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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 166
ANO DE 1956 14 DE JULHO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)
SESSÃO N.º 166, EM 13 DE JULHO
Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mos Srs. Castão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 50 minutos.
Antes da ordem do dia. - O Sr. Deputado Pinto Barriga apreciou as informações que lhe tinham sido fornecidas por vários Ministérios.
O Sr. Deputado António de Almeida preconizou a defesa das obras de arte gentílica e das descobertas arqueológicas no ultramar.
O Sr. Deputado Carlos Moreira contou o que se passa quanto à estátua de Diogo Cão a erigir em Vila Real.
O Sr. Deputado João Valença solicitou o desassoreamento do rio Lima.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate acerca da proposta de lei que institui as primeiras corporações.
Falaram os Srs. Deputados Manuel Vaz, Santos da Cunha, Furtado de Mendonça e Cortês Pinto.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 13 horas e 5 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 10 horas e 50 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
Antão Santos da Cunha.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
Artur Águedo de Oliveira.
Augusto Cancella de Abreu.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Luís Augusto das Neves.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
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José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário de Figueiredo.
Sebastião Garcia Ramires.
Venâncio Augusto Deslandes.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 43 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 11 horas.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Pinto Barriga.
O Sr. Pinto Barriga : - Sr. Presidente : foram-me ontem entregues, em um de sessão, os elementos que me enviaram diferentes Ministérios. Agradeço-os reconhecido. E vejo que nunca mais poderá ser verdadeira - assim o espero - a transformação visual que sofriam os despachos de V. Ex.ª sobre os meus requerimentos. Onde estava escrito o clássico despacho «expeça-se» liam certos organismos «esqueça-se».
A primeira resposta diz respeito às concessões mineiras de petróleo em Timor. Leio-a na sua Integra para a Câmara ver como ela responde satisfatoriamente às minhas dúvidas:
1.º A concessão foi feita a um cidadão português, pela Portaria n.º 15 664, publicada no Diária do Governo n.º 225, de 9 de Outubro de 1954.
Aqui há a observar que a noticia fornecida pela ANI e publicada nos jornais está errada, e já estava errada em jornais ingleses anteriores, onde foi colhida.
A noticia, como dizem os periódicos, foi dada por uma brigada de técnicos que o concessionário enviou a Timor para colher elementos que permitam planear os estudos e trabalhos que pretende desenvolver; e daqui facilmente os jornais confundiram técnicos e concessionário.
2.º Como se diz no n.º 1.º, a concessão foi feita a um cidadão português, nos termos da Lei de Minas, o que assegura obediência ao preceituado na Constituição (artigo 162.º e n.º 3.º do artigo 164.º).
E por Lei de Minas entende-se a lei geral e os diplomas especiais em vigor, mormente o Decreto de 20 de Setembro de 1906, o Decreto de 9 de Dezembro de 1909, o Decreto-Lei n.º 32 251, de 9 de Setembro de 1942, e o Decreto n.º 39 203, de 11 de Maio de 1953.
Embora o artigo 19.º (com os artigos 119.º, 121.º e 127.º) do Decreto de 20 de Setembro de 1906 já proíba a transmissão dos direitos mineiros, houve o cuidado de incluir esse preceito na portaria de concessão (Portaria n.º 15 064), que no seu n.º 4.º dispõe:
4.º A transferência para qualquer sociedade deverá ficar subordinada a autorização do Governo, a apreciar perante a constituição da sociedade.
Isto é, a possível transferência, comandada pelo Governo, equivale a uma nova concessão a entidade diferente.
3.º Ainda é a mencionada Portaria n.º 153 064 que responde a esta questão.
A concessão, dada nos termos da Lei de Minas, tem, contudo, condições mais pesadas, no depósito de garantia (500.000$), em despesa mínima com pesquisas (3:000.000$) e, principalmente, na comparticipação a receber pelo Governo da província, que, enquanto a Lei de Minas a fixa em 0,5 por cento, a Portaria 15 064 fixa-a em 10,5 por cento de todo e qualquer produto extraído.
Não poderia deixar de testemunhar ao Sr. Ministro do Ultramar toda a minha satisfação agradecida pela prontidão e carácter satisfatório da resposta.
O Sr. Ministro da Economia, através da Direcção-Geral dos Serviços Industriais, respondeu-me acerca das indústrias em regime de exclusivo. Agradeço e dou conta à Câmara dos elementos importantes dessa resposta, prezando, contudo, mais pormenorizadas e actualizadas informações.
Indústrias que funcionam em regime de exclusivo de direito
«Ver tabela na imagem»
(a) Exclusivo de direito e não de facto, porque existe outra fábrica de tubos de aço.
Pneumáticos e câmaras-de-ar para veículos automóveis (a)
«Ver tabela na imagem»
(a) Única modalidade conhecida. O prazo do exclusivo da Mabor terminou em 6 de Abril do ano corrente.
(b) Renovação de um pedido anterior.
Os elementos que o Ministério da Economia me mandou através da Comissão de Coordenação Económica são deveras interessantes, embora me chegassem tarde - anteontem - para serem aproveitados na minha última intervenção na ordem do dia - tresantontem. E quero salientar que essa Comissão apresentou, como ela própria declara, «oportunamente à consideração superior uma
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proposta com o fim de promulgar normas legais relativas à administração dos organismos dela dependentes. Se essa proposta foi transformada em projecto de diploma, e em que condições, afigura-se ser problema que transcende o âmbito ou a competência desta Comissão».
Em face desta resposta devolvo a pergunta às entidades ministeriais.
Como se torna muito interessante o conhecimento dos dados que me foram enviados para o debate em ordem do dia, passo a lê-los, para ficarem incorporados na minha intervenção, reservando-me o direito de discutir a sua técnica orçamentológica em ocasião oportuna e de pedir a sua discriminação por cada organismo, para assim melhor julgar essa administração:
Organismos de coordenação económica
Receitas e despesas efectivas (orçamentos)
«Ver tabela na imagem»
Organismos corporativos
Receitas e despesas efectivas (orçamentos)
«Ver tabela na imagem»
Organismos de coordenação económica
Receitas e despesas efectivas (contas de gerência)
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Organismos corporativos
Receitas e despesas efectivas (contas de gerência)
«Ver tabela na imagem»
MAPA N.º 1
Organismos de coordenação económica
Orçamentos
«Ver tabela na imagem»
(a) Inclui receitas próprias e de fundos corporativos.
(b) Não constitui própriamente o movimento de recitas efectivas, mas sim de operações de capitais destinados a financiamentos às actividades coordenadoras e a intevenções de defesa dos mercados. V. Nota explicativa.
(c) Corresponde a importâncias cobradas para entrega a terceiros, com a natureza, pois, de simples operações de tesouraria. V. Nota explicativa.
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MAPA N.º 2
Organismos de coordenação económica
Orçamentos
«Ver tabela na imagem»
(a) Inclui despesas próprias e de fundos corporativos.
(b) Não constitui pròpriamente movimento de despesas efectivas, mas sim de operações de capitais destinados a financiamentos as actividades coordenadas e a Intervenções de defesa de mercados. V. Nota explicativa.
(c) Correspondo às «Receitas consignadas», isto é, às importâncias cobradas com destino a terceiros. Estas Importâncias têm, pois, a natureza de simples operações do tesouraria. V. Nota explicativa.
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MAPA N.º 3
Organismos corporativos
Orçamentos
«Ver tabela na imagem»
(a) Inclui receitas próprias e de fundos corporativos.
(b) Não constitui pròpriamente o movimento de receitas efectivas, mas sim de operações do capitais destinados a financiamentos às actividades disciplinadas e a Intervenções de defesa dos mercados. V. Nota aplicativa.
(c) Corresponde a importâncias cobradas para entrega a terceiros, com a natureza, pois, de simples operações de tesouraria. V. Nota explicativa.
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MAPA N.º 4
Organismos corporativos
Orçamentos
«Ver tabela na imagem»
(a) Inclui despesas próprias e de fundos corporativos.
(b) Não constitui pròpriamente movimento de despesas efectivas, mas sim de operações de capitais destinados a financiamentos às actividades disciplinadas e a intervenções de defesa de mercados. V. Nota explicativa.
(c) Corresponde às «Receitas consignadas, isto é, às importâncias cobradas com destino a terceiros. Estas Importâncias tem, pois, a natureza de simples operações do tesouraria. V. Nota explicativa.
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MAPA N.º 5
Organismos de coordenação económica
Contas de gerência
«Ver tabela na imagem»
(a) Inclui receitas próprias e de fundos corporativos.
(b) Não constitui pròpriamente o movimento de receitas efectivas, mas sim de operações de capitais destinados a financiamentos às actividades coordenadas e a intervenções de defesa dos mercados. V. Nota explicativa.
(c) Corresponde a Importâncias cobradas para entrega a terceiros, com a natureza, pois, de simples operações de tesouraria. V. Nota explicativa.
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MAPA N.º 6
Organismos de coordenação económica
Contas de gerência
«Ver tabela na imagem»
a) Inclui despesas próprias e de fundos corporativos.
b) Não constitui pròpriamente movimento de despesas efectivas, mas sim de operações de capitais destinados a financiamentos às actividades coordenadas e a intervenções de defesa da mercados. V. Nota explicativa.
(c) Corresponde as «Receitai consignadas», isto é, as importâncias cobradas com destino a terceiros. Estas Importâncias têm, pois, a natureza de simples operações de tesouraria. V. Nota explicativa.
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Sr. Presidente: quanto aos emolumentos pagos ao Tribunal de Contas pelos organismos de coordenação económica, do Ministério da Economia recebi o quadro que agradeço e cuja leitura passo a fazer:
Emolumentos pagos ao Tribunal de Contas
Ano de 1955
Instituto Nacional do Pão. ..... 32.024$00
Instituto Português de Conservas de Peixe ... 100.000$00
Instituto do Vinho do Porto. .... 100.000$00
Junta Nacional do Azeite ...... -$-
Junta Nacional das Frutas ..... 50.000$00
Junta Nacional dos Produtos Pecuários -$-
Junta Nacional dos Resinosos .... 60.802$00
Junta Nacional do Vinho ...... 50.000$00
Junta dos Lacticínios da Madeira .... 17.918$00
Comissão Reguladora do Comércio de Algodão em Rama........ 50.000$00
Comissão Reguladora do Comércio de Arroz .......... 50.000$00
Comissão Reguladora do Comércio de Bacalhau. ........... 150.000$00
Comissão Reguladora das Oleaginosas e Óleos Vegetais. ........ 33.357$00
Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos. .... 50.000$00 Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores .....-$-
Comissão Reguladora das Moagens de Ramas .............100.000$00
Total ..........794.101$00
No Tribunal de Contas, como professor que fui da cadeira de Finanças e como Deputado da Nação, merecem-me os mais altos encómios quer os meritíssimos juizes, quer o pessoal, que tão bem o serve e à Nação. Por tudo isso parece-me útil confiar-lhe a fiscalização contabilístico-orçamentológica de todos os organismos corporativos; mas entendo que os emolumentos que são exclusivamente destinados ao Estado deveriam ser alterados legislativamente, por me parecerem onerosos de mais, mesmo se os compararmos com as despesas orçamentais que o Estado tem com esse Tribunal: 0230 contos para este ano, 5208 contos para o ano anterior, e, como vemos do quadro anterior, as receitas emolumentares com os organismos de coordenação económica devem subir a mais de 1000 contos, contando com outros organismos que não dependem do Ministério da Economia.
Ao Sr. Ministro da Educação Nacional, que tenho a honra de ter como colega no mesmo estabelecimento de ensino universitário, permito-me agradecer, penhorado, os elementos que mandou enviar-me sobre diuturnidades. O que dissesse da sua acção ministerial podia ser tomado a mero titulo duma revelha amizade, estima e admiração, mas o que pensam da sua actuação professores, alunos e encarregados de educação só pode ser levado à conta do muito que tão rápida e brilhantemente tom realizado no departamento a que preside.
