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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 151
ANO DE 1956 15 DE JUNHO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)
SESSÃO N.º 151, EM 14 DE JUNHO
Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mos Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.
Antes do ordem do dia. - O Sr. Presidente informou, estarem na Mesa os elementos requeridos pelo Sr. Deputado Augusto Simões em sessão anterior. Foram entregues àquele Sr. Deputado.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Urgel Horta, sobre questões ligadas à instalação da indústria siderúrgica em Portugal; Pinto Barriga, para um requerimento: José Sarmento, que se congratulou com o inicio da propaganda do vinho do Porto nos Estados Unidos da América; Galiano Tavares sobre problemas afectos à música portuguesa, e Pinha Brandão, que chamou a atenção do Governo para a necessidade de as obras da ponte da Arrábida não provocarem retardamento na execução das de reparação e construção nas estradas nacionais.
Ordem do dia. - Continuou o debate da proposta de lei sobre organização geral da Nação para o tempo de guerra.
Usaram da palavra os Srs. Deputados A morim Ferreira e Pereira da Conceição.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 15 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Albino Soares Pinto doa Reis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Mantero Belard.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Eduardo Pereira Viana.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Ameal.
João da Assunção da Cunha Valença.
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João Luís Augusto das Neves.
João Maria Porto.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Pereira Jardim.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
MManuel de Sousa Rosal Júnior
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Urgel Abílio Horta.
O Sr. Presidente:-Estão presentes os Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente:-Estão na Mesa os elementos fornecidos em satisfação do requerimento feito pelo Sr. Deputado Augusto Simões. Vão ser entregues a este Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Urgel Horta.
O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: ao pedir a palavra para, uma vez mais, aludir ao problema siderúrgico português, quero manifestar a V. Ex.a e a toda a Camará o meu reconhecimento pela atenção dispensada às considerações que acerca de tão importante matéria tenho produzido.
As minhas expressões de agora não têm outro significado que não seja a solicitação respeitosa de um esclarecimento, dirigido a quem possui autoridade suficiente para o fornecer.
Não envolvendo nem abordando qualquer problema técnico -e poderia fazê-lo, visto não me faltarem dados que me habilitassem a tal -, desse esclarecimento resultará, necessariamente, motivo de tranquilidade para o espirito de todos quantos aguardam, com natural e justificada ansiedade e interesse, a última palavra sobre a montagem da nossa siderurgia.
Deposito -sinceramente o confesso- inteira confiança na acção do Sr. Ministro da Economia, que tem estudado e pesado tão delicado problema com os cuidados e as cautelas que empreendimento de tanto vulto requer, olhos sempre postos nos altos interesses da Nação.
Mas, embora para mim as expressões usadas por S. Ex.a na conferência realizada em 8 de Maio findo com os representantes da imprensa não admita dúvidas, manda a
verdade dizer que para muitos não foram suficientemente claras, como se impunha.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Sr. Presidente: a instalação que a Companhia de Siderurgia Nacional, S. A. R. L., vai realizar compreende fundamentalmente a montagem de fornos, aciaria e laminaria.
Estes três empreendimentos, Intimamente ligados, constituem a instalação completa de uma oficina de siderurgia.
Ora, Sr. Presidente, o alvará n.º 13, que concede à Companhia de Siderurgia Nacional a licença para o estabelecimento e a exploração dessa indústria no nosso pais, define com toda a clareza e toda a propriedade na sua condição n.º 4 a finalidade que pretende atingir-se em conjunto, exprimindo-se pela forma seguinte:
A licença abrangerá o fabrico de gusa, aço em lingotes e a sua laminagem a partir de minérios, cinzas de pirites e sucatas. A laminagem compreende bandas de tubos, barras e perfis correntes, com exclusão daqueles cuja produção seja provadamente antieconómica, e ainda a produção de chapas, nomeadamente para construção naval e fabrico de folha-de-flandres.
Não admite, portanto, sombra de dúvida a redacção da base que condiciona o seu estabelecimento, base que acabo de ler.
E, assim, a fase anunciada, 1.ª fase, que para melhor entendimento lhe poderemos chamar escalão, sugere-nos imediatamente esta pergunta:
Ficará instalada no Norte do Pais a indústria de siderurgia completa, com fornos, aciaria e laminagem, dentro da capacidade correspondente ao escalão que vai executar-se -150 000 t-, ou pretende-se, tão-somente, produzir no Norte a gusa, com instalação de fornos de qualquer tipo -eléctricos, Krupp-Renn e outros-, montando-se no Sul a aciaria e a laminagem correspondentes a todos os escalões previstos para a indústria siderúrgica?
Estas perguntas encerram, na simplicidade da sua resposta, toda a chave do problema que há muito se pretende ver resolvido.
Raciocinando perante a dúvida -e eu não a tenho-, entendemos que montar no Norte uma instalação exclusivamente destinada ao fabrico da gusa é, além de medida antieconómica, solução de pouca valia para as províncias daquela vasta e rica região mineira.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Ao Norte interessa instalação completa, concentrada, com fornos, aciaria e laminaria - uma grande oficina de siderurgia.
Produzir ferro em bruto para depois ser transportado em lingotes para outras regiões, onde se realizariam as operações necessárias à transformação em aço e se procederia à laminagem, levaria à elevação do custo do produto acabado e reduzida vantagem proporcionaria ao progresso económico e social de uma população tão carecida de recursos que possam elevar-lhe o seu baixo e pobre nível de vida.
O que se pretende não é uma parcela, mas, evidentemente, um todo, visto possuirmos todos os elementos com que a natureza generosamente nos dotou para criarmos e mantermos nas melhores condições uma siderurgia. O Norte tem esta bem justificada pretensão, e, partindo deste principio, se o Sul possui recursos iguais, não seremos nós a contrariar os direitos que lhe assistem de possuir a sua.
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O Sr. Santos da Cunha: -V. Ex.a dá-me licença?
As dúvidas formuladas por V. Ex.a tem toda a razão de ser, porquanto as declarações feitas à imprensa pelo Sr. Ministro da Economia não foram tão claras como nós desejávamos que fossem, para a completa solução do assunto. O Norte não pode viver nesta incerteza; sobretudo, o Norte não deverá continuar a viver na incerteza de que roerá os ossos e que o Sul comerá a carne!
É evidente, Sr. Presidente, que a solução terá de ser económico-social. Alguns temem que a solução possa ser, porventura, uma solução política.
Eu, Sr. Presidente, não tenho nenhum receio de que a solução da instalação da siderurgia seja política, porque isso me garante que será ideal, desinteressada. Só temo que a solução seja plutocrática. Espero que o Governo se afaste desta, como é seu dever e nossa fundada esperança.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Aguardemos confiadamente os esclarecimentos pedidos, esperando não ver esquecidas, na justa medida, as garantias e as possibilidades que oferecem os vastos jazigos de minério, as importantes minas de carvão, os aproveitamentos hidroeléctricos e todos os necessários materiais existentes no Norte do Pais, indispensáveis à vida duma grande e completa indústria siderúrgica nacional.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«No delineamento da política social do Estado Português, como tão judiciosamente reconheceu o Governo, nada se pode fazer sem atender à educação das massas populares, como elemento impulsionador da melhoria de vida do nosso povo; mas desejando tomar parte na discussão da louvável proposta de lei sobre o Plano de Formação Social e Corporativa -como também é evidente que essa formação nunca pode abstrair de uma elevação do nível das classes economicamente mais desprotegidas, cujo poder de compra ainda mais se apoucou depois da última conflagração internacional, por uma alta continua do custo de vida-, tenho a honra de requerer que, nos termos regimentais e constitucionais, pelos Ministérios da Economia, Corporações e todos os demais que se mostrarem competentes me seja facultada informação discriminada das medidas tomadas ou projectadas:
1.º Para estabelecer um plano económico-social de pleno emprego, de mais justos e melhores salários e vencimentos, em completa correlação com o crescente custo de vida, garantindo assim um mais elevado teor de vida e consumo, como índice fundamental do progresso da economia nacional;
2.º Para enfrentar ou palear a alta da vida, refreando os criminosos propósitos e actuações dos oportunistas do «mercado negro».
O Sr. José Sarmento: - Sr. Presidente: é com a maior satisfação que exprimo nesta Assembleia o regozijo de todos aqueles que estão ligados ao sector do vinho do Porto, pois, finalmente, vai iniciar-se a sua propaganda nos Estados Unidos da América.
Na minha última intervenção, quando do debate sobre o comércio externo, apontei o desejo de que os contratempos que tinham impedido que a referida propaganda se iniciasse fossem rapidamente removidos. Felizmente, no dia 13 de Abril do corrente ano, o Conselho de Ministros para o Comércio Externo aprovou um plano, muito bem elaborado, de propaganda do vinho do Porto nos Estados Unidos da América.
Não quero deixar de salientar este facto, que marca uma directriz que virá a ter grande repercussão no nosso comércio externo. Está a Nação de parabéns, e em particular todo o sector do vinho do Porto, desde n trabalhador rural até ao exportador. Por isso, penso que exprimo o seu sentir se apresentar ao Governo da Nação, e em particular ao Sr. Ministro da Economia, o seu profundo agradecimento pela medida acabada de tomar.
O Douro, Sr. Presidente, constatou com muita satisfação que o Decreto-Lei n.º 40 278, de 12 de Agosto de 1955, que concede grandes facilidades à constituição das adegas cooperativas no Douro e, simultaneamente, cria as condições para se poder fazer a propaganda do vinho do Porto, se tomou uma realidade palpável. Algumas cooperativas já estão em construção, outras brevemente ficarão confluídas e a propaganda nos Estados Unidos inicia os seus primeiros passos.
O Douro está hoje plenamente confiante em que, se novos cataclismos não desabarem sobre a humanidade, o problema do vinho do Porto está a ser muito bem conduzido. Possuindo uma organização corporativa que já demonstrou bem as suas possibilidades, e com a ajuda do Governo, que reconheceu o interesse nacional do problema do Douro, a região espera que o futuro lhe reservará melhores dias.
Esperemos que as corporações, por que tanto ansiamos, venham fortalecer ainda mais, se possível for, os laços que unem os diferentes ramos do sector do vinho do Porto: Casa do Douro, Instituto do Vinho do Porto e Grémio dos Exportadores, para assim se poderem resolver, em conjunto e de uma maneira mais eficiente, todos os problemas ligados a este tão importante sector.
No entanto, Sr. Presidente, quero afirmar bem alto: o Douro está plenamente convencido de que se não fosse a actual organização do vinho do Porto há muito a região se teria fundado na mais negra e desesperada miséria. Por isso, neste limiar de uma nova era, na qual se vai completar a organização corporativa, quero prestar, em nome do Douro, uma homenagem muito sentida e reconhecida, ao Sr. Engenheiro Sebastião Ramires, que há mais de vinte anos criou o conjunto de organismos que permitiram dar forma e corpo à realidade económica e social - o vinho do Porto.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Galiano Tavares: - Sr. Presidente: perante o decrescimento da população escolar do Conservatório Nacional, requeri, em 24 de Janeiro, que pelo Ministério da Educação Nacional me fosse fornecida nota da frequência actual do Conservatório, com discriminação de sexos, quanto às secções de música e de teatro, bem como a frequência indiferenciada relativa aos anos de 1940-1945 nas secções de música e teatro, e esclarecimentos ainda quanto às classes de orquestra, canto coral e música de câmara.
A frequência nas secções de música e teatro revela 71 alunos e 161 alunas, 11 e 47, respectivamente, na de teatro.
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Quanto à frequência indiferenciada, compreendendo os anos de 1940-1945, observa-se uma diminuição na secção de música, traduzida nos números seguintes:
1940-1941 - 395 alunos.
1941-1942 - 352 alunos.
1942-1943 - 322 alunos.
1943-1944 - 317 alunos.
1944-1945 - 304 alunos.
E na secção de teatro, nos mesmos anos: 42, 50, 41, 65 e 76.
As classes de orquestra não têm podido funcionar, desde há muito, informa-se ainda, por falta de alunos, em virtude de as classes de instrumentos de arco terem uma frequência tão diminuta que não atinge, nem de longe, o número e a variedade de executantes que é indispensável para a organização de uma orquestra mesmo pequena (sic).
Quanto à classe de canto, tem funcionado com regularidade, efectuando uma audição anual em cada ano lectivo.
A classe de música de câmara tem actuado com intermitências pela mesma razão - falta de alunos.
Um confronto impressionante:
Secção de música
Ano escolar de 1919-1920:
Internos - 759 alunos.
Externos - 775 alunos.
Ano de 1951-1952:
Internos - 227 alunos.
Externos - 470 alunos.
As estatísticas acusam, portanto, uma diminuição desde o ano escolar de 1919-1920.
Esse decréscimo de alunos revela, a partir do ano de 1929-1930 até 1938-1939, uma redução de frequência, representada por 54,7 por cento, porquanto passa globalmente de 1911 alunos para 547.
É caso para perguntar: virá o Conservatório Nacional a ter de suspender o ensino por escassez de alunos?
Ou ainda: a manter-se, virá a transformar-se numa relíquia dispendiosa, sem valor e sem influência na vida nacional?
Deixará acaso o Conservatório de continuar a ser um centro de cultura indispensável à própria vitalidade humanística do povo português? Não é de acreditar, mas há em todo o caso, e na verdade, uma incontestável deserção.
Foi João Domingos Bomtempo, professor de Lady Hamilton, muito apreciado em Londres, notável compositor e pedagogo, o inspirador do Conservatório, sendo Almeida Garrett então Ministro da Instrução.
O ensino da música praticava-se desde D. Dinis e havia sido confiado à Universidade de Coimbra e, no decorrer do tempo, a instituições religiosas, tais como o Colégio dos Reis, em Vila Viçosa, Seminário Patriarcal, Seminários de S. Pedro e S. Caetano, de Braga, e Catedrais de Lisboa e Évora.
Após os polifonistas dos séculos XVI e XVII, a continuidade do ensino interrompeu-se, não podendo, por assim dizer, falar-se em música portuguesa, não obstante os estímulos dos reis D. João V e D. José I e do grande compositor de ópera Mancos Portugal, discípulo de João de Sousa Carvalho, mestre de música no Teatro do 'Salitre e mais tarde no próprio Teatro de S. Carlos (1810).
Atribui o actual director do Conservatório Nacional, cujas instalações visitei com deleite, pela dignidade, ordem e acolhedor ambiente, as causas da progressiva redução de frequência a vários factores e circunstâncias, a saber:
a) As tendências materialistas dos gerações nascidas entre duas guerras;
b) As condições económicas da maior parte das famílias, que não permitem encargos sem vislumbre de compensações;
c) Os horários das escolas do ensino técnico e secundário, que não facilitam a acumulação com as aulas do Conservatório;
d) O aparecimento e expansão da música mecânica e da rádio, que dispensam a presença da música viva;
e) A evolução do cinema mudo para o sonoro, afectando, só em Lisboa, uma centena de músicos;
f) A evolução do teatro ligeiro, que substituiu a tradicional composição de orquestras por agrupamentos de jazz;
g) A quase total supressão das bandas militares, pois, de trinta e seis, foram reduzidas a seis, agravada ainda pela falta de promoções. A banda da Marinha, por exemplo, tem hoje por preencher quarenta vagas;
h) Os numerosos concertos organizados pelas sociedades particulares, com artistas estrangeiros, se, por um lado, afirma-se, proporcionam ao público o poder ouvir os grandes virtuoses, comprometeram as possibilidades dos concertistas portugueses;
i) O decreto que criou o Liceu Normal exige aos estagiários de canto coral a habilitação musical do 3.º ano de piano, enquanto no aspecto cultural geral passou a exigir as habilitações correspondentes ao curso dos liceus, deixando assim de ser necessário tirar o curso completo do Conservatório.
A extinção das vinte e seis bandas militares na província provocou, efectivamente, um quase total retraimento na aprendizagem.
Cada uma das bandas militares era, por assim dizer, uma escola de música, aquilo que, aliás, se considera no Decreto n.º 18 881, de 25 de Setembro de 1930, quando no artigo 26.º se admite «a criação de escolas elementares musicais para solfejo», libertando o Conservatório desse ensino. Faltando-lhes os meios económicos e fáceis, as gerações novas desinteressaram-se. Os próprios músicos militares deixaram de frequentar o Conservatório, apesar de não haver no Exército escolas da especialidade e apenas ensino empírico e de pouco rendimento, uma vez que as escolas particulares se reduzem a três: Academia dos Amadores de Música, de Coimbra, o Instituto de Música de Coimbra e a Academia de Música do Funchal. O Conservatório do Porto, da iniciativa da Câmara Municipal da referida cidade, luta com as mesmas dificuldades do Conservatório Nacional.
Esta fraca população escolar é também devida u facilidade com que se concedem carteiras profissionais a pessoas que nunca passaram pelas escolas de música e que, por vezes, têm apenas a abonar a sua competência a informação benévola de um artista amigo, embora haja casos muito especiais a atender mesmo em indivíduos não escolarizados.
Compare-se com países de população equivalente à nossa e teremos a exacta medida da confrangedora penúria.
A Bélgica, além de quatro conservatórios -Bruxelas, Grand, Liège e Antuérpia-, tem sessenta escolas de música, difundidas pelas principais cidades e vilas.
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Só a cidade de Bruxelas tem quatro orquestras sinfónicas. O ensino e o gosto pela música penetram assim em todas as camadas sociais.
A Suíça tem cerca de trinta conservatórios, subsidiados pelos cantões: as Instituições Ondine e Musique des Cadets ministram ensino gratuito, além da própria Sociedade Federal.
Em grande número de países da Europa -Alemanha, França, Itália, Holanda, Suécia, Noruega e Dinamarca- se pratica o canto coral, com início na própria escola primária.
Na Alemanha e na Inglaterra aos diplomados com os cursos superiores de composição e instrumentação e leitura de partitura atribui-se o título académico de doutor.
Na Presses Universitaires de France, comentando a música estrangeira, André Hodeir escreve acerca de Portugal:
«Pouco há que dizer acerca da música portuguesa», e citam-se em seguida não chega a meia dúzia de nomes!
A invasão -a expressão não tem sentido desprimoroso - de músicos estrangeiros comprometeu as possibilidades de os concertistas portugueses se dedicarem à sua carreira, afirma o Sr. Director do Conservatório Nacional.
Na Gazeta Musical escrevia-se, com efeito, mui recentemente:
Começou a temporada musical em Lisboa. Pelos concertos já efectuados e por tudo o que se anuncia, ela não se mostra diferente das anteriores. O virtuosa estrangeiro vai novamente ser o senhor da situação, as manifestações a estrangeiros vão novamente constituir o foco de interesse exclusivo da vida artística da capital, as nossas sociedades de concertos vão novamente andar de compita para ver qual apresenta a mais retumbante celebridade internacional.
Sobre a música portuguesa, sobre os artistas portugueses nada consta, nada se prevê, tudo se passa como se não existissem ou, pior do que isso, como se fossem uma calamidade a evitar.
A que está reduzida, com efeito, a actividade nacional no campo da arte dos sons? A criação musical encontra-se, a bem dizer, morta por falta de tónicos para a manter ao menos dentro daquela já fraca vitalidade que tinha e os nossos virtuosos, cada vez mais diminuídas as possibilidades de se exibirem, são vítimas de uma concorrência em que couta menos o valor do que a propaganda. A tentativa da Orquestra Sinfónica de Lisboa parece que tem, lamentavelmente, os seus dias contados. Dos nossos organismos corais de nível, um, a Sociedade Coral de Lisboa, suspendeu as suas actividades; outro, o coro da Academia dos Amadores de Música, vegeta à míngua de estímulos. A Sociedade Nacional de Música de Câmara pode dizer-se ter passado a pertencer à história.
Em Lisboa, onde se concentra a cultura artística do País, não existe um único salão de concertos, vendo-se os artistas nacionais obrigados a implorar a esmola da cedência de uma casa de espectáculos em condições financeiras e acústicas uma* vezes insuportáveis para os artistas e outras vezes prejudiciais à arte. Este caso v do domínio público e já terá sido debatido na imprensa e nas sessões da Câmara Municipal de Lisboa.
Em Portugal há escassez, ao que parece, de bons professores de orquestra e de bons compositores, e diz-se que há abundância de bons maestros. É, porém, do domínio público, e a imprensa o tem noticiado, que se mandam para o estrangeiro aprender regência de orquestra alguns dos nossos melhores violinistas, que seriam utilíssimos no nosso teatro de ópera, por exemplo, como maestros auxiliares de coros.
Em 1953 subiu à cena em S. Carlos a ópera Ouro não Compra Amor, do compositor Marcos Portugal. Incompleta como estava, carecia de profunda revisão, e tudo indicava que essa revisão fosse confiada a um compositor português.
Assim não sucedeu e foi remetida para Itália e a um compositor italiano. Não haveria no nosso Conservatório quem, com idoneidade, o fizesse?
Afigura-se-me que seria conveniente estabelecer o princípio de as nossas orquestras sinfónicas incluírem nos concertos a efectuar em Portugal uma ou duas obras de autores portugueses.
A Itália assim o estabeleceu em certo tempo, mediante parecer prévio de um conselho de compositores.
No Brasil a lei impõe a inclusão nos programas de concertos de duas obras nacionais.
O que se passa quanto à carteira profissional conferida pelo Sindicato é, por sua vez, altamente lesivo do decoro nacional.
E permito-me citar um demonstrativo exemplo:
No ano transacto deslocou-se a Lisboa, para trabalhar num teatro, uma companhia de bailados. Contratada a orquestra, o maestro, de nacionalidade espanhola, verificou que os músicos careciam de competência. O contrato foi imediatamente rescindido e os bailado» tiveram de ser realizados só a piano, tocado pelo maestro contratado. São desprimorosos estes incidentes, como inadmissível é desconsiderar os valores nacionais só porque o são.
A análise sucinta do problema do nosso Conservatório Nacional, nos seus aspectos negativos, impõe um estudo construtivo indispensável à revalorização de uma escola com um prestigioso passado.
A substância da música é sempre a mesma, escreveu um conhecido musicólogo; o que varia são os modos por que se manifesta.
É indispensável estimular e congregar todos os valores nacionais, banir o predominante espírito de intriga, por vezes de pura maledicência e provocação, de modo a trair em vez de desclassificar.
Daqui me permito solicitar aos Srs. Ministro e Subsecretário de Estado da Educação Nacional, tão zelosos quanto esclarecidos, a sua intervenção para a promulgação da reforma do Conservatório Nacional, como ponto de partida para o estudo e publicação de outras medidas complementares que tendam para a resolução da grave crise musical e teatral portuguesa.
«The words of my book - escreveu Whalt Whitman - are nothing; the drift of it is everything». As palavras do meu livro nada são; a intenção é tudo.
Tenho dito.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinho Brandão: - Sr. Presidente: não estive presente na sessão desta Assembleia Nacional de 5 do corrente mês, na qual o nosso ilustre colega Sr. Dr. Urgel Horta, Deputado pelo circulo do Porto, se congratulou pela adjudicação da empreitada relativa à construção da chamada «ponto da Arrábida» e pela próxima construção dos respectivos acessos.
Com muita razão e oportunidade, realçou o ilustre Deputado a grandeza dos empreendimentos e a sua projecção na vida da cidade do Porto e até na vida do Pais.
Não tenho a honra de representar nesta Câmara o circulo do Porto, mas, como homem do Norte e ainda como homem natural e residente num concelho que desde sempre manteve as suas mais importantes relações econó-
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micas e sociais com aquela nobre cidade, acompanho o Sr. Dr. Urgel Horta nas suas manifestações de regozijo pela realização dos referidos empreendimentos, de grande relevo, sem dúvida, e que expressam a justiça feita pelo Governo a essa mesma cidade.
E aos agradecimentos que ao Governo, por virtude da realização de obras de tamanho vulto e de relevante interesse nacional, foram então dirigidos pelo Sr. Dr. Urgel Horta, em nome da população do Porto e respectivo distrito, quero juntar os agradecimentos das populações do distrito de Aveiro, sobretudo das da sua zona norte, ou seja das que habitam para além do Vouga, pois, deste distrito, são as que mantêm mais permanente e mais estreito contacto com a capital do Norte do Pais.
Porém, sr. Presidente, não posso nem quero deixar, neste momento e neste lugar, de exprimir o legitimo receio de que a realização destas tão importantes obras -nas quais vão despender-se certamente vultosas verbas, porque as despesas respectivas serão satisfeitas por força das verbas normais da Junta Autónoma de Estradas e do respectivo plano de financiamento que aqui aprovámos - vai retardar com certeza as tão necessárias e urgentes reparações de estradas importantes do Pais e a construção de outras não menos importantes, estradas estas que, aliás, já constam do plano rodoviário aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34 593, de 11 de Maio de 1945.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu. - V. Ex.a tem toda a razão. Parece que deveria ser através de uma dotação especial ou de um empréstimo que se deveria construir a ponte da Arrábida, e não com verbas retiradas das dotações normais, e já insuficientes, destinadas à construção e reparação de estradas, algumas bem carecidas, incluindo a estrada n.º 1.
Diz-se que as estradas são uma das bandeiras do Estado Novo; é de recear, porém, que, neste caminho, acabe por ser necessário arriá-la.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Adiante refiro-me já ao assunto.
Sr. Presidente: ainda tenho na lembrança que, por virtude da construção da ponte de Vila Franca, em que se gastaram cerca de 120 000 contos das verbas normais da Junta, durante o período dessa construção deixaram de ser construídas e reparadas muitas estradas do País.
E, todavia, Sr. Presidente, bem me parece que a construção da ponte de Vila Franca, aliás de tanto interesse nacional, mas que aproveita a várias e sucessivas gerações, podia e devia ter sido realizada por força de um empréstimo que para tal fim se tivesse contraído, fazendo-se face aos encargos da respectiva amortização com a receita proveniente da utilização da mesma ponte, que suponho andar à volta dos 5000 contos anuais.
E desta forma as verbas normais da Junta Autónoma de Estradas teriam ficado disponíveis para fazer face às despesas de reparação e de construção das estradas do País constantes do mencionado plano rodoviário.
Por isso, Sr. Presidente, a construção da ponte da Arrábida e dos respectivos acessos deve ser efectuada por força dum empréstimo que para esse efeito seja contraído pelo Estado e que bem poderia vir a ser amortizado pela receita que proviesse, porventura, da utilização desta ponte.
Se tal se não fizer e, consequentemente, se a despesa com a construção destas obras avultadíssimas vier a ser satisfeita por força das verbas normais da Junta, vamos certamente assistir, & semelhança do que se passou aquando da construção da ponte de Vila Franca, ao longo atraso nas reparações e construções de muitas estradas nacionais do Pais, do maior interesse e relevo na economia das respectivas regiões.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Há ainda, Sr. Presidente, numerosos concelhos do País que se encontram ligados por péssimas estradas -estradas quase intransitáveis- à rede geral das mesmas.
E assistimos a esta situação confrangedora: essas péssimas estradas, de percursos de 15, 30 e 30 km, vêm sendo dadas de empreitada para reparação em troços de 2 ou 3 km de cada vez, com largos prazos de dois e mais anos para a reparação de cada troço, prazos estes que ainda acabam por ser prorrogados; geralmente não se adjudica nova empreitada doutro troço da mesma estrada enquanto a primeira não é concluída, e por vezes até sucede que entre a conclusão da primeira empreitada e a adjudicação da seguinte decorrem três, quatro e mais anos. De forma que a conveniente, necessária e urgente reparação de tais estradas somente ficará concluída ao fim de muitos anos, com graves e enormes prejuízos das populações interessadas e evidentes reflexos na economia nacional.
Entendi, Sr. Presidente, que devia chamar a atenção do Governo para as consequências que resultam, se porventura a construção da ponte da Arrábida e dos respectivos acessos se fizer por força das verbas normais concedidas à Junta Autónoma de Estradas, para a grande reparação e construção das estradas do País constantes do citado plano rodoviário e ainda para a excessiva lentidão com que vêm efectuando-se as obras de reparação e de construção destas estradas, algumas das quais servem ou virão a servir importantes concelhos rurais do País.
Oxalá o Governo escute este brado de justiça.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente:-Chamo a atenção da Câmara.
Sou informado de que a Comissão de Trabalho, Previdência e Assistência Social não tem reunido por falta do seu presidente, Monsenhor Santos Carreto, que, infelizmente, tem estado afastado dos trabalhos desta Assembleia por motivo de doença.
Lamento essa falta e faço os melhores votos pelo pronto restabelecimento deste ilustre membro da Assembleia, mas, verificando a necessidade inadiável de que essa Comissão reúna, para apreciar a proposta de lei sobre o Plano de Formação Social e Corporativa, peço ao Sr. Deputado Almeida Garrett, como o mais velho dessa Comissão, que tome a iniciativa de a fazer reunir imediatamente, a fim de que possa apreciar esse importante diploma, que deverá entrar em discussão na próxima sessão.
Lembro a conveniência de a mesma Comissão, nos seus trabalhos, manter estreito contacto e entendimento com as outras Comissões a quem foi mandado esse diploma, e que são as de Economia, de Política e Administração Geral e Local e ainda a de Legislação e Redacção.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente:-Está em discussão na generalidade a proposta de lei sobre a organização geral da Nação para o tempo de guerra.
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Tem a palavra o Sr. Deputado Amorim Ferreira.
O Sr. Amorim Ferreira: - Sr. Presidente: a proposta de lei em discussão correspondente ao preceito contido no artigo 55.º da Constituição Política, de que a lei regulará a organização geral da Nação para o tempo de guerra, em obediência ao princípio da nação armada; e vem no seguimento de dois diplomas anteriores, decretados pela Assembleia Nacional, que o novo diploma se destina a actualizar e ampliar: a Lei n.º 2024, de Maio de 1947, que promulgou as bases da defesa nacional, e a Lei n.º 2001, de Janeiro de 1952, que substituiu a anterior e promulgou as bases da organização da defesa nacional.
O desejo desta Câmara e de cada um dos sons membros seria antes contribuir para a resolução de problemas da paz e do progresso moral e material da Nação; mas as realidades obrigam a tomar medidas destinadas a prevenir aquilo que depois seria impossível remediar.
O período de onze anos que vem desde o fim da segunda guerra mundial tem sido dominado pela busca ansiosa de uma estrutura aceitável de paz. Perdeu-se a conta das conferências de presidentes, ministros, suplentes e técnicos, dos debates na Organização das Nações Unidas, das comissões e subcomissões que se reuniram, das diligências diplomáticas realizadas, dos milhões de palavras que se disseram e dos documentos que se publicaram.
A última conferência de desarmamento reuniu-se em Londres, em 19 de Março deste ano, já depois de remetida à Assembleia Nacional a proposta de lei em discussão. Intervieram nela delegados do Canadá, dos Estados Unidos, da França, da Grã-Bretanha e da União Soviética, constituídos em subcomissão da Comissão de Desarmamento das Nações Unidas.
A conferência terminou em 4 de Maio e no mesmo dia as quatro potências ocidentais publicaram uma declaração conjunta em que registavam aquilo que já era bem conhecido: a delegação soviética não aceitara as propostas submetidas pelas nações ocidentais e não fora possível conciliar as divergências entre Leste e Oeste. A declaração continha ainda a afirmação de que «a conciliação dos pontos de vista em oposição é possível e necessária» e reafirmava o propósito de continuar os esforços no seio das Nações Unidas «para procurar um acordo sobre desarmamento, como desejam os povos de todas as nações».
À malograda conferência de Londres seguiu-se o anúncio espectacular pela União Soviética de uma redução substancial dos efectivos das suas forças armar das, anuncio imediatamente aproveitado para fine de propaganda. Contudo, é possível -é mesmo provável - que se realize a anunciada redução do efectivos militares.
A União Soviética tem fortes razões para querer aproveitar diferentemente uma parte do pessoal, do material e das verbas actualmente destinados às forças armadas. Precisa de elevar o nível interno de vida, para aproximá-lo do das nações ocidentais, e para isso terá de colocar anais pessoal na agricultura e na indústria. A resolução do problema da habitação, que é premente na União Soviética, exigirá muita mão-de-obra e muito material. E a redução do orçamento militar dará disponibilidades financeiras para lutar com as nações ocidentais no auxílio económico aos países subdesenvolvidos.
Mas não se conclua, apressadamente, que a uma redução, mesmo substancial, dos efectivos militares corresponda uma diminuição do potencial militar da União Soviética. Os homens desmobilizados e as verbas disponíveis pela redução dos efectivos das forças equipadas com as armas dos tipos convencionais serão deslocados para a agricultura e para a indústria, mas também para a produção de armas atómicas. E uma das consequências de equipar as forças militares com os novos engenhos, disponíveis é a possibilidade de reduzir os seus efectivos sem diminuir o seu potencial nas novas condições estratégicas.
Seja como for, há que tomar precauções. E não nos deixemos abalar na firmeza de propósitos pela circunstância de que, segundo o Anuário Demográfico das Nações Unidas publicado há dias, para uma população mundial que era de 2652 milhões em meados de 1954, a China vinha em primeiro lugar, com 582 milhões, seguida da União Indiana, com 377 milhões, e da União Soviética, com 214 milhões, vindo os Estados Unidos em quarto lugar, com l62 milhões. Os países imediatamente a seguir já estavam na casa dos 80 milhões e os outros abaixo deste número.
No estudo da proposta de lei em discussão, com os aperfeiçoamentos nela introduzidos pelo lúcido parecer da Câmara Corporativa, preocupei-me mais com apreender o conteúdo global da proposta do que com examinar os seus pormenores de carácter técnico, para o que me faltaria a competência especializada de muitos colegas ilustres desta Casa.
Honestamente confesso que, com o passar dos anos, vou reconhecendo que sei muito pouco de um escasso número de assuntos e cada vez acredito menos na possibilidade de se saber tudo de qualquer assunto em que se toca. Por outro lado, no exame de um documento da envergadura e com as possíveis repercussões daquele que discutimos, sinto fortemente a verdade daquela frase, velha de muitos anos, de um comentarista de Tácito, que para não perder sabor me permito traduzir assim: «Tanto podem a razão e a alma das leis que não se cumpre com elas quando só se satisfaz à sua letra».
Esta proposta de lei, que amplia e actualiza as bases anteriormente decretadas da organização da defesa nacional, dá a impressão de que iríamos preparar-nos para uma guerra que faríamos sozinhos. Mas sabemos que não é assim, até porque, com os meios de destruição actualmente disponíveis, nenhum Estado pode garantir a segurança física e económica dos seus cidadãos.
Sabemos, além disso e de certeza, que, se acontecer o pior e tivermos de entrar em guerra, o faremos incluídos em determinado grupo de nações, conforme obrigações livremente assumidas em tempo de paz e como membros da comunidade atlântica. A esta circunstância, que me parece fundamental, não faz alusão o texto da proposta; e só o parecer da Câmara Corporativa se refere brevemente a ela em algumas passagens.
A Organização do Tratado do Atlântico Norte surgiu há sete anos, como sistema puramente defensivo para a segurança comum das nações participantes. Como disse o Sr. Presidente do Conselho no seu discurso de 30 de Maio, este sistema defensivo a ocidente, organizado com um pouco mais de realismo que de costume, conseguiu entravar o movimento de leste, porque ao esforço de quase todos os países da Europa livre se juntaram, multiplicando-o, o Canadá e os listados Unidos.
É forçoso reconhecer que, atingido no fim dos primeiros cinco anos o objectivo estratégico de entravar o avanço soviético para oeste, um sentimento de mal-estar e incerteza sobre o futuro da O. T. A. N. tem vindo a desenvolver-se nos dois últimos anos, com expressão o pública mais acentuada nas últimas semanas.
O rearmamento alemão tem sido muito mais lento do que se esperava. A participação militar francesa diminuiu grandemente com a deslocação de forças para o Norte de África. Surgiram atritos entre membros da O. T. A. N., quer no extremo norte do Atlântico, quer no Mediterrâneo Oriental. A zona do conflito
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entre Leste e Oeste deslocou-se para fora dos limites geográficos da O. T. A. N., abrangendo agora o Médio Oriente, onde as nações ocidentais têm interesses económicos por vezes divergentes, e para a Ásia, onde está acumulada mais de metade da população total do globo. E à ameaça militar sobrepõem-se agora a subversão política e a competição económica.
A solução de todos estes problemas exige um grande esforço da parte de todos e cada um dos membros da Organização: compreensão e sacrifício; e um forte sentimento de solidariedade, sem o qual não será possível eliminar a ameaça soviética de agora como foi possível eliminá-la no campo militar alguns anos atrás.
A Assembleia Nacional deu caloroso e inteiro apoio à inclusão de Portugal na Organização do Tratado do Atlântico Norte. É oportuno reafirmar agora esse apoio, quando há problemas novos que podem afectar a eficiência da Organização na manutenção da segurança comum e na defesa da civilização ocidental.
Devo declarar, antes de prosseguir, que tenho a esperança - estou mesmo convencido- de que o imperialismo soviético tem o seu tempo de vida contado. Poderá durar ainda alguns anos e perturbar a vida de algumas gerações. Mas, mais cedo ou mais tarde, há-de acabar, pela fatalidade histórica de que as nações vivem e duram e os impérios vivem e morrem. O imperialismo assenta na força - e a força cansa; daí a reconhecida fragilidade das grandes estruturas imperiais do passado, o seu dramático colapso e o seu sucessivo desaparecimento.
Há hoje um único Estado que aspira ao domínio mundial: a União Soviética. A sua tendência obstinada para o imperialismo é terrível, ao mesmo tempo que atrai um certo número de intelectuais que descrêem do nacionalismo tradicional da Europa e estariam dispostos a submeter-se ao materialismo cruel da doutrina marxista. Mas este sacrifício seria vão, porque o império soviético há-de vir a desintegrar-se como se desintegraram todas as grandes estruturas anteriores baseadas na força e esquecidas da primazia dos valores espirituais e morais, que são indestrutíveis.
O que há de diferente na nossa época é que os tiranos têm à sua disposição meios poderosos de domínio físico e mental dos homens, o que lhes permite manterem-se mais tempo no uso do Poder. E o problema da nossa época seria insolúvel se ao imperialismo soviético nada houvesse a opor senão outro imperialismo. Felizmente não é assim.
Na proposta de lei em discussão não há referência aos novos engenhos de guerra atómicos, termonucleares, teleguiados o outros, nem às possíveis repercussões da sua existência, quer na preparação da Nação para o tempo de guerra, quer na direcção superior das operações militares. Mas felizmente não esqueceu outro aspecto do mesmo problema, ao confiar, na base XXVII, ao Secretariado-Geral da Defesa Nacional, em ligação com os serviços dependentes do Ministro da Presidência, a mobilização do pessoal científico e técnico utilizável em trabalhos de investigação ou de produção de grande interesse para a defesa nacional. E bom é que esta referência apareça no diploma fundamental da organização da preparação nacional para a guerra.
Num dos volumes das suas memórias da segunda guerra mundial Churchill diz:
Durante a luta humana entre as forças aéreas britânica e alemã, entre piloto e piloto, entre as baterias antiaéreas e os aviões, entre o bombardeamento cruel e a firmeza de ânimo do povo britânico, outro conflito se desenrolava posso a posso, mês a mês.
Era uma guerra secreta, cujas batalhas se perdiam e ganhavam sem que o público o soubesse; e só com dificuldade a entendem, mesmo agora, os que estão fora dos círculos científicos restritos interessados. Nunca existira guerra desta natureza lançada por homens.
Os termos em que ela poderia ser registada ou descrita não seriam inteligíveis pelo homem da rua. Contudo, se não nos tivéssemos apoderado do seu significado profundo e utilizado os senis mistérios, mesmo quando só os víamos de relance, os esforços e os proezas dos combatentes, a bravura e os sacrifícios do povo teriam sido em vão. Se a ciência britânica não se tivesse mostrado superior à alemã e se os seus recursos estranhos e sinistros não tivessem sido eficazmente aproveitados na luta pela sobrevivência, poderíamos ter sido derrotados e, sendo derrotados, destruídos.
No memorando de 3 de Setembro de 1940 para o Ministro dos Abastecimentos, transcrito no mesmo volume, o primeiro-ministro Churchill dizia:
Esta guerra não é uma guerra de massas de homens a atirarem massas de granadas uns contra os outros. E imaginando novas armas, e sobretudo por condução científica, que melhor lutaremos contra a força superior do inimigo.
Houve quem sugerisse que a guerra de 1939-1945 fora ganha pelos cientistas; mas não creio que se possa afirmá-lo nem sei de qualquer cientista responsável que o tenha afirmado. Como todas as guerras anteriores, a de 1939-1945 foi ganha pelos soldados nos campos de batalha; mas atrás destes havia -e haverá nos guerras futuras - outros homens que dia a dia arriscavam a vida, como a arriscavam os soldados. Esses homens trabalhavam em silêncio e segredo para ampliar e aperfeiçoar os meios de ataque e defesa, para estudar a aplicação consciente e sistemática do método científico ao emprego das armas e à condução das operações militares (e foi esta a grande novidade da contribuição científica na guerra de 1939-1945) e para resolver os problemas numerosos de que dependem a saúde e a alimentação da população em tempo de guerra. E homens desses não se improvisam.
A base IV da proposta proclama os conceitos de que a lei a publicar se aplica a todo o território nacional e de que a estrutura orgânica da defesa nacional é uma para todo o território. O Ministro do Ultramar faz parte do Conselho Superior da Defesa Nacional, o que naturalmente assegura a unidade da política da defesa; mas do texto da proposta não é imediatamente aparente como se prolongam aos territórios do ultramar os órgãos de coordenação da defesa nacional.
Na verdade, esta parte do problema não foi esquecida e encontra-se incluída na disposição final, base XXXII, que mantém em vigor seis bases da Lei n.º 2051. Destas seis, a base VIII estabelece que em cada um dos territórios do ultramar, com maior ou menor desenvolvimento, conforme a sua extensão e localização, haverá um conselho de defesa militar, para estudo dos assuntos que se relacionam com a defesa nacional; e a base IX estabelece que os assuntos relativos à defesa do ultramar e à utilização dos recursos militares de qualquer das províncias em teatro exterior de operações são da competência do Ministro da Defesa Nacional, que sobre eles ouvirá o Ministro do Ultramar, submetendo-os depois à apreciação dos Ministérios do Exército e da Marinha ou do Subsecretariado de Estado da Aeronáutica, e admitindo-se a possibilidade de divergências, que serão submetidas ao Conselho Superior da Defesa Nacional.
Das outras quatro bases da Lei n.º 2051 que a proposta mantém em vigor, a base I está repetida, am-
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pliada e aperfeiçoada na base VII da proposta, a base IV contém doutrina que parece ficar bem colocada a seguir à base XIX da proposta e as bases VI e VII parecem vir no seguimento da base XV da proposta.
O parecer da Câmara Corporativa só se refere à base XXXII da proposta para dizer no n.º 66: «nada a objectar»; mas a solução adoptada não parece feliz. Se a base XXXII ficar como está, quem quiser conhecer a estrutura da defesa nacional ou tiver de executar os seus pormenores terá de reportar-se a dois diplomas. Um destes, a Lei n.º 2051, está em parte revogado tacitamente ; e as disposições que continuam em vigor, uma delas com alterações, ou estão repetidas no outro ou vão intercalar-se neste por ordem diferente daquela em que se encontram no primeiro.
Parece mais apropriado, simples e lógico reunir num diploma único as trinta e uma bases da proposta de lei n.º 517 e as bases da Lei n.º 2051, que continuarão em vigor, colocando estas nos lugares que lhes corresponderem no desenvolvimento lógico dos conceitos e preceitos, com as alterações de redacção necessárias para que o conjunto fique harmónico e coerente. Este procedimento parece-me tão evidente que até sinto dificuldade e acanhamento em expor razões justificativas. Por definição, pelo menos nas ciências exactas, aquilo que é evidente não carece de demonstração.
Aponto também que as seis bases da Lei n.º 2051 que a proposta mantém em vigor já existiam todas na Lei n.º 2024 e foram transcritas para aquela com ajustamentos de redacção. E acrescento que, sendo daqueles que acreditam que o ultramar é a razão de ser da nossa existência como nação independente e prestigiada no concerto mundial das nações, penso que neste diploma orgânico fundamental deve figurar explicitamente o prolongamento às províncias ultramarinas da estrutura decretada para a defesa nacional.
Estas razões levam-me a mandar para a Mesa a proposta de que as disposições da Lei n.º 2051 que foram mantidas em vigor pela base XXXII da proposta de lei n.º 517 sejam transcritas para o diploma aprovado, com as alterações necessárias para que fiquem coerentemente integradas no texto.
Pelo Regimento da Assembleia a última redacção das propostas de lei é confiada à Comissão de Legislação e Redacção, que, sem alterar a substância do diploma aprovado ou o pensamento nele expresso, poderá aperfeiçoar aquilo que o Regimento chama «a técnica e o espírito jurídicos». A alta competência dos membros da Comissão é garantia segura da realização perfeita deste encargo.
Proponho ainda outra alteração. O n.º 2 da base XIX diz que a preparação e a direcção estratégica do conjunto das operações são da responsabilidade do chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, sob as ordens imediatas do Presidente do Conselho e do Ministro da Defesa Nacional. Sob as ordens imediatas dos dois ao mesmo tempo parece que não deve ser. Por analogia com o que dispõe o n.º l da mesma base, proponho que fique: «sob as ordens imediatas do Presidente do Conselho ou, sob a sua autoridade, do Ministro da Defesa Nacional».
Para outro ponto me permito chamar a atenção da Comissão de Defesa Nacional, que, certamente melhor do que eu, encontrará a boa solução. O n.º 2 da base XIV diz que em tempo de guerra o Conselho Superior da Defesa Nacional assumirá os poderes e desempenhará as atribuições próprias do Conselho de Ministros em tudo quanto respeita à condução da guerra e às forças armadas, e a mesma doutrina se encontra no n.º l da base XVIII, mas sem referência à condução da guerra.
Na proposta do Governo não há qualquer alusão anterior ao Conselho de Ministros, e o texto aprovado pela Câmara Corporativa só se refere a ele no n.º l da base viu, para dizer que a definição da política da defesa nacional será feita em Conselho de Ministros.
Quais são então os poderes e as atribuições próprias do Conselho de Ministros, no que respeita a condução da guerra e às forças armadas, que em tempo de guerra passarão para o Conselho Superior da Defesa Nacional? Parece haver aqui qualquer coisa a acertar.
Há ainda outros pontos sobre os quais espero vir a esclarecer-me durante a discussão da proposta na generalidade. São eles, nomeadamente, a inclusão dos Ministros do Exército e da Marinha e do Subsecretário de Estado da Aeronáutica no Conselho Superior da Defesa Nacional, como membros permanentes, como estavam no regime da Lei n.º 2051, e a inclusão dos chefes dos Estados-Maiores do Exército, da Armada e das Forças Aéreas no Conselho Superior Militar, também como membros permanentes.
Sobre o primeiro ponto há no parecer da Câmara Corporativa um desenvolvido voto justificado de um Digno Procurador. Quanto ao segundo ponto, o facto de aqueles membros do Governo poderem não ser militares e ainda o facto de os chefes dos estados-maiores serem os seus conselheiros técnicos, como explicitamente diz o n.º 4 da base XVII, levam-me, pelo menos por enquanto, a considerar necessária a presença dos três chefes dos estados-maiores no Conselho Superior Militar com carácter permanente.
Sob reserva dos assuntos apontados, dou o meu voto na generalidade a proposta de lei em discussão.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pereira da Conceição: - Sr. Presidente: mais de um século sem que o País tivesse sido terreiro de luta contra estranhos, tivesse sofrido destruições e feridas de guerra, tivesse sopesado as durezas duma ocupação estrangeira, fizeram cair o povo português num sentimento de profundo pacifismo, ainda que não abafassem de qualquer modo o valor histórico e potencial dos sentimentos de dignidade e de virilidade nacionais.
Na verdade, o Portugal de hoje encontra-se por toda a parte, na metrópole ou no ultramar, devotado laboriosamente à sua actividade operosa de progresso e de civilização, baseado na ordem interna e na segurança internacional.
Verificamos quanto nos últimos trinta anos a vida social se tem desenvolvido, a economia e a riqueza da Nação têm frutificado, graças à segurança duma estabilidade política e duma paz interna, que têm sido a base do fomento e do progresso por que passamos.
Outrossim, ao elevarmos o nível e o progresso da Nação, temos contribuído nas relações internacionais para uma melhoria geral do Mundo, enfileirando, com a nossa progressiva actividade económica, com os nossos sentimentos pacíficos e com os nossos princípios espirituais, ao lado dos países que mais têm contribuído nos últimos lustros para a melhor harmonia entre as nações.
O País inteiro está, pois, possuído da ideologia da paz, que pratica, não só pelos sentimentos natos de cada português, como pelos interesses da sua política económica, como ainda pela ética dos seus princípios de governo, claramente afirmada através da sua política externa.
Devotado nos seus afãs, o nacional nunca teve a tendência das turbulências ou o empenho guerreiro de outros povos.
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Aventureiro dos mares, bandeirante dos sertões, pombeiro do comércio, mas, acima de tudo, missionário das almas, o Português nunca foi agressivo por temperamento. A civilização lusíada, nascida à sombra da cruz com o arvorar da bandeira em turras desconhecidas, jamais usou da prepotência ou do domínio brutal sobre os outros povos.
Porém, por toda a parte, em terras de África como da América ou das índias, nos momentos graves da rida nacional, sempre os Portugueses provaram que eram gente para enfrentar as situações, não abandonando nunca & dignidade dos princípios, que é a essência própria daqueles que sempre levaram na alma a certeza e o valor de uma fé que lhes iluminou o espírito pelas sete partidas do Mundo.
Nem a penúria de meios ou a ameaça dos fortes fez jamais esquecer à nossa gente a essência e valor dos conceitos morais. Por isso a nossa história nos dá como direito natural a existência de oito séculos de vida livre e independente.
Talvez por isso mesmo, podemos suprir certa pobreza de meios com a riqueza da experiência vivida. E de tal jeito podemos bem conhecer o que certas nações mais jovens pretendem ao arvorar como bandeira certos princípios novos de coexistência pacífica, como balada enganadora para adormecer a existência das nações, levando-as ao abandono da vigília dos seus valores tradicionais e deixando-as minar na sua estrutura moral e histórica.
Por isso mesmo não compreendemos, como alguns o fazem, que se compre paz por qualquer preço, hipotecando, para tanto, os bens e o prestígio da Nação.
A Europa Ocidental representa hoje no Mundo o último baluarte do individualismo universalista e cristão, bandeira com que implantou a civilização em todos os continentes e que, a não ser defendida, representará u abdicação total dos princípios morais que foram esteio do progresso do Mundo.
Quando, há dez anos, a União Soviética acorrentou a Polónia e os pequenos países bálticos, logo a seguir todos os países da bacia danubiana e por fim. teatralmente, a Checoslováquia, os pequenos países ocidentais compreenderam que só através da organização colectiva da sua defesa podiam sustar o avanço do cilindro orientai e asiático. E assim, por imperativo de sobrevivência, nasceu a Organização do Tratado do Atlântico Norte. E assim, também por imperativo de sobrevivência, foram as pequenas nações impelidas a tratar da sua organização para a guerra, não com qualquer espírito agressivo, mas com o sentido exacto de que, constrangidas, um dia poderiam ter de se defender em cruzada heróica, batendo-se pelos seus valores tradicionais e morais, que são a ética da sua civilização milenária.
De outro modo, a não preverem e estruturarem essa defesa, seria como que negarem a sua própria essência moral, equivalendo a abjurar os princípios com que tinham dado ao Mundo o seu actual primado de civilização e de luz espiritual.
Viram-se, assam, os povos cristãos e ocidentais forçados a estabelecer, na ordem internacional, uma organização colectiva de defesa- a O. T. A. N. - e, na ordem interna, a estruturar toda a organização da nação para o tempo de guerra, como único modo de deter a ameaçadora expansão soviética, assegurando a continuidade da paz, como elemento essencial à vida dos seus povos.
1.ª CONCLUSÃO. - O único modo de assegurar ao povo português a continuidade da vida pacífica e operosa a que se dedica, mantendo a defesa dos seus princípios morais, está, não só na manutenção dos compromissos que assumiu na plano internacional, com vistas à sua segurança colectiva, através da Organização do Tratado do Atlântico Norte (O. T. A. N.) como ainda na consequente estruturação no plano internacional dos seus meios e possibilidades de defesa, através da organização geral da nação para o tempo de guerra.
Todos os conceitos que outrora fazíamos da guerra se acham hoje ultrapassados.
Assim, ainda no século passado as guerras nos apareciam movidas por razões dinásticas ou territoriais, ao passo que no presente elas se nos oferecem com aspectos políticos, económicos e sociais.
Do mesmo modo podemos verificar que elas outrora eram feitas quase sem preparação, desencadeadas com morosidade excessiva e de duração bastante longa - e para exemplo bastará recordarmo-nos das nossas campanhas da Restauração, das Guerras dos Trinta Anos e dos Cem Anos, ou mesmo dos vinte anos das lutas napoleónicas.
Em contraste, a tendência das guerras contemporâneas é a de assumirem os aspectos duma preparação longa, a que hoje se chama e «guerra fria», seguida dum desencadeamento instantâneo, como um relâmpago, o qual se deve completar com uma acção brutalmente destruidora.
Este sistema tem em vista obter a solução da guerra, em curto prazo, através do aniquilamento fulminante de um dos contendores. Tanto os meios de luta -cada vez mais poderosos na sua capacidade de destruição - como a organização dos exércitos devem tender para a mais alta capacidade de esforço ofensivo, a fim de facilitar a teoria da guerra fulminante.
Do mesmo modo, a teoria para alcançar o êxito afirma que a guerra deve atingir todo o espaço e toda a organização da nação inimiga, de modo a, pela sua expansão total, minar e fazer ruir toda a estrutura da vida do país.
Em conclusão: a teoria da guerra moderna mostra que esta se apresenta fulminante no tempo e no espaço, o que quer dizer que será de deflagração instantânea, brutalmente destruidora, atingindo todos os sectores, todo o território e todos os meios da vida duma nação.
Com tal doutrina, compreende-se que um povo, para se defender duma guerra moderna, tenha de mobilizar todos os seus meios, e todos os seus recursos, tenha de prever e organizar a sua defesa em todos os sectores da sua actividade com o tempo e a antecedência necessários para que possa fazer face às surpresas e assegurar, ao menos, a sua sobrevivência ao primeiro embate.
A teoria moderna da defesa é, pois, a de que, se um povo sobrevive aos primeiros embates, ele terá em seguida possibilidades de resistir e de prover à sua resistência.
É evidente que, com tais conceitos, as antigas teorias de que «a guerra é para ser feita apenas pelos exércitos» ou mesmo a mais avançada de que «a guerra é para ser feita pela nação em armas» se acham largamente ultrapassadas.
A guerra atinge hoje todos os sectores da vida nacional, e por isso mesmo não é mais possível considerar qualquer território, qualquer organização ou qualquer pessoa como alheio aos perigos que ela importa ou às necessidades que ela impõe. Hoje, todos os meios, todas as actividades e todos os indivíduos, qualquer que seja s sua condição, idade ou sexo, quer queiram quer não, são combatentes e estão sujeitos aos mesmos perigos extremos, que fazem com que a vida se mantenha permanentemente vizinha da morte.
Com tal conceito da guerra, verdadeira guerra total, conduzida em todos os campos, não pode mais, como diz Moravec, suceder como outrora, em que o «político se orgulhava de não perceber nada de coisas militares,
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o mil Liar olhava com desprezo o político e o economista se alheava dos problemas políticos ou militares de segurança do Estado, a não ser quando se tratava da obtenção de lucros por fornecimentos de guerra».
Hoje, a condução da guerra compete à política, como a condução das operações compete às forças armadas, mas a execução da guerra, essa, cabe ao povo inteiro, e por isso tanto a manobra dos meios de defesa como a luta cabem à totalidade da Nação.
De tal azo, compreende-se que alguns autores afirmem hoje que a vanguarda da estratégia é a política, que o seu núcleo principal é a força armada e que a sua reserva é a economia.
Na verdade, política, força armada e economia são hoje os três elementos primaciais do jogo da guerra, e portanto fundamentais para quem tenha de encarar a necessidade da defesa de um povo e assegurar a sua sobrevivência em caso de agressão brutal e inesperada.
A complexa e difícil condução dos problemas da guerra nos três campos -política, força armada e economia - exige unidade de comando, e essa há-de ser feita por quem conduza a estratégia geral da nação em guerra.
Como muito bem o afirma Moravec, «para ser um grande estratega não se exige que se seja um grande soldado, mas antes, sim, que se seja um grande estadista, portador de uma ideologia que dê ao povo, ao Estado e à humanidade rumos seguros e melhores para o futuro».
2.ª CONCLUSÃO. - A guerra moderna tende a ser brutal na sua eclosão, procurando atingir instantaneamente todas as pessoas e bens em todo o território nacional, e por isso, para lhe fazer face e sobreviver à agressão, a organização geral da Nação para a guerra há-de estender-se a todos os sectores da vida nacional. Consequentemente, a política, a força armada e a economia devem conjugar-se nessa organização, trabalhando em comum para a defesa nacional, através duma unidade de comando, confiada a um estadista que assegure a sobrevivência da Nação.
São estes os princípios fundamentais em que se estrutura a lei que vamos apreciar.
O progresso dos armamentos modernos tem, pois, apenas procurado servir os conceitos da guerra fulminante dos nossos dias.
O aparecimento das armas nucleares, tornando mais vastas as áreas de destruição e mais poderosos os seus efeitos, serve os preceitos e a concepção da guerra actual, for outro lado, a velocidade do avião, dando a este a facilidade de atingir rapidamente qualquer local, por mais afastado que seja, fez da nação inteira um terreno de luta, um verdadeiro campo de batalha, com todas as suas perigosas consequências.
Tal facto arrastou inevitavelmente os agrupamentos colectivos humanos, isto é, as grandes cidades, para o campo da luta. E, doutro lado, a vida das forças armadas e a sustentação da. defesa, em todos os seus aspectos, dependem cada vez mais do trabalho e actividade das retaguardas. Às populações se exige maior esforço, mais perseverança, maior tenacidade, traduzidos no chamado esforço de guerra, o qual é representado por mais economia, mais trabalho o mais sacrifício.
De tal modo, assegurar as possibilidades de resistência e de vida das populações civis nas retaguardas e hoje considerado como elemento basilar da defesa.
Foi este conceito que levou a Comissão da Defesa Civil da O. T. A. N., na sua terceira reunião, em Paris, à qual estive presente com a delegação do nosso país, a enunciar a seguinte declaração de princípios:
Como resultado do desenvolvimento das armas0-de destruição maciça e dos meios para a sua utilização, nenhuma nação pode confiar exclusivamente nas suas forças militares para a sua segurança nacional.
A segurança total de uma nação necessita de medidas tanto militares como não militares. No campo das medidas não militares, cada nação, a fim de satisfazer à sobrevivência nacional e às necessidades humanitárias do seu povo, no caso de ser atacada, deve organizar e manter forcas de defesa civil apropriadas, às suas necessidades.
Por tal motivo, é acordado entre todas as nações da Organização do Tratado do Atlântico Norte que a defesa civil é uma parte essencial, integral e permanente dos planos, de preparação conjunta dos países da Organização do Tratado do Atlântico Norte e, bem assim, da defesa de cada país.
Concluímos, assim, por verificar, através desta declaração de princípios, quanto a defesa civil constitui hoje uma pedra fundamental no quadro da defesa nacional. Por outro lado, é certo e seguro que o inimigo tentará perturbar este ritmo da defesa, provocando alterações da ordem interna, explorando os desânimos e sacrifícios ou fazendo intervir elementos militares de choque por acção de surpresa.
Como vemos, pois, se a conduta da guerra exige a coordenação da política, das forcas armadas e da economia, a defesa nacional exige a conduta das operações, quer no campo militar, quer no campo civil, quer na ordem interna.
Podemos, pois, concluir que a concepção actual da organização da Nação para a guerra leva a considerá-la no seu tríplice aspecto:
A defesa militar, confiada às forças armadas de terra, mar e ar e constituindo como que a espada com que se esgrimirá contra o adversário;
A defesa civil, confiada a uma organização própria, destinada a assegurar a vida e o trabalho nacional, e constituindo como que a couraça protectora do corpo da Nação;
Finalmente, a defesa interna., assegurada por elementos das forças militares ou militarizadas e destinada a manter a ordem e a paz públicas, como que constituindo a defesa do espírito nacional.
Aparece-nos, pois, em tal conceito de organização, a necessidade duma defesa civil capaz de assegurar às populações a manutenção das suas condições de existência, quer relativamente à defesa das suas vidas e haveres pessoais, quer relativamente aos locais e aos instrumentos de trabalho.
Procurasse assim assegurar, não só a vida humana do indivíduo, mas ainda a sua vida colectiva no agrupamento homem-trabalho que ele representa no agregado social.
Concepções caducas davam a exclusividade da defesa de uma nação totalmente, entregue à defesa militar. Aã ideias de hoje são bem diversas, pois se reconhece que um país, atacados os seus núcleos populacionais, destroçadas as suas comunicações, aniquilada a sua vida social, pode cair prostrado no caos político, na desorientação e no desgoverno, sendo levado à rendição sem que as suas forças armadas tenham sido atingidas ou esgotadas.
O facto pareço clarividente na percentagem de perdas civis e militares no total das vítimas da última guerra: Grécia. Holanda, Polónia, Checoslováquia, 95 por cento de civis; França, 64 por cento; Inglaterra, 16 por cento, e Alemanha, 11 por cento.
Isto mesmo levou o marechal visconde de Montgomery a pronunciar, em Outubro findo, um célebre dis-
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curso no Royal United Service Institution, no qual afirmou:
Se não se estabelecerem desde o tempo de paz as bases de uma poderosa organização da defesa civil, a Nação sofrerá um desastre no caso de guerra mundial.
As mesmas razões levaram o Presidente Eisenhower a afirmar ao Congresso do seu país, em Fevereiro de 1955:
O nosso programa de defesa civil é igualmente a chave da protecção do nosso país.
Estas ideias conduziram à organização rápida da defesa civil em todos os países e à modificação completa dos conceitos anteriores da organização da defesa.
Antigamente, o soldado era o militar em uniforme, e a este, quer fosse de carreira, quer miliciano, competiam as maiores responsabilidades na defesa da nação.
Hoje, soldados são todos os cidadãos dum país, em uniforme ou em traje civil, lidando com uma espingarda ou trabalhando com uma máquina, considerados todos como combatentes, apetrechado cada qual com a espécie de arma que sabe manejar.
O Ministro na sua Secretaria de Estado, o industrial no seu gabinete de trabalho, o ferroviário com a sua locomotiva, o operário com a sua ferramenta, o aldeão com a sua enxada, são todos elementos do esforço de guerra, e cada um há-de considerar-se mobilizado no seu serviço, cheio da mesma energia e da mesma fé, capaz da mesma devoção e do mesmo esforço, para que todos possam vencer as dificuldades colectivas e assegurar a sobrevivência da nação.
E não se diga que a ideia é totalmente nova para nós, Portugueses. Ter-se-á, porventura, apagado da nossa mente a história verdadeira dos cercos de Diu, de Ceuta, de Monção, de Almeida, de Elvas e de tantas outras terras de Portugal?
Voavam os baluartes, minguava-se de fome, febricitava-se de sede, morriam os pestíferos, falhavam os brutos, escasseavam as munições, mas as fortalezas não se rendiam, juntando-se a população aos homens de armas, no afã mais vivo da defesa do seu patriotismo e da sua fé.
Combatentes e não combatentes irmanavam-se nos mesmos sacrifícios, nas mesmas dificuldades e apuros, e uns e outros serviam na defesa das praças, uns com as armas, outros com o trabalho, todos no mesmo esforço operoso da defesa comum.
Foi assim que o espírito nacional conseguiu sobrelevar os oito séculos da nossa história.
Não se diga, pois, que os conceitos, por mais extensos, são mais novos para um povo como o nosso, em tudo experimentado.
3.ª CONCLUSÃO. - Assim como a conduta da guerra exige a coordenação da política, da força armada e da economia, do mesmo modo a conduta da defesa exige a coordenação das acções da defesa militar, da defesa civil e da defesa interna.
A defesa civil, pelo moderno conceito de nação em guerra, mostra-se tão importante na sua organização forno qualquer das outras duas. No conceito de defesa civil considera-se, não só a defesa das vidas, como ainda a dos bens e, locais de trabalho, condição indispensável no esforço colectivo da guerra.
Até aqui pode ter-se considerado a defesa civil como uma organização civil exclusivamente dedicada às tarefas de tempo de guerra.
A verdade, porém, é que as suas tarefas vão muito mais além.
Civil por essência, ela é caracterizada, fundamentalmente, pelo seu espírito humanitário e nacional.
Há quem a tenha já posto ao lado do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, como o afirma o general Dahl, director da defesa civil da Dinamarca, chamando-lhe a quarta força armada, mas o certo é que, para além da sua essência civil, ela é uma força armada sem armamento.
O mesmo autor define-a como uma actividade nacional e humanitária, de carácter não militar, e cujo objectivo é tomar disposições não militares para prevenir ou atenuar as consequências da guerra.
É, de resto, este o seu carácter. E a sua acção está, por tais motivos, compreendida no grupo de actividades humanitárias, gozando dos privilégios especiais concedidos pelo artigo 22.º da Convenção Internacional de Genebra sobre as leis e usos da guerra.
O Sr. Kitiloff, num livro que publicou em Moscovo, em 1952, sobre a defesa civil da União Soviética, dizia:
As consequências de um bombardeamento dependem, em grande parte, da maneira como a defesa civil está organizada. Se o público souber exactamente o que deve fazer em cada circunstância e os meios de que dispõe para se proteger em caso de ataque inimigo, as consequências de um bombardeamento em perda de vidas serão limitadas. E tivemos a prova disto durante a segunda guerra mundial.
É, pois, essencial que o público saiba, em caso de raid inimigo, como pode limitar os efeitos do ataque e o que convém fazer logo que as bombas explosivas e incendiárias rebentem.
Diz ainda o autor que, desde 1935, a defesa civil soviética tem aumentado sem cessar; por esta altura os exercícios de defesa civil englobavam dois milhões e meio de pessoas.
Em 1947 um exercício de defesa civil foi organizado com o concurso de vinte milhões de habitantes. Depois de 1947 outros milhões de russos foram treinados e julga-se que actualmente a Rússia dispõe nos seus serviços de defesa civil à volta de vinte e dois milhões de pessoas bem treinadas.
É, porém, interessante ressaltar que para nós, Ocidentais, a defesa civil é mais alguma coisa do que a concepção russa que acabámos de apontam. Ela é, sobretudo e essencialmente, uma organização nacional e humanitária, capaz de fazer face a todas as calamidades publicas, não criada exclusivamente para a guerra, mas também em serviço permanente para os acidentes de tempo de paz.
Já em Portugal os nossos jornais relataram a intervenção da organização portuguesa da D. C. T. em vários acidentes públicos, dos quais quero destacar os últimos temporais ocorridos no Algarve, em Albufeira.
Na verdade, sofrem os povos muitas vezes cataclismos ou tragédias colectivas em tempo de paz, para fazer face às quais urge mobilizar todos os meios de defesa da nação.
Para o salientar, recordo as pestes graves que sofremos no nosso país, e das quais destaco a de 1348, que atacou nove décimos da população, e a de 1569, que em Lisboa causou mais de seiscentas vítimas diárias.
Na lembrança de alguns estará ainda a peste bubónica de 1899. De outras graves tragédias colectivas lembraremos os enormes incêndios de Londres nos séculos XVI e XVII; os terramotos de Lisboa, dos quais o mais terrível foi o de 1755; as grandes inundações da Holanda sofridas em 1953; os ciclones devastadores, cujo último sofremos em 1941; os grandes desastres
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ferroviários, que vitimaram centenas de pessoas; as explosões de paióis, como o de Cádis, em 1947, e o da Ameixoeira, entre nós, etc.
Estas calamidades arrastam em geral a várias consequências simultâneas: perda de vidas, de haveres, luto, miséria e dores.
A defesa colectiva das populações constitui hoje um campo de organização social das nações. Quando a tragédia sobrevêm há que montar-lhe um verdadeiro ataque, devidamente planeado e dispondo dos moios necessários. Simplesmente, neste ataque o objectivo não é a conquista de posições militares, mas sim a defesa e salvamento de vidas e haveres, sustando ou diminuindo os efeitos da tragédia.
Esta é a missão da defesa civil, missão essencial contra todas as tragédias, quer do tempo de paz, quer do tempo de guerra.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Tenho estado a seguir com o maior interesse as considerações de V. Ex.a, mas parece-me que uma coisa é a instituição de que V. Ex.a está a falar - e que pode ser aproveitada tanto em emergência de guerra como em qualquer emergência fora da guerra- e outra coisa é aquilo que aparece na proposta como defesa civil, e que não coincide com a organização da defesa civil do território.
Esclareço o meu pensamento. Sabe V. Ex.a, melhor do que eu, que na proposta aparece a defesa militar e a defesa civil, que, directamente ou por delegação do Presidente do Conselho, estão na dependência do departamento da Defesa, e aparece um conjunto de coisas - assistência às populações, defesa dos bens, etc. - que constitui outro grupo, que já não fica na dependência do departamento da Defesa, mas na do departamento da Presidência.
Estou um pouco embaraçado ao falar da organização da defesa civil do território. Na proposta a fórmula «defesa civil» terá conteúdo correspondente ao que constitui ou deve constituir a competência dessa organização - defesa civil do território? Eu entendo que não.
Uma coisa é a defesa civil, a que se refere a proposta, e outra coisa é o âmbito da competência daquela organização. Abrangerá as acções de defesa civil e outras que, conforme a proposta, já não podem considerar-se tais.
Assim: os actos de evacuar a população, tratar dos feridos, cuidar dos fogos, fazer abrigos, etc., podem estar dentro da competência da organização da defesa civil do território, mas não são, nos termos da proposta, defesa civil.
Isto quer dizer que a definição do que é defesa civil não pode fazer-se através da enunciação da competência da organização da defesa civil do território.
Peço desculpa a V. Ex.a pela minha intervenção, que foi longa, mas julgo que se tornava indispensável fazê-la para haver ensejo de esclarecer a Assembleia.
O Orador: - Eu agradeço muito a intervenção de V. Ex.a Referir-me-ei ao assunto no decorrer da minha exposição, mas desde já posso esclarecer que, segundo aquilo que está estabelecido nos conceitos internacionais, defesa civil é uma determinada função, que compreende determinados aspectos.
Entre nós as acções até agora encaradas na defesa civil foram entregues a uma determinada organização, organização essa que se chama e defesa civil do território». Pelo menos, assim a chama o próprio Governo e essa definição tem sido mantida.
O Sr. Mário de Figueiredo: -E só essas? Quer dizer: só aquelas acções que, segundo a economia da proposta, devem integrar-se na defesa civil, que eu aceito sejam da competência da organização da defesa civil do território, só essas é que entram na sua competência, ou também outras que, conforme a proposta, não podem considerar-se de defesa civil?
O Orador: - Até agora só essas, mas eu terei ocasião de me referir ao assunto. Devo dizer que esta é a minha maneira pessoal de encarar o assunto. Procurarei fazer a destrinça entre aquelas que devem ser entregues à organização da defesa civil do território e as que devem, porventura, ser entregues aos serviços do Ministério da Presidência.
Existe uma organização capaz de desempenhar essa missão, e essa chama-se entre nós «defesa civil do território», a qual, implantada em todo o território nacional, assenta na preparação técnica da luta contra os efeitos das calamidades de tempo de paz ou de guerra, baseando-se para este fim no espirito viril e patriótico das populações e nos sentimentos humanitários de todos os indivíduos.
4.ª CONCLUSÃO. - A defesa civil há-de ser uma tarefa essencialmente civil, patriótica e humanitária, pronta a fazer face às tragédias, não ao do tempo de guerra, como às do tempo de paz.
Vimos essencialmente os fins da defesa civil. Vamos agora ver como há-de ser estruturada a sua organização para atingir esses fins.
A função da defeca civil foi entre nós entregue a unia organização denominada «defesa civil do território», criada pelo Decreto-Lei n.º 31 956, de 2 de Abril de 1942, e confiada a Legião Portuguesa, por a esta instituição ase reconhecerem os requisitos morais e patrióticos necessários para o desempenho de missão de tão fundamental importância na defesa nacional», como se diz no referido diploma.
Se o Governo teve ou não razão nos seus fundamentos e se a Legião Portuguesa tem ou não procurado satisfazer a estes elevados imperativos da defesa nacional, julgará o País.
Eu, por mim, recordarei apenas o esforço generoso dos voluntários que procuraram cumprir a sua missão nos anos de 1942 a 1945, em pleno período de guerra. E lembrarei também o trabalho insano dos recentes exercícios do Entroncamento, de Setúbal, de Santarém e de tantas outras terras do País, bem como as centenas de cursos de divulgação feitos por toda a parte, os milhares de palestras, conferências e sessões cinematográficas levadas a cabo com o fim de doutrinar e esclarecer o País, criando nele uma verdadeira consciência pronta a servir a Nação em caso de emergência.
Do modo como homens, mulheres, sacerdotes, funcionários, operários, gente de todas as classes e de todas as idades, têm acorrido a colaborar nesta empresa patriótica fica-nos a ideia de que a Legião Portuguesa tem procurado desempenhar-se desta missão o melhor que pode e sabe, mas com o mais denodado esforço de bem servir.
Recentemente, na imprensa estrangeira, o general médico belga Prof. Charles Sillewaerts, que nos visitou no ano findo, afirmava aos jornalistas de Bruxelas:
Os Portugueses, têm uma enorme vantagem sobre nós, a qual reside no facto de a sua defesa civil estar baseada na Legião Portuguesa, organismo de voluntários, disciplinados, bem organizados e espalhados por todo o país.
Para mais, numerosos corpos de bombeiros voluntários -outra característica portuguesa- po-
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dem servir de centro de preparação de salvamento e treino.
E enquanto nós chegamos presentemente ao fim de mais de um ano de esforço a agrupar pouco mais de dez mil voluntários, eles possuem já no início mais de catorze mil homens preparados.
Pelo contrário, nós somos muito mais ricos em material, e os nossos amigos portugueses não cessavam, quando aqui estiveram, de nos falar com inveja doe depósitos onde se encontra agrupado o material das nossas cinco colunas móveis.
Estas opiniões, de resto, têm sido as mesmas que pessoalmente tem exposto nas conferências internacionais o Wing Commander Sir John Hodsoll, conselheiro principal da O. T. A. N. para a defesa civil, e que esteve pessoalmente entre nós a visitar e conhecer a nossa organização da defesa civil do território e as suas actividades.
E, porque da lei estamos tratanto e de actividade estamos falando, queremos aqui discernir aquilo que internacionalmente se entende por campo de acção da defesa civil e, como tal, a ela deverá ficar afecto através dos nossos serviços da defesa civil do território, e, portanto, na dependência dos serviços do Ministro da Defesa Nacional. Poderemos assim, de tal modo, fazer a destrinça daqueles, não menos importantes e concorrentes para a defesa nacional, que ficarão na dependência dos serviços do Ministro da Presidência.
Os aspectos fundamentais da defesa civil do território podem agrupar-se em três sectores, estreitamente ligados entre si, exigindo unidade de comando e direcção, e que são os seguintes:
1.º Protecção de vidas;
2.º Manutenção da vida colectiva;
3.º Redução e combate a danos provocados.
1.º Quanto à protecção de vidas, importa para este fim:
a) Organizar um sistema de alerta destinado a prevenir o público contra os desastres e ataques de guerra;
b) Organizar um serviço de vigilância e informação que divulgue o conhecimento das zonas perigosas e, bem assim, as normas e preceitos a observar para evitar ou atenuar os males (ocultação de luzes, luta contra incêndios, etc.);
e) Estudar e promover a organização de abrigos públicos e familiares que permitam a segurança de vidas;
d) Estudar e organizar os serviços de evacuação de pessoas dos locais ou regiões perigosas, dirigindo-as para instalações apropriadas noutros locais e tendo em consideração as suas exigências de idade e de saúde;
e) Estudar e orientar a dispersão ou afastamento momentâneo, dos locais perigosos, das pessoas que, por motivo de vida ou de trabalho, não possam ou não devam ser evacuadas.
2.º Quanto à manutenção da vida colectiva, importa para este fim:
a) Organizar a defesa civil industrial, de modo a assegurar à massa operária da Nação as suas possibilidades de continuidade de trabalho e segurança de vidas;
b) Organizar a defesa civil portuária, permitindo ao pessoal dos estaleiros, das docas e dos navios surtos nos portos possibilidades, não só da continuidade do trabalho e da segurança de vidas, como ainda a defesa da riqueza armazenada, vinda do ultramar e do estrangeiro e indispensável à vida, alimentação, economia e defesa da Nação;
c) Organizar a defesa civil dos serviços colectivos de interesse público, tais, como telefones, água, gás, electricidade, transportes urbanos, etc., cujo funcionamento e defesa suo indispensáveis para a existência colectiva da Nação.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Isso está certo com a minha ideia de defesa civil. Dizer, em lugar de «organizar«, «promover», está bem.
O Sr. Águedo de Oliveira: - A lei estabelece duas categorias completamente diversas - a mobilização civil, por um lado, e depois a protecção civil, com duas funções militares completamente diferentes -, e portanto tudo isso tem de entrar numa concepção de guerra total.
O Orador: - Noutros países os serviços de evacuação estão subordinados às autoridades respectivas.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Dizer-se que é preciso fazer a evacuação deste ponto para aquele é defesa civil; proceder mesmo aos trabalhos de evacuação e preparar as coisas para que os evacuados possam encontrar aquilo de que precisam já não é defesa civil, isto segundo a interpretação que eu faço do conceito de defesa civil, tal como está contido na proposta.
O Orador: - Noutros países os serviços de evacuação estão completamente entregues à defesa civil. Para nós, que temos tanto que fazer, tornam-se necessários os devidos ajustamentos entre os vários serviços. O estudo e a organização primária devem pertencer à defesa civil, mas admito que a preparação das instalações destinadas aos evacuados pertença a outro órgão.
O Sr. Mário de Figueiredo: - A defesa civil pertence dizer se determinados indivíduos têm de ficar ou se devem ir para aqui ou além, mas tratar propriamente dos problemas relativos ao próprio facto da evacuação, isso já não é defesa civil.
Não digo que a solução da proposta de lei seja boa ou seja má, mas que aquela é a solução da proposta.
O Orador: - Não tenho relutância em admitir que os serviços de recepção aos evacuados sejam da competência de qualquer entidade, mas o estudo e organização desses serviços, a utilização dos meios de transporte, etc., devem pertencer à defesa civil.
Quanto à comparação dos locais de trabalho, o indivíduo que está a trabalhar numa fábrica é alertado e deve-se assegurar-lhe abrigo numa trincheira ...
O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas o próprio facto de os operários se dispersarem por aqui e por ali é já uma consequência que está -parece-me- para além da defesa civil ...
O Orador: - Evidentemente, isso é já uniu questão relacionada com a mobilização industrial. O conjunto é limitado e não deveremos, por isso, estendê-lo a todos ...
O Sr. Mário de Figueiredo: - Isso é precisamente o que tenho estado a procurar fazer. Todo o meu esforço é nesse sentido.
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O Orador: - Todos nós, Sr. Deputado Mário de Figueiredo, temos a sensação dos limites a que V. Ex.a tem estado a querer referir-se, mas as pessoas que estão metidas nos trabalhos é que podem talvez ter a ideia exacta de quais eles são.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Não discordo do que V. Ex.a está a dizer. O que tento é precisar que importa determinar desde já, com a nitidez possível, o conteúdo da proposta de lei, determinar o que é, na economia da proposta, defesa civil e o que é diferente do que na proposta se chama defesa civil e se uma coisa e outra devem estar ou não integradas na mesma organização. Do que se trata é apenas de definir conceitos que aparecem mal definidos na proposta, para se saber o que é que está sob a autoridade de um certo departamento do Estado e aquilo que deve estar sob a autoridade de outro departamento do Estado. E só isso o que pretendo.
O Orador: - Isso é trabalho que será depois devidamente tratado na regulamentação da lei, pois esses aspectos não poderão deixar de ser definidos convenientemente.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Estou absolutamente de acordo com V. Ex.a, mas, como vou votar uma proposta, creio ser natural que procure conhecer, tanto quanto possível, qual é o seu conteúdo, para assim saber o que vou votar.
O Orador: - Devo notar, aliás, que apenas tenho estado a exprimir a minha opinião pessoal.
O Sr. Mário de Figueiredo: -Devo dizer a V. Ex.a que não tenho estado a criticar a posição que tomou. Estou a procurar fazer um esforço no sentido de ver se conseguimos definir, com a precisão possível, o que é defesa civil e aquilo que, embora chamando-se até aqui defesa civil, não é o que está como tal na proposta, ou o que deve ter-se como contido, no âmbito da defesa civil, conforme a economia da proposta.
De resto, não estou a diminuir a intervenção de V. Ex.a
O Orador: - Muito obrigado.
3.º Quanto à redução e combate a danos provocados, importa para este fim ...
O Sr. Mário de Figueiredo: - Esse terceiro aspecto não entra na defesa civil.
O Orador: - É basilarmente defesa civil. Se rebenta uma bomba e faz vítimas, quem apaga as bombas e trata os feridos é um estado-maior operacional, que toma conhecimento e recebe informações dos acontecimentos que se dão, estado-maior esse que dispõe de meios subtraídos à acção desses bombardeamentos e colocados na periferia da cidade, donde podem ser lançados os comandos. Os meios são constituídos por bombeiros voluntários e municipais e organizações próprias de voluntários da defesa civil especializados em salvamentos e em remoção de escombros.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Quem apaga os incêndios são os bombeiros, os chefes de zona, etc. Aí estamos de acordo quanto à interpretação da proposta.
O Orador: - A defesa civil recebe a colaboração de todos os organismos que possam contribuir para salvar as vidas.
Como ia dizendo, quanto à redução e combate a danos provocados, importa para este fim:
a) Colaborar na acção eficiente de descentralização e evacuação dos serviços públicos, de modo a permitir ao Governo que possa continuar a accionar esses serviços em caso de tragédia colectiva. Bombeiros, hospitais, comunicações, segurança e abastecimentos são elementos vitais, que deverão ser accionados com intensidade máxima em tais circunstâncias. Além de tudo, para evitar o caos político, o Governo deve poder continuar a governar e para isso ter os meios necessários, eficientes, disciplinados e organizados, Note-se que a organização e planeamento da descentralização administrativa compete aos serviço» afectos ao Ministro da Presidência, e neste campo a defesa civil do território limitar-se-á à colaboração dos seus meios;
b) Actuar pronta e colectivamente com as forças operacionais da D. C. T., que devem estar organizadas desde o tempo de paz em:
1) Organizações locais, suficientemente desenvolvidas, instruídas e apetrechadas na grandes cidades;
2) Forças de socorro, organizadas em colunas imóveis colocadas fora dos grandes aglomerados populacionais e prontas a afluir do exterior para o local do sinistro;
c) Doutrinar previamente toda a população civil do País:
1) No conhecimento geral das regras de primeiros socorros, noções de salvamento, etc., de modo que cada um não só saiba as normas elementares de se proteger e se defender em caso de tragédia colectiva - autoprotecção-, como ainda possa valer ao seu companheiro de trabalho, ao seu vizinho ou à sua família - ajuda mútua.
2) Finalmente, cooperar na organização do apoio colectivo das populações não sinistradas, que poderão ajudar aqueles que sofreram os danos - dando-lhes alojamentos, agasalhos, tratamento, amparo moral e material -, o que constitui o chamado apoio fixo.
Este é o quadro imenso das tarefas da defesa civil do território, que em vários pontos, estudados e esboçados no departamento da Defesa Nacional, deverão depois transitar na execução para outros departamentos governamentais.
O espírito de colaboração em que todos os órgãos deverão trabalhar para este fim deverá facilitar a regulamentação de pormenor, fixando a linha de contacto dos departamentos respectivos.
No presente diploma em discussão vemos que ao Ministro da Presidência se reservam, em especial, os problemas da mobilização civil afectos à guerra psicológica, à guerra económica, u guerra científica e à continuidade funcional da administração pública.
Além disso, a defesa dos bens patrimoniais da Nação, a protecção dos bens culturais e obras de arte e a assistência às populações em tudo o que se refere a subsistências ficam-lhe ainda reservadas.
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Por último, ao mesmo Ministro fica a competir a coordenação de todos os Ministérios civis no esforço de guerra e particularmente no que se refere à reunião dos recursos necessários para a sustentação da defesa.
Tarefa grandiosa é esta, na qual cumpre destacar o planeamento e organização da mobilização económica, da mobilização administrativa e da mobilização industrial.
Estes três aspectos da mobilização são fundamentais para a defesa da Nação, mas há que vir a organizá-los e a prepará-los desde o tempo de paz, porque improvisações nestes campos são fatais para as nações que descuram a sua importância.
Quanto propriamente à defesa civil do território, direi que nem os homens nem os governos ainda se aperceberam bem da sua excepcional importância e da, sua gigantesca tarefa.
Deus permita que não hajam nunca de a conhecer na sua necessidade profunda.
Mas, se amanhã uma tragédia nos atingir, não se clame contra as insuficiências, se esquecermos que as organizações se não montam e que os homens se não adestram sem tempo, esforço e dinheiro.
A lei que temos na nossa presença para apreciação esboça as linhas gerais da defesa civil, enquadrando-a no sistema defensivo da Nação. Para mim é apenas ainda uma tentativa, e muito apreciável, para assegurar a organização da Nação para o tempo de guerra.
Compreendo as dificuldades que a lei agora esboça, e são muitas, mas não deixarei de afirmar que ela representa apenas um passo em frente num caminho que temos de percorrer e que é de importância vital para a Nação.
As nossas tarefas têm de ser levadas de acordo com as nossas possibilidades e contando com as nossas dificuldades.
Infelizmente, a organização da defesa civil do território tem contado com as habituais dificuldades de toda a ordem que existem num país de escassos recursos, como o nosso - dificuldades orçamentais, de técnicos, de quadros, etc.
Tem, porém, encontrado na sua pobreza motivo para maior glória de servir, e esse espírito existe nos seus milhares de componentes em todo o País.
Oxalá este primeiro passo seja o rasgar de um caminho promissor - para bem das vidas e haveres que amanhã poderemos salvar.
Nós bem poderemos dizer, como Sir Maxwell Fyfe, Ministro do Interior da Inglaterra:
Nada poderia induzir em maior erro do que dar a impressão de que os problemas de planeamento e equipamento da defesa civil se encontram próximos de uma solução.
Nós atingimos ainda apenas uma fracção muito pequena do que temos para fazer.
Encontramo-nos, de facto, muito longe de atingir a situação da Dinamarca, na qual 11 por cento das despesas consagradas no rearmamento das forças militares cabem à defesa civil.
Em 1951 o esforço orçamental de cada país em relação à sua defesa civil era já o seguinte:
Por
habitante-ano
Bélgica ........................... 32$00
Suécia ............................ 32$00
Holanda ........................... 35$00
Inglaterra ........................ 40$OO
Estados Unidos .................... 48$00
Noruega ........................... 48$OO
Dinamarca ......................... 55$00
Em Portugal o esforço orçamental neste campo, ainda nulo em 1951, atingiu 1$ por habitante em 1954 e l$50 em 1955.
A diferença é esmagadora, para que não tiremos dela a lição dos factos.
Entre os 11 por cento dos despesas da defesa nacional atingidos na Dinamarca e os 0,6 por cento em Portugal vai uma diferença que assinala a tarefa grandiosa de um esforço que teremos de patrocinar e de fazer.
E não esqueça o País, neste a-propósito, as palavras magistrais de Eisenhower na sua mensagem ao Congresso, nas quais, ao falar da defesa civil, dizia:
O valor desta organização em tempo de guerra é evidente, mas a rapidez dos auxílios que prestou no ano findo aos territórios atingidos por calamidades públicas provou bem a sua importância e valor em tempo de paz.
5.ª CONCLUSÃO. - A estruturação da defesa civil do território em Portugal tem de fazer-se com amplo apodo do Governo, dando-lhe possibilidades que lhe permitam enfrentar as graves e extensas tarefas que são o seu encargo. Só assim se poderá tirar dela o rendimento precioso de vidas e de bens que ela pode assegurar, tanto em tempo de guerra como em tempo de paz.
6.ª CONCLTJSÃO. - Postas as considerações anteriores, posso afirmar:
1.º Que o projecto da proposta de lei apresentado pelo Governo mantém a linha de rumo tradicional da nossa política interna, assegura a continuidade dos nossos compromissos internacionais e defende os princípios de segurança colectiva aos quais nos associámos.
2.º Que se mostra informado dos modernos conceitos de organização da Nação para a guerra criando o Conselho Superior de Defesa Nacional, como órgão restrito governamental destinado a facilitar a execução e a conduta da guerra, e assegurando a unidade de comando ao dar ao Presidente da República a chefia suprema das forças armadas e ao Presidente do Conselho os poderes necessários para a direcção estratégica da guerra.
3.º Que se estrutura numa organização da defesa nacional que permite, como convém, a conduta das operações nos campos da defesa militar, da defesa civil e da segurança interna, assegurando a preparação das forças armadas através do Conselho Superior Militar.
4.º Que assegura, através do Ministro da Presidência, as preocupações que importam acerca da guerra nos seus aspectos psicológico, económico e científico, de continuidade administrativa, de defesa e protecção dos bens culturais, de assistência às populações e, finalmente, no campo importantíssimo da mobilização civil.
5.º Que dá à defesa civil do território um impulso apreciável nas perspectiva» da sua organização eficiente em todo o País, colocando-a, como deve, no plano das preocupações basilares para a defesa nacional.
Este documento, na generalidade, apresenta-se, pois, como se diz no douto parecer da Câmara Corporativa, com uma oportunidade evidente e a sua promulgação como lei é de manifesta urgência.
Mas quero também aqui exarar a minha calorosa aprovação ao perfeito sentido da apreciação da mesma
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Câmara Corporativa quando diz que, genérica como é a proposta de lei, fraco merecimento terá a matéria nela contida se lhe não for dado o desejável seguimento, isto é, se não forem estudadas e estabelecidas aquelas referidas disposições regulamentares que os órgãos respectivos, agora gostos em face de novas preocupações e responsabilidades, deverão ordenar e pôr em execução. O exame do parecer da Câmara Corporativa mostra-nos quão profundo s dedicado foi o seu estudo, e torna-se esse trabalho digno de elevado apreço, não só pelo conhecimento provado dos assuntos em causa, como ainda pela revisão feita à proposta de alteração, que, mantendo a estrutura do diploma, corrige, porém, nalguns pontos, conceitos que, em especial em relação aos problemas da defesa civil do território, se apresentavam por vezes pouco claros.
O documento em questão é, pois, oportuno, vantajoso e necessário, mostrando-se imbuído dos mais modernos conceitos de organização. Ele constitui, por si, uma peça sólida da estrutura da defesa nacional, havendo que dar-lhe a continuidade de execução indispensável para a sua mais valia.
Saúdo-o, pois, como elemento construtivo da organização defensiva da Nação com a certeza de que representa um firme esteio da paz e da segurança da Pátria.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - O debate continuará na sessão de amanha, à hora regimental. Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 50 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abel Maria Castra de Lacerda.
Américo Cortês Pinto.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Júdice Bustorff da Silva.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
João Mendes da Costa Amaral.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Ricardo Malhou Durão.
Venâncio Augusto Deslandes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Ornelas do Rego.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
António Abrantes Tavares.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Russell de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Afonso Cid dos Santos.
João Alpoim Borges do Canto.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
Joaquim Mendes do Amaral.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Maria Vaz.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Pedro Joaquim da Cunha Meneies Pinto Cardoso.
Ricardo Vaz Monteiro.
Tito Castelo Branco Arantes.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
Proposta enviada para a Mesa no decorrer da sessão:
Proponho as seguintes alterações:
a) Base XIX, n.2: substituir «sob as ordens imediatas do Presidente do Conselho e do Ministro da Defesa Nacional» por «sob as ordens imediatas do Presidente do Conselho ou, sob a sua autoridade, do Ministro da Defesa Nacional»;
b) Que as disposições da Lei n.º 2051 que fórum mantidas em vigor pela base XXIII sejam transcritas, para o diploma aprovado, com as alterações necessárias para que fiquem coerentemente integradas no texto do diploma.
Sala das Sessões, 14 de Junho de 1956. - O Deputado, Amorim Ferreira.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA