário da Câmara Corporativa, em 10 de Janeiro de 1955, e editado pelo Gabinete de Estudos Corporativos do Centro Universitário de Lisboa da Mocidade Portuguesa).
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neste período a que estamos a referir-nos, se tem posto em relevo o terceiro. A renovação da mentalidade, a formação do espírito corporativo de a preparação técnica dos dirigentes são proclamadas agora, mais do que nunca foram, como condições basilares de qualquer progresso da organização.
O Presidente do Conselho, por exemplo, falando em 1947 à União Nacional e referindo-se, não apenas à doutrinação corporativa, mas à doutrinação política em geral, não hesita em penitenciar-se de ser um dos principais responsáveis de não se ter dado a essa doutrinação a atenção que ela merece l. E no ano imediato, como em 1949, como em 1953, constantemente repete que a verdadeira revolução tem de fazer-se pela «transformação da mentalidade geral»2, que «é preciso que a doutrinação exigida pela revolução corporativa se faça intensamente, largamente, levando-a ao comum dos Portugueses»3 e que «faltaríamos a um grande dever ... se, lançados as bases do plano económico, não aproveitássemos os próximos anos para simultaneamente levar por diante a cruzada corporativa»4. E se dos escritos do Presidente do Conselho passarmos aos das demais pessoas que destes assuntos se ocuparam nos pós-guerra, é sempre a mesma nota, e com a mesma insistência, que vemos pôr em destaque. Nos trabalhos de Pires Cardoso 5, Marcelo Caetano 6, Fezas
1 E temos de confessar que, por demasiadamente absorvidos em resolver problemas, alguns dos quais foram, sem resultado, programa de todos os governos anteriores e aspiração de muitas gerações, não se deu ao trabalho de doutrinação política, de organização e formação da consciência publica aquela atenção que merecia. Posso dize-lo, porque devo considerar-me um dos principais responsáveis. Cf. «Governo e Política» (discurso à União Nacional em 4 de Março de 1947), em Discursos, vol. IV (1943-1950), p. 276, e Antologia, p. 39.
2 No «Prefácio» à 4.ª ed. do vol. I dos Discursos, Coimbra, 1948. p. XXXII.
3 Eis o passo completo do discurso a que pertence a transcrição feita no texto: «A nossa Constituição admitiu para o Estado a base corporativa, e este cooperativismo era, e deve ser, no conceito das pessoas responsáveis, um corporativismo de associação, e não corporativismo de Estado; mas é evidente que não podia de um momento para o outro criar-se um Estado corporativo sobre a Nação inorgânica. O erro cometido não consiste, pois, no eclectismo das fórmulas constitucionais e na longa duração dessas, mesmas soluções eléctricas (por muito mais tempo hão-de durar, só dever fazer-se a gradual evolução das instituições). A falta maior, embora justificada, está numa espécie de paragem que a organização sofreu durante anos e nos desvios, tanto de pensamento como de acção, que sofreu sob a imposição de circunstâncias conhecidas.
Assim, para que constitucionalmente se avance na orientação prevista, é necessário retomar a marcha, estendendo a organizarão, completando-a, coordenando-a e corrigindo-a no que se faça mister. É preciso ainda, que a doutrinação exigida pela revolução corporativa se faça intensamente, largamente, levando-a ao comum dos portugueses, alguns dos quais ainda hoje lhe não vêem, por desfiguração das coisas, benefícios alguns e outros não sabem filiar as regalias materiais obtidas no espirito que as gerou e as tornou possíveis». Cf. «Questões de Política Interna» (discurso aos governadores civis, comissões da União Nacional e candidatos o deputados, em 20 de Outubro de 1949), in Discursos, vol. IV (1943-1950), pp. 432 e 433, e Antologia, p. 198.
4 Discurso proferido em 10 de Julho de 1953.
5 Cf. Uma Escola Corporativa Portuguesa. Lisboa, 1949. pp. 13 e 14: «... Falta-nos desenvolver e consolidar, entre nós, uma mentalidade corporativa que promova a melhor utilização e concretização dos princípios doutrinários; falta-nos uma grande equipa, de dirigentes com uma boa formarão corporativa, já que no âmbito da organização aumenta dia a dia e não chega essa plêiade de valores existentes, embora queira suprir pelo devotado fervor o que lhe escasseia em número. Em suma, temos duas grandes tarefas pela nossa, frente, já empreendidas antes, mas carecendo de larga realização: o problema da generalização do espirito corporativo e o problema dos dirigentes. Leia-se também, do mesmo autor, a «Editorial» que precede o n.º l (Janeiro - Março de 1950) da Revista do Gabinete de Estudos Corporativos e a «Editorial» que precede o n.º 14 (ano IV. Abril - Junho de 1953) da mesma Revista.
6 V. a citada conferência Posição Actual do Corporativismo, p. 12. Vital 1, Cid Proença 2, Sedas Nunes 3, etc., põe-se constantemente em foco a importância da doutrinação como seiva alimentadora daquilo a que um destes autores expressivamente chamou a «ânsia de ideal corporativo» 1, e a urgência da formação de dirigentes como condição básica para a progressiva autonomizarão do sistema.
14. Felizmente, não se ficou só no domínio das palavras, embora se esteja ainda muito aquém do que seria lícito esperar delas. Sem falar já das numerosas conferências de divulgação e dos estudos doutrinais promovidos por entidades oficiais ou pela iniciativa privada, seria faltar a um dever de elementar justiça não citar aqui o trabalho silencioso, mas francamente positivo, do Centro de Estudos Económico-Corporativos anexo à Faculdade de Direito de Coimbra, superiormente dirigido pelo Prof. Teixeira Ribeiro - que já em 1945 conseguia publicar uma valiosa colectânea de estudos de economia corporativa 5 - , e do Gabinete de Estudos Corporativos do Centro Universitário de Lisboa da Mocidade Portuguesa, que teve e tem no Prof. Pires Cardoso o principal inspirador e orientador e que há mais de seis anos vem publicando com regularidade uma excelente revista especializada 6.
Estes dois organismos têm prestado relevantíssimos serviços no estudo dos problemas sociais e económicos ligados com o corporativismo; e por eles têm passado - e neles completado a sua formação científica - alguns dos nomes de maior valor com que o futuro da organização pode contar. Mas sendo centros de estudo de nível universitário - verdadeiros centros de altos estudos corporativos - , não pode esperar-se deles que resolvam o problema da formação de dirigentes patronais e sindicais e muito menos o problema da doutrinação das massas.
Não é essa a sua finalidade, nem é conveniente que seja. E, por isso mesmo, pode afirmar-se que, à parte uma tentativa infrutífera da criação de dois «Círculos de Militantes Sindicais», esboçada em 1947 7, e alguns
1 V. o artigo «Desvios do Corporativismo Português», no loc. cit., p. 7.
2 «Sobre Algumas Deficiências de Espirito Corporativo», in Revista do Gabinete de Estudos Corporativos, ano V, n.º 18 (Abril - Junho de 1954), pp. 138 e segs. Veja-se também, do mesmo autor, o importante relatório intitulado «Formação Social de Trabalhadores», apresentado em 1948 ao Subsecretário de Estado das Corporações, depois duma visita à Escuela de Capacitación Social de Trabajadores, de Madrid.
3 Situação e Problemas do Corporativismo, Lisboa, 1954, pp. 125 a 128. Aí se afirma, corajosamente, sobre a preparação dos dirigentes: «É este um problema de que bastante se tem falado entre nós, mas em ordem ao qual todas as soluções eficazes se vão inexplicavelmente protelando».
4 Pires Cardoso, O Problema Actual da Corporação Portuguesa, p. 6.
5 Suplemento V ao Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra. 1945.
6 Definindo os objectivos da criação do Gabinete, escrevia o Prof. Pires Cardoso, a abrir o primeiro número da respectiva Revista (n.º 1. Janeiro - Março de 1950, p. 2): «Neste particular, tem-se a consciência da oportunidade desta iniciativa, que pretende ser um exemplo e um incitamento. Exemplo, ao demonstrar que, com poucos meios mas muita vontade, alguma coisa se pode realizar, em combate à inércia doutrinária em que nos temos deixado sepultar de há muitos anos para cá. Incitamento, ao desejar que algo de mais importante se faça no sector da doutrinação corporativa, em ordem a dois problemas fundamentais que não devem descurar-se: a formação duma consciência corporativa neste país e a preparação de dirigentes para os organismos corporativos ou outros estreitamente ligados à organização».
7 Em 13 de Novembro de 1947, por despacho do então Subsecretário de Estado das Corporações, Dr. Castro Fernandes, eram criados dois «círculos de militantes sindicais» e entregue a sua orientação à Fundação Nacional para a Alegria no Tra-
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cursos ocasionalmente realizados por iniciativa do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência 1, ainda não foi dado até hoje qualquer passo sério para transitar da palavra à acção, encarando em plano de conjunto a tarefa da formação de dirigentes e da criação e uma verdadeira mentalidade corporativa, cuja urgência tão insistentemente se apregoou nos últimos anos.
A isso vem a presente proposta de lei, cuja necessidade fica assim sobejamente demonstrada.
§3.º
Oportunidade da proposta
15. Além da legitimidade doutrinária da proposta e da sua necessidade, importa ainda frisar a sua oportunidade.O que a esse propósito deve dizer-se é que a doutrinação social e corporativa a que o Plano visa - que sempre seria bem-vinda, mesmo que nada de novo se passasse na evolução do nosso corporativismo - surge no justo momento em que melhores condições de êxito encontra e em que mais necessária se torna.
Surge no momento em que encontra melhores condições de êxito, porque a simultânea criação das corporações constitui - permita-se o termo- uma autêntica terapêutica de choque para despertar a adormecida consciência corporativa do País. Como disse em tempos Pires Cardoso, «as fases de renovação abrem sempre um campo propício à intensificação das ideias, pela maior receptividade que provocam»2; e, por isso mesmo, o Plano pode encontrar, neste momento, facilidades de execução que noutra altura não encontraria.