O Decreto-Lei n.º 26 115 pretendeu homogenizar as diuturnidades em todos os graus de ensino, mas não o conseguiu. Opuseram-se-lhe velhos preconceitos burocráticos. Actualmente, dada a carestia de vida, os vencimentos não satisfazem ao professorado.
O Sr. Presidente do Conselho não precisa esquecer a sua obra admirável de estadista para se lembrar também que é professor universitário, cuja qualidade de ensino que ministrou pode ombrear perfeitamente com a sua actual vida de político, e para se recordar que é autor de uma magnífica memória económico-financeira sobre os vencimentos do professorado superior.
O problema, por agora, ainda está mais agravado, pois no alto da escala das dificuldades sociais e económicas das profissões do Estado o problema dos vencimentos do professorado recrudesceu em dificuldades, porque a cátedra é mal remunerada, sobretudo a universitária. São quantiosos, difíceis e sucessivos os doutoramentos e concursos, que operosamente o oneram, pertença da colectividade burguesa dos nossos tempos, que vê apoucar a riqueza valiosa do seu simbolismo e a missão condutora e educadora do seu professorado, socialmente convivente.
Nas actuais condições orçamentais não é possível aumentar o vencimento ao professorado; de momento parece mais realizável abreviar os períodos das diuturnidades e contar todo o tempo de serviço no ensino, qualquer que seja a categoria em que foi desempenhado; de outra maneira, os que tivessem entrado tarde no ensino não colheriam os benefícios das diuturnidades e os que tivessem ingressado ao mesmo tempo, no inicio da sua carreira, ao serviço escolar, mas tivessem sido promovidos à categoria era que se querem diuturnizar em época diversa, e por hipótese, com o mesmo tempo de serviço, viriam a atingir as diuturnidades em épocas diversas.
Chamo também a atenção do Sr. Ministro das Finanças, porque este assunto é pertinente à sua pasta.
Por estar no uso da palavra, e no final da minha intervenção, quero significar de novo à aldeia mais portuguesa de Portugal, se assim é legítimo dizê-lo, Monsanto, que lhe dou toda a minha solidariedade de Deputado às suas justas reivindicações, sobretudo aos seus recentes apelos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. António de Almeida: - Sr. Presidente: no ultramar português têm-se recolhido muitos e valiosos materiais de índole histórica e artística, uns confeccionados por nós, outros de feição indígena; tais elementos estão confiados à guarda de organismos oficiais competentes, conforme regulamentos que vêm de há mais ou menos tempo.
Entre as manifestações animalógicas mais interessantes das gentes nativas contam-se muitos espécimes de arte pura ou reveladora de influência estranha, europeia ou não.
Antes da chegada dos descobridores abundavam em territórios do além-mar obras de elevada expressão estética e artística, nomeadamente as de natureza plástica; a destruirão em massa de inúmeros exemplares (considerados heréticos ou supersticiosos), a aquisição de numerosas peças - trazidas sobretudo para os museus públicos e colecções privadas da Europa e da América, por vezes a titulo de curiosidade e exotismo - e, finalmente, a modelação em série de esculturas gentílicas para fins comerciais constituíram poderosos factores do abastardamento das qualidades artísticas das populações atrasadas, atributos esses agora reconhecidos e admirados, como bem o evidenciam a vasta bibliografia da especialidade, elaborada por críticos do maior renome, e a propensão dos modernos artistas civilizados para se inspirarem em motivos plásticos indígenas.
Sr. Presidente: em nações estrangeiras detentoras de territórios ultramarinos, como nestes, há belos museus e colecções onde figuram materiais obtidos em regiões de além-oceano próprias e alheias; na metrópole portuguesa e no nosso ultramar acontece o mesmo - museu da Sociedade de Geografia de Lisboa e colecções dos Srs. Comandante Ernesto de Vilhena e António José de
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Oliveira e Museus de Luanda, de Álvaro de Castro (Lourenço Marques), do Dundo (Companhia de Diamantes de Angola), etc. -, esperando-se que dentro de pouco tempo possuamos um grande museu estadual digno do nosso passado glorioso e sem receio de confrontos com estabelecimentos congéneres estrangeiros.
O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª deseja esse museu em Lisboa?
O Orador: - Sem dúvida: é em Lisboa, capital do Império, que devemos erigir um grande museu do ultramar, cuja construção, aliás, está em estudo adiantado.
Entendo que nas províncias ultramarinas deve haver museus, não apenas de arte gentílica, mas sim de arte portuguesa, em que figurem objectos de origem metropolitana e ultramarina e até outros resultantes da aculturação ou contacto das duas influências predominantes.
O Sr. Carlos Moreira: - A minha dúvida é só V. Ex.ª defende o critério de trazer para o museu em Lisboa elementos ultramarinos, porque entendo que melhor estarão na capital das respectivas províncias.
O Orador: - Eu não posso concordar com V. Ex.ª Há ainda bastantes materiais nas nossas províncias ultramarinas e, porventura, duplicados do exemplares. Por isso, é possível e muito vantajoso que nus museus do ultramar o no de Lisboa figurem espécimes de aquém e de além-mar.
E muito obrigado a V. Ex.ª pela sua oportuna intervenção, porque me permitiu esclarecer melhor o meu pensamento a este respeito.
O extraordinário interesse do Governo de Salazar por tão magno problema cultural e cientifico é garantia segura da sua breve e conveniente resolução. Contudo, enquanto as legislações de outros, países contrariam ao máximo a entrada nas respectivas terras ultramarinas de investigadores alheios e proíbem a saída dos melhores exemplares artísticos e de outra índole, a nossa proverbial complacência permite amiúde um soit dinant livre trânsito de pessoas e de materiais daquele género.
Dessa tão generosa actuação resulta verem-se as nossas províncias ultramarinas dia a dia desapossadas do seu património artístico, principalmente dos mais raros espécimes de estatuária indígena, comprados por bom preço aos colectores - que por conta própria ou do colectividades visitam o nosso ultramar - ou aos antiquários de certas grandes cidades, onde se generalizou e atinge considerável desenvolvimento a comercialização de exemplares de arte gentílica.
Segundo informações fidedignas, existem em Lisboa agentes de compras, a soldo de estrangeiros, paru reunir tudo quanto respeite a arte plástica indígena; igualmente viajantes estranhos têm adquirido no nosso ultramar muitos destes modelos, que, como aqueles, com a maior facilidade, o frequentemente sem pagar direitos aduaneiros, os transportam consigo para as terras da naturalidade, onde são guardados ou negociados rendosamente.
Muitas peças de arte nativa do ultramar português não constituem simples ou ingénuos ornamentos decorativos, nem tão-pouco objectos arcaicos ou desdenháveis, mas sim verdadeiras e preciosas manifestações da alma de povos menos adiantados, que nos incumbe estudar também nesse sector científico, para melhor nos apercebermos das etapas da sua evolução espiritual - conhecimento fundamental e indispensável para mais facilmente os dirigirmos e trazermos até à usufruição completa dos benefícios da cultura portuguesa o cristã.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: em face do que acabo de expor, solicito ao Governo da Nação, e em especial ao distinto Ministro do Ultramar, pronto remédio para estes contínuos desfalques ou desvios de valores do nosso património artístico ultramarino; só com a publicação de um diploma análogo ao existente para a protecção das obras de arte do continente - dentro do espirito da Lei n.º 2032, de 11 de Junho de 1940, mandada aplicar às províncias ultramarinas pelo Sr. Comandante Sarmento Rodrigues (Portaria n.º 14 602, de 9 de Novembro do 1953)- se conseguirá salvar o muito dessa riqueza nacional que ainda nos resta na metrópole e no ultramar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Como é natural, só aceito a saída do território português de esculturas e objectos relacionados com a arte gentílica o outros quando se destinem a museus d e Estados estrangeiros, dentro de certas condições, com base em intercâmbio e reciprocidade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: na nossa Guiné, em Angola, Moçambique e Timor tom sido encontradas, por investigadores portugueses, algumas centenas de estações pré-históricas ricas de excelente espólio lítico e paleontológico. A par destas jazidas, foram recentemente descobertos em Angola e Moçambique vários recintos muralhados, gravuras e pinturas rupestres; conquanto de desigual valor arqueológico, todas elas despertam grande interesse aos cientistas nacionais e estrangeiros.
O nosso ultramar, outrora considerado um livro fechado neste campo de investigação, começa a revelar magníficos elementos de estudo que honram a ciência portuguesa; estas manifestações culturais, mormente as de Moçambique e as de Angola - abrigos sob rocha da região subdesértica do interior de Moçâmedes -, têm tamanha importância que a sua antiguidade pode calcular-se em alguns milhares de anos. E se recordarmos que os achados paleontológicos vêm merecendo a maior atenção dos investigadores estrangeiros, nomeadamente da União Sul-Africana - empenhados em situar na África o berço da humanidade -, mais se avoluma o valor de todas as descobertas indicadas.
Na União Sul-Africana e nas Rodésias - para só citar alguns países da África Meridional - existem leis especiais de defesa das estações arqueológicas; também no nosso ultramar se torna indispensável e urgente a adopção de eficientes providências oficiais, a exemplo das que possuímos para guardar e proteger as jazidas pré-históricas da metrópole e previstas na lei e portaria atrás invocadas. É que alguns dos referidos achados, sobretudo as pinturas dos abrigos do deserto de Moçâmedes e de Quibala, encontram-se em regiões muito acessíveis e quase ao nível do solo, correndo, portanto, o perigo iminente de serem destruídas pelos homens e pelos animais que ali se acoutem.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: precisamos de defender e acautelar mais convenientemente os materiais artísticos e pré-históricos do nosso ultramar, classificando de monumento nacional ou de interesse público os móveis e imóveis dignos desses nomes: há, sobretudo, imperiosa necessidade de determinar o perímetro de protecção das áreas em que se encontrem os achados paleontológicos e líticos, pinturas e gravuras rupestres, recintos muralhados, etc., vedando apropriadamente o acesso aos respectivos locais, facultado embora aos estudiosos e aos
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turistas, mas, num e noutro caso, sempre acompanhados de funcionários públicos idóneos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Carlos Moreira: - Sr. Presidente: numa perfeita compreensão do valor moral e justiça histórica que representa a homenagem às grandes figuras nacionais ou regionais, o Sr. Ministro das Obras Públicas comunicou, há cerca de dois anos, ao chefe do distrito de Vila Real desejar o Governo oferecer à Câmara Municipal daquela cidade uma estátua a levantar a uma figura ligada à história da cidade ou seu distrito.
A convite do Sr. Governador Civil, reuniram-se em 10 de Março de 1954 as principais entidades daquela cidade, a fim de ser escolhida a figura a homenagear.
Dividiram-se as opiniões em relação a duas figuras históricas de projecção nacional e a uma terceira, de grande projecção regional por sua inteligência e virtudes, entre as quais avulta a da sua benemerência: o rei fundador da vila, o navegador Diogo Cão e Monsenhor Jerónimo do Amaral.
A maioria dos convidados para a reunião inclinara-se, segundo um critério de homenagem regional e prestada a figura mais próxima no tempo, para o vulto do benemérito Monsenhor Jerónimo do Amaral.
É evidente que qualquer das três figuras era totalmente merecedora da homenagem.
O Sr. Governador Civil concluiu por dizer que iria transmitir ao Sr. Ministro das Obras Públicas os pareceres emitidos na reunião.
É claro que no meio vila-realense o facto teve largo comentário público. Entre os vultos indicados obteria, certamente, menos reacções o do grande navegador.
