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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 168
ANO DE 1956 18 DE JULHO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)
SESSÃO N.º 168, EM 17 DE JULHO
Presidente: Ex.mº Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mos Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueiredo
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.º 185 e 166 do Diário das Sessões.
Quanto ao n.º 166, o Sr. Deputado Carlos Moreira fez uma rectificação.
Leu-se o expediente.
O Sr. Presidente informou estarem na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, os n.º 143, 144 e 145 do Diário do Governo, que inserem os Decretos-Leis n.º 40 678, 40 680, 40 681, 40 682 e 40 683, para o cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição.
Foram recebidos na Mesa os elementos requeridos em sessões anteriores, pelo Sr. Deputado Pinto Barriga, aos Ministérios das Obras Públicas e da Economia.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Urgel Horta, que focou a vida e a obra do padre Américo, recentemente falecido; António de Almeida, para pedir a concessão do bilhete de identidade nas províncias ultramarinas; Jorge Jardim, congratulando-se com a próxima visita do Chefe do Estado a Moçambique; Henrique Tenreiro, que se referiu á regata oceânica Torbay-Lisboa; Bartolomeu Gromicho e Pinto Barriga, que enviaram requerimentos à Mesa.
Ordem do dia. - Discussão na especialidade da proposta de lei que institui as corporações.
Foram discutidas, votadas e aprovadas as bases I a VII, com diversas propostas de aditamento, alteração e emenda apresentadas por vários Srs. Deputados.
Usaram da palavra no decorrer da discussão os Srs. Deputados Águedo de Oliveira,; Mário de Figueiredo, Camilo de Mendonça, Jorge Pereira Jardim e Botelho Monis.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas.
O Sr. Presidente:-Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Alberto Cruz.
Albino Soares Finto dos Beis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Américo Cortês Finto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
Artur Águedo de Oliveira.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
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Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Eduardo Pereira Viana.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Ameal.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
O Sr. Presidente:-Estão presentes 72 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente:-Estão em reclamação os n.º 164, 165 e 166 do Diário das Sessões.
O Sr. Carlos Moreira: - Pedi a palavra para fazer a seguinte rectificação: no Diário das Sessões n.º 166, p. 1318, col. 1.ª, 1. 51, onde se lê «templos gloriosos», deve ler-se: «tempos gloriosos».
O Sr. Presidente:-Visto mais nenhum Sr. Deputado desejar fazer qualquer reclamação, considero aprovados os referidos números do Diário das Sessões com a rectificação apresentada.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Dos bombeiros voluntários do Porto a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Pereira da Conceição acerca dos bombeiros voluntários.
Da Camará Municipal de Setúbal a apoiar as considerações do Sr. Deputado Calheiros Lopes sobre a situação económica e social daquela cidade.
Das juntas de freguesia da cidade de Setúbal no mesmo sentido.
De Franco Enes a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Cunha Valença pedindo o desassoreamento do rio Lima.
Do Grémio dos Vinicultores de Santa Marta de Penaguião a apoiar a proposta do Sr. Deputado José Sarmento para a criação da Corporação do Vinho do Porto.
Da Casa do Povo de Medrões no mesmo sentido.
De um sindicato das Caldas da Rainha a apoiar o discurso do Sr. Deputado Paulo Rodrigues sobre o desassoreamento da lagoa de Óbidos
Do Grémio do Comércio das Caldas da Rainha no mesmo sentido.
Da comissão municipal das Caldas da Rainha no mesmo sentido.
Da comissão concelhia da União Nacional das Caldas da Rainha no mesmo sentido.
Da Câmara Municipal das Caldas da Rainha no mesmo sentido.
Da Junta de Freguesia da Foz do Arelho no mesmo sentido.
Dos professores da Foz do Arelho no mesmo sentido.
De José Félix no mesmo sentido.
O Sr. Presidente:-Enviados pela Presidência do Conselho, e para efeito do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, encontram-se na Mesa os n.º 143, 144 e 145 do Diário do Governo, 1.ª série, respectivamente de 10, 11 e 12 do corrente, que inserem os Decretos-Leis n.º 40 678, 40 680, 40 681, 40 682 e 40 683.
Estão também na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das Obras Públicas em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Pinto Barriga na sessão de 28 de Junho findo.
Igualmente se encontram na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Economia em satisfação do requerimento apresentado pelo mesmo Sr. Deputado na sessão de 5 de Junho.
Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Urgel Horta.
O Sr. Urgel Horta: -Sr. Presidente: não pertencia ao domínio das minhas intenções pedir hoje a V. Ex.º me concedesse a palavra, mas os acontecimentos superiorizam-se muitas vezes à nossa vontade, e, obedecendo ao sentimento do dever, ouso, com a mais pungente amargura, levantar a minha voz para lembrar alguém que a morte acaba de roubar à vida, atirando-o para os umbrais da eternidade.
Queria, neste supremo instante, mais que em nenhum outro, possuir em alto grau o mento de com elevação saber exprimir com fidelidade e com grandeza o sentimento de dor, da mais profunda e intensa dor, dilacerante para a alma de milhões de portugueses, espalhados pelo Mundo, que choram o desaparecimento desse homem, sublime existência da mais alta espiritualidade.
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Queria poder traçar a biografia desse gigante na acção, o padre Américo, sacerdote ilustre, que, pelo seu notável apostolado, atingiu já os paramos da glória.
Faltam-me, porém, os predicados requeridos para com toda a verdade e propriedade exaltar e enaltecer a memória de quem tanto e com tamanha grandeza soube dignificar, honrar e prestigiar a nobre missão que na Terra lhe foi confiada. Mas na simplicidade e na singeleza das minhas palavras, no descolorido das minhas frases tão modestas, se contém a homenagem bem sentida e bem sincera de tantos corações, que, pulsando em ritmo doloroso com o meu, deploram a morte desse apóstolo da virtude e do bem, que os altos desígnios de Deus chamaram ao julgamento final.
Sr. Presidente: a morte do padre Américo foi motivo de trágica surpresa para a Nação inteira, que o idolatrava e o admirava. A sua vida de apostolado, esmaltada pelas manifestações da mais acrisolada bondade, ficará como a mais eloquente lição e o mais nobre exemplo de inteira devoção, pelo bem e pelo amor, para com o seu semelhante.
Personalidade forte, espírito modelado nas mais altas virtudes cristãs, inteligência viva, dominadora, superiormente ordenada, no desempenho do seu admirável sacerdócio soube, como ninguém, combater os torvos egoísmos. as flagrantes injustiças, de que enferma a humanidade.
Alma abrasada de fé no afecto e na protecção dedicada à pobreza humana, a sua vida foi gasta, queimada, mas queimada com abnegado fervor, no combate contra os desmandos de uma sociedade corrompida e na prática dos actos de caridade do maior altruísmo e da mais reconhecida bondade.
O Evangelho -a sua maravilhosa doutrina-, o exercício das virtudes de que é repositório, no combate intemerato e constante pela vitória do» seus preceitos, foram, no decorrer da sua existência, marcos balizam-tas da estrada da vida, que lhe deram a mais sólida orientação e formação moral e espiritual para a conquista do ideal, tão cheio de beleza, que inteiramente o dominou.
Os seus livros, O Gaiato, Pão dos Pobres, Isto Ë a Casa do Gaiato e Barredo, são pedaços da sua alma, onde vive e palpita o anseio duma justiça compatível com a dignidade humana.
Escrevia com a simplicidade com que falava, e quer na palavra escrita, quer na palavra falada, demonstrava exuberantemente a superioridade dos seus magníficos conceitos, a profundeza dos seus construtivos ideais, a fecundidade e o vigor do seu espírito realizador.
Um homem só é absolutamente grande quando o seu substrato anímico, aia sua ascensão ,para o infinito, encontra o caminho que o conduz até Deus. E o padre Américo foi verdadeiramente grande na compreensão efectiva da verdadeira solidariedade e fraternidade cristã.
Mensageiro e obreiro da caridade, grande apóstolo na protecção aos desprotegidos da sorte, nu modelação e na formação de caracteres, sua coroa de eterna glorificação, a Obra, da Una mereceu-lhe a dedicação de toda a energia e de toda a vontade, inerentes ao vigor da sua inteligência.
ducador consumado e consciente de tanta mocidade, os seus gaiatos, arrancados as mais das vezes à lama das Tuas, elevados, pelo seu sacrificado mas compreensivo esforço, às mais dignificantes profissões, choram convulsivamente a perda do seu ,protector.
Criador do Património dos Pobres, milhares de habitações humildes, mas asseadas, substitutivas desses miseráveis antros de podridão e de amargura, ficam espalhadas por montes e vales, a demonstrar às gerações vindouras a grandeza incomparável da estatuíra moral do realizador de uma obra social de notabilíssima projecção e valioso alcance.
A morte não consentiu que esse apóstolo, verdadeira encarnação de milagre, pudesse ver a caminho da realização e da finalidade o seu calvário, grande obra de assistência, de 'natureza hospitalar, estabelecida em moldes inteiramente novos, que os seus mais directos continuadores prosseguirão, guiados do Além pelo espírito desse lutador polarizante de vontades ao serviço de Deus, da Pátria e da Humanidade.
Sr. Presidente: não é tarefa fácil falar de um homem que, como o padre Américo, se projecta, pela relevância e grandeza da sua obra, verdadeiramente humana e profundamente social, muito para além das fronteiras concessionárias do direito à imortalidade.
O seu nome perdurará através de gerações infinitas, como figura lendária, que soube viver, servindo e propagando a fé, a crença e a confiança na omnipotência divina, dignificando a Pátria engrandecida pela acção meritória, das suas virtudes.
Quando o seu corpo frio atravessou esta manhã as ruas da Cidade Invicta, cobertas de pesado luto, a caminho do seu Paço de Sousa, onde levantou o monumento que há-de perpetuar a sua memória, o povo do Porto, fortemente emocionado, verteu lágrimas de reconhecida saudade, ciciando sentidas orações a Deus, sufragando a alma desse missionário de Cristo, que à sombra da sua capa abrigou tanta miséria, curou tanta dor e mitigou tantos infortúnios.
Deus, na sua infinita misericórdia, tem-no agora bem junto de si.
Saibamos nós compreender a grande lição da sua vida, tudo fazendo para que obra de tanta magnitude e tanta grandeza se transforme em fundação, que a alargue e a continue dentro dos princípios de caridade e da mais fraterna solidariedade humana contidas no Evangelho.
Será essa a maior homenagem que lhe poderemos prestar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. António de Almeida: - Sr. Presidente: na sessão de 4 do mês de Julho corrente proferi algumas breves palavras sobre a concessão do bilhete de identidade nas províncias ultramarinas. Uma gralha tipográfica, infelizmente não corrigida em tempo conveniente, levando a queda da expressão «artigo 60.º» na 6.º linha do antepenúltimo parágrafo do meu discurso, condicionou a alteração do sentido das minhas considerações. Por este motivo, peço licença a V. Ex.ª para, agora, acrescentar um esclarecimento indispensável, pensando que o grande público, nem sempre familiarizado com os textos legais, poderia ser levado pelos meus comentários a generalizações menos exactas.
Tendo em mente o artigo 60.º do Decreto-Lei n.º 39 666, de 20 de Maio de 1954, declarei:
E digo mais amplo e melhor espírito de compreensão, e não completa satisfação, por virtude de naquele diploma se considerarem duas condições algo exageradas: uma exigindo, em vez do exame do 2.º grau de instrução primária, o 1.º ciclo dos liceus ou habilitação literária equivalente, requisito difícil de conseguir por quem, como em Angola e Moçambique, viva longe dos centros urbanos do-
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tados de estabelecimento de ensino secundário - razão por que este preceito a pouca pessoas poderá aproveitar; a outra mantém-se no § único do mesmo artigo.
O artigo 60.º diz:
O bilhete de identidade será passado sem dependência das formalidades previstas neste diploma a quem apresente documento comprovativo de alguma das seguintes circunstâncias:
a) Exercer ou ter exercido cargo público, por nomeação ou contrato;
b) Fazer ou ter feito parte de corpos administrativos;
c) Possuir o 1.º ciclo dos liceus ou habilitações literárias equivalentes;
d) Ser comerciante matriculado, sócio de sociedade comercial, exceptuadas as anónimas e em comandita por acções, ou proprietário de estabelecimento industrial que funcione legalmente § único. Não é considerado para o efeito da alínea a) o exercício de cargo público que tenha terminado por demissão ou rescisão do contrato por motivo disciplinar.
