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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 162

ANO DE 1956 5 DE JULHO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VI LEGISLATURA

(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)

SESSÃO N.º 162, EM 4 DE JULHO

Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mos Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.O Sr. Deputado Furtado de Mendonça falou sobre edifícios para escolas primárias.
O Sr. Deputado Jorge Jardim referiu-se às forças aéreas e aos aeroclubes.
O Sr. Deputado Pinto Barriga mandou para a Mesa um requerimento.
O Sr. Deputado António do Almeida ocupou-se dos bilhetes de identificação nas provindas ultramarinas.
O Sr. Deputado Manuel Vaz tratou do problema das estradas.
O Sr. Deputado Camilo Mendonça examinou os problemas do arrendamento e emparceiramento agrícolas.

Ordem do dia. - Começou, a discussão da proposta de lei que institui as primeiras corporações.
Falou o Sr. Deputado Diais da Fonseca.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 15 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Américo Cortês Pinto.
Antão Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Ameal.

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João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Gosta Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes doa Reis.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.

O Sr. Presidente:-Estuo presentes 67 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Do Grémio da Lavoura de Almeirim a apoiar as considerações do Sr. Deputado Amaral Neto acerca da portagem nu Ponte Marechal Carmona.
Do Grémio da Lavoura de Mora no mesmo sentido.

O Sr. Presidente:-Tem a palavra antes da ordem do dia u Sr. Deputado Furtado de Mendonça.

O Sr. Furtado de Mendonça: - Sr. Presidente: na sessão de quinta-feira passada usei da palavra antes da ordem do dia acerca de um assunto que muito aflige as câmaras municipais de fracos recursos e hoje volto a solicitar a atenção do Governo para outro problema de igual importância, que também apoquenta sobremaneira aquelas câmaras e mesmo muitas outras que gozam de certo desafogo financeiro.
Proponho-me apresentar uma sugestão que, se for aceite e posta em prática por diploma adequado, produzirá efeitos do maior interesse nacional.
Quero referir-me à urgência em se obter uma solução para a impossibilidade manifesta em que muitas dessas câmaras se encontram de construir escolas ou alugar salas destinadas no ensino primário, quer por falta de meios financeiros, quer por falta de casas disponíveis, a tomar de aluguer, com os requisitos mínimos indispensáveis ou obtidos à custa de pequenas obras de adaptação.
São muito numerosos os corpos administrativos que se encontram, assim, perante obstáculos intransponíveis que prejudicam sèriamente a maior expansão do ensino primário.
Esta situação tende a agravar-se, dia a dia, perante o número crescente de crianças em idade escolar, e compromete o mais rápido sucesso da campanha contra o analfabetismo, iniciada em boa hora pelos Governos saldos da Revolução do 28 de Maio, intensificada, por forma notável, com tanto entusiasmo e dinamismo por S. Ex.a o Sr. Dr. Veiga de Macedo, quando Subsecretário de Estado da Educação Nacional - sobre cujos ombros desenvoltos pesa hoje, nesta viragem decisiva para os destinos do regime, a alta responsabilidade do Ministério das Corporações-, campanha agora prosseguida com paralelo entusiasmo pelo actual detentor do mesmo Subsecretariado, o nosso ilustre colega Dr. Baltasar Rebelo de Sousa, a quem deste lugar protesto a minha maior consideração.
Que S. Ex.a me perdoe se aquilo que vou dizer não tiver cabimento, mas fique ao menos com a certeza de que me move apenas um desejo de colaboração, o desejo de não ver reduzir-se o avanço contínuo e acelerado da campanha em causa.
Sr. Presidente: os provimentos de lugares de professores do ensino primário elementar são feitos por nomeação ou por transferência, mediante concurso documental, excepto nos casos previstos nos textos legais.
Entre os casos em que os provimentos não dependem de concurso encontram-se «os que resultam de indicações de doadores de edifícios escolares», nos termos dos artigos 16.º e seguintes do Decreto n.º 19 531, de 30 de Março de 1931.
Aquele diploma estabelece:

É reconhecido ao indivíduo ou indivíduos que façam doação ao Estado de edifício escolar, destinado ao ensino primário elementar, o direito de indicar a pessoa ou pessoas em quem deve recair o primeiro ou primeiros provimentos que venham a fazer-se no lugar ou lugares a cujo funcionamento o edifício é destinado e depois de feita a doação.

Este direito implica a nomeação de indivíduos devidamente diplomados e obedecendo às disposições legais respeitantes à separação dos sexos e refere-se a edifícios que ofereçam as condições estabelecidas pela Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, que fará as necessárias vistorias, etc.
De outras cautelas se rodeia aquele decreto, como a da possibilidade de recusa de doação, se as informações não forem satisfatórias, «tendo em vista as conveniências do Estado e do ensino».
Actualmente cabe às câmaras municipais fornecer e mobilar as salas de aulas, podendo fazê-lo adaptando edifícios arrendados e construindo escolas primárias com as suas receitas, ou em regime normal de comparticipação do Estado, ou ainda dentro do sistema estabelecido no chamado Plano dos Centenários.
De qualquer das formas, os encargos recaem sobre as câmaras e são incomportáveis para muitas delas.
Por outro lado, estão ainda em vigor as disposições do referido Decreto n.º 19 531, mas raríssimos são os actuais doadores de edifícios para escolas primárias, devido ao seu elevado custo, embora apareçam frequentes vezes pais de família que as desejariam construir, a fim de poderem beneficiar do direito de indicar os seus filhos, diplomados, para o respectivo provimento; no entanto, vêem-se impossibilitados de o fazer, em face das elevadas estimativas dos respectivos projectos.

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Ora. se importa construir edifícios completos, também interessa ampliar os existentes, quando isso se recomenda, e muitos há, tanto do Plano dos Centenários como outros expressamente construídos para o ensino primário, susceptíveis de serem convenientemente ampliados com uma ou duas salas, sem prejuízo dos necessários requisitos legais.
E, se considerarmos que as ampliações são muito menos dispendiosas quando já se dispõe de terreno, acessos, vedações, água, luz, fossas, esgotos, etc., não faltaria, com frequência, quem as quisesse executar, pagando as despesas relativas à construção de mais uma sala de aula e obras complementares indispensáveis, mediante a concessão de direitos idênticos aos estabelecidos para aqueles que constróem edifícios completos.
Desta maneira, sempre que fosse preciso criar mais um lugar numa escola primária cuja frequência o exigisse, poderia promover-se a sua ampliação, nas devidas condições, por doadores de salas, donde resultariam vantagens de vária ordem, a saber:

1.º As câmaras poupariam os encargos destas ampliações, podendo as verbas assim disponíveis reverter a favor de outras construções escolares a realizar nos locais onde fazem falta.
2.º O mesmo aconteceria ao Estado.
3.º Haveria a possibilidade de fixar um maior número de agentes de ensino e reduzir os provimentos por concursos e transferências, que muito perturbam o início de cada ano escolar.
4.º Resolver-se-ia, na maioria destes casos, o grave problema do alojamento conveniente dos professores, que passariam a viver junto dos seus pais - os doadores - ou da família, evitando os perigos morais em que tantas vezes se encontram, em longes terras, dum modo especial as professoras, suas filhas.

Sr. Presidente: dir se-á que tal solução concederia uma grande regalia por pequena importância e também prejudicaria o professorado nos direitos adquiridos de concorrerem aos lugares da sua preferência, à medida que vão sendo criados.

O primeiro argumento não me pareço de considerar, porquanto, se importa multiplicar o número de salas de aula, este crescerá tanto mais quanto menor for o sou custo, sendo tal economia até muito para desejar, desde que as ampliações sejam executadas em edifícios que se recomendem.
Quanto ao segundo argumento, não creio que os professores sejam demasiado afectados nos seus direitos, pois que a lei já admite as excepções ao provimento por concurso, no caso de doadores de escolas, e, além disso, embora o número de doadores de salas de aula fosse superior, sempre ficaria uma larga margem para provimentos por concurso.
Por último, o que importa é dispor das salas necessárias ao ensino, e não o prejudicar por falta destas.
Em conclusão: desde que são numerosas as câmaras impossibilitadas de suportar os encargos resultantes da construção de novos edifícios escolares, e que não encontram casas a alugar, ou o Estado toma sobre si esses encargos ou fomenta a construção de salas obtidas por ampliação de edifícios apropriados já existentes, concedendo-lhes direitos idênticos aos instituídos para doadores de escolas; de contrário, muitas crianças continuarão a ficar privadas do ensino por excederem a lotação das salas, ou o seu rendimento será diminuído pelos inconvenientes da multiplicação dos cursos realizados em regime de desdobramentos, nos casos em que estes ainda se possam criar.
Aqui deixo uma sugestão tendente a contribuir para a solução do problema.
Não se desconhece nem menospreza tudo quanto o Estado Novo tem feito em beneficio do ensino primário nem os auxílios prestados às câmaras para a construção de escolas, mas não é possível a muitas delas acompanhar o ritmo das necessidades.
Por isso o Estado terá de fazer ainda mais ou conceder novos benefícios a quem se proponha substitui-lo nesta obra infindável.
Afigura-se-me desnecessário alongar-me acerca da urgência da resolução deste grave problema, dado que o ensino primário está na base da educação e da formação profissional, cuja importância se torna dia a dia maior, perante as realidades do que se convencionou chamar progresso, traduzido na mecanização de muitos sectores da vida dos povos, e que exige cada vez mais trabalhadores especializados competentes ou mão-de-obra qualificada, como sói dizer-se.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Jorge Jardim: - Sr. Presidente: o interesse com que as populações acompanham a todo o momento a actividade da aviação militar, o carinho de que. por esse Pais fora, sempre se rodeiam as unidades das forças aéreas, o orgulho com que se acolhem os seus feitos e o sentimento com que se recordam os seus mártires constituíram, desde sempre, uma afirmação vincada da simpatia e apreço da gente portuguesa por esses homens, que, a partir dos tempos heróicos dos pioneiros, souberam elevar nas suas asas a cruz de Cristo, alargando o céu de Portugal.
De forma bem patente isso foi evidenciado quando, ainda há pouco, se celebrou o Dia das Forcas Aéreas e o nosso povo o quis converter, por toda a parte, com a presença e os seus entusiásticos aplausos, em momento de verdadeira consagração ao que essas forcas representam do afirmação das qualidades e capacidade nacionais em mais esto domínio.
E, assim, por esse autêntico plebiscito popular, as comemorações se alargaram do âmbito das solenidades oficiais e das demonstrações de possibilidades já existentes, para assumirem um carácter marcadamente nacional.
Acompanhando bem de perto, por dedicação às coisas do ar e por devoção aos ideais que só consubstanciam no espírito militar, as actividades das forças aéreas e o seu surto de desenvolvimento, não quero, neste ensejo, deixar de trazer à Assembleia algumas palavras que possam registar, como parece oportuno, o pleno significado do ambiente em que se desenrolaram essas comemorações e retirar dele algumas necessárias conclusões.
As demonstrações do Dia das Forças Aéreas vieram evidenciar ao País a existência de uma aviação militar que se vai apetrechando em termos de corresponder à pesada missão que se lhe confia e que merece a confiança que lhe é dedicada.
Situados numa época que já não consente improvisações nem se compadece com a simples existência de arrojado desembaraço, havemos de saber medir o que tem de representar de laboriosa estruturação orgânica, de progresso nos domínios da técnica, de preparação meticulosa de toda uma vasta série de especialistas, de prolongado e constante treino das tripulações e de competência dos comandos a possibilidade de vermos cruzar os céus a massa das asas das forcas aéreas ou deles descerem os caçadores pára-quedistas.
Tarefa particularmente delicada, ela assume ainda mais valor quando recordamos que poucos anos atrás se dispunha apenas de alguns núcleos em que a competência revelada e a dedicação oferecida não bastavam para

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suprir a carência de meios nem podiam vencer a ausência de estruturação apropriada.
Voar já não é uma aventara que se enfrenta por temeridade.
A força aérea não representa um conjunto de audaciosos que destemidamente enfrentem riscos pelo gosto do perigo.
Ela tem de constituir um conjunto de homens conscientes que aliem à virilidade com que se dedicam ao desempenho da sua missão e ao entusiasmo apaixonante com que servem um ideal a mais sólida preparação técnica e a mais cuidada orgânica de segurança.
Estes requisitos, que fazem da força aérea um verdadeiro corpo de élite, houveram de ser preenchidos num esforço conjunto, que a todos pertence e de que todos legitimamente se orgulham, mas que só foi possível graças ao impulso firme, ao dinamismo inteligente e capacidade mais uma vez evidenciados por um homem a quem o País deve serviços inestimáveis e a quem tem de agradecer o que lhe ofereceu de doação voluntária de uma vida dedicada a vencer dificuldades e a aceitar sacrifícios para que dignamente possamos manter integra a nossa honra.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-O Ministro da Defesa Nacional, coronel Santos Costa, bem merece que lhe afirmemos daqui o nosso reconhecido agradecimento.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Desse persistente labor de quantos servem nas forças aéreas, conduzido pela marcada devoção ao bem comum, resultou que o Sr. Subsecretário de Estado da Aeronáutica -espirito moço servido por invulgares qualidades e inteligente colaborador do Ministro nesta tarefa- pudesse afirmar na sua mensagem: «Embora com imperfeições, com este ou aquele ponto por completar, pode dizer-se que existe já uma aviação militar capaz e dotada do mais vivo espírito de bem servir. Dela bem podem orgulhar-se os portugueses que nos céus a vêem voando».

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-A força aérea, que se afirma, pois, como uma realidade, carece, para o seu progresso, que a Nação lhe continue a oferecer o ambiente de carinhoso apreço com quê a tem acompanhado. Mas carece mais que se forme e desenvolva um clima de apaixonado interesse e de gosto pelo seu estilo de vida e pelos seus ideais.
A nossa juventude, especialmente, haverá de ser movimentada para que nela se cultive, desenvolvendo qualidades bem portuguesas, o «espírito do ar», no qual se contém tudo o que mais marcadamente caracteriza a gente nova e no qual se concretizam todas as suas mais generosas aspirações.
Para tanto importa fomentar o desenvolvimento desses alfobres de vocações aeronáuticas e autênticas forjas desse «espírito do ar», com inestimáveis serviços já prestados, e que são os aeroclubes. Integrados numa orgânica que os ligue, como é indispensável, mais directamente à actividade das forças aéreas e usando todos os meios de fomento do gosto pelos assuntos da aeronáutica (desde o aeromodelismo ao voo à vela e com motor e ao pára-quedismo desportivo), os aeroclubes hão-de ser, nesta hora viva da força aérea, os seus mais activos propagandeadores e dos seus mais úteis colaboradores.
E seja-me permitida um referência especial ao que, nesse conjunto, podem representar os aeroclubes do ultramar, que atingem já, em muitos pontos, desenvolvimento que os situa em posição de marcado relevo, prestando assinalados serviços, que merecem uma palavra, ao menos, de reconhecimento e apreço e que oferecem condições tão favoráveis para o recrutamento e preparação elementar dos jovens que às forças aéreas se dirijam, enquadrando-se na missão, que o Sr. Tenente-Coronel Kaulza de Arriaga definiu como sendo também objectivo da aeronáutica militar, de «ligar, unir cada vez mais Intimamente num todo uno e único as diversas parcelas que, espalhadas pelo Mundo, são Portugal».

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-No ultramar bem se deseja, como ainda há dias tive ensejo de referir aqui, que as asas da força aérea cruzem esses céus igualmente portugueses, numa afirmação de soberania e potencialidade nacionais.
Sr. Presidente: a força aérea soube afirmar-se ao Pais e o País envolve-a no seu respeito e apreço.
Como se escreveu: «Consciente da missão que lhe cabe, orgulhosa do intenso labor que se lhe exige, a força aérea reclama do País, não aplausos ou louvores, mas compreensão, simpatia, acolhimento, cooperação».
A forma como decorreram as comemorações do Dia das Forças Aéreas demonstrou que isso não lhe faltará.
Sublinhemo-lo aqui, saudando os homens das forças aéreas, e afirmemo-lhes que nunca lhes faltará esse apoio e que as suas asas são já o nosso orgulho.
A força aérea bem o merece.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinto Barriga: -Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte

Requerimento

«Nada de novo se estabelecendo, legislativamente, em matéria de política e previdência sociais do Estado, nem se acrescentando qualquer regalia mais a favor dos respectivos beneficiários, quer no relatório e proposta de lei sobre corporações, quer no parecer da Câmara Corporativa, e desejando ser convenientemente elucidado acerca desse sector, sobretudo depois da publicação do interessante quadro estatístico sobre «Dez Anos de Acção Médico-Social», apresentado pela Federação de Caixas de Previdência - Serviços Médico-Sociais, que se junta e se dá aqui como reproduzido, tenho a honra de requerer, nos termos regimentais e constitucionais, que pelo Ministério das Corporações me seja fornecida nota das despesas, respeitantes ao último decénio, que correspondam à tradução contabilística das seguintes rubricas, com as discriminações que nesse mapa se contêm: locais de assistência, pessoal, consultas, enfermagem e outros serviços da mesma Federação».

O Sr. António de Almeida: - Sr. Presidente: há dias o nosso ilustre colega Sr. Eng. Monterroso Carneiro pôs em evidência alguns prejuízos espirituais e materiais resultantes de não ser válido na metrópole o bilhete de identidade passado em Angola por serviço oficial.
Porque a validade do bilhete de identidade interessa tão grandemente a Angola como às restantes províncias ultramarinas portuguesas, permito-me abordar de novo esta questão.

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Sr. Presidente: de todos os nossos territórios de além-mar, só Angola dispõe de serviços de identificação civil, sob o nome de Arquivo Central de Identificação Civil e de Registo Policial, criado pela Portaria Ministerial n.º 32, de 12 de Dezembro de 1942, inserta no suplemento ao n.º 46, 1.ª série, do Boletim Oficial- de Angola, e anexo ao Comando da Policia de Segurança Pública de Luanda.
O cartão de identidade passado pelo citado Arquivo não tem valor senão em Angola, não obstante ser adquirido mediante a apresentação de documentos e demais trâmites burocráticos semelhantes aos exigidos na metrópole para idêntico efeito.
Em outras terras de além-oceano existe (e só para os servidores do Estado) um bilhete de identificação, com validade apenas dentro delas, cartão análogo, por exemplo, ao que possuem actualmente os funcionários do Ministério do Ultramar.
Desta sorte, os funcionários públicos ultramarinos que pretenderem vir à metrópole ou seguir para outra província terão numa guia o único documento comprovativo da sua identidade, guia esta expedida pelos respectivos serviços de administração civil, aos quais incumbe também conceder os passaportes para o estrangeiro.
As pessoas sem categoria oficial não possuem documento ultramarino algum a identificá-las; por isso, os indivíduos que desejem demorar-se fora do território em que vivam e queiram reentrar precisam de um salvo-conduto ou passaporte para provarem a sua identidade. Sr. Presidente: tão relevante assunto tem merecido ao Governo a devida consideração, como bem o demonstra a publicação do Decreto-Lei n.º 38 662, de 29 de Fevereiro de 1952, segundo o qual serão instituídas em todas as capitais das nossas províncias de além-mar secções do Arquivo de Identificação; a execução deste diploma tem estado dependente da respectiva regulamentação, prescrita no seu artigo 5.º - que vem sendo estudada cuidadosamente pelos competentes serviços dos Ministérios do Ultramar e da Justiça. Por conseguinte, é de crer que não decorrerão muitas semanas sem que este problema tenha a conveniente resolução - a criação do um serviço nacional a que se subordinem todas as secções de identificação civil portuguesas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Sr. Presidente: a obtenção do bilhete de identidade no ultramar, respeitando também a naturais assimilados, suscita mais algumas considerações.
Antes de ser publicado o regulamento a que se refere o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 38 662 haverá toda a vantagem em rever a situação dos nativos portugueses relativamente à concessão do bilhete do identidade, tanto mais que o assunto foi considerado - e agora com mais amplo e melhor espirito de compreensão - no Estatuto dos Indígenas Portugueses das Províncias da Guiné, Angola e Moçambique, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39 666, de 20 de Maio de 1954, depois perfeitamente esclarecido pela Portaria Ministerial de 21 de Novembro do ano passado quanto à documentação necessária para os indígenas adquirirem o direito à cidadania e à concessão do bilhete de identidade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-E digo mais amplo e melhor espírito de compreensão, e não completa satisfação, por virtude de naquele diploma se consignarem duas condições que julgo algo exageradas: uma exigindo, em vez do exame do 2.º grau de instrução primária, o 1.º ciclo dos liceus ou habilitação literária equivalente, requisito difícil de conseguir por quem, como em Angola e Moçambique, viva longe dos centros urbanos dotados de estabelecimento de ensino secundário - razão por que este preceito a poucas pessoas poderá aproveitar; a outra mantém-se no § ú nino do mesmo artigo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Sr. Presidente: faço votos por que brevemente um bilhete do identidade passado em qualquer território português seja. válido em todas as províncias da Nação e nos nativos do nosso ultramar se facilite mais a obtenção do mesmo bilhete - documento tão importante que, por si só, pode fazer provo, plena da sua cidadania.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Manuel Vaz: - Sr. Presidente: o ilustro Deputado Sr. Pinho Brandão, na sessão de 14 do corrente, exprimiu o receio de que as dotações normais da Junta Autónoma de Estradas fossem utilizadas na construção da ponte da Arrábida, no Porto, e seus acessos.
Felizmente parece que tal não vai acontecer, mas a apreensão tinha sério fundamento, porquanto, a dar-se esse facto, ficaria gravemente prejudicada a execução dos melhoramentos a realizar nas estradas já construídas, como correcção, alargamento e pavimentação, e adiada para um período ainda mais distante a construção das estradas previstas no plano rodoviário que falta efectivar, e tantas são.
Já foi um mal que esta construção passasse para um plano secundário o se lhe não reconhecesse nem a urgência devida nem a necessidade imperiosa que delas tom as populações a servir, porque de uma boa rede de estradas depende essencialmente a vida económica das regiões que beneficia. Anda toda a gente constantemente a pregar que é preciso elevar o nível de vida das nossas populações rurais, principalmente as das zonas interiores do País, que são as mais atrasadas.
Não sei como isso se possa fazer som uma boa estrada a permitir acessos e a facilitar a drenagem dos produtos locais, que não podem descer em razoáveis condições económicas até aos grandes centros de consumo.
O custo das obras de conservação e reparação das estradas, se analisarmos as contas da Junta Autónoma, ultrapassou mais de metade da verba total destinada ao alargamento da rede actual e sua beneficiação, no período de 1946 a 1954, sendo um pouco superior a 47 por cento desse total. A construção das estradas sofreu um atraso considerável, e que maior seria se às dotações normais da Junta só fossem buscar as verbas necessárias para custear as obras da Arrábida, de que a cidade do Porto indubitavelmente carece.
Ainda bem que isso não acontecerá.
Mas a verdade, Sr. Presidente, é que a construção das estradas que faltam para a efectivação do plano rodoviário se impõe com tal urgência em Trás-os-Montes e nas Beiras -as mais desprovidas de ligação - que vale bem a pena fazer um esforço financeiro que permita realizar no mais curto prazo esse plano, sem o qual o progresso económico do País é impossível.
Em boa política económica e social, parece-me que era por aí que deveria começar a sua realização.
Basta olhar para o mapa que acompanha o plano para se chegar a este conhecimento.
Julgo, porém, que não tem sido esta a política seguida, se atendermos aos números para calcular a densidade da rede de estradas por distritos ou regiões.
Em todo o caso, eles poderão dar-nos uma ideia bastante aproximada.

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Da sua análise se verifica que, somadas as verbas despendidas com a conservação, reparação e construção e estradas, só o distrito de Lisboa absorveu 304 000 contos da verba total gasta no período citado, ou seja quase l5 por cento desse total.
A maior parte dos distritos teve dotações inferiores a 90 000 contos.
Se considerarmos apenas a construção, as dotações durante esse período de nove anos são tão diminutas, dadas as necessidades regionais, que, francamente, a impressão é dolorosa.
Há treze distritos em que as dotações para construção foram durante o período atrás referido de menos de 50 000 contos, o que dá por ano a média ridícula de pouco mais de 5000 contos!
E, comparadas estas dotações com o número de quilómetros a construir, em conformidade com o plano rodoviário, os comentários a fazer teriam de ser dolorosos.
Por isso estou absolutamente de acordo com o que se escreveu no parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1954, a p. 154:

Dada a função económica da estrada e a sua influência na vida regional, os critérios na distribuição das verbas requerem que se ponham em relevo muitos factores que parece não terem sido levados em conta no passado.
Uma das causas do atraso económico de muitas regidos está exactamente na deficiência desses critérios.

Em matéria de pavimentação observa-se o mesmo fenómeno, ou seja a baixa percentagem de tipo aperfeiçoado no interior do País, em relação a outros distritos.
O distrito de Vila Real é um exemplo frisante, e, nele, o concelho de Chaves um dos mais abandonados.
Lisboa, Porto, Faro, Leiria e Aveiro têm cerca de GO por cento das suas estradas com pavimentos aperfeiçoados.
Em Beja, Bragança, Castelo Branco, Viseu e Vila Real essa percentagem não atinge 40 por cento.
No que se refere a estudos das estradas por construir acontece a mesma coisa, como se vê das percentagens seguintes:
Em Aveiro, 47,6 km por construir.
Em Lisboa, Leiria e Porto, pouco mais de meia centena.
Em compensação, Beja, Bragança, Castelo Branco, Viseu e Vila Real têm extensões classificadas por estudar superiores a 200 km.
O problema, Sr. Presidente, daria margem a mais largas considerações.
Fico-me, porém, por aqui, na esperança de que tenha chamado a atenção do Governo e da Junta Autónoma de Estradas para a sua gravidade e importância e estes organismos o considerem e resolvam com a brevidade possível, a bem do interesse nacional.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Camilo Mendonça: - Sr. Presidente: pedi a palavra para, em breves considerações, chamar a atenção do Governo para dois aspectos salientes do nosso delicadíssimo problema agrário.
Não vou referir-me, como poderia inferir-se, aos preços agrícolas, nem sequer à justeza ou conveniência da política de preços praticada neste domínio.
Não vou tratar dos preços agrícolas, até porque vai sendo tempo de encarar as questões agrárias atacando as causas, em vez de agir sobre os efeitos, mesmo quando é pelos reflexos que os lavradores sofrem as consequências do crescente desarranjo agrícola.
Os problemas para que vou chamar a atenção interessam, aliás, à eficiência da exploração, com a consequente influência nos custos de produção, e assumem ainda aspectos que respeitam à harmonia, estabilidade e segurança de quantos trabalham a terra. Estes problemas são, de resto, comuns aos países meridionais da Europa e em todos eles vêm sendo encarados, com maior ou menor amplitude, por meios que, nem por serem próprios a cada um dos países, deixam de ter uma certa analogia, já que o fim visado é o mesmo.
Em estudo preparado pela Comissão Económica para a Europa e pela F. A. O. em 1954 expunham-se claramente os aspectos de que me vou ocupar, nos termos seguintes:

A estrutura agrária dos países da Europa Meridional apresenta contrastes flagrantes. No conjunto, as explorações são ou muito grandes ou muito pequenas: de um lado, os latifundia, explorados extensivamente em certas regiões da Itália, na meseta espanhola, no Sul de Portugal e no Sudoeste da Turquia; do outro, as pequenas explorações camponesas, que predominam na Grécia e na maior parte da Turquia e são, frequentemente, muito reduzidas para permitirem uma exploração racional.
Se a este quadro acrescentarmos a dispersão das parcelas e a insegurança dos contratos, a que adiante alude o referido estudo, teremos uma ideia das questões a que importa dar solução tão pronta quanto possível, para que a agricultura possa modernizar-se e a sorte do lavrador melhorar.

Pelo que nos diz respeito, a simples apreciação dos inquéritos às explorações agrícolas do continente, que o nosso ilustre colega engenheiro Araújo Correia analisou nos pareceres sobre as Contas Gerais do Estado relativos a 1952 e 1953, basta para nos dar uma medida da extensão e premência do problema, confirmando, aliás, quanto a observação atenta nos podia claramente mostrar.
Não sou dos que crêem na virtude miraculosa das reformas agrários feitas a régua e esquadro, com muito saber e nobres sentimentos, com muita técnica, mas pouco conhecimento das peculiaridades da vida agrícola.
Não pertenço ao número dos que desconhecem haverem as reformas agrárias frequentemente conduzido a situações em que, em regra, se não atingiram os objectivos económicos nem satisfizeram as aspirações sociais, nem sequer se alcançaram os resultados políticos que não raro estiveram na origem das reformas, como os casos da Grécia e da Itália -já que me referi a países mediterrânicos - exuberantemente demonstram.
Não sendo dos que depositam toda a esperança nas reformas agrárias, nem por isso posso deixar de reconhecer a necessidade imperiosa de tomar medidas, preferivelmente indirectas, que melhorem a estrutura e o regime agrário, dêem ao organismo a força necessária para reagir, criem o clima indispensável à melhoria das condições económicas e sociais do lavrador.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Efectivamente, pelo que respeita à irregularidade da distribuição da propriedade e às formas de exploração do solo, os referidos inquéritos do Insti-

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tuto Nacional de Estatística, sendo elucidativos, postulam uma decidida e pronta intervenção, sob pena de males maiores amanhã.
Assim, começando, tal como os inquéritos, pela situação ao sul do Tejo, verifica-se que no Alentejo só cerca de metade das explorações agrícolas é explorada directamente, por conta própria, dominando, para a outra metade, o arrendamento e subarrendamento, em condições precárias de duração e renda, acentuando-se a predominância do arrendamento à medida que aumenta a área da exploração. No distrito de Portalegre as explorações por conta própria não vão além de um terço, tanto em área como em número de explorações, não excedendo, praticamente, os 00 por cento nos distritos de Beja e Évora.
Já nos distritos de Santarém e Faro as explorações por conta própria atingem dois terços do total, verificando-se uma situação inversa à de Portalegre.
Pelo que respeita à dispersão das parcelas que constituem a exploração agrícola, pode dizer-se que, embora no Alentejo também haja alguma dispersão, esta não é significativa nem preocupante, tanto pela extensão como pelo grau de pulverização. De facto, tanto no distrito de Portalegre como nos de Beja e Évora cerca de metade das explorações forma um todo contínuo.
Condições diversas se encontram noa distritos de Faro e Santarém, não obstante a influência que neste têm os concelhos de transição, pois em qualquer deles só menos de um terço das explorações é formado por um todo contínuo, sendo quase igual o número daquelas em que entram de três a cinco parcelas e elevado o das que são constituídas por mais.
Passando agora a apreciar a situação ao norte do Tejo, com excepção do Minho e Trás-os-Montes, cujos resultados não são ainda conhecidos, observa-se que na Beira Baixa cerca de dois terços das explorações são exploradas por conta própria, na Beira Litoral perto de 70 por cento, enquanto no Douro Litoral e na Estremadura não excedem 50 por cento e na Beira Alta em pouco ultrapassam essa percentagem.
Neste quadro deve notar-se que tanto o distrito de Lisboa como principalmente o do Porto são aqueles em que as percentagens de explorações por conta própria são inferiores a toda e qualquer outra, pois pouco ultrapassam os 40 por cento, sendo assim as mais baixas de todo o continente, situação que não seria certamente esperada.

O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.a parece que afirmou há pouco que, com relação a Trás-os-Montes, não podia fazer afirmações, porque não tinha elementos para tal. E eu peço a V. Ex.a que me esclareça se é por mão existirem esses elementos, se é porque os não pôde obter.

O Orador: - É porque os inquéritos ainda não foram publicados ou, pelo menos, não chegaram ainda ao meu conhecimento.
Temos, pois, que a exploração por arrendamento atinge proporções significativas, tanto no Douro Litoral como na Estremadura, com particular intensidade nos distritos de Lisboa e Porto, como se disse, e tem ainda certa importância na Beira Alta.

O Sr. Pereira da Conceição: - V. Ex.a dá-me licença?
Havendo o maior interesse em acompanhar o pensamento de V. Ex.a, desejaria esclarecer o estudo que acaba de apresentar.
V. Ex.a, na verdade, não está a considerar áreas, mas apenas o número de proprietários. Não é assim?

O Orador: - Sim, senhor.

O Sr. Pereira da Conceição: -Muito bem. Nesse caso, quando se refere u Beira Alta, onde a propriedade está muito dividida e onde há muitos proprietários, considera o caso em relação ao número de proprietários e não à área?

O Orador: - Sim, senhor.
Se da forma de exploração passarmos a analisar a dispersão da propriedade, concluir-se-á que ao norte do Tejo só cerca de 20 por cento das explorações constituem um todo contínuo, das quais metade nos distritos de Lisboa e Porto, e ainda que uma percentagem sensivelmente igual é formada por explorações de seis a dez parcelas, enquanto cerca de 30 por cento contêm entre três e cinco parcelas.
E de notar ainda que 7 por cento das explorações são constituídas por mais de quinze parcelas!
Em resumo: grande importância da exploração por arrendamento e subarrendamento no Alto e Baixo Alentejo, no Douro Litoral e na Estremadura e ainda na Beira Alta; extraordinária dispersão da propriedade ao norte do Tejo, com preponderância e maior gravidade nos distritos onde marcadamente predominam as explorações constituídas por três a cinco e seis a dez parcelas, a saber: Leiria, com 35 por cento e 25 por cento, respectivamente; Coimbra, com iguais percentagens; Aveiro, com 30 por cento e 25 por cento; Guarda, com 3õ por cento e 30 por cento, e Viseu, com 30 por cento e 20 por cento.
E isto sem entrar na análise da dimensão das parcelas e sem considerar o Minho.
Sr. Presidente: não me parece que sejam necessários mais dados para documentar a profundidade e extensão de dois aspectos da nossa estrutura e regime agrário que impõem medidas sérias e prontas.
Se é certo que, sob o aspecto económico, tanto os latifúndio como os mini ou micro fundia, têm reais inconvenientes para o progresso da agricultura, a verdade é que é muito mais simples remediar os inconvenientes daqueles do que dar solução aos problemas levantados por estes.
Consequências sociais têm-nas por igual, implicando, num caso, a proletarização e, no outro, deficientes condições de vida. Se uns têm origem, fundamentalmente, num condicionalismo agro-climático, outros têm raiz tanto na «fome da terra» como na escassez de desenvolvimento industrial disseminado e ainda em regimes jurídicos.
Tenho, de resto, para mim que a intensificação da política de empréstimos para melhoramentos e benfeitorias, em particular o desenvolvimento das pequenas obras de rega, poderá contribuir decisivamente para o parcelamento, se for aliada a uma regulamentação do regime de arrendamento que não esqueça os meios adequados à promoção do rendeiro, por meio da concessão e empréstimos e pela concessão do direito de preferência e opção na compra da propriedade.
Mais haveria a dizer a este respeito; outros meios há que podem ser postos em acção. Ficará, porém, para outra oportunidade, limitando-me por agora a este apontamento, indispensável para que não possam ser mal interpretadas as considerações que desejava ainda fazer sobre a dispersão da propriedade e o arrendamento.
Sr. Presidente: se V. Ex.a e a Câmara me consentem, desejava também fazer algumas considerações sobre os problemas do arrendamento e do emparcelamento, cuja importância espero ter deixado evidenciada.
Embora tenha ouvido e lido críticas frequentes ao arrendamento como forma de exploração do solo, críticas fundadas tanto em razões sociais como económicas, não comungo messes ideais na medida em que se con-

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siderem consequências necessárias, em vez de resultados, de uma aplicarão defeituosa e anárquica do regime.
De facto, bem vistas aã coisas, o arrendamento assemelhar-se-á até a uma forniu de comparticipação no lucro da empresa, desde que a renda se estabeleça nos limites devidos.
Sei bem que, nas condições actuais, o arrendamento é para o proprietário a forma mais económica de explorar a terra, pelo menos durante certo lapso de tempo, mercê dos valores atingidos pela renda, no pensador, aliás, do valor venal da terra e da suspensão de todo e qualquer melhoramento fundiário ou benfeitoria.

O Sr. Carlos Moreira: - Pode até não ser o mais compensador, mas é com certeza o mais cómodo...

O Orador: - Também pode ser.
Sei bem que a regulamentação do arrendamento não é fácil, e a prová-lo está o fracasso da medida tomada com esse objectivo, não concedendo o subsídio de cultura de trigo, hoje igual ao preço-base, ao proprietário da terra explorada por arrendamento, mas, outrossim, ao rendeiro.
Sei bem da falência de algumas tentativas de regulamentação em certos países, nomeadamente em Espanha, lia cerca de três décadas, em virtude de reacções secundárias terem acabado por conduzir a resultados duradouros, inversos aos efeitos procurados.
Não ignoro estes factos, nem desconheço as terríveis consequências técnico-económicas - como verdadeiro atentado contra a fertilidade e defesa do solo, processo prático de impedir a execução de benfeitorias e melhoramentos fundiários, etc. - do regime de arrendamento nas condições presentes, mas tenho de considerar uns e outras como resultado do laisser faire, laisser passer que se vive neste domínio.
Não faz sentido que, na era de segurança social, em que todos os dias e por todas as formas se procura dar aos homens tranquilidade no seu viver, neste particular continuem à mercê de tudo quantos nem têm medo da terra nem hesitam perante as contingências do seu labor.

O Sr. Daniel Barbosa: -V. Ex.a dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

Sr. Daniel Barbosa: - Era apenas para fazer um ligeiro reparo, que não invalida o interesse com que tenho estado a ouvir V. Ex.a Vou fazê-lo inteiramente n vontade, visto não ter quaisquer propriedades arrendadas, e não ser, portanto, um absentista. Dou a V. Ex.a razão nas suas- preocupações, mas não creio que o problema se possa apresentar dentro do simplismo com que V. Ex.a o apresenta.
Falo pelo Minho, onde não me parece fácil fazer o que V. Ex.a pretende quanto aos arrendamentos, e pela simples razão de que o que V. Ex.a preconiza poderá e deverá ser quando muito medida a seguir a outras de muito maior alcance.
O rendeiro vive do seu trabalho, sem avaliar quase sempre dos salários que deveriam ser atribuídos aos seus familiares, visto que só assim consegue pagar uma renda dentro dum sistema em que é caro o que consegue e barato o que vende. A prova está em que a administração directa, a substituir muitos arrendamentos, conduz desde logo ao prejuízo.
Esse problema merece ser resolvido, e tem de sê-lo, é evidente, mas através de medidas de muito maior fundo, na busca de um ajustamento razoável entre o custo da produção e o poder de compra da população.
De outro modo, medidas ajustadoras para os arrendamentos sem apoio numa acção económica de muito maior alcance podiam levar, em certos casos, à situação de não haver possibilidades de arrendar e, portanto, quem arrendasse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Portanto, terei de concluir que V. Ex.a considera que devemos continuar passivos perante a exploração capitalista do rendeiro?

O Sr. Daniel Barbosa: -Repito: para se poder estabelecer condições viáveis de arrendamento deverá ter-se em conta o indispensável equilíbrio entre o preço de custo e o preço de venda.
Eu não sei se V. Ex.a se lembra de. que um grande economista americano - Boulding - disse um dia unia grande verdade: é que não se podem tratar problemas de economia da mesma maneira que certas pessoas poderiam tentar tratar das icterícias, isto é, pintando-as de cor-de-rosa, em vez de lhes tratar do fígado.

O Sr. Águedo de Oliveira: - Mas não é o caso do Sr. Deputado Camilo Mendonça, que está a tratar simplesmente do problema geral...

O Sr. Carlos Moreira: - Mas o caso é que o Sr. Deputado Camilo Mendonça tem estado simplesmente dentro do campo da fantasia e parece não querer descer, como o fez o Sr. Deputado Daniel Barbosa, ao campo das realidades...

O Orador: - Fantasias? Fantasias que podem levar a casos como o de Fernão Ferro.
Regulamente-se o arrendamento tendo em atenção as exigências do objecto e os legítimos direitos do sujeito; regulamente-se o arrendamento de sorte que a defesa do solo, a manutenção e desenvolvimento da sua fertilidade e a possibilidade de levar a efeito melhoramentos e benfeitorias sejam assegurados, ao mesmo tempo que a estabilidade do rendeiro, os seus direitos-preferências na compra da propriedade e adequada limitação da renda sejam eficazmente defendidos; proceda-se à necessária regulamentação do arrendamento, e ... tudo será diferente.
Difícil? Talvez. Difícil, mas não impossível. A regulamentação do arrendamento impõe-se por motivos técnico-económicos e razões sociais que postulam a sua urgência.
De resto, que eu saiba, já há dez anos foi feito um projecto e, entretanto, que me conste, outros têm sido elaborados, mas não foi possível chegar ao fim, não obstante o alcance da medida.
Dificuldades técnicas? Dificuldades jurídicas? Não sei. Sei apenas que continuamos, cada vez mais, a carecer de regulamentar o arrendamento.
O outro aspecto a que desejava referir-me é o da crescente dispersão e pulverização das propriedades, agravando custos de produção, impedindo uma racional exploração do solo, dificultando, até tornar impeditiva, a utilização da maquinaria, numa palavra, obstando u modernização da nossa agricultura.
Não desconheço as extraordinárias dificuldades de remediar um mal desta natureza, mas não ignoro que, a continuar a agravar-se, cada vez será maior o mal e mais difícil o seu combate.
O problema não é especificamente nosso, pois é comum à maioria dos países europeus. O que é especificamente nossa é a ausência de medidas atinentes a combatê-lo ou mesmo visando a sustá-lo. Efectivamente, por toda a parte se ensaiam processos ou modos de emparcelamento e se tomam medidas destinadas a impedir a proli-

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feração de parcelas - cada vez em maior número, mais dispersas e com menores dimensões.
Dou aqui como reproduzidas todas as dúvidas levantadas acerca do problema do parcelamento e, por idênticos motivos, concluo pela necessidade de caminhar com prudência e, preferentemente por processos indirectos. Mais: entendo que já será muito se vier a conseguir-se sustar o mal, como primeira indicação para ulterior procedimento construtivo.
Para isso é indispensável uma legislação apropriada, tanto sobre as divisões por herança como por compra, e o alargamento do direito de opção, além de ser necessário prever empréstimos para o efeito.

O Sr. Proença Duarte: - Permita V. Ex.a, Sr. Deputado Camilo Mendonça, que lhe diga que há uma disposição - a do artigo 107.º do Decreto N.º 16 731 - que proíbe a divisão com base inferior a 0,5 ha. E isso cumpre-se rigorosamente.

O Orador: - Conheço perfeitamente essa disposição, mas posso garantir que na prática não se executa, continuando a pulverização de facto a operar-se.

O Sr. Proença Duarte: - Eu, pelo contrário, garanto que se cumpre.

O Sr. Mário de Figueiredo: -Se V. Ex.a me dá licença. Sr. Deputado Proença Duarte, posso, com a experiência e o contacto que tenho com a gente da terra, garantir que da disposição por V. Ex.a citada resulta uma situação verdadeiramente horrível, porque, se não se pode legalmente proceder à divisão, o caso é que se divide de facto, criando-se situações de facto insustentáveis, por não corresponderem a situações de direito consolidadas.
Chega-se a isto: divide-se a herança, mas os herdeiros ficam comproprietários de cada parcela, de que depois fazem entre si divisões de facto, sem valor jurídico. Aumenta-se o parcelamento de facto.
Legalmente, são bens não repartidos; mas o que nos interessa não é a legalidade, é a realidade, e em muitas regiões do País as coisas estão a ser conduzidas a formas de parcelamento inconcebíveis.
Simplesmente, a situação fica sem nenhuma consistência jurídica pela vida fora.

O Sr. Proença Duarte: - Em determinadas regiões os herdeiros têm de legalizar a coisa vendendo uns aos outros. Na minha região assim acontece e a minha experiência de advocacia diz-me que isto é assim.

O Orador: - Não ignoro quanto para este problema pesam a «fome da terra», a falta de desenvolvimento industrial nos meios rurais, a instabilidade e insegurança do trabalhador agrícola assalariado, o alto valor venal da terra, a impreparação dos lavradores e, por sobre tudo. as razões psicológicas e sentimentais que sobre ele impendem.
Mas as dificuldades são também uma medida de extensão do problema - da extensão e da premência.
A tarefa de elevar o nível de vida das nossas populações rurais, de melhorar a situação económica da nossa lavoura, de modernizar a nossa agricultura, além de ser um objectivo, tem de constituir um programa, já que o organismo agrário não pode manter-se por mais tempo sem intervenções adequadas, sob pena de previsíveis transtornos sociais e perturbações políticas.
Não se esqueça que as soluções precipitadas como meio de enfrentar situações, perturbadas resultam, normalmente, do diferimento dos problemas, da falta de oportunidade das medidas.
A paz e a prosperidade da nossa lavoura exigem que estes problemas sejam enfrentados sem detença; e diga-se bem claramente que as gentes do pampo bem o merecem.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vai iniciar-se a discussão na generalidade da proposta de lei que institui as corporações.
Tem a palavra o Sr. Deputado Dinis da Fonseca.

O Sr. Dinis da Fonseca: -Sr. Presidente: hesitei muito em tonrar parte neste debate. É certo que nunca subi os degraus desta tribuna sem sentir a angústia e o peso das responsabilidades que ela impõe.
E este sentimento, longe de se atenuar, tem-se agravado com os anos.
Este debate revestia-se, porém, de agravantes especiais, pela vastidão e importância do problema.
Como diz o doutíssimo parecer da Câmara Corporativa - a cujo ilustre relator e Dignos Procuradores signatários me apraz render deste lugar as minhas homenagens -, a matéria em discussão suscita um mundo de problemas, que exigiriam prolongado estudo e madura reflexão, que a estreiteza do tempo não consentem.
Como elucida ainda o mesmo parecer, não se trata de uma simples proposta de lei ou de um mero estatuto jurídico, mas de ordenar uma reforma da estrutura social e política a que não se duvida atribuir um carácter revolucionário, constituindo uma viragem da nossa história.
Tudo isto faz aumentar a responsabilidade política e moral dos intervenientes neste debate; e, receoso de não poder considerar-me suficientemente esclarecido, hesitei seriamente em subir a esta tribuna.
Esquematicamente considerado, o assunto em debate pode ser encarado sob três aspectos fundamentais:

a) O aspecto doutrinal;
b) O aspecto que, à falta de melhor termo, chamarei morfológico, ou dos critérios práticos que devem presidir à integração das diversas actividades ou funções sociais e políticas no regime corporativo;
c) Finalmente, o aspecto político, ou seja a oportunidade, a conveniência e a possibilidade social e política da revolução ou viragem histórica que se projecta.

Não sendo possível abordar todos estes aspectos, escolhi para tema das minhas ligeiras considerações o terceiro - o aspecto político -, e direi porquê:
O aspecto doutrinal é delicado, mas teoricamente atingível. O douto parecer da Câmara Corporativa conseguiu elucidar-me sobre o verdadeiro sentido do que chama «a nossa escola corporativa», fixado no próprio texto da Constituição de 1933: «corporativismo quase integral e autónomo», e portanto, radicalmente diferente do corporativismo de Estado ou socialismo corporativo, cuja realização foi intentada pelo fascismo italiano, e mais amplo do que as simples aplicações ou métodos corporativos que se encontram já ensaiados em muitos países, embora disfarçados sob vários rótulos, paru tugir ao descrédito lançado sobre o corporativismo pelas experiências fadista e hitleriana, que levaram os seus adversários a acusá-lo de totalitarismo.

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O aspecto morfológico abre uma infinidade de fórmulas, cuja escolha e adopção depende, por um lado, da orientação doutrinal e, por outro, das rectificações a que possam conduzir os ensaios experimentais.
O aspecto, porém, que se me afigura mais momentoso e de maior interesse para a discussão desta Assembleia é o aspecto político, que poderemos resumir nestes termos:

a) Será oportuna e conveniente a reforma corporativa que o Governo intenta levar a efeito?
b) Estarão reunidas as condições sociais e políticas que tornem possível e frutuosa a estruturação corporativa da Nação?

Este é, quanto a mim, o ponto crucial deste debate, e, por isso, embora sentisse a minha insuficiência para o tratar com a altura e profundeza que requeria, atrevi-me a chamar para ele a atenção da Assembleia, no intuito de despertar o interesse dos que com maior competência o pudessem versar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É de notar a coincidência de este debate sobre a reforma corporativa se seguir à aprovação de uma lei que visa a preparar a Nação para o tempo de guerra, encarada como possível solução catastrófica do temeroso conflito travado entre o Oriente e o Ocidente. Toda a política internacional do Mundo gira nesta hora à volta deste possível conflito armado com estes dois objectivos: manter as nações ocidentais vigilantes para impedir a surpresa ou a audácia de uma agressão vinda de Leste; robustecer as forças defensivas por forma a torná-las eficientes contra a violência terrorista de ataques camuflados com a diplomacia dos sorrisos!...
Ora a transformação corporativa a que visa a proposta de lei em debate liga-se mais intimamente do que podia parecer ao problema da defesa internacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A revolução pelas armas com que o Oriente ameaça o Ocidente tem atrás de si um conflito de ordem ideológica, baseado, sobretudo, em conceitos económicos irredutìvelmente opostos aos do Ocidente!
Segundo a ideologia marxista, os meios e métodos da produção comandam todas as transformações da história. Na evolução económica do século xis assistimos no predomínio sucessivo dos factos da natureza, do trabalho e do capital. Um conjunto de circunstâncias concorrentes e favoráveis à revolução industrial processada no último século fez do capital o grande dominador económico e da expansão industrial a fonte de prosperidade de grandes nações.
O industrialismo, em regime de monopólio prático, impôs aos países agrícolas ou atrasados na industrialização uma espécie de servidão económica. O trabalho de cada operário industrial era computado em cerca de dez vezes o valor do trabalho agrícola, e por isso cada empresário industrial julgava-se no direito de beneficiar por cada um dos operários ao seu serviço do trabalho de dez escravos submetidos ao seu jugo económico!
Ora esta exploração exercida pelas nações industrializadas derivou de circunstâncias especiais, que não puderam subsistir.
Logo que os concorrentes industriais aumentaram e a possibilidade de colocar os produtos se restringiu, a alta rendabilidade do industrialismo entrou em crise.
Com ela se exacerbaram as rivalidades entre os povos, que levaram às duas grandes guerras e que, segundo a ideologia marxista, arrastarão à liquidação catastrófica da chamada civilização burguesa ou capitalista.
O conflito entre o Oriente e o Ocidente tem, pois, dentro de si o antagonismo ideológico das soluções do colectivismo marxista contra os conceitos económicos do individualismo capitalista.
A crise económica deste - dizem os marxistas - irá aumentando de violência até ao seu extermínio.
A guerra trouxe-lhe um balão de oxigénio, aliviando-o dos milhões de desempregados que o afogavam.
E neste momento procura na automatização das empresas um falso remédio, que, aumentando a produção, sem aumentar o consumo, levará ao agravamento da sua crise, ou seja à impossibilidade de elevar ou manter o nível dos lucros, em que a economia capitalista vê a finalidade e o motor de toda a economia.
O único remédio seria moderar ou prescindir dos lucros excessivos, mas isso não pode fazer a economia capitalista sem renunciar aos seus próprios conceitos e, portanto, sem se negar a si mesma. Daqui conclui a ideologia marxista: a fatalidade da solução catastrófica, que porá termo à exploração capitalista, atribuindo a propriedade de todos os instrumentos de produção à colectividade.
Ora é nesta luta entre o individualismo capitalista e as falsas soluções comunistas que surge a doutrina corporativa, como fórmula independente dos dois extremos, opondo à economia capitalista e ao falso remédio de uma economia colectivizada uma economia organizada em regime de aproximação e de conciliação de todas as actividades e interesses sociais; de disciplina e equilíbrio de todos os factores da produção, em ordem à defesa do bem comum e dos interesses superiores da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, a oposição que está posta é entre uma economia corporativa, destinada a substituir ou temperar a economia capitalista, e a imposição revolucionária duma economia colectivizada.
A história mostra-nos que sempre que uma ideologia perdeu a sua virtualidade social, como está acontecendo ao individualismo económico, se os interesses criados teimam em mante-la, acaba sempre por ser substituída por meios violentos.
É, pois, a subversão social que importa evitar pela reforma pacífica.
Adoptar a doutrina corporativa não é regressar a uma fórmula medieval - como alegam os seus detractores -, mas preferir uma doutrina que resgata da tradição o espírito de conciliação e de disciplina dos factores económicos, que assegurou a todas as nações da Europa a paz social durante mais de cinco séculos!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O agravamento da crise económica acabará por impor o dilema: ou uma economia organizada ou uma economia colectivizada!
Se aceitarmos como bem fundadas as premissas deste dilema, não poderemos deixar de reconhecer a oportunidade e a conveniência da instauração da solução corporativa, como fórmula oposta aos desvios individualistas e meio eficaz de combate às soluções anti-sociais do comunismo.
O professor romeno Manoilesco, no seu famoso livro O Século do Corporativismo, procura demonstrar que a conclusão de Marx vendo no advento do comunismo uma imposição fatal do determinismo histórico está errada, pois, bem ao contraído, só o corporativismo

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corresponde e dá inteira satisfação às imposições históricas do nosso século.
Sr. Presidente: mas, reconhecida a conveniência e a oportunidade, resta-nos encarar o último ponto: estarão reunidas as condições sociais e políticas para instaurar uma reforma corporativa no nosso país?
A primeira condição para poder vingar qualquer reforma de estrutura s a existência duma forte corrente de ideias que a imponha, ou seja, na nossa hipótese, a existência duma forte consciência social corporativa.
Existirá entre nós essa forte consciência corporativa?
É o próprio Governo que reconhece que essa consciência não existe e, por isso, se propõe criá-la, pela forma que dispõe a lei que a Assembleia acaba de votar.
Mas esta arrancada corporativa supõe uma transformação mental e moral da consciência- cívica e social do País. É preciso reconhecer que nesta se mantém, por um lado, anua larga sobrevivência de ideias e processos individualistas e, por outro que nela influem, infelizmente, audaciosas infiltrações de ideias socialistas e comunizantes.
Deste modo, podem fàcilmente ser vítimas de ilusão os que supuserem a arrancada corporativa uma tarefa fácil.
O parecer da Câmara Corporativa reconhece que os ensaios corporativos até hoje feitos entre nós, embora orientados pela melhor doutrina, acabaram por sofrer, em vários aspectos, por falta de uma forte consciência social corporativa e devido às circunstâncias da guerra, que impuseram aos organismos em ensaio funções aberrantes da morfologia corporativa.
E por isso o mesmo parecer insiste na necessidade imperiosa de defender a nossa experiência corporativa de falsos conceitos que a desvirtuem, apresentando-a apenas como muralha defensiva dos interesses criados contra as arremetidas do Oriente; ou, pior ainda, deturpando-a nos seus objectivos e fazendo das corporações, à semelhança das supercapitalizações norte-americanas, apenas grandes organizações monopolistas.
Se este desvirtuamento viesse a tornar-se possível, teríamos sob o rótulo vistoso do corporativismo, apenas um reforço camuflado das posições e das ideias capitalistas!
E contra este perigo que importa estar de sobreaviso.
Também não poderemos esperar que o impulso nos venha de fora, porque, como fez notar o professor Manoilesco a consciência corporativa é igualmente muito fraca na Europa, onde a ideia corporativa sofreu, não só o descrédito dos ensaios fascista e hitleriano, a que já aludimos, mas ainda o contragolpe da euforia regressiva do individualismo económico-político, instaurado pelos aliados vitoriosos de braço dado com o comunismo russo!...
Não tardou, porém, que esta camaradagem se desvanecesse e voltasse a acentuar-se o conflito entre a economia colectivizada e a economia capitalista. Nem a uma nem a outra poderá pertencer o triunfo, mas à economia organizada sob o signo corporativo.
O professor Manoilesco reconhece que nunca uma época tão decisiva como a nossa encontrou homens tão mal preparados para a orientarem, mas poderemos talvez dizer que ó tão grande a efervescência histórica dos nossos dias que. no contrário do que costuma acontecer, as próprias ideias podem ser arrastadas pelos acontecimentos; estes podem precipitar-se, avançando além da gestação ideológica já feita.
A urgência das soluções salvadoras impulsionará a própria consciência pública.
O parecer da Câmara Corporativa tem fé num escol que dominará, pela qualidade, «o turbilhão de interesses materiais que não querem ser perturbados na quietude regulada das posições adquiridas».
E o mesmo parecer conclui com este apelo:

A empresa é dura, mas heróica. E este grande pequeno puís, para onde o dedo da Providência apontou, vai direito u luta das ideias, na consciência segura de que interpreta o sentido e o anseio da civilização ocidental e cristã, que ajudou a construir e está apostado em sustentar.
Saibamos corresponder-lhe com o nosso dever patriótico e o nosso optimismo. A Câmara não os recusa.

Suponho, Sr. Presidente, interpretar o sentimento desta Assembleia afirmando que ela acompanha a Câmara Corporativa nos seus nobres sentimentos!
Se faz alguns reparos, levanta dúvidas, ou aponta algumas divergências, é ainda no intuito de defender a pureza da sua linha doutrinal ou de tornar a reforma mais resistente às dificuldades que a sua execução possa suscitar.
Tal como nos aconteceu com a reforma financeira - em que o déficit foi extinto e obtido o equilíbrio orçamental, contra o parecer dos técnicos da Sociedade das Nações e à custa duma verdadeira luta contra a incompreensão e a resistência de muitos portugueses aos sacrifícios individuais e colectivos que se tornaram indispensáveis-, também haverá que contar que a arrancada corporativa, chamada a vencer o déficit ideológico de que padecemos, só poderá triunfar das incompreensões, das deficiências e dos desvios a que está sujeita à custa duma dura batalha e dos sacrifícios que não pode deixar de impor.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A reforma corporativa supõe a realização de um equilíbrio entre as actividades económicas do País e os vários factores da produção, equiparável ao equilíbrio financeiro das receitas e despesas públicas.
Ao predomínio do capital, como factor mais forte numa economia entregue ao livre jogo dos seus factores, a economia corporativa terá de opor o predomínio duma economia organizada, que supõe uma disciplina social dos interesses, imposta pelo direito à vida de todos os elementos da Nação; que supõe o exercício da função social atribuída pela Constituição à propriedade, ao capital e ao trabalho; que supõe a limitação ou restrição dos interesses fundados no lucro como único objectivo das actividades económicas, ou na ideia do enriquecimento de um grupo, ou de alguns grupos, à custa da angústia económica da maior parte da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É contra este individualismo indiferente à sorte do maior número - como o foi sempre n economia política das velhas democracias helénicas, enquanto alguns milhões de homens reduzidos à escravidão dispensavam o Estado de preocupar-se com o gravíssimo problema da subsistência pública -, é contra esta tese que impôs a teoria do Estudo neutro em ideias e indiferente ao livre jogo dos interesses egoístas que se levanta a tese corporativa, para fazer prevalecer os interesses do bem comum aos interesses exclusivos do capital ou do trabalho; para sujeitar todos os factores da produção a um ajustamento reclamado pela justiça social, que a economia política deve defender e servir.
Quem conhece as intervenções exigidas pelo capitalismo americano e levadas a efeito com as experiências do New Deal de Roosevelt e do Fair Deal de Truman pode avaliar dos esforços por ele feitos para salvar as

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suas posições contra os ataques virulentas do comunismo, que as declarava um crise permanente e anti-social.
E devemos reconhecer que, se algumas vezes a crítica comunista pode ter razão, não a tem nos falsos e catastróficos remédios que propõe.
Precisamente neste momento não falta quem chame a atenção para o que se está passando com a grave crise de abundância de produtos agrícolas de que sofre a agricultura americana, industrializada em regime capitalista.
Como é sabido, a América do Norte protegeu a sua agricultura, garantindo aos seus empresários preços lucrativos e compras maciças das produções.
Perante a impossibilidade de encontrar escoamento para a pletora dos produtos armazenados, em vez de queimar os excessos ou deitá-los ao mar, como fez noutras crises, acaba de resolver pedir aos produtores que limitem as suas culturas, indemnizando-os por cada hectare que deixarem de cultivar!
E ainda o critério capitalista de manter os lucros a todo o custo, mesmo na falta de consumo!
Mas esta situação anómala só poderá manter-se enquanto as outras indústrias n puderem suportar quando, porém, a crise atingir toda a produção industrial - como prognostica Manoilesco -, não haverá outro remédio senão a diminuição fatal dos lucros dos empresários capitalistas ou a sua falência!
Manoilesco considera o sacrifício dos lucros capitalistas excessivos essencial, não só à subsistência da economia ocidental, mas à própria salvação da Europa !
De nada vale multiplicar os produtos pela automatização das fábricas, à busca de maiores lucros, se os operários, despedidos aos milhares, acarem sem trabalho e. por isso, em situação de desemprego e subconsumo.
A tese optimista da fácil reabsorção do desemprego tecnológico começa a cair em descrédito perante as legiões de desempregados que reclamam o direito ao trabalho!
A rentabilidade da industrialização gigantesca e crescente, sem olhar às possibilidades de consumo, é um dos mitos do industrialismo, que nenhum automatismo poderá salvar.
A renda ou os benefícios não poderão ser proporcionais aos investimentos, nem ao aumento da produção, mas apenas às possibilidades do consumo e ao equilíbrio social dos rendimentos.
Daqui a necessidade duma organização corporativa e o valor social e humano duma fórmula económica que assenta na conciliação dos interesses e na garantia da paz social, tão indispensável ao fortalecimento e à defesa da ordem interna, das nações como a coordenação das forças militares o é para a defesa da ordem internacional.
Em conclusão: a reforma corporativa é conveniente e oportuna à defesa da paz social; torná-la possível é um dos imperativos políticos da nossa revolução nacional; e, desde que esse imperativo corresponde ao sentido renovador da história e à defesa dos mais altos interesses nacionais, na possibilidade do seu triunfo está empenhada a honra e o valor da nova geração! Importa, porém, desfazer duas ilusões que a podem comprometer: uma que supõe que a arrancada corporativa poderá dispensar uma persistente e sacrificada batalha; outra que- declara a Revolução Nacional já esgotada de forçam para tamanha empresa, que o mesmo é dizer já vencida pelo derrotismo e pela falta de fé instalados no seu próprio seio!...
Mas a Revolução continua e estamos certos de que os seus condutores saberão afastar todas as ilusões que contrariem os seus objectivos essenciais, e por isso mais uma vez podemos confiar no seu patriótico triunfo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A próxima será no dia 10, e não haverá, portanto, sessões nestes dias intervalares, por ser necessário que as comissões às quais foi mandada baixar esta proposta ultimen o seu exame e se preparem convenientemente para a discussão que vai continuar-se na sessão do dia 10.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados que entraram, durante a sessão:

André Francisco Navarro.
António Calheiro Lopes.
Eduardo Pereira Viana.
José Dias de Araújo Correia.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Ricardo Malhou Durão.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
António de Almeida Garrett.
António Carlos Borges.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Rodrigues.
António Russel de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
João Afonso Cid dos Santos.
João Alpoim Borges do Canto.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
Joaquim de Moura Relvas.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bossa.
José Soares da Fonseca.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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