Um - o do notável rei -, lavrador, cultor d» agro e do espírito, sempre teria quem, nesta época de nova euforia republicana, apesar da sua altura histórica, o menosprezasse só porque fora rei.
O outro, apesar de ter espalhado durante a sua longa vida o exemplo da virtude e a prática do bem, também possuía para certos o atributo eliminatório - ser padre.
Verdade, seja, felizmente, que foram poucos os opositores.
Mas, Sr. Presidente, é incontestável que o vulto que veio a ser escolhido - Diogo Cão - é do indiscutível e mais que marcado relevo.
Só há, por isso, que nos congratularmos, os de lá do Marão, como transmontanos e portugueses.
E todos os portugueses indubitavelmente aplaudirão a homenagem prestada ao homem que implantou o histórico padrão na foz do Zaire, nos templos gloriosos do reinado do Príncipe Perfeito.
Sc. Presidente: em fins do passado mês de Abril ou princípios de Maio chegou a Vila Real a estátua do valoroso navegador e descobridor, para ser inaugurado, segundo se dizia, aquando da inauguração do Palácio da Justiça.
Como, porém, não havia ainda lugar escolhido para a erigir, foi guardada nas traseiras do edifício da Câmara, destinadas a depósito de sucata, onde ainda se encontra, com grave desrespeito pela memória de tão grande vulto, menos apreço pela oferta do Governo e grande gáudio de certos habitantes e visitantes que, como é natural a propósito do lugar onde se encontra, fazem os mais variados, acerbos e picarescos comentário.
Consta que entre os elementos responsáveis em Vila Real há duas opiniões quanto à localização da referida estátua: uns dizem que deve ser erigida na parte sul da Avenida de Carvalho Araújo, em frente à casa onde ele nasceu, segundo é tradição; outros querem que fique na chamada Praça de D. Dinis, no bairro recentemente construído na antiga Quinta da Boavista.
Quer diminuam a homenagem ao bravo marinheiro que foi Carvalho Araújo, retirando-lhe o nome de metade da avenida onde se localiza a sua estátua, quer a erijam na chamada Praça de D. Dinis, o que é indispensável é que a estátua do célebre navegador e descobridor saia do depósito da sucata municipal. Exige-o, se não o prestígio de quem tem obrigação de a sério tratar de coisas sérias, o bom nome da ridente cidade que é capital da província de Trás-os-Montes e Alto Douro.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. João Valença: - Sr. Presidente: como Deputado pelo círculo e distrito de Viana do Castelo - cuja sede e algumas das suas mais famosas vilas são banhadas por um rio de sonho e beleza, que é o Lima -, desejo chamar a atenção do Governo para o estado lastimoso e deplorável em que esse rio se encontra.
É tal o seu assoreamento que os terrenos que o marginam e as suas veigas estão praticamente inutilizados para a agricultura, nomeadamente para a cultura do milho, que abastece a maior parte da população do distrito.
Já em 1951, se não me engano, um técnico distinto dizia que as condições de assoreamento do Lima eram piores que as do Mondego. Desde então para cá a situação tem-se agravado alarmantemente, a ponto de os jornais diários, como o Comercio do Porto de há poucos dias, e a imprensa local terem reclamado urgentes e imediatas providências para o caso.
É que, na verdade, Sr. Presidente, aquele assoreamento não afecta só a agricultura, mas prejudica também a pequena navegação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Já se fez o estudo agronómico, embora sumário, da rega e da drenagem dos terrenos marginais. Já se fez também o levantamento topográfico, até bastante pormenorizado, das suas margens e do seu leito. Já está concluído, segundo me informam, o revestimento florestal da bacia do Lima. Estão, portanto, já realizados muitos trabalhos conducentes ou atinentes à conveniente e necessária regularização desse rio.
Por que razão não se faz e conclui, pois, esta obra, de uma larga projecção, de um incomensurável valor e de grande alcance para o Minho e para o País?
E o que venho pedir ao Governo, cumprindo o meu dever de Deputado da Nação pelo círculo de Viana do Castelo, em nome de um povo bom e laborioso, que tem nas suas terras a maior, se não a única, fonte de riqueza e que com pesar e tristeza vê os seus terrenos tornarem-se cada vez mais improdutivos e inutilizados.
Peço e confio no Governo, especialmente na acção de S. Ex.ª o Sr. Ministro das Obras Públicas, sempre zeloso na defesa dos interesses nacionais e cuja actuação governativa nunca é de mais encarecer ou enaltecer.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
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O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei que institui as corporações. Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Vaz.
O Sr. Manuel Vaz: - Sr. Presidente: a organização corporativa surgiu como um imperativo da época actual que todos os povos sentem e praticamente realizam, embora a maior parte deles não tenha a franqueza de assim a designar, como nós o fazemos, com toda a clareza, no artigo 5.º da nossa Constituição Política.
Ali se diz que o Estado Português é uma República unitária e corporativa.
E convirá ter sempre presente e não o esquecer este preceito constitucional, para não nos perdermos em construções teóricas, porventura muito interessantes, mas que nos afastam da visão objectiva do problema em debate.
E resulta da necessidade de através dela se procurar a paz pública pelo equilíbrio económico e social que a economia capitalista do século XIX destruiu, originando o dualismo marxista da luta de classes.
Com efeito, se pelo individualismo se organizou a sociedade em função do indivíduo, originando o aparecimento do capitalismo e dos seus erros, pelo socialismo foi o indivíduo organizado em função da sociedade, o que provocou o aparecimento do colectivismo e da sua aberração humana.
O capitalismo fez do trabalho humano uma simples mercadoria; mas o colectivismo ainda fez uma coisa pior, porque reduziu o homem à triste condição de mísero escravo. Ambos estes males ameaçam a concepção da vida de que dependem os valores da civilização actual, de fundas raízes cristãs, e constituem uma perigosa ameaça para a estabilidade e segurança dos regimes em que ela se apoia.
Estes sentem-lhe a virulência e procuram fórmulas que lhe assegurem a imunidade. Daí a necessidade da organização corporativa.
Na base, portanto, destas preocupações está o problema social, que fui o seu pensamento originário. Mas como o equilíbrio social não se consegue senão através do equilíbrio económico, ao princípio inicial veio juntar-se um outro, de natureza económica.
E, assim, os objectivos predominantes da organização corporativa foram de carácter económico-social, embora, como acontece entre nós, outros se lhes tenham acrescentado, como os de ordem moral e cultural.
Reconhecida a necessidade da organização corporativa, importa defini-la.
Teòricamente a corporação assenta no sentimento de solidariedade humana existente entre todos os que se dedicam à mesma actividade ou exercem a mesma função social, o que é, sem dúvida, a sua causa eficiente; é constituída pela associação de todos os elementos dessa actividade ou função, formando um corpo profissional independentemente do seu ofício, situação ou categoria, o que constitui o seu elemento material que dispõe do poder de a si própria se dirigir, no que respeita à solução dos seus problemas particulares, que é o elemento formal da sua autonomia e se destina a resolvê-los, tanto económica como socialmente, o que nos elucida acerca da sua finalidade.
Na concepção jurídica portuguesa a corporação constitui, segundo a definição do artigo 41.º do Estatuto do Trabalho Nacional, a organização unitária das forças da produção e representa integralmente os seus interesses; possui a autonomia necessária para estabelecer entre si as normas gerais e obrigatórias sobre a disciplina interna e a coordenação das actividades, com o assentimento do Estado (idem, artigo 43.º).
Reconhece-se o princípio natural da solidariedade profissional ao estabelecer-se que a organização profissional não é normalmente obrigatória, o que dá à organização portuguesa a característica de corporativismo de associação.
Também, e porque é uma organização unitária, se lhe reconhece a constituição de um corpo profissional, em que, dentro da mesma actividade ou função, estão integrados todos os seus elementos individuais, estejam ou não inscritos nos respectivos organismos (idem, artigo 43.º).
A sua autonomia, porém, é limitada pelo assentimento do Estado.
E, por último, assinalam-se os fins que tem em vista, pela representação integral dos interesses profissionais (idem, artigos 41.º e 42.º), tanto de ordem económica como social (artigos 42.º, 48.º e seguintes).
Já por aqui se vê que a corporação portuguesa, tal como a define o estatuto, contém em si todos os elementos definidores essenciais de uma corporação como ela teoricamente se concebe.
O Estatuto do Trabalho Nacional, na definição que lhe deu no § 3.º do artigo 41.º, não a dimensionou com a amplitude que já a Constituição lhe conferia no seu artigo 16.º, pois parecia limitá-la aos domínios económicos e sociais, quando ela, constitucionalmente, abrangia outros sectores, como o moral e o cultural, doutrina que o Decreto n.º 29 110 e outros diplomas posteriores amplamente perfilharam e que já se continha no disposto no artigo 40.º do mesmo estatuto.
É dentro deste condicionalismo legal e - frise-se mais uma vez - constitucional que o mecanismo institucional da corporação tem de ser encarado, sob pena de nos embrenharmos em concepções dialécticas discutíveis; entrarmos nos domínios das abstracções, fugindo às realidades das situações concretas.
É dentro deste realismo, que nos é imposto pela lei, que a proposta governamental foi apresentada.
E nem doutra forma essa apresentação se poderia conceber.
E é ainda dentro dele que ela tem de ser apreciada.
Sr. Presidente: a organização corporativa portuguesa não absorve todas as actividades nacionais, como lucidamente o reconhece o parecer da Câmara Corporativa.
Efectivamente, todas as actividades que estão afectas directamente à Administração, que delas se não demite, estão fora do seu raio de acção. Mas, além destas, muitas outras actividades privadas não estão nela enquadradas, pela impossibilidade manifesta de se fazer a sua integração corporativamente.
Estão neste caso, por exemplo, as actividades ligadas ao artesanato e aquelas que se prendem com a numerosíssima classe dos consumidores.
A constatação deste facto leva-nos a duas ordens de conclusões diferentes. A primeira é que o nosso corporativismo, não sendo integral, segundo a concepção de Manoilesco, nem mesmo será, como o considera o parecer da Câmara Corporativa, quase integral, mas de um tipo intermédio, visto escaparem à sua esfera de acção numerosos ou, pelo menos, alguns importantes sectores das actividades nacionais.
A segunda é que em virtude de estes sectores não serem susceptíveis de integração corporativa nunca a sua orgânica poderá arrogar-se a qualidade de ser a representante exclusiva das actividades e interesses nacionais, mas só e apenas de algumas delas, embora numerosas.
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Também a sua autonomia não é tão completa que a fixação das normas da respectiva disciplina interna e a coordenação das actividades não dependam do assentimento do Estado.
Feitas estas ligeiras imolações, julgo oportuno esboçar o processamento orgânico do corporativismo português untes de prosseguir na análise das suas características essenciais, para se fazer uma ideia da sua estruturação.
Na base encontram-se os sindicatos nacionais, de empregados e operários, com fins vincadamente sociais; os grémios, constituídos por entidades patronais, orientando-se num sentido pronunciado, de natureza económica; as Casas do Povo e dos Pescadores, associando os trabalhadores da terra umas e do mar as outras, dentro das características especiais de que estas actividades se revestem; e, finalmente, as Ordens, em que corporativamente se agrupam algumas das mais importantes profissões livres.
Numa posição intermédia encontram-se as federações, formadas pela associação de sindicatos ou de grémios idênticos, e as uniões, quando os laços associativos são de simples afinidade.
E, finalmente, no grau superior, as corporações, já anteriormente definidas.
Tal é o esquema da orgânica corporativa nacional, na sua construção jurídica, devidamente hierarquizada.
Sr. Presidente: uma das primeiras questões que surge ao termos de analisar a proposta em discussão é a da sua oportunidade.