As formalidades previstas no citado diploma contêm-se nos artigos 56º, 57.º e 61.º O artigo 56.º consigna:
Pode perder a condição de indígena e adquirir a cidadania o indivíduo que prove satisfazer cumulativamente aos seguintes requisitos:
a) Ter mais de 18 anos;
b) Falar correctamente a língua portuguesa;
c) Exercer profissão, arte ou ofício de que aufira rendimento necessário para o sustento próprio e das pessoas de família a seu cargo, ou possuir bens suficientes para o mesmo fim;
d) Ter bom comportamento e ter adquirido a ilustração e os hábitos pressupostos para a integral aplicação do direito público e privado dos cidadãos portugueses;
e) Não ter sido notado como refractário ao serviço militar nem dado como desertor.
O artigo 57.º diz:
A mulher indígena casada com indivíduo que adquira a cidadania nos termos do artigo anterior e os filhos legítimos, ou ilegítimos perfilhados, menores de 18 anos, que vivam sob a direcção do pai à data daquela aquisição, podem também adquiri-la, no caso de satisfazerem aos requisitos das alíneas b) e d) do artigo 56.º
O artigo 61.º afirma:
Os governadores de província poderão conceder a cidadania com dispensa da prova dos requisitos exigidos no artigo 56.º aos indivíduos que notoriamente os possuam ou que tenham prestado serviços considerados distintos ou relevantes à Pátria Portuguesa.
Não aludi a estes artigos por não ser meu propósito focar então as condições de aquisição da cidadania.
Em face do exposto, creio ter elucidado devidamente a Assembleia sobre o assunto, concluindo assim o meu apontamento: os indígenas do .nosso ultramar podem conseguir o bilhete de identidade de duas maneiras:
1.º Com a cidadania, concedida nos termos dos artigos 56.º, 57.º e 61.º - nesta hipótese não são exigidas quaisquer habilitações literárias;
2.º Satisfazendo a qualquer das circunstâncias enumeradas no artigo 60.º - entre as quais figura a posse do 1.º ciclo dos Liceus ou habilitações literárias equivalentes.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem! Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Jorge Jardim: - Sr. Presidente: a notícia da visita do Chefe do Estado a Moçambique foi recebida naquela portuguesa província do Indico com o entusiasmo de que são índice os preparativos que por toda a parte ali se fazem para o acolher dignamente e permitir-lhe viver, em íntimo contacto com quantos se esforçam por servir a Nação nessas paragens distantes, a tarefa honrosa de continuar nos nossos dias o esforço civiLizador de Portugal.
Na verdade, no ultramar a presença do Chefe do Estado representa, para além da afirmação de sentimentos que todos nos honramos de acalentar, a expressão viva da unidade de uma pátria que soube perdurar através dos séculos e que sabe afirmar-se, como realidade intangível, nos dias do presente, projectando-se para o futuro na constância dos mesmos ideais e na indiscutível repetição das mesmas certezas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A Nação Portuguesa, repartida por continentes diversos, constitui um todo para o qual interessa menos a continuidade territorial do que a ligação espiritual que revela a solidez da sua perene estruturação e evidencia a existência desse elo mais forte que distingue as pátrias das transitórias associações de interesses.
Não somos portugueses, ali como aqui, porque o calculismo pensado nos aponte a vantagem dessa qualidade. Somos portugueses nesse vasto ultramar porque conservamos nas nossas almas o sentido profundo que para isso nos impele, porque acalentamos nos espíritos os mesmos sentimentos que nos afirmam como povo inconfundível e porque a nossa honra de homens conscientes nos torna solidários com quantos por esse mundo além beneficiem da ventura de mergulhar as suas raízes na mesma origem lusíada.
Somos portugueses porque nessas terras benditas nos orgulhamos de Portugal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Com particular emoção ali tiveram eco as palavras que o Chefe do Estado proferiu nesta Assembleia Nacional, em Novembro de 1953, ao afirmar a sua intenção de ir até junto dos que no ultramar labutam e para viver o seu portuguesismo, certificar-me do seu desenvolvimento e congratular-me pelos seus progressos com aqueles a cujo trabalho, sacrifícios e dedicação especialmente se devem».
Desejámo-lo vivamente em Moçambique e é com júbilo que vemos aproximar-se a oportunidade de podermos corresponder ao desejo com tanto ardor expresso e de sermos dignos da honra que nos é oferecida.
Não mais do que noutra terra portuguesa, mas tanto como em qualquer outra terra portuguesa, o Chefe do Estado poderá ali sentir, no calor do nosso acolhimento e na afirmação do nosso respeito, quanto sabemos ser fiéis ao mandato histórico que nos incumbe e quanto dele nos orgulhamos.
Das grandes cidades, que demonstram a nossa capacidade realizadora, aos mais modestos núcleos populacio-
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nais, que evidenciam a nossa tenacidade colonizadora, o mesmo ideal a todos norteia e o mesmo rumo a todos conduz.
Havemos de continuar em Moçambique a obra ingente que nos foi legada por uma plêiade magnífica de soldados, do missionários, de trabalhadores de todos os misteres, que balizaram com o seu dedicado esforço - e tantas vezes com o seu sacrifício heróico - o caminho que trilhamos e do qual não nos arredam nem dificuldades nem provações.
Havemos de saber corresponder a tudo quanto representou a possibilidade de que essa terra seja portuguesa e de em todos os seus recantos se poder erguer, sem dúvidas da sua legitimidade, a bandeira nacional.
Disso damos testemunho, perante nós e perante os outros, em cada dia que ali vivemos. E disso somos penhor para o futuro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quis afirmar, expressamente, o Chefe do Estado perante esta representação nacional: «Estou bem certo de poder levar-lhes, com a minha presença, a reafirmação do sentir unânime dos Portugueses espalhados pelo mundo h volta da unidade e grandeza da sua Pátria».
Queremos nós dizer-lhe, deste mesmo lagar, em nome da província de Moçambique, que ansiamos por que esteja, ali, entre nós para lhe evidenciarmos quanto nos integramos em tal sentir e quanto desejamos ter ensejo de, mais uma vez, o confirmar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem ! Muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Henrique Tenreiro: - Sr. Presidente: parece-me oportuno dizer nesta Câmara algumas palavras sobre o acontecimento que despertou grande interesse em dez nações marítimas das mais dedicadas ao mar.
Refiro-me à regata Torbay-Lisboa.
Esta regata teve entre outras vantagens a de intensificar as relações internacionais entre os países concorrentes e aproximar os seus jovens marinheiros e insuflar nas novas gerações o respeito pelas tradições marítimas e o amor pela vela, lembrando que os veleiros foram durante séculos a melhor escola das grandes virtudes humanas.
Portugal não podia deixar de estar presente nesta grande realização, como um dos países que mais gloriosas páginas de epopeia marítima escreveu, ao lado da sua velha aliada Inglaterra. Mais uma vez se estreitaram os laços que unem os dois países, com a largada desta regata das Ilhas Britânicas e a chegada em águas portuguesas.
Velas enfunadas por vento que se diria vindo do passado glorioso da sua história, a Sagres e a Bellatrix, representando-nos nesta jornada inesquecível, largaram de Torbay com os restantes concorrentes, mostrando mais uma vez que Portugal voltou ao mar, hasteando de novo a bandeira das quinas por todos os oceanos.
Orgulhamo-nos por ver neste momento reunidos aqui essas centenas de marinheiros de tão diferentes nacionalidades, que. cheios de entusiasmo, partiram há dias, ansiosos pela hora da chegada a Lisboa, esperançados no andamento dos seus barcos e na sua melhor técnica e saber. Milhas sobre milhas foram percorridas com velocidade e perícia para chegarem em primeiro lugar ou entre os melhor classificados a cortarem a meta.
O entusiasmo despertado nestes últimos dias em todos os portugueses por esta regata é superior ao que qualquer outra prova náutica possa suscitar. Porque ela representa a continuidade do nosso passado marítimo e a melhor propaganda do País através dos jornais e revistas de todo o mundo.
E enquanto noutros países a tranquilidade presente e futura se apresenta duvidosa e enegrecida pelos mais sombrios pressentimentos, esses velejadores, alegremente, rumavam para Portugal, certos de aqui serem recebidos na paz e no sossego tão de apreciar após os rudes dias vividos sobre as ondas.
Não poderia deixar de lembrar aqui o nome de um grande português e grande alma de velejador, figura das mais preponderantes na organização desta regata: o embaixador Pedro Teotónio Pereira, estadista que, pela sua actuação e invulgar inteligência, conseguiu fazer brilhar com tanto êxito o nosso esforço nesta competição internacional.
A Sagres e a Bellatrix, pedaços da nossa terra, do espírito e da alma portuguesa, afirmaram em Inglaterra que a Nação vive e que, não havendo mais mundos que dar ao mundo, quer pelo menos mostrar que em cada peito bate como sempre um coração amante de aventura e de proeza, palpitando pela sua pátria e pelas suas glórias, e todos eles reunidos em torno de Salazar, que conseguiu com essas parcelas preciosas a grande obra e as grandes realizações que hoje nos tornam respeitados e considerados em todo o orbe civilizado.
De novo, Sr. Presidente, vemos o nosso Tejo coalhado de velas, cumprindo-se assim o desejo expresso há anos por esse homem superior.
Deve, na verdade, ser espectáculo consolador para S. Ex.ª verificar como entre nós os desportos náuticos tomaram incremento, e a competência, o brio e o valor demonstrados pelos nossos rapazes em todas as competições internacionais a que concorrem, honrando sempre a bandeira portuguesa.
Como marinheiro, congratulo-me pelo sucesso desta realização e associo-me ao regozijo de todos, fazendo ao Governo um voto e um pedido:
Que a Nação continue a auxiliar e a estimular o desenvolvimento da vela; que a Marinha possa em breve dispor de um novo navio-escola para a formação de jovens futuros marinheiros capazes de continuarem honrando a nossa tradição e o futuro da nossa Armada.
A Sagres já é demasiado velha e precisa de ser substituída por outro navio com melhores características, satisfazendo todos os modernos requisitos de navio-escola.
Para que nele os Portugueses possam continuar transformando o seu passado marinheiro em valores actuais, e não deixem de fulgurar nos mares as velas com a cruz de Cristo, que os nossos maiores sempre ostentaram no decurso da sua gloriosa epopeia marítima.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem! Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a mesa o seguinte
Requerimento
«Requeira que, nos termos constitucionais, pela Junta Autónoma de Estradas, através do Ministério das Obras Públicas, me sejam fornecidos os seguintes elementos sobre a rede rodoviária do distrito de Évora:
a) Estrada Évora-Portel de ligação para o Algarve por Beja:
Razões das delongas na completa reconstrução do troço S. Marcos-Portel.
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Quais as empreitadas previstas, respectivas dotações orçamentais, se as há, e, se as houve, quais os motivos por que não foram, aplicadas.
b) Estrada Évora-Alcáçovas-Torrão:
Quais as empreitadas previstas, respectivas dotações orçamentais, se as há, e, se as houve, quais os motivos por que não foram aplicadas.
c) Estrada Évora-Arraiolos-Pavia-Cabeção-Mora: Quais os planos de reconstrução desta importante via, que continua desde há anos quase intransitável.
Se tem havido dotações, porque não têm eido aplicadas.
d) Estrada internacional, troço Montemor-Arraiolos-Estremoz:
Quais terno sido os motivos impeditivos da reconstrução desta importante via internacional?
Que planos de reconstrução existem e quais as previsões da sua conclusão?».
O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Nos termos regimentais e constitucionais, requeiro, pelo Ministério da Economia e demais Ministérios competentes, as seguintes informações:
1.º Se a Organização Europeia de Cooperação Económica e a Agência Europeia de Produtividade nos ofereceram o patrocínio para a realização de inquéritos sobre a distribuição de mercadorias e seu respectivo consumo em Portugal;
2.º No caso de se ter efectuado essa oferta, se esses Ministérios deram qualquer resposta, e, no caso afirmativo, nota (discriminada dessas respostas;
3.º Se a Organização Europeia de Cooperação Económica propôs a Portugal a criação de um Centro Nacional de Produtividade e, nesse caso, quais as condições propostas para a soa, criação e manutenção.
Outrossim se requer, pelos mencionados Ministérios, nota discriminada das entidades, organizações e empresas que beneficiaram do Plano Marshall, com a indicação dos quantitativos correspondentes a caída uma, assim como as condições desse beneficiamento e a especificação dos estudos de mercados efectuados pelo Fundo de Fomento de Exportação.
Outrossim também requeiro, pelo (Ministério da Economia, através do seu Instituto Nacional do Pão, a indicação dos motivos de ordem económico-jurídica por que se tem condicionado a indústria de moagem para farinhas espoadas de trigo, mas se mantém em plena liberdade económica a indústria de moagem para farinhas espoadas de centeio, estabelecendo-se um preço destinado à incorporação com equivalência ao do trigo, pagando-se, contudo, aos lavradores, em mercado livre, preços muitíssimo inferiores aos pagos pelo centeio a incorporar, interessando, finalmente, ao requerente conhecer se o referido Instituto tem possibilidades contínuas de técnica e fiscalização para assegurar um regular e perfeito cumprimento das percentagens de incorporação de cereais na farinha destinada à panificação e, bem assim, se essa fiscalização, tal como se realiza, permite verificar se as farinhas espoadas de centeio elaboradas em fábricas no» mesmos locais das do trigo trabalhando com centeios adquiridos ao preço do mercado livre não poderão vir a ser incorporadas pelo preço daquelas que suo destinadas à incorporação na farinha para panificação».
Antes de entrar no uso da palavra foram-me entregues documentos respeitantes a um requerimento que apresentara em 26 de Junho de 1956, dirigido ao Ministério das Obras Públicas.
Agradecendo a magnífica resposta enviada por esse Ministério e prestando homenagem u grande obra de ressurgimento nacional em que colaborou esse departamento do Estado, vou ler algumas passagens dessa resposta, por serem assuntos pertinentes à ordem do dia, e, embora não modifiquem a minha opinião, já expressa em sessões anteriores, da necessidade de vincular o problema do desemprego nacional à política corporativa e orientá-lo com marcada intenção social, reconheço como elementar dever de justiça que o Ministério das Obras Públicas, através do seu Comissariado do Desemprego, lhe tem dado, afora esse aspecto, um cunho de execução inteiramente aceitável:
«No ano de 1955 o Comissariado do Desemprego continuou a exercer, nos seus dois aspectos essenciais, vasta intervenção na grandiosa obra do ressurgimento nacional, sempre de acordo com os princípios orientadores que dominaram a sua instituição e cuja eficiência os resultados obtidos em longos anos de actividade tão ampla como profícua plenamente consagraram.
Sabe-se hoje, com nitidez, o que foi possível conseguir com a aplicação dos processos adoptados em 1932, quando se criou o Comissariado. Conhecem-se os benefícios que justificam o prestígio do sistema posto em prática quando o seu carácter de originalidade não permitia comparações susceptíveis de produzir um cálculo tranquilizador sobre os seus efeitos futuros. Vêem-se por toda a parte as consequências trazidas ao bem estar social da colectividade e à valorização regional do País pela extensão a este sector das preocupações governativas de um princípio que na sua essência constitui expressivo título dignificador das virtudes da nossa gente. Referimo-nos ao conceito de solidariedade humana que está na base do combate ao desemprego entre nós pela comparticipação de todos -operários e patrões- nos esforços para evitar na terra portuguesa as angústias desse problema a que já se chamou, com exactidão, «doença crónica das sociedades contemporâneas».
Quando hoje se analisa o que tem sido possível fazer à sombra dessa manifestação colectiva de civismo dum povo alarmado pelas perspectivas de um flagelo social de tão agudas repercussões não devemos recordar apenas o muito que se conseguiu realizar na criação de inúmeros melhoramentos públicos em todos os pontos do nosso território, nem exclusivamente a estabilização de condições de trabalho, das quais ficaram ausentes os regimes de subsídios graciosos usados no generalidade pelos estranhos.
Deve ter-se em conta também o que a exacta aplicação da ajuda de todos pôde evitar e se não limita à improdutividade do socorro, pois não seria dos seus males menores a existência uma situação parasitária que dispensasse ao seu constante alastramento tanto as exigências naturais do esforço construtivo como a plena utilização das energias individuais.
Na concessão de subsídios de trabalho, instalação de centros de trabalho, de reeducação e de aperfeiçoamento profissional, assistência aos desempregados, auxílio na criação de novas indústrias e revigoramento de algumas já existentes e criação de amplas possibilidades de trabalho através das comparticipações para obras em todo o País se despenderam de 1932, ano da criação do Comissariado, até 1955, cerca de 3 463 461 contos. O número de desempregados inscritos era de 41 000, em 1932, e ficou, em fins em 1955, em 2404, pertencentes aos grupos I e II a que se refere o artigo 44.º do Decreto n.º 21 699, de 19 de Setembro de 1932.
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Meios directos
Em 1955 os meios directos que o Comissariado utiliza para combater o desemprego, e que são constituídos essencialmente por subsídios de trabalho, tiveram o seguinte movimento:
Desempregados admitidos nos serviços centrais e externos do Comissariado: foram despendidos 14:888.026$ com 1149 desempregados.
Desempregados aos quais é proporcionada ocupação através dos centros de trabalho que o Comissariado mantém em Lisboa e na província: foram despendidos 2:019.344$ com 661 desempregados.
Desempregados requisitados por entidades oficiais e particulares em regime de comparticipação: foram despendidos 4:919.85.6$ com 979 desempregados.
Desempregados em serviço como fiscais técnicos nas obras comparticipadas: foram despendidos 1:643.171$ com 100 desempregados.
Desempregados em serviço de apontadores de obras comparticipadas: foram despendidos 4:939.777$ com 1078 desempregados.
O Decreto n.º 16 448, de Agosto de 1947, considerou a situação daqueles que o desemprego involuntário poderia sujeitar à necessidade do mendiga para angariar os indispensáveis meios de subsistência. Por esse diploma foi determinado que os indivíduos em tais condições seriam enviados ao Comissariado do Desemprego ou a outros serviços do Ministério das Obras Públicas por ele indicados, com o fim de lhes ser proporcionado trabalho de harmonia com a sua capacidade. Esta modalidade de auxílio está em execução desde 1948. Em 1955 foram gastos 183.670$.
Meios indirectos
A política de comparticipação do Estado nos encargos da criação de trabalho através de realizações de melhoramentos público.?' continuou a ter especial lugar entre os meios indirectos que o Comissariado utiliza para o combate ao desemprego. Mo ano de 1955, a que se refere este relatório, foram concedidas comparticipações pelo Fundo de Desemprego no total de 127:924.358$10, distribuídas, segundo a natureza das obras e os distritos, conforme se indica nos seguintes mapas:
(ver tabela na imagem)
(ver tabela na imagem)
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Crises de trabalho
...como tem acontecido nos anos anteriores, ... necessário dar ocupação urgente a desempregados, atingidos pela repetição cíclica de crises de trabalho nas zonas agrícolas de monocultura e também naquelas que mais sofreram o efeito dos temporais. Para a realização de trabalhos nessas zonas, determinada pelos referidos motivos, o Comissariado concedeu, em 1955, subsídios directos que totalizaram 2050 contos.
Nomeada pelo Ministro uma comissão de estudo das crises de trabalho rural no Alentejo, com a representação deste Comissariado, da Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização e da Junta Autónoma de Estradas, a sua acção está já a produzir resultados que se espera venham a contribuir eficazmente para a debelação das crises que todos os anos afectam os trabalhadores dos distritos de Évora, Beja e Portalegre.
Centros de adaptação, reeducação e aperfeiçoamento profissional
Com os centros de adaptação, reeducação e aperfeiçoamento profissional gastaram-se, em 1955, 255.446$, distribuídos pelo centro de dactilografia (directamente a cargo e sob a direcção do Comissariado); centro de telegrafia e radiotelegrafia, instalado na sede do respectivo Sindicato Nacional; centro de enfermagem, em colaboração com a Escola Artur Ravara e com a Escola de Enfermagem de S. Vicente de Paulo; centro de profissões diversas (carpintaria, latoaria, tecelagem, encadernação, etc.), em colaboração com a Mocidade Portuguesa (Pedrouços); centros de tecelagem (trabalho doméstico), em colaboração com diversas entidades; Casas dos Rapazes da Cidade e cursos de educação de adultos (luta contra o analfabetismo).
Assistência
Os problemas das famílias dos desempregados e da invalidez operária, enfrentados pelo Decreto n.º 21699, que em 1932 criou o Comissariado, estiveram incluídos na acção deste organismo durante os anos em que ele exerceu directamente uma obra de assistência que, a partir de Agosto de 1940, foi alargada por força das disposições do Decreto n.º 30 770, que determinaram a concessão pelo Comissariado, e a favor do Fundo Comum das Casas do Povo, de uma contribuição anual exclusivamente destinada a subsídios de invalidez a rurais.
Com a criação, em 1941, do Subsecretariado de Estado da Assistência o Comissariado passou a remeter à Direcção-Geral da Assistência os desempregados inválidos e as verbas que no seu orçamento se consignavam a alimentação e a subsídios de invalidez. Em Novembro de 1945 foi criado o Instituto de Assistência à Família, a cargo do qual passou a estar todo o auxílio daquele género que o Comissariado prestava aos desempregados.
Em 22 de Agosto de 1946 o Decreto n.º 35 882 fixou em 12 por cento do montante das receitas anuais do Fundo de Desemprego o limite máximo que o Comissariado poderia destinar a fins de assistência, estabelecendo-se a seguinte distribuição: 10 por cento a entregar ao Instituto de Assistência à Família para sustentação dos desempregados inválidos e auxílio e assistência às famílias dos desempregados; 2 por cento a entregar ao Instituto Nacional do Trabalho e Previdência para subsídios de invalidez, a conceder através do Fundo Comum das Casas do Povo e das Caixas Sindicais de Previdência.
Até 1954 foram entregues à Direcção-Geral da Assistência e ao Instituto de Assistência à Família 167 740 contos e ao Instituto Nacional do Trabalho e Previdência 34 848 contos. Se se juntarem a estes números as verbas anteriormente despendidas pelo Comissariado na sua acção assistencial directa, chegaremos a um montante de cerca de 258 588 contos.
A este total devem acrescentar-se as verbas de 20:022.696$ e 3:904.539f entregues para os efeitos indicados, respectivamente, ao Instituto de Assistência à Família e ao Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, em 1955, chegando-se assim à verba total de 282 515 contos.
Ainda no capítulo de assistência, deve registar-se que o Comissariado colaborou com a concessão de 700.000$ nos benefícios dispensados em 1955 ao pessoal subsidiado pelo Fundo de Desemprego, através do Cofre de Auxílio Mútuo do mesmo pessoal (assistência na doença e na invalidez, protecção à família e subsídios de colocação).
Movimento de desempregados
Durante o ano de 1955 o movimento de desempregados foi o seguinte:
GRUPO I - Empregados bancários ou comerciais, pessoal de escritório ou equiparado: existiam 1792 em 31 de Dezembro de 1954; inscreveram-se 1469 em 1955; foram movimentados 1781. A existência de desempregados deste grupo passou a ser, em 31 de Dezembro de 1955, de 1480.
GRUPO II - Oficiais, ajudantes e aprendizes de qualquer ofício, exceptuando-se a construção civil: existiam 989 em 31 de Dezembro de 1954; inscreveram-se 917 em 1955; foram movimentados 982. A existência de desempregados neste grupo passou a ser, em 31 de Dezembro de 1956, de 924.
Deve notar-se que o total de 1480 desempregados inscritos no grupo i e aguardando colocação no fim de 1956 é constituído por 1184 homens (4 até 19 anos; 424 dos 20 aos 29; 248 dos 30 aos 39; 218 dos 40 aos 49; 157 dos 50 aos 59, e 133 com 60 ou mais anos) e 296 mulheres (6 até 19 anos; 156 dos 20 aos 29 ; 60 dos 30 aos 39; 40 dos 40 aos 49; 26 dos 50 aos 59, e 8 com 60 ou mais anos).
O total dos 924 desempregados inscritos no grupo n e aguardando colocação no fim de 1955 é constituído por 720 homens (3 até 19 anos; 184 dos 20 aos 29; 153 dos 30 aos 39; 147 dos 40 aos 49; 133 dos 50 aos 69, e 100 com 60 ou mais anos) e 204 mulheres (2 até 19 anos; 26 dos 20 aos 29; 35 dos 30 aos 39; 55 dos 40 aos 49; 63 dos 50 aos 59, e 23 com 60 ou mais anos).
Como se verifica, no total de 2404 desempregados inscritos nos dois grupos, 1197, ou seja cerca de metade, têm idades superiores a 40 anos. Deve juntar-se a esta circunstância a percentagem dos inaptos profissionalmente e não readaptáveis e ainda a dos incapazes por anomalias psíquicas, etc., uns e outros em número considerável entre os que constituem aquele total de desempregados aguardando colocação.
A ponderação destes factos, relacionada com a exiguidade do referido total, conduz à tranquilizadora segurança de que, efectivamente, o problema do desemprego, entre nós, atingiu uma fase de expressão muito reduzida.
Quanto a oficiais, ajudantes e aprendizes de qualquer ramo de construção civil e serventes e trabalhadores sem ofício definido, que constituem os grupos III e IV, não
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é possível apresentar números que representem aspectos perfeitamente exactos da sua situação, dado o carácter intermitente do desemprego nestas classes de trabalhadores.
Pode dizer-se, porém, que o problema destes desempregados é resolvido em condições extremamente favoráveis pelos meios indirectos a que, no capítulo próprio, se faz referência, e nos quais foi investida, só em 1955, a importante verba de 127:924.358$10».
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente:-Vai iniciar-se a discussão na especialidade da proposta de lei que institui as corporações.
Submeto à apreciação da Câmara a base I.
Sobre esta base há uma proposta de emenda dos Srs. Deputados Almeida Garrett, Melo Machado e Augusto Cancella de Abreu.
Vai ser lida a base I.
Foi lida. É a seguinte:
BASE I
As corporações constituem a organização integral das diferentes actividades de ordem moral, cultural e económica e têm por fim representar e defender os seus interesses, com vista à realização do bem comum.
O Sr. Presidente:-Vai ler-se agora a proposta de emenda.
Foi lida. E a seguinte:
BASE I
Propomos que seja intercalada a palavra «coordenar» entre as palavras «fim» e «representar».
10 de Julho de 1956. - Os Deputados: António de Almeida Garrett, Augusto Cancella de Abreu e Francisco de Melo Machado.
O Sr. Presidente:-Estão em discussão.
O Sr. Águedo de Oliveira: - Sr. Presidente: a questão que vou levantar é do maior melindre e para ela peço hoje uma especial benevolência e atenção.
Ainda que não pareça, chegámos ao problema número um e as suas soluções gravitam em torno do eixo do sistema.
Se eu não for claro e conciso, as suas linhas escapar-me-ão, mas espero que me ajudem a suprir as minhas deficiências com os naturais conhecimentos desta matéria, que andará na experiência de todos.
O tema a debater hoje vem a ser esto:
A base I afirma que «as corporações constituem a organização integral das diferentes actividades de ordem moral, cultural e económica e têm por fim representar e defender os seus interesses ...».
Logo, se integram o produtor, o segurador, a actividade fabril, o transportador, o distribuidor e o dispensador de crédito, parece, à primeira vista, que deviam enquadrar o consumidor.
Logo, se integram quem produz, quem movimenta, quem canaliza, quem assegura e financia, quem distribui os bens materiais, por maioria de razão, parece, deviam integrar quem no fim paga e aplica esses bens ao consumo.
Dir-se-á mais: se a corporação representa defende interesses respeitáveis, parece igualmente que não pode deixar de o fazer em relação aos interesses do maior número e aos da classe mais numerosa. Embora esta seja mais débil, existe assim, parece ainda, razão acrescida para se lhe dispensar protecção e defesa.
Porém, vendo a base II, o consumo não é uma função diferenciável, mas sim uma manifestação das necessidades vitais do ser humano, e também não podo chamar-se um ramo de actividade o que, por igual, todos são obrigados a fazer.
Logo, nos termos da base II, não cabe o consumidor na orgânica nem no processo corporativo, porque estes são activos e não passivos, englobam e disciplinam as forças da produção.
Por outro lado, dentro das considerações de economia corporativa, o consumo e o seu titular não ajudam a que se atinja o chamado equilíbrio funcional.
Portanto, se considerarmos a teoria corporativa como assente apenas no produtor e as bases i e u como dirigidas exclusivamente à actividade criadora e organizadora da riqueza, nós ignoraremos, à primeira vista, a situação dos que se encontram no ponto final das actividades económicas, destruindo ou transformando os bens em seu proveito - ignoramos, pois, o consumidor.
E não venha dizer-se que todo o produtor é, pela fatalidade originária, um consumidor, porque aquela qualidade a lei a manda tomar em consideração, ao passo que a esta, sendo processo menos característico, matéria genérica, mostrará ignorância e subalterniza-ção tais que faltará quem a ouça, quem a defenda, quem se aperceba da sua solidariedade no problema.
Fica assim enunciada esta gravíssima questão, que me parece de suma conveniência não deixar passar sem breve comentário.
A Câmara Corporativa não fugiu à dificuldade.
maioria dos escritores corporativos não toca, não aflora, não considera, esta questão. Ou foge a ela, ou a ignora, ou não consegue colocá-la na lógica das suas deduções e análises.
Podia citar inúmeros tratadistas que nem de longe nem de perto lhe fazem uma só referência. Mas subentendem-na: para eles o produtor tem dupla personalidade, é produtor-consumidor, e, como tal, ao zelar os seus interesses, ao realizar a sua actividade na vida corporativa, não deixa de considerar que, estando no princípio do processo económico, virá a estar no fim.
Quem levanta em tudo o caso o problema são os críticos do sistema corporativo, como foi o professor de Paris Gaetan Pirou ao estudar o renascimento da ideia corporativa. Esta, nas suas realizações, encontrava formidáveis obstáculos ou chocava-se com objecções sérias.
Assim, admitindo que no campo da produção uma tal reforma social a empreender apresentava vantagens, no ponto de vista do interesse geral, do ângulo do consumidor, elas afiguravam-se já muito problemáticas àquele ilustrado professor.
A reforma corporativa ignorava-o, subalternizava a sua posição, funcionaria contra os interesses gerais.
O notável parecer da Câmara Corporativa, como vimos, não fugiu às dificuldades nem se contraiu perante o melindre da matéria e refere o problema expressamente.
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Mário de Figueiredo: - É só para observar o seguinte:
A Câmara Corporativa tem absoluta razão dentro do seu movimento de ideias. Para ela a corporação é autónoma na direcção da economia. Por ser assim, entende que, para defesa do consumidor, nela devem existir representantes seus.
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Mas creio já não poder raciocinar-se da mesma maneira quando, em vez de seguir a orientação da Câmara Corporativa, se siga esta outra orientação: ao Estado é que cabe regular a vida económica. Neste caso será o Estado quem defende os interesses do consumidor, ou, melhor, o interesse geral.
O Orador:-Se V. Ex.ª mo permite, considero prematuro o seu apontamento, porque não estou ainda a considerar o fundo da questão, como V. Ex.º o está ti fazer. Eu encontrava-me simplesmente a registar a atitude da Câmara Corporativa, que coincide com a atitude dos críticos e que não tem realmente eco nos tratadistas, cuja maioria não enfrenta o problema nem, sequer, o refere.
Eu vou registar agora a posição do Prof. Afonso Queixo. Se V. Ex.ª tiver um bocadinho de paciência, vai encontrar já postos, não só as dúvidas, como. por certo, o encontro natural das soluções. Portanto, estava a registar um facto para abonar o que se encontra na literatura corporativa e não estava a iniciar a discussão do problema de fundo.
Isso virá depois.
Ao estudar, no § 18.º o princípio da autonomia na vida extra-oficial corporativa e ao examinar o seu condicionalismo, subordinando-o ao aspecto mais genérico de n intervenção da parte interessada», inclina-se para a solução da representação do consumo e pretende dotá-la de qualificação para enfrentar o peso conjunto do capital i1 do trabalho.
Voltaremos no assunto, mas da crítica e da atitude construtiva da Câmara Corporativa tira-se a lição de que o problema está posto entre nós e não devemos ser tímidos ao enfrentá-lo.
Por outro lado nas declarações de voto, o distinto professor de Coimbra Afonso Quero levanta a dúvida de não se ter procedido ainda satisfatoriamente ao enquadramento corporativo do consumidor final, que assim não pode fazer ouvir a sua voz na competência de outras categorias.
Permito-me chamar a atenção da Câmara para o facto de o Prof. Queiró querer ir mais longe, porque quer o enquadramento do consumidor.
O Sr. Abrantes Tavares: - O Prof. Afonso Queiró também diz que é impossível organizar ...
O Orador: - Já vamos ver ...
Eu suponho que o problema realmente existe ...
Não há aqui uma fiscalização, como parece ser a opinião do Dr. Mário de Figueiredo ...
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dê-me licença. Não se trata de uma fiscalização. Trata-se da instituição de um regime pelo Estado ou com assentimento do Estado.
O Orador: - Fiscalizar é para num um termo amplo, no terreno político-social, mas não fiscalização que tenha o ar antipático da intervenção dos agentes fiscais, a procura das transgressões.
Mostra-se necessário fazer frente a hermenêuticas tendenciais ...
O Sr. Mário de Figueiredo: - Entendo que quem tem de intervir nisso é o Estado; quem trata de preços deve ser o Estado.
O Orador: - Já vou discutir a missão do Estado; mas torna-se evidente que não posso, uns primeiras linhas duma intervenção, estar a desenvolver toda a matéria dos meus considerandos.
Pelo direito constitucional e orgânico as corporações deverão procurar o máximo de riqueza social útil. Para o fazer deverão refrear ambições altistas de preço, estar-lhes-á proibida a prática de margens especulativas. Este máximo, por definição, terá de ser obtido com vantagem geral, trabalhando com o atractivo dum preço de custo baixo e de remuneração mínima, por ser o que estimula mais completamente u procura geral e na ordem teórica do pensamento tomista.
Quer dizer: a organização corporativa espera um equilíbrio com base no máximo de produção social útil, com a vantagem de custos e preços que seja capaz de a absorver do lado dos consumidores, assim favorecidos no mercado.
Como a economia liberal esperava da liberdade da empresa, da concorrência perfeita e da flutuação de preços um abastecimento ideal, assim o corporativismo fia da colaboração dos órgãos fundamentais e da realização superior dos fins não egoístas o funcionamento vantajoso duma economia bem fornecida e satisfazendo aos menores custos finais.
Esta solução, porém, não acredita o legislador com as cautelas praticadas já, as cautelas a tomar e as hipóteses formuladas de preponderância dos interesses particulares ou de categoria sobre o bem geral, enfrentando assim os actos dos dirigentes que não estejam em perfeita coincidência com o bem comum e com as exigências gerais.
Mostra-se preciso prevenir abusos.
Mostra-se preciso evitar desvios.
Mostra-se necessário fazer frente a hermenêuticas tendenciais e de sector.
Abandonadas a si mesmas, livres de quaisquer peias, as corporações, as secções, os seus elementos representativos, podem, sem dar por isso, procurar vantagens, prioridades, ou tomar atitudes de monopólio ou oligopólio em relação ao mercado geral, podem especular também em relação ao vizinho e ao concorrente.
Podem obter benefícios especiais em relação às suas pares e à custa destas. Podem as grandes empresas, como se viu na Alemanha, por fás ou por fás, dominar o conjunto.
Imaginemos que uma secção corporativa obtinha financiamentos, créditos e favores administrativos especiais com prejuízo da justiça devida a todos. E o crédito, que :não é ilimitado, funcionava, com preferências.
Imaginemos que uma outra secção praticava custos mais elevados do que os normais e preços finais com margem maior do que o nivelamento médio das outras secções ou corporações e o fazia tão subtilmente que passasse despercebido.
Estas hipóteses não são improváveis nem dizem nada contra a virtualidade do sistema e não as traria aqui se não houvesse que discutir a forma de lhes fazer face.
E compreende-se: ao afastarmo-nos das posições de concorrência perfeita, ao verificarmos que se deve buscar uma edificação de consciências corporativas e ao estabelecermos a norma do justo preço, que não é excessivo nem monopolista, a - necessidade de fiscalização e de correcção de erros e desvios acompanha, fatalmente, o desenvolvimento das novas disciplinas.
Decerto que o problema se reveste de delicadeza e as medidas cautelares e repressivas criarão desconfiança ou não serão de molde a suscitar o entusiasmo dos prosélitos.
Vamos agora proceder ao rápido bosquejo das soluções encontradas, o que esclarece ainda esta matéria.
Segundo a base IV, as relações entre as instituições ou organismos corporativos serão reguladas com o assentimento do Estado, por forma a chegar-se aos menores preços e aos maiores salários.
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A consciência corporativa desenvolver-se-á no sentido da solidariedade dos interesses.
Portanto, ficou estabelecida a protecção geral dos interesses do consumidor, pelo lado do poder comprador que lhes é atribuído, no mercado do trabalho.
Mas não fica prevista nem defendida nos casos de desvio, monopólio, luta intercorporativa, hermenêutica tendencial s nas relações para além dos assalariados, casos estes em que o Governo terá de dizer a última palavra ou uma (representação e fiscalização adequadas venham a funcionar para mais completa realização de princípios.
A primeira orientação -de que o problema não existe e a realização do corporativismo conduzirá, por si só, à harmonização automática de todos os interesses em jogo- assenta numa concepção quimérica.
Segundo ela, o problema não existe. O consumidor é todo o mundo e não é ninguém.
Na economia só há uma realidade viva e apreciável: o produtor -medalha esta com anverso e reverso-, que também é consumidor. E, portanto, organizar integralmente a produção significa organizar, sem dar por isso, o consumo. Defender o produtor implicitamente conduz a respeitar o seu duplo.
Vejamos mais de perto:
A corporação, ao subordinar o consumidor, pode não levar em linha de conta as suas faltas e fraquezas, ignorar as suas reivindicações, não considerar que a sua posição contraria a do homem na produção.
Aquela concepção de harmonização automática não tem em conta a célula fundamental, a realidade viva, o cimento social da família.
Quando S. S. o Papa Leão XIII lembrava os deveres dos ricos e dos patrões, o direito a um salário conveniente, o aliviamento da miséria, mandava cuidar de todas as classes de cidadãos e, sobretudo, dizia que o Estado teria de proteger de modo especial os fracos e indigentes e lutava ainda pelo salário justo, ao considerar que a natureza humana propende para os seus interesses, descurando os outros, fazia a mais eminente, a mais formosa, a mais justa defesa da família como unidade social e de consumo que convém acautelar e proteger.
Reconhecia, com alguns pensadores corporativos, que os seus problemas suo reais e destacados e não podem ser deixados ao abandono e à indecisão.
Ao lutar-se pelo preço justo combatiam-se as propensões e tendências para os preços monopolistas, excedentes, especulativos - injustos!
A intervenção acidental e esporádica de quem consome, embora não integrando categoria, revelava vulnerabilidade, que a ordem natural não corrigia.
Se estamos interessados em que o bem comum da sociedade e das famílias prepondere, seja qual for a construção social a empreender, teremos de prevenir e corrigir de harmonia com as lições seculares - e não abandonar o campo onde alguns podem pretender posições de benefício e monopólio.
A segunda solução, por ser importante, na ordem teórica, dada pela associação das cooperativas à construção do corporativismo, como que ajudando a completar o sistema.
Sem embargo de o livro, já invocado, de Manoilesco estar desapontado no tempo e se ajustar a uma concepção totalitária e descapitalizadora, começarei por ela.
Segundo o escritor do século do corporativismo, não há incompatibilidade entre os dois grandes sistemas - o das corporações e o das cooperativas -, porque ambos, a seu modo, procuram realizar a ideia de solidariedade económica, possuem virtualidade e tendem por igual para a eliminação do capital.
Mais até: como iniciativa relevante e realização dos interesses gerais, o corporativismo deve encorajar e ajudar o movimento cooperativo.
Sabemos que a cooperativa de consumo age por uma compra e fornecimentos pelo mais baixo preço, elimina o lucro comercial, obtém ainda vantagens especiais.
Realmente, é verdade que não existe incompatibilidade de princípio, nem de táctica, entre os dois sistemas.
Nos grémios de lavoura, nas Casas do Povo e nas Casas dos Pescadores funcionam autênticas cooperativas de consumo, cuja utilidade não pode discutir-se. Funcionam bem.
Há, porém, que discutir entre o enquadramento, de que dei exemplos, e a simples combinação harmónica e dois sistemas, no fundo distanciados, mas em que um e outro também se empenham em realizar uma única construção social.
Já em tempos mostrei que o nosso cooperativismo tinha a sua história desprestigiante e não autorizava na experiência portuguesa grandes esperanças. Há no Diário do Governo e no Tribunal de Contas documentação sobre o seu fracasso.
Mas os tempos são outros e o espírito que hoje anima as instituições públicas é diferente -o que nem todos reconhecem sem custo-, e é bem possível fundar outras esperanças na associação racional e cuidadosa dos dois sistemas.
Ë necessário decidir, porém, entre enquadramento e instituição de um sistema combinado, como era a instituição particular L'Ente Nazionale della Coope-razione em Itália.
Terceira solução - a do Governo.
E o Estado?
O Estado já ostenta uma posição de supremo árbitro no conjunto, dispõe de órgãos apropriados -os de coordenação, a Intendência, o fisco, etc.-, e conhece quando e como, fiscalizando, deverá no momento próprio intervir.
Mas se, pelos seus órgãos e agentes, intervier ou fiscalizar pesadamente, ele virá a atacar a índole do sistema, que reside na espontaneidade e voluntariedade doa corpos e associações, mais ou menos autónomos.
Quando muito, reconhece-se que ponha o seu veto às decisões insociais ou excessivas, porque só superiormente lhe incumbe fazer frente ao parasitismo e obter, em vez de um mercado favorável, o salário mais elevado como poder de consumo.
Uma final solução aparece nos escritores da especialidade, menos rigorista, menos fundada, menos plausível - a da corporação do consumo.
Esta não tem defesa teórica; a atitude acidental não traduz categoria.
A intervenção esporádica e contratual não assegura representação.
O consumidor, em certa maneira, tem de ser deixado a si mesmo.
Quem pode impedi-lo de pagar mais se quiser, se escolher e calcular de forma diversa do seu vizinho ?
Ele é inenquadrável.
Não pode com ele formar-se uma corporação.
Portanto, o problema existe nos factos, nos desvios, nas tendências, no gosto pelas vantagens particulares, na ausência de impecabilidade, e não se deve fugir a ele.
Convém associar as cooperativas ao corporativismo, mas reconhecendo que este é o material de construção primordial.
Não devemos iludir-nos sobre a harmonização automática dos interesses no regime que vem aí.
O Estado não deve abandonar o campo, mas não pode ser intrometido.
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Os consumidores não formarão uma legião corporativa, mas, como famílias, precisam de protecção legal e estatutária e não dispensam representação.
Tenho dito.
O Sr. Presidente:-Visto mais nenhum Sr. Deputado pedir a palavra, vai votar-se a base i com a emenda proposta.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente:-Está em discussão a base n, sobre a qual há unia proposta, apresentada pelos Srs. Deputados Melo Machado, Almeida Garrett e Augusto Cancella de Abreu, no sentido de que a base II passe a ser constituída pela base VII, com as alterações que propõem.
Foram lidas. São as seguintes:
BASE II
1. As corporações são formadas por instituições ou organismos corporativos, segundo as funções sociais ou económicas ou os ramos fundamentais da produção.
2. As instituições e os organismos correspondentes a actividades diferenciadas podem constituir secções dentro da corporação.
BASE II
Propomos que seja constituída pela base VII, com a seguinte redacção:
1. As corporações são pessoas colectivas de direito público.
2. O reconhecimento da personalidade das corporações será feito por decreto, sob resolução do Conselho Corporativo.
10 de Julho de 1956. -Os Deputados: António de Almeida Garrett, Augusto Cancella de Abreu e Francisco de Melo Machado.
O Sr. Mário de Figueiredo: -Sr. Presidente: o assunto das duas bases é diferente, não se afigurando útil a sua discussão simultânea.
O Sr. Presidente:-É exacto. Por isso discutir-se-á agora a proposta de transposição da base VII da proposta de lei para base II, com a redacção que lhe é dada na referida proposta dos Srs. Deputados Almeida Garrett, Melo Machado e Cancella de Abreu.
Submetida à rotação, foi aprovada a proposta dos mesmos Srs. Deputados
O Sr. Presidente: - Portanto, a base II passará a base III e a matéria da base VII passará a constituir a base II.
O Sr. Mário de Figueiredo: -Sr. Presidente: propriamente, a base VII não tem nenhuma relação com a base n, de maneira que não sei como se vão discutir as duas ao mesmo tempo.
O Sr. Presidente: - Se a Câmara vota o texto da base VII passaremos depois a discutir o texto da actual base II.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Então agora discutir-se-á a base VII e depois a base II.
O Sr. Presidente: - Exactamente. Continua em discussão.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Desejo esclarecer a Assembleia sobre os fundamentos da alteração proposta.
Na base VII, onde está «ouvido o Conselho Corporativo», deve ficar «sob resolução do Conselho Corporativo».
A razão da alteração é a seguinte: não se achou bem que, sendo fundamentalmente o Conselho Corporativo um Conselho de Ministros, ele fosse ouvido, em vez de resolver. Que o Ministro das Corporações expeça o decreto de constituição está naturalmente indicado, mas que possa decidir com base em parecer du Conselho Corporativo, do qual faz parte, não.
Podia entender-se que. depois de ouvido este Conselho, do qual faz parte o Ministro das Corporações, este pudesse livremente decidir num sentido ou noutro. Isso seria a inversão das hierarquias, e é por esta razão que as comissões propuseram a fórmula que VV. Ex.a ouviram ler.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Ponho agora em discussão a base II da proposta de lei, que passará a ser base III, em virtude da votação anterior.
O Sr. Camilo Mendonça: - Sr. Presidente: a escolha do princípio de integração a adoptar é um dos problemas que mais divergências, dúvidas e controvérsias parece ter suscitado. Não admira que assim aconteça por se tratar de um aspecto em que a doutrina não pode fornecer senão indicações, constituir um problema de ordem e interesse prático, uma questão de método, em que «os precedentes em muito nos podem orientar».
A nossa experiência dita paracorporativa assentou numa estrutura vertical segundo o ciclo económico de produtos afins e é natural que, orientados pelo valor dos resultados obtidos, habituados ao sistema, nos tenhamos acostumado à ideia de que as corporações se deviam organizar só ou, pelo menos, fundamentalmente, segundo esse princípio. Ë lógico e psicológico que assim aconteça, mas é também certo - pelo menos disso estou convencido com fortes razões - que esse espírito é em grande parte responsável pela demora havida, pelo longo interregno na construção e completamento da estrutura corporativa.
Direi mais. Direi que estou convencido de que não seria possível, sob o mesmo signo, levar por diante nos anos próximos a tarefa de criar as corporações. Muitas são as razoes p factos em que me abono para sustentar este ponto de vista. Mas continuemos, não sem desde já acentuar a satisfação com que vejo pronunciar-se esse modo de pensar, que, no fundo, traduz o conhecimento da obra feita pelos organismos de coordenação económica, tantas e tantas vezes incompreendidos, criticados maldosamente ou vituperada por interessas feridos.
O problema da integração corporativa simplifica-se, porém, desde que se resolvam algumas questões prévias e precisem, com suficiente nitidez, outras. Estão, no primeiro caso, a base corporativa e o tipo de organização profissional adoptados, a parte contratualista admitida, a complexidade e maturidade atingidas pela estrutura económica, etc., e, no segundo, o objectivo fundamental que se tenha em vista, o grau de competência económica a atribuir às corporações, etc. Depois vem a apreciarão das experiências próprias e alheias às indicações dadas pelos seus resultados.
O corporativismo possível no presente condicionalismo é indiscutivelmente de base sindical, isto é, uma vez que não é consentido pela nossa estrutura económico-social assentá-lo desde já na função social que a empresa, como um todo, desempenha no campo económico, ultrapassando a atomização dos seus ele-
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mentos constitutivos, não resta outra solução que não seja partir da realidade espontânea no nosso tempo que é a organização profissional das actividades, ofícios, classes, categorias económicas.
Este corporativismo, admitindo um mínimo de contratualismo, tem de aceitar algumas limitações que o distanciam da plenitude dos resultados assinados pela doutrina a uma realização inteira.
As limitações mais sensíveis estarão certamente no campo da competência económica, já que, subsistindo a base individualista na produção, não poderá esperar-se que o egoísmo desapareça no vértice, tal como não será lícito transpor do plano individual para o colectivo o optimismo dos liberais sem cometer o mesmo erro e sofrer piores consequências.
Aceite a base sindical, embora com espírito em parte modificado, em parte susceptível de ser transformado pela organização, é ainda possível optar por organizações profissionais de tipos diferentes, consoante a reunião se opera pela categoria económica, pelo ofício ou profissão ou peia categoria profissional.
A tradição sindicalista é a de organização patronal pelas categorias económicas e operária pelas profissões ou ofícios.
No nosso caso a organização primária tem normalmente a mesma raiz, embora em certos casos se tenha chegado à categoria profissional por redução horizontal e alargamento vertical da noção de profissão ou ofício.
Novas limitações advêm para a organização corporativa, neste caso quanto ao processo de integração, da adopção do critério tradicional do sindicalismo, pois entre os sindicatos patronais (grémios) e operários (sindicatos) nem há paralelismo nem têm a mesma extensão no domínio económico.
Daqui a necessidade, maior ou menor, consoante o critério de integração, de fazer pertencer organismos primários a diferentes corporações.
No campo agrícola a indiferenciação total de base (as únicas excepções, no continente, são constituídas pelos grémios dos vinicultores no Douro e dos produtores de frutas de Vila Franca de Xira) leva precisamente às mesmas consequências no caso de a integração vir a ser vertical.
No estrangeiro parece notar-se paralelamente à evolução da estrutura económica, sob o influxo de diferenciação e interdependência crescentes, uma certa tendência para a constituição de sindicatos, quer por empresa, quer por categoria profissional, por mor, talvez, de maior necessidade de os sindicatos interferirem na actividade económica.
Está-se, todavia, longe de esse critério haver sido erigido em regra, além de que, mesmo nos países onde a evolução foi mais acentuada, continuam a subsistir sindicatos por profissões.
No nosso caso - vivemos uma economia em que subsistem ainda formas pré-capitalistas em muitos ramos da produção e distribuição - a influência da lei da divisão do trabalho está longe de ter conduzido às mesmas consequências que se verificam nos países ditos evoluídos, onde, por especializações sucessivas, se atingiu uma extraordinária complexidade e, concomitantemente, uma forte interdependência entre as diferentes actividades.
Basta atentar em que a generalidade do comércio grossista e praticamente todo o retalhista se ocupam de múltiplos produtos, chegando a poder considerar-se como indeferenciados, para se ter uma ideia do estádio em que nos encontramos.
De facto, estamos em momento de sensível transformação da estrutura económica em que avulta a industrialização, mas, até por isso mesmo, a nossa economia
continua a estar longe de ter uma feição próxima das características dos países fortemente industrializados.
Nestas condições, não é prudente considerar como suficientemente estável tomar para base definida da construção corporativa a presente estrutura económica, sob pena de criar novos, obstáculos - e serão necessários mais?...- à indispensável modernização da nossa economia agrícola e industrial.
Não atingimos um grau de maturidade na evolução económica que consinta ou aconselhe cometer a grupos de interesses restritos, orientados quase sempre no sentido da conservação e da defesa, a conveniência e oportunidade das urgentes e profundas transformações de que carece a nossa economia.
De tudo isto hei-de concluir serem grandes as limitações que nesta fase, e dentro do condicionalismo referido, o corporativismo tem de aceitar quanto u competência económica e à sua especialização orgânica.
Posto isto, deveremos precisar o objectivo em vista com o. instituição das corporações, sem esquecer que o corporativismo é uma «doutrino social formulada sobre uma teoria sociológica e filosófica e fundamentada na função social dos grupos ou corpos sociais».
O corporativismo visa, pois, fins sociais, o que não exclui, antes pode até postular, a competência dos corpos sociais na esfera económica para inteira realização dos seus objectivos. Mas, seja como for, o que é necessário reconhecer é poderem fixar-se finalidades diferentes ao corporativismo e (particularmente às corporações.
Com efeito, a corporação pode ter como objectivo primordial, para lá da representação dos interesses económicos, uma direcção autónoma da economia ou, diferentemente, visar como fim principal - a resolução dos problemas sociais, tais como equidade de remuneração, regulamentação das condições de prestação, aperfeiçoamento técnico do trabalho, etc., e ordenar a vida social emprestando projecção política à Nação organizada corporativamente.
Consoante o objectivo contrai é um ou outro, assim o critério da organização das corporações do domínio económico deverá ser técnico-económico ou social.
Outra questão que é indispensável definir é a que se refere à competência económica das corporações ditas económicas. Considera-se admissível confiar-lhes poderes de direcção da vida económica, mesmo sob controle, ou. pelo menos, sujeitos à aprovação do Estado ou, contrariamente, entende-se que as corporações não deverão ter competência para além da representação de interesses de ordem geral das grandes actividades económicas e de poderes- disciplinares contra as práticas de concorrência desleal?
Poder-se-ia formular a interrogação de outro modo: dentro de que limites é admissível conferir poderes económicos às corporações P
Além de todas as limitações que provêm da base sindicalista e do tipo de organização profissional adoptados, acrescem todas quantas decorrem das características estruturais da nossa economia, da interdependência entre os diferentes mercados e fenómenos e da necessidade de assegurar o equilíbrio económico.
Nestas condições, os poderes económicos das corporações - corporações e não organismos corporativos - têm de ser inicialmente escassos, devendo ir aumentando apenas a par e passo que se processe a alteração do condicionalismo e a experiência vivida o vá aconselhando.
Assim se evitarão os riscos de monopolismo, das práticas restricionistas, do conservadorismo técnico-económico, etc., que dentro do condicionalismo presente seria de recear, receio abonado até em demonstrações
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aqui e além claramente oferecidas por alguns organismos primários.
Em face disto, tenho de concluir dever ser o objectivo central das corporações económicas político-social ou, quando muito, económico-social, e nunca a direcção económica.
Resumirei todo este longo arrazoado concluindo pesarem tanto as limitações decorrentes da base sindical por profissões adaptada como a definição dos objectivos assinada, no sentido de dever prevalecer como regra a integração pela função ou grande actividade económica, havendo do se reservar o princípio do ciclo económico de produtos afins apenas para ramos perfeitamente individualizados e de economia suficientemente autónoma.
E que nos diz a experiência própria e alheia? A nossa diz-nos claramente carecer n direcção económica de uma organização segundo o cie-lo económico do produto, mãe, também, que o equilíbrio entre interesses agrupados por atrito exige a presença de uma autoridade forte, independente e estranha.
Indica-nos que a presença de todos os intervenientes no cie-lo do produto é exigida, não pelos «interesses» dos diferentes girinos de «interesses», mas outrossim pela defesa do produto.
Indicar-nos que, mesmo quando a orgânica é flexível, exige um organismo com certa complexidade e um mínimo de burocracia, apto a conhecer pormenores não confiáveis a concorrentes néon a grupos de diferentes funções económicas e a intervir constantemente para restabelecer equilíbrio?, perseguir fins diversos da própria convergência dos grupos de interesses, quando é indispensável uma política de expansão ou de transformação económica do sector.
Indica-nos que esse critério de organização só é exequível e frutuoso quando o Estado preside, intervém e dirige.
À experiência - alheia pode dividir-se em dois grupos distintos: a dos sistemas corporativos (Itália, França e Áustria) e a das realizações corporativas (parcelares (Holanda. Suíça, Bélgica, Noruega, etc.).
Pelo que respeita aos sistemas corporativos, teremos de considerar, separadamente, de um lado a Itália, do outro a França e a Áustria.
A Itália adoptou o sistema vertical, por ramos de produção, segundo o ciclo do produto na organização das corporações.
A França e a Áustria seguiram critério diverso, ordenando-os pela função económica. Na Itália subsistem, porém, paralelamente à organização sindical, segundo o lineamento tradicional, as Confederações-Gerais da Agricultura, Comércio, Indústria, Trabalho, etc.
Na França a necessidade de defesa dos produtos levou a criar organismos especializados de constituirão vertical.
Quer dizer: em qualquer caso não é dispensável a coexistência de organizações segundo cada um dos critérios - função e ciclo económicos.
Mas podemos extrair anais conclusões ou referir outras indicações destas experiências? Pelo que se refere ao campo económico, apenas se me afigura possível fazê-lo negativamente, e quanto ao caso italiano, porquanto a duração do corporativismo francês e austríaco foi muito limitada no tempo e teve lugar em período de crise para qualquer deles.
As conclusões a tirar da experiência italiana são afinal na de que, partindo do corporativismo de base sindical, não é lícito conceder poderes de coordenação intervenção e equilíbrio económico às corporações, sob pena de as converter sucessiva e progressiva mento em repartições do Estado ou criar feudalidades económicas, constituir monopólios do facto, acabar por consagrar o egoísmo como regra legítima e transpor a desordem do plano dos indivíduos para o dos grupos organizados, situação que, por insustentável, exigiria a intervenção do Estado, suprimindo ou substituindo-se à competência económica das corporações.
Outro tanto conclui Sedas Nunes no seu vigoroso estudo destes, problemas, nos seguintes termos:
... uma corporação que não se fundasse logo de inicio sobre um grande sentido de colaboração entre todos os membros dos seus conselhos tendência forçosamente para a estatização. A fim de resolver os conflitos, a cada passo remanescentes e irredutíveis, tornar-se-ia necessária a presença permanente de árbitros, que teriam de actuar repetidas vezes.
Por isso, e para manter a disciplina num plano em que a divisão e a desordem assumiriam proporções de extrema gravidade, o Estado acabaria afinal por dominar inteiramente as corporações, que assim se transformariam em meros órgãos de dirigismo estatal.
Acusa-se o fascismo de ter criado corporações de pura fornia, que de facto eram simples órgãos de intervenção dos Estados na vida económica. Na verdade, mantendo, como manteve, a organização da empresa no modelo estritamente capitalista, o corporativismo italiano, ao ser totalitário e estatista, foi o que podia ser.
Tenho, de facto, para mira que. muito mais - e até independentemente - do que o propósito ou objectivo procurado como consequência da filosofia do fascismo, a conversão das corporações em órgãos da administração económica estatal resultou necessariamente da base adoptada, do critério de integração seguido e dos fins visados.
Pelo que respeita às realizações corporativas da Holanda (grupos industriais e grupos de produção), da Suíça (comunidades profissionais), da Bélgica (comissões paritárias e concelhos profissionais), da Noruega (conselhos industriais), etc., a organização restringe-se quase só ao sector industrial, estruturando-se sob a base profissional e, consequentemente, em regra, segundo o critério dito horizontal, notando-se, porém, na Noruega uma certa tendência para agregar parte do ciclo económico.
A direcção destas corporações está cometida a presidentes nomeados directa ou indirectamente pela Administração, salvo na Suíça, único país onde têm competência regulamentar, sem prévia aprovação dos poderes públicos, atribuindo-se-lhes na Noruega apenas funções consultivas, tal como na Bélgica no que respeita à parte económica, tendo neste caso funções deliberativas no domínio social, e na Holanda competência, além das questões sociais, para estudar os problemas da produção, do mercado e técnicos e propor ao Governo medidas apropriadas.
De tudo isto resulta não ser necessário a organização fazer-se pelo ciclo económico para se poderem atingir os fins de defesa do produto, serem os poderes e até a competência destes organismos bastante limitados e haverem .sido tomadas expressamente várias cautelas contra as manifestações do egoísmo de grupo, além de a direcção ser. em regra, confiada a pessoa estranha e nomeada pelas autoridades.
Chegados aqui, é mister concluir. E pode fazer-se deste modo: quanto maior for a base sindical adoptada menor terá de ser a competência económica conferida às corporações: quanto menos as corporações se destinarem á direcção económica mais fortes serão as razões para, não esquecendo tratar-se de corpos sociais, pré-
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ferir. como regra, a integração pela função económica e social.
De facto, se as corporações visam fundamentalmente a direcção ou autodirecção económica, o critério de integração não poderá deixar de ser o do ciclo económico de produtos afins, já que a finalidade é a defesa, do objecto e, só através dele, dos corpos sociais.
Se os fins visados são primordialmente sociais, então o princípio de integração deverá ser o da função económica ou social, adoptando-se o do ramo seguindo ou não o critério do ciclo para todos os sectores perfeitamente individualizados e autónomos.
Na primeira hipótese, enquanto a base for sindical por profissão, haverá, não só que promover ajustamentos para a categoria profissional, como prever a existência paralela de organizações sindicais de tipo confederativo da função económica e suciai; na segunda, os poderes de intervenção e coordenação económica pertencerão fundamentalmente ao Estado, sem que isso o dispense da colaboração dos grupos sociais, havendo que criar organismos especializados de estrutura vertical para a defesa de certos produtos - afinal os nossos organismos de coordenação económica.
Nestas condições, tenho de considerar a proposta de lei particularmente feliz e perfeitamente adaptada às conclusões do estudo e às verificações da experiência quando se apreciem simultaneamente as bases n e m da proposta do Governo.
Acresce que sendo dotada de grande maleabilidade, consente ulteriores evoluções que venham a ser aconselhadas pela experiência ou impostas pelas necessidades.
Tenho dito.
O Sr. Presidente:- Continua em discussão.
Pausa
O Sr. Presidente:-Visto mais nenhum Sr. Deputado pedir a palavra, vai votar-se a base II da proposta de lei, que passará a constituir a base III, em virtude da votação anterior.
Submetida à - votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente:-Está em discussão a base III que passará a constituir a base IV. Sobre ela há na Mesa uma proposta de substituição, apresentada pelo Sr. Deputado Jorge Jardim.
Vão ser lidas a base III e a proposta referida.
Foram lidas. São as seguintes:
BASE III
Enquanto forem julgados necessários, os organismos de coordenação económica funcionam como elementos de ligação entre o Estado e as corporações, devendo os seus órgãos representativos, sempre que possível, ser constituídos pelas secções destas.
Proposta de substituição
Proponho que a base III passe a ter a seguinte redacção:
Os organismos de coordenação económica, enquanto for julgado necessário, funcionam como elementos de ligação entre o Estado e as corporações, devendo os seus órgãos representativos, sempre que possível, ser constituídos pelas secções destas.
Sala das Sessões, 13 de Julho do 1956. - O Deputado, Jorge Jardim.
O Sr. Jorge Jardim: - Sr. Presidente: quando tive ensejo de intervir no debate na generalidade procurei esclarecer os fundamentos desta minha proposta de substituição.
Tentarei agora ser mais preciso e solicitar a atenção da Câmara para o aspecto de quase identidade de redacção, que, na verdade, traduz, porém, uma profunda diversidade de orientação em relação ao que se contém na proposta do Governo.
De facto. Sr. Presidente, na base III com a redacção proposta pelo Governo, afirma-se: «Enquanto forem julgados necessários, os organismos de coordenação funcionam ...». Isto é, a redacção do Governo parte do condicionalismo à necessidade de existência dos organismos e liga-os de certo modo, pelo menos na aparência, ao futuro das corporações. Quer dizer: na minha interpretação há necessidade de os organismos ou perdurarem ou desaparecerem na medida em que as corporações furem ou não absorvendo funções suas (desses organismos).
Na minha redacção, ao dizer que os organismos de coordenação económica, enquanto necessários, funcionam como elementos de ligação, quero sublinhar que o que esta em causa no momento é a necessidade, a meu ver transitória, de os organismos exercerem a função de ligação entre o Estado e as corporações.
Suponho ter sido bem claro - fiz pelo menos o possível para isso - e procurei evidenciar a divergência que há nas duas redacções. Não se trata de um simples caso de redacção.
Afirmei, ao intervir na generalidade, que me pareceria perigoso confundir as funções representativas que pertencem às corporações, com vista á definição de uma política, com as funções executivas que resultam de uma política definida pelo Estado.
Quer dizer: eu vejo a corporação como elemento fundamental para a definição de uma política, mas não a vejo como organismo executor da política definida.
E isto porque me parece que a corporação dirigida ou encaminhada para uma função de direcção económica corre o risco sério de ver sacrificados objectivos mais altos e de se transformar aos poucos, mais ou menos rapidamente, num órgão estatal, com todos os inconvenientes que já foram referidos.
As palavras que o Sr. Deputado Camilo Mendonça acabou de pronunciar, a propósito da discussão da base n, parece trazerem um reforço suplementar à minha tese, isto é, que o travejamento adoptado pelo Governo na estruturação du proposta de lei, e aprovado já pela Assembleia ao votar a base n, conduz a que as corporações não devam ter funções de intervenção económica, mas devem ler, sobretudo, um carácter representativo, que tem de ser independente, que tem de ser efectivamente válido, e para o qual têm de ser alheias à função de intervenção, que ao Estado pertence.
Mantenho firmemente esta posição, porque creio que dela depende, na realidade, o vigor e a capacidade de conduzirmos a estruturação das corporações para os fins que justamente o País ambiciona.
Tenho dito.
O Sr. Camilo Mendonça: - Sr. Presidente: não tencionava abusar da atenção da Câmara nesta matéria, mas, desde que fui citado, não me parece possível deixar de esclarecer esse ponto.
Efectivamente sou dos que pensam que o corporativismo não é uma doutrina económica, mas sim uma doutrina social, como disse há pouco, «formulada sobre uma teoria sociológica, e filosófica fundamentada na função social», mas pode, porém, vir a aplicar-se ao domínio do económico como também ao político.
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Segue-se daí que se as circunstâncias momentâneas não aconselham que se seja pródigo no cometimento de poderes 03 corporações no domínio económico, não se pode querer afirmar com isso que assim tenha de acontecer sempre. Basta olhar o que se passa pelo Mundo ver o corporativismo, talvez melhor, o pré-corporativismo, nascer e desenvolver-se sob a forma de conselhos sociais paritários da empresa e considerar que .na altura em que se atingir esse estádio entre nós então será possível, sem os riscos e os perigos de monopolismo, estagnação, restricionismo, etc., há pouco apontados, admitir que certas funções económicas possam ser cometidas às corporações.
A solução proposta pelo Sr. Deputado Jorge Jardim não modifica substancialmente aã questões, desde que o Governo venha a reconhecer não ser adequado vir a suprir os organismos de coordenação enquanto se não alterar o condicionalismo ou a experiência não mostrar poder seguir por esse caminho. Pode, de facto, admitir-se que a prudente atribuição de competência económica às corporações possa vir a provar a possibilidade de seguir pela via da extinção sem inconvenientes, sem os inconvenientes que receio ou por alteração do condicionalismo.
Penso, portanto, que dentro da maleabilidade indispensável a uma lei desta natureza -dirigindo-se a uma realidade social, que é móvel, alterável, diferente de sector para sector- mão se deve, segundo o meu modo de ver, moldar em fórmulas rígidas, como definitivas, pois, mais dia menos dia, poderão vir a modificar-se as realidades, alterar-se o condicionalismo de sorte que se não justifiquem então os receios antes apontados e, consequentemente, as limitações que presentemente se impõem.
Penso, por isso, que a proposta do Governo, deixando à experiência a oportunidade de seguir um certo caminho, de ponderar até que ponto será lícito avançar no campo doa poderes em matéria económica a conferir às corporações, é preferível à proposta do Sr. Deputado Jorge Jardim, que talvez tenha até inteiro cabimento perante as realidades actuais do dia e condições que presentemente se vivem.
Por isso, tratando-se duma lei para o futuro, entendo que a indispensável confiança nas soluções que o Governo venha a adoptar, na prudência com que o faça, exige que seja aprovada a proposta tal como o Governo a concebeu, uma vez que satisfaz no presente e não limita qualquer evolução ou adaptação a novas circunstâncias.
Tenho dito.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Essencialmente -como acaba de esclarecer o Sr. Deputado Jorge Jardim-, a diferença entre a proposta do Governo e a proposta de substituição é a seguinte: enquanto a proposta governamental admite que os organismos de coordenação se vão extinguindo, desde que não sejam necessários, pela proposta daquele Sr. Deputado admite-se, como coisa definitiva, a existência dos actuais organismos de coordenação e, porventura, a constituição de novos, e o que se mantém, enquanto necessário, é que estes organismos funcionem como elementos de ligação entre as corporações e o Estado.
Portanto, num caso admite-se a possibilidade de virem a extinguir-se alguns ou, num limite extremo, mesmo todos os organismos de coordenação - hipótese da proposta; noutro caso -hipótese do Sr. Deputado Jorge Jardim- consideram-se (intocáveis os organismos de coordenação actuais e admite-se mesmo, com fundamento nas considerações que S. Ex.º formulou, a constituição de novos organismos de coordenação.
O Sr. Jorge Jardim: - Está certa a interpretação dada pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo quanto ao ponto de vista governamental, mas o mesmo não posso dizer no que se refere ao meu.
Não admito como devendo manter-se por qualquer forma os actuais organismos de coordenação económica; o que afirmo é que a sua existência não tem que ver com o problema da estruturação das corporações.
Admite-se que o Estado, quando reconheça que não há necessidade de manter a sua intervenção em determinados sectores, possa eliminar os organismos, mas pela evolução das suas necessidades de intervenção e não porque a partir da constituição das corporações eles tenham de ser eliminados.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu ia para dizer que a orientação do Sr. Deputado Jorge Jardim é lógica e ilógica. E lógica com o seu pensamento, porque o seu pensamento é o de que as corporações não deverão desempenhar quaisquer funções de carácter económico.
E, como é indispensável que exista quem as desempenhe, mantêm-se os organismos de coordenação.
Neste aspecto a posição de princípio do Sr. Deputado Jorge Jardim é perfeitamente lógica, ou a solução que ele apresenta perfeitamente lógica ou a posição de princípio que tomou. Mas é ilógico com a mesma posição de princípio que se mantenham, como se mantêm na proposta de alteração, os organismos de coordenação como elementos de ligação entre as corporações e o Estado.
É evidente que se trata de coisas perfeitamente independentes e com funções nitidamente diversas. Mas que as corporações deverão vir a ter, em maior ou menor escala, funções económicas resulta claramente de toda a economia da proposta e do relatório da proposta. O que, porém, se pergunta é em que medida virão a ter essas atribuições. Numa medida que praticamente absorva o conteúdo de competência dos organismos de coordenação? Não virão a ter, de todo, funções de carácter económico? Então o problema é outro, completamente diferente. Querem-se as corporações para, com base nelas, se fazer estruturação política? Não sei. O que sei é que isso não resulta da economia da proposta, e, portanto, votar uma proposta de substituição como aquela que apresentou o Sr. Deputado Jorge Jardim é o mesmo que conduzir a Câmara a ter de transformar no seu conjunto a proposta, porque é tocar na própria economia dela.
Tenho dito.
O Sr. Jorge Jardim: - Sr. Presidente: pedi a palavra apenas para esclarecer agora, noutro aspecto, a interpretação e as conclusões que o Sr. Deputado Mário de Figueiredo tirou da minha proposta.
Em primeiro lugar, há que sublinhar o seguinte: a intervenção em matéria económica, até por imperativo constitucional, não resta dúvida de que pertence ao Estado. E, se pertence ao Estado, será ele que deverá ter os organismos competentes para a realização dessa intervenção.
Se dirigimos as corporações para a realização dessa intervenção (e só assim se justifica que, por motivo da criação delas, haja de admitir-se a transitoriedade dos organismos de coordenação económica), se isso se dá, não resta dúvida de que elas se vão desenvolver num terreno que pode afectar a sua função representativa. Quanto à necessidade e durabilidade ...
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença? Porque é que V. Ex.ª diz que o poderem as corporações intervir na vida económica pode afectar as suas funções representativas?
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O Orador: - Eu explico porquê. A corporação, para poder ser efectivamente representativa, Sr. Presidente, terá, em meu entender, de traduzir perante os órgãos do Estado o sentir livremente expresso do conjunto de actividades que se congregam no seu âmbito, tendo sempre em mente o interesse nacional.
Se essa corporação, ao desempenhar esta função representativa por via ascendente, se vir conduzida, por via descendente, a executar a política do Estado, não me restam muitas dúvidas, com alguma experiência do que nestes últimos anos se passou no País, de que é o Estado que aproveitava paira esses fina, que junto dela ...
O Sr. Mário de Figueiredo: - Do que se trata agora é do domínio económico. Mas V. Ex.º está a falar do domínio político, e não se vê como o facto de as corporações terem ou não competência no domínio económico pode ter relação com as suas possibilidades de livre determinação no aspecto da representação política.
O Orador: - Uma coisa é estar subordinada à orientação do Estado, outra coisa é executor a orientação do Estado...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Mário de Figueiredo: - Podem não ser órgãos da política do Estado. Podem ser órgãos de execução da própria política, da política que elas mesmas desenham ao instituir regimes normativos com assentimento do Estado.
Se são as corporações que os estabelecem, quem os executa? São os organismos de coordenação económica?
Já outro dia lhe pus a questão, mas Y. Ex.º não considerou o fundo, limitou-se a responder que não concordava com a disposição que permite às corporações instituir, com assentimento do Estado, regimes normativos em matéria económica.
O Orador: - Suponho que o não concordar com a disposição era exactamente fundo da questão ...
O Sr. Mário de Figueiredo: - Isso é fazer jogo de palavras ...
O Orador: - Não, porque o fundo da questão estava exactamente em afirmar, quanto a essa capacidade de intervenção económica das corporações, a minha discordância, como terei ensejo de a manifestar quando estivermos na discussão dessa base. Mas isso só reforça o que tenho dito: é que se nota a tendência para, na proposta de lei, se enredarem as corporações no terreno da intervenção económica. E é a isso que eu me oponho.
Com este apontamento continuarei dizendo que não admito, porque isso seria posição excessiva, como intocáveis os organismos de coordenação económica. Entendo, como já referi, que, como órgãos do Estado, eles haverão de ter a função que se fizer mister paira a realização da .política de intervenção que se julgue necessária.
Outro aspecto em que pareço ter sido ilógico, porque neste se reconheceu que fui lógico, estaria em aceitar que os organismos de coordenação, enquanto necessário, desempenhassem funções de ligação entre o Estado e as corporações. Não me parece que haja nisto falta de lógica. Esclareço porquê. E que, não nos esqueçamos, os organismos de coordenação económica desempenham hoje simultaneamente funções de intervenção económica e funções pré-corporativas, funções estas que os situam numa zona em que se faz a ligação entre o Estado e os organismos corporativos existentes.
Ao criarem-se as corporações, é perfeitamente razoável, perfeitamente aceitável, que, na sua fase incipiente, enquanto a estrutura não estiver completa, essa ligação fie tenha de continuar a fazer no nível dos organismos de coordenação económica, como elementos de pré-estrutura corporativa que estamos a corporativisar.
Esta a razão de manter a transitória necessidade de os organismos funcionarem como elementos de ligação entre o Estado e as corporações. Fazendo referência aos comentários que o Sr. Deputado Camilo Mendonça quis dirigir às palavras que proferi, tenho de esclarecer que não se trata do meu lado de impor uma política rígida que pudesse não se adaptar amanhã à evolução da conjuntura nacional.
O que creio que se trata, com a minha proposta de alteração, será impedir que pareça afirmar-se, se é que não se afirma, que as corporações serão dirigidas obrigatoriamente em certos sentidos de intervenção económica.
Queria esclarecer, portanto, que não se trata de prejudicar a maleabilidade do sistema que o Governo traçou na sua proposta. Trata-se, muito ao contrário, de evitar que se prejudique essa maleabilidade com o lançamento de uma amarra a, um caminho que, a seguir-se, não se tenham dúvidas, Sr. Presidente, afastaria as corporações da sua função representativa, não só em relação ao problema político ...
O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu disse no «terreno político», mas não quis falar de qualquer problema político.
O Orador: - A frase de V. Ex.ª serve na mesma.
Não as sacrifiquemos no terreno político, onde haveremos que admitir que tenham funções, nem no terreno económico e social.
Eu desejaria, Sr. Presidente, ver a corporação a traduzir realmente os anseios das actividades e os indivíduos que nelas se enquadram, sem que se sinta inibida pela ideia duma 'demasiada intervenção do Estado, exercida no seu próprio seio.
Disto depende o futuro das corporações, cuja estruturação vamos votar.
Tenho dito.
O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: parece-me que é de aprovar a proposta de substituição do Sr. Deputado Jorge Jardim, pela razões expostas e por mais um motivo, que vou apresentar.
Dum lado temos organismos chamados de coordenação económica, que existem há muitos anos, que têm dado as suas provas, boas provas, de maneira geral, e que constituem uma certeza de bom funcionamento.
Doutro lado temos as futuras corporações, que são efectivamente uma esperança, não mais do que esperança, e que na prática serão realmente .aquilo que os homens delas fizerem.
Dentro das corporações, se elas entrarem demasiadamente no domínio económico, há certamente um micróbio.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Por mim, acredito na virtude das instituições. Com homens maus, mas com instituições boas, fazem-se coisas boas; agora com homens bons e instituições más é que não se pode fazer coisa de jeito.
O Orador: - Se nós pensarmos o que foram no passado as corporações, algumas delas servidas por homens bons ...
O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas as instituições foram desvirtuadas.
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1364 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 168
O Orador: - Foram desvirtuadas, diz V. Ex.a, mas por culpa do sistema ou por culpa dos homens que aplicaram esse sistema?
Quando existem interesses económicos em causa não será uma tendência defender mais esses interesses económicos do que o interesse nacional?
Não será de admitir que haja necessidade duma intervenção do Estado para corrigir, em nome do interesse nacional, o interesse particular? E como é que essa intervenção do Estado se exerce? For meio de organismos novos, desconhecidos, ou por meio de organismos que já deram as suas provas, como sucede com os organismos de coordenação económica?
Tenho dito.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Não concordo com a afirmação do Sr. Deputado Jorge Jardim ao dizer que a sua proposta deixa a lei tão maleável como a proposta do Governo, porque na sua proposta o Governo não pode tocar nos organismos de coordenação económica -a não ser por decreto-lei-, enquanto que, segundo aquela proposta, o Governo, independentemente do decreto-lei, à medida que for reconhecendo que os organismos de coordenação económica não são necessários, vai determinando, por despacho, a sua extinção.
O Sr. Presidente:-Como não está inscrito mais nenhum Sr. Deputado, vai votar-se em primeiro lugar a proposta de substituição apresentada pelo Sr. Deputado Jorge Jardim quanto à base m da proposta de lei.
Submetida à votação, foi rejeitada.
O Sr. Presidente:-Ponho agora à votação a base III na redacção da proposta governamental.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente:-Vou submeter agora à apreciação da Assembleia a base IV da proposta de lei, que passará a ser a v.
Sobre esta base há uma proposta de substituição dos Srs. Deputados Almeida Garrett, Melo Machado e Augusto Cancella de Abreu.
Vai ler-se a base da proposta do Governo.
Foi lida. É a seguinte :
BASE IV
São atribuições da corporação:
a) Exercer as funções políticas conferidas pela lei;
b) Representar e defender, nomeadamente na Câmara Corporativa e junto do Governo e dos órgãos da Administração, os interesses comuns das respectivas actividades;
c) Intervir na negociação das convenções colectivas de trabalho, promover a organização e o desenvolvimento da previdência, bem como dos serviços sociais corporativos e do trabalho, e, quando solicitada, tentar a conciliação nas. controvérsias entre patrões e trabalhadores;
d) Regular as relações sociais ou económicas entre as instituições ou os organismos corporativos, propor ao Governo normas de observância geral sobre a disciplina das actividades ou da produção e dos mercados ou, com assentimento do Estado, estabelecer essas normas, com vista, designadamente, à colaboração das classes, ao aperfeiçoamento da técnica e aumento da produtividade do trabalho, aos menores preços e maiores salários compatíveis com a justiça social;
e) Desenvolver a consciência corporativa e o espirito de cooperação social, bem como o sentimento de solidariedade de interesses entre todos os elementos que a compõem;
f) Conhecer dos recursos interpostos das decisões de natureza disciplinar dos organismos que a integram.
O Sr. Presidente:-Vai agora ler-se a proposta de substituição.
Foi lida. E a seguinte:
BASE V
Propomos que seja constituída pela base IV, com a seguinte redacção:
São atribuições da corporação:
a) Exercer as funções políticas conferidas pela lei;
b) Coordenar a acção das instituições ou organismos corporativos que a constituem e regular as relações sociais ou económicas entre eles, tendo em vista os seus interesses próprios e os fins superiores da organização ;
c) Representar e defender, nomeadamente na Câmara Corporativa e junto do Governo e dos órgãos da Administração, os interesses comuns das respectivas actividades;
d) Promover a realização e o aperfeiçoamento das convenções colectivas do trabalho e intervir nas negociações a elas respeitantes;
e) Promover a organização e o desenvolvimento da previdência, das obras sociais em beneficio dos trabalhadores e dos serviços sociais corporativos e do trabalho;
f) Propor ao Governo normas de observância geral sobre quaisquer matérias de interesse para a corporação e, em especial, sobre a disciplina das actividades e dos mercados; ou, com assentimento do Estado, estabelecer essas normas com vista, designadamente, à colaboração entre o capital e o trabalho, ao aperfeiçoamento da técnica e aumento da produtividade do trabalho, aos menores preços e maiores salários compatíveis com a justiça social;
g) Desenvolver a consciência corporativa e o espirito de cooperação social, bem como o sentimento de solidariedade de interesses entre todos os elementos que a compõem;
h) Fomentar o estudo dos problemas relativos ao sen sector de actividades, bem como impulsionar e desenvolver a cultura técnica e a preparação profissional;
i) Dar parecer ao Governo sobre todos os assuntos que lhe sejam submetidos;
j) Conhecer dos recursos interpostos das decisões de natureza disciplinar dos organismos que a integram e, quando solicitada, tentar a conciliação nas controvérsias entre patrões e trabalhadores.
10 de Julho de 1956. - Os Deputados: António de Almeida Garrett, Augusto Cancella de Abreu e Francisco de Melo Machado.
O Sr. Presidente :- Estão em discussão.
Pausa.
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18 DE JULHO DE 1956 1365
O Sr. Presidente: - Como ninguém deseja usar da palavra, vai votar-se.
Submetida, à votação, foi aprovada a proposta de substituição do texto da base IV, que pastará a ser a V.
O Sr. Presidente: - Vai ser posta em discussão a base V da proposta do Governo, que passará a ser a VI. Vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
BASE V
1. O Governo poderá ouvir as corporações sobre problemas de administração pública.
2. Os órgãos consultivos dos Ministérios serão substituídos, sempre que possível, pelas corporações, às quais se agregarão, para o exercício de funções de consulta, representantes dos serviços públicos ou de entidades especializadas.
3. Quando não for possível a substituição prevista no número anterior, caberá às corporações designar os representantes das respectivas actividades nos órgãos consultivos dos Ministérios.
O Sr. Presidente: - Vai agora ler-se a proposta de substituição que foi apresentada pelos Srs. Deputados Almeida Garrett, Melo Machado e Augusto Cancella de Abreu.
Foi lida. É a seguinte:
BASE VI
Propomos que seja constituída pela base V, com eliminação do n.º 1, que já ficou constituindo a alínea i) da base anterior.
Os n.os 2 e 3 passarão, respectivamente, a l e 2.
10 de Julho de 1956. - Os Deputados: António de Almeida Garrett, Augusto Cancella de Abreu e Francisco de Melo Machado.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: pedi a palavra apenas para dizer que não se trata de uma eliminação, mas tão-sòmente do desaparecimento do n.º l desta base, que já foi incluído numa das alíneas da base anterior.
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai votar-se
Submetida à votação, foi aprovada a proposta de substituição do texto da base V da proposta do Governo, que passará a ser a VII.
O Sr. Presidente: - Vou agora submeter à apreciação da Assembleia a base VI da proposta do Governo, que passará a ser a vir.
Vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
Base VI
Os presidentes das corporações podem ser convocados para assistir às reuniões do Conselho Corporativo em que forem apreciados assuntos respeitantes às actividades por elas representadas.
O Sr. Presidente: - Quanto a esta base não há qualquer proposta de alteração ou substituição. Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado pediu a palavra, vai votar-se.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
A discussão continuará na sessão de amanhã, à hora regimental, a qual terá a mesma ordem do dia da sessão de hoje, compreendendo a autorização para o Chefe do Estado se ausentar do País.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas.
__________
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Joaquim Mendes do Amaral.
Jorge Botelho Moniz.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Antão Santos da Cunha.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Russel de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
João Afonso Cid dos Santos.
João Alpoim Borges do Canto.
João Maria Porto.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim de Sousa Machado.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Maria Vaz.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Ricardo Vaz Monteiro.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA