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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 153

ANO DE 1956 20 DE JUNHO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VI LEGISLATURA

(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)

SESSÃO N.º 153, EM 19 DE JUNHO

Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mos Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
João Ameal

SUMÁRIO: - O 8r. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 151 e 153 do Diário das Sessões.
Leu-se o expediente.

O Sr. Presidente informou estarem na Mesa os elementos requeridos pelo Sr. Deputado José Sarmento ao Ministério da Economia numa anterior sessão.
Para cumprimento do § 3.º do artigo 100.º da Constituição, foram recebidos na Mesa os n.ºs 114, 118 e da do Diário do Governo, inserindo os Decretos-Leis n.ºs 40 635, 40 642 e 40 645.
O Sr. Deputado Pinto Barriga enviou um requerimento à Mesa.

Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei sobre organização geral da Nação para o tempo de guerra.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Águedo de Oliveira e Venâncio Deslandes.

O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 17 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 10 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.

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1152 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º l53

Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Ameal.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aniso.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes doa Reis.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Venâncio Augusto Deslandes.

O Sr. Presidente:-Estão presentes 64 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente:-Estão em reclamação os n.ºs l51 e 152 do Diário das Sessões.
Pausa.

O Sr. Presidente:-Visto nenhum Sr. Deputado desejar fazer qualquer reclamação, considero aprovados os referidos números do Diário das Sessões.

Deu-se conta do seguinte

Expediente Telegramas

Do Presidente da Assembleia Nacional da Turquia ao Sr. Presidente da Assembleia Nacional e aos Srs. Deputados acerca da atitude turca nos acontecimentos de Chipre.
Da empresa Oliva a manifestar apreço pela intervenção do Sr. Deputado Alberto Cruz em defesa dos interesses da indústria e dos consumidores.

O Sr. Presidente:-Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Economia em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 24 de Abril último pelo Sr. Deputado José Sarmento de Vasconcelos e Castro. Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, estão na Mesa os n.ºs 114, 118 e 119 do Diário do Governo, l.ª série, respectivamente de 5, 9 e 11 do corrente, que inserem os Decretos-Leis n.ºs 40 635, 40 642 e 40 645.

Tem a palavra para um requerimento o Sr. Deputado Pinto Barriga.

O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: vou mandar para a Mesa o seguinte

Requerimento

«Desejando discutir largamente a base XX da proposta de lei n.º 37, sobre corporações, nos precisos termos em que a redigiu a. Câmara Corporativa, e que determina que «da instituição das corporações nos termos previstos nesta lei não poderão derivar encargos superiores aos actualmente suportados pelo orçamento do Estado e pela economia nacional com a manutenção dos organismos de coordenação económica», tenho a honra de requerer, pelos Ministérios das Finanças, da Marinha, do Ultramar, da Economia e das Corporações, que me sejam facultadas, com urgência, as seguintes informações:

1) Se esses Ministérios projectaram regulamentar, na medida do possível, a uniformização da contabilidade dos organismos, quer de coordenação económica, quer corporativos, quer ainda de previdência social, assegurando-lhes, além de tudo o mais, uma autentica publicidade dos respectivos orçamentos e contas de gerência, de forma a a sua contabilidade se poder perfeitamente equiparar à que felizmente preside aos destinos financeiros do Estado português;
2) Súmula, mas discriminada, dos orçamentos e contas de gerência de cada um dos organismos acima referidos relativamente ao último quinquénio;
3) Nota pormenorizada das custas e mais despesas satisfeitas no Tribunal de Contas pela fiscalização, por essa jurisdição, das contas de gerência dos organismos de coordenação económica;
4) Súmula das disposições legais projectadas de ordem financeira e contabilistica que permita uma eficiente fiscalização de todos os organismos supra-referidos e que não se encontram ainda sujeitos à jurisdição do Tribunal de Contas».

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente:-Continua em discussão na generalidade a proposta de lei sobre organização geral da Nação para o tempo de guerra.
Tem a palavra o Sr. Deputado Águedo de Oliveira.

O Sr. Águedo de Oliveira: - Sr. Presidente: vou referir-me a alguns aspectos que considero essenciais.
A totalidade das perspectivas actuais de guerra avulta o valor universal do soldado português e a sua concepção tradicional de causa justa.
As conhecidas tácticas, expedientes e recursos de emergência financeira e as conversões e programas económicos a elaborar salientam a técnica da proposta.
Levaria muito longe tratar desenvolvidamente todos estes pontos.
Vou referir-me, pois, substancialmente aos aspectos humanistas e universais do Português perante a arte e a política militar. Será esta parte do meu trabalho a que compreensivamente conquistará algum agrado e onde a minha falta de competência poderá ser menos posta em cheque.

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Se houver conflito gravíssimo no Mundo, pela essência do seu carácter totalitário, pela extensão que o incêndio tomar na seara, mesmo desencadeado por uma pequena faúlha, Portugal não ficará a coberto, nem permanecerá em neutralidade de qualquer espécie.
Seremos arrastados para o conflito.
Porque estamos dentro da rede de compromissos políticos e militares da N. A. T. O.
Mais do que isso: porque somos portadores de uma alta ideologia ocidental, com um império vasto e repartido a conservar e defender, cumprindo-nos a defesa oceânica e a prevenção do maior mal por um mal menor.
Com a sua área imensa e disperso no Atlântico e no Índico o guarnecimento necessário, Portugal viu os perigos de Leste antecipadamente. Desde l932 que iniciámos um esforço de rearmar enorme, positivo, de elevado custo, pois tinha de aferir-se por algumas das nossas sabidas deficiências.
Esse esforço estava em tais alturas que me parece conveniente acentuá-lo. Porquê?
Porque recaiu sobre o Pais quando este procurava aproveitar os seus recursos materiais e investir em meios gerais e levar a potência económica ao mais alto nível.
Porque a dura lei da necessidade impunha a ampliação dos investimentos reprodutivos de preferência a despesas de puro consumo.
Porque, na tradição romanista, fôramos educados e disciplinados nas ideias de paz e arbitragem, ao contrário da força preventiva ou punitiva, e só em extremo seríamos levados a empunhar as armas, as espadas cediam perante a toga e esta só pedia àquelas que pugnassem pelos seus direitos.
Finalmente, porque o material blindado, automóvel, aéreo, etc., não se produzia entre nós, foi adquirido e pago grande parte dele em moeda forte e não originou reciprocidade de trocas que nos compensasse dalguma forma.
Ora sempre os nossos peregrinos escritores acrescentaram à nobreza das letras a nobreza das artes militares o fizeram do soldado português -no qual se compreende o navegador- o veterano legendário das justas causas e da universalidade e humanismo do seu inundo.
É curioso que em sociedade aristocrática, como na época das campanhas das índias Orientais e da restauração, se dissesse que a nobreza não estava na linha varonil mas nas obras esforçadas - quer dizer: nau estava nos pais mas nos filhos, que são as obras que só fazem e deixam aos vindouros, quando se executam grandes coisas.
Desde a l.ª dinastia que existe um regimento do guerra, que propende apenas para a guerra justa, pois que o direito de defesa é sagrado e de ordem natural, não podendo ser coarctado, e terá de manter-se pelo juízo das armas.
André de Resende e outros, no que chamaram lugares-comuns, mas hoje apelidamos de lugares selectos, empenharam-se em que os nossos se fortificassem no exemplo e brio dos clássicos da Grécia e Roma, para que a melhor política militar fosse a da isenção e nobreza do sacrifício completo.
O muito reverendo padre-mestre frei António Freire escreveu em 1630 sobre o primor e honra da vida soldadesca no Estado da índia.
Tinha larga experiência das plagas orientais.
Sabia e doutrinava que o soldado devia proceder com primor, e então se chamaria honrado, no sentido de que a honra, o respeito, o sofrimento das inclemências, os árduos e cruéis trabalhos da guerra são alicerces da glória quando procedem do acatamento do bem.
A constância não a encontrava só nos empreendimentos dos soldados de Portugal, mas era a própria imagem da Nação Portuguesa, correspondente à lealdade de governantes e governados. Os esforços a despender, tão sobre-humanos longe da Pátria, deviam ser temperados pela piedade e pela misericórdia, pois que os nossos soldados, como valores humanos e universais, deviam ser sofridos, ensinados, gratos, primorosos, no escalão da ética geral.
A obrigação do serviço pátrio preferia a tudo mais, correspondendo a ordem que se não discute na hierarquia.
Luís Mendes de Vasconcelos, na Arte Militar, escrita antes do 1612, diz que esta arte existe para utilidade da república e satisfação pátria e manda fazer a guerra com ordem, segundo a necessidade e conservação do Estado.
A arte militar garante a paz e por isso lhe parece mais necessária do que qualquer outra arte e até do que as leis, mais poderosa ainda do que a própria força, e tira o seu ordenamento da razão humana.
E ela - e não o dinheiro - o nervo da guerra; o seu exercício deve ser geral em toda a república.
O fim da guerra ú a paz; mas, devendo esta ser justa, compreende-se que o não possa ser simultaneamente para ambas as partes.
Rocha Freire, Medeiros Correia e outros falam da política militar como dever do perfeito soldado.
Temos de aceitar a guerra, vê-la, mover, mas quando empreendida com direito e justiça.
Entre a guerra justa e a paz torpe ou infamante não há que escolher -a escolha está feita.
O direito de defesa compreende a vida, a terra, a soberania, os companheiros, os amigos, a fazenda, porque assim este direito natural, em jogo nos conflitos justos, deve entender-se ampliativamente.
A nossa literatura militar está esmaltada e dourada de exemplos nobilitantes, capazes de formar soldados, escola natural de heróis, academia de factos militares que suplantam os padrões de Tácito e Xenofonte - vejam-se as relações dos cercos de Goa, Diu, Moçambique, as dos sucessos e perdas de naus, quo exalçam até ao sobre-humano o ínclito denodo, a bizarria, u fortaleza de Animo, a contenção no sacrifício que exornam o soldado português do Oriente, da África e da América, da Restauração, da Flandres.
Invictíssimos e valorosos soldados portugueses, como diz Angelo de Morais nas suas instruções militares de 1762.
Seria impertinência rememorar as vivíssimas páginas dos escritores do nosso tempo, desde as memórias de Azevedo Coutinho e dos relatórios de Mouzinho aos refulgentes escritos políticos que andam no geral conhecimento. Destacarei apenas um livro com monografia completa, perfeita, admirável, surpreendente, na totalidade dos aspectos focados, no contacto com a natureza, no valor universal dos conhecimentos: Gaza, que o capitão Gomes da Costa fez publicar em l899 e que o diz ter escrito rude e francamente, como soldado que era, sem preocupações literárias, cingido à verdade dos factos e observações, cumprindo duplo dever com o Pais e a consciência.
Pois excede e eleva-se muito mais alto que a intenção do seu autor.
E assim acabo por estes fugazes resumos da nossa brilhantíssima literatura militar, que servem para atestar o valor universal do soldado português, como cie sabe guerrear, mas com justa causa, como é portador duma ideologia suprema e supremamente idealista, como não contam para si, mas sim para o bem comum, os seus inarráveis sacrifícios, como se bate sem outro abrigo que não seja a sombra da bandeira, como a lealdade e o peito descoberto valem mais que todas as couraças e como a política militar e à arte militar devemos grande parte do que somos no Mundo, colectivamente.

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Trouxe aqui das páginas amarelecidas pelos séculos estas notas, que são cristal do mais puro quando bem entendidas e que nos fortificam ao considerarmos as nossas posições de hoje e a causa justa em que estamos empenhados.
São velharias e antigualhas?
Por certo que a beleza do serviço perfeito e completo suplanta as especulações dos escritores, a notícia dos cronistas, os relatórios da vida heróica.
Velha e respeitável é esta tribuna da representação nacional.
Vem da profundidade do ser colectivo da longínqua Idade Média, habituada às queixas como reivindicação legitima e a construir a lei - essa que é, apesar do tudo, o primeiro dos instrumentos de edificação e progresso nacional.
Vou dar um rápido apontamento do tema: guerra total.
As fórmulas- «nação armada», «nação em armas», «conflagração geral» e outras, embora com sentido inteligível nos códigos e leis fundamentais, vamos encontradas já excedidas nos factos históricos e na lógica das previsões a fazer.
Tem de coutar-se, pensar, gizar, organizar, dispor e estruturar, infelizmente, desgraçadamente, lamentosamente, com aquilo que, desde 1934, Ludendorff baptizou de «guerra total», na qual nem um só capitulo, aspecto ou secção da vida nacional deixa de ser objecto de uma política e de uma estratégia concertadas e solidamente unidas.
Recorreu-se primeiramente, na ordem histórica, à chamada «guerra de gabinetes, em que um exército profissional, de carreira, adestrado por verdadeiros mestres, dirigido de um ofício, se movia na defesa ou para o ataque sem reclamar das populações mais do que os abastecimentos, as riquezas, os custos e as indemnizações que, como despojos e preço, pagavam a liquidação da mesma guerra.
Os Franceses tiravam o chapéu emplumado e diziam aos Ingleses que disparassem o primeiro tiro.
O conde de Vila-Flor não respondia às basófias de D. João de Áustria e apenas registava a prudência dos príncipes quando este, antes de todos, deu às de vila-diogo.
A guerra, pela força dos tumultos, das divisões, por jeito da política e por alastrar naturalmente, também começou a chamar e a entender-se como «popular».
A Nação veio, como corpo imenso, tomar parte nela, chamou a si grandes tarefas, o Exército perdeu parte da honra e do monopólio dos combates e as destruições atingiram todos os cantos, até os mais recônditos. A luta passou a cevar-se nas forças vitais e até na energia psíquica dos países, porque começou a ser dirigida a desintegrar, a paralisar, a aniquilar sem piedade e sem remição.
Além dos meios materiais descomunais, violentíssimos, cruéis e incruentos, o adversário buscava dominar o antagonistanação pela degradação moral e pelo espanto.
Procurava reduzi-lo pela miséria, pelo medo, pelo abatimento; forçá-lo a capitular em todo o sentido.
Que mais diabólico poderia esperar-se da insânia e do ódio dos homens, do antagonismo dos povos ou da violência das raças?
Em 1936 Ludendorff explicava como e quando, por que forma e resultados se chegou à guerra total. É que não há teoria de guerra, nem doutrina bélica.
A guerra é tão-somente a realidade, a mais grave que historicamente se possa deparar na vida dum povo.
Por isso o povo tem de saber com brevidade o essencial, como deve saber o que diz respeito à sua vida e ao sen ocaso, embora o Sol pareça no meio-dia.
O grande mestre da arte bélica foi Von Clausewitz - Wom Krieg-, em que um povo põe outro, ou outros, à sua mercê, com uma arte que consagra o aniquilamento militar.
Na mesma esteira, Von Schliefen afirmava não haver vários modos de guerra, mas sim uma guerra em que os fins políticos e militares coincidem num único sentido.
Portanto, concepções de guerra justa ou injusta, de ética militar, de obrigações- patrióticas temperadas pela ideologia e deveres da cristandade para tal dinastia de escritores deixou de existir.
É preciso vencer e para vencer aniquilar!
Dal o bloqueio da fome e, mais do que isso, o bloqueio moral, alta tensão vital na violência e antagonismo, política completa e estratégia de mãos dadas para eliminar os povos rivais, tocando-os, atingindo-os, desmantelando-os, esfacelando-os na sua coesão e disciplina nacional.
Velho, alquebrado, doente, Freud, em 1918, estudou as desilusões e nevroses da guerra, as ligações à causalidade da vida e da morte, a sobreposição dos impulsos subconscientes, o desaparecimento dos impulsos recalcados - que sobem à tona de água as camadas de iodo sujo que pareciam adormecidas na obscuridade das velhas idades.
O velho realizou uma conferência em Budapeste, que era uma teorização cientifica, mas também uma queixa e um protesto, porque, surpreendido com as brutalidades no comportamento individual, mais o chocava e afligiam as massas humanas como que pervertidas, o desrespeito pelos direitos secularmente estabelecidos; mais que a humilhação dos soberbos, surpreendiam as violências deslustrosas e horripilantes - a morte da civilização.
Facto curioso, que parecia aviso do céu: Freud acreditava que uma cultura sincera, uma ética verdadeira, a preparação do homem para a eternidade conteria, disciplinaria, amorteceria essa subida escachoante dos piores instintos de homens que combatiam, atirando fora todas as máscaras.
Porque apresenta interesse e importância decisiva a concepção crudelíssima da guerra total?
Primeiro, pelo descomunal dos meios empenhados e dos campos sofrendo da sua incidência.
Segundo, porque diplomacia, política, propaganda, indústria, cultura, técnica, meios, instrumentos, tudo fica voltado e aprestado para o mesmo e único fim.
Depois, pela sua exactíssima noção hodierna.
Sobretudo pela importância e extensão da chamada «frente das represálias».
Hoje todos os Estados, com suas barragens, grandes obras públicas, centros fabris, se mostram imensamente atingíveis e susceptíveis dos maiores danos.
Os Estados Unidos, a Alemanha, a Inglaterra e a França apresentam uma relativa fraqueza perante o totalitarismo das guerras actuais, com o seu imponente número de cidades com 400 000 habitantes.
Não é o caso da Rússia, que apenas possui uma meia dúzia, espalhadas pelo seu colossal território e acobertadas por distâncias formidáveis.
Estas são as melancólicas perspectivas da guerra total, às quais devo acrescentar duas observações mais, apenas: a de que as técnicas novas alcançam tudo e que as armas novas e nucleares não respeitam coisa nenhuma.
Como vão esbatidos, na curva da história universal, o chapéu emplumado e as cortesias do conde de Vila-Flor e do marquês das Minas!
Ficaria incompleta esta resenha se me não referisse, ainda que ligeiramente, aos motivos económicos determinantes das guerras actuais, as escolas que a sua apreciação suscita e às grandes divergências dos escritores a este respeito.
Os materialistas históricos querem fazer acreditar que as instituições consideradas por eles capitalistas, em certos períodos de desenvolvimento, geram as guerras.

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Vão mesmo mais longe: se não existisse capitalismo não haveria guerra. E é curioso que esta teoria não consiga explicar porque a houve na Coreia e na Indochina, de dentro para foro, e porque a fizeram eles na Polónia, e na Prússia, e até em Berlim.
Além disso, dizem, com base no subconsumo geral e no ciclo, que as classes numerosas não consomem porque não podem comprar, e esta situação geral acarreta e culmina numa luta sem tréguas e sem restrições pela conquista dos mercados, a fim de obter extra a elevação do nível necessário e desejado dentro.
Assim os imperialistas querem anexações - na Lorena, na Bélgica, na Ucrânia ...
Não se esqueça que os Russos nesta matéria e mostraram leaders e mestres em anexações e devorarão de tudo à sua volta.
Leo Robbins discute, rebate, destrui a tese leninista. Embora haja lucradores de guerra, financeiros que contam com ela para os seus cálculos e operações, também - não faltam -são mesmo maioria- os que querem trabalhar, negociar e empreender uma paz sem complicações e que pensam que os negócios se expandem quando as causas de fricção ou as preparações belicosas não existem.
É também certo, como nota Sombart, que as grandes expedições podem formar opinião, criar riqueza, assegurar mercados; mas digo eu: entre o capitalismo, com seus lucradores, o socialismo total e o capitalismo do Estado, à moda russa, levam estes a palma e mais que ou trem acrescentam o seu saco sem conta nem medida.
A guerra engrandeceu generais como César, Wellington, Wallenstein, Marlhorough, Schomherg, Bonaparte, Bismarck?
Junot, Soult e Massena saquearam precavidamente e já cientificamente?
Banqueiros ousados e financistas prepararam-se para adiantar dinheiro e jogaram na vitória de um contra os outros?
Krupp e Schneider ganharam antes e depois-lucraram a dois carrinhos?
São factos conhecidos, como as perdas dos vencidos, que jamais, se recompõem, os custos dos vencedores, que nem sempre serão pagos, e que obrigam a estar atento ao desenvolvimento económico da guerra, à sua cristalização em lucros, o que obriga a fiscalizar, a lutar e sobretributar antes, e depois, e sempre.
Se o subconsumo tosse motor, a Rússia teria deixado há muito os seus quartéis de Inverno.
Se, por aparências, as guerras parecem obedecer por inteiro às determinantes económicas, elas se mostram, antes do mais, guerras políticas, mesmo quando procedem de motivações económicas e se destinam a obter resultados dessa ordem.
A estratégia tem dado as mãos à religião, à potência nacional, aos antagonismos de estrutura, sem com isso esquecer os seus interesse e nem deixar a economia de reivindicar também a partilha do leão.
Desde que há muitos anos Riesser estudou a preparação e condução financeiras da guerra a teoria progrediu o bastante e a prática encarregou-se de esclarecer quaisquer dúvidas que ainda houvesse.
O dinheiro é o nervo da guerra e é preciso buscá-lo pela melhor forma em escala insuspeitável. Recorre-se ao empréstimo a longo e a curto prazo. Servem os bilhetes do Tesouro, por muito que custe. Recorre-se a meios circulatórios internos, pondo em jogo as possibilidades das caixas e banca comercial.
Do mesmo passo tem de lutar-se contra a inflação e os lucradores de guerra, o desenvolvimento do «mercado negro», a escassez de produtos, o açambarcamento, e tributar fortemente ainda. O imposto esta sempre antes do empréstimo para a liquidação actual, mas está depois se as gerações futuras deverem suportar os custos.
Dentro de orientações já marcadas são de preconizar as tácticas e políticas que obedeçam à ideia de justiça, luta contra o parasitismo e estabilização.
Este aspecto requeria divagações enormes, mas a proposta não o considera nem tinha de considerá-lo, conhecido como é.
A economia da guerra moderna e total súbita entre nós graves problemas e perplexidades.
Vamos realizar a autarquia possível? Essa autarquia compreende os limites peninsulares? Fica-nos assegurado o tráfego marítimo? A nossa defesa unir-se-á estreitamente aos territórios de além-mar? Há abismo entre a potencialidade económica e a militar? Podemos e devemos prever tudo ou deixamos à ordem natural e à recomposição económica a satisfação de deficiências e faltas? Começamos por mobilizar os cimentes, as matas, os metais?
Como vamos suprir a falta de carburante e a escassez de matérias-primas?
Que medidas temos de tomar para aprovisionamento e stockagens prévias?
Enfim, são tais as tarefas que só a palavra «milagre» dirá da sua ordem de grandeza e qualificação.
A guerra será relâmpago-nuclear ou usura resistente s defensiva?
Deixem-me apenas dizer: se a guerra que vem é de aniquilamento e total, a economia terá de ser inteiramente planificada - com previsão, cautelas e detalhes levados até ao último pormenor.
Devem ter-se preparados o programa ou os planos de conversão que declarem as produções não atingidas, as produções a adoptar e a transformar e o desenvolvimento adicional requerido a certos compartimentos actuais.
Depois tem de haver previdência quanto a certas reservas e stockagens.
Por fim uma economia programática terá de funcionar o melhor possível dentro das precárias condições em que nos acharmos.
A lei, como veremos adiante, dispõe sobre indústrias vitais, militarização da grande camionagem e mobilização do Raminho de ferro.
O serviço de distribuição de víveres está montado segundo anterior experiência.
Hoje sobrevêm problemas novos que complicam as tarefas sobre-humanas já conhecidas - há que montar uma economia de sucedâneos; tem de contar-se com a nocividade de certos elementos políticos - as greves em 1914-1918 custaram mais que as perdas submarinas; defende-se a intensificação do comércio possível.
Entre a economia planificada integral, o intervencionismo bastante e o máximo de liberdade possível, a lei adopta um critério elástico e rudimentar, defensável também.
Em todo o caso, a necessidade de programação impõe-se para preparar antes de remediar e remediar ainda quando for tempo.
É a altura de examinar a técnica da proposta.
Chegou a altura de referir o quede essencial no campo dos princípios, das mecânicas administrativas processos se contém na presente proposta de lei relativamente à economia da pré-guerra e da guerra.
Vistos os meios, debatidos as condições e formas, esboçadas as tendências de reorganização, devo assim salientar os processos da técnica jurídica previstos pelo legislador para realizar os fins do diploma e estabelecer a disciplina necessária à preparação e condução das operações, bélicas.
Todos como eu, através da proposta e do louvável parecer da Câmara Corporativa, puderam, por alguns

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capítulos e bases, seguir, marcha do trabalho construtivo s disciplinador da proposta na realização dos seus fins expressivos e altos.
Assim, ela começa, neste campo económico-social, por, centralizar as hierarquias militares e paralelamente as hierarquias administrativas. O Ministro da Defesa comanda a mobilização das indústrias militares. O Ministro da Presidência coordena os demais aspectos civis da defesa. Declarada a guerra, dirige o Conselho Superior da Defesa Nacional - gabinete restrito.
Enunciam-se alguns princípios de acção política para efeitos afluais e distantes.
Estabelecem-se algumas regras cautelares de harmonia com a sabedoria das nações, que manda vestir na guerra mas armar-se na paz.
Organiza a proposta - mas limitadamente o faz - a conversão da economia de paz em economia bélica por um sistema de definições, declarações e de actos e requisição. Isto é, o essencial dos processos preconizados na lei para se chegar a uma economia adequada à defesa militar em tempo de guerra.
Vejamos, porém, tal assunto com maior dose de pormenores, começando pelas distinções essenciais.
A proposta de lei consagra três capítulos essenciais de ordem jurídica, que devemos realçar, untes de mais:
Menciona, em primeiro lugar, a preparação da defesa nacional pelo estabelecimento de regras de competência e definição dos meios propostos.
Refere-se, em segundo lugar, à mobilização dos homens e dos recursos, atingidos pela ordem imposta e prevista.
Disciplina, em último lugar, as operações de defesa e protecção geral, que a distância caracteriza, regulamenta e faz objecto primordial da previdência legal.
Estes três capítulos fundamentais mostram, à primeira vista, que a proposta considerou estes aspectos essencialíssimos e desdenhou duma planificação total, que arrastaria para muito mais longe e implicaria um esforço formidável em outros capítulos.
E compreende-se que assim seja: a base III diz que neste aspecto tão geral da economia de guerra tanto quanto possível -tanto quanto possível, repito- subsistirão em época de crise militar as normas que dominavam no tempo de paz.
Registe-se!
Para acudir a estes três grandes capítulos -preparar, mobilizar e proteger- o diploma sugere-nos, também uma técnica jurídica complexiva e de delicado funcionamento.
Quanto à preparação económica da guerra, a proposta de lei, na base II, responde que pertence ao Governo no tempo de paz tomar as providências indispensáveis - portanto, prover cautelosamente e antecipadamente sobre o que se julgue necessário.
E mais adiante explica-se como e de que maneira fazê-lo: mobilizar o sector civil; reunir e agrupar os recursos; proteger as populações, evitando os perigos da retaguarda (base VII).
Quanto à organização das empresas consideradas essenciais para o esforço de guerra, a proposta formula o princípio de rápida adaptação ao estado bélico e dispõe para que esta conversão se faça com o mínimo sobressalto, ou seja, com o mínimo de crise.
A base III, dispondo a este propósito, fá-lo por forma enunciativa, não saindo das latas e largas afirmações de princípio.
Bastante mau adiante estabelece-se que o Presidente do Conselho delega no Ministro da Presidência os seus poderes de excepção relativos à preparação e execução da mobilização económica e à sua função de superintender nu protecção civil quanto ao mesmo domínio (base IX).
Mas tal matéria é da competência dos Ministras civis, que ficarão orientados e coordenados pela acção do Ministério da Presidência.
Nesta ordem de ideias, em cada Ministério vai-se até ao ponto de investir ou carregar um director-geral de organizar os serviços e receber os informes e instruções vindos daquele Ministério (base X).
Postas estas normas prévias de competência e trabalho chegamos por fim ao que chamarei mobilização económica e que faz objecto da regulamentação prevista nas bases XXII e seguintes.
Há, na proposta, a mobilização industrial.
Há a mobilização da mão-de-obra.
Há a mobilização dos recursos necessários.
E há, por fim, a mobilização dos estabelecimentos fabris e do pessoal qualificadamente técnico e científico.
Para tal efeito prevêem-se duas técnicas legais: a das declarações e a da requisição.
Declara-se que ficarão mobilizados os homens e os recursos, com as isenções e dispensas reconhecidas como necessárias.
Admite-se ainda um sistema de requisições que abrange os móveis, os semoventes e as utilidades doa imóveis. Propõe-se mesmo uma requisição especial dos estabelecimentos industriais para o efeito de exclusiva laboração. E vai-se até à requisição dos transportes e dos direitos intelectuais.
Eis sumariados os princípios, as técnicas e os processos pelos quais a nova orgânica militar enfrenta os problemas económicos da guerra, futura.
O esquema da lei diz-nos desta sorte de mais e de menos: mobiliza sem limites, mas não discrimina; abrange como objecto e fim homens, bens, riqueza, meios, produções, privilégios comerciais, veículos, transportes de toda a espécie, mas não se compromete desde já com um sistema definido de finanças ou economia.
Estabelecendo competência ampla e medidas rasgadas, deixa ao futuro, à administração regulamentadora, as categorias, os detalhes, as modificações de estrutura, as transformações radicais - a propositura e execução de operações complexas e dificílimas, que no nosso tempo hão-de constar de planejamentos ou de programas.
Parece-me haver aqui uma deficiência - desde já as grandes empresas e estabelecimentos deviam saber o que um dia poderiam ser chamadas a fazer e, pelas trocas de vistas apropriadas, os Ministérios da Defesa e da Presidência com o que podem e devem legitimamente contar.
O que se giza no domínio económico social peca por alguma imprecisão, por não se dizer o que se vai lazer ou marcar-se a ordem e o domínio dos planos a elaborar, mas conserva, com autoridade bastante, faculdades ampliativas e acentua uma elasticidade que pode ser da maior vantagem, certo que a ordem dos acontecimentos, e as emergências graves desafiam constantemente todas as previsões que possam construir-se.
Estas observações levam-me a formular uma conclusão: a proposta é de aprovar sem alterações substanciais, mas impõe-se que seja completada com programas económicos e órgãos adequados, que assegurem as missões das indústrias e outras actividades para a sua conversão oportuna e para a fixação de tarefas numa emergência grave, que Deus mantenha o mais afastada possível.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador foi muito cumprimentado.

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O Sr. Venâncio Deslandes: - Sr. Presidente: Portugal, pátria grande de espírito, mas pigmeu potencial diante dos actuais colossos mundiais, apenas cioso defensor de direitos de posse que a presença de séculos de história não deixa desmentir, é o mais vivo exemplo de um paia pacífico, todo entregue ao labor da sua própria valorização, que por si só implica generoso dispêndio e cauteloso aproveitamento de todas as suas energias.
Não pode por isso desejar a guerra, que é contra a sua índole e natureza, contra os próprios preceitos que informam a vida da Nação.
Mas, por imposição do destino, quer seja como esteio de uma civilização perene de espiritualismo e humanidade que importa preservar e defender do barbarismo, quer por força de ambições incoerentes e incontroláveis de jovens países sedentos de expansão, quer ainda pelo alastrar de fogos postos em territórios limítrofes, que desígnios inconfessados procuram por todos os meios atiçar, pode ser atingido pelo terrível flagelo.
É assim necessário que a Nação considere essa eventualidade, meça um por um todos os perigos a que está sujeita, tome consciência da dureza dos golpes que pode vir a sofrer e, de ânimo forte e espírito viril, se estruture e prepare para lhe resistir. É este o problema que se põe.
A necessidade de preparar a Nação para a guerra não é uma descoberta do presente nem fórmula nova a mobilização de todos os recursos para superar em potencial o inimigo.
Existe toda uma biblioteca de ideias, estudos e ensinamentos colhidos na experiência sobre estes e outros princípios fundamentais, e se, para nós, representam de certo modo inovação é porque tivemos a sabedoria e a fortuna de nos mantermos à margem do último conflito mundial. Não irei por isso repetir o muito que está dito sobre o assunto.
Houve, porém, espantosa evolução, nos campos material e moral, das possibilidades de fazer a guerra.
A imposição da vontade ao inimigo, objectivo final da luta, obtinha-se no passado recente pela vitória militar, consequência do aniquilamento das forcas armadas adversas.
A guerra era, assim, a resultante de dois esforços conjugados: um, frontal, militar, feito de risco s heroísmo; outro, de retaguarda, feito de trabalho e produção è invulnerável à acção militar.
É certo que já no último conflito a luta na terceira dimensão alcançou atingir directamente n interior, sede do potencial, e desferir-lhe rudes golpes, que- lhe quebraram o ritmo. A acção desenvolvida foi, porém, demasiado lenta e de efeitos limitados, por virtude do pequeno poder de destruição dos meios então disponíveis, e, se contribuiu nitidamente paru a vitória final, foi essencialmente pelas possibilidades que criou de abreviar a derrota militar do inimigo.
No todo que é um país em guerra, o interior e a frente têm funções distintas, mas são igualmente essenciais à vitória; desde que ambos tenham idêntica vulnerabilidade aos ataques inimigos, a derrocada de um conduz inexoravelmente à derrocada do outro, irmanados no mesmo trágico destino. Pressente-se que estão criadas hoje as ferramentas susceptíveis de provocar o aniquilamento súbito e total das retaguardas, tornando assim impraticável alimentar a máquina militar, que se poderá ver na contingência de depor as armas sem ter sequer esgotado simples parcela das suas dotações iniciais.
É esta a verdadeira hipótese nova que a preparação da Nação para o tempo de guerra tem de resolver.
Julga-se que, não sendo de considerar no nosso caso fórmulas de guerra ofensiva, que, pela imponência dos meios a empenhar e pela larga escala em que se exercem, estão totalmente fora das nossas possibilidades de pequeno país, deveremos situar principalmente as nossas necessidades de prepararão para a guerra nu organização defensiva da Nação. Objectivo: sobreviver. A hipótese formulada baseia-se em dois dados concretos:

1.º O poder dos modernos engenhos de extermínio.
2.º O dissolvente de natureza ideológica.

Quanto aos modernos engenhos de extermínio:

Pode dizer-se que a humanidade, brincando com a guerra, está perfeitamente inconsciente ... Não admira que o militar, aquele que foz da arte da guerra uma complexa ciência de paradas e respostas, se tenha rapidamente aclimatado u capacidade de destruição das armas nucleares e as tenha pura e simplesmente introduzido nos seus seculares xadrezes tácticos de gabinete.
Não admira também que outros técnicos recém-chegados se conformem rapidamente com a ideia de que a utilização de determinadas precauções reduz os mortíferos efeitos a metade.
De qualquer sorte, a explosão de uma só bomba sobre um núcleo populacional será sempre uma catástrofe sem paralelo nas que a natureza provoca e a guerra com semelhantes engenhos - explosões concentradas de dezenas, centenas de projécteis - um espantoso apocalipse, cujas consequências físicas e morais na vida da colectividade se não podem avaliar.

Bombas «A», «H» ou talvez «C», não interessa; interessa, sim, considerar como poderá reagir um país empenhado em esgotante esforço de guerra, perdendo braços e cérebros por centenas de milhares em cada golpe, privado sucessivamente dos mais essenciais órgãos de direcção, de produção, de comunicações, para continuar a luta sem quartel até à vitória final. Qual será o limite da sua resistência? Mesmo emparceirando com os vencedores, qual será a sua capacidade de recuperação?
Passemos, entretanto, ao dissolvente ideológico: Entre os homens sempre houve os valentes e os cobardes; mediam-se por este diapasão aqueles que a lei punha sob a bandeira que deviam defender, e os raros que, por venalidade, serviam o inimigo eram escória desprezível e desprezada, que o pelotão de execução liquidava rapidamente.
A entrada em jogo do fautor ideológico, realidade a ter em conta, qualquer que seja a sua origem, veio, porém, introduzir uma nova modalidade de guerra, cujos efeitos serão de extrema importância: a eventualidade da desordem interna organizada, espécie de envolvimento subterrâneo, que sozinho ou em concordância com o envolvimento vertical, é susceptível de fazer ruir os mais sólidos alicerces das nações.
Se há que continuar a tratar estes «neopatriotas» ou a «velhos sem pátria» como traidores que são à Nação, há também que considerar a sua existência, o seu número, a sua mística, isto é, a sua força, e reconhecer quanto de grave tem a ameaça que representam, confundidos com a massa, introduzidos na própria máquina de produção, mesclados nas fileiras dos exércitos, fortemente apoiados do exterior e quase invulneráveis, pela dificuldade de os distinguir.
Estas as duas novas e extremamente eficientes modalidades de acção. Para que, apesar delas, se obtenha a sobrevivência, a Nação tem de criar uma armadura defensiva que, a par da mobilização integral dos recursos, lhe assegure suficiente capacidade de resistência.
Saúdo na nova lei em discussão a série de disposições que se prevêem com este objectivo e, tanto quanto

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(...) a modéstia dos meus recursos o permitirem, procurarei situá-las, para nosso esclarecimento.
Cassando em claro tudo o que se refere a mobilização militar e civil, dando-lhe apenas como definição o conjunto de acções destinadas a transformar todos os recursos nacionais em potencial de guerra (note-se «de guerra» e não apenas «militar»), podemos classificar em três, categorias aquilo que diz propriamente respeito a garantir a capacidade de sobrevivência da retaguarda:

Acções activas destinadas a contrariar a ofensiva vinda do exterior;
Acções passivas para prevenir e reduzir os seus efeitos;
Acções destinadas a impedir as actividades do inimigo interno.

As primeiras pertencem ao campo da preparação militar para a guerra e as soluções técnicas a adoptar são da competência das forças armadas.
As segundas são unia mescla de acções de dispersão, de prevenção e de recuperação, que envolvem toda a mecânica de uni país, sem exclusão dos órgãos militares, e por isso têm de ser impulsionadas por todos os sectores governativos e administrativos. Porque, na verdade, se se trata de organizar a vida de todo o interior, de forma a torná-lo mais apto a resistir aos efeitos devastadores dos ataques inimigos, parecia-me mais lógico que se lhe desse um nome único - por exemplo, o já consagrado termo «defesa civil»-, em vez de se lhe chamar preparação civil, assistência às populações, salvaguarda dos bens patrimoniais e, por fim, defesa civil, o que se presta a confusões de toda a espécie, incluindo conflitos de competência.
Um organismo especializado tomaria a seu cargo a parte técnica da defesa, que só um conhecimento pormenorizado dos efeitos e o estudo profundo das medidas a tomar e dispositivos a erguer permite resolver com eficiência.
Adaptando aos conceitos da lei em discussão esta ideia de simplificação de expressões, que por mais ou menos vagas não permitem delimitar campos de acção, diríamos que a aplicação genérica dos princípios da resistência pacífica aos efeitos dos ataques inimigos, sob o título geral de defesa civil, seria da responsabilidade d e todos, coordenada pelo Ministro da Presidência e impulsionada através de toda a organização do listado, e que a aplicação especializada daqueles princípios seria da responsabilidade de um organismo técnico, que por exemplo, se poderia denominar «corpo de defesa civil», sob a autoridade do Ministro da Defesa.
Concretamente, o corpo de defesa civil seria um organismo de quadros técnicos, com aptidão para enquadrar e instruir voluntários e criar serviços especializados, ao qual seria dada uma tríplice função:

a) De conselheiro de todos os órgãos, e serviços, públicos e privados sobre a técnica da defesa civil a aplicar em cada caso;
b) De coordenador de serviços públicos que fosse necessário accionar em conjunto no decorrer das suas operações de tempo de guerra;
c) De executor das acções que implicassem medidas de conjunto e organização particular.

Que me seja relevado ter metido a foice em seara aldeia...

O Sr. Pereira da Conceição: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Pereira da Conceição: - Dentro dessa ideia gostaria que V. Ex.ª me dissesse onde colocaria a organização presente da defesa civil do território.

O Orador: - Para mim há duas coisas: uma é a defesa civil, outra é a organização especializada em executar essa acção.

O Sr. Pereira da Conceição: - V. Ex.ª sugeriu, se bem entendi, a criação de um corpo de defesa civil Surgiu-me, porém, uma dúvida: a ideia do corpo de protecção civil está acima da defesa civil do território ou está ao mesmo nível?

O Orador: - É questão de termos. Eu não digo sequer que esse corpo não existe presentemente. O que é preciso é evitar a confusão entre as expressões que actualmente são usadas.

O Sr. Pereira da Conceição: - Portanto, V. Ex. admite que a organização que presentemente te chama «defesa civil do território» amanhã se possa chama «corpo de defesa civil».

O Orador: - Sim, não posso admitir que o mesmo termo sirva para duas coisas distintas: para o conjunto de acções destinadas a preservar o ataque do inimigo e para outros meios especializados, com o fim de executarem determinadas acções preventivas e de socorro.

O Sr. Pereira da Conceição: - Quer dizer, V. Ex.ª parte do princípio de que a denominação «defesa civil» é mais lata do que a expressão actualmente adoptada.

O Orador: - Sem dúvida. No documento que estamos a discutir estão incluídas todas as expressões que há pouco referi. Defesa civil é tudo o que concorre para a defesa do território.

O Sr. Pereira da Conceição: - A expressão de V. Ex.ª não e igual à da N. A. T. O.

o Orador: - É. possível.

O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me [...]

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Estou perfeitamente dentro da ordem de ideias que V. Ex.ª expôs. V. Ex.ª pretenderia que se desse à fórmula «defesa civil» uma acepção mais lata do que aquela que suponho é dada [...] proposta, porque para V. Ex.ª defesa civil é tanto que pertence a um corpo especializado que depende do departamento da Defesa...

O Orador: - Não é tudo o que pertence ao corpo, mas as acções que não são propriamente de carácter militar.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Exactamente. Todas acções que esse corpo especializado possa considerar para indicar os processos técnicos de acudir a este ou àquele problema.

O Orador: - E as técnicas que só ele possa fazer.

O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª considera também no âmbito da defesa civil outras acções que pi tenderiam então ao resto da Nação ou dos representais dos Ministérios aos quais possa interessar a protecção.

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(...) e a defesa da retaguarda, e que seriam coordenadas pelo Ministro da Presidência e pertenceriam a cada um dos departamentos civis do Estudo.

O Orador: - Sim, e dos quais esse corpo técnico seria o conselheiro.

O Sr. Mário de Figueiredo : - Entendo perfeitamente a ideia de V. Ex.ª. Portanto, a única divergência que há entre a posição de V. Ex.ª e a da proposta de lei explica-se, porque V. Ex.ª entende que há um critério quis pode não conduzir a uma linha nítida de separação entre aquelas várias acções.

O Orador: - Definindo concretamente as funções desse corpo.

O Sr. Mário de Figueiredo : - Reconhecendo, portanto, que uma deve estar estreitamente ligada ao departamento da Defesa e outra ligada ao conjunto dos departamentos civis coordenados pelo Ministro da Presidência.
Essa não é realmente, parece, a noção que resulta da proposta, porque esta, segundo creio, só considera defesa civil o conjunto técnico que deve estar ligado ao departamento da Defesa. Entendo bem?

O Orador: - Sim, senhor.

O Sr. Pereira da Conceição: - De resto, é a noção restrita de defesa civil adoptada pela N. A. T. O.

O Orador: - Isto foi-me sugerido por determinados termos que aqui são usados. É o caso da assistência às populações, que tem de ser a cargo da defesa civil, embora haja outras acções de assistência, que competem a outros organismos técnicos.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Estou esclarecido.

O Sr. Pereira da Conceição: - O que é necessário é um espírito de colaboração entre os diversos órgãos. E não me parece que com esta proposta isso se consiga, dado que nelas se trata apenas de generalidades, e será depois por regulamentos que o assunto se resolverá.

O Orador: - Claro está que assim é.
As medidas destinadas a impedir as actividades do inimigo interno, isto é, medidas de polícia, de contra-espionagem e de contraguerrilha situam-se no campo da segurança interna.
Estas acções podem envolver verdadeiras operações militares, mas têm também muito das atribuições que em tempo de paz se incluem nu âmbito dos Ministérios no Interior e da Presidência. Parece-me, por isso, necessário que a dependência do comando que se cria na Lei em discussão seja definida, bem como as suas relações com o poder militar constituído em tempo de guerra para o interior do território.
Sem quaisquer pretensões que não sejam contribuir tara meu próprio esclarecimento, creio que todas as acções defensivas em tempo de guerra, que só incluem ao quadro de que vimos tratando, têm campos de contacto, e portanto de possível atrito, e seria assim conveniente que estivessem concentrados sob uma única autoridade, que parece só poder ser a militar. Julgo, por isso, que, estando prevista a constituição de comandos militares do território, é a estes que competirá a execução da defesa em todos os campos, na defesa militar, na defesa civil e nu segurança interna.
Para que no campo desta última se reduzam, ao mínimo as perturbações que a «resistência» procurará provocar não bastam que se estudem dispositivos e distribuam forças. Parece, com efeito, indispensável que haja uma preparação prévia, insistente e contínua, que torne tanto quanto possível a massa populacional impermeável aos conhecidos cantos de sereia, por uma sólida doutrinação nacionalista, por uma formação cristã inquebrantável, por uma integração consciente no sistema político-social.
Penso que o processo mais realista de alcançar este último objectivo se deverá basear nas suas virtudes práticas, melhorando por todos os meios, particularmente os mais directos, o nível de vida da população menos favorecida e eliminando definitivamente a necessidade de esmola àqueles que ainda hoje não têm onde dormir nem que comer.
Sr. Presidente: estar-se apto a enfrentar as imposições duma guerra total e a fazê-la é gravíssima tarefa, que todas as nações hoje procuram enfrentar. Para a realizar é essencial definirem-se os caminhos a seguir, as linhas mestras que hão-de informar as soluções a adoptar e as grandes directrizes orientadoras do esforço a desenvolver.
A premente lei em discussão tem esse objectivo e esta Assembleia ao apreciá-la terá de se pronunciar sobre se na verdade, ele é ou não inteiramente alcançado.
Procuremos, por isso, sintetizar em poucos e claros, princípios a doutrina que encerra:

1.º princípio - Mobilização integral. Pessoas, bens, actividades, recursos, territórios, tudo será posto ao serviço da Nação na grave emergência da guerra.
2.º princípio - Preparação a tempo. A preparação não é um acto consequente do estado de .guerra. A mobilização integral, feita nas condições de oportunidade e de segurança indispensáveis, tem de estar completamente planificada e preparada desde a paz.
3.º princípio - Unidade de direcção. Para que haja coordenação de esforços na preparação e na guerra, é necessário definir uma política e indicar o responsável pela sua execução.
4.º princípio - Descentralização na execução. Abrangendo a preparação e a guerra todos os campos de acção e todos os territórios, é necessário que a direcção se situe no mais alto escalão político, mas que, sob a sua autoridade, cada sector de actividade organize e desempenhe a função que lhe compete na acção integrada, pela qual responde perante o chefe.
5.º princípio - Continuidade. A Pátria é eterna, quaisquer que sejam as mutilações que o inimigo lhe inflija. Se ainda houver uma nesga de terra portuguesa, um pedaço de bandeira ou um homem apenas - que se reconstitua em sua volta.

Srs. Deputados: pertence à discussão na especialidade a verificação do detalhe da lei, da sua justeza e acerto. Se bem interpretei, nos poucos princípios enunciados, o pensamento geral que contém, ela deve merecer o vosso inteiro acordo.
Creio que aprová-la na generalidade honra a Assembleia Nacional.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.

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Amanhã haverá sessão, tendo como ordem do dia a continuarão do debate da proposta de lei relativa à organização geral da Nação para o tempo de guerra.
Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 40 minutos.

Sr. Deputado que entrou durante a sessão:

Carlos Mantero Belard.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Russel de Sousa.
António doa Santos Carreto.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
João Afonso Cid dos Santos.
João Alpoim Borges do Canto.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José dos Santos Bessa.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Mana da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Ricardo Vaz Monteiro.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL de LISBOA

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