O Governo assim o julga, como se pode ver do relatório da proposta, onde se afirma existirem já as condições necessárias para a evolução do sistema, no sentido da instituição das primeiras corporações.
Às impaciências de alguns responde com as exigências da prudência, que mandavam se caminhasse com segurança na realização de uni sistema em parte alguma praticado com suficiente generalização.
Aos que a julgam prematura responde que a experiência de vinte e três anos é já suficiente para legitimar as intenções da proposta.
Temos, não há dúvida, já bastante conhecimento sobre as vantagens do sistema que a experiência nos deu.
Mas estes conhecimentos julgo eu que não foram suficientes para criar no País uma forte consciência corporativa que impusesse a organização.
Ainda se encontram, aqui e ali, numerosas resistências, devidas a múltiplas causas, que não permitiram o desenvolvimento dos elementos primários em que a organização se baseia.
Mus, se ainda se topam resistências, também não é menos certo que já se encontram algumas actividades a exprimirem espontaneamente o desejo da sua integração corporativa.
Não há uma forte consciência corporativa, amplamente generalizada, mas há sintomas nítidos de uma evolução favorável a essa formação, a revelar oportunidades.
Julgo conveniente aproveitá-las e, por isso, concordo com a apresentação da proposta, que, não sendo tardia, também a não considero prematura.
De resto, e vistas as coisas com objectividade, como é essencial em assunto desta natureza, não se pode esperar da livre iniciativa das actividades interessadas a rápida concretização e expansão do sistema.
Se nela confiássemos exclusivamente, estou convencido de que esse objectivo nunca seria atingido.
Torna-se, por isso, necessário impulsionar as actividades no sentido da sua organização.
Esse papel cabe ao Estado, que tem o direito e o dever de o fazer.
Pelo menos, inicialmente, é de admitir, mesmo teoricamente, uma certa Intervenção do Estado, não só para estabelecer os quadros legais e territoriais da organização, mas também para a generalizar e impor, sem que o sistema perca, por esse facto, a característica essencial do corporativismo de associação, dada a limitação legalmente assinalada.
O Sr. Carlos Moreira: - Orientar e generalizar está bem, mas impor reputo expressão um pouco contrária ao sentido da orgânica corporativa. Para o conceito que eu tenho de corporativismo julgo o termo excessivo.
O Orador: - Esse é o conceito que V. Ex.ª tem, mas não o de alguns tratadistas.
O Sr. Carlos Moreira: - Parece-me que nenhum tratadista, diz que o Estado deve impor o corporativismo.
O Orador: - No próprio parecer da Câmara Corporativa vem transcrito o que entende um tratadista. Charlotte é dessa opinião.
O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª é partidário da imposição do sistema. Sou contrário a isso porque entendo, como disse, que se deve apenas orientar e generalizar.
O Orador: - Se V. Ex.ª mo permite, continuarei as minhas considerações.
Esta, de resto, é a construção jurídica portuguesa, pois que se a Constituição (artigo 16.º) diz ser função do Estado autorizar todos os organismos corporativos e promover e auxiliar a sua formação; se o Estatuto do Trabalho Nacional estabelece, a não obrigatoriedade da organização profissional (artigo 41.º), a verdade é que numerosos diplomas consignam o preceito da formação dos órgãos corporativos obrigatoriamente e a obrigatoriedade de neles fazerem a sua inscrição os actividades interessadas.
Sr. Presidente: uma vez reconhecida a oportunidade da proposta, o segundo problema que se levanta é o da forma por que as futuras corporações se hão-de estruturar.
A proposta entende que elas hão-de ser formadas por instituições ou organismos corporativos, segundo as funções sociais ou económicas, ou segundo os ramos fundamentais da produção.
O critério adoptado é muito discutível, como no seu relatório lealmente se reconhece, mas adopta-o, a título experimental, com carácter provisório e por razões de ordem prática, com as quais estou absolutamente de acordo.
Efectivamente, não me parece que fosse muito de aconselhar, nesta fase inicial, adoptar-se a solução de constituir as nossas primeiras corporações segundo o critério, por exemplo, do produto ou do ciclo económico da produção, pois, a seguir-se, surgiria uma quantidade, enorme de corporações dentro doa mesmas funções sociais ou económicas, o que neste período de experiência, em que se tem de actuar com a maior prudência, não só não era conveniente, mas poderia resultar perigoso para o desenvolvimento da organização que se pretende fazer, pelo descrédito que poderia acarretar-lhe, no caso de se darem alguns insucessos.
Vai-se verificar como as primeiras corporações nacionais se comportarão no exercício das suas atribuições, tirar do seu comportamento as lições que possa
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dar para corrigir, melhorar, modificam, porque a experiência, é a grande mestra da vida e só ela, neste campo, miúda, praticamente inexplorado, nos pode manifestar seguros ensinamentos.
Depois ver-se-á o caminho que mais convenha seguir.
Considero realista, o critério seguido na proposta, e por isso lhe dou a minha aprovação, embora reconheça que a integração vertical. seguindo o critério do ciclo económico da produção, tenha uma aparência, lógica, de maior aceitação.
Fixado o critério segundo o qual as corporações se devem instituir, detenhamo-nos um pouco sobre as suas atribuições e competência, que se acham enumeradas no capítulo II da proposta.
Com o seu conteúdo não concorda o parecer da Câmara Corporativa, que o deseja tão amplo, tão amplo, que o levasse o reformar o Estado «de alto a baixo» (p. 873), pois não se resigna a ver as atribuições corporativas reduzidas, por falta de um órgão de coordenação superior (que seria a Câmara Corporativa), à modesta condição de mero instrumento constitucional, «que tem voz, mas não decide».
Esta ambição do parecer da Câmara Corporativa, aliás já mais de uma vez manifestada noutros pareceres, revela-nos que se perdeu a noção da realidade.
E a realidade é esta.
A Câmara Corporativa, do ponto de vista político e constitucional, não é um órgão de soberania (artigo 71.º), mas simples organismo de estudo e consulta (artigo 103.º), que não tem a representação de facto, como se vê do artigo 102.º da Constituição, de todas as actividades nacionais, mas apenas de uma parte delas, embora grande. E bastaria esta constatação para lhe tirar a veleidade de se arvorar em órgão representativo do interesse nacional, que não é, aliás, o somatório dos interesses particulares de algumas, mesmo de todas, as actividades nacionais.
Afirma o parecer que «nunca poderá ser completa a caracterização de um sistema corporativo sem que à sua orgânica se dê o elemento-base» de poder legislar, de fazer as leis. É uma opinião que nem a lei nem a doutrina sancionam.
Em primeiro lugar, direi que o problema não está posto, nem na proposta em discussão o poderia ser, mesmo a título de indicação de orientação futura ou simples afirmação de princípios.
As coisas são o que são e não aquilo que desejaríamos que fossem.
E, em segundo lugar, porque na nossa estrutura orgânica corporativa não existe órgão algum corporativo que num plano superior discipline e coordene as actividades diferenciadas de cada uma das corporações que venham a constituir-se.
A única entidade coordenadora e disciplinadora das actividades representadas nas corporações é, e nunca poderá deixar de o ser, o Estado, intérprete supremo do bem comum (Constituição, artigos 5.º e 6.º).
E nem poderia deixar de o ser sem que ele abdicasse, das suas funções essenciais, demitindo-se dos direitos e dos deveres que por natureza lhe competem.
Não teríamos, é certo, na hipótese do parecer, um corporativismo de Estado, mas teríamos, com certeza, um estatismo corporativo, bem pior que o primeiro, pela subordinação do geral ao particular, que caminharia a breve trecho para uma espécie de totalitarismo corporativo, de nefastas consequências.
Mas não deixa de ser interessante verificar se a aspiração do parecer da Câmara Corporativa tem alguma consistência lógica, mesmo no campo da simples teoria.
A construção teórica do parecer, se bem a entendi, assenta no princípio da autonomia da corporação e segue este raciocínio, que textualmente transcrevo:
Se os organismos primários agrupam e coordenam indivíduos ou empresas; *e daqui subirmos ao organismo intermédio, onde se faz a coordenação dos organismos primários; e se num terceiro patamar, aparece a corporação como centro coordenador dos organismos intermédios - é manifesto que, na hipótese de existir mais de uma corporação (e está-se a pensar o real), o princípio da necessidade de coordenação não deixará de actuar, suscitando um novo e último plano, onde há-de situar-se o organismo coordenador das próprias corporações.
E acrescenta:
Do ponto de vista teórico, esta conclusão é inatacável. E o raciocínio, apenas estribado na realidade prática, também reclama a necessidade de um órgão supremo de coordenação corporativa.
Pois é. Teoricamente o raciocínio poderá estar certo, mas não suscita um novo e último plano onde há-de situar-se o organismo coordenador, pois este organismo já existe, embora não seja novo, e é - e não pode deixar de ser - o Estado.
De jure constituto isto é assim.
Mas nem de jure constuendo isso pode deixar de ser.
Em primeiro lugar, porque o Estado teria de demitir-se da totalidade das suas funções de órgão supremo de coordenação de todas as actividades, de qualquer natureza - económicas, sociais, morais, culturais, etc.
Com nobreza e realismo, a proposta reconhece que a competência agora atribuída às corporações limita o poder do Estado; que esta limitação poderá vir ainda a ser maior, se as necessidades assim o exigirem.
Mas fixa-lhe um limite.
Tudo isto se poderá fazer desde que não haja «subversão nem abdicação do direito e do dever de presidir superiormente à vida económica e social da Nação».
E faz esse sacrifício porque não deseja que se prejudique, na procura do chamado bem comum, a «personalidade do homem a pretensas razões de Estado».
Mas limita-o porque, reconhecendo que o somatório dos interesses profissionais ou das categorias económicas não é igual ao complexo de fluidas fronteiras que cê chama o bem comum, não pode consentir que se «divinize a corporação, transformando-a de meio, que é, em fim, que não pode ser»; numa palavra, porque não deseja, como lapidarmente afirma, que para fugir ao totalitarismo do Estado se vá cair no «estatismo» da corporação (p. 763).
Ela deseja a necessária autonomia da corporação, mas concebida por uma forma equilibrada, para que esta «não possa isolar-se, fechar-se na defesa unilateral e intransigente das conveniências do grupo, tornando-se centro dos egoísmos das categorias que representa ou de oligarquias indesejáveis».
Reconhecendo o poder destas razões, o parecer da Câmara Corporativa imagina, para as ilidir, ou, melhor, para as iludir, uma construção teórica, que me parece ser de grande fantasia.
Vejamos como ele a imagina. É assim:
A ideia mestra de um corporativismo autónomo é «o princípio da autonomia». Esta autonomia - já vimos - não é absoluta, mas condicionada ao assentimento do Estado. Aqui talvez não ficasse mal a expressão «quase autonomia». Mas sigamos o raciocínio do parecer.
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Logo, todos os organismos corporativos, desde os primários, serão autónomos.
O respeito pela autonomia dos órgãos corporativos terá, porém, de subordinar-se a um segundo princípio, o da «hierarquia».
Quer dizer: é uma autonomia que não é autonomia, mas dependência - dependência hierárquica.
O parecer o reconhece, ao falar em «inteira subordinação hierárquica».
Mas o princípio da autonomia, ao nível da corporação, só é admissível desde que fique suficientemente assegurado um e equilíbrio funcional nos seus dois aspectos essenciais: o equilíbrio interno e o equilíbrio próprio da função social, considerado nos reflexos externos, dentro do quadro geral das funções nacionais».
Isto para que o princípio da autonomia promova o bem comum (?) parcial de uma actividade, mas não contrarie o bem comum nacional, antes conjugue este com aquele.
Mas não basta que «não o contrarie»; é preciso que o «promova», acrescento eu, tanto mais que - repete-se - a soma daqueles bens comuns (?) parciais não é igual ao bem comum geral, ao bem comum da Nação.
Nunca será de mais acentuar esta verdade, que se deve ter sempre presente.
E teríamos assim, além dos dois princípios anteriormente indicados - autonomia e hierarquia -, mais um terceiro - o do equilíbrio funcional -, tanto interno, adentro da disciplina da corporação, o que se aceita, como externo, isto é, nas suas relações com as outras actividades e o Estado, o que se repudia, por já não ser da competência da corporação, mas do Estado, visto tratar-se de função coordenadora, de que ele não pode abdicar sem se negar a si próprio.
É tão precário este sonhado equilíbrio funcional, sob o aspecto das relações externas das corporações entre si e entre as actividades não corporativizadas, que o parecer sente a necessidade de engendrar um quarto princípio - o da intervenção da parte interessada -, isto é, um terceiro estranho à corporação, para corrigir-lhe os excessos, as tendência» monopolistas, os egoísmos das classes, que poderiam conduzir ao aparecimento de poderosas oligarquias, que viessem destruir o equilíbrio económico que se procura e a paz social que se deseja.
Ora, na determinação da parte interessada o problema apresenta-se, não só de difícil, mas de impossível realização.
Por um lado, estaria o Estado, como «supremo fiscal», na qualidade de «supremo garante» do bem comum.
Mas a sua acção seria inoperante, em virtude de se confirmar a «simples missão de assistência, informação e vigilância», ou seja meramente policial, para se não infringir o princípio absoluto da autonomia.
E nem mesmo se compreenderia a sua intromissão no seio da corporação, como órgão interno, sem quebra do respeito pelo princípio da autonomia, visto ser estranho à actividade da corporação, mesmo com o papel passivo que se lhe pretende atribuir.
Por outro lado, ao procurar-se um representante «autêntico» das actividades feridas com as decisões corporativamente tomadas, as dificuldades tornam-se insuperáveis; como se há-de, por exemplo, encontrar um representante «autêntico» da classe consumidora do País?
A forma como o parecer tenta resolver a dificuldade não satisfaz. O que há nela de artificioso é evidente.
Já que quantitativamente isso é impossível, adopte-se o critério da representação qualitativa.
Mas como se fará esta representação qualitativa, aliás estranha e até contrária às actividades da corporação, com a necessária característica de autenticidade?
Hoc opus sie labor est.
Por isso o parecer mão o diz.
Sr. Presidente: suponho não ser necessário aprofundar mais este assunto, focando algumas contradições que existem no parecer.
Já me alonguei de mais.
Resumindo as minhas considerações sobre esta matéria, direi, em síntese:
Nem totalitarismo de Estado nem estatismo da corporação, como se diz na proposta, mas uma solução equilibrada, sem exageros extremista».
A ordem corporativa, representando uma grande parte dos interesses nacionais, não os integra e todos, nem o bem corporativo é a expressão total do bem comum nacional.
Daqui resultam um sem-número de consequências, que seria interessante analisar, se tivesse tempo para o fazer e não tivesse receio de abusar ainda mãos da generosa paciência com que me têm escutado.
Ficará para a outra vez, se Deus quiser.
E agora, para finalizar, uma palavra apenas sobre os organismos de coordenação económica, que o parecer condena à morte dentro do prazo máximo de dois anos.
O problema é importante, mas põe-se, a meu ver, com extrema simplicidade.
Sr. Presidente: os organismos de coordenação económica, juntas, e institutos, comissões reguladoras, apareceram como necessidade urgente da coordenação dos várias actividades económicas e sociais, quer estas estivessem ou não organizadas corporativamente, em 1936, com o Decreto n.º 26 757, de 8 de Junho daquele ano, e tinha um «carácter pré-corporativo».
Em harmonia com o que nele se dispõe, são organismos oficiais, de funcionamento e administração autónomos, com personalidade jurídica (artigo 2.º).
Seriam integrados mas corporações logo que estas se constituíssem (artigo 2.º, § único).
O Decreto n.º 29 110 dispõe que estes organismos funcionarão como elementos de ligação entre o Estado e a organização corporativa, «enquanto for julgado necessário» (artigo 3.º).
E, assim, pergunta-se:
Devem ser integrados nas corporações?
Devem desaparecer com a extinção destas?
Que destino, numa palavra, se lhes há-de dar?
A proposta, em discussão prevê que estes organismos funcionem, «enquanto forem julgados necessários», como elemento de ligação entre o Estado e as corporações, devendo os seus órgãos representativos ser constituídos pelas secções destes (base III).
Quer dizer: mantêm-nos por enquanto.
Mas como estes organismos, como órgãos executarias que são, exercem funções que são da exclusiva competência do Estado, visto só a este caber o papel de intérprete supremo do interesse geral, e, como órgãos de ligação das corporações, exercem conjuntamente certas funções de natureza corporativa, parece que, à medida que as corporações se fossem instituindo, as funções que a estas pertencem e eles detêm deveriam passar para elas.
E aquelas funções que ao Estado respeitam deviam passar para este, extinguindo-se portanto estes organismos por falta de conteúdo funcional.
Isto seria, sem dúvida, lógico.
Mas estes organismos prestam à vida económica e social do País inestimáveis serviços.
E é natural que ainda continuem a prestá-los e o Pais deles careça.
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Entendo, pois, que eles devem subsistir, embora algumas das suas funções passam para as corporações.
As funções executarias que ao Estado pertencem devem manter-se-lhe, pois que, se foram absorvidas pelo Estado, cairíamos mo domínio da burocracia, de execução lenta, desprovida daquela maleabilidade e dinamismo que tem sido o apanágio da sua actuação.
O interesse nacional aconselha a sua sobrevivência.
Sr. Presidente: vou concluir com uma palavra de confiança e de fé.
Fé mas destinos imortais da Pátria, confiança nos virtualidades do sistema corporativo português, no bom senso e equilíbrio mental da nossa gente, que não consentirá que se percam os frutos da sementeira que vimos fazendo, sob a superior orientação de Salazar, para o maior bem comum da Nação Portuguesa.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Santos da Cunha: - Sr. Presidente: não serão muitas as palavras que nos propusemos vir dizer à tribuna.
Serão, no entanto, as precisas para marcar uma atitude, esboçar algumas linhas de pensamento, reafirmar uma fé e ratificar uma confiança.
Criados para a vida política na escola do integralismo lusitano, cedo o nosso espírito se sentiu arrastado para os problemas sociais. Ao seu estudo, e em complemento da nossa formação universitária, se dedicaram trabalhos e canseiras, consumindo energias e tempo, que alguns jovens dos nossos dias - não sei se mais felizes - dedicam à turbulência das paixões desportivas, quando não a certos desregramentos cinéfilos ...
No pendor dessa formação espiritual, e já com alguma experiência de acção política, entrámos, vão quase decorridos vinte anos, e pela mão amiga de um camarada que Deus cedo chamou a si, para os quadros do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, nos quais permanecemos durante sete anos (1937-1944). numa dádiva total do melhor tempo da mocidade.
Se recordamos este passo da nossa vida, é pelo gosto de evocar, quando se reacende o antigo fogo corporativo, toda a galhardia, desinteresse, devoção política e social, intransigência doutrinária, entusiasmo e fé que constituíam o espírito do Instituto nesses, para nós recuados tempos.
É ainda pelo gosto de prestar homenagem aos que arrancaram em 1933 e a todos quantos, mesmo nos períodos mais difíceis, aguentaram as posições, sacrificando-se na luta.
E também pelo dever de evocar, comovidamente, os que a morte nos roubou, mas cuja presença espiritual terá de ser para nós fonte permanente de inspiração e de estímulo: Miranda da Rocha, Sá e Melo, Rebelo de Andrade, Henrique Cabral e outros que o Senhor tenha.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Pois foi ali, Sr. Presidente, no Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, ou na inteligência e no coração de muitos que o serviram, que se manteve sempre vivo e actual o espírito puro da Revolução.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E quando tudo parecia perdido, quando a descrença tocava os mais confiantes, quando o desânimo quase vencia os mais persistentes, ainda foi o espírito, a chama, do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência que fez o milagre da ressurreição, que despertou novas energias, que está a criar novas e fundadas esperanças!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Esse espírito afirma-se, a nossos olhos, na vigorosa, esclarecida e entusiástica actuação do actual Ministro das Corporações, a quem é de elementar justiça render as melhores homenagens, saudando nele todos quantos não renunciam, sejam quais forem as dificuldades e as malquerenças, a levar por diante, nos seus altos desígnios de renovação espiritual, social e económica, a nossa revolução.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Revolução na medida em que realiza uma mensagem de justiça social, que só não entendem, ou não sentem, aqueles que ao regime dão apenas a fria adesão de quem busca nele garantias de tranquilidade material ou a defesa dos seus interesses.
Este momento transcendente da vida política nacional, ao retomar-se a caminhada corporativa, ficará para sempre ligado pelo espírito, e até pelas pessoas, à acção do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência.
É simples cumprimento de um dever afirmá-lo e reconhecê-lo.
Sr. Presidente: curiosos da doutrina e das realizações corporativas, não somos técnicos de corporativismo. Mas, ainda que o fôssemos, procuraríamos esquecê-lo
para que as considerações a fazer não sofressem as limitações dessa qualidade.
É que para além dos problemas de técnica corporativa, presos à organização e estruturação do sistema, mais deverá, segundo pensamos, interessar à Assembleia e ao País o espírito e o sentido do passo que vai dar-se ao instituírem-se as primeiras corporações.
Há vários e delicados problemas a resolver no tocante à organização, e muitos deles estão postos, quer no relatório da proposta de lei em discussão, quer no parecer da Câmara Corporativa, que os apreciam com extensão e proficiência.
Admitimos, no entanto, que, mais que a solução desses problemas, ao País deverá interessar o significado das medidas que se lhe anunciam.
Por isso, mais adequado nos pareceu trazer ao debate palavras que contribuam para o esclarecimento da opinião pública ou possam traduzir os anseios dos que esperam que a nossa organização corporativa, reintegrada na sua pureza o completada na sua estrutura, dê um contributo sério à solução dos nossos mais instantes problemas económicos e sociais. E até avançando mais um passo, dos que esperam que ela possa ter no plano político a benéfica actuação que as suas virtualidades comportam.
Sr. Presidente: o País, ao cabo de trinta anos de Revolução, e certificado do carácter corporativo do regime, garantido pelo próprio texto constitucional, pode, com inteira legitimidade, pôr à sua consciência, entre outras, as seguintes interrogações:
A organização corporativa, agora em vias de conclusão pelo coroamento natural das corporações, realizará a harmonia e o enfeixamento de todos os interesses legítimos da economia portuguesa em ordem ao bem comum?
Da organização se poderá esperar que, com vigor e autenticidade, e aproveitando o revigoramento da nossa economia, leve por diante uma política social
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que contribua para a elevação do nível de vida do povo português, criando condições de melhor justiça social, ideal que informa de alto a baixo o corporativismo?
Podemos ainda aguardar que a vida política seja fortemente influenciada pela estruturação corporativa da Nação, assegurando, com base nos quadros naturais que a formam, um reforço do sentido representativo da nossa orgânica política?
Levar-nos-ia muito longe uma resposta pormenorizada a estas interrogações.
Havemos de contentar-nos com alguns, breves, apontamentos.
No terreno económico deverá tomar-se como cautela primeira assegurar à corporação um verdadeiro carácter representativo. Nela deverão ter audiência todos quantos, grandes ou pequenos, dão o seu contributo à criação da riqueza nacional.
Os diversos ramos de actividade económica, no plano agrícola, industrial e comercial, em seus diferentes escalões, deverão ter representação adequada ao seu valor, longe do predomínio de oligarquias, que entregam os interesses pequenos e juntos à voragem e ao apetite insaciável dos grandes interesses monopolistas, de sua natureza injustos e desumanos.
Já avisadamente o prevenia o nosso grande António Vieira: «Não só vos (os peixes) comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário, era menos mal. Se os pequenos comessem os grandes, bastara um grande para muitos pequenos; mas, como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande» (sermão de Santo António).
Haverá, pois, que garantir ao País que as corporações a instaurar não serão instrumento de legalização de situações de verdadeira injustiça económica; que por ela se não fará o reconhecimento de actuações monopolistas, lesivas ao mesmo tempo da própria economia e do bem-estar da gente portuguesa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Por isso formulamos o voto de que o nosso corporativismo, de tão profundo sentido cristão e humano, não represente, para usar a expressão dum autor contemporâneo, «o assalto no sindicalismo (no que ele tem de aceitável, acrescentamos nós) pela plutocracia».
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A resposta à segunda interrogação, respeitante à política social, está em íntima correlação com o que se disse quanto à primeira (o económico).
De uma equilibrada e humana organização económica resultam, naturalmente, os maiores benefícios sociais.
Não se passará adiante sem deixar desde já uma palavra de louvor às garantias que são dadas ao mundo do trabalho na sua representação paritária na corporação.
Vemos nessa forma de representação um sinal de autenticidade que é grato registar e aplaudir.
Senhor Presidente: os resultados benéficos da ordem e da disciplina na vida económica e social do País não podem constituir proveito exclusivo de alguns.
Alcançados pelos sacrifícios e técnicos de todos, devem, em justiça, constituir um benefício geral.
Dos próprios aperfeiçoamentos técnicos se deverá procurar colher benefícios comuns.
O progresso, por inversão do seu fim social, não raras vezes traz prejuízos vários (desemprego, rudeza e monotonia do trabalho, insalubridade, etc.) para os que trabalham e acréscimo de lucros para as empresas.
Não se afigura justo que tal aconteça, sobretudo quando o consumo compra os produtos pelo seu custo marginal e as unidades, melhor apetrechadas amealham. sem contrapartida social, o sobrelucro proveniente do seu mais baixo custo de produção.
O bem comum não é, de tal sorte, respeitado na medida em que o devia ser.
Em nossos dias estão postas à consciência dos responsáveis problemas de grande relevância quanto à vida das empresas e à solidariedade de interesses que nelas é preciso criar, até como condição do seu maior rendimento.
Todos podaremos, pois, convir em que as corporações que se proponham objectivos de natureza económica os devem procurar alcançar tendo sempre bem presente o alto sentido social que inspira e determina a nossa organização corporativa.
Sr. Presidente: o problema implícito na terceira interrogação atrás formulada aparece-nos como corolário dos dois problemas precedentes.
Se através das corporações conseguirmos erguer uma representação dos interesses da Nação, se nelas, tiverem expressão viva e autónoma os quadros naturais da sua vida, não será ousado desejar que a sua projecção política se faço também sentir, com sacrifício de processos de representação que garantem mal, e com perigos de vária ordem, a audiência da vontade real do País.
Não desejávamos pôr termo a este capítulo das nossas considerações sem fazer breve comentário a um dos problemas mais debatidos, quer no douto parecer da Câmara Corporativa, quer nos trabalhos das comissões parlamentares a quem foi confiado o estudo da proposta de lei que discutimos.
Referimo-nos ao problema da integração corporativa e aos critérios que podem ser adoptados para a realizar.
O comentário que fazemos traduz-se numa palavra de realismo, oremos que também do bom senso.
Não tomaremos desde já posição quanto àqueles critérios o quanto à conveniência de, com base neles, se criarem mais ou menos corporações.
Salientaremos apenas que se não trata, decorridos vinte anos de completar uma obra. É uma caminhada interrompida que se prossegue.
Tendo-se sofrido os inconvenientes e prejuízos duma marcha lenta e de paragens desmoralizadoras, não será legítimo pedir que tudo se faça agora dum jacto.
Eis porque se me afigura prudente o critério seguido pelo Governo, tanto mais que ele encerra, para o futuro, perspectivas mais animadoras.
Sr. Presidente: supomos não fazer injúria a ninguém se dizermos que a hora alta que o corporativismo português, está a viver nasceu do Ministério das Corporações e Previdência Social.
Só dele podemos confiar a dura tarefa de estimular, acompanhar e orientar os primeiros passos das corporações a criar.
Estamos a ouvir os que, no plano teórico, entendem que todos os Ministérios se devem considerar aptos para o fazer. Mas as realidades gritam-nos que não é assim.
Ao rigor lógico da teoria, do deve ser, terá de preferir-se o aval, a verdade, o ser.
E que se não atemorizem os que receiam ver comprometido a hierarquia das competências e dos iniciativas.
Para além dos aspectos formais das realizações, é um clima adequado que as torna possíveis.
E então, quando os departamentos e organismos próprios e não sabem criar, ou não sentem e vivem esse
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clima, todos, sob pena de renúncia, se não de traição, nos devemos considerar obrigados a criá-lo e a fazê-lo viver.
Cada qual só pode reivindicar aquilo que mostrou merecer.
Não se vê como possa dispensar-se a intervenção dum Ministério único que coordene e fiscalize os corporações. E porque já temos um Ministério próprio - e não foi certamente por acaso que o apelidaram das Corporações -, bem está que essa tarefa lhe seja predominantemente confiada.
E se da sua acção resultar, como se espera, o alargamento e robustecimento do espírito corporativo, se a sua cruzada doutrinária conseguir - e oxalá o consiga - penetrar nas pesadas engrenagens, dos chamados Ministérios clássicos, nenhuma dúvida poderá haver em vir a confiar-se-lhes papel de relevo na organização corporativa.
Quando tal acontecer estaremos muito próximos da vitória final.
Mas, Sr. Presidente, será bom não esquecer que as batalhas não se ganham com soldados e comandos mal informados dos objectivos e, porventura, pouco desejosos de os alcançar.
Sr. Presidente: talvez não tenhamos conseguido manter a nossa intervenção nos limites que inicialmente lhe traçámos, pelo que a alongámos em demasia.
Com as nossas desculpas pelo tempo roubado à Câmara, não queremos, porém, terminar sem cumprir, em simples palavras, parte importante da tarefa que nos impusemos: reafirmar a nossa fé nos princípios corporativos e ratificar a nossa confiança a quem, neste momento, a que podemos chamar histórico da vida do regime, foi chamado a realizá-los.
A primeira - a fé - constitui o estado de alma de quem profundamente acredita na potencialidade criadora da doutrina corporativa, desde que na acção saibamos manter-lhe estrita fidelidade.
A segunda - a confiança - promana, em linha recta, não só do conhecimento das qualidades pessoais do ilustre Ministro das Corporações, mas ainda das provas que exuberantemente tem dado de alta capacidade realizadora, ao serviço dum pensamento esclarecido e firme.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E se o governar exige que cada um saiba o que quer e que o queira com vontade forte, não dispensa que se actue com humana compreensão, com a simpatia que gera adesões e cria sempre aquela expectativa confiante, imprescindível às tarefas da administração pública em nossos dias.
Ainda neste domínio o Ministro Veiga de Macedo, e com ele alguns colegas seus no Gabinete, vêm prestando inestimáveis serviços ao regime, que bem carece, para além do prestígio da personalidade excepcional de Salazar, de conquistar, por suas virtudes próprias. o interesse e a fidelidade da grei lusitana.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: porque a proposta de lei em discussão é condição segura de realização dos altos objectivos doutrinários da E evolução Nacional, e porque o Governo nos merece inteira confiança, damos à proposta a nossa veemente e calorosa aprovação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Furtado de Mendonça: - Sr. Presidente: antes, de dar o meu voto na generalidade sobre a proposta de lei n.º 37, que introduz alterações no Decreto-Lei n.º 29 110, de 12 de Novembro de 1938, com vistas à próxima criação das primeiras corporações no nosso país, desejo fazer algumas considerações que a mesma proposta me sugere.
A ditadura militar que se seguiu ao movimento do 28 do Maio, perante a desordem que na síntese de Salazar «definia em todos os domínios a situação portuguesa». não dispunha duma doutrina política.
Por isso não faltou quem preconizasse o regresso ao regime dos partidos, uma vez posta a casa em ordem, ao passo que vozes autorizadas, fortalecidas, por inteligências esclarecidas, advertiam que «o mal não estava nos homens, mas no sistema», e que a Nação não é constituída por partidos políticos - elementos de desagregação e de ruína -, mas por forças espirituais, morais e produtoras, e, portanto, seria necessário alterar a orgânica do Estado para os resultados da Revolução serem duradouros.
Os primeiros mantinham-se adeptos do parlamentarismo liberal, saído do sufrágio universal, queriam o Governo - embora instável - dependente do Parlamento, donde emanam Iodas as leis; os segundos, fiéis a tradição nacional, aconselhavam um regime em que o Chefe de Estado governasse «assistido dos seus Ministros, dos conselhos técnicos organizados, bem como da representação dos municípios, das províncias e das corporações, a qual teria funções deliberativas em matéria orçamental e tributária e meras funções consultivas em tudo o mais».
A situação apresentava-se, então, bastante confusa e perigosa para os resultados da Revolução, até que Salazar, no seu discurso da Sala do Risco de 28 de Maio de 1930, afirmou, corajosamente, que a ditadura devia resolver o problema política português e acrescentava que isso teria de ser feito através de uma obra educativa que «integre a Nação, toda a Nação, no Estado, por meio de novo estatuto constitucional».
O rumo estava traçado. Foi este o passo decisivo da Sala do Risco, escreveu ele mais tarde.
Logo a seguir, em 30 de Julho, no seu célebre discurso pronunciado perante o Governo e os representantes de todos os distritos e concelhos do Pais, esclarece:
«Pois bem: há que preparar uma constitucionalidade que possa ser a vida normal do Estado e em que a harmonia dos Poderes se consiga sem tirar ao Poder Legislativo competência e prestígio e ao Executivo estabilidade e força».
E mais adiante concretiza:
«Em suma: pretende-se construir o Estado social e corporativo em estreita correspondência com a constituição natural de sociedade. As famílias, as freguesias, os municípios, as corporações, onde se encontram todos os cidadãos, com as suas liberdades jurídicas fundamentais, são os organismos competentes da Nação p devem ter, como tais, intervenção directa na constituição dos corpos supremos do Estado: eis uma expressão mais fiel do que qualquer outra do sistema representativo».
Pouco depois o Governo preparou o projecto da Constituição Política votada em 1933, que pôs termo ao regime dos partidos, ao mesmo tempo que advertia, quanto àquele estatuto:
«... estabelece a nova ordem de coisas, embora com transigências exigidas para a sua adaptação a condicionalismo psicológico e social diferente do que é previsto na sua pureza doutrinária e na integral execução futura dos seus princípios essenciais.
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Entrava-se na primeira fase experimental do novo sistema corporativo, cujos objectivos económicos e sociais foram delineados nos célebres decretos publicados no Diário do Governo de 23 de Setembro de 1933 e de que o Estatuto do Trabalho Nacional passou a ser o «guia de acção».
Armados com tal legislação e de outra complementar e sob o entusiasmo juvenil do primeiro Subsecretário de Estado, Dr. Teotónio Pereira, e de uma plêiade de animados nacionalistas, iniciou-se «a batalha do futuro», fez-se uma «revolução na ordem», reorganizaram-se a Nação e o Estado em moldes corporativos em obediência ao pensamento de Salazar, que já na sessão inaugural do I Congresso da União Nacional (26 de Maio de 1934) dizia:
O conceito fundamental do Estado corporativo, não só de corporações económicas, mas de corporações morais, expresso em mais de um ponto da Constituição Política, tem uma dupla consequência: há-de informaria actividade própria das corporações económicas e há-de levar a realização do Estado corporativo que o não seja só por estas, mas também pelas corporações morais.
E acrescentava:
O socialismo trouxe-nos a concepção materialista da história, vendo na essência da evolução dos sociedades somente os interesses económicos na sua acepção mais positiva e independente da superioridade do espírito. Esta ideia tem o perigo de influenciar aqueles mesmos que, reagindo contra os desmandos liberais e socialistas, defendem o Estado corporativo. A tendência será assim, porventura, só para a disciplina da produção, pela existência de corporações económicas, e estas mesmas sem grandes preocupações de outra índole. Não é este o nosso pensamento.
E esclarecia, referindo-se à Câmara Corporativa:
Certamente haverá que adoptar-se um regime transitório por não ter ainda o desenvolvimento suficiente a organização das corporações. Não pode ter escapado a ninguém atento a estes problemas que a organização do Poder Legislativo na Constituição Política se ressente, até certo ponto, duma espécie de transigência com ideias correntes ainda ao tempo com certo prestígio nascido mais de hábitos mentais que do seu valor próprio.
É a instituição constitucional que me parece ainda sujeita a mais profundas modificações: a experiência e a difusão dos novas ideias impô-las-ão na devida altura.
De facto as ideias apareciam cada vez mais claras e sentia-se a preocupação de não caiar no estatismo, à semelhança de outros países, pelo que se foi avançando com prudência, legislando segundo as circunstâncias, mas por forma que foram aparecendo os sindicatos, as Casas do Povo, as Casas dos Pescadores, os grémios, os organismos de coordenação económica, a magistratura do trabalho, os contratos colectivos, os instituições de previdência, as moradias económicas, etc., em suma, foi-se erguendo o edifício corporativo e com ele à vista foi-se reformando a mentalidade doa Portugueses, foi-se explicando a doutrina, estabeleceram-se as palestras do Centro de Estudos Corporativos, que serviram de importante meio de divulgação.
Ocorre-me agora perguntar: porque acabaram elas?
Se tivessem continuado, não seria hoje maior a consciência corporativa ?!...
Eu sei que, logo a seguir aos sucessos dos primeiros anos, acontecimentos de ordem externa e suas repercussões internas causaram sérios embaraços à evolução da revolução corporativa nos moldes apresentados inicialmente por Salazar.
Finda a guerra, conduzida pelas potências aliadas sob a bandeira da democracia e do antinazismo, ele exprimiu-se nesta Assembleia Nacional nos seguintes termos, em 18 de Maio de 1945:
Entre alguns milhares de mensagens a propósito do termo da guerra na Europa, chegou-me às mãos uma que, depois de considerar a «oligarquia» por mim representada abrangida na derrota, pelo que não poderá escapar ao destino comum, me aconselha a entregar imediatamente o Governo do País aos verdadeiros democratas.
E, como a responder-lhes, disse:
Se a nossa Constituição não adopta o regime parlamentar e se aproxima mais do regime presidencialista, tirando de um e outro o que mais convinha; se a representação nacional, ainda sob uma forma dual através da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa, evoluciona neste ou naquele sentido; se o Governo tem em competência com a Câmara dos Deputados amplos poderes legislativos, não julgo valer a pena estabelecer grandes discussões doutrinárias para defender ou combater tais soluções.
E deduz:
Eu não quero forçar conclusões, mas se a democracia pode ter, além do seu significado político, significado e alcance social, então os verdadeiros democratas somos nós.
Depois, referindo-se à Câmara Corporativa, prossegue:
Creio que a experiência irá sucessivamente aconselhando o desenvolvimento e o aperfeiçoamento da Câmara Corporativa como órgão de consulta e mais fiel expressão da representação orgânica da Nação Portuguesa. Esperemos que a organização corporativa, limpa de alguns abusos ou excessos, reconduzida à pureza dos seus princípios, de que em parte, por imposição das circunstâncias da guerra, se afastou, chegue em breve à constituição definitiva das várias corporações previstas e possa dar-nos através da Câmara a imagem viva do País na sua economia e na sua vida intelectual e moral.
Sr. Presidente: tenho abusado das transcrições, do que teria de pedir desculpa se não fora estar persuadido da sua utilidade. Quando queremos conhecer mais profundamente a doutrina que abraçamos convém ir às fontes, aos textos originais.
Acresce a vantagem de apresentar Alguém (com A grande) que falasse por mim!
Conhecemos, portanto, a posição em 1945, logo após a guerra, e embora não deixasse de ter interesse seguir a par e passo as palavras de orientação proferidas pelo chefe da Revolução Nacional, naquela época e noutras oportunidades, não posso, não devo, abusar de V. Ex.ª, Sr. Presidente, nem dos ilustres colegas.
Passemos pois à frente e quedemo-nos, quatro anos volvidos, no seu discurso de 20 de Outubro de 1949, onde notamos:
A nossa Constituição admitiu para o Estado a base corporativa e este corporativismo era, e deve
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ser, no conceito das pessoas responsáveis, um corporativismo de associação, e não corporativismo de Estado; mas é evidente que não podia de um momento para o outro criar-se um Estado corporativo sobre a Nação inorgânica.
Registe-se convenientemente esta afirmação, relativa ao nosso corporativismo: «... era, e deve ser, ... um corporativismo de associação».
Naquele mesmo discurso Salazar acrescentou:
Assim, para que constitucionalmente se avance na orientação prevista, é necessário retomar a marcha, estendendo a organização, completando-a, coordenando-a e corrigindo-a no que faça mister. É preciso ainda que a doutrinação exigida pela revolução corporativa se faça intensamente, largamente, levando-a ao comum dos Portugueses ...
E mais adiante:
Então, através da acção entrevista, a organização corporativa trará consigo soluções para muitos problemas constitucionais e políticos e a Câmara das Corporações poderá tomar gradual, mas rapidamente, desenvolvimento notável, tanto quanto à pureza do seu carácter representativo como ao funcionamento e influência efectiva na direcção superior do Estado.
Finalmente, e para terminar esta longa série de citações, recordarei algumas das palavras que Salazar dirigiu, em 12 de Dezembro de 1950, às comissões da União Nacional acerca da realização do Congresso de Coimbra:
... afigura-se-me preferível que a Constituição e, portanto, as alterações constitucionais vão acompanhando a organização e que os maiores esforços se empreguem para a fazer progredir, se não para a completar. A maior obra política, a mais fecunda e de maior alcance nos próximos anos, estará efectivamente aí...
Sr. Presidente: pode parecer que tudo quanto disse ou citei pouco interessa à proposta de lei em discussão; todavia, é orientado por isso e pelo sentido de evolução e do aperfeiçoamento a imprimir ao regime que darei o meu voto na generalidade. É que, recordando os princípios basilares definidos pelo chefe da Revolução Nacional e confrontando-os com as soluções do parecer da Câmara Corporativa e da proposta do Governo, sentimo-nos mais esclarecidos sobre a meta a atingir e sobre o melhor caminho a tomar em face das dificuldades a vencer.
Importa que a nova marcha, ainda que lenta, seja segura; temos de avançar por etapas, os olhos postos no interesse (nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Nesse sentido a proposta do Governo, como creio, dá maiores garantias e permite alterar ou rever posições segundo as circunstâncias e quando se julgue oportuno; e à medida que os guias fornecidos pelo Plano de Formação Social e Corporativa forem arredando os obstáculos mais facilmente se construirá o fecho da obra corporativa.
A proposta do Governo indica a criação de seis corporações, tendo-se preferido para cinco delas - da Lavoura, da Indústria, do Comércio, do Crédito e Seguros e Transportes e Turismo - o critério da «grande actividade nacional», ou, como também é uso denominar, o critério da «função ou ramo económico»; e seguiu-se
na Corporação da Pesca e Conservas o critério do «ramo fundamental da produção» como base de uma integração dos respectivos ramos da produção pelos motivos que constam do relatório da proposta.
Optou-se pelas soluções mais simples e para obviar ao inconveniente da falta de ligações e de relação dos intervenientes nas diversas fase do ciclo dos produtos estabelece-se na base XII que:
Os conselhos das secções da mesma ou de diversas corporações reunirão conjuntamente com todos ou parte dos seus membros sempre que a natureza dos assuntos a tratar o aconselhe.
Por outro lado, prevê-se a possibilidade de futura dissociação das corporações e criação de outras quando se julgue conveniente em obediência a outros critérios.
E nessa ordem de ideias diz-se no relatório da proposta:
Logo que a experiência se apresente suficientemente esclarecedora e a organização corporativa primária e intermédia integre todos os ramos da indústria se verificará se é necessário constituir novas corporações e se estas devem agrupar todas ou parte das actividades ligadas ao ciclo produtivo, desde a produção ao fabrico e à venda.
Quer dizer: admite-se que algumas secções se tornem autónomas, isto é, se transformem em novas corporações. Desde já se esclarece que a Corporação da Lavoura começará provavelmente a funcionar com as secções de vinhos, cereais, pecuária, azeite e oleaginosas, produtos florestais, frutas e produtos hortícolas; e que a da Indústria deverá, além de outras, possuir secções diferenciadas para os ramos têxteis, metalúrgicos, cortiça, construção e alimentação; assim como se criarão as corporações respeitantes às actividades culturais ou morais.
Tudo se dispõe para «robustecer e alargar o sistema corporativo até à integral representação orgânica dos interesses morais, culturais e económicos da Nação».
Em suma: a proposta contém disposições que permitem adoptar as soluções que mais se recomendem, podendo atender a muitas das sugestões do parecer da Câmara Corporativa.
Por último, quanto aos organismos de coordenação económica, em vez de se determinar que seriam integrados nas corporações, logo que elas se constituíssem, manteve-se a orientação menos rígida do Decreto-Lei n.º 29 110, de 12 de Novembro de 1938, pelo que estes organismos, enquanto forem julgados necessários, funcionarão como elementos de ligação entre o Estado e as corporações.
Assim se cuidará de apurar - como diz a proposta - «quais os organismos de coordenação económica que porventura devam subsistir e aqueles que devam integrar-se na corporação ou no Estado e ainda quais as atribuições dos mesmos organismos que convenha passar para a competência das corporações».
É para mim fora de dúvida que também se encontrará solução feliz para a situação dos servidores daqueles organismos, à medida que deixarem de prestar serviço nos mesmos, tanto mais que «é da essência do corporativismo a justiça social» e que é sua constante preocupação o «bem comum» - elemento essencial da lei.
Merece o nosso aplauso toda a afirmação de princípios constante do relatório da proposta que rejeita afinidades com o corporativismo italiano e reafirma a natureza associativa da nosso corporativismo, a autonomia das nossas corporações, a salvaguarda da iniciativa privada, os direitos da pessoa humana.
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Apresento os meus respeitosos cumprimentos e felicitações a S. Ex.ª o Sr. Ministro das Corporações pela solução que soube encontrar e permite completar prudentemente a estruturação do Estado corporativo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Soldado das primeiras horas da Revolução Nacional, entendi subir a esta tribuna para também marcar a aninha presença e, embora reconhecendo o alto valor do esgotante parecer da Câmara Corporativa, dar o meu voto na generalidade à proposta do Governo, convencido de que em face dos resultados desastrosos da República demo-liberal, de inspiração diabólica, «o regime tem de completar-se» se não quiser destruir-se; convencido de que à luz dos princípios fundamentais da ordem corporativa, à luz da sua verdade, pugnando pela sua execução, pugno pelo interesse nacional, pela união dos Portugueses, em ordem ao bem comum.
E para mim, católico praticante, formado nos conceitos da filosofia tomista, o «bem comum» é o resultado de dois factores indispensáveis: a prosperidade material e económica e a prosperidade religiosa, moral e intelectual, isto é, visa fins temporais e espirituais.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cortês Pinto: - Sr. Presidente: depois do que nesta tribuna se tem dito, e nomeadamente depois da notabilíssima exposição de Exmo. Prof. Mário de Figueiredo, nada há a acrescentar que seja digno de nota em referência às generalidades da organização corporativa.
Entretanto apraz-me focar um ponto que, não obstante ser de ordem geral, se restringe a um aspecto apenas da orgânica corporativa, apreciada mais particularmente em relação ao problema social candente que nele se contém.
Ao considerarmos o estabelecimento duma organização corporativa da Nação começamos naturalmente por ter em vista o descalabro das actividades políticas para que tenderam as influências duma defeituosa desorientação social dos elementos de trabalho.
As classes patronais e administrativas das actividades de produção opuseram-se as classes encarregadas da execução manual ou fabril dessas mesmas actividades. Ao capitalismo, que garantia a existência dos operários, opuseram-se os próprios grupos de trabalhadores, que o capital muitas vezes dominara, em vez de com eles se aliar. E à sombra desta ligação viciada iam crescendo de cada vez mais o número de trabalhadores e a oposição das classes.
A falta de solidariedade humana do capital para com o trabalho trouxe como connsequência a luta das classes, que nesta dissenção fora gerada. Com esta estrutura e separações de classes, artificial e desumana, entre as forças criadoras da vida económica deu-se um desvio para as actividades políticas daqueles elementos de trabalho que procuravam encontrar, por intermédio do sufrágio universal, a correcção da falta de solidariedade humana entre o capital e o trabalho.
Todos sabemos como esta oposição tem sido fomentada, agravada e explorada por agitadores sem escrúpulos e por utopistas demo-liberais que pretendem atingir o bem pelo caminho do mal, construindo sobre o ódio em vez de alicerçar sobre a fraternidade humana.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E assim é que a organização corporativa se não pode dissociar desta tríplice natureza - económica, social e política. E se é certo que esta Assembleia é de natureza essencialmente política, não é menos certo que ela não pode considerar o aspecto técnico desagregado do aspecto político-social, pois que a direcção e intervenção superior do Estado são indispensàvelmente essenciais à estrutura técnica de todas as corporações e torna-se imprescindível à coordenação superior de todas elas.
Não existiam semelhantes problemas na organização artesanal, cujas afinidades com o sistema corporativo estão muito longe de ser tão íntimas como à primeira vista se afigura, porque ali o patrão não era mais do que um operário superior que ocupava naturalmente uma posição de chefia num pequeno grupo em que a divisão do trabalho não produzia diferenciações de classes e em que um paternalismo espontâneo se tornava quase numa realidade familiar.
A restrição do campo económico servido pelo grupo artesanal fazia com que as relações entre o produtor e o consumidor se fizessem directamente, encontrando-se o comércio do produto naturalmente integrado como actividade complementar inerente à actividade geral da produção. Desta maneira o ciclo das actividades de cada ramo constituía-se naturalmente numa organização vertical que incluiu, a produção e o comércio.
O desenvolvimento da vida social conduziria naturalmente à diferenciação destas duas actividades pela necessidade de aumentar o âmbito dum comércio que, ultrapassando a área limitada da produção, não podia continuar a ser exercido pelo artesanato, que se fixava num ponto e absorvia o tempo e a actividade do produtor, impedindo-o de se deslocar para a colocação do produto.
No decorrer dos tempos os interesses desligados desta articulação vertical acabaram por se desintegrar o mais que podiam um do outro, criando posições desarmónicas e por vezes opostas. Interesses gerais passaram a ser particularizados.
Entretanto é evidente que o desenvolvimento das actividades comerciais era imprescindível à expansão industrial e correspondia a um progressivo aperfeiçoamento da complexidade da vida social. A indústria valorizava-se através dum comércio que passara a constituir um elo necessário entre a produção e o consumo distante.
Sendo assim, como é possível conceber-se que actividades tão intimamente conjugadas pudessem por vezes desligar-se a tal ponto que dessem origem a factos e mal-entendidos que levam o produtor a queixar-se do comércio, seu aliado natural, atribuindo-lhe (sobretudo no que respeita à produção agrícola, mas sem excluir certos sectores mais modestos da produção artesanal) a responsabilidade da insuficiência económica em que angustiadamente se debatem?
Encontramo-nos em face das consequências do abandono da estrutura vertical do ciclo económico da produção nos, casos em que semelhante estrutura se justifica e mesmo se impõe.
A nova classe que desta maneira se formou viria a sofrer tantas vezes as injustiças dos interesses apaixonados que dividem os grupos separados em estratificações dominantemente horizontais e, por isso, com menos penetração e conhecimento das reais necessidades de cada um.
A solidariedade de interesses entre os membros de cada grupo horizontal desprendeu-se da solidariedade comum da cadeia de actividades articuladas que constituem a verdadeira realidade económico-social. Criaram-se novas afinidades de interesses individuais, mas tais afinidades podem considerasse antinaturais por-
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que a sua estrutura assenta fundamentalmente numa separação inorgânica entre o homem que produz e a finalidade da sua própria produção, que é a compensação económica da obra realizada.
Se interesses que deviam ser solidária e harmònicamente estabelecidos entre todas as actividades dum mesmo ciclo económico perderam essa comunicabilidade ao passarem, em parte, de mão, duma classe para outra, necessário se torna reajustá-los, na medida do possível, numa recomposião de forma corporativa. E para que essa recomposição se torne mais perfeita ainda do que era forçoso se torna que ao lado dos legítimos interesses da produção e do comércio passem a tomar lugar os interesses do consumidor.
De que forma? Quem poderá representar os interesses do consumo dentro da orgânica particular da corporação? O Estado, naturalmente. Mais do que a ninguém, é a ele que compete zelar pelo bem comum, intervindo dentro de cada corporação por intermédio dos seus representantes e sobre todas as corporações por intermédio do Conselho Corporativo.
Não está no plano desta minha pequena intervenção imiscuir-me nos pormenores da orgânica corporativa no que se refere à articulação entre a corporação e o Estado. Não se põe aqui o problema dum corporativismo de Estado a cercear a justa independência da vida corporativa.
Porém, sem prejudicar a sua relativa autonomia, o Estado deverá estar-lhe definidamente sobranceiro, para exercer a função equilibradora dos interesses das actividades económicas entre si e dos interesses do bem comum, que ele sempre representa. E não se diga que a sua participação nestes termos pode representar qualquer intromissão, porque sem ela a corporação seria um organismo amputado sob o ponto de vista social.
É agora a altura de me ocupar, embora ligeiramente, do valor da corporação em relação à psicologia das massas.
Torna-se necessário considerar reflectidamente que os fenómenos sociais representam apenas formas de reacção de ordem psicológica, potenciadas pelo número e fomentadas por uma estrutura social que divide a humanidade em classes distintas, que se organizam em extensão, e, por consequência, se vão dispondo em camadas sobrepostas.
Desta sobreposição resulta um sentimento imediato de desigualdade entre as categorias que representam actividades desconexadas do ciclo económico vertical.
Para evitar confusões e mal-entendidos, devo dizer que, contrariamente a uma sugestão derivada das palavras, é na organização horizontal que mais se faz sentir a desigualdade vertical das posições sociais.
Pelo contrário, na verticalidade do ciclo de trabalho é que os indivíduos de classes sociais diferentes se encontram irmanados num interesse comum, que eles vivem e sentem em constante proximidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ao interesse comum de uma classe, indiscriminado em relação ao rendimento do trabalho que produz o género, opõe-se o interesse comum de todos quantos colaboram na mesma obra, estabelecendo uma identidade de interesses que leva à comunicação espiritual das diferentes classes que trabalham com uma finalidade comum. Mais do que organização vertical, e para evitar sugestões confusas de palavras, deveríamos adoptar antes o designativo de «organização nuclear».
Por virtude da comunicabilidade estrutural desta organização nuclear se irá diluindo aquela disposição hostil de ressentimento da classe operária em face da
classe patronal, ressentimento que constitui um fermento psíquico de desagregação e luta social que não existia no artesanato, mas que psicólogos mais próximos da alma popular couberam definir e colocar era devido relevo nas organizações horizontais das empresas produtoras.
Aquela comunidade de interesses, imediatamente sentida no ciclo das actividades da organização nuclear, tende para diluir o ressentimento que a horizontalidade de classes gerou. E é isto para o que tendem as novas organizações de trabalho nas grandes empresas dos Estados Unidos da América.
Este ressentimento, a que Max Scheler dedica um estudo profundo no seu trabalho A Crise dos Valores, tem a sua origem, não só nas circunstâncias referidas, mas ainda nos recalques duma orgânica disciplinar mais realizada por imposições patronais do que pela consciência devidamente esclarecida do operário interessado na produção e em comunhão com os interesses patronais.
Aguilhoado por este ressentimento, é o operário conduzido para o interesse na participação da política do Estado, por pensar que ali encontra um campo de interesses em que pode intervir em pé de igualdade com os patrões na direcção duma empresa mais alta, onde porventura os poderá dominar.
Integrado, porém, no ciclo económico da corporação nuclear já o seu interesse será orientado para um novo rumo, em que a sua intervenção se situa no campo mais acessível à sua competência e mais proximamente ligado nos interesses reais da sua vida.
É por isso que, longe de temer as consequências políticas duma organização corporativa em que as classes trabalhadoras colaborem mais conscientemente nos ramos económicos da produção, julgo que, muito pelo contrário, é este o meio de as desligar duma actuação na política superior do Estado (para a qual são necessários conhecimentos especializados e uma larga preparação geral, que poucos possuem), lançando o seu interesse para os problemas económicos e culturais em cujo âmbito se movem e dos quais depende o seu bem-estar.
Teremos, assim, a criação de um estímulo que tem faltado ao nosso operário para o enriquecimento da sua cultura, cuja deficiência o coloca tanto abaixo das classes operárias dos países mais industrialmente desenvolvidos.
Vozes : - Muito bem!
O Orador: - É esta a altura de fazer notar que este sistema da organização nuclear da corporação não significa um pensamento de exclusividade em face da organização corporativa horizontal. É evidente que muitos ramos de actividades não atingiram ainda a importância e a morfologia necessárias para constituírem desde já corporações especializadas entre as múltiplas actividades económicas. E, entretanto, subsistirão naturalmente as corporações horizontais capazes de englobar, na sua maior extensão, as múltiplas actividades menos diferenciadas.
Apraz-me reconhecer, porém, que neste ponto a proposta governamental comunga no espírito da Câmara Corporativa, ao estabelecer, ao lado de extensas corporações horizontais, a Corporação nuclear da Pesca e Conservas.
Por seu lado, o ilustre Prof. Mário de Figueiredo já nos esclareceu no seu notabilíssimo discurso, de que a proposta de lei do Governo se não opunha à orientação para o caminho de verticalidade nas actividades económicas mais complexas e de maior importância na vida económica da Nação.
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É por esta certeza que também neste ponto dou o meu voto à proposta do Governo, confiado em que dentro em breve possam ter realidade novas corporações nucleares, desintegradas das corporações horizontais, particularmente no respeitante às actividades do ciclo económico dos vinhos e dos cereais, já designadas no douto parecer da Câmara Corporativa.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - O debate continuará na sessão desta tarde.
Está encerrada a sessão.
Eram 13 horas e 5 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
André Francisco Navarro.
António Calheiros Lopes.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Ameal.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Paulo Cancella de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
António Abrantes Tavares.
António Carlos Borges.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Russel de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
João Afonso Cid dos Santos.
João Alpoim Borges do Cauto.
João Maria Porto.
Joaquim de Sousa Machado.
José Dias de Araújo Correia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA