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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 160

ANO DE 1956 30 DE JUNHO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VI LEGISLATURA

(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)

SESSÃO N.º 160, EM 29 DE JUNHO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mos Srs.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Alberto Pacheco Jorge

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.º 156,157 e 158 do Diário das Sessões.

O Sr. Deputado Azeredo Pereira requereu varias informações sobre licenças de caça, autos, multas e receitas delas derivadas.
O Sr. Deputado Mendes Correia falou sobre o Congresso de Etnografia e Folclore de Braga.
O Sr. Deputado Amaral Neto ocupou-se das pontes da Arrábida e Marechal Caminha.
O Sr. Deputado António Rodrigues referiu-te ás questões vili-vinícolas.
O Sr. Deputado Pinho Brandão tratou das pontes da Arrábida e sobre o Tejo, em Lisboa.

Ordem do dia. -Prosseguiu o debate sobre a proposta de lei relativa ao Plano de Formação Social e Corporativa.
Falou o Sr. Deputado Águedo de Oliveira.
O Sr. Presidente declarou encerrada a discussão na generalidade.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 10 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Finto dos Beis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Atarantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
Artur Aguedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Eduardo Pereira Viana.
Francisco Cardoso de Melo Machado.

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Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Ameal.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Gosta Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.

O Sr. Presidente:-Estão presentes 71 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e l5 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente:-Estão em reclamação os n.º 156, 157 e 158 do Diário das Sessões.

Pausa.

O Sr. Presidente:-Visto nenhum Sr. Deputado desejar fazer qualquer reclamação, considero-os aprovados.
Enviado pela Presidência do Conselho, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa o Diário do Governo n.º 132, l.ª série, de 27 do corrente, que insere os Decretos--Leis n.º 40 659, 40 660,
40 661.

Pausa.
O Sr. Presidente:-Tem a palavra para um requerimento o Sr. Deputado Azeredo Pereira.

O Sr. Azeredo Pereira: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte

Requerimento

«Ao abrigo do artigo 96.º da Constituição, requeiro que pelos departamentos competentes do Estado me sejam fornecidas, com relação ao continente, as seguintes informações referentes aos anos de 1954 e 1955:

l) Número de licenças de caça concedidas;
2) Número do licenças do uso e porte de arma de caça;
3) Número de licenças de furão e de criadores de furão para venda:
4) Número de licenças de cães de caça;
5) Número de autos levantados por transgressão da Lei da Caça;
6) Importância das multas pagas;
7)Montante global das receitas arrecadadas pelas comissões venatórias regionais e pelas comissões venatórias concelhias;
8) Montante das receitas camarárias provenientes do exercício da caça;
9) Indicação de outras receitas, cora os respectivos montantes, cobradas pelo Estado e pelos municípios pelo exercício da caça, nomeadamente contribuição industrial sobro caçadores que praticam o exercício da caça como indústria, negociantes de caça para revenda e comércio de armas e material de caça;
10) Montante realizado das despesas de expediente e instalação das comissões regionais concelhias ;
11) Importâncias despendidas com fiscalização, repovoamento a aclimatação cinegética:
a) Pelas comissões venatórias regionais, com indicação das verbas gastas em cada concelho da respectiva área;
b) Pelas comissões venatórias concelhias.
12) Importância dos saldos de gerência -50 por cento - das comissões venatórias concelhias que reverteram em favor das Misericórdias ou de outras instituições de beneficência».

O Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente: na sessão de ontem o nosso colega Dr. Alberto Cruz referiu-se, a propósito das impressões que teriam deixado a terra e a gente bracarenses e o Minho em geral nos membros do recente Congresso de Etnografia e Folclore, realizado em Braga, as tradições regionais de hospitalidade e à necessidade de se apoiar o desenvolvimento do turismo naquela província.
Não precisa o nosso colega da minha solidariedade nas aspirações que formulou, e que naturalmente perfilho sem restrições, mas pedi a palavra para, ainda com um mandato que me permite traduzir o sentir de todos os congressistas, sublinhar a hospitalidade e a cortesia que todos encontrámos em Braga e na boa gente do Minho, aproveitando este ensejo para, mais uma vez, salientar o significado nacional e político da assembleia realizada e a importância - nos mesmos aspectos, além do cientifico- de muitas matérias nela versadas e de muitos dos votos finais ali adoptados.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Não trago, evidentemente, a esta Câmara um relato pormenorizado do que foi o Congresso e do que ele representa na vida cultural e social do Pais.
Mas acentuarei que a sua magnitude decorre do tema dos seus relatórios e das suas duzentas comunicações. Esse tema é o povo português, a sua psicologia, as suas tradições, a sua arte, os seus anseios, as suas tendências e as suas capacidades.
Tema que é hoje versado cientificamente, com métodos e técnicas adequados, de maneira sistemática, imparcial e objectiva, e não ao modo antigo, por coleccionadores

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a esmo, por simples amadores sem preparação, por devaneadores e fantasistas, com maior ou menor brilho literário, maior ou menor sentimento e entusiasmo, mas numa ausência total, ou quase, de espirito cientifico. Há ainda quem suponha que etnografia e folclore são puras colectâneas amenas de temas pitorescos da vida popular.
Ora, o último Congresso definiu posições nítidas e úteis quanto à natureza dos objectos dessas disciplinas e quanto à maneira de os tratar e utilizar. Pôs em evidência o interesse de certas investigações. Salientou as ligações entre o âmbito das ditas disciplinas e a história, a filosofia, a religião, a arte, a sociologia, a política, a economia, etc. Pôs sobretudo em relevo o valor nacional daqueles estudos.
E a todos foi grato verificar que, a par das contribuições mais singelas sobre um ou outro facto local ou regional, surgiram naquela assembleia teses de conjunto ou de carácter genérico e doutrinário, como as de metafísica, do folclore e da ética dos provérbios populares, tratados pelos reverendos Drs. Bacelar e Oliveira e Craveiro da Silva, da Faculdade Pontifícia de Filosofia, de Braga.
Não faltaram outros elementos universitários e académicos, participantes do Brasil, Espanha e México, os temas mais variados. Mas desejo aqui congratular-me, sobretudo, com o apoio e interesse manifestados ao Congresso, não só por corpos administrativos, como as Camarás Municipais de Braga -a autora da iniciativa e sua grande realizadora-, Viana do Castelo, Santo Tirso e Porto, e algumas juntas de província, mas também por organizações como o Secretariado Nacional da Informação e Cultura Popular, a Mocidade Portuguesa, a Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, etc.
O Governo da Nação, o Governo de Salazar, dispensou ao Congresso o apoio mais expressivo, sendo notáveis os discursos proferidos no mesmo pelos ilustres Ministro das Corporações e Subsecretário de Estado da Educação Nacional.
Verificou-se, assim, este facto altamente consolador: é que de sectores os mais variados da vida nacional, de todos os planos hierárquicos, dos domínios directamente ligados ao assunto como de outros, do Governo ao próprio povo - como o de Braga e como o que participou nos festivais folclóricos então realizados-, houve geral concordância no reconhecimento do vasto e profundo significado da bela iniciativa da Câmara de Braga, e especialmente do seu extraordinário presidente.
Como ó oportuna e confortante tal verificação, precisamente quando nesta Assembleia se está discutindo o Plano de Formação Social e Corporativa, marcando-se o desejo de, abrindo os braços a todos os progressos reais e fecundos, conservar as melhores e mais sãs tradições nacionais!
O Congresso emitiu numerosos votos, como em matéria de ensino, investigação, propaganda, museus, protecção, etc., de assuntos etnográficos e folclóricos. Sublinharei apenas, neste instante, os que dizem respeito às actividades ultramarinas nesse domínio e à recusa ao fado do título, tão correntemente usado, de canção nacional por excelência.
O estudo da etnografia e folclore das populações ultramarinas mereceu ao Congresso uma atenção especial, salientando-se a necessidade dessa matéria nos centros de estudos sociais e políticos e nos novos institutos de investigação cientifica de Luanda e Lourenço Marques, entre as ciências humanas ou sociais.
Quanto ao fado, proclamou-se o inconveniente nacional e folclórico da sua difusão excessiva, quer pela sua proveniência, quer pelo pessimismo e desanimo que traduz, em contradição com as fontes e as manifestações mais autenticas e construtivas da inspiração popular. O fado lembra as guitarras plangentes de Alcácer, não um brado de vitória ou de fé.
Não pretendo negar a beleza de alguns fados, das toadas mais melancólicas, de versos profundamente tristes. Mas não se chame canção nacional por excelência a uma canção folclòricamente tão discutível e tão distinta, em tudo, das belas, joviais e empolgantes canções de que é felizmente tão rico. O autentico folclore nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Vi um dia, num festival folclórico, no Porto, centenas de visitantes estrangeiros, como um só homem, perante uma exibição de ranchos de Viana, erguerem-se a aplaudir e a gritar: «Viva Portugal»! Em vez do fado depressivo, como não hão-de ser estimulantes e gratas para nós, Portugueses, essas manifestações da nossa música popular que tom assim o dom de arrebatar os próprios estrangeiros?
Sem recusar a possibilidade de introdução e adopção de factos novos, ou seja do processo chamado de aculturação pelos etnógrafos e sociólogos, o Congresso pronunciou-se pela definição do facto etnográfico e folclórico como caracterizado por serem tradicionais e de origem espontânea e anónima na alma popular.
A aculturação só pode dar-se quando esta alma lhe é favorável, quando nesta encontra eco, aceitação, concordância psicológica. Nos nossos territórios ultramarinos é do maior interesse o estudo da aculturação das populações nativas sob a influência da cultura que tenho chamado luso-cristã.
Por estas singelas considerações creio ter dado uma ideia da importância nacional e cientifica do Congresso de Braga. Mas o que sobretudo desejei sublinhar, usando da palavra, foi a gratíssima impressão que congressistas nacionais e estrangeiros trouxeram do convívio, da hospitalidade, da afabilidade, da cortesia, do trato, da doçura, do irradiante poder de simpatia, da boa gente de Braga e do Minho, daquele admirável povo em que se conservam e florescem tantas virtudes tradicionais de suavidade de alma, de bondade, de apego ao lar, de dedicação pelo trabalho, de amor pelo seu berço e de fidelidade aos altos valores espirituais que garantem a perenidade da Pátria e da civilização.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Posso depor com firmeza que na multidão que em avalancha jovial festejava o S. João, na noite de 23, em Braga, não vi senão atitudes simpáticas e dignas. Quem dava involuntariamente um encontrão pedia desculpa.
Ausência de palavrões, de qualquer grosseria, de brutalidade. Bom povo, admirável povo, que a dissolução tendenciosa de outros meios ainda não inquinou nem perverteu.
Tenho a certeza de que a acção de organizações como as que citei manterá indemnes a sua alma e as suas tradições sãs contra a vaga cosmopolita ou exótica de materialismo pretensamente científico e humano que ameaça subverter o que há de melhor e mais luminoso no património moral da nossa civilização. Bom povo de Portugal, porque creio em ti e nos valores espirituais que te animam, creio na eternidade da Pátria.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: numa das nossas últimas sessões o Sr. Deputado Pinho Brandão exprimiu o seu receio -que é o de muita gente- de ver redu-

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zidas as demais actividades da Junta Autónoma de Estradas durante os anos em que os encargos das obras da ponte da Arrábida, no Porto, lhe venham a cortar o fôlego para tantíssima outra coisa, quer de construção nova, quer de consertos, cuja necessidade e urgência estuo geralmente à vista.
Deu-me o nosso Diário a agradável certeza de que o ilustre Deputado obteve largo aplauso para as suas palavras, e só me fica a pena de não ter estado presente para me associar logo aos cumprimentos que tão justamente lhe foram por elas apresentados.
Quer pela própria boca do orador, quer num aparte também aplaudido, foi insistido em que uma operação de crédito especial, a amortizar pelos rendimentos da utilização da ponte, seria a solução financeiramente indicada para empresa de tão considerável vulto, para não cercear de mais ou demasiado concentrar nesse único ponto a acção que de todo o País é requerida à Junta Autónoma de Estradas, para a qual todos os recursos das suas dotações próprias, apesar de grandes, ainda não se demonstram suficientes.
Foi, aliás, a tese que com sentido de generalidade procurei defender aqui quando ultimamente apreciámos a Conta Geral do Estado, e não é para me congratular pela concordância, nem sequer para lamentar que esta não tenha chegado até onde pudesse tornar-se operante, que me abalanço a importunar V. Ex.ª e a Assembleia com a monotonia de palavras sempre desluzidas e de conceitos girando sempre à volta de poucas e singelas preocupações.
Tão pouco seria para deixar de acompanhar o coro geral de contentamento por ver finalmente encetada - qualquer que seja o modo de a pagar- a tão necessária e há tanto tempo desejada obra dum acesso satisfatório por estrada à capital do Norte, a essa nobre cidade do Porto, que soube aplicar à luta económica as energias o as forças de animo que a tornaram invencível nas lutas de armas e lhe asseguram agora, no sentir de muitos, o titulo de verdadeira capital do Pais em matérias de trabalho e, sobretudo, na diligencia e nu variedade e novidade das iniciativas que tem sempre prontas a aplicarem-se-lhe.
Nada disto, Sr. Presidente.
Venho hoje aqui a deitar uma fala que nem é de informação nem de advertência, mas tão-somente de expressão da inquietante dúvida que o paralelo dos casos da ponte da Arrábida e da Ponto Marechal Carmona, em Vila França de Xira, inevitavelmente suscita e bem conviria ver esclarecida, de qualquer dos modos por que o pode ser.
A imprensa deu a noticia de já ter sido adjudicada a construção da ponte da Arrábida, pelo preço de 69 536 contos, e de ir a nova adjudicação, dentro de pouco mais de duas semanas, a empreitada das suas avenidas, que, sempre por conta da Junta Autónoma de Estradas, irão custar, em expropriações e trabalhos, mais cerca de 57 000 contos.
É de presumir, tudo o indica -e neste convencimento foi decerto feita a intervenção parlamentar a que liminarmente me referi-, é de presumir que a totalidade destes quase 130000 contos de encargos vá recair sobre os orçamentos de dois ou três anos da Junta Autónoma de Estradas, pois se houvesse financiamento especial previsto as respectivas operações haveriam de ter precedido as de arrematação das obras.
Daqui deduzirei que não há efectivamente a intenção de sujeitar o uso da nova ponte a cobrança de portagem, pois no estado actual das ideias a este respeito já não se aceitaria bem que esta viesse, não para aliviar as estradas do peso dum grande encargo imediato, mas apenas para lançar no mar das receitas do Estado mais umas amarguradas gotas, cujo refresco nunca o departamento rodo-
viário sentirá, e por isto constituiriam meramente novo imposto, nestas condições, de facto, anacrónico.
E a dedução leva-me a perguntar se, tentada a experiência da portagem em Vila Franca de Xira, quiçá no intuito de introduzir em Portugal um sistema cujas vantagens outros países bem apreciam, e tentada posso dizer que com êxito, pois, apesar de todas as rolutâncias, o rendimento sobe à razão de quase 10 por cento por ano, não terá o Governo decidido arrepiar caminho e preferido ficar-se pelos velhos usos, que toai o merecimento de deixar os capitais privados livres para outros investimentos, só não se sabe se todos mais úteis?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Mas, se assim é, não será o caso de pedir, por amor da coerência, que se suprima a portagem de Vila Franca de Xira?
O relatório do Decreto-Lei n.º 38 022, que instituiu esta portagem, alinha considerações que bem poderia recordar em acentuação das interrogações que ponho; mas bastar-me-á repetir os argumentos apresentados para o caso concreto da Ponte Marechal Carmona: «... custou cerca de 130 000 contos; a sua superestrutura metálica carece de cuidadosa conservação; terá de ser devidamente iluminada em toda a sua extensão, incluindo os viadutos terminais».
Não se aplicarão estas razões, meus senhores, à ponte da Arrábida? Quiçá apenas quanto à segunda -conservação da superestrutura metálica- elas não valerão agora; mas, se atentarmos em que a despesa desta conservação na Ponte Marechal Carmona está calculada em 384 contos anuais, ou 5 por cento apenas da receita que já se cobra da portagem, haveremos de sentir a irrelevancia do seu significado no total.
Repito, pois: não estaremos na verdade perante dois casos muito comparáveis?
Atrevo-me a futurar que as aparências já não prenunciam a instituição do regime de portagem na ponte da Arrábida, que prenunciam mesmo a sua não instituição.
E sendo assim, e sendo inaceitável o pensamento de que o Governo tenha tomado as suas disposições sem bem as medir em todas as consequências, vá lá mais uma pergunta: livre a ponte da Arrábida do ónus da portagem, que é que a ficará justificando na Ponte Marechal Carmona, em Vila Franca de Xira, onde, aliás
- repita-se sempre -, não satisfaz ao fim do decreto que a instituiu, visto que pelo seu modo de arrecadação, o rendimento de facto não faz face as despesas de manutenção, conservação e renovação da obra?
Convicto de que o Governo não olha com mais favor, não procura lisonjear mais as multidões concentradas na cidade e arredores do Porto do que o povo, não menos trabalhador e patriota e, ato ao momento, provadamente mais agradecido, do Ribatejo e do Alentejo, fico à espera de que em breve os factos nos dêem resposta cabal e satisfatória.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. António Rodrigues: -Sr. Presidente: não posso ter a veleidade de, numa simples intervenção antes da ordem do dia, expor a importância do vinho e seus derivados na nossa balança económica, nem tão-pouco alongar-me a referir o papel relevante que eles representam na economia de quase todos os portugueses. O problema é sobejamente conhecido e foi já largamente debatido nesta Camará, na presente legislatura, com o interesse que não podia deixar de nos merecer. Estou certo de que o Governo e, de modo especial, os

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Srs. Ministro da Economia e Subsecretário de Estado da Agricultara lhe têm dedicado a melhor atenção, sempre prontos a satisfazer os justos anseios da vinicultura.
Sr. Presidente: andam as brigadas de fiscalização do plantio da vinha a promover o arranque de videiras plantadas, em reduzido número, há muitos anos, em terrenos pobres, de encosta, que nada mais podem produzir, e de cujo vinho os donos necessitam para seu consumo e da sua casa agrícola. São videiras de fraca produtividade, às quais se não podem atribuir as crises de abundância que tantas vezes nos preocupam e que nos fornecem os mais excelentes vinhos.
Condená-las ao arranque parece-me violência que convém evitar. Os importantes diários Novidades e O Século deram ao assunto o merecido relevo e eu sinto que trairia a minha missão se não me fizesse eco dos clamores dos pobres proprietários atingidos por tal medida e não pedisse ao Governo as necessárias providências par lhe pôr termo quanto antes.
Leve-se a paz e tranquilidade àquela boa gente, que, em vez de ser punida, mais merecia ver premiado o seu esforço em transformar pedras em terra e terrenos incultos em vinhedos.
Sr. Presidente: para solução das crises de abundância a que fiz referência, medida mais importante se me afigura a de se promover a exportação dos nossos vinhos, mantendo-os, ou melhorando a sua posição, se possível for, nos mercados tradicionais e levando-os a novos mercados, muito embora à custa de sacrifícios, por uma propaganda inteligente, activa e persistente.
O nosso ilustre colega Prof. José Sarmento exprimiu nesta Assembleia, há poucos dias, o regozijo de todos aqueles que estão ligados no sector do vinho do Porto por se iniciar a sua propaganda nos Estados Unidos da América, conforme plano aprovado pelo Conselho de Ministros para o Comércio Externo.
Associo-me às suas oportunas considerações e faço votos para que orientação idêntica se possa seguir, quanto aos vinhos de mesa, naquele e em outros países em que estes vinhos tom sido apreciados mas em que continua, praticamente, vedada a sua entrada. Sem querer negar o real valor dos vinhos de pequenas zonas, como a de Pinhel e Meda, a região demarcada do Dão pode fornecer à exportação vinhos de superior qualidade, que não receiam confronto com os melhores estrangeiros.
Às adegas cooperativas regionais, quer melhorando as condições de fabrico, quer preparando e mantendo massas vinárias de tipo uniforme, como exigem os mercados interno e externo, está reservado papel importantíssimo para tal finalidade. Com vista à obtenção de vinhos de mesa cuja qualidade se imponha nos mercados externos, o conselho administrativo do Fundo de Fomento de Exportação propôs a criação de centros de preparação de vinhos de alta qualidade e que o primeiro destes centros ficasse instalado na região do Dão.
No seu plano de actividade e no de financiamento para 1953 foi proposta a verba de 1000 contos para a instalação desse centro. Esta iniciativa foi aprovada pelo Conselho de Ministros para o Comércio Externo em 4 de Março de 1953 e pelo Sr. Ministro da Economia por despacho de 10 de Novembro do mesmo ano.
Decorridos quase três anos, continua a aguardar execução medida de tão elevado mérito como esta.
Nos elementos que me foram entregues em sessão de 12 do corrente não figuram as actas das reuniões da comissão instaladora do centro no Dão, como havia requerido, há longos meses, de modo a habilitar-me a tomar conhecimento do estado actual do problema.
Espero, porém, que na próxima colheita o centro já possa iniciar a sua actividade.
É o voto ardente com que desejo terminar estas minhas despretensiosas considerações.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinho Brandão: -Sr. Presidente: pedi a palavra para dizer duas ligeiras notas à volta de dois factos trazidos ultimamente ao conhecimento público pela imprensa diária.
Li ontem, nos jornais de Lisboa, que o Governo autorizou o Comissariado do Desemprego a conceder um subsídio reembolsável de 60000 contos à Junta Autónoma de Estradas para o efeito de se acelerar a execução de algumas obras especiais a cargo da mesma Junta e ainda para que dessa execução não resulte atraso na efectivação dos programas de trabalhos relativos ao melhoramento e ampliação da rede rodoviária do Pais.
Este subsidio, segundo a informação da imprensa, terá do ser reembolsado pela Junta Autónoma de Estradas a partir de 1959, em três anuidades iguais e por força das suas dotações extraordinárias.
Apraz-me registar aqui esta notícia, porque, pelo menos por agora, os trabalhos relativos à execução do plano rodoviário, devidamente aprovado, não devem sofrer atrasos ou demoras. E, porque esta atitude do Governo está na base das considerações que produzi na sessão desta Câmara de 14 do corrente mês, quero deixar o facto assinalado no respectivo Diário das Sessões e prestar homenagem ao Governo, que, sempre atento ao interesse nacional, a tempo evitou que o facto da construção da ponte da Arrábida por força das verbas normais da Junta (verbas ordinárias ou extraordinárias) trouxesse agora, como consequência, o atraso na execução do plano rodoviário do País, aprovado já em 1945 por decreto-lei, e dos trabalhos de grande reparação das estradas constantes do mesmo plano.

O Sr. Amaral Neto: - Parece-me que o facto de dividir por seis anos, graças a esse subsídio, em vez de só por três, o custo da ponte não representa grande vantagem e não faz com que as estradas tenham esses buracos, a que V. Ex.ª há dias aludiu, tapados muito mais depressa.

O Orador:-Parece-me que, pelo menos por agora, as obras do plano rodoviário não sofrem prejuízo.

O Sr. Amaral Neto: - Sofrem um prejuízo de 20 000 contos.

O Orador:-Por agora, a ponte foi adjudicada por 69 000 contos e o montante do subsídio a conceder pelo Comissariado do Desemprego à Junta Autónoma de Estradas é de 60 000 contos. Portanto, há apenas um prejuízo de 9000 contos.
Faço votos, Sr. Presidente, por que a concessão de tão elevado subsídio a fazer pelo Comissariado do Desemprego à Junta Autónoma de Estradas não vá, por sua vez, afectar a execução de outros trabalhos não menos importantes. Refiro-me, Sr. Presidente, aos trabalhos relativos a melhoramentos rurais e urbanos, que, embora a cargo dos corpos administrativos, vinham e vêm sendo comparticipados através do Fundo de Desemprego; se a concessão do mencionado subsídio de 60 000 contos vier afectar a execução desses trabalhos, a resolução governamental salvaguarda, certamente, os interesses relativos à rede das estradas nacionais do País, mas fere fundo os interesses das populações rurais e a justa e necessária elevação do nível de vida dessas populações.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador:-Não quero, Sr. Presidente, deixar de fazer agora este leve apontamento à resolução governamental a que acabo de referir-me.
Agora a nota relativa ao outro facto.
Sr. Presidente: na sessão inaugural do V Congresso Internacional de Pontes e Estruturas, efectuada nesta cidade de Lisboa, em 25 do corrente mês, o ilustre titular da pasta das Obras Públicas, Sr. Engenheiro Arantes e Oliveira, em discurso que proferiu, afirmou esperar que; a comissão encarregada de estudar o atravessamento do Tejo em frente de Lisboa, por túnel ou ponte, pudesse dentro em breve dar por concluídos os estudos preliminares respectivos, de forma que, em faço dos números, o Governo ficasse habilitado a encarar a realização de tão importante empreendimento.
Vi, Sr. Presidente, na imprensa diária esta comunicação, feita ao Pais por entidade altamente responsável, e entendo que o facto merece ser posto em devido relevo nesta Assembleia Nacional, pelo que o mesmo traduz, por parte do Governo, de interesse na realização duma obra do mais vasto alcance para o País inteiro.
Na legislatura anterior, em sessão desta Câmara realizada, suponho, em 1952, ao referir que se aproximava a data de 27 de Abril de 1953, sobre a qual passavam os vinte e cinco anos da administração pública do Sr. Prof. Doutor António de Oliveira Salazar, e que a justiça e a gratidão devidas pelo povo português ao eminente estadista impunham que tal data viesse a ser condignamente comemorada com a intervenção desta Assembleia Nacional, representante legitima da Nação Portuguesa, e veio efectivamente a sê-lo com o brilho e grandeza que lhe imprimiu o mais alto representante da Nação - o Chefe do Estado-, nessa sessão, repito, eu disse que u comemoração da histórica data de 27 de Abril de 1928, que trouxe novo rumo à administração do País, fosse assinalada pela inauguração de obras de grande vulto e de indiscutível interesse nacional.
Lembrei então, Sr. Presidente, que se fizessem estudos relativos à construção da ponto sobre o Tejo a ligar a cidade de Lisboa à Outra Banda, de forma que a adjudicação dessa obra se viesse a fazer precisamente na data em que se completaram os vinte e cinco anos do Governo de Salazar.
Porque não sou técnico em obras de engenharia, estava então longe de supor, Sr. Presidente, que esses estudos, pela sua excepcional dificuldade, exigiam tão longo tempo.
Certo é, porém, que essa minha modesta intervenção parlamentar parece ter suscitado o alto interesse do então Ministro das Obras Públicas, Sr. Engenheiro José Frederico Ulrich, em encarar a resolução do problema das ligações rodoviárias entre Lisboa e Almada; e assim, passado algum tom pó, aquele Ministro nomeava uma comissão, da qual faziam parte os melhores técnicos portugueses da especialidade, encarregada de fazer os estudos preliminares das referidas ligações.
Creio bem, Sr. Presidente, que a obra não foi adjudicada na data que se lembrava porque era materialmente impossível que os respectivos estudos se fizessem em tão curto prazo.
Vejo agora, porém, que os estudos preliminares relativos ao extraordinário empreendimento estão a chegar ao seu fim e que. com base nesses estudos, o Governo vai encarar a resolução do problema da ligação das duas margens do Tejo em fronte de Lisboa, por túnel ou por ponte.
Pois, Sr. Presidente, o que, pelo motivo apontado, não pude ser feito em 27 de Abril de 195J3 certamente se pode fazer em 27 de Abril de 1958, ou seja na data em que se completam três décadas sobre o dia em que Salazar, deixando o sossego e a tranquilidade da sua cátedra de professor universitário, cátedra que, aliás,
elevara tão alto pelo brilho da sua inteligência, passou a viver exclusivamente para o País, e de tal forma que se revelou o maior estadista português dos últimos séculos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Sim, Sr. Presidente, o túnel ou ponte que ligue esta cidade de Lisboa à Outra Banda deve ter o nome do insigne e eminente estadista que tornou possível a realização dessa obra tão notável e a sua construção deve ser adjudicada em 27 de Abril de 1958. em homenagem a um dos mais ilustres portugueses de todos os tempos, àquele que conduziu a Nação ao seu ressurgimento económico e moral.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente:-Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente:-Continua em discussão na generalidade a proposta de lei sobre o Plano de Formação Social e Corporativa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Aguedo de Oliveira.

O Sr. Aguedo de Oliveira: - Sr. Presidente: pelo tom e inclinações que temi tomado, compreensivelmente, o debate, pareceu-me útil trazer à representação nacional alguns problemas, com suas naturais dificuldades, em dimensão supranacional, para que os responsáveis e executores ajustem a matéria à soberania das ideias em voga e dos acontecimentos actuais e evitem os seus escolhos futuros.
Pretendendo-se difundir o corporativismo, apostolizá-lo, derramá-lo em profundidade, torná-lo mais incisivo, há assim, no meu entender, três ou quatro grandes preocupações que deverão ser postas apenas como esclarecimento preciso à discussão, porque se acredita que a nossa capacidade de realização poderá e saberá suplantá-las, pela forma em que vem triunfando em outros capítulos.
O momento é histórico e de sérias responsabilidades e não me parece adequado um exuberante optimismo, que leve à convicção de vogarmos por uma maré de rosas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A Câmara Corporativa, especialista na matéria, levantou mais dúvidas e problemas do que tenho ouvido.
Por mim creio no corporativismo, particularmente na política corporativa, mas não ignoro as dificuldades de ordem teórica e prática que iremos encontrar no caminho da realização integral.
Vêm do mais imorredouro clarão da filosofia crista a fatalidade e disciplina do trabalho, a associação dos homens em personalidade moral, a necessidade e dever de colaborar, a limitação do sobrelucro e usura, a aplicação racional dos meios aos altos fins da personalidade.
Vêm da hierarquia e das agitações da Meia Idade as tarefas obscuras e ignoradas -as mais heróicas- em proveito do comum e a longa teoria das profissões que se viram honradas e arregimentadas sob uma bandeira.
Os povos continuam a ter de lutar pela áspera existência, e apenas o podem fazer com êxito e resultados só o realizarem na organização e colaboração, se, obedecendo ao Estado, não desconhecerem que o seu esforço se une ao dos outros homens.

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Ensina-nos a Universidade as mesmas fraquezas das teorias políticas estremes.
É preciso, portanto, tomar posição no dissentimento das ideias e, sobretudo, perante as ameaças de crise do Estado ou de desordem económica, que, vencidas uma vez, não foram aniquiladas de todo.
Não parece, pois, difícil que nacionalistas convictos juntem os seus protestos de fidelidade a uma ideia que possui magia teórica e que, pelo decurso da história, se desentranhou em utilidades indiscutíveis, embora não pudesse esconder nem deixar de ser vítima dalgumas fraquezas.
Participando a nova geração da efectividade do poder, ensinada por nós em certo credo, portadora de ideias que adoptámos e defendemos, era fatal que nos viesse perguntar porque estacámos ou porque a marcha se arrastou ainda e uma vez mais, para onde nos dirigíamos.
Assim, pela ordem dos tempos, pela conferência das ideias com os factos, pela sucessão das elites, pela fatal e indispensável renovação da vida pública, os novos tomaram as responsabilidades institucionais para onde os impelíramos e nas quais foram por nós edificados. Dotados de lógica natural e possuídos de espírito construtivo, desejam acabar o edifício paterno; a sua atitude respeitosa não é porém, destituída de autoridade política.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Politicamente direi apenas que seria preferível que se começasse pela lei das corporações, onde a vontade da Assembleia e a sua decisão jurídica de fundo adquirissem maior importância e consistência.
A discussão deste momento, imposta pela ordem dos acontecimentos e pelos resultados e métodos utilizados pela outra Câmara, que trabalhou em sossego e não foi, como nós, sujeita a dinamismo fulgurante, deveria naturalmente suceder e depender daquela decisão.
Também me pareceu dispensável que a Câmara tivesse de tomar responsabilidades na difusão e penetração doutrinária de certas camadas sociais, seu apostolado e divulgação, que pertencem n competência indiscutível do respectivo departamento e para o qual já dispunha de poderes bastantes, embora a organização duma disciplina de formação se imponha realmente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Seja como for: proponho-me apenas chamar a atenção para alguns problemas e as intrincadas f delicadas implicações que eles não deixarão de levantar no desenvolvimento dos factos.
Mais nada do que isso.
Sr. Presidente: falando sobre corporativismo, tenho também de dirigir algumas palavras de saudação e estima à galhardia e sentido político com que o ilustre titular da pasta das Corporações se houve nesta emergência.
Também não me será levado a mal que, desta tribuna, enderece alguns cumprimentos afectuosos s sinceros ao nosso digno colega Dr. Soares da Fonseca, sem que a amizade me deslumbre.
A sua obra de disciplina e justiça de pura legalidade e equilíbrio poderá impressionar menos, por não ser espectacular, mas correspondeu a um critério perfeito, impecável, e revelou tanto trabalho construtivo como os edifícios sociais a levantar.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Esses dias apesar de experimentados por algumas circunstâncias, foram benéficos para o povo português, e da sua orientação ministerial resultou uma mais completa compreensibilidade e rigor ético na realização dos princípios e no domínio da administração. Não podemos desconhecê-lo e menos ainda fazer como se o ignorássemos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A Câmara tem diante de si três grandes rumos de orientação que lhe permitem abordar os problemas de construção política quando estes venham a ser postos em bases actuais, pois não merece a pena encará-los com os critérios de 1936.
Essa época dos naturais e candentes entusiasmos e das apologias indiscriminatórias passou com os primeiros anos da vida do regime. A hora é outra - construir em termos definitivos. O estilo e o tom não podem ser os mesmos.
Por isso é que chamo a atenção para as três grandes hipóteses de pensamento político que tenho visto pôr nos últimos tempos e sobre' as quais a Câmara deverá reflectir de preferência ao demais.
São linhas essenciais de pensamento, mas correspondem-lhes anteprojectos ou projectos de edificação nacional e poderão habilitar a uma discussão mais perfeita do problema dos métodos.
Dizem respeito, obviamente, ao que falta fazer, às deficiências notadas, e tendem a afirmar três rumos destinados a completar, acabar e construir de uma vez para sempre.
Em capítulo tão vasto, a um tempo discutido e inexplorado, haverá por certo outros rumos de orientação, outras hipóteses políticas e outras linhas importantes além destas ou que participam da sua vizinhança, mas prefiro ficar naqueles três que considero os fundamentais.
Primeiro rumo -que nos é dado pelas opiniões mais altamente qualificadas e que poderei chamar a tese oficial: falta o coroamento às nossas várias e já imponentes realizações corporativas. As corporações ainda não ascenderam ao tablado político e. portanto, chegou a hora de irromperem definitivamente na Cidade Nova. A Câmara Corporativa ainda não dispõe de poderes para legislar sozinha e não lhe foi assegurada a totalidade da representação. Deve obtê-los e consagrar-se-lhe tal mandato.
Segundo rumo - opiniões dalguns escritores dos meios católicos, firmadas em textos pontifícios.
Falta ao sistema corporativo a alma - ou seja a mola mestra do movimento intelectual e associativo.
Falta, assim, nas realizações e actos, um ideal comum, sem o qual a vida corporativa não possa de precária ou crua, incapaz de obter a projecção necessária e a segurança de aceitação num futuro distante.
Terceiro rumo - falta o corpo de doutrina, superior, unido, assimilável, que desenvolva e complete os fundamentos essenciais, abertos pelo seu mais elevado e representativo construtor.
Se marcharmos na primeira das três direcções, o problema posto à consideração da Assembleia é o de reforma de estrutura constitucional. O que precisamos nesta hipótese é dum instrumento legislativo de alta disciplina que introduza matéria nova, procedimentos novos, na nossa vida política e administrativa e que leve até às últimas consequências a expansão do princípio corporativo como regra das demais actividades.
Trata-se de construir o Estado Novo em moldes definitivos.
E esta construção não pode ser deixada à competência de órgãos especiais ou à mercê dum departamento designado, embora não se lho possa negar primazia na matéria.

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A construção jurídica do Estado requer alta dignidade.
A construção jurídica do Estado põe em jogo o movimento dos seus órgãos superiores e afecta, aquilo que poderei chamar uma competência normal, e não uma competência específica ou excepcional.
Pode ser objecto dum programa geral de vida pública ou constitucional, mas só secundariamente será objecto também do trabalho de órgãos de outra ordem.
Quanto ao rumo que nos é apontado pelos escritores mais atentos às paternais proposições encíclicas, devo observar quo esta proposta de lei tem em vista difundir, propagandear, derramar entusiasmo, criar prosélitos nas camadas numerosas, desencadear nova vaga mística, enfim, dar impulso anímico criador e entusiasta que aqueles escritores asseveram faltar agora; quanto a esse segundo rumo- esta proposta de lei parece-me acudir-lhe nas faltas e deficiências e popularizar a doutrina, de molde a obter a adesão completa das massas e o seu melhor entusiasmo.
Quanto à terceira orientação -que é necessário construir com rigor o com lógica mais singela, mas mais nitidamente- hei-de adiante referir-me com maior espaço de tempo e detalhe.
Fazendo o tour d'horison da doutrina, sem qualquer prevenção crítica, direi apenas: pela força dos acontecimentos, pela importância das nossas, grandes realizações legais e corporativas, a literatura da especialidade mostra-se mais explicativa do que construtora, mais de vulgarização do que aquilo que os Latinos chamam de elegância teorética.
Nestas condições, por força da natural aceitação dos meios cultos, caminhou-se até aqui para a compreensibilidade, a abundância e o eclectismo, mas falta insistir no rigor da arquitectura doutrinal, para depois exigir dos factos e acontecimentos a plenitude esperada de verificação e confirmação.
Nesta terceira hipótese construtiva a cátedra tem também de dar a expressão do rigor ao pensamento riquíssimo do seu original construtor e incumbe-lhe ainda criar e preparar o escol de juristas, administradores e construtores capazes de transmitirem à vida as altas injunções recebidas na Universidade.
O esforço doa ilustres Profs. Marcelo Caetano, Teixeira Ribeiro e Fernando Seabra e dos Drs. Mota Veiga e Pires Cardoso e doutros especialistas destacados tem de continuar.
A Universidade não tem repouso, como adiante veremos.
Temos ouvido muitas vezes levantar o problema da consciência corporativa, em psicologia social, como referido a um estado de alma da colectividade deficiente, por falta de preparação e edificação.
Não há o estado geral de espírito que facilite o advento das medidas finais do corporativismo; não resultaram esta e aquela previdências porque não há no povo português unia consciência geral corporativa; não se alcançaram mais brilhantes resultados porque a alma colectiva não sente e não foi ainda vivificada pela consciência corporativa - tal é a argumentação.
Ora o problema não é de consciência corporativa geral e de povo corporativo, mas do homem corporativo.
Foi o Prof. Gino Árias, em tempos, que pretendeu substituir ao cálculo individual económico a consciência corporativa.
Vejamos como.
A economia liberal fez do homem um calculista metódico, que balançava cómodos e satisfações para nelas aplicar o seu mínimo custo.
Depois do homem medievo, o burguês, primorosamente retratado por Sombart, dominou a economia e a sociedade, como o terceiro estado conquistou as assembleias políticas.
Era a época em que todos recomendavam: e Ide e enriquecei»; e aquele pai famoso catequizava ao filho: «Vai ganhar dinheiro honestamente, em qualquer canto do Mundo, mas vai ganhar dinheiro» ...
O homem tornou-se um grande egoísta e a sua consciência mandava-lhe trabalhar só ao serviço dos seus próprios interesses e lucros.
A este homem calculista e ganancioso contrapuseram os escritores o homem que, além dos lucros, se apercebe e considera os meios e fins sociais de benefício para todos.
Assim, o homem corporativo, de consciência corporativa, seria um cooperador sociável, um colaborador nato, com iniciativas que não chocam o interesse geral, antes se ajustam ao bem comum, dotado de uma consciência aperfeiçoada, que lhe permitiria distinguir o sentido corporativo e o interesse geral.
A economia passaria a ter um carácter normativo e moral e este estado de espírito não podia deixar de influir na própria marcha política.
A consciência corporativa levava a escolher, a calcular por forma não egoísta, a trabalhar e a colaborar socialmente - com a affectío societatis.
Destas consciências corporativas resultaria convivência, melhoria geral, mais perfeita compreensão.
E, logicamente, nos preços, nos lucros, nos custos, na usura e nos réditos resultariam proporções e aspectos que se afastavam dos quadros tradicionais de pensamento.
A teorização de Gino Árias foi impugnada por alguns e abraçada calorosamente por outros.
Ela conserva o seu esplêndido significado.
A edificação do Estado corporativo tem de começar pelo homem, fazer dele menos egoísta e menos ansioso de lucratividade. Embora o homem se possa dizer o mesmo e não variar excessivamente a sua psicologia de quadra para quadra, a verdade é que ele regista e escolhe os fins dispõe dos meios, promove as aplicações.
A civilização torna os homens mais materialmente apegados à vida, menos isentos, mais distantes do sacrifício, mas uma economia humana e espiritual, uma economia corporativa atenta por igual ao desenvolvimento da personalidade e à realização do bem comum, conduzirá a um sistema de pensar e viver diferente do enriquecimento tradicional.

Lembremo-nos de que o homem das fragas do Douro, com a sua medíocre lavoura, recolhe três ou quatro sementes que não pagam o seu esforço, e, a despeito disso, o trabalho não pára. Se defendermos o enriquecimento livre e sem peias, nem compreenderemos traços como estos de economia humana e menos ainda se darão os passos para a formação do homem corporativo - uma consciência !
Toda a teoria do corporativismo deve ser depurada, melhorada e reconstruída. O pensamento de S. Ex.a o Sr. Presidente do Conselho tem de ser convenientemente desenvolvido e interpretado.
Na equação pessoa humana- corporação- Estado Novo não cabe tudo, mas também não deve faltar o essencial.
Não podemos desprezar ou permanecer surdos aos ensinamentos dos mestres europeus. Temos de estar atentos às suas críticas. A hora das múltiplas florescências e das sistemáticas apologéticas passou.
Há ainda que estudar, rever e construir, mas no sentido da nitidez e da simplicidade, por ser essa a linguagem dos políticos que querem que os entendam e a das multidões, que hão-de ser dirigidas com princípios claros.
Tem-se misturado corporativismo com neomarginalismo.

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Já vi misturar também corporativismo com institucionalismo americano do mais arrevesado, o do grande inimigo da plutocracia que foi Veblen.
Já se fizeram coincidir realizações democráticas com realizações corporativas e até se viu em vários países corporativismo de dois matizes - democrático e antidemocrático.
Há quem aceite a fusão da economia com a ética e a completa submissão desta àquela; Fovel, na Civiltá, católica, nào aceita nem uma nem outra. Pagni, em contrário, admite uma teoria pura do corporativismo.
Demaria defende que o oligapólio e a acção corporativa se dêem as mãos.
Para o insigne Del Vechio a economia corporativa é apenas uma modalidade particular de política corporativa - e é isto que durante certo tempo os nossos factos consagram.
Para Papi, o notável professor de Roma, o corporativismo mantém os quadros tradicionais da disciplina económica, mas não faltam os que pretendem revolucionar de cima a baixo, mesmo assim concebido.
O Presidente Einaudi, que era um liberal ortodoxo da cátedra, sem fugir à polémica, encontrava que o corporativismo tanto autorizava a hipótese da concorrência perfeita como do monopólio absoluto.
Spirito e Spahn quiseram voar a maiores alturas, onde o corporativismo se inseria na marcha dos valores universais, identificando-se o Estado com o indivíduo. Imagine-se!
O mais notável dos escritores, Francesco Vito, insiste, em todo o caso, na proposição de que ordem corporativa não é reforma social, porque ela abraça a estrutura económica, jurídica, política e social.
Estaria amanhã ainda na tribuna, como nas sabidas obstruções parlamentares, se quisesse trazer um apontamento completo sobre as tendências dispersivas, arriscadas, dissonantes, da literatura da especialidade.
E não me venham dizer que essa literatura morreu ou estacou em 1936 e que nós fazemos a própria marcha à margem dos gerais e alheios ensinamentos.
Quando se escreve com excesso, mesmo com fluidez, quando se fala com exuberância, mesmo com brilho, nem por isso as construções teóricas obtém o grau de claridade precisa.
Se já houve quem identificasse o corporativismo com S. Francisco de Assis e a sua caridade fraterna!
Bons dias, irmão Sol; bons dias, irmãos lírios do monte!
Sobre a construção do Estado corporativo, além das hipóteses históricas, que vão da pessoa moral e da irmandade à associação simples e da organização sindical à corporação instituto e do regresso a uma nova Idade Média, como sonhou Berdiaeff, aos horizontes do amanhã - há teorias económicas, teorias éticas e teorias jurídicas.
Além disso, há quem conceba o Estado como um corpo vivo, onde os órgãos se encontram desde já aprestados à multiplicidade de novos encargos e funções.
E próprio dos homens discutir e sujeitar a discussão, debater com os outros e com a própria consciência, estabelecer orientações, mesmo onde a escola é una e firme, mas a multiplicidade dos ângulos e de vistas pelos quais se foca um problema de construção política não é do molde a facilitar os intuitos legais e a execução dos diplomas.
Temos de caminhar para a unidade ou unificação de doutrina, pois que a sua complexidade apenas facilita a variedade institucional e o pluralismo da vida pública, que, longe de vivificarem um cómodo equilíbrio, levantam novos problemas de competição e luta.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Outro motivo de preocupação séria no domínio teórico e de ajustamento político difícil na prática é o resultante da distinção entre corporativismo de associação e de Estado.
Pela injunção da doutrina perfilhada nós batemo-nos e preconizamos o corporativismo de associação, ao passo que a Itália, até 1939, preconizou e realizou o de Estado.
Ao primeiro corresponde a ascensão natural dos organismos espontâneos de associação e cooperação; no segundo a iniciativa e a intervenção governamental fazem sentir-se a todo o momento.
Ao primeiro correspondem, lògicamente, a vida à margem do Estado, a autonomia, o self-goverament, a autodirecção.
Ao segundo correspondem a emanação e o influxo vital do Estado, a dominação governativa, a direcção completa e a planificação atrás duma fachada.
Na realidade, as coisas desenrolam-se muito mais complexa e dificilmente do que ao enunciarmos a concepção desejável.
O nosso neocorporativismo, até aqui, tem sido espontâneo nuns casos, reflexo directo do poder noutros. Associações tradicionais seculares de grande potencialidade e prestígio aguardam ainda a sua admissão ou enquadramento corporativos. Órgãos do Estado arrogaram-se funções que não lhes pertenciam. Só por ensaio a autodirecção foi experimentada, mesmo com os rudimentos de construção havidos.
Em Itália a autonomia da vontade e as iniciativas, apesar da oposição esmagadora das estâncias oficiais, obtiveram maiores faculdades e possibilidades de que entre nós.
Mas agora, que caminhamos para o geral investimento, para a utilização óptima dos recursos naturais, para o fomento directo e indirecto, o self-government da economia corporativa funcionará fácil e insensivelmente?
Por outro lado, como conciliar o planejamento em larga escala com uma vida corporativa de associação e direcção à margem do poder?
Como separar o sector económico do político?
Há aqui grandes motivos de reflexão que não poderão deixar de preocupar os novos dirigentes e que a consciência corporativa, quando estabelecida, não poderá enfrentar momentaneamente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O relatório da proposta fala em formação social o corporativa; refere que é necessário fazer educação social viva; recomenda acção social e o robustecimento da consciência das obrigações de carácter social; reporta-se a uma obra de autêntica missão social, e procura robustecer num serviço sucial corporativo as técnicas e finalidades de acção social, a teoria e a doutrina corporativas.
Esta terminologia nào é de rigor e peca por excesso, embora em escritores estrangeiros se encontre isto e muito mais como fomento social.
Não fazemos jogo de palavras, mas formação corporativa não é formação social, como formação individual também o não é.
Em regra, o social opõe-se ao individual e o corporativo procura suplantar esse antagonismo por uma nova ordem de coisas.
Durkeim e alguns sociólogos concebem o social em bases estreitas, mas não faltam os que se servem dum critério tão rasgado que dá largo campo à inteligência sintética.
Nem é um caso nem outro.

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É preciso formar corporativamente partindo da iniciativa, do empreendimento livre, da construção simples e individual, robustecendo os fins não egoístas, mas sem esquecer o que ao Estado é devido e o que lhe permite a sua missão de realizador incessante do bem indistinto.

Estava previsto um movimento geral de sindicalizará o jurídica e a passagem deste ao serviço/público. Mas esta ideia de estilo medieval, tendente à libertação política, não vingou.

O corporativismo ,teve assim de enfrentar e perfilhar acomodações que não o deixam resvalar para os dois pólos — nem personalismo demasiado e calculista nem intromissão abusiva e lata da colectividade.

Manoilesco reivindicava, na realidade, a educação e a formação social no sentido da missão e apontava como função do Estado a organização espiritual. Mas este escritor punha os problemas na totalidade, aguardava a descapitalização e queria o Estado acima de tudo e de todos.

A equação política histórica entre nós é outra — dignidade da pessoa humana-corporação moral e eco-nómica-Estado Novo.

A sua simples leitura mostra que existe uma forma-ção corporativa, mas dificilmente se concebe que ela possa ser social apenas.

Podem ser aferidas pelo padrão conceituai do juro, capítulo tanto no geral conhecimento, as dúvidas e imprecisões levantadas pela sua tradução na prática corporativa.

Trata-se dum capítulo melindroso, em que dominam as razões do Estado, da boa fé e dos interesses particulares e da banca.

Há uma lei do malogrado Doutor Manuel Rodrigues que não se cumpre ou caiu em desuso, e juristas experimentados e distintos, como o Dr. Sá Carneiro, pensam que é necessário sujeitar de novo a medida especial, mas competente, os desvios, abusos e práticas indefensáveis que ultimamente se registam.

Como é que o corporativismo vai enfrentar tão candente problema, que, por vezes, reveste a forma aguda de chaga social?

Um ilustre professor diz que a questão será relegada à corporação do crédito e que esta há-de chegar a um entendimento benéfico e justo com as outras corporações interessadas no assunto.

Outro não menos ilustre professor faz-se espelho fiel da doutrina de S. Tomás de Aquino, que os nossos canonistas peninsulares desenvolveram, fiel e criteriosamente.

O juro será apenas devido como compensação de prejuízos, por haverem sido tomados riscos graves ou por reprodutividade excedente. Se o empréstimo corresponde a uma necessidade de viver ou profissional, se degrada e abate, se infelicita, haverá usura, doutri-nàriamente combatida e profligada.

Depois destas ideias, aliás saudáveis e elevadas, vieram as novas teorizações keynesianas, que se ajustam e também não se ajustam, no seu desdobramento, às teorias do juro formuladas pela economia corporativa.

E agora é a Universidade a introduzir novas fórmulas de melhoria doutrinária, fazendo avultar como determinante o que chama os fundos emprestáveis.

Quer dizer: a elaboração doutrinária do corporativismo não pára, não pode parar, e não seremos bem avisados se entendermos que, formulado um esquema jurídico completo, os factos passarão a viver por inteiro dentro da sua disciplina.

Há muita coisa que nos escapou até aqui e não faltarão daqui por diante ideias e factos que hão-de impor retoques e afinações com sentido progressivo.

Na ordem prática também esta proposta de diploma pretende atingir três alvos destacados e concisos. E são eles:
Construir juridicamente o Estado, esquematizado nas leis constitucionais e ainda não acabado;
Formar um escol de dirigentes para as corporações a instaurar;
Difundir nas massas a enquadrar os princípios, de modo a toma-los facilmente assimiláveis e motivos resolutos da acção geral.
O Sr. Morais Alçada: — V. Ex.ª dá-me licença? O Orador: — Faz favor.
O Sr. Morais Alçada: — V. Ex.ª disse «enquadrar» ou «enquadrar-se»?
É que isso tem importância, porque a expressão «enquadrar» dá a ideia de que é o Estado que as enquadra. Ora, dentro da concepção que V. Ex.ª dá da nova teoria corporativa, isso não pode acontecer.
O Orador: — Isto é uma insistência minha num ponto que já foquei atrás, e essa é realmente uma das grandes dificuldades do corporativismo de Estado. Efectivamente, seria desejável que as massas realizassem elas próprias o enquadramento, dentro, evidentemente, do Estado, mas hoje é necessário alargar o sistema corporativo, para que ele possa ficar plenamente enquadrado dentro da disciplina corporativa.
Estas três funções destacam-se nitidamente entre si e não podem nem devem ser misturadas.
A primeira, pela sua altura, dignidade, alcance e força colectiva, é de ordem constitucional. Pertence u Assembleia e incumbe ao Governo, na sua mais alta expressão.
Não pode ser devolvida a competências secundárias ou subalternas.
Tudo quanto fosse praticado por estas podia ser facilmente obliterado ou corrigido por aqueles — sobretudo não possuiria a autoridade bastante.
E depois daqueles órgãos pertence, na sua aclaração e hermenêutica, aos órgãos jurisdicionais e aos homens da lei.
Mas, porque se trata de direito público, os homens da lei não podem refugiar-se na mecânica especulativa da exegese ou na aridez secante das técnicas. Têm de compreender que foram emanados textos vivos e aplicá-los às necessidades correntes e à sucessão dos acontecimentos, por constitucionalizar a satisfação daquelas e disciplinar estes.
Completada a obra reformadora do Estado, fabricado o direito novo, conhecida a vontade nítida desta Assembleia política, manifestado assim um alto pensamento, documentados e concretizados às regras do bem público, às autoridades e juristas incumbe guardar e cumprir.
Será demasiadamente complexa e movediça a obra reformadora?
As novas instituições avançam lenta e tardiamente ou sucedem-se com excessiva velocidade?
Correspondem ao desejo profundo de transformação social do povo português? São medidas que terão o condão de despertar a consciência pública?
São normas, que nós temos reú indicado como devendo constitucionalizar a vida nacional, como reguladoras da história política, como imagens duma vida criadora e futura?
Lembremos que os nossos jurisperitos ainda não nos deram um comentário ou umas notas e apostilas marginais, mas completas, à Constituição de 1933 e a sua matéria também não foi objecto dum tratado completo.

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Outra coisa é a criação dum escol dirigente, a formação de pessoas hábeis a governar e orientar as corporações, quando em funcionamento.
Se aquela construção do Estado pertence aos órgãos que legislam e tecnicizam as normas e actos e lhes insuflam vida, esta formarão de dirigentes não pode deixar de pertencer à escola, na sua mais alta expressão: à Universidade.
Ë este um tema debatido, que se me dispensa retomar na tribuna.
Em 28 de Maio de 1941 foram proferidos, no Porto, vários discursos esclarecedores, a que o Ministro da Educação Nacional de então, o nosso ilustre colega Doutor Mário de Figueiredo, acrescentou lucidíssimas e formosas afirmações - a Universidade recebe o homem na idade dos grandes estremecimentos, há-de fazê-lo dirigente futuro, com o gosto de vencer e de mandar, conhecedor das vocações da nossa gente, mas pronto para servir numa época activíssima, nada contemplativa, como é a nossa!
Ora bem! A Universidade incumbe a formação d» escol que dirige política, económica e socialmente, porque a ela pertence organizar e manter o património de conhecimentos e de ideias transmissíveis às gerações seguintes e, como função subjacente, afeiçoar-lhes o carácter e os valores que os qualificam para as maiores tarefas.
Só por excepção, porque a inteligência e o trabalho tudo vencem e o Português possui, em alto grau, faculdades desnorteantes de improvisação, é que o escol poderia formar-se, preparar-se, cultivar-se e definir-se fora da sombra propícia da alma mater universitária.
Quanto à difusão dos conhecimentos corporativos nas massas, o apuro de vocações e carreiras extrauniversitárias, a criação de uma elite, dirigente, proveniente da base da pirâmide, aí as campanhas populares de difusão e propaganda entregues a um só Ministério tom razão de ser, e de sobra.
Portanto -repito-, pela sua dignidade e altura, a construção jurídica do Estado pertence aos órgãos de soberania e aos juristas, sem discriminação.
A formação de um escol de pensamento e acção, tendente a iluminar os caminhos do futuro, não pode deixar de ser obra da Universidade lusitànica.
A difusão das ideias nas massas, a propaganda no bom sentido das tarefas novas- sindicais ou gremiais- e uma reserva de futuros dirigentes não universitários pertencerá, aos órgãos e institutos do Ministério das Corporações.
Porque me atrevo a fazer estas distinções? Porque é um vício bem patente de possuirmos três, quatro e mais instituições, alegando a mesma competência e ambicionando sempre mais tarefas, competindo entre si e reivindicando prioridades e exclusivos que só a latitude das suas interpretações autorizará.
O meu receio é que os novos órgãos queiram arcar com tarefas que a outrem pertencem e se empenhem em actos e operações que não lhes digam respeito.
A Revolução Nacional fez-se sobre a concentração, a eficiência e a especialização; tudo quanto seja repisar, duplicar, atribuir funções análogas ou idênticas só serve de pretexto para a emulação burocrática.
Trouxe aqui um depoimento desapaixonado; e, quando bem entendido, ver-se-á que apontei o terreno das melhorias substanciais e o dos naturais obstáculos.
Se continuar o estudo da filosofia tomista e dos escritores peninsulares, o da economia política corporativa, o do direito corporativo, se houver homens menos calculistas e apegados aos seus interesses, apesar das diabólicas solicitações materiais da civilização, se o Estado for construído pelos órgãos superiores e juristas e se a Universidade trabalhar ainda - a difusão e o apostolado terão o seu campo nitidamente marcado.
A vida corporativa deverá então revestir-se, nào só do idealismo desejável, como da naturalidade possível, e da evolução progressiva das instituições poderá esperar-se o que esperamos - uma vida em que o Estado nào abafe e o indivíduo, pelos cálculos, não domine para seu proveito, sem consciência do bem alheio.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Não se encontra inscrito mais nenhum Sr. Deputado para fazer uso da palavra na generalidade sobre este diploma. Nestas condições, considero encerrado o debate na generalidade.
A apreciação na especialidade iniciar-se-á na sessão da próxima terça-feira, 3 de Julho.
está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Daniel Maria Vieira Barbosa.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Joaquim Mendes do Amaral.
Jorge Botelho Moniz.
Manuel Maria Múrias Júnior.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Cruz.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Russel de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
João Afonso Cid dos Santos.
João Alpoim Borges do Canto.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Maria Porto.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Sousa Machado.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Marques Teixeira.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Ricardo Vaz Monteiro.
Venâncio Augusto Deslandes.

O Redactor - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Página 1236

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