Surge no momento em que mais necessário se torna, pois não faria realmente sentido que se desse um passo de tanta importância para a estruturação do nosso sistema corporativo, como é o da criação das primeiras corporações, sem se empreender a tarefa de doutrinação há tanto tempo reclamada. Com razão se diz no relatório da proposta que «doutra sorte correr-se-ia o risco de vir a ter-se, porventura, uma construção corporativa integral e quanto possível perfeita, mas privada de alma, vazia de sentido e sem projecção».
Esta «alma», esta «projecção» e este «sentido» só poderão tê-los as corporações se forem apoiadas por uma crescente consciência corporativa e se forem servidas por dirigentes bem doutrinados e tecnicamente preparados para dar aos problemas as soluções que devem ter.
16. Insistiremos nesta última nota, por virtude da especial importância de que ela se reveste para que as
balho. Esse despacho assentou num estudo previamente feito nesse sentido, por ordem do mesmo Subsecretário, pelo director do pelouro de actividade cultural da referida Fundação, Dr. Fernando Cid Proença. Entendeu-se, porém, antes de dar inicio aos trabalhos, que se devia ir estudar in loco, a Madrid, o funcionamento da Escuela de Capacitación Social de Trabajadores, a fim de verificar em que medida podia ser adaptada essa experiência ao caso português. Desempenhou-se da incumbência o Dr. Cid Proença, que prontamente apresentou sobre o assunto um extenso relatório, que temos à vista e que só é de lamentar - dado o seu merecimento intrínseco - que ainda se conserve inédito. Os círculos, no entanto - ao que parece por dificuldades financeiras (cf. o n.º 9 do relatório da proposta) -, nunca chegaram a entrar em funcionamento.
1 Ainda recentemente funcionou em Coimbra, por iniciativa do delegado do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, um curso de aperfeiçoamento para dirigentes sindicais, que teve larga frequência e proveitosos resultados.
2 Cf. a conferência Uma Escola Corporativa Portuguesa, Lisboa, 1949, p. 16, corporações venham a ser o que se pretende que elas sejam.
A proposta de lei do Governo que institui as corporações vem acompanhada dum valioso relatório onde se apontam, com particular vivacidade, as razões que levam o Governo a desejar que elas sejam juridicamente autónomas. Aí se diz (n.º 20) que, ao atribuir às corporações a qualidade de pessoas colectivas de direito público, pretende reafirmar-se «o princípio sempre proclamado da natureza associativa do sistema corporativo português» e pretende-se, sobretudo, que essas corporações, juridicamente autónomas, como «representantes legítimas e naturais das actividades que integram, harmonizem as divergências dos interesses e se apresentem perante o Estudo como a imagem rica do País, na sua economia e na sua vida intelectual e moral».
Ora é evidente que, para tudo isto não ser letra morta - mantendo-se um corporativismo sempre proclamado de natureza associativa e sempre praticado como corporativismo de Estado -, é necessário que as corporações sejam servidas por dirigentes bem adestrados, com perfeita consciência da sua missão e com os conhecimentos técnicos indispensáveis para neles se poder depositar confiança.
Perante dirigentes improvisados, sem clara noção dos seus deveres, sem cultura adequada, sem espírito corporativo bem formado, a tutela do Estado surge sempre como inevitável, pois maior mal seria deixar a organização entregue a ineptos. E entra-se então num círculo vicioso: o Estado proclama a necessidade dum certo grau de consciência corporativa para que os vários organismos fiquem entregues a si próprios e sejam verdadeira expressão dum corporativismo autónomo; como esse grau não existe, sente-se autorizado a exercer a sua tutela sobre esses organismos; e exercendo esta tutela automaticamente impede que se desenvolva aquela consciência corporativa que há-de justificar a sua progressiva autonomização.
A única maneira de quebrar este círculo vicioso é a da preparação de dirigentes qualificados, que possam merecer a confiança bastante, quer dos dirigidos, quer do próprio Estado. Só nesse momento a consciência corporativa poderá progredir como é necessário; e só nesse momento o Estado poderá efectivamente aliviar a pressão da sua tutela sobre os organismos corporativos, permitindo que estes sejam, não apenas nominalmente, mas de facto, a expressão dum corporativismo autónomo.
17. A oportunidade da proposta, portanto, afigura-se indiscutível. O único comentário que a esse propósito poderia ainda fazer-se - depois de tudo quanto já deixámos dito - é o mesmo que um dia Salazar fez, em idênticas circunstâncias: «Isto não pode merecer outra crítica que não seja a de se não ter feito mais cedo»1.
Devia, na verdade, ter-se feito mais cedo. Certo é que nunca faltaram esforços, boas vontades e realizações concretas no sentido da criação duma mentalidade corporativa e da formação dum escol directivo, podendo pois dizer-se que, na medida do possível, sempre se procurou dar execução ao pensamento que hoje inspira esta proposta de lei. Simplesmente, é este um dos casos em que não podemos ficar-nos na «medida do possível». A doutrinação e a reforma da mentalidade, como todas as tarefas que exigem fé, entusiasmo e dinamismo, têm de tomar como padrão «a medida do
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impossível», sob pena de esmorecerem e ficarem pelo caminho.
O maior doutrinador de todos os tempos, Jesus Cristo, soube vê-lo com divina clarividência, ao impor aos homens, como medida de perfeição, essa «medida do impossível»: «Sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito» 1. Se os homens não podem ser tão perfeitos como Deus e têm, no entanto, de submeter-se a esse padrão de perfeição para merecerem o nome de cristãos, isso significa apenas que tudo o que obedece a um elevado ideal exige uma dedicação total. Começar a caminhada já conformado com realizar apenas a «medida do possível» é atraiçoar antecipadamente o ideal que se pretende servir.
Ora o ideal corporativo é dos que merecem bem essa dedicação total. Demorou a chegar - mas parece ter chegado, enfim, com a presente proposta de lei - o momento duma mobilização geral de energias para servir esse ideal com a grandeza e com a dedicação que ele merece.
§ 4.º
Economia da proposta
18. Sabido que é legítimo, necessário e oportuno pôr em movimento um vasto plano de formação social e corporativa, resta saber se o Governo se propõe fazê-lo da melhor maneira: se devia propor menos, se devia propor mais ou se devia propor diferente.
Por agora, importa responder a estas perguntas encarando apenas a proposta no seu conjunto. O estudo de possíveis acrescentamentos, supressões ou modificações em cada uma das bases será objecto do exame na especialidade.
A impressão com que se fica da leitura da proposta e do longo e bem elaborado relatório que a precede é a ide que se está em face dum plano que foi objecto de sério estudo e reflexão no seu traçado fundamental e que se apresenta, por isso mesmo, bem equilibrado e estruturado. As bases estão redigidas com a largueza necessária à conveniente maleabilidade da sua regulamentação, e as explicações que se dão no relatório deixam já prever, por vezes, qual vai ser, de momento, o sentido dessa regulamentação, que sempre se afigura obedecer ao melhor critério.
E com isto se responde já a uma das três perguntas atrás formuladas: dentro do ponto de vista em que se colocou, o Governo dificilmente poderia propor diferente do que na realidade propõe.
19. Óbvio parece também que dificilmente poderia propor menos. Não faltou, é certo, quem manifestasse uma atitude de cepticismo perante o teor da proposta, afirmando a impossibilidade de se lhe dar plena execução, quer por falta de meios financeiros suficientes, quer pela dificuldade de encontrar o número de colaboradores indispensável. E isso seria motivo pana a reduzir a proporções mais modestas, limitando-a àquilo que houvesse a certeza prévia de se poder executar.
A esta crítica responde-se, porém, com o que já atrás dissemos, ao apreciar a oportunidade da proposta (n.º 17): é tempo de abandonarmos, numa tarefa de tal transcendência como a doutrinação social e corporativa, o simples «critério do possível». Do conformismo com esse critério resultou o estado de indiferença a que se chegou nos nossos dias perante a mais bela realização do Estado Novo e mais definitiva conquista do seu ideário: a estrutura corporativa da Nação.
1 Evangelho de S. Mateus, v, 48.
O que é preciso, pois, ao traçar um plano de acção destinado a revigorar o ideal corporativo é dizer tudo o que importa fazer, sem cuidar demasiado de saber se esse «tudo» se pode realizar dum momento para o outro ou se vai encontrar dificuldades de execução. Que tenha de se ficar, pela força das circunstâncias, um tanto ou quanto aquém do que se pretendia é o que menos importa; o plano gizado aí estará sempre de pé, a traçar uma directriz e a constituir um compromisso para os que estão envolvidos na tarefa de o executar. Não lhes permitirá adormecer sobre o trabalho realizado, antes lhes mostrará permanentemente que é preciso fazer mais e melhor, sob pena de se atraiçoar o fim que se tem em vista.
Além disto, partindo a proposta, como parte, do Governo, só devemos regozijar-nos que ela tenha a amplitude que tem. Também nesse aspecto ela envolve um compromisso, que é o de o Governo não lhe faltar com o apoio moral e material indispensável. Dentro da política de verdade a que todos já nos habituámos, podemos saber de antemão que nada se promete que não se esteja na disposição de cumprir; e por isso, prometendo muito, a muito o Governo se obriga e muito, por certo, cumprirá.
Aliás, num caso destes, é bem necessário que o prometa e que o cumpra.
20. Se algum dos três problemas apontados oferece dúvidas, é o de saber se o Governo não deveria propor mais, isto é, se não deveria olhar ainda de mais alto para este momentoso problema e focar outros aspectos seus não menos importantes que os focados na proposto.
A ideia que domina a proposta é realmente a da doutrinação corporativa no campo económico e social. Com insistência se fala, nela e no respectivo relatório, da cooperação entre a propriedade, o capital e o trabalho, da necessidade de doutrinar os trabalhadores e o patronato para uma melhor compreensão dos seus deveres e direitos recíprocos, da elucidação dos operários acerca das vantagens instituídas em seu favor pela legislação social, do melhoramento das relações humanas na empresa, etc.
Ora o corporativismo não é simplesmente uma doutrina social e económica. E também - e pretende-se que o seja cada vez mais, entre nós - uma doutrina política. A nossa Constituição não se limita a perfilhar o corporativismo como meio de harmonizar os interesses da propriedade, do capital e do trabalho; antes declara que o Estado Português é ele próprio, em toda a sua contextura, um Estado corporativo 1. É ao falar de «organismos corporativos» 2, antes ainda de referir os de carácter económico, fala dos que têm simples carácter moral e cultural 3, para logo dizer, em seguida, que nesses organismos corporativos «estarão organicamente representadas, todas as actividades da Nação», competindo-lhes «participar na eleição das câmaras municipais e das juntas de província e na constituição da Câmara Corporativa» 4.
1 Constituição Política, artigo 5.º
2 Epígrafe do título IV.
3 Constituição Política, artigo 16.º
4 Ibidem, artigo 20.º A proposta de lei que visa à criação das primeiras corporações dá o devido relevo a este carácter integral do nosso corporativismo. E no relatório que a precede chama-se especialmente a atenção para esse ponto (n.º 17): «Constitui a organização corporativa um sistema a que dá conteúdo e sentido o princípio corporativo: o princípio da unidade moral, política e económica da Nação.
O principio corporativo não é, pois, ou apenas, o principio da organização e personificação das categorias económicas, a fim de que participem na vida da comunidade política. Pelo contrário, a organização corporativa portuguesa estende-se tam-
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Isto significa, portanto, que o espírito corporativo não tem de informar apenas a organização económica e social, mas toda a vida política da Nação. E para isso não basta cuidar da doutrinação corporativa no mundo do trabalho e da formação de dirigentes corporativos sindicais e patronais; é preciso difundir e fortalecer a mentalidade do corporativismo em todos os sectores da vida nacional. De facto, mais ainda no domínio político do que no domínio económico, é frequente encontrar «muitos espíritos descansados em princípios opostos» - «raciocinando à liberal ou à socialista, mesmo quando pretendem ser corporativistas» 1; e os serviços públicos são muitas vezes os primeiros a dar o exemplo desse «desfasamento», procedendo com mentalidade oposta à dos interesses que julgam servir.
Importa, pois, além de doutrinação económica e social de sentido corporativista, fazer também doutrinação política de igual sentido. E o êxito daquela - não tenhamos ilusões - depende em grande parte do êxito que esta obtiver.
Ora a proposta parece ter menosprezado algum tanto este aspecto do problema. É certo que o não esqueceu de todo, pois a doutrinação económica e social que preconiza é já de si também, em muitos dos seus pormenores, uma verdadeira doutrinação política. E também é certo que não seria fácil ao Ministério das Corporações traçar e executar um plano de pura doutrinação política com a mesma facilidade com que pode promover um plano de doutrinação económica e social. De qualquer modo, tudo aconselha a que, pelo menos na regulamentação do presente diploma, se insista na necessidade de apresentar sempre e a todos os propósitos o corporativismo económico como um simples aspecto do corporativismo integral, que tem de dominar, cada vez mais, toda a vida política e administrativa da Nação.
21. De resto, mesmo dentro do ponto de vista da simples doutrinação social e económica, a proposta não esgota todos os meios legítimos ao seu alcance para a difusão do espírito corporativo e para a formação de dirigentes. Poderia ter concretizado algo mais sobre a colaboração que há a esperar, para o efeito, das instituições enumeradas na base II, com vista a alargar os efeitos do Plano para além do restrito campo de acção da Ministério das Corporações. Poderia ter cuidado, designadamente, nessa ordem de ideias, do problema da formação social e corporativa do professorado dos vários graus de ensino e dos estudantes dos cursos secundários. E bom era que o tivesse feito.
Não insistiremos, porém, nesses pontos, que podem, de resto, ser objecto da merecida atenção nos diplomas regulamentares que serão publicados em complemento do Plano. Limitar-nos-emos a falar dum aspecto do problema que nos parece ser da maior importância e que,
bem ao domínio das actividades desinteressadas, visto que postula a existência de organismos culturais e morais, os primeiros visando objectivos científicos, literários, artísticos e de educação física e os segundos visando objectivos de assistência, beneficência ou caridade.
Esta orientação, tão característica da nossa doutrina, vale por si e há-de ter gradualmente o seu lógico desenvolvimento orgânico. Se os males do liberalismo ou os perigos das soluções totalitárias afectam ou ameaçam tanto o mundo da economia e da política como os planos da cultura e da assistência, torna-se também imprescindível fazer chegar aqui os benefícios da organização corporativa autónoma.
Por isso se estabelece, logo na base I da presente proposta de lei, que as corporações, constituem a organização integral das actividades, não apenas económicas, mas também morais e culturais, e se prevê, na base XV, que o Governo definirá os ramos de actividade social que devem ser considerados corporações na ordem moral e cultural ou a elas equiparados».
1 Oliveira Salazar, Discursos, vol. III, 1938-1943, pp. 366 e 367, e Antologia, p. 193.
por isso mesmo, não pode deixar de ser focado desde já: o da colaboração da Universidade.
É nas Universidades que se forma a elite intelectual do País e, por isso mesmo, é entre os seus diplomados que vão recrutar-se os elementos necessários ao preenchimento dos quadros directivos: funcionários superiores do Estado, pessoal técnico superior das empresas, empresários e dirigentes do trabalho, etc. A eles há-de ir, forçosamente, também a organização corporativa buscar uma grande parte dos seus dirigentes: a parte, nem mais nem menos, dos seus dirigentes superiores - dirigentes de cujo saber, dê cuja orientação, de cujo exemplo dependerão em grande parte o êxito e o prestigio do sistema.
Que preparação trazem da Universidade para a vida esses diplomados, além dos conhecimentos técnicos e científicos que directamente respeitam ao exercício da sua profissão? No domínio que nos interessa - compreensão dos problemas sociais, clara visão do sentido das realizações corporativas, consciência do papel que podem e devem desempenhar como dirigentes ou como árbitros de interesses antagónicos -, é forçoso confessar que essa preparação é pouco mais que nula.
E, no entanto, é manifesto que a Universidade dos nossos dias não pode limitar-se a fornecer aos escolares os conhecimentos técnicos de que hão-de necessitar para o exercício duma profissão. Dela se exige, cada vez mais, que prepare homens para a vida, com clara noção das suas responsabilidades sociais. Como alguém recentemente disse: «há-de ser na Universidade que os especialistas dos vários ramos do saber e das várias profissões intelectuais e dirigentes - os engenheiros, como os juristas, os economistas, os sociólogos, os psicólogos, os médicos, os pedagogos, os arquitectos, os urbanistas e tantos outros - hão-de adquirir o sentido social, a consciência das fortes responsabilidades que lhes tocam no seu campo específico de acção, e ao mesmo tempo formar uma visão unitária, totalista, não deformada por um especialismo ou tecnicismo acanhado e falso, o problema social no seu conjunto, diverso mas uno, de situações e dados, e da solução global que esse problema requer» 1.
22. Do acabado de expor se infere que, sem uma decidida colaboração da Universidade, o êxito do Plano de Formação Social e Corporativa ficará muito aquém do que se pretende. Resta saber que espécie de colaboração, concretamente, pode pedir-se à Universidade num caso destes.
A base V da proposta, aludindo à criação, promoção e desenvolvimento de centros ou gabinetes de estudos corporativos, não só nos organismos corporativos como nos estabelecimentos de natureza cultural e educativa - e entre estes estão, sem dúvida nenhuma, e antes de quaisquer outros, as Universidades -, aponta já, por certo, um dos aspectos da colaboração necessária.
Mas não basta. A acção dos centros e gabinetes de estudo, de enorme importância para a formação de especialistas, tem de exercer-se dentro dum escol bastante seleccionado, constituído por estudantes e diplomados com particular vocação para o estudo dos problemas sociais, políticos e económicos. Aí encontrarão
1 Adérito Sedas Nunes, «A Universidade e o problema social» (excurso publicado a pp. 197 a 201 do seu livro Situação e Problemas do Corporativismo, Lisboa, 1954).
Cf. também as conclusões do I Congresso Nacional da Juventude Universitária Católica, efectuado em Lisboa de 15 a 19 de Abril de 1958, in O Pensamento Católico, e a Universidade, Lisboa, 1953, pp. 407 e segs. Ver. na mesma obra, o trabalho de Sousa da Câmara «Responsabilidade social da Universidade», pp. 143 a 175, e as várias comunicações apresentadas por estudantes sobre o mesmo tema, pp. 371 a 404.
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eles o lugar próprio para poderem dedicar-se, sob uma orientação segura, ao estudo reflectido dos grandes problemas, em nível de investigação científica.
Para além deles, porém, está a grande massa dos estudantes universitários, de quem não pode esperar-se uma vocação para estudos especializados, mas de quem amanhã se há-de exigir, na vida, o exercício de funções de comando, que carecem duma boa soma de conhecimentos básicos sobre os fundamentos doutrinários do corporativismo, sobre o funcionamento efectivo do sistema corporativo português, sobre os problemas da cooperação dos indivíduos e dos grupos no plano social e profissional, sobre a organização da previdência e seus problemas, sobre as responsabilidades sociais dos dirigentes do trabalho, etc. Aliás, as próprias vocações especializadas, que hão-de ser a vida dos gabinetes e centros de estudo, dificilmente poderão surgir se esta preparação básica não for ministrada ao comum dos estudantes, de modo a despertar em alguns deles um interesse mais vivo por esses problemas.
Imprescindível se torna, portanto, que a ministrarão de tais conhecimentos passe a fazer parte do próprio plano dos estudos universitários. O ideal seria que em todas as escolas de ensino superior se criasse uma cadeira para o ensino das matérias reputadas fundamentais à formação social e corporativa dos estudantes universitários 1, pois não há hoje, a bem dizer, nenhuma profissão de nível superior para a qual esses conhecimentos possam considerar-se supérfluos. Mas, se não se julgar lícito ir tão longe, que ao menos se promova a criação desses cursos naquelas escolas cujos diplomados mais directamente ligados se hão-de achar, na vida prática, com os problemas da política e acção sociais e corporativas 2.
Não é este diploma legislativo, evidentemente, o lugar próprio para inserir inovações no plano de estudos das várias escolas superiores. Mas o problema reveste tal importância para a prossecução dos fins que a presente proposta tem em vista, que tudo aconselha que se introduza desde já no texto da lei um preceito a vincular o Governo à criação dos referidos cursos.
II
Exame na especialidade
23. A extensa apreciação na generalidade acabada de fazer à proposta de lei do Governo permitirá agora reduzir ao mínimo indispensável o respectivo exames na especialidade. Aliás, o relatório que precede a proposta dá explicações tão minuciosas sobre os objectivos de cada um dos novos organismos criados e sobre os meios de acção que devem utilizar que seria supérfluo repetir neste parecer as considerações aí feitas, com
1 Assim o propunha, já em 1949, Pires Cardoso, na sua conferência Uma escola corporativa portuguesa, p. 16. Sugestão congénere era apresentada por Adérito Sedas Nunes, em 1954, na obra citada, p. 200. Aí se proclama a necessidade da «criação em todas as escolas superiores de uma disciplina de cultura social, na qual um dos principais capítulos dedicado à cultura corporativa».
2 Na recente reforma do plano de estudos dos cursos de Engenharia professados nas Universidades portuguesas (Decreto n.º 40 378, de 14 de Novembro de 1955) dá-se já, de certo modo, satisfação à medida que aqui propomos em termos mais amplos. Foi efectivamente criada por esse decreto uma cadeira anual (com três horas de aula semanais) de Sociologia Geral (questões morais e sociais relacionadas com a técnica), que figura no 2.º ou no 3.º ano do curso, consoante os vários ramos da licenciatura em Engenharia. Essa cadeira, devidamente orientada, poderá já, só por si, preencher em larga medida o objectivo da formação social e corporativa dos futuros engenheiros, vista a justificar a aprovação de cada uma das bases do diploma em estudo.
Por isso mesmo limitar-nos-emos a falar, neste exame na especialidade, daquelas passagens da proposta que parecem carecer de algum comentário, de algum acrescentamento ou de alguma alteração, remetendo em tudo o mais para o respectivo relatório e louvando-nos nas razões aí expostas para conceder a nossa aprovação à redacção que o Governo propõe para as diferentes bases.
24. Dois importantes acrescentamentos foram já sugeridos na apreciação na generalidade: o duma nova base a prever a transferência da direcção e execução do Plano, num futuro próximo, para as corporações, e o duma outra base que constitua o Governo na obrigação de criar cursos de formação social e corporativa nas escolas superiores.
Trata-se agora, apenas, de escolher a melhor localização para estas novas bases, dentro do articulado da proposta, e de propor a respectiva redacção.
A primeira parece dever encaixar-se logo em seguida à base I, por ser nesta que se atribui (n.º 2.º) a execução do Plano ao Ministério das Corporações e Previdência Social. Poderia ficar assim redigida:
Base I-A
Quando as corporações se encontrarem já suficientemente estruturadas e em pleno funcionamento, o Governo transferirá para elas a direcção e execução do presente Plano, que será então submetido às alterações para tanto julgadas necessárias.
A segunda terá talvez a sua melhor localização em seguida à base II, com a redacção seguinte:
Base II-A
Em complemento das actividades formativas previstas no presente Plano, o Governo promoverá, nas Universidades e escolas superiores, a introdução do ensino e investigação, em condições de bom rendimento pedagógico e científico, das matérias reputadas fundamentais para a formação social e corporativa dos estudantes universitários.
Feitos estes dois acrescentamentos, haverá necessidade de alterar a epígrafe do § I da proposta. Em vez de «Finalidades», tornar-se-á preferível utilizar a expressão «Disposições gerais».
25. A base IV sugere vários reparos, que exigem outras tantas pequenas alterações.
O primeiro - e talvez mais importante - é o de não se prever que tomem assento na comissão aí criada os directores dos três organismos previstos na base VII: o director do Centro de Estudos Sociais e Corporativos, o director do Instituto de Formação Social e Corporativa e o director da Comissão Coordenadora do Serviço Social Corporativo e do Trabalho.
Se a Comissão criada pela base IV tem a seu cargo orientar e coordenar todas as actividades previstas no Plano [alínea a) da base v], e se os principais instrumentos de realização do Plano (epígrafe do § III) são aqueles três organismos, é óbvio que se torna imprescindível a presença dos respectivos directores na Comissão Directiva.
Outra crítica que pode fazer-se, quanto à estrutura da Comissão Directiva, é a de nela só tomar assento um representante das corporações. Dentro da orientação preconizada neste parecer, convém que as corporações fiquem desde já ligadas, o mais estreitamente que puder ser, à vida do Plano. E isso aconselha a fazer participar
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na Comissão Directiva não apenas um representante mas todos os presidentes das corporações.
Um terceiro reparo prende-se com o facto de a execução das deliberações da Comissão Directiva (n.º .2.º da base IV) estar a cargo dum único dos seus membros, o vice-presidente, que, além do mais, nem sequer obrigatoriamente existe. De facto, se to Ministro pode designar um vice-presidente», parece entender-se que também pode não o designar; e então ficar-se-ia sem saber a quem competiria executar as deliberações da Comissão Directiva, já que não seria razoável ser o próprio Ministro a fazê-lo.
Ora o problema da execução das deliberações da Comissão Directiva é a pedra angular de toda a eficiência do Plano e merece, por isso mesmo, ser cuidadosamente regulado. À solução que parece impor-se é a seguinte:
a) Quando se trate de deliberações que interfiram directamente com a actividade e competência de cada um dos três organismos criados pela base VII ou com os serviços de acção social dependentes do Ministério, a responsabilidade da sua execução deverá pertencer ao respectivo director;
b) Quando se trate de quaisquer outras deliberações, a responsabilidade da respectiva execução deve pertencer não apenas a um vice-presidente de existência eventual, mas a uma comissão executiva, composta pelo vice-presidente e pelos dois vogais de livre escolha ministerial. De facto, as actividades deixadas directamente à competência da Comissão Directiva (base VIII) são de tal forma importantes e absorventes que é difícil confiar a sua execução a uma única pessoa. E a terem de sê-lo a uma comissão [...], interessa que esta seja constituída pelos elementos da Comissão Directiva que menos absorvidos estejam por outras ocupações, e esses são, sem dúvida nenhuma, o vice-presidente e os dois vogais de livre nomeação ministerial.
Dentro desta orientação, o cargo de vice-presidente deverá ser obrigatoriamente preenchido; terá como atribuição própria a de presidir à comissão executiva; e só será eventual - dependendo do que o Ministro a esse respeito resolver - a sua função de presidir, em substituição do Ministro, à própria Comissão Directiva.
O último reparo diz respeito à denominação dada a este organismo-chare da direcção e execução do Plano. Chamar-lhe «Comissão» presta-se a confusões: já na própria proposta se fala de «comissões distritais» desta «Comissão»; e com a introdução de uma «comissão executiva» da mesma «Comissão» a confusão aumenta. Pode chamar-se-lhe antes «Junta da Acção Social», se não se preferir a denominação de «Conselho» ou outra congénere.
Em face do exposto, a base IV seria desdobrada em duas, assim redigidas:
Base IV
1. É instituída a Junta da Acção Social, a que presidirá o Ministro das Corporações e Previdência Social e de que farão igualmente parte:
a) Um vice-presidente e dois vogais, de livre nomeação do Ministro; b) Os presidentes das corporações: c) Os directores-gerais e o chefe dos serviços de acção social do Ministério:
d) O presidente da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho;
e) Os directores dos organismos criados pela base VII deste diploma.
2. O Ministro pode delegar no vice-presidente, a titulo permanente ou transitório, a direcção e orientação dos trabalhos da Junta.
Nova Base
1. A execução das deliberações da Junta da Acção Social referentes às actividades especificas dos organismos criados pela base VII deste diploma ou dos serviços de acção social dependentes do Ministério será da competência dos respectivos directores.
2. A execução das demais deliberações da Junta pertencerá a uma comissão executiva constituída pelo vice-presidente e pelos dois vogais de livre nomeação do Ministro.
A melhor colocação para esta nova base parece ser, porém, não imediatamente a seguir à base IV, mas em seguida à base v. Na verdade, em boa técnica legislativa, a melhor ordem de matérias parece ser esta: primeiro a constituição da Junta (base IV); depois a sua competência (base V), e, finalmente, a execução das suas deliberações. Aliás, as comissões distritais, previstas na base VI, também têm por função servir de comissões e executivas locais das deliberações da Junta, e essa disposição já na proposta aparece colocada - e bem - depois da que regula as atribuições desta última.
26. Na base V apenas a alínea a) carece de um pequeno retoque. A fórmula «orientar e coordenar as actividades previstas neste diploma», aí utilizada, é pouco rigorosa, pois a Junta da Acção Social não tem apenas uma função orientadora e coordenadora. Tal função exercê-la apenas, bem vistas as coisas, em relação aos organismos criados pela base VII e aos serviços, de acção social dependentes do Ministério. Tudo o mais que o diploma prevê não são actividades para a Junta coordenar e orientar, mas para ela própria promover e exercer.
É preciso, portanto, desdobrar o enunciado da alínea a), para não confundir os dois aspectos, substancialmente diversos, da competência da Junta. Numa primeira alínea, falar-se-á da sua actividade coordenadora; na segunda, da ficção que lhe compete directamente promover e exercer.
A este propósito a nova alínea poderá limitar-se a remeter para a base VIII, pois as únicas actividades - além das enumeradas nessa base - que à Junta compete directamente exercer, e não apenas coordenar, são as que já constam das restantes alíneas da base V.
O que parece razoável, também, é que a nova alínea complete o sentido da base VIII, enunciando o fim a que se destinam os meios nesta base referidos.
Ficaria, então, assim redigido o começo da base V:
A Junta da Acção Social compete especialmente:
a) Orientar e coordenar as actividades dos organismos criados pela base VII do presente diploma e as de todos os serviços de acção social dependentes do Ministério das Corporações e Previdência Social;
a') Exercer uma acção doutrinadora e formativa, através dos meios de acção indicados na base VIII ou de outros equivalentes.
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As restantes alíneas permaneceriam com a redacção que têm na proposta.
27. Na base VII haveria talvez conveniência em consignar expressamente que os três organismos aí criados ficam subordinados hierarquicamente à Junta da Acção Social. E isso que já directamente resulta do poder atribuído à Junta na alínea a) da base V - de orientar e coordenar as actividades destes organismos. Mas nada se perde em deixá-lo mais explícito.
Poderia fixar-se a seguinte redacção:
Hieràrquicamente subordinados à Junta da Acção Social, e para o preenchimento dos fins que adiante se indicam, são criados:
a)..............................................................................
28. A redacção do corpo da base VIII pode ser melhorada. Além disso, é conveniente deixar nela mais marcada a ligação desta base com a base V.
Poderá dizer-se antes:
Para os fins indicados na alínea a') da base V, a Junta da Acção Social utilizará, designadamente, os seguintes meios de acção: ...
Uma vez que a iniciativa da utilização desses meios pertence sempre à Junta da Acção Social, a distinção feita na alínea, a) pode considerar-se supérflua. As missões de acção social aí previstas não sido nunca realizadas excusivamente pela Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho; são sempre realizadas pela Junta da Acção Social em cooperação com a Fundação Nacional para a alegria no Trabalho.
Na alínea f) deve acrescentar-se a referência à televisão, embora esta possa já considerar-se genericamente incluída na referência à radiodifusão.
29. A propósito das bases IX e X pode levantar-se um pequeno reparo: o de não se fazer aí qualquer referência a um problema que no relatório expressamente se ventila - o da «preparação pós-universitária do pessoal necessário para preencher os lugares que nos serviços centrais ou regionais do Ministério das Corporações ou noutros pontos directivos dos quadros da organização exijam especiais conhecimentos de ordem técnica, jurídica ou económica e uma boa formação social».
Não parece que o Centro de Estudos Sociais e Corporativos, tal como se encontra estruturado, possa preencher essa missão com a amplitude desejada. A base IX e a base X traçam-nos o quadro de uma instituição destinada a trabalhar em regime de seminário de investigação científica, onde o estudo persistente de um grupo de especialistas - grupo, por isso mesmo, forçosamente pequeno e muito escolhido -, sob a orientação de uma individualidade de reconhecido mérito, poderá fornecer uma colaboração de incalculável valor ao Ministério das Corporações a Previdência Social. Nunca se louvará de mais o alcance e a importância de uma iniciativa dente género.
Para além disso, porém, está o problema da preparação e do aperfeiçoamento técnico do pessoal superior da hierarquia corporativa e dos Ministérios com ela relacionados 1. Trata-se de pessoas a quem normalmente não se pode exigir um estágio como «assistentes» do Centro de Estudos, já porque a sua especialização
1 Este problema, relativamente aos servidores do Instituto Nacional do Trabalho o Previdência, foi recentemente posto com toda a grandeza por João Manuel Cortês Pinto, no vol. I do seu trabalho A Corporação. a pp. 116 e 117.
não é tão apurada que lhes permita elaborar, em condições sérias, uni trabalho de investigação científica, já porque a sua situação na vida não lhes permite a longa permanência no Centro de Estudos exigida por um trabalho de investigação. E, no entanto, trata-se de pessoas que haveria toda a vantagem em fazer frequentar, uma ou mais vezes, cursos de curta duração, para aquisição e aperfeiçoamento de conhecimentos técnicos. Estes cursos são de índole substancialmente diversa dos que, por força da base XII, compete ao Instituto de Formação Social e Corporativa organizar. Enquanto o Instituto organizará cursos acessíveis à grande massa, com carácter essencialmente formativo (cf. relatório n.º 10), do que neste caso se carece é de cursos de especialização, professados em nível universitário, para indivíduos que serão, na sua quase totalidade, diplomados em Direito, em Ciências Económicas e Financeiras ou noutras escolas superiores.
É manifesto que só o Centro de Estudos poderá tomar u sua conta a organização de cursos desta índole, até porque os respectivos frequentadores hão-de carecer de realizar leituras várias em complemento das prelecções ouvidas e só o Centro dispõe, para o efeito (vide base XI), da necessária biblioteca especializada.
Estes cursos deverão ser de curta duração e frequentados por um pequeno número de ouvintes, ainda que para tanto haja necessidade de repetir várias vezes um mesmo curso em diferentes turnos. Seriam professados, em princípio, pelos próprios assistentes do Centro de Estudos ou pelo respectivo director; e eventualmente poderiam convidar-se também, para o efeito, elementos de reconhecido mérito, estranhos ao Centro.
Deverá, nestes termos, acrescentar-se à proposta uma nova base, do teor seguinte:
BASE X- A
1. Além do labor de investigação cientifica a que aludem as duas bases anteriores, ao Centro de Estudos Sociais e Corporativos compete organizar cursos especializados, de curta duração e de nível universitário, com vista à preparação e ao aperfeiçoamento técnico do pessoal superior da organização corporativa e dos Ministérios com ela relacionados.
2. Estes cursos serão professados, em princípio, pelo director e pelos assistentes do Centro de Estudou; mas podem ser também convidadas, para o efeito, individualidades de reconhecido mérito que a ele sejam estranhas.
30. Outra pequena observação suscita ainda a base x.
Diz-se nela (n.º 2) que os assistentes do Centro de Estudos «deverão possuir um curso superior adequado». Não deve ser fácil, na verdade, encontrar quem tenha competência para desempenhar um cargo desses sem ser diplomado por anu curso superior adequado. Mas, se isso não é fácil, não quer dizer que seja impossível, pois em todos os tempos se encontram autodidactas de indiscutível merecimento.
Para prevenir uma hipótese dessas, ainda que pouco provável, é preferível dizer: « por assistentes que deverão possuir, em regra, um curso superior adequado».
31. Na base XII, além de dever substituir-se a expressão «previsto na alínea b)» pela expressão mais correcta de « criado pela alínea b)», convém introduzir, no final do n.º l, uma referência expressa ao pessoal dos quadros das empresas.
Efectivamente, mais ainda que aos trabalhadores e aos elementos da direcção das empresas, é ao pessoal intermédio, normalmente chamado pessoal dos quadros
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-capatazes, contramestres, fiscais, técnicos auxiliares, chefes de serviços, chefes de pessoal, engenheiro», etc. -, que importa directamente doutrinar, instituir e esclarecer sobre a orgânica corporativa e sobre os deveres de cooperação social.
Elementos de ligação entre os operámos e a direcção da empresa, das suas atitudes e da sua conduta dependerá fundamentalmente o «clima social» e o nível das «relações humanas» na comunidade de trabalho a que pertencem. As relações profissionais e de desse, bem como as possibilidades de «cooperação social» dentro da empresa, hão-de depender muito mais do seu exemplo, da sua acção pessoal e da compreensão que tiverem dos seus deveres e responsabilidades do que da directa catequização dos operários e dos patrões.
Isto tem sido reconhecido por todos quantos recentemente se têm ocupado do problema das relações humanas na empresa. A. Doucy e R. Delanois não hesitam em afirmar que «o desaire dê numerosas experiências de melhoramento das relações no seio das empresas é atribuível unicamente ao comportamento do pessoal dos quadro»1.
E, entre nós, Adérito Sedas Nunes, num excelente relatório, que temos presente, sobre o problema das relações humanas na empresa - relatório infelizmente inédito-, insiste na mesma ideia, ao afirmar:
Atribui-se uma importância cada vez maior à selecção e formação do pessoal dos quadros. Pensa-se que, para melhorar as relações humanas e o clima social nas empresas não é suficiente introduzir nelas agentes especializados em problemas sociais e psicológicos: importa, basicamente, aliás, que, dum modo geral, as pessoas que integram a hierarquia do mando empresarial estejam dispostas a participar (sendo efectivamente capazes de o fazer) no movimento de renovação da vida interna do organismo. De facto, boas relações humanas e bom clima social nas empresas não significam apenas boas relações entre patrões e trabalhadores; o pessoal dos quadros é um terceiro elemento a considerar.
O final do n.º l da base XII deverá, pois, ficar assim redigido:
... cursos e visitas de estudo destinados a dirigentes e servidores da organização corporativa e, de um modo geral, a trabalhadores e a elementos da direcção e dos quadros das empresas.
É certo que a redacção que figura na proposta não impediria a frequência dos cursos do Instituto pelo «pessoal dos quadros», pois sempre seria fácil incluir os interessados, lato sensu, na categoria de trabalhadores ou na de elementos da direcção das empresas. Mas reveste tal importância a doutrinação que é necessário exercer especificamente em relação a eles que não ficaria bem deixar de fazer-se-lhes expressa referência.
32. O n.º 3 da base XII pode, com vantagem, ser inteiramente eliminado. Nele se diz que «as despesas respeitantes à instalação e funcionamento do Instituto ficam a cargo da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, que as satisfará por força de verbas inscritas no seu orçamento».
Não há nenhuma objecção de princípio contra a atribuição deste encargo à Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho. Já em 1947, quando se pensou na criação de dois «círculos de militantes sindicais», foi àquele organismo que se resolveu atribuir o encargo da respectiva manutenção. E o Subsecretário de Estado das Corporações de então, em seu despacho de 13 de Novembro desse ano, justificava - e bem - essa decisão com o facto de a Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho dever ser considerada um serviço dos sindicatos e, portanto, ser natural incumbi-la «de realizar uma das suas finalidades - a elevação do nível moral, intelectual e físico dos respectivos sócios»1.
A objecção a levantar é apenas de ordem prática: se toda a manutenção do Plano fica a cargo dum fundo, constituído por dinheiros de diversas procedências (base XXV), não se percebe por que motivos só o Instituto de Formação Social e Corporativa há-de ficar à margem, nem por que motivos a contribuição pecuniária da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho há-de ser dirigida só ao Instituto, quando outras actividades do Plano cabem perfeitamente dentro dos seus objectivos e merecem ser por ela subsidiadas.
A solução razoável só pode ser esta: a Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho contribuirá, na medida que for indicada, para a sustentação do Plano, devendo ser incluída entre as instituições mencionadas, para esse efeito, na base XXIV. O seu contributo reverterá, como todos os demais, para o fundo previsto na base XXV. E o Instituto de Formação Social e Corporativa será sustentado, como tudo o mais, pelas disponibilidades desse fundo.
33. Na base XIV apenas há um ligeiro acrescentamento a sugerir: uma referência, mais uma vez -e pelas razões já alegadas acima (n.º 31) -, ao pessoal dos quadros das empresas na alínea a) do n.º 2, onde só os trabalhadores e os patrões aparecem referidos. Talvez seja aconselhável também, para evitar confusões, substituir a expressão «outros trabalhadores sociais tecnicamente qualificados» por «outros agentes tecnicamente qualificados».
Fora disso, a base em questão não parece carecer de outros retoques. O que poderia, sim, merecer era um largo comentário sobre o valor hoje dado em todos os países ao serviço social e sobre os resultados que é possível esperar da introdução e desenvolvimento desse serviço nas empresas. Como este parecer, porém, não tem de ser um estudo teórico de tais problemas, não nos demoraremos a analisá-los.
Um ponto há, no entanto, para que não podemos deixar de chamar a atenção pelo que tem de decisivo na eficiência do serviço social corporativo e do trabalho, que esta base e as imediatas- procuram pôr em movimento, e, aliás, na eficiência de todo o Plano: o da urgente necessidade de fortalecer a nossa organização sindical.
Num trabalho recente -que é um dos melhores estudos produzidos até hoje pela nossa literatura corporativa- põe-se devidamente em relevo a fraqueza dos nossos sindicatos e a importância que o seu fortalecimento tem para o futuro do corporativismo português 2. Com boa cópia de argumentos de ordem doutrinal e de ordem prática demonstra-se aí a tese de que o sindicalismo não se opõe ao corporativismo, e que, pelo contrário, a primeira condição para a existência de verdadeiras corporações é a existência de fortes organismos sindicais e gremiais em que elas possam apoiar-se.
1 Cf. Problèmes de Relations Humaines dans l'Induttrie, Bruxelas, 1056, P. 78.
1 Cf. o citado relatório de Fernando Cid Proença, p. 79.
1 Joio Manuel Cortês Pinto, A Corporação, vol. I, Coimbra, 1955, pp. 126 a 131, e vol. II, Coimbra, 1956, pp. 15 a 24.
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Ora o que se diz das corporações pode igualmente dizer-se - e é isso que neste momento nos interessa - das relações humanas na empreita e da eficiência do serviço social do trabalho - aspectos especialmente focados nesta parte do Plano que estamos a analisar. Sem o apoio de sindicatos fortes, conscientes da missão que lhes compete exercer na defesa dos interesses dos trabalhadores e capazes de efectivamente defenderem esses interesses, nem pode conseguir-se um melhoramento visível das relações humanas dentro do organismo empresarial, nem podem criar-se condições de êxito e de trabalho propício, dentro das empresas, às assistentes sociais:
Pelo que toca ao aperfeiçoamento das relações humanas na empresa, é evidente que não é a dependência total do operário perante o patrão a melhor forma de o fomentar. E essa situação de dependência total é a que inevitavelmente se verifica quando o trabalhador na o encontra decidido apoio do sindicato na defesa dos seus interesses e reivindicações legítimas. Se o sindicato não lhe dá esse apoio - e não é o Estado também quem lho pode dar -, só lhe resta a submissão ao poder discricionário da entidade patronal, com toda a série de tensões psicológicas que daí derivam. E, nesse ambiente de tensões psicológicas, pensar em melhorar as relações humanas e em desenvolver o espírito de cooperação social é tarefa pouco menos que irrealizável.
Assim se compreende - como diz Sedas Nunes no relatório já citado (supra, n.º 31)- que seja «exactamente nos países onde se revela mais firme a protecção sindical dos trabalhadores que as relações humanas na empresa tendem a assumir melhor aspecto», e assim se compreende também a afirmação recentemente feita pela Organização Internacional do Trabalho de que «a condição sine qua non da instauração de boas relações humanas na empresa será sempre a solução dada aos problemas profissionais 1.
Pelo que e toca à eficiência do trabalho das assistentes sociais dentro das empresas, é manifesto também que tudo depende da existência duma forte organização sindical. Se os sindicatos operários não cumprem eficientemente a sua missão - protegendo os trabalhadores perante os patrões, exprimindo as suas reivindicações e lutando por elas, reclamando em seu nome o cumprimento das cláusulas dos contratos colectivos de trabalho, exigindo a observância da legislação social, etc. 2 -, as assistentes sociais encontram imediatamente falseada a sua posição dentro do organismo empresarial. Vèem-se colocadas num autêntico dilema:
Se resolvem assumir a função que ao sindicato caberia, ficam impedidas de realizar verdadeiro serviço social - no sentido tão rigorosamente definido pelas várias alíneas do n.º 2 da base XIV -, pois a sua actuação torna-se odiosa às entidades patronais, e não é conquistando malquerenças dentro da empresa que podem realizar proveitoso trabalho de aproximação e cooperação social.
Se se abstêm de agir nesse domínio, «desagradam aos trabalhadores, que se desinteressam dos seus serviços, não compreendendo a sua posição e acabando por ver nelas simples agentes do patrão, que pretendem introduzir-se, até, na sua vida privada»3, e a realização do
1 Cf. Reque International du travail, Setembro- Outubro 1934, p. 307.
2 Não estamos a defender, evidentemente, um sindicalismo revolucionário. Todas estas atribuições podem e devem os sindicatos exercê-las por meios pacíficos, como a conciliação e arbitragem, e, sobretudo, através de tribunais especiais, como é hoje tendência geral em muitos países. Veja-se a defesa desta última solução no citado trabalho de Cortês Pinto, vol. I, pp. 129 e 130, e vol. II, pp. 23 e 24.
3 Adérito Sedas Nunes, relatório citado supra (n.º 81).
serviço social torna-se-lhes mais impossível ainda que na primeira hipótese, pois transformam-se em simples agentes de paternalismo patronal, que é a antítese da cooperação social visada nesta parte do Plano.
Podemos concluir dizendo que a base XIV da proposta do Governo está formalmente perfeita, não havendo alterações a introduzir-lhe; mas toda a eficiência do serviço social corporativo e do trabalho, cuja criação aí se prevê, ficará dependente da força que se queira dar à organização sindical já existente. Com sindicatos de valor puramente simbólico, sem a menor confiança dos trabalhadores que os integram - como, infelizmente, sucede com uma grande parte dos nossos sindicatos actuais -, o serviço social corporativo e do trabalho não passará duma simples miragem, em que inutilmente se gastará tempo e dinheiro.
34. E muito discutível a vantagem da medida prevista no n.º 2 da base XVI, segundo a qual «em casos excepcionais poderá ser imposta às empresas a criação de serviços sociais do trabalho ».
Se se entender que esta disposição deve ficar no texto da lei, é necessário, pelo menos, afirmar expressamente que tal imposição só poderá ter lugar por despacho ministerial, depois de ouvida a Comissão Coordenadora do Serviço Social Corporativo e do Trabalho.
Mas a boa solução parece ser a de não incluir na lei tal preceito, nem sequer com as cautelas indicadas. Que eficiência pode realmente ter, imposto contra a vontade das empresas, um serviço que se propõe realizar dentro delas uma tarefa de cooperação social entre os trabalhadores e a entidade patronal? Como congraçar boas vontades, partindo dum acto de violência, mesmo que esta se considere legítima?
E a isso acresce que uma medida desta natureza daria sempre lugar, na sua execução, a uma forte margem de arbítrio, que por todos os títulos convém evitar. Seria impossível fixar um critério seguro para determinar até que ponto e por quanto tempo se deveria aguardar a instalação voluntária do serviço social por parte das empresas e em que momento deveria passar-se à solução de impor a mação desse serviço. Forçosamente, haveria empresas vítimas duma imposição apressada, ao lado de outras beneficiárias duma mais prolongada situação de expectativa.
O que interessa, portanto, não é impor às empresas a criação de serviços sociais do trabalho, mas persuadi-las a isso, através de uma «acção de esclarecimento sobre as vantagens morais, sociais e económicas» que daí podem advir, como acertadamente diz o n.º l da mesma base. Quando elas se aperceberem de que o serviço social do trabalho, contribuindo para uma melhoria do clima social e das relações humanas, contribui também, indirectamente, para- um melhor funcionamento interno da empresa, para um maior interesse dos trabalhadores pela vida da mesma e para um considerável aumento de produtividade, serão as primeiras a procurar instalar esse serviço, sem necessidade de qualquer imposição.
Por estes motivos a Câmara Corporativa entende que o n.º 2 da base XVI deve ser suprimido.
35. Uma vez que as actividades previstas na base viu são da directa competência da Junta da Acção Social - consoante fica agora expressamente dito na alínea a') da base v-, parece que deve atribuir-se à mesma Junta, na base XVIII, o encargo de elaborar os regulamentos dessas actividades. E, como o Ministro é o presidente dessa Junta (base IV), não há necessidade de exigir especial despacho seu a aprovar tais regulamentos.
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A base XVIII deve, por isso mesmo, adoptar de preferência esta redacção: As actividades previstas na bate VIII obedecerão a regulamentos especiais, a aprovar pela Junta da Acção Social.
36. E discutível se deve ou não a Junta da Acção Social ficar autorizada a impor às empresas, em determinadas circunstâncias, a instalação, à sua custa, de bibliotecas para o pessoal ao seu serviço (base XIX).
A disposição não suscita tão fortes objecções como ai levantadas há pouco acerca da imposição do serviço social do trabalho (n.º 34), pois trata-se de uma imposição menos gravosa e menos odiosa. No entanto, a solução .preferível é a de, também aqui, nada estatuir com carácter obrigatório e estabelecer, tão-sòmente, que a Junta da Acção Social promoverá a criação dessas bibliotecas. Essa criação representa tão pequeno sacrifício para as empresas e é de efeitos tão altamente benéficos, que é de esperar delas a melhor compreensão, quando abordadas nesse sentido pela Junta da Acção Social, sem necessidade de quaisquer imposições.
Parece conveniente acentuar, no próprio texto da base XIX, que estas bibliotecas devem abranger um serviço de leitura domiciliária, pois só esta verdadeiramente pode interessar aos trabalhadores. A leitura na sede da empresa é a bem dizer impraticável, porque os trabalhadores são avessos a permanecer no local do trabalho, depois deste terminado.
Uma vez que a disposição deixa de ter carácter imperativo, já não há razão para fixar o número de operários que pode justificar a criação das bibliotecas, tanto mais que a mecanização hoje atingida por certas indústrias dá lugar a que a capacidade económica das empresas esteja longe de poder aferir-se pelo número de trabalhadores ao seu serviço. Há empresas pobres com um avultado número de operários; e há empresas ricas com um número de operários bastante limitado.
A base XIX ficaria, nesta ordem de ideias, assim redigida:
1. A Junta da Acção Social promoverá, nas empresas de reconhecida capacidade económica, a instalação de bibliotecas com serviço de leitura domiciliária para uso do respectivo pessoal.
2. A escolha dos livros poderá ser feita pelas empresas a cujas expensas é instalada a biblioteca, ouvida a Comissão Coordenadora do Serviço Social Corporativo e do Trabalho, que solicitará, sempre que nisso se reconheça vantagem, o parecer dos serviços competentes do Ministério da Educação Nacional.
37. Uma vez que o Instituto de Formação Social e Corporativa deixa de ficar subordinado à Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho (cf. supra n.º 32), não há razão para fazer referência, nas bases XXI e XXII, ao regime de requisição, sob o qual serviriam os funcionários públicos chamados aí a prestar serviço. Na verdade, o regime de requisição, criado pelo artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 26 757, de 8 de Julho de 1936, a propósito dos funcionários públicos chamados a exercer funções nos organismos de coordenação económica, só tem razão de ser em relação ao serviço prestado em organismos « de funcionamento e administração autónomos» (artigo 2.º do mesmo decreto-lei). Ficando agora o Instituto directamente dependente do Ministério das Corporações, o único regime que se justifica em relação aos funcionários que aí são chamados a prestar serviço é o de comissão de serviço público.
As bases XXI e XXII têm, portanto, de ser modificadas nesse sentido.
38. Nada há a objectar a que as despesas com a realização do Plano sejam cobertas com verbas anualmente inscritas no Orçamento Geral do Estado - alínea a) da base XXIII- e com contribuições e comparticipações dos organismos corporativos, da Junta Central das Casas do Povo e da Junta Central das Casas dos Pescadores - alínea b) da mesma base.
Pode realmente dizer-se que a organização corporativa é a grande beneficiária do Plano e que, por isso, é razoável que contribua para as. respectivas despesas tão largamente quanto possível.
Deve, além disso, incluir-se na referida alínea b), ao lado das Juntas Centrais das Casas do Povo e dos Pescadores, a Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho. Pelas razões já expostas acima (n.º 32), é preferível incluir essa Fundação aqui, entre os organismos que contribuem genericamente para a sustentação de todo o Plano, a atribuir-lhe, como se faz na proposta (base XIII, n.º 3), o encargo exclusivo, mas total, da sustentação do Instituto de Formação Social e Corporativa.
A inclusão entre os. organismos contribuintes das instituições de previdência e de abono de família e da Federação de Caixas de Previdência-Serviços Médico-Sociais e Habitações Económicas, mencionadas na mesma alínea b), bem como do Fundo Nacional do Abono de Família e do Fundo de Casas Económicas, referidos na alínea c), é algo mais discutível. Mas parece não haver razão decisiva para a rejeitar, sobretudo se noa lembrarmos de que os problemas que lhes respeitam são dos que mais urgente estudo carecem da parte do Centro de Estudos Sociais e Corporativos e que muito há a esperar também da actuação do Instituto de Formação Social e Corporativa e do serviço social do trabalho para uma melhor compreensão das finalidades daqueles organismos por parte dos respectivos beneficiários.
Importa, porém, estabelecer um certo limite à utilização dos dinheiros dessas instituições na realização do Plano, para que se não diga que tais dinheiros são desviados da sua verdadeira finalidade. E o único critério razoável para a fixação desse limite é o de fazer sair das receitas afectas à respectiva administração o contributo a prestar por esses organismos. Podem, com efeito, considerar-se verdadeiras despesas de administração os contributos que esses organismos hajam de prestar ao Plano para um melhor estudo dos seus problemas e para se difundir uma melhor compreensão das suas finalidades; e, dentro das verbas afectas a esse fim, nada repugna admitir a orientação da proposta do Governo. Para além desse limite é que não parece razoável exigir mais nada àqueles organismos, pois isso já poderia ser interpretado, de certo modo, como um desvio das suas finalidades.
Parece mais razoável que as atribuições previstas na base XXIV fiquem a cargo do Conselho Corporativo.
39. Além disso, uma vez que as receitas do fundo previsto na base XXV provêm em grande parte da organização corporativa, parece razoável que no respectivo conselho administrativo figure um representante dos presidentes das corporações. Em contrapartida, a representação do Ministério das Corporações no referido conselho administrativo pode, sem inconveniente, ficar reduzida a um dos respectivos directores-gerais.
III
Conclusões
Em face do exposto, a Câmara Corporativa dá a sua aprovação, na generalidade, à proposta de lei do Go-
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verno e sugere que, na especialidade, se adopte o articulado seguinte (em itálico figura o que representa alteração ou acrescentamento à proposta):
Plano de Formação Social e Corporativa
I
Disposições gerais
BASE I
1. O plano de acção, destinado a difundir e fortalecer o espírito corporativo e a consciência dos deveres de cooperação social, obedecerá à orientação geral definida no presente diploma.
2. O plano será designado por «Plano de Formação Social e Corporativa» e a sua execução incumbirá ao Ministério das Corporações e Previdência Social.
BASE I-A
Quando as corporações se encontrarem já suficientemente estruturadas e em pleno funcionamento, o Governo transferirá para elas a direcção e execução do presente Plano, que será então submetido às alterações para tanto julgadas necessárias.
BASE II
Os organismos corporativos e as instituições de previdência social ou de abono de família, bem como os serviços do Estado e das autarquias locais, a Obra das Mães pela Educação Nacional e as organizações Mocidade Portuguesa e Mocidade Portuguesa Feminina, deverão colaborar, pela forma que vier a ser estabelecida, na execução do Plano.
BASE II-A
Em complemento das actividades formativas previstas no presente Plano, o Governo promoverá, nas Universidades e escolas superiores, a introdução do ensino e investigação, em condições de bom rendimento pedagógico e científico, das matérias reputadas fundamentais para a formação social e corporativa dos estudantes universitários.
II
Orientação e execução
BASE III
1. O Conselho Corporativo coordenará a actividade dos diferentes Ministérios, no que interessar à realização do Plano, definindo, para o efeito, as condições gerais e o sentido da colaboração dos respectivos serviços e organismos.
2. Sempre que o Conselho tenha de usar da competência atribuída nesta base, deverão ser convocados para a sessão os Ministros de que dependam os serviços ou organismos cuja colaboração se repute necessária.
BASE IV
1. É instituída a Junta da Acção Social, a que presidirá o Ministro das Corporações e Previdência Social e de que farão igualmente parte:
a) Um vice-presidente e dois vogais, de livre nomeação do Ministro;
b) Os presidentes das corporações;
c) Os directores-gerais e o chefe dos serviços de acção social do Ministérios;
d) O presidente da Fundação Nacional para a Aleria no Trabalho;
e) Os directores das organismos criados pela base VII deste diploma.
2. O Ministro pode delegar no vice-presidente, a título permanente ou transitório, a direcção e orientação dos trabalhos da Junta.
BASE v
A Junta da Acção Social compete especialmente:
a) Orientar e coordenar as actividades dos organismos criados pela base VII do presente diploma e as de todos os serviços de acção social dependentes do Ministério das Corporações e Previdência Social;
a') Exercer uma acção doutrinadora e formativa, através dos meios de acção indicados na base VIII ou de outros equivalentes;
b) Fomentar a criação e promover o desenvolvimento de centros ou gabinetes de estudos sociais e corporativos nos organismos corporativos ou em quaisquer outras instituições ou estabelecimentos, designadamente nos de natureza cultural ou educativa;
c) Propor ao Instituto de Alta Cultura a concessão de bolsas de estudo, no País ou no estrangeiro, a pessoas de comprovada idoneidade intelectual, que tenham manifestado relevante interesse pelos problemas corporativos e do trabalho e segurança social;
d) Incumbir, mediante compensação a fixar por cada caso, pessoas de reconhecida competência de proceder a estudos sobre corporativismo, problemas de trabalho, previdência e quaisquer outros assuntos de interesse para a expansão ou aperfeiçoamento da política social do Governo;
e) Conceder prémios pecuniários aos autores de estudos de real valor sobre os assuntos referidos na alínea anterior, promovendo, para o efeito, e sempre que necessário ou conveniente, a abertura de concursos;
f) Patrocinar a criação ou o funcionamento de escolas de formação de trabalhadores sociais e promover a realização de cursos de aperfeiçoamento e de actualização dos diversos agentes da acção social.
BASE V- A
1. A execução das deliberações da Junta da Acção Social referentes às actividades específicas dos organismos criados pela base vil deste diploma ou dos serviços de acção social dependentes do Ministério será da competência dos respectivos directores.
2. A execução das demais deliberações da Junta pertencerá a uma comissão executiva, constituída pelo vice-presidente e pelos dois vogais de livre nomeação do Ministro.
BASE VI
Como elementos de informação da Junta da Acção Social e da execução das suas deliberações podem também organizar-se comissões distritais, constituídas pelas entidades que o Ministro designar, as quais coadjuvarão os delegados do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, sempre que estes o julguem necessário, na acção tendente à formação da consciência dos deveres de cooperação social.
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III
Instrumentos de realização do Plano
BASE VII
Hierarquicamente subordinados à Junta da Acção Social, e para o preenchimento dos fins que adiante se indicam, são criados:
a) O Centro de Estudos Sociais e Corporativos, que funcionará no Ministério das Corporações e Previdência Social, junto do Gabinete do Ministro;
b) O Instituto de Formação Social e Corporativa;
c) O serviço social corporativo e do trabalho.
BASE VIII
Para os fins indicados na alínea a') da base v, a Junta Directiva da Acção Social utilizará, designadamente, os seguintes meios de acção:
a) Missões de acção social a realizar em cooperação com a Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho;
b) Círculos de estudo e ciclos de palestras ou conferências doutrinárias e de divulgação;
c) Cursos de férias, cursos nocturnos e visitas de estudo;
d) Encontros e congressos regionais ou nacionais sobre temas de carácter social ou corporativo;
e) Bibliotecas nos organismos corporativos e nos locais de trabalho e distribuição de livros e outras publicações de formação social;
f) A imprensa, a radiodifusão, a televisão e o cinema.
Centro de Estudos Sociais e Corporativos
BASE IX
O Centro referido na alínea a) da base VII tem por objectivo o estudo dos princípios informadores do sistema corporativo e dos problemas suscitados pelo seu funcionamento, bem como o estudo das questões relativas ao regime do trabalho, aos aspectos sociais da vida e organização das empresas, à previdência e à acção social.
BASE x
1. A direcção do Centro de Estudos será confiada a uma individualidade de reconhecido mérito, pertencente ou não aos quadros do Ministério das Corporações e Previdência Social.
2. Os trabalhos do Centro serão realizados, sob a orientação do respectivo director, por assistentes, que deverão possuir em regra um curso superior adequado.
BASE X- A
1. Além do labor de investigação cientifica a que aludem as duas bases anteriores, ao Centro de Estudos Sociais e Corporativos compete organizar cursos especializados, de curta duração e de nível universitário, com vista à preparação e ao aperfeiçoamento técnico do pessoal superior da organização corporativa e dos Ministérios com ela relacionados.
2. Estes cursos serão professados, em princípio, pelo director e pelos assistentes do Centro de Estudos; mas podem ser também convidadas, para o efeito, individualidades de reconhecido mérito que a ele sejam estranhas.
BASE XI
A biblioteca do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, com o pessoal que lhe está adstrito, transitará para o Centro de Estudos, o qual deverá mante-la permanentemente actualizada.
Instituto de Formação Social e Corporativa
BASE XII
1. Ao Instituto de Formação Social e Corporativa, criado pela alínea b) da base VII, compete especialmente assegurar a organização e o funcionamento de cursos e visitas de estudo destinados a dirigentes e servidores da organização corporativa e, de um modo geral, a trabalhadores e a elementos da direcção e dos quadros das empresas.
2. O Ministro das Corporações e Previdência Social poderá autorizar ou promover que os cursos do Instituto sejam frequentados por pessoas não compreendidas na primeira parte desta base.
BASE XIII
1. O Instituto terá um director, que será coadjuvado pelo pessoal que vier a sor designado pelo Ministro das Corporações e Previdência Social.
2. A organização e funcionamento do Instituto e dos seus cursos, bem como as condições de admissão e as garantias profissionais e facilidades a conceder aos que os frequentarem, constarão de regulamento a aprovar pelo Ministro das Corporações e Previdência Social.
3. (Suprimido).
Serviço social corporativo e do trabalho
BASE XIV
1. O serviço social corporativo e do trabalho será exercido por assistentes sociais e outros agentes tecnicamente qualificados e terá por missão esclarecer, orientar e proteger os trabalhadores e suas famílias e fomentar o espirito de cooperação social entre os patrões e os trabalhadores e entre estes e os organismos corporativos, instituições de previdência ou de abono de família e quaisquer outras entidades particulares ou oficiais de carácter social.
2. Ao serviço social corporativo e do trabalho compete especialmente:
a) Criar e desenvolver nos trabalhadores, nos patrões e no pessoal dos quadros das empresas a consciência dos seus direitos e das suas responsabilidades e o espírito de cooperação social;
b) Ajudar os trabalhadores a utilizarem, na medida dos seus direitos, os benefícios concedidos pelas instituições ou serviços criados para a realização da justiça e da segurança social;
c) Fornecer aos organismos corporativos e instituições de carácter social informações e alvitres tendentes à melhoria dos respectivos serviços e uma actuação adaptada, tanto quanto possível, às condições especiais de cada situação;
d) Constituir nas famílias, nas empresas, nos bairros de casas económicas e nas várias comunidades uma força moral e de simpatia humana e um instrumento de estudo dos problemas individuais ou familiares e das necessidades dos diversos agrupamentos profissionais ou regionais, transmitindo às instâncias responsáveis, sem quebra de sigilo profissional, os resultados das observações ou inquéritos realizados;
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e) Ser, pelo exemplo e pela actuação directa e continuada dos seus agentes, elemento vivo de concórdia, de aproximação de classes e de educação, constituindo, no seu meio próprio, o complemento dos diferentes serviços de acção social do Ministério das Corporações e da organização corporativa.
BASE XV
1. É criada a Comissão Coordenadora do Serviço Social Corporativo e do Trabalho, que, em princípio, será presidida por um funcionário superior do Ministério e da qual farão parte, além de uma assistente social, representantes das corporações, das instituições de previdência e de abono de família, das Juntas Centrais das Casas do Povo e dos Pescadores e da Federação de Caixas de Previdência - Serviços Médico-Sociais e Habitações Económicas.
2. A esta Comissão poderão ser agregados agentes especializados ou outras entidades necessárias ao perfeito exercício da sua missão.
BASE XVI
Além de outras funções que lhe venham a ser fixadas, a Comissão Coordenadora prevista na base anterior exercerá junto das empresas uma acção de esclarecimento sobre as vantagens morais, sociais e económicas do funcionamento do serviço social do trabalho.
(Suprimido o n.º 2 desta base).
BASE XVII
1. Em diploma especial, ouvida a Comissão Coordenadora prevista na base XV, serão estabelecidos, além dos direitos, as obrigações, competência e condições de admissão e prestarão de serviços dos agentes sociais, o processo de criação e as normas de funcionamento dos centros de serviço social das instituições de previdência ou de abono de família, organismos corporativos e empresas.
2. Também, sob proposta da referida Comissão Coordenadora, poderá o Ministro criar centros de serviço social destinados à população trabalhadora abrangida por mais de um organismo ou empresa.
BASE XVIII
As actividades previstas na base VIII obedecerão a regulamentos especiais, a aprovar pela Junta da Acção Social.
BASE XIX
1. A Junta da Acção Social promoverá, nas empresas de reconhecida capacidade económica, a instalação de bibliotecas com serviço de leitura domiciliária para uso do respectivo pessoal.
2. A escolha dos livros poderá ser feita pelas empresas a cujas expensas é instalada a biblioteca, ouvida a Comissão Coordenadora do Serviço Social Corporativo e do Trabalho, que solicitará, sempre que nisso se reconheça vantagem, o parecer dos serviços competentes do Ministério da Educação Nacional.
IV
Provimento de cargos
BASE XX
Serão feitas por simples despacho do Ministro das Corporações e Previdência Social a nomeação e a exoneração do vice-presidente e dos vogais da Junta da
Acção Social, do director e dos assistentes do Centro de Estudos Sociais e Corporativos, do director do Instituto de Formação Social e. Corporativa, do presidente da Comissão Coordenadora do Serviço Social Corporativo e do Trabalho e do restante pessoal necessário à execução do Plano.
BASE XXI
1. O vice-presidente da Junta da Acção Social, o director e os assistentes do Centro de Estudos, o director e demais pessoal do Instituto de Formação Social e Corporativa, perceberão uma remuneração mensal a fixar pelo Ministro das Corporações e Previdência Social de acordo com o Ministro das Finanças.
2. Os funcionários públicos chamados ao desempenho destas funções servirão em regime de comissão, podendo o Ministro das Corporações e Previdência Social atribuir-lhes, sem prejuízo do vencimento, uma gratificação pelo ónus especial do cargo.
3. (Suprimido).
BASE XXII
1. Os funcionários públicos chamados ao abrigo deste diploma, em regime de comissão de serviço, conservam o direito aos seus lugares, os quais só poderão ser preenchidos interinamente.
2. O tempo do serviço em comissão considera-se, para efeito de diuturnidades, concursos ou aposentação, como prestado pelo funcionário no seu lugar.
Receitas e administração
BASE XXIII
A realização do Plano serão destinadas contribuições ou comparticipações provenientes:
a) De verbas anualmente inscritas no Orçamento Geral do Estado;
b) Dos organismos corporativos, das Juntas Centrais das Casas do Povo e dos Pescadores e da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho;
c) Das instituições de previdência e de abono de família e da Federação de Caixas de Previdência - Serviços Médico-Sociais e Habitações Económicas, bem como do Fundo Nacional do Abono de Família e do Fundo de Casas Económicas, por força das receitas afectas à respectiva administração.
BASE XXIV
O Conselho Corporativo fixará anualmente as contribuições ou comparticipações a pagar nos termos do disposto nas alíneas b) e c) da base anterior, bem como indicará quais os organismos e entidades abrangidos por este preceito.
BASE XXV
1. As importâncias recebidas nos termos da base XXIII constituirão um fundo, que será administrado por um conselho administrativo formado por um representante dos presidentes das corporações, por um director-geral do Ministério das Corporações e Previdência Social e por um representante do Ministério das Finanças.
2. As contas das despesas realizadas em cada ano serão sujeitas aos vistos dos Ministros das Corporações e Previdência Social e das Finanças, mediante os quais se consideram legitimadas.
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BASE XXVI
O Ministro das Corporações e Previdência Social poderá contratar ou assalariar o pessoal necessário à execução do Plano, sendo os respectivos encargos satisfeitos pelas forças do fundo criado na base anterior.
Palácio de S. Bento, 7 de Maio de 1956.
Afonso de Mello Pinto Veloso.
Luís Supico Pinto.
M amuei Duarte Gomes da Silva.
António Ayres Ferreira.
Domingos da Costa e Silva.
João Baptista de Araújo.
João Ubach Chaves.
Joaquim Moreira da Silva Cunha.
José António Ferreira Barbosa.
José Augusto Vaz Pinto.
José Gabriel Pinto Coelho.
José Maria Dias Fidalgo.
Luís Quartin Graça.
Manoel Alberto Andrade e Sousa.
Manuel de Almeida de Azevedo e Vasconcelos
Mário da Silva d'Ávila
Quirino dos Santos Mealha.
Tomás de Aquino da Silva.
Guilherme Braga da Cruz, relator.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA