Página 109
REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 172
ANO DE 1956 12 DE DEZEMBRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.º 172, EM 11 DE DEZEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
António Pinto de Meireles Barriga
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Amaral Neto mandou para a Mesa dois requerimentos, um sobre a importação de peixe fresco e outro sobre a da cortiça virgem.
O Sr. Deputado Pinto Barriga requereu informações sobre os fundos autónomos e autonomizados.
Os Srs. Deputados Camilo Mendonça e Daniel Barbosa falaram sobre o momento internacional e suas repercussões na vida política e social portuguesa.
O Sr. Debutado Alberto de Araújo solicitou do Governo a construção de um aeródromo na ilha da Madeira.
Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão da Lei de Meios. Falaram os Srs. Deputados Urgel Horta, Elísio Pimenta e Bartolomeu Gromicho.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 55 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Ameal.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Cerveira Pinto.
Página 110
110 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 172
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 70 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Da Junta de Freguesia e da Casa do Povo de Milagres (concelho de Leiria) a pedir a suspensão e restituição de determinados terrenos àquela Junta.
O Sr. Presidente: -Está na Mesa uma carta do Sr. Deputado Agnelo Orneias do Rego a agradecer à Camará os sentimentos que se dignou manifestar pelo falecimento de seu pai, exarando na acta da sessão de 11 de Julho último um voto de pesar por esse motivo.
Comunico à Assembleia que veio hoje aqui expressamente o Sr. Engenheiro Magalhães Ramalho, ilustre Subsecretário de Estado do Comércio e Indústria, para agradecer os sentimentos que a Câmara manifestou pela morte de seu tio, o antigo Deputado Sr. Dr. Acácio de Magalhães Ramalho.
Tem a palavra, para um requerimento, o Sr. Deputado Amaral Neto.
O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: peço desculpa de me ter expressado mal. São dois requerimentos, que passo a ler:
«Constando que tem sido recentemente importada no nosso país cortiça virgem do Norte de África, de muito baixa qualidade, mas cujo preço ficaria aos importadores por cerca de 34$ cada arroba de 15 kg, enquanto os mesmos importadores nem por metade pagam o artigo equivalente de produção nacional, e constando mais que, assim, seriam já oito ou nove os carregamentos ultimamente recebidos, requeiro que, pelo Ministério da Economia, me seja esclarecido se estes boatos têm fundamento e se, em caso afirmativo, se justificam os constrangimentos que persistem sobre o produto nacional, no sentido de lhe manter o preço tanto abaixo do que pode ser pago ao estrangeiro».
«Vendem-se desde há algum tempo em estabelecimentos de Lisboa caixas de filetes, ditos de pescada ou de bacalhau fresco - e com a aparência e qualidades rápidas e culinárias destes peixes -, de origem, salvo erro, dinamarquesa, cujo preço para o público é da ordem de 18$ por quilograma de peixe limpo de espinhas, peles, barbatanas, cabeça e cauda, o que o reduz a cerca de metade do preço do custo do correspondente pescado nacional.
Por outro lado, o jornal O Século de 7 do corrente noticiou u descarga, no porto de Viana do Castelo, de nada menos do que 218 t de peixe fresco provindo da Alemanha, em «fase experimental de abastecimento de pescado alemão ao nosso país».
Fortemente preocupado pelo facto de poder ser estabelecida esta concorrência no mercado nacional, e presumindo que não esteja facilitada pelas diferenças de salários pagos aos pescadores, bem antes pelo contrário, requeiro que, pelos Ministérios da Economia e da Marinha, me seja esclarecido como podem justificar--se tão intrigantes factos e se os mesmos não oferecem prova de serem francamente excessivos os preços atingidos pelo pescado nacional».
O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte requerimento:
«Com legítimo e patriótico orgulho de constatar que Portugal é um país financeiramente superavitário e uma excepção no Mundo, em que as nações, mesmo as mais prósperas e bem administradas, são orçamental e contabilisticamente deficitárias, e, ao mesmo tempo, verificando, com satisfação, que a ingente obra financeira do Sr. Presidente do Conselho tem sido continuada pelos seus ilustres sucessores na pasta das Finanças, como acabam de demonstrar o magnífico relatório e a proposta da Lei de Meios ora em discussão na nossa ordem do dia, e com manifesto desejo de intervir no debate, uma vez certificado e esclarecido de que não se operou uma incessante e manifesta dessalarização nas parafinanças, tenho a honra de requerer, pelos Ministérios competentes, que me sejam facultados, com urgência, os balancetes mensais já estabelecidos e conferidos pelas administrações dos fundos autónomos e autonomizados, de forma a comprovar que as suas contas são superavitárias e não deficitárias».
O Sr. Camilo Mendonça: - Sr. Presidente: vai passado um mês sobre a tragédia do heróico povo magiar, esmagado pelo impiedoso poder militar do império soviético.
Todavia, nem se apagaram ainda as desesperadas tentativas de resistência do povo mártir nem se extinguiram os clamores de indignação e repulsa que varreram todo o mundo civilizado.
Extraordinárias manifestações de solidariedade para com a nação húngara e de protesto contra as violências cometidas pelos invasores constituíram a reacção do inundo livre, que assistiu, entre estupefacto e impotente, a destruição sistemática de um povo que luta apenas pela sua independência, pela sua liberdade, pelo seu direito de crença!
Tal como acontece na Hungria, a juventude, o operariado e os intelectuais do Ocidente tomam consciência do
Página 111
12 DE DEZEMBRO DE 1956 111
drama e, sem detença, tomam posições, com clareza, a ponto de apanharem de surpresa os partidos comunistas, como o próprio Kremlin, e contagiarem, aqui e além, elementos pró-comunistas.
Raro se tem visto mais espontânea, sentida e generalizada manifestação de solidariedade!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: cedo entre nós a juventude das Universidades, liceus e escolas de Lisboa se reuniu numa grandiosa manifestarão de protesto contra os imperialistas soviéticos e de camaradagem para com os seus colegas mártires, manifestação que imediatamente se propagou a lodo o País. Depois foi o povo inteiro que acorreu a exprimir u sua mágoa e a contribuir com o Réu auxílio generoso. Logo em seguida o movimento regionalista acode também a tomar posição.
Por fim, na passada sexta-feira, são os trabalhadores quem significa a solidariedade ao povo magiar e a repulsa pelo atentado de que foi vítima em impressionante manifestação, a que toda a população se associou, paralisando o trabalho e a vida no momento em que alguns dirigentes sindicais foram entregar a mensagem em que exprimem os sentimentos dos trabalhadores portugueses.
Nesta Assembleia já V. Ex.ª, Sr. Presidente, traduzindo o sentir unânime da Câmara e interpretando os sentimentos do País, manifestou a nossa solidariedade à nação húngara e formulou veemente protesto contra a brutal agressão de que foi vítima o seu povo.
Pouca gente terá ficado estranha, muito poucos terão podido ficar indiferentes, a acontecimentos que feriram tão profundamente a nossa, sensibilidade de homens. Todavia, houve alguns. Alguns porque tenham perdido os últimos restos da sensibilidade de homens, alguns porque, seguros da sua tranquilidade na paz que lhes asseguramos, tenham preferido não sacrificar comprometedoras conveniências políticas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Houve silêncios, silêncios que, para lá do seu significado, nos dão a medida de quanto pode o ódio, de quanto é capaz a vaidade e a arrogância de certos espíritos que se recusam a aprender a própria evidência, a compreender a lição da história.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: comemora-se este ano o 20.º aniversário da Mocidade e da Legião Portuguesa. Completam-se também este ano vinte anos sobre o deflagrar do movimento a que se ficou chamando a guerra civil do Espanha.
Hoje, como então, a ordem do dia do comunismo, sob qualquer disfarce, é a mesma: a luta contra a civilização cristã, luta por todos os meios, luta por todos os processos, luta impiedosa, que nada desperdiça e a que tudo servis.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Foi nesse momento que a minha geração compreendeu a tragédia do momento histórico que vivia, pressentiu, no heroísmo dos cadetes do Alcazar de Toledo, os tempos e o destino com que chegava à vida e acorreu às fileiras da Mocidade Portuguesa, pronta a servir, a cumprir a sua missão.
Recordo, Sr. Presidente, a alegria saudável com que tantos se encontraram senhores de si, conscientes da sua missão, dispostos a defender a sua fé.
Foi um período de viva consciência nacional, que sucessivamente galvanizou todas as camadas da população, que viveu, com intensidade e claro entendimento, o drama do país vizinho quase como coisa própria, talvez por instinto, talvez pela compreensão de que ali se jogava o destino da nossa civilização.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Passaram vinte anos! Essa geração foi poupada à guerra e, insensivelmente, foi sendo tocada pelo clima de paz que o Mundo, à força de ansiar, finge ter encontrado, pelo afrouxamento decorrente do reacender de mitos e bandeiras que então pareciam ter os dias contados, pelas ilusões que quase a fizeram esquecer que o perigo se mantinha intacto, o conflito só podia desaparecer por abdicação ou esmagamento de uma das partes.
Eis senão quando o drama húngaro - mais longínquo, mas tão perto - vem fazer reavivar recordações, despertar seu sentimentos, chamar de novo a reunir e a combater.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Entretanto, outra geração chega. Como há vinte anos atrás - mesmo quando a muitos poderia parecer apática ou indiferente -, compreende o significado da luta, ouve a voz da sua consciência generosa, pressente, no heroísmo dos seus colegas húngaros, o sentimento da tragédia da sua época e apresta-se a cumprir a sua missão. Honra lhe seja.
Cabe-nos a responsabilidade de não deixar que a nossa invejada tranquilidade, a pax lusitana, constitua motivo para afrouxamento de vigilância, de amolecimento perante a luta surda que continua a travar-se.
Sr. Presidente: ufana-se o comunismo de ter por si a juventude, os trabalhadores e os intelectuais. A força de o repetir, sem claro desmentido, foi-se criando a ideia de que assim era - a juventude, atraída pela sua ânsia de justiça e generosidade dos seus sentimentos; os trabalhadores, pelo peso de amargas condições de vida, pela insegurança e intranquilidade do seu viver diário; os intelectuais, pelo quimérico da, sua s abstracções pelo orgulho da sua razão, pela vaidade das suas inteligências infalíveis ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Pura ilusão! Hoje, como há vinte anos em Espanha, foram os jovens, os trabalhadores e os intelectuais quem fez a revolução em Budapeste, quem não se deixou vencer por mais de dez anos de opressão, terror e privação de toda e qualquer liberdade, quem soube permanecer fiel à sua crença e à sua tradição e lutar, desesperadamente, por elas, ainda quando de todo lhe faltava a esperança!
E nem sequer aqueles rapazes que, no mais puro ambiente lysenkiano, deviam constituir os arquétipos do homem comunista foram ganhos pelo marxismo. Foram esses que incendiaram os tanques, que lutaram nas ruas e que constituem o grosso da coluna dos deportados e também dos refugiados. Grande exemplo e grande lição, que temos, por dever imperioso, de compreender e tirar!
O fracasso do comunismo é evidente hoje na Hungria, como há vinte anos o foi em Espanha.
Mas não nos iludamos.
A tirania comunista continua a imperar na terra magiar, o sangue inocente derramado não se perderá, mas muito tempo se pode passar antes que o povo hún-
Página 112
112 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 172
garo recupere a sua liberdade e encontre a paz na justiça.
Entretanto, continuarão as violências, as repressões, a escravatura de um povo sob o jugo do império soviético.
É que não basta todo o heroísmo de uma nação inteira para recuperar a liberdade. E mais difícil reconquistar a liberdade do que defendê-la. E defende-se a liberdade não deixando esquecer quanto está em jogo, não deixando amolecer as vontades nem enfraquecer as defesas, não desistindo da luta nem abdicando de nenhuma posição, não transigindo no domínio dos princípios, dando luta sem tréguas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E preciso não esquecer que, não obstante a clara manifestação da consciência nacional, houve em Portugal omissões, silêncios e ... até defesas da atitude russa!
Lá, como cá, podem bastar umas escassas centenas para dominar e escravizar um povo inteiro. Basta que nos deixemos adormecer, perdendo de vista o essencial que está em causa, para nos darmos ao luxo de particularismos que não podem caber nestes tempos genesíacos ou nos deixemos cair no pecado da divisão e do dissídio.
Sobre nós impende o imperioso dever de extrair, até às últimas consequências, as lições que o drama húngaro comporta e, sobretudo, não alijar a obrigação de estarmos atentos e vigilantes, que bem podem estar a avizinhar-se os tempos a que há dez anos - com o poder de previsão que lhe é peculiar- aludia o Sr. Presidente do Conselho ao abrir a I Conferência da União Nacional:
Quando um país encontrou, como Portugal, uma linha conveniente de pensamento e de acção política, assente em segura experiência, é desassisado trocá-los, dando atenção a vozes aliás dissonantes, que se erguem das ruínas e das divisões da Europa a apregoar sistemas salvadores.
Sejamos largos de pensamento e aceitemos as correcções e desenvolvimentos que o regime comporta, sem se negar; intensifiquemos a aplicação dos princípios que só parcialmente têm sido aplicados quanto à organização e representação directa no Estado dos interesses que se movem no seio da Nação; continuemos de braços abertos para a colaboração de todos os que de coração isento desejem apenas trabalhar para o bem comum. Sobretudo, não percamos o ânimo nem a serenidade neste tormentoso mar de paixões e sejamos prudentes.
Tempos houve em que os Portugueses se dividiam acerca da forma de melhor servir a Pátria; talvez se aproximem tempos em que a grande divisão, o inultrapassável abismo, há-de ser entre os que servem a Pátria e os que a negam.
Sr. Presidente: referi há pouco haver passado este ano o 20.º aniversário da Legião Portuguesa, aniversário que foi comemorado no dia da Padroeira. Seria injustificável que não fosse dita uma palavra sobre o significado e sentido dessa comemoração, ainda mesmo, quando mais não fosse, para sublinhar a extraordinária mensagem de Salazar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Foi há vinte anos que os homens, tal como os jovens, cônscios do seu dever e responsabilidade, compreendendo, com inteira clareza, a gravidade do momento e a transcendência dos valores em causa, puseram de parte comodidades, preferências, diferenças de condições sociais ou intelectuais, para se entregarem à tarefa de constituir a primeira linha na defesa e salvaguarda da nossa paz, do nosso direito de crença, da nossa liberdade - da civilização cristã.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E fizeram-no com entusiasmo e com aprumo, fizeram-no de cara descoberta e fronte erguida, sem tibiezas nem temor; fizeram-no de modo a merecer a gratidão e o respeito de todos os portugueses conscientes de quanto estava em jogo.
Decorreram vinte anos. Diversas foram as missões que à Legião coube desempenhar, consoante as circunstâncias o exigiram e os superiores interesses do País o impuseram. Novas e diferentes tarefas houveram de lhe ser cometidas. De força de vigilância da ordem, que deixou de estar ameaçada, alargou as suas tarefas ao campo social, ao domínio cultural e à defesa civil do território. Em todas se reafirmou o mesmo espírito de dedicação, de renúncia, de missão!
Sempre vigilante e disposta a servir, a Legião tem constituído uma firme garantia de defesa social contra a subversão, de confiança e de fé nos destinos da Revolução Nacional.
Significativo é que, duas décadas passadas, o problema se apresente de novo da mesma maneira, se não com mais clareza e premência. As razões que levaram à sua criação e ao seu dinamismo persistem teimosamente iguais, a necessidade da sua presença permanece com semelhante acuidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: vinte anos após o drama espanhol, o comunismo mostra de novo ao Mundo os seus métodos, processos e objectivos. Levantada a cortina, mostra-se igual a si próprio, sem outras alterações que não sejam a maior arrogância e a mais requintada crueldade. De novo se torna mais claro ao mundo ocidental que nem se modificaram os processos nem se deslocaram os objectivos do comunismo sob qualquer disfarce. De novo acode aos espíritos que é mister redobrar a vigilância, prepararmo-nos para lutar. De novo ao cuidado da Legião temos de entregar a nossa defesa contra a subversão, temos de confiar em boa parte a defesa da paz.
Não é outra a palavra de ordem de Salazar. Não pode ser diferente o espírito de todos quantos, dispersos, cumprindo a vida, se reencontraram no Pavilhão dos Desportos para a ouvir com calor e a seguir com fidelidade.
Termino com as palavras de Salazar:
A paz é sem dúvida supremo anseio e necessidade de coexistência social, mas a paz é uma posição recíproca, pelo que é preciso estar disposto, em face de poderes agressivos que não desarmem a lutar por aquilo que temos como essencial à nossa vida e à vida da nossa pátria.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Daniel Barbosa: - Sr. Presidente: as palavra; do Sr. Deputado Camilo de Mendonça não foram mais nesta Câmara, do que o eco desassombrado das atitude:
Página 113
12 DE DEZEMBRO DE 1956 113
de revoltado protesto que varreram o País de ponta a ponta, no horror e na repulsa com que, a par do restante mundo civilizado, Portugal acompanhou a sangrenta repressão da Hungria: vamos saindo todos agora do espanto que a principio dominou, para começarmos a sentir, como imperativo de consciência e de dignidade, a necessidade imperiosa de uma firme acção do presença.
O Mundo está devidamente esclarecido no que respeita ao mito duma coexistência com aqueles para quem a brutalidade é norma corrente de conduta e o próximo só um pouco mais que nada, porque interessa considerar para abater.
Na verdade, e perante certas atrocidades que no Mundo actualmente se cometem, chegamos a duvidar até se para algumas raças ou povos os progressos da técnica e da civilização lhes não criam, por razões incompreensíveis, um retrocesso à barbárie.
Nada há, na realidade, que explique os actos de violência, de práticas desumanas, de mórbida selvajaria com que se esmagam pessoas que unicamente desejam um mínimo de liberdade e de segurança para si e para os seus; vendo dominar assim intelectuais e operários, estudantes e camponeses, velhos, mulheres, crianças, perguntamos a nós próprios, em exame de consciência entristecida, para que foi necessário tanto sangue vertido, tanta dor e sofrimento, há poucos anos atrás, se a violência dos homens, se o domínio cruel da força bruta e dos abusos do poder se sobrepõem ainda, sem hesitações e sem rebuço, ao direito, à moral e à justiça, pelos quais grande parte do Mundo se bateu»!
E porque há-de ser sempre o povo, incauto e trabalhador, sincero nos seus anseios, humilde nos seus desejos, sofredor nos seus desígnios, o alfobre de agitações que comprometem para criar o clima indispensável aos movimentos de força que o hão-de esmagar mais tarde, na obediência total à divinização de um poder?
Por mim, confesso que, para além do crime inqualificável de matar sem consciência ou sem razão, para além da atitude ignóbil de substituir pela violência e pela força o domínio que caberia à moral e ao direito, me fere talvez muito mais ainda o revoltante cinismo dos que, maquiavelicamente, se apoiam na receptividade confiante dos pobres e dos humildes, na devotada ansiedade da juventude entusiasta, para depois os tratarem como zeros que não contam nas suas desmedidas ambições.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Diluiu-se, infelizmente, a esperança de ver terminados, nesse mare magnum de destruição, de perseguições e de sangue, os actos atentatórios da liberdade e dignidade humanas; estamos possivelmente no começo de um novo ciclo da história, em que, para além de alguns direitos dos homens, se jogam abertamente a sobrevivência e os direitos de uma civilização.
Daqui o ter chegado a hora de tirar do sacrifício de um povo que luta isolado até ao fim a lição que melhor sirva à defesa indispensável da causa da civilização, que é nossa e pela qual este povo intimorato tão generosa e admiravelmente se continua a bater. Para a focar, Sr. Presidente, pedi a V. Ex.ª a palavra e permito-me solicitar a atenção da Câmara.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Reside essa lição, sobretudo, na demonstração exuberante e alentadora do valor que tem ainda a força de uma consciência europeia perante a violência ultrajante do imperialismo moscovita, consciência tão sensível, ião marcada, que a Hungria conseguiu, pelo seu próprio esforço, pertencer, por poucos dias embora, à verdadeira Europa, apesar de cercada e ocupada de tal foi ma que não conseguiu obter um auxílio material do exterior.
Admitamos mesmo que essa sublevação, misto de heroísmo e desespero, foi facilitada, de princípio, pela Rússia, a fim de, em puro acto militar e não político, trazer os seus homens e os seus tanques para os territórios fronteiriços do Ocidente europeu; mesmo assim, um trunfo jogou e joga a favor da nossa Europa: o dessa consciência admirável que se reafirmou e provocou no Mundo o primeiro grande movimento de solidariedade ocidental.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Toda a restante Europa, dominada ou livre, teve com isso exemplo proveitosíssimo, sobre o qual precisa de meditar, exemplo que, aliás, estultamente perderia se, comodamente, aceitasse que essa reacção magnífica - que devolveu posição e reafirmou prestígio ao Ocidente, que outros países se apostam em deixar comprometer - se traduzia numa aquiescência de retrocesso ao passado, a algumas das formulações políticas em que o Mundo se perdeu, na ânsia de satisfazer direitos a que a civilização do nosso tempo - revolucionária na economia, nas relações sociais e na intelectualidade - deu foros de particular importância e primazia.
No ritmo alucinante em que o homem ultimamente tem vivido, os seus incontestáveis progressos materiais não são só as suas reacções psíquicas, individuais ou colectivas, que atestam o descontrole da sua inadaptação; são-no também as desordenadas tentativas com que buscou, muitas vezes, soluções governativas para resolver problemas que inteiramente o dominam no campo económico-social.
Há em todo esse movimento revolucionário que fervilha ainda, porque se sente latente na vivacidade duma luta que não quebra e nas suas repercussões, não só o impacto reactivo dum povo intolerante a domínios, mas de grupos nacionais que, desejosos de liberdade e de justiça, repudiam formas de governo e ideologias políticas que o momento francamente ultrapassou.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É exactamente na lógica consequência da imposição que se nos põe das grandes reformas sociais, da melhoria rápida e profunda, da estrutura económica de diversas nações, da maior compreensão e segurança nas relações entre os homens e entre os povos, da constituição judiciosa de elites condutoras capazes de adaptar à humanidade e aos seus direitos o progresso que a ciência, como enformadora duma técnica, actualmente permite que se impõe reconhecer também o apagado crepúsculo de processos ideológicos ainda ontem procurando acreditar-se como fulcro e figurinos na política universal.
O Mundo precisa - e a Europa muito mais do que ninguém - de encarar o próprio comunismo como forma política contra a qual os intelectuais, os trabalhadores os povos têm de reagir, por a encontrarem nónio perigoso empecilho que impede de caminhar no sentido que ao Mundo e à Europa mais convém.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mal vai de facto, a uma ideologia política quando contra ela se levanta a juventude en-
Página 114
114 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 172
tusiasta dum país; sendo esta, por princípio, aquela que mais depressa se apaixona por sistemas que só mais tarde se afirmam na experiência dos políticos condutores, ela é sempre também quem primeiro reage contra aquilo que a intuição das suas almas moças se mostra como gasto ou impotente para as prender pela novidade, pelo sucesso ou pela acção.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Ora fui justamente a juventude da Hungria, foram precisamente os estudantes das suas escolas, Universidades e liceus que vieram mostrar, oferecendo o seu cangue generoso, a incompetência e o desinteresse dos sistemas comunistas, que ainda ontem lhes prometiam - num mito de unificações supressoras de características nacionais e de fronteiras - soluções sedutoras de equilíbrio e de justiça, capazes de os apaixonar e de os prender.
Há hoje entre a «velhice» do Kremlin e a juventude aquela separação irredutível que a diferença de mentalidade que se não conjugam ou se não encontram temi fatalmente de criar e fervilha no sangue dos mais novos - que, por natureza, reagem contra a teimosia de manter como chamas alentadoras duma revolução as cinzas já apagadas de chamas que só queimaram anseios de procurada justiça, desejos de almejadas liberdades - a sede de sistema» novos dignificadores do homem e respeitadores dos seus inabdicáveis direitos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - No despontar já seguro dessa reacção da mocidade, que acabará um dia por colocar o comunismo entre as formas políticas obsoletas e gastas, a que divisões acentuadas vão marcando estigmas de descrença e impondo obrigação de substituir, a Europa encontrará, decerto, o ânimo vivifica dor para a contra-revolução; seja agora para uma revolução do Ocidente, cuja principal força da reacção e de defesa reside, não em auxílios estranhos, mas, sobretudo, na aceitação consciente daquela indiscutível verdade, e na união - que se tem de manter indestrutível - em volta dos princípios de moral, de dignidade, de liberdade e de justiça que definem a sua civilização.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não esqueçamos também que a possibilidade formal da sublevação da Hungria &e encontrou precisamente na existência duma unidade perfeita: sentiu-se que se abafaram diferenças de ideologias, que se dominaram despeites, que se esqueceram questiúnculas, todos sendo simplesmente um povo unido, e consciente, na luta contra a opressão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Esta, também, outra lição - e bem grande - a tirar pela nossa Europa, cujo grave momento não permite que sejamos outra coisa senão teimosamente europeus; mas europeus que se afirmam na certeza de que a força civilizadora e dominante deste nosso macerado continente foi sempre a resultante vigorosa de diversas unidades nacionais: independentes e livres, fraccionadas dum todo por razões tradicionais da história, entregues a governos que melhor se adaptem às suas condições e aos seus povos, embora firmemente unidas numa comunhão de princípios de civilização e de consciência, capazes de interpretar e de impor uma moral e uma ética que Vozes: - Muito bem, muito bem! O Orador: - A Hungria - melhor dizendo: o triste caso da Hungria - também a nós, Portugueses, nos pode dar que pensar, pelo que toca à necessidade imperiosa de não deixar comprometer uma unidade que tem sido a grande razão da nossa força no consenso das nações: força que se afirmou no conflito da Espanha, força que nos manteve, dentro duma paz digna, entre os horrores da guerra que há poucos unos findou; força à sombra da qual asseguramos, na índia, direitos que nos assistem e que não estamos dispostos a ceder a ninguém. Vozes: - Muito bem, muito bem! O Orador: - Força, enfim, que permitiu levantar o País, reafirmando-o, dum estado de desacreditado abandono em que o tinha lançado o desentendimento partidário que imperava na Nação. Vozes: - Muito bem, muito bem! O Orador: - Loucura rematada seria, com certeza, que, unidos firmemente até agora, em volta de sãos princípios condutores, fôssemos sacrificar o equilíbrio do todo, enfraquecer essa união que nos defende, pondo puros interesses de facção, ou de partido, acima dos interesses nacionais. Vozes: - Muito bem, muito bem! O Orador: - Todos nós - políticos ou não políticos - somos devedores duma cooperação devotada para essa unidade nacional que as actuais circunstâncias tornam, mais do que nunca, premente; deve-a todo o português na contribuição do seu trabalho, na objectividade consciente das suas apreciações, e suas críticas, à política interna e externa do País; devem-na os estadistas também, respeitando os sentimentos que dominem, estimulando todas as energias, remoçando os seus actos de governo, fugindo a toda a atitude que possa, na verdade, desunir.
Não vamos viver sozinhos, e, mais cedo que tarde, seremos chamados à escolha de «com quem queremos viver»; mas uma escolha livre traduz, formalmente, uma vontade, e é melhor que essa vontade se afirme frente a frente a um inimigo do que desde logo se apague, por via de desacordos ou despeites, que, por serem destrutivos, enfraqueceriam a Nação.
Está à porta - estejamos certos - o momento mais grave do Ocidente europeu; o que será o Mundo de amanhã, quais as formas políticas, baseadas na experiência do passado e nas tendências do momento, que se conseguirão impor para obterem, nas condições e mentalidades que imperarem, a melhor aceitação dos povos, cedo é ainda para o saber.
O momento é de transição para alguma coisa; por isso mesmo, de crise e desnorteamento, de dúvida e perturbação.
Encaremo-lo, porém, resolutamente, dando ao imenso sacrifício desse heróico povo magiar a paga da compreensão com que aceitamos a sua lição, nobre e magnífica, de europeus; e dediquemos, por nós, um pensamento confiante e agradecido a quem - já lá vão trinta anos - no desejo de bem unir para salvar uma nação, soube defender uma doutrina e definir princípios de administração e de governo capazes de constituir ainda
Página 115
12 DE DEZEMBRO DE 1956 115
— na pureza da sua formulação e pelo saldo positivo da obra que permitiram sem abdicação dos credos de cada um - ponto de convergência e de unidade dos portugueses em geral.
— Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: não vou roubar muito tempo à atenção da Assembleia Nacional, presa ainda da palavra do Sr. Deputado Engenheiro Vieira Barbosa, que acaba de produzir uma magnífica oração de grande oportunidade política e alto sentido nacionalista.
Sr. Presidente: por uma questão de associação de ideias, não posso deixar de dizer que tenho nesta Câmara, e no decurso das três últimas sessões legislativas, procurado exprimir os principais anseios da Madeira e da sua gente. E tenho também tido ocasião de publicamente exprimir a gratidão dos povos daquele arquipélago pelo muito que devem a Salazar e ao seu governo.
Apesar de os últimos vinte e cinco anos corresponderem ao período mais brilhante da administração local e de terem sido resolvidos neste período, entre outros, os problemas das estradas, das escolas, da hidráulica, da electrificação, e de estarem em via de solução os do porto e do seu apetrechamento, não creio ser impertinência, notar que a Madeira tem ainda por atender uma das suas principais aspirações: a construção de um aeródromo.
A Madeira é, sem contestação, a mais conhecida e afamada estância de turismo português. Mas a verdade é que sem comunica coes aéreas regulares e estáveis a Madeira não poderá ser aquela grande estância de turismo mundial a que legitimamente aspira, pela sua situação no Atlântico, pela benignidade do seu clima, pelo conjunto surpreendente das suas belezas panorâmicas, pela hospitalidade da sua gente.
Tem sido sempre a Madeira uma estância de Inverno. Começa agora n esboçar-se uma corrente permanente de turismo para aquela ilha. Para impulsionar esse movimento e fomentar a construção hoteleira, que é em toda a parte condição essencial para se fazer turismo, torna-se indispensável, antes de tudo, solucionar o problema das comunicações. A verdade tem de ser dita na sua crueza: sem um aeródromo a Madeira não pode pensar em ter grandes hotéis nem um movimento em maior escala de visitantes e a sua indústria de turismo há-de ter sempre uma base precária.
Este assunto, que tanto apaixona todos os madeirenses, tem sido tratado com o maior interesse pelo chefe do distrito junto do Governo e não serei indiscreto se disser saber que está, neste momento, afecto à consideração de S. Ex.ª o Ministro das Comunicações. A capacidade realizadora daquele ilustre membro do Governo e a atenção que dedica sempre aos problemas da Madeira que correm pela sua pasta enchem de esperança os corações de todos os madeirenses, que devem já ao Sr. General Gomes de Araújo tantas provas de interesse e de simpatia.
É esse sentimento de esperança confiante que desejo interpretar neste momento e nesta tribuna, certo de exprimir uma aspiração geral e uniforme do povo da Madeira.
Não ignoramos as dificuldades técnicas do empreendimento, as somas avultadas que exige e os próprios encargos que resultam do funcionamento e manutenção de um aeródromo. Mas um povo que desbravou a terra e a cultivou à custa de uma energia indomável, vencendo tantos obstáculos em mais de cinco séculos de colonização, não julga que sejam irremovíveis as dificuldades - e são grandes - que envolvem este problema.
Sr. Presidente: uma das grandes realizações do Estado Novo em matéria de obras públicas foi a das estradas. Do Minho ao Algarve, em todas as províncias do País, na metrópole e no ultramar, abriram-se inúmeras estradas, que valorizaram as regiões, facilitaram os transportes e aproximaram os povos. E surgiram as primeiras auto-estradas como realização magnífica da engenharia e de técnica. Mas, se pretendo enaltecer o valor das estradas que se construíram, desejo, entretanto, dizer que falta abrir a grande estrada nacional de Lisboa à Madeira, que nos permita receber, como tanto desejamos, com mais frequência, a visita de continentais, de maneira que os Portugueses, conhecendo mais e melhor a nossa ilha, possam orgulhar-se, connosco, de ser pertença e parcela da Nação uma das mais belas e lindas terras do Mundo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi multo cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para o ano de 1957.
Tem a palavra o Sr. Deputado Urgel Horta.
O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: quando pela primeira vez tive a honra de subir os degraus desta tribuna, cujas dimensões variam na razão directa do valor da personalidade que a ocupa, fi-lo timidamente, para, com a modéstia do meu intelecto, discutir e apreciar a Lei de Meios, proposta governamental autorizante das receitas a cobrar como contribuição e impostos e outros rendimentos do Estado e das dívidas a satisfazer legalmente inscritas no Orçamento Geral, diploma da mais falta importância na marcha ordenada e segura da vida da Nação.
Hoje, como então, a Lei de Meios, que é objecto e motivo do mais vivo interesse nacional, encerra, no reduzido número dos seus artigos, um vasto programa de acção governativa para o decorrer do ano que vai iniciar-se, perante a complexidade de problemas económicos o financeiros da hora presente, exigindo solução conveniente e imediata.
Lição admirável encerra o extenso relatório que a antecede, justificativo de medidas e providência* a adoptar à face das necessidades do País, em pleno período de notável e proveitosa administração pública, exercida com a mais reconhecida dignidade e honestidade; seguimento fiel das directrizes estabelecidas pelo Ministério das Finanças, quando neste Ministério principiou a fazer-se sentir a acção disciplinadora e realizadora do homem que, restituindo-nos o crédito e o prestígio que hoje gozamos, conduziu Portugal a novos destinos.
Esse relatório, objectivo e claro, elaborado proficiente K inteligentemente, dentro da mais perfeita devoção patriótica, pode com justiça classificar-se de magistral e completo, bem digno da personalidade que o subscreve, e que com notável brilho exerce funções da maior responsabilidade, como são as inerentes à pasta que sobraça.
Pela sua leitura, através do seu conteúdo, colhemos proveitosos e magníficos ensinamentos, que nos habi-
Página 116
116 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 172
litam a poder referenciar e avaliar o caminho que segue a vida financeira e económica da Nação. E à volta das boas finanças giram e progridem todas as actividades criadoras da Nação: económicas, sociais, culturais e políticas, numa linha de rumo orientada com prudência e firmeza, no campo financeiro, bem entendido, pelo Sr. Prof. Finto Barbosa, coadjuvado por colaboradores responsáveis, todos bem merecedores das humildes mas sinceras homenagens que aqui lhes tributamos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: proponho-me, neste momento, emitir opinião sobre vários problemas que a Lei de Meios pretende solucionar, dentro das normas que o seu conteúdo encerra. Dispensarei, evidentemente, a maior atenção e o maior interesse àqueles que se encontram situados dentro da esfera de conhecimentos ligados à minha já tão longa actividade profissional, visto exercerem sobre a vida do povo uma acção cuja importância se torna desnecessário encarecer.
Os problemas da assistência médico-social, na sua relação com a saúde e com a doença, acusam, no seu aspecto económico, forte motivo de aturado estudo, na procura de soluções adequadas e próprias, para conservação do indivíduo, dentro das melhores condições de resistência orgânica, na luta constante a sustentar em favor do género humano.
O homem, nascido e criado à semelhança de Deus, é um todo, matéria e espírito, que tem de ser olhado e tratado na sua complexidade orgânica e espiritual. Mens sana in corpore sano é máxima latina a observar e a seguir, que encerra uma verdade incontroversa a defender e a propagar.
Das medidas de profilaxia e de cura u adoptar no combate à doença, e em especial à tuberculose, queremos agora ocupar-nos, trazendo modesto contributo para boa aplicação das verbas destinadas ao programa desse combate, a que se refere o artigo 12.º da Lei de Meios, que assim o condensa:
Art. 12.º No ano de 1957 o Governo continuará a dar preferência, na assistência à doença, ao desenvolvimento de um programa de combate à tuberculose, para cujo fim serão inscritas no Orçamento Geral do Estado as verbas consideradas indispensáveis.
Sr. Presidente: a tuberculose é um processo mórbido de intensa contagiosidade, muito difundido, e de uma grande frequência, havendo necessidade de se estabelecer o seu combate cor todos os meios ao nosso alcance, meios que os sanitaristas, os tuberculogistas e os economistas, num perfeito trabalho de sincronização, não se causam de apontar e defender.
Indubitavelmente, a tuberculose é uma doença cujo desenvolvimento e propagação faz a sua sementeira, a sua dispersão, com assombrosa facilidade, nos meios onde impera a fome e a miséria.
À inferioridade das condições em que vivem largas massas populacionais, insuficiente alimentação, casas sem higiene, meios de baixa salubridade e constantemente infectados, etc., são comprovados factores que contribuem grandemente, com a predisposição do indivíduo, para aquisição da tuberculose.
A guerra de 1914-1918, mais ainda do que a última conflagração, deu causa a essa demonstração, na disseminação dessa bacilemia, que a Alemanha e outros países suportaram com grande prejuízo e notável estoicismo, não só nesse período, como nos primeiros anos que se seguiram ao estabelecimento da paz.
Não pode negar-se ou contrariar-se esta grande verdade, que as estatísticas de então plenamente confirmam. Mós pode e deve afirmar-se que quando a campanha preventiva adquirir uma actividade suficiente; quando, em massa, se proceder à vacinação e ao radior-rastreio; quando se fizer a aplicação de uma terapêutica precoce, o problema da tuberculose tomará aspectos bem diferentes da gravidade que presentemente acusa.
Temos realizado em todos os sectores da vida nacional uma revolução cujos magníficos resultados demonstram o indiscutível valor da sua grandeza.
No campo assistencial a actividade desenvolvida na fecundidade e soma de frutos colhidos, vida e saúde dada a tantos seres humanos, faculdades de energia e vigor para o trabalho restituídas a tantos indivíduos, representam no activo do Estado um capital de tão notável valia que só as gerações vindouras saberão agradecer.
Na afirmação feita há dias pelo Sr. Ministro do Interior, afirmação revestida de autoridade inerente à obra realizada pelo ilustre estadista, encontram-se, em síntese, quer a projecção, quer as dimensões, de tarefa de tanto interesse e lucro realizada em favor da saúde pública: «Em Portugal a taxa de mortalidade geral, que era das mais altas da Europa, passou a ser nos últimos anos inferior à verificada nos países mais progressivos».
Não se tem poupado o Estado no investimento de notáveis verbas destinadas à luta antituberculosa e os resultados são, sem dúvida, magníficos, ou, pelo menos, muito animadores. Além do muito que já havia realizado, larga ampliação sofreram os serviços de combate no flagelo. E não será descabido enumerar a série de elementos adquiridos para a campanha contra a bacilemia de Kock a partir de Outubro de 1955. Assim, adquiriram-se mais cinco unidades para o radiorrastreio, com três viaturas e atrelados para o seu transporte.
Organizaram-se, além das existentes, mais cinco brigadas de radiorrastreio e onze de rastreio tuberculínico e vacinação, perfazendo agora o número de vinte e duas. Fizeram-se em 1950 11 967 exames microrradiográficos, 27 458 testes à tuberculina e 8399 vacinações pelo B. C. G. Em 1955 fizeram-se, respectivamente, 430 016, 150 039 e 71 586 e no 1.º semestre de 1956 366 432, 118 698 e 40 979.
Criaram-se mais 31 consultas-dispensários, em acordo do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos com o mesmo número de Misericórdias.
Criaram-se mais 129 leitos em quatro sanatórios, equipando-se mais 100 no Centro de Cirurgia do Lumiar.
De acordo com as Misericórdias, o Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos pôs a funcionar mais 762 leitos em enfermarias-abrigos, em acordo com o Albergue Distrital do Porto e as Misericórdias de vinte e um concelhos.
Aproveitaram-se para doentes em sanatórios particulares mais 814 leitos. Poder-se-ão utilizar mais 741 leitos pertencentes a vinte e cinco Misericórdias, projectando-se a instalação de 1708 em trinta e quatro Misericórdias.
Pelo Ministério das Obras Públicas estão em construção, e terão equipamento de 696 leitos, quatro sanatórios, projectando-se 1060 para mais três. No ano próximo teremos mais 430 leitos apetrechados por empresas particulares.
Criaram-se serviços de inspecção clínica distribuídos pelas zonas norte, centro e sul, o que acarreta grandes vantagens à orientação a dar nas suas funções aos órgãos antituberculosos que actuam na luta contra o terrível mal. Pode bem afirmar-se que muito se tem
Página 117
12 DE DEZEMBRO DE 1956 117
feito e projecta fazer-se dentro de uma certeza que mio oferece qualquer dúvida.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: é ao Estado que compete regulamentar a aplicação do B. C. G. e escolher as zonas geográficas ou as camadas sociais em que essa aplicação deverá ser feita de modo sistemático, organizando para isso os planos de campanha com a devida antecipação e minúcia e fornecendo aos organismos encarregados da execução do trabalho o apetrechamento adequado e o pessoal suficiente.
Em Portugal, pela clara visão do Sr. Subsecretário de Estado da Assistência, a quem todas homenagens são devidas, está claramente definida uma sistematização deste género, com vista à vacinação nas escolas primárias.
Porém, para que desse esforço resulte uma influência verdadeiramente benéfica, a qual há-de consistir no abaixamento substancial das taxas de morbilidade, não se deve perder de vista que as medidas não poderão circunscrever-se apenas a uma pequena parte da população, que, no caso particular de que tratamos, é constituída pelas crianças que frequentam as escolas mencionadas.
Haverá necessidade de proceder à planificação de campanhas de imunização, e mio apenas de rastreio, noutros sectores, de modo a alargar e, sobretudo, a manter a protecção dos indivíduos na adolescência e na idade adulta. Se tal se não fizer, arriscamo-nos a ver perder-se o benefício da imunização relativa que o B. C. G. confere, visto que grande parte das pessoas inoculadas perde a alergia pós-vacinal dentro de prazos mais ou menos longos.
Tudo isto implica estudo prévio e minucioso, que permite aglutinar planos que frequentemente dependem de Ministérios diferentes, estabelecendo-se rigorosa conexào de esforços, de modo a suprimirem-se as omissões e as duplicações.
Dissemos que ao Estado compete regular a aplicação do B. C. G., isto significando que é também o Estado que terá de decidir se, para determinadas classes, a vacinação deverá ser obrigatória ou facultativa. Há no Mundo exemplos destes dois critérios.
Na França, na Noruega, no Brasil, no Japão, na Jugoslávia, no Paraguai, na Síria, na Turquia e na Checoslováquia existem disposições legais que tornam obrigatória a vacinação para certas classes.
Na Dinamarca, Finlândia, Áustria, Suécia e Alemanha Ocidental a vacinação, embora regulamentada, é facultativa.
Na Alemanha Oriental optou-se por uma solução intermédia, pois que, embora se adopte o princípio da obrigatoriedade, se permite que os indivíduos abrangidos pela medida sejam isentos do seu cumprimento desde que apresentem por escrito uma petição em que justifiquem a excepção.
Como exemplo característico da obrigatoriedade, citaremos a lei francesa n.º 50-7, de 5 de Janeiro de 1950. Os dois primeiros, artigos dessa lei têm o seguinte teor:
Artigo 1.º São submetidas à vacinação obrigatória pela vacina antituberculosa B. C. G., salvo contra-indicações médicas... . as pessoas compreendidas nas seguintes categorias da população:
1.º Crianças de primeira ou de segunda idade que sejam colocadas em estabelecimentos maternais, creches, infantários ou em amas;
2.º Crianças que vivam num lar em que igualmente viva um tuberculoso que receba auxílio das colectividades públicas ou organismos de seguros sociais;
3.º Crianças de idade escolar que frequentem estabelecimentos de ensino e de educação de todas as ordens compreendidas no regulamento n.º 45-2407, de 18 de Outubro de 1945;
4.º Estudantes que se preparem para o diploma de Física, Química e Biologia, estudantes de Medicina e de Arte Dentária, alunos das escolas de enfermagem, de enfermeiras, de assistentes, de assistentes sociais e de parteiras;
5.º O pessoal de estabelecimentos hospitalares públicos ou privados;
6.º O pessoal das administrações públicas;
7.º Os militares das forças de terra, mar e ar;
8.º O pessoal das empresas industriais e comerciais e, em particular, as pessoas que trabalhem num meio insalubre ou que manipulem artigos de alimentação.
Art. 2.º As pessoas visadas no artigo 1.º só serão submetidas à vacinação se apresentarem reacções tuberculínicas negativas. Todavia, os recém-nascidos poderão ser vacinados sem que esta condição seja verificada. As pessoas com mais de 25 anos não serão submetidas à vacinação obrigatória.
Por aqui se vê a largueza do âmbito da vacinação obrigatória em França. Claro que. para que a obrigatoriedade seja legítima, há que subordiná-la a regras basilares, as quais constituirão o seu indispensável fundamento moral e tirarão às medidas o carácter de uma coerção, susceptível de gerar reparos ou mesmo revoltas. Estas regras poderiam formular-se como só segue:
1.º A população deverá ser previamente elucidada por meio de uma propaganda persistente que explique a inoquidade do método, as suas vantagens e ainda os pequenos acidentes que pode originar;
2.º Escolhida uma determinada categoria social, nenhuma das pessoas nela compreendidas deverá deixar de ser protegida, por mais remoto que seja o lugar em que habite;
3.º O trabalho deverá subordinar-se, na sua execução, aos mais minuciosos preceitos técnicos. Com efeito, em campanhas desta natureza o volume de exames de vacinação é importantíssimo ; antes de se alcançar a totalidade deverá atender-se à qualidade.
Focámos sucintamente o aspecto da profilaxia da tuberculose pelo B. C. G., mas mais uma vez afirmarei que, em matéria de prevenção do flagelo, a premunição, apesar do muito que dela é lícito esperar, não resolverá por si só o problema, devendo simultaneamente cuidar-se dos restantes aspectos da profilaxia, entre os quais avultam as medidas tendentes a melhorar o nível de vida e a habitação, problema de que tantas vezes me tenho ocupado.
Quanto às medidas tomadas no campo da terapêutica, queremos destacar a protecção dispensada à instalação das enfermarias-abrigos nas Misericórdias e outros estabelecimentos de iniciativa particular, medida inteiramente digna do maior aplauso, pelo intuito meritório do seu alcance, posto que limitado dentro de determinados aspectos que a tuberculose acusa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: sendo o Porto a zona mais infectada pela terrível bacilemia, pois é ali que a morbilidade e a mortalidade acusam uma percentagem
Página 118
118 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 172
maior, é natural que seja ao Porto dispensada a melhor e a maior atenção.
Sabemos que está em curso de construção a primeira parte do projecto de ampliação do Sanatório de Paredes de Coura, a qual compreende a instalação de mais vinte camas e outras beneficiações. Mas torna-se necessário dar andamento à segunda parte do referido projecto, que prevê a instalação de mais oitenta camas.
No que respeita ao Sanatório D. Manuel II, encara-se, com toda a objectividade, a possibilidade do seu alargamento, prevendo-se duas fases, cada uma das quais comportará a instalação de duzentos e cinquenta leitos, num total de quinhentos.
Sabemos também que se projecta uma terceira fase, que implicará a instalação de serviços completos, médicos e cirúrgicos, os quais, reunidos às quinhentas camas das fases anteriores, passariam a constituir uma nova unidade sanatorial independente.
Contudo, não se adquiriu ainda o terreno onde deverá implantar-se esse sanatório, havendo urgência de proceder a tal operação, para assim poder realizar-se o empreendimento, do qual muito beneficiaria a cidade, que à tuberculose paga tão pesado tributo.
Não podemos deixar de lembrar o alargamento das instalações do Hospital Rodrigues Semide, magnífica ideia, que sobremaneira enobrece a cidade, visto o Semide ter sido o primeiro instituto criado no Norte para cura da tuberculose.
E os homens que a essa obra prestaram todo o seu esforço quero neste momento lembrá-los, como prova de gratidão pelo muito que realizaram: o Sr. José Galem, que recordamos com saudade, e o Sr. Manuel Pinto de Azevedo, grande figura de benemérito do Porto, que nunca se nega a servir e defender os interesses desta cidade.
A ampliação do Hospital Rodrigues Semide, cujo projecto se encontra já elaborado, dedicando-lhe a Mesa da Santa Casa da Misericórdia e o Governo Civil do Porto a maior atenção, teve já aprovação decidida e franca do Sr. Subsecretário de Estado da Assistência Social, dando-lhe todo o apoio e vindo até estudar, m loco, as alterações a fazer no projecto que lhe foi apresentado.
O Sr. Elísio Pimenta: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Elísio Pimenta: - A Misericórdia de Braga vai publicar, por estes dias, o discurso que o Sr. Subsecretário de Estado da Assistência fez há poucos dias naquela cidade.
O Orador: - Muito bem.
Não se cansa o ilustre membro do Governo na procura de soluções para os mais diversos problemas que constantemente se lhe deparam e que resolve, dentro dum espírito de superior inteligência que sabe demonstrar em todos os actos que pratica.
E, continuando, verificamos terem-se construído recentemente no Norte os dispensários de Espinho, Gaia, Gondomar, S. João da Madeira, Lamas da Feira, Maia e Santo Tirso, não se encontrando ainda alguns destes em funcionamento. Não quero deixar de focar aqui, em breves palavras, a obra que a Assistência aos Tuberculosos do Norte de Portugal vem realizando, num quarto de século da sua existência, pela acção dos seus dispensários, dos seus preventórios infantis e da construção, em franco período de acabamento, do Sanatório do Monte Alto, lutando e vencendo todas as dificuldades, à custa do esforço realizado pelo seu director, Prof. Lopes Rodrigues.
Também a este estabelecimento de assistência particular vem o Governo prestando o maior auxílio, através do Sr. Ministro do Interior, Dr. Trigo de Negreiros, do Sr. Subsecretário de Estado da Assistência Social, Dr. Melo e Castro, e ainda do Sr. Dr. Baltasar Rebelo de Sousa, {Subsecretário de Estado da Educação Nacional, aos quais se não podem regatear louvores, pelo interesse e pelo carinho dedicados a tão projectante iniciativa.
Os vultosos subsídios que lhe vêm sendo concedidos muito têm contribuído para a magnífica obra de assistência antituberculosa, que muito enriquecerá num breve espaço de tempo os meios indispensáveis à campanha em marcha contra tão maléfico flagelo.
Sr. Presidente: quero terminar esta pequena exposição com algumas considerações de ordem geral. Sabe-se que, quer se trate de tuberculose, quer de outra doença infecciosa, o envelhecimento de uma endemia em determinada raça ou região implica nítido abaixamento da intensidade com que a infecção se manifesta nos indivíduos que sucessivamente vai contaminando.
Daí resulta a perigosa noção de que o mal tende a extinguir-se espontaneamente, o que não é verdade.
Mas o estadista que tenha a seu cargo velar pela saúde pública, e que será, como na ocasião presente, uma pessoa eminentemente moral, não poderá cruzar os braços, esperando que a simples marcha do tempo suprima o flagelo, pelo desaparecimento dos menos resistentes ou dos menos protegidos. E esse um preço excessivamente elevado com a morte de todos os que sucumbem pela referida causa e com a desgraça dos que ficam e que dos primeiros dependiam.
Citando uma frase já velha do eminente mestre Charles Nicolle, direi que é preciso e ter mais fé na nossa acção rápida e lógica do que em vias hipotéticas obscuras e a longo prazo da natureza».
Se é um facto bem averiguado que entre nós, por efeito do envelhecimento da endemia, e sobretudo em razão do aparecimento das modernas medicações, a taxa de mortalidade baixou substancialmente, o mesmo não terá acontecido com a taxa de morbilidade.
Exprimimo-nos de maneira indecisa sobre este último ponto, porque, em boa verdade, não dispomos de meios estatísticos em que nos apoiemos para afirmar com mais nitidez o estacionamento ou até o aumento da morbilidade tuberculosa.
Com efeito, do nosso conhecimento não existe nenhum trabalho sério em que se investigue a morbilidade tuberculosa, não direi em toda a população, mas numa determinada região ou classe de trabalhadores.
E essa uma tarefa a realizar, sem a qual, neste campo, nenhuma acção governativa pode ser orientada com aquela precisão científica que implica a resolução de um problema estritamente técnico como este.
Com tal ausência de elementos demonstrativos temos de nos contentar em pulsar as impressões dos práticos, que dia a dia contactam com a questão, e também com as opiniões dos tratadistas.
Oro uns e outros nos indicam que no aspecto da morbilidade o problema se não atenuou. Vem a propósito citar um trabalho recentíssimo do Prof. Etienne Bernard, da Faculdade de Medicina de Paris, em que se pode ler:
Vimos que, mesmo nos países em que a curva da mortalidade tuberculosa atingira nível muito baixo, a curva da morbilidade estava longe de ser tão favorável.
Com excepção de cinco ou seis países, a endemicidade tuberculosa por toda a parte permanece ainda elevada.
Página 119
12 DE DEZEMBRO DE 1956 119
Talvez tenha mesmo aumentado no decorrer dos últimos anos, devido à presença de todos os doentes crónicos que os antibióticos mantiveram vivos, apesar de lesões que antigamente os teriam já matado. Supomos que ainda por alguns anos nos encontraremos num período intermediário, em que os dados desfavoráveis derivados desta categoria de doentes se opõem, do ponto de vista epidemiológico, aos dados favoráveis decorrentes dos progressos da prevenção, do rastreio e da terapêutica.
E assim deparamos com a opinião de um mestre que, conforme se verifica na derradeira parte da citação, nos aponta claramente a necessidade de reforçar, com rapidez e suficiente amplitude, o nosso dispositivo profiláctico e curativo.
Conforme dissemos já, em Portugal, por iniciativa e decidida vontade e impulso do Sr. Subsecretário de Estado da Assistência, começa-se a percorrer o longo troço de um largo caminho, que, seguido com segurança e decisão, nos conduzirá à solução de um problema de enorme importância social, que até agora se nos tem apresentado com aspecto aterrador.
Temos de seguir esse caminho até ao fim, de modo a sairmos da posição em que nos encontramos, sob o aspecto da luta antituberculosa, no conceito das nações civilizadas. Tanto mais que essa situação constitui uma nota discordante em relação aos múltiplos aspectos da vida nacional, de franco progresso, em que Portugal, por virtude da acção vivificadora do Governo de Salazar, não teme confrontos com o estrangeiro.
O que a respeito da luta antituberculosa pode obter-se, dentro do espírito da Lei de Meios em discussão, abre largos horizontes à nossa esperança, dando-nos a consoladora certeza de que o Governo, som plena consciência da situação, atribui a este problema a imensa importância que ele realmente tem, destinando-lhe as verbas de que necessita para o seu combate.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: bem andou o Sr. Ministro das Finanças não esquecendo no relatório que antecede a proposta de lei em execução o problema da enfermagem, tão intimamente ligado à assistência hospitalar, que necessita ser encarado em toda a sua objectividade, dando-lhe a solução que as necessidades impõem.
Perde-se a história do nascimento da enfermagem nos confins da antiguidade, quando Romanos, Gregos e Árabes a praticavam apenas dentro de um espírito de compaixão pelas dores alheias.
Depois do advento do cristianismo à enfermagem iniciou uma era de progresso, a ela se entregando, em profundo sentido de abnegação cristã, diferentes ordens religiosas, fundamentando a sua generosa actividade em bases de caridade, dedicação e sacrifício pelo seu semelhante doente, e então fundam-se muitas ordens hospitalares, entre as quais avultam ainda as de S. João de Deus e S. Vicente de Paulo, uma e outra exercendo nos nossos dias e com notável zelo a sua sacrificada e meritória missão.
A humanidade deve ao cristianismo o desenvolvimento generoso, constante, magnífico, sofrido pela enfermagem no contínuo crescente da sua maravilhosa actividade. Então como hoje, a Igreja orgulha-se de ter, como sua pertença, um património de dedicação, de coragem e de fé, sempre pronto a dar-se e a exceder-se na prática das mais sublimes virtudes, inerentes às mais altas qualidades de que é detentor o género humano.
Com a Revolução Francesa, a enfermagem católica principia de ser combatida, à sombra das ideias que esta revolução encarnava, substituindo-se pela enfermagem laica, que não possuía condições para arcar com Ião grande responsabilidade.
O seu nível sofre notável baixa, numa inferioridade de sentimentos bem longe do espírito de caridade adoptado pela enfermagem religiosa. Mas o Sol raia sempre depois da tempestade, e num mundo de esperanças surge essa bendita mulher, símbolo vivo de dedicação e de virtude, que insuflou no exercício da enfermagem aquele espírito, aquele sentido e aquele conceito que dentro das técnicas modernas é adoptado e seguido.
Florente Nightingale foi a realizadora, a inspiradora e a impulsionadora dos conceitos basilares da enfermagem que em nossos dias se perfilham e se praticam, aliando aos conhecimentos técnicos os fundamentos morais, que exigem um somatório de qualidades e virtudes para o seu desempenho.
Sr. Presidente: os progressos sofridos pela medicina e pela cirurgia nos últimos tempos e em todos os ramos, aliados aos modernos conceitos da terapêutica e da higiene, em constante evolução de aperfeiçoamento, exigem, como forte traço de união estabelecido entre médico e doente, acção dedicada, carinhosa mas competente, da enfermagem, que, sob o aspecto técnico, vem de dia para dia afirmando claramente o valor da sua alta função.
Hoje exige-se nos profissionais uma consciência técnica e moral, bem alicerçada em conhecimentos adquiridos mini período de alguns unos, nas disciplinas de Anatomia, Fisiologia, Higiene e Farmácia; na prática alcançada no contacto com os doentes portadores das mais diversas enfermidades, velhos ou novos, pertençam eles ao foro médico ou ao foro cirúrgico: nu administração de alimentos dentro de regimes dietéticos aconselháveis; nos deveres e na conduta moral assente num espírito de renúncias, a ter sempre presente; na deontologia inerente aos actos profissionais, tudo compreendido numa vocação indispensável ao exercício de missão tão cheia de beleza.
E se todo este conjunto de qualidades e de sentimentos deverão viver na alma da enfermagem, a preparação técnica tem de obedecer a uma prática inteligente e longa, de contacto com os doentes, aliada à indispensável educação técnica.
O problema da enfermagem, na instalação das respectivas escolas e na reorganização do ensino, dentro dos moldes mais convenientes e mais aconselháveis ao nosso meio, foi regulamentado pelos Decretos-Leis n.ºs 36 219, 37 418 e 38 884, promulgados pelo Subsecretário de Estado da Assistência Social, presentemente Ministro do Interior, Dr. Trigo de Negreiros, que no vasto campo assistência realizou obra que não pode ser esquecida.
O Governo continua trilhando o mesmo caminho, não descurando a valorização duma profissão que generosamente se dá, a bem da saúde do povo. E que assim é. bem acaba de o demonstrar o Sr. Subsecretário de Estado da Assistência Social, nas afirmações produzidas há poucos dias em Braga, no seu notabilíssimo discurso, versando problema de tanta actualidade como é este.
Pena de que tão magnífico trabalho não fosse ou vide aqui na Assembleia Nacional, à qual pertence o ilustre homem público, que tão devotadamente trabalha pela saúde de todos os portugueses.
Não possuímos, Sr. Presidente, enfermeiros em número suficiente para satisfazer as nossas necessidades. O déficit é tremendo e é preciso combatê-lo. Temos de
Página 120
120 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 172
fazer um grande esforço para criarmos profissionais aptos a exercer o seu mister.
Os hospitais, os sanatórios, as maternidades, os preventórios e tantos outros estabelecimentos assistenciais não podem viver sem o pessoal respectivo.
Não há enfermarias se não houver enfermeiros, disse o Sr. Subsecretário da Assistência, e nessa síntese se vê o valor do problema. Possuímos 7006 profissionais em actividade, e neste número estão incluídos muitos com a categoria de auxiliares e outros sem as habilitações legais.
Ora este número não está em concordância com as necessidades de hoje e, muito menos ainda, com as futuras, tão largo tem sido e continuará sendo o desenvolvimento dado à assistência.
Mais claro que as minhas palavras falam os resultados do recenseamento feito pelos serviços de assistência, demonstrando com toda a evidência o quanto carecemos de trabalhar para conseguir elevar o número de profissionais, para bom e normal funcionamento do nosso sistema hospitalar e assistencial.
Temos de proporcionar àqueles que à enfermagem se dedicam, além dos conhecimentos necessários à sua educação técnica e moral, a melhoria material a que justamente aspiram, através dum acréscimo dos seus vencimentos que lhes permita um nível de vida compatível com a manutenção das exigências familiares.
Sendo assim, o recrutamento alargar-se-á e o déficit que agora sentimos sofrerá redução imediata e substancial.
Mais que uma vez - sempre - tenho afirmado que existem dois sectores na vida dos povos aos quais não podem nem devem negar-se os meios indispensáveis ao exercício das suas actividades: educação e saúde, que são fontes de energia e progresso na vida nacional.
Bom caminho está trilhando o Governo não olvidando actividade profissional de tão valioso préstimo. E, porque estamos no convencimento absoluto de que tudo se fará para prestigiar técnica, moral e materialmente a enfermagem portuguesa, damos o nosso mais franco e decidido apoio às medidas que se vão tomar em tal sentido.
Mas entendemos, Sr. Presidente, que ao artigo 12.º da Lei de Meios deveria ter sido concedida uma maior amplitude, visto que o problema da saúde abrange largos capítulos de patologia, e que é preciso atender.
Algumas doenças de prognóstico e carácter sombrios, com larga evolução, têm de ser observadas com determinada especificidade, visto acusarem no rendimento global do trabalho do homem um déficit, de produção - prejuízo económico a ter em conta -, como são o reumatismo e as doenças cardiovasculares, que no período legislativo anterior suscitaram na Assembleia Nacional brilhante e merecida discussão, nela se distinguindo, como técnicos ilustres que são, os nossos colegas Dr. Cortês Pinto e Prof. João Porto. E não pode esquecer-se o cancro, terrível doença de carácter social, cuja etiologia e tratamento preocupam seriamente os cientistas de todo o Mundo.
É sobremaneira honroso possuirmos um Instituto de Oncologia equipado com a aparelhagem mais moderna e mais eficiente e pessoal com especial preparação técnica médico-cirúrgica mais actualizada, quer para o diagnóstico, quer para o tratamento.
Mas não basta paru as necessidades da população esse magnificamente apetrechado hospital, que tantos e tão grandes serviços vem prestando ao País, numa luta constante, com percentagem elevada de vitórias sobre o terrível mal. Há necessidade de possuirmos outros centros anticancerosos. embora de dimensões reduzidas nos seus variados sectores.
Por mais de uma vez tenho aqui demonstrado, com larga soma de bem fundamentados argumentos, a sua falta no Porto, que o mesmo é dizer no Norte do País.
Realização de tamanha grandeza impõe-se como medida de elevado alcance social, económico e moral, até por ser a doença que mais horror desperta na humanidade e serem duma assustadora e pavorosa frequência os casos de cancro nas províncias nortenhas.
Quero ainda, Sr. Presidente, pronunciar-me acerca da gravidade que representam, não só sob o aspecto médico e social, mas também sob o aspecto económico, duas enfermidades que grassam especialmente nos meios onde a miséria, e portanto a falta de higiene, existo.
A tinha, doença parasitária, e o tracoma, conjuntivite granulosa, etiològicamente ligada a um vírus, são doenças graves, de fácil contágio e propagação, que em algumas povoações de concelhos nortenhos estão produzindo os seus maléficos efeitos, necessitando de cuidados muito especiais.
Para tal fim são indispensáveis verbas suficientes, recursos financeiros, pois só com eles há possibilidade de fazer trabalho útil.
Não bastam, àquelas povoações a que me estou referindo, os meios existentes para dar combate a essas duas pragas, chamemos-lhes assim. É de absoluta necessidade a criação doutras brigadas de profilaxia e cura, para combater tão grave mal.
Não podem fazer-se economias na luta contra as doenças cujo prognóstico é sempre grave, pois da redução dos meios a utilizar resultam enormes prejuízos para a vida económica e social do povo.
Aqui deixo este apontamento, que espero seja atendido pelo Sr. Ministro das Finanças, a quem compete fornecer o quantitativo necessário ao desempenho duma acção que se impõe, como é o tratamento da tinha e do tracoma.
Julgo, com as observações que acabo de fazer, ter prestado ao País o serviço que é imposto pela posição que ocupo. Ao Governo ofereço todo o apoio, com a certeza de que nada mais faço que. cumprir um dever. Não há canto algum de Portugal aonde os benefícios da administração do Estado Novo não tenham chegado, como bênção de Deus derramada sobre a nossa terra. E a tarefa continuará, a bem dos que necessitam de ter saúde e vida para lutar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: pretendo agora referir-me aos problemas de instrução, educação e cultura, de que fala o artigo 14.º da proposta de lei, assim como ao conteúdo da alínea b) - educação e cultura - compreendida no artigo 13.º
Trata-se de problemas da maior actualidade e de mais intensa projecção, que vêm sendo estudados e efectivados com a mais realista compreensão nos seus objectivos fundamentais: «Preparar a juventude, ao serviço da qual se colocaram os Srs. Ministro da Educação Nacional e Subsecretário de Estado, para um futuro melhor».
Na verdade, é no futuro da mocidade, nos homens que amanhã substituirão os de hoje, na aceitação e desempenho das missões da mais alta responsabilidade ou no exercício de funções que cabem a todos os portugueses, desde os da mais elevada hierarquia aos mais humildes, que se congregam e depositam as energias e as esperanças para manter e engrandecer as conquistas realizadas a bem do progresso da Nação.
A modelação do carácter, a formação da mentalidade, a cultura da inteligência, a educação da vontade, a prática das grandes virtudes humanas, o revigora mento da fé nos destinos da lusitanidade, a
Página 121
12 DE DEZEMBRO DE 1956 121
formação moral baseada nos princípios doutrinários do Evangelho, a preparação física como índice de resistência orgânica na luta a sustentar por uma vida sã dentro das bases de uma ética social dignificante para o género humano; tudo quanto representa aquisição de conhecimentos que proporcionem a mocidade, com seu aperfeiçoamento técnico e moral, um somatório de qualidades e virtudes indispensáveis ao prestígio e grandeza da comunidade; o amor a Deus, à Pátria e à família - são bases indestrutíveis de uma obra formativa e educativa que o Ministério da Educação Nacional perfilha e vem realizando.
Pode bem afirmar-se, sem receio de errar, que a tarefa que vem sendo executada é digna de meditação e de admiração.
As magníficas reformas do ensino superior - medicina, engenharia e veterinária -, algumas já aqui devidamente apreciadas; as modificações introduzidas no ensino secundário, como prestação de provas, recrutamento de professorado, facilidades de ingresso no magistério com preparação legal; a campanha contra o analfabetismo, nos seus mais variados processos, e tantos outros motivos demonstram que alguém, por direito de conquista, alcançado pelos seus altos méritos, exerce o lugar de comando em sector tão difícil e tão delicado como é o da educação nacional, onde se trabalha com método e acerto, numa luta contra as imperfeições existentes e no complemento de realizações que melhor se coadunam com o nosso espírito e os nossos anseios, dentro dos princípios civilizadores da cultura ocidental.
Mas existem, Sr. Presidente, alguns problemas para os quais, depois das afirmações que acabo de produzir, desejo chamar a atenção esclarecida do Sr. Ministro da Educação Nacional, problemas que naturalmente se encontram já bem equacionados e que esperam apenas a hora própria para serem definitivamente resolvidos.
Observa-se em todo o Mundo a chamada crise de crescimento da população escolar, que precisa de ser encarada com os cuidados necessários à sua formação, nos diferentes sectores em que se coloca.
Impõe-se ampliar instalações e construir novos edifícios com a acomodação suficiente para a frequência, que progressivamente aumenta. E, ao lado destas medidas, justifica-se plenamente um plano de reapetrechamento em material didáctico e laboratorial das nossas escolas e das nossas Universidades, de que nos fala o artigo 14.º da lei em discussão.
Há dois problemas da vida nacional que exigem uma atenção constante, uma vigilância contínua, visto estarem dependentes da sua resolução as necessidades mais instantes da população: saúde e educação; quer para um departamento, quer para outro, não podem faltar as verbas indispensáveis à melhoria das condições destinadas ao seu aperfeiçoamento.
Impõe-se, no campo do ensino, a revisão de quadros do pessoal, seja do ensino superior, seja do ensino secundário, pois não se compreenderia o reapetrechamento das escolas e das Universidades sem o número de professores e assistentes indispensável ao exercício do ensino.
A manter-se em actividade o pessoal que os quadros estabelecem, quadros que são os existentes quando n frequência era muito inferior a metade da de hoje. o ministrar do ensino terá de ser claramente deficiente, nada harmónico com as necessidades formativas que o presente impõe.
Sr. Presidente: na abertura solene da Universidade do Porto, o seu magnífico reitor, Prof. Amândio Tavares, em relatório proficientemente elaborado, apontou as deficiências existentes, que se torna necessário remediar, para prestígio do ensino.
Não nos dispensaremos de as repetir aqui, pela verdade que elas contêm e pela necessidade que existe da adopção de medidas que vêm sendo reclamadas desde há muito.
É bem necessário o reapetrechamento em material didáctico e laboratorial, mas tão necessário como esse equipamento é o pessoal que deve guarnecê-lo no exercício da sua função.
A hora que a humanidade atravessa é de incerteza, de desorientação, de dificuldades. Temos sabido fazer face à tormenta que aflige o Mundo com o nosso trabalho corajoso, honesto e persistente. Há que assim continuar. E não me dispenso de aqui citar algumas das opiniões manifestadas pelo Prof. Amândio Tavares na abertura das aulas da sua Universidade:
Temos fundada esperança numa ampla reorganização do ensino superior, que permitirá dotar o País com número e qualidade de diplomados suficientes para as exigências actuais da nossa vida científica, económica e social, sem descurar o papel dos estudos clássicos e humanísticos na educação e no desenvolvimento da vida cultural da colectividade.
Certos estamos de que o prestígio e engrandecimento universitários se encontram em boas mãos.
Não se poderá dizer mais e melhor nas palavras que acabo de repetir.
Novo acréscimo se verificou na população escolar deste ano, que atinge um total de 2302 e 2454 em relação aos anos de 1904-1955 e 1955-1956.
Ora, tão notável acréscimo exige providências para remediar os inconvenientes de tão grande aumento de frequência.
Noutra parte do seu relatório, falando do que se passa na Faculdade de Medicina, demonstra a necessidade da criação de novos lugares de catedráticos e de professores extraordinários compatível com as necessidades do ensino; e, falando dos assistentes, mais uma vez pondera a «premente necessidade de aumentar o quadro em função do número de alunos que se têm inscrito nos últimos anos escolares».
Urge, por consequência, aumentar o quadro do pessoal auxiliar da docência, pelo menos, para o dobro e, além disso, um assistente para cada nova disciplina, como é de toda a justiça. E não posso deixar de referir o que se afirma um outro passo do discurso:
A grande reforma de 1911 atribuiu à Faculdade de Medicina de Lisboa 58 assistentes e 28 a cada uma das Faculdades de Coimbra e Porto. Nessa época a frequência da nossa Faculdade era em média de 140 alunos, ao passo que actualmente é de 700 a 800 (795 no ano lectivo de 1954-1955 e 828 no último); e o número de alunos dos dois últimos anos do curso era de 30 em cada um, contra uma média actual de 90 (o último curso do 6.º ano tinha 100 estudantes).
Os números mostram eloquentemente as necessidades, apontadas com tão grande clareza por uma personalidade com autoridade para o fazer: um dos cientistas de mais reconhecido valor e prestígio, tanto no País como no estrangeiro: bem merecem ser consideradas e atendidas.
Em algumas das suas afirmações encontra-se o pedido já por mais de uma vez formulado pelo Senado Universitário, como seja a necessidade de não descurar
Página 122
122 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 172
o papel dos estudos clássicos e humanísticos na educação da mocidade universitária.
E, referindo-se ao Centro de Estudos Humanísticos, fundado e mantido pelo Instituto de Alta Cultura e pela Câmara Municipal do Porto, «já merecedor, por sua vasta e notável obra, de nova orgânica que permita dar plena satisfação aos desejos dos seus dirigentes», mostra a necessidade de lhe dar adequada instalação na Universidade, e a propósito pronuncia-se da seguinte maneira sobre uma velha aspiração da cidade:
Não será de mais voltar a recordar a velha aspiração da Universidade, que figura entre as reivindicações que o Porto tem sempre presentes: o restabelecimento da sua extinta Faculdade de Letras.
Como já foi sobejamente demonstrado, tal estabelecimento, ao menos nos modestos moldes por nós delineados, seria um acto de justiça e de verdadeiro interesse nacional, reconhecido por quantos têm a noção exacta da função humanística de uma Faculdade de Filosofia e Letras na formarão cultural, moral e cívica das sociedades modernas.
Aqui deixo bem demonstrada a opinião do ilustre homem de ciência que orienta tão dignamente os destinos da Universidade do Porto.
Sr. Presidente: semelhantemente às faltas que se verificam nas Universidades, existem no ensino liceal iguais deficiências, desde a carência de professores com os estágios inerentes à função que exercem, até às dotações insuficientes concedidas ao funcionamento normal dos seus laboratórios e ainda a existência de estabelecimentos desprovidos das condições de higiene, salubridade e segurança indispensáveis à manutenção de meios com os requisitos necessários para o ensino e educação dos alunos que os frequentam.
Quero especialmente referir-me ao Liceu Bainha Santa Isabel, onde se acumulam as alunas em número ultrapassando o militar e que deve ser hoje o estabelecimento de ensino do País que se apresenta em piores circunstâncias.
Desta tribuna lembro a sua insuficiência ao Sr. Ministro da Educação Nacional, que já teve ocasião de o visitar, certificando-se das faltas que acabo de apontar.
Falei há instantes do reduzido número de professores que formam o quadro de efectividade nesses estabelecimentos. Como padrão, tenho na minha frente um quadro que diz respeito ao Liceu Alexandre Herculano, do Porto, que mostra a frequência, número de professores o número de funcionários desde 1950 a 1957.
(Ver tabela na imagem)
a) É indicado neste mapa o número de professores efectivos em serviço neste Liceu. Os quadros mantém-se.
b) No decorrente ano está ausente, intervalo em sanatório.
c) Até 23 de Outubro de 1956 portanto este número ainda sobe muito.
Notas
O número de alunos internos é mais do dobro, actualmente, em relação a 1947.
O número de funcionários mantém-se, o mesmo.
A variação do número total de professores não é proporcional à variação do número de alunos, visto que certas circunstâncias o não permitem (diuturnidades, etc.).
O número de alunos internos é mais do dobro do que era em relação a 1947, o mesmo sucedendo com os externos; mas o número de professores efectivos mantém-se igual ou com uma ligeira superioridade sobre os que existiam em 1950, sucedendo com os auxiliares o mesmo facto.
O número de funcionários mantém-se o mesmo que era no período de 1930-1951. Parece-me haver necessidade de modificar este estado, para melhoria dos serviços que lhe estão confiados.
E aproveito a oportunidade para pedir ao Sr. Ministro da Educação Nacional que coloque o Porto em plano de igualdade com o distrito de Coimbra, criando ali o seu liceu normal, cuja falta se faz sentir profundamente naquela cidade.
Não penso, Sr. Presidente, deixar de aludir a delicados problemas do ensino secundário realizado pelos colégios, problemas de premente actualidade, que têm de ser corajosamente encarados e resolvidos por uma acção prestigiante, dentro de nina oficialização necessária e, possivelmente, dentro duma protecção subvencionadora, que julgo já haver sido encarada pelo Sr. Ministro da Educação Nacional.
Com a devida vénia, trago a esta tribuna algumas das afirmações feitas pelo Sr. Cardeal-Patriarca de Lisboa na brilhante oração proferida há dias e onde tratou de problema de tanta grandeza, oportunidade e projecção:
O ensino particular não viu ainda realizadas as perspectivas previstas de poder ser subsidiado e oficializado e está sujeito a uma fiscalização que tem muito de estreita regulamentação. É ainda o nosso país neste aspecto um dos mais estatistas: não será exagero afirmar que a escola única é o regime oficial.
A própria França, que a tem defendido como ideal político, subsidia, não obstante, as escolas católicas. Moveu-a o sentimento da liberdade escolar e do reconhecimento do direito das famílias.
A escola única (única porque só ela tem o favor do Estado) não respeita nem o direito da Igreja nem o das famílias, como expressamente ensina Pio XI na encíclica Divini Illius Magistri. Mas já se anuncia como próxima a oficialização; em boa hora venha ela.
Apoiando inteiramente a autorizada opinião emitida pelo ilustre antístite, que foi brilhante mestre da Universidade de Coimbra, rendo a homenagem devida a tão ilustre prelado, honra de Portugal e do mundo cristão.
Página 123
12 DE DEZEMBRO DE 1956 123
Sr. Presidente: ao Governo vem merecendo o maior interesse a cultura popular, cultura artística, bem demonstrado pelos subsídios atribuídos ao teatro de declamação, que atravessa um período de grave crise.
Julgamos dever apoiar inteiramente a medida tomada, visto criar condições de melhoria de vida a uma actividade com tão grande influência no espírito do povo, libertando uma classe da inferioridade económica em que vivo.
E, falando de teatro, quero lembrar a promessa feita, há aproximadamente dois anos, da realização no Porto de algumas representações líricas, após a temporada normal do Teatro Nacional de S. Carlos.
Por justificadas razões, não teve aquela cidade a satisfação de poder apreciar tão bela manifestação de arte.
Volto hoje a lembrar essa falta, esperando que as minhas palavras, que traduzem o anseio do Porto, sejam escutadas com a atenção que merecem.
Ao Teatro Nacional de S. Carlos foram concedidos subsídios, não reembolsáveis, no ano de 1955 no valor de 7:810.000$, verba que engloba, na sua maior parcela, o dispêndio feito com a temporada lírica.
Não será justo, dentro dum espírito de economia, que parece não existir naquela magnífica casa, tirar de tão elevada quantia uma pequena parte que facilitasse a deslocação da companhia de ópera que actua em Lisboa? Em nosso parecer, há motivo forte para ser estudada esta questão, reduzindo despesas e possibilitando outras cidades a presenciar manifestações artísticas de tão alto valor educativo.
Porque não deixa o Estado a função de empresário, como sucede já, e com óptimo resultado, no Teatro Nacional D. Maria II, abrindo concurso e condicionando à sua aprovação o elenco e o repertório da temporada?
Estamos convencidos de que não faltariam concorrentes idóneos, nacionais e estrangeiros, que nos proporcionariam grandes espectáculos de ópera alemã e italiana, com uma grande redução no quantitativo que presentemente se despende. Não haveria, assim, dificuldades para levar ao Porto e a Coimbra, como é de justiça, as companhias que se apresentam na capital.
Aqui deixo o alvitre, que poderia ser apresentado com o desenvolvimento pormenorizado que o caso requer. E todos lucraríamos, a principiar pelo Estado.
Vou terminar. Sr. Presidente. Pouco disse do muito que teria para dizer sobre a Lei de Meios, a que dou inteiramente o meu voto.
A hora que o Mundo atravessa é hora grave, de incerteza, de desorientação, de dificuldades, de angústia.
Nós, neste mar encapelado de duvidas, no meio dos tormentosos obstáculos que constantemente surgem e que forçadamente nos trazem alterações no ritmo certo de muitas actividades, temos conseguido, pelo trabalho corajoso e honesto, com inteligência e com dignidade, realizar uma tarefa que se impõe pela sua grandeza.
Temos um passado: legaram-nos uma herança material, moral e espiritual que sempre souberam honrar e enobrecer. E os chefes de hoje, a encarnação viva dos chefes de outros tempos, a quem ilumina a mesma fé que nos levou aos gloriosos destinos que vivemos, são bem dignos da confiança que a Nação neles deposita. Salazar, como chefe incontestado dum grande povo, continua a tarefa de engrandecimento a que tão devotadamente se entregou, a bem da Nação.
Apoiá-lo é colaborar na sua obra. Hoje, como sempre, estamos com ele.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Elísio Pimenta: - Sr. Presidente: tudo quanto há um ano se disse nesta Assembleia em louvor da política da saúde do Subsecretário de Estado da Assistência Social poderia hoje voltar a ser dito.
Não já somente como afirmação de confiança em alguém que toda a sua vida se devotara aos problemas sociais e deixara na Assembleia uma lacuna difícil de preencher.
Não apenas de regozijo pela compreensão que essa política encontrara no Ministério das Finanças, traduzida em belas palavras de concordância no relatório da proposta da Lei de Meios e em verbas bastantes para se iniciar a campanha nacional antituberculosa.
Mas porque, solidamente estruturada no estudo inteligente e profundo nos seus complexos aspectos, ela reveste vivas realidades, a garantirem uma não distante solução dos problemas da saúde e da assistência no nosso país.
Não há exagero na afirmação. Nem tão-pouco me cegam a estima e a admiração. Existe, na verdade, uma obra que, com a solidariedade de um ilustre homem publico, a quem a mesma causa tanto deve - o Sr. Ministro do Interior, só alguém da altura do Sr. Dr. José Guilherme de Melo e Castro poderia criar.
Afirma-o quanto está para trás nestes breves meses: é o rol dos problemas a caminho de solução, a subida do País a lugares honrosos nas estatísticas de sectores de prestígio na vida internacional.
Depois da tuberculose, anuncia-se a enfermagem; em breve marcharão, com o mesmo ritmo, a higiene na maternidade e na infância e a saúde rural.
É também a consciência do País a despertar para a colaboração, a imprescindível colaboração, nas tarefas do Governo. É aquilo a que já ouvi chamar a consciência social da gravidade dos problemas e do papel que cada um do nós é chamado a representar na sua solução.
É a nítida resposta do público às campanhas de profilaxia da tuberculose, a acarretar progressiva insuficiência dos importantes meios de rastreio e vacinação postos à sua disposição.
É a espontânea e impaciente presença das Misericórdias, que continuam a ser, felizmente, os mais lídimos expoentes da caridade cristã, na criação das enfermarias-abrigo para os doentes dos seus concelhos.
São os milhares de ignorados doentes, numa ânsia clamorosa de salvação, pedindo camas e tratamento, que até agora não representavam para eles mais do que remota esperança.
Recordo-me do afã com que em certo concelho se andou de porta em porta dos doentes conhecidos a dizer-lhes, melhor, a pedir-lhes, para ocuparem as camas duma enfermaria-abrigo recém-instalada; por favor, lá se conseguiu que as camas não ficassem vazias. Hoje, ano e meio depois, dezenas e dezenas de infelizes, saídos não se sabe donde, encontraram o leito e o tratamento e outros esperam, confiantes, a vez de internamento.
Esse interesse, confiança nos homens e nos meios, não será, só o aspecto político, uma das menores vantagens da decidida acção do Governo no sentido de melhorar o estado sanitário do povo português.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1937. no artigo 12.º e no importante - sem favor, importante e notável- relatório do ilustre Ministro das Finanças, que a acompanha, dá destacado relevo à assistência na doença.
Só há que louvar, rasgada e reconhecidamente louvar, o interesse que ao Governo merece o sector da saúde pública, pois, como se diz em expressivo passo do rela-
Página 124
124 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 172
tório, «a saúde pública é um dos espelhos em que mais fielmente a Nação se revê».
A prosperidade económica, a melhoria do nível geral de vida da população, a boa alimentação, a habitação decente e higiénica, a electricidade barata, a água boa, as comunicações fáceis e cómodas, a garantia dos meios de existência pela segurança social, tudo legítimas aspirações dos povos civilizados, pouco serão sem o progresso real da saúde pública.
Se houve sector da vida colectiva em que nos tivéssemos deixado atrasar, esse foi um deles. E atrasar demasiado, para que a recuperação não seja demorada e dispendiosa de capitais humanos e financeiros.
Na tuberculose, por exemplo, que continua a ter prioridade sobre os outros problemas da saúde, os números revelam-nos o nada de que se partiu e o caminho até agora percorrido.
Dispúnhamos em 1926 na alvorada da Revolução Nacional, de 6 dispensários e 3 sanatórios, com menos de 1000 leitos, e o Estado gastava por ano com o terrível flagelo, mesmo levando em conta a desvalorização da moeda, a modesta soma de 800 contos!
O índice da mortalidade andava por 200 em 100 000 habitantes.
Pois bem, em 1954, antes do início da campanha, não havia 6, mas 104 dispensários ou consultas-dispensários; não 1000 camas, mas 6827 nos sanatórios, e o Estado gastava com a tuberculose, não os 800 contos de 1926, mas 50 000 contos.
Em 23 de Maio de 1955, na Santa Casa da Misericórdia de Draga, ao encerrar a 25.ª Semana da Tuberculose, com um memorável discurso, de larga repercussão no País, o ilustre Subsecretário de Estado da Assistência Social lançava a campanha antituberculosa, a que o Ministério das Finanças correspondia imediatamente, aumentando substancialmente os recursos financeiros destinados a combater o mal.
Já nesse ano de 1955 se gastaram mais 35 000 coutos do que 110 anterior, correspondentes a um aumento de 65 por cento, e nu ano corrente, de 1950, a dotação subiu em mais 13 073 contos, com o total de 89 332 contos, representando noventa vezes os quase simbólicos 800 contos de trinta anos antes.
Da consideração, por parte do Ministério das Finanças, da necessidade de se apagar decididamente uma doença de carácter social, cuja mortalidade havia baixado, é certo, para 61,5 por 100 000 habitantes, mas cuja morbilidade não mostrava tendência para diminuir, resultou a entrada em funcionamento, até Outubro findo, de mais 31 consultas-dispensários em colaboração com as Misericórdias, o que eleva os dispensários e n s consultas a 135 e mais 991 leitos, passando a ser no todo de 7818, e o incremento da profilaxia da doença pelo rastreio microrradiográfico e a vacinação pelo B. C. G.
E não passará muito tempo sem que à disposição da campanha possam estar mais 4575 camas, já em preparação, nos sanatórios do Estado e dos particulares e nas enfermarias-abrigo das Misericórdias.
Esforço grande, na verdade, na construção de um sólido edifício, do qual apenas se começam a ver os alicerces.
É que o aumento da morbilidade é verdadeiramente impressionante. Em 1954 o número de casos novos registados nos dispensários foi de 11 104, mas em 1955 esse número subiu para 14 394!
Nas 430 000 microrradiografias feitas em 1955 encontraram-se 8801 casos de tuberculose evidente ou provável!
Se nos lembrarmos de que o número total de tuberculosos no País se estima em mais de 100 000 e os considerados créditos andam por metade desse número, muitos
deles nitidamente bacilíferos, e que há poucas semanas mais de 3000 doentes aguardavam vez de internamento nos sanatórios, estando a média da espera em onze meses para os homens e dez meses para as mulheres, poderemos ver quão pouco representam as actuais 8000 camas ou as 4500 em preparação, tanto mais que, ainda hoje, a cura da tuberculose reside essencialmente no repouso e na conveniente alimentação.
Como se vê, estamos apenas nos alicerces.
No Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos, dirigido com tão grande competência e dedicação pelo Sr. Dr. Carlos Carvalho Dias, faz-se um extraordinário esforço para estabilizar a doença, sem o que se continuará a trabalhar quase em pura perda.
A profilaxia da doença pelo rastreio tuberculínico e microrradiográfico e pela vacinação B. C. G. vai-se estendendo a todo o País, com as novas brigadas dotadas de meios especializados.
Os números dizem que se fizeram 11 967 exames microrradiográficos em 1950 e 336 432 no 1.º semestre de 1956.
A campanha precisa, por isso mesmo, da compreensão de todos.
O Ministério das Finanças não lhe regateou meios; as Misericórdias deram-lhe toda a cooperação possível, com as entermarias-abrigos e as consultas-dispensários; acorreram, justificadamente esperançados, os doentes.
E mais: ouvimos há meses o ilustre Ministro das Corporações, Sr. Dr. Henrique Veiga de Macedo, no seu notável discurso na Caparica, falar da viabilidade de ser considerado no próximo ano o seguro social obrigatório da tuberculose, pelo menos no respeitante à cobertura do risco pela perda de salário.
O seguro da tuberculose tem dois aspectos, que me parecem inseparáveis: o do tratamento, precoce ou tardio, da doença e a da cobertura do risco pela perda de salário.
Nenhum deles existe no nosso país.
O actual esquema do seguro da doença, menos amplo do que os da generalidade dos países da Europa Ocidental, prevê, no que possa aproveitar aos beneficiários tuberculosos, o tratamento ambulatório por consulta externa ou a visita domiciliária e o fornecimento de radiografias e de estreptomicina, isoniazida e P. A. S., este em regime de participação do segurado.
O único tratamento específico da tuberculose é, portanto, o medicamentoso por alguns antibióticos, e mesmo assim em regime de participação do segurado no seu custo.
Tudo o resto, aquilo que hoje se considera essencial ao tratamento do flagelo, desde a profilaxia pelo radior-rastreio e pela vacinação ao tratamento ambulatório em dispensários e aos internamentos sanatoriais, pertence ao organismo especializado da saúde pública do Subsecretariado de Estado da Assistência Social, isto é, ao Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos; mas para a prevenção no tratamento não contribuem os organismos da previdência.
Será de desejar, na verdade, o estabelecimento da colaboração desses organismos na campanha antituberculosa, em benefício da massa dos seus segurados, representando 15 por cento da população do País.
Por outro lado, será também de desejar a inclusão no esquema do seguro social do seguro de doença prolongada, a que pertence, sem dúvida, a tuberculose.
O tratamento da tuberculose exige uma terapêutica de cuidados especiais - boas condições sanitárias do meio, conveniente alimentação, repouso sistemático e garantia do salário suficiente a economia do agregado familiar, que não se harmoniza com o panorama actual do nosso seguro social.
Página 125
12 DE DEZEMBRO DE 1956 125
Todos conhecemos esses tantos casos de desgraçados com limitadas esperanças de cura ou mesmo incuráveis, só porque durante os duzentos e setenta dias do prazo de duração do tratamento e do subsídio não mais receberam do que antibióticos.
E tantos outros que, curáveis ou facilmente reabilitáveis, abandonam num momento o sanatório ou a enfermaria-abrigo, porque o subsídio não chega para as elementares necessidades da família ou deixou de ser pago ao terminar o prazo fatal dos nove meses.
O discurso do Sr. Ministro das Corporações, para quem vão as homenageais da minha mais sincera admiração pela obra realizada nos sectores que em bua hora lhe foram confiados, abre novos horizontes à indispensável colaboração entre a assistência e a previdência.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: não fica fora de propósito, neste momento, referir-me a outro importante problema a que o relatório da proposta em discussão alude com algum desenvolvimento: o do pagamento das despesas com o internamento de doentes nos hospitais.
Por funções que exerço em um dos hospitais regionais do País, naquele que, dentro da sua categoria, atinge maior expressão assistencial, vivo o problema candente da sua manutenção e natural desenvolvimento, por vezes, com verdadeira angústia.
E não vem ela sòmente da necessidade cada vez mais imperativa de se abrangerem novas formas de assistência na doença, impostas por terapêuticas modernas, ou de se suprirem deficiências graves de outros sectores, desactualizados ou organicamente deficientes, ou até, ia dizê-lo, da acção social, hoje indispensavelmente ligada à acção curativa.
Vem também do dia a dia, para o qual só um milagre da caridade dos doadores, dos cortejos de oferendas ou das jeiras de Deus - semente lançada pela caridade do Sr. Dr. Trigo de Negreiros, que por ser de Deus dará cento por um - ou o avolumar do deficit crónico pode valer.
Gastou o Estado, em 1945, 146 000 contos com subsídios concedidos aos estabelecimentos hospitalares como comparticipação na sua sustentação e, perante as perspectivas de necessidades crescentes, que se traduzirão em novas e substanciais verbas no próximo e nos próximos anos, entende-se não dever o Tesouro suportar o indispensável aumento da despesa.
O número de doentes internados nos hospitais do País aumenta em ritmo acelerado de ano para ano.
É o crescimento da população, a existência de sempre mais camas para acudir a todos os que batem à porta aflitos, é também a confiança na generalidade dos serviços hospitalares.
Ontem ia-se para os hospitais para morrer; hoje entra-se lá para viver. Esta ideia tem certa justificação.
De 1943 a 1953 os doentes internados nos hospitais do País passaram de 152 110 para 224 704 - um aumento de 50 por cento.
Procura-se, portanto, solução pura a cobertura das despesas que este aumento substancial provoca.
O princípio legal está certo. Representa, aliás, a tradição, sempre viva e valiosa, de a assistência pertencer, antes de tudo, às instituições particulares. Ao Estado interessa, dentro dessa linha, suprir a carência dessas instituições, pois a dos assistidos também lhe não pertence. A sua acção é supletiva. Antes, fica o próprio assistido, quando abastado ou pobre, e neste caso só em relação à sua economia familiar; ficam os municípios, para os indigentes e para os pobres, na proporção em que estes não devam pagar, e ficam, finalmente, as próprias instituições assistentes.
Mas, se ao Estado não pertence suportar todo o indispensável - este «indispensável» é do citado relatório - aumento da despesa com os hospitais, a quem competirá aquele?
Aos pobres não me parece justo nem possível. Infelizmente, o nível económico das nossas populações, nomeadamente na província, continua baixo e não deverá subir substancialmente nos tempos mais próximos. Conviria mesmo alargar a noção de indigência até muitas das categorias de pobres inacessíveis aos actuais escalões.
Posso citar o caso do Hospital de S. Marcos, de Braga no qual os porcionistas não contribuem com mais do que 8 por custo para o custo da diária de 35$, fixada pela lei. Pelo seu lado, o Município do concelho-sede do Hospital não paga mais de 20 por cento desse custo. Quem suporta os restantes 72 por cento? A instituição, que não é rica, e os subsídios de cooperação do Estudo.
Parece que aos municípios será possível exigir-se mais avultada contribuição, segundo esclarece o relatório.
O Sr. Augusto Simões: - Os municípios não têm receitas próprias que lhes permitam o pagamento do internamento dos doentes nos hospitais.
É conveniente frisar que não se pode continuar a pensar que eles podem arcar com tal despesa.
O Orador: - Não é isso que o Sr. Ministro diz no relatório que acompanha a Lei de Meios.
O Sr. Augusto Simões: - Acima do valor do relatório está a verdade dos factos e esta demonstra que as receitas, mais ou menos estabilizadas, das autarquias locais não acompanham o grande aumento daqueles encargos.
O Orador: - Diz-se mais no relatório não ser impossível a revisão da situação financeira das câmaras municipais. Desejo muito sinceramente que assim venha a acontecer.
Há ainda o caso do seguro comercial, ao qual se torna necessário exigir que ocupe o seu lugar no pagamento da assistência hospitalar.
O que se passa, especialmente nos hospitais da província, quanto ao tratamento dos seus segurados por acidentes no trabalho impõe pronta intervenção do Governo, tanto mais que não é de temer, por efeito da conveniente regulamentarão da matéria, qualquer abalo na estabilidade financeira das empresas seguradoras.
Sr. Presidente: pelo que se depreende do relatório da proposta em discussão, outro sector do seguro será também chamado a contribuir, melhor, a pagar os serviços que os hospitais prestam aos .seus beneficiários: as instituições de previdência, o seguro social obrigatório, abrangendo já hoje um número importante de contribuintes e beneficiários, e diga-se que nesse capítulo não temos progredido, untes pelo contrário, o que na verdade constitui uma anomalia perante o que se passa em muitos outros países.
Lembro-me de um acordo que existiu, de 1948 a 1950, para o internamento no Hospital de S. Marcos, de Braga, dos segurados da Caixa Sindical de Previdência dos Operários da Indústria Têxtil, não só em cirurgia, como em medicina. Sei que acordos idênticos existiram em outras regiões industrializadas do País, mas todos acabaram, por denúncia do organismo do seguro.
Sr. Presidente: para terminar, entro a falar sobre aquilo por onde gostaria de ter começado. Mais uma vez os últimos são os primeiros.
Página 126
126 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 172
É que me sinto ainda dominado pela honra dada à Santa Casa da Misericórdia de Braga de ter sido escolhida pelo Sr. Subsecretário de Estado da Assistência Social porá local de importantíssimos discursos sobre problemas de base do seu sector governativo.
Em 23 de Maio de 1955 foi de lá, da cidade da Revolução Racional, e do velho salão nobre da secular instituição que o ilustre membro do Governo de Salazar expôs ao País, com a sua lúcida inteligência e habitual coragem, a gravidade do problema da tuberculose e apelou para a colaboração de todos no sentido de o coadjuvarem na campanha que iria iniciar para pôr termo à vergonha de um flagelo social.
Há dias, no passado dia 4, falou ele novamente, mas agora no ambiente de uma sala dominada pela alegria das toucas brancas de uma centena de raparigas da escola de enfermagem do Hospital de S. Marcos, com a mesma coragem e o mesmo entusiasmo construtivo, num problema tão candente como outro de que falara ano e meio antes, para a resolução do qual voltou a pedir a compreensão e o interesse de toda a Nação - o do fomento e melhoria, da nossa enfermagem, através de um esforço amplo e inadiável, que todos ficamos a saber, surpreendidos, não permitir demoras.
O que disse o Sr. Dr. José Guilherme de Melo e Castro sabem-no VV. Ex.ªs, porque o ouviram na rádio ou o leram na imprensa, mas a Misericórdia de Braga, para que as palavras proferidas não fiquem apenas na memória dos que as ouviram ou as leram nos jornais diários - e devo citar um excelente artigo do jornal O Século -, vai publicar e divulgar o notável discurso, como esclareci há pouco, em aparte, ao Sr. Deputado Urgel Horta.
Crê dessa forma prestar um pequeno serviço ao País.
A carência de enfermeiras, em nível impossível de ultrapassar, é uma triste realidade e andamos em risco de por falta de enfermeiras terem de encerrar-se serviços hospitalares importantes, e outros, pela mesma razão, não podem começar n funcionar ou estuo incapazes de tomarem o desenvolvimento paia que foram criados.
A proporção de 1 enfermeira para 3 doentes, nos hospitais gerais, não é considerada sequer sofrível. Pois a proporção existente nos Hospitais Civis de Lisboa, com 3700 doentes e 672 profissionais de enfermagem, é de ... 1 enfermeira para 5,7 doentes ou de 1 para 8 doentes, só levarmos em conta que parte do pessoal não faz serviço nas enfermarias.
E nos mesmos Hospitais, o núcleo hospitalar mais importante do País, há 88 vagas de enfermeiras que não se conseguem preencher.
Não é de estranhar a anomalia ao saber-se que temos no País 7006 profissionais de enfermagem em serviço activo, na proporção de 1 para 3275 habitantes, quando a proporção aceitável internacionalmente não vai além de 1 para 500 habitantes.
Das 19 escolas de enfermagem saem anualmente 400 enfermeiras, das quais uma grande maioria é constituída por auxiliares de enfermagem, e não por enfermeiras gerais.
Pois bem: por um cálculo actuarial, feito recentemente sobre um inquérito às condições de exercício de enfermagem e do respectivo ensino, chegou-se à conclusão de que em 1967 serão necessárias 16 212 enfermeiras, numa hipótese mais larga, e 12 703 enfermeiras, em outra hipótese, o que corresponde à saída anual das escolas de, respectivamente, 1576 e 1041 enfermeiras.
Da mesma forma que para a tuberculose, o ilustre Ministro das Finanças mostra a melhor compreensão da gravidade do problema e há legitimas esperanças de que serão consignadas no orçamento do próximo ano as verbas julgadas necessárias ao início do plano de fomento estudado pelo Subsecretariado da Assistência Social.
É significativa a referência feita no relatório da proposta em discussão à necessidade de um esforço amplo para fomentar e melhorar a enfermagem, como significativa a concordância que a Câmara Corporativa dá ao relatório.
A instalação de novas escolas e a ampliação de outras, a criação de cursos de enfermagem de saúde pública, polivalentes, a preparação do pessoal técnico de ensino, directoras de curso e monitoras, por um lado, e, por outro, a valorização da profissão de enfermeira, pelo aumento já evidente da consideração social, melhoria de remunerações e de alojamento e suficiente segurança social, permitirão, no prazo previsto de dez anos, podermos vir a figurar, no capítulo de enfermagem, a par dos países sanitàriamente mais evoluídos.
E assim iremos continuando a aumentar o nosso armamento hospitalar e sanitário, sem receio de que à grandeza e à extensão dos edifícios e dos serviços corresponda a insuficiência do pessoal indispensável ao seu funcionamento.
Sr. Presidente: ao apelo do Sr. Subsecretário de Estudo da Assistência Social responderemos todos - «esses corações em flor de raparigas que andam buscando um rumo», o da «enfermeira protegendo a fraqueza, cuidando da dor humana» e «repetindo em cada momento o gesto maternal, que é a sublimação da alma de mulher», como ele próprio o disse - : o Governo com esta proposta de lei e a Assembleia aprovando-a com louvor.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Bartolomeu Gromicho : - Sr. Presidente: mais uma vez esta Assembleia está analisando e discutindo a proposta de lei das receitas e despesas, a chamada Lei de Meios.
Para não quebrar nesta última sessão legislativa o hábito que criei de vir trazer o meu modesto contributo. aqui estou, não para entrar na discussão técnica da proposta, visto não possuir preparação financeira para tal, mas para focar certos problemas com projecção directa na orgânica orçamental.
Não faltam nesta Assembleia técnicos abalizados para enfrentarem uma análise da proposta em todos os seus aspectos e pormenores.
A proposta, que mantém o tradicional equilíbrio orçamental, que não aumenta a carga tributária, merece a minha aprovarão na generalidade.
Como professor liceal, ocupar-me-ei de assuntos escolares.
Sr. Presidente: grande foi a azáfama nas últimas férias grandes em todos os sectores do Ministério da Educação Nacional por motivo da extraordinária afluência de estudantes às escolas comerciais e industriais e aos liceus do País.
O Sr. Ministro da Educação Nacional mais uma vez se viu a braços com tremendos problemas de alojamento da volumosa massn escolar. S. Ex.a. pelo esforço despendido e pela boa vontade demonstrada em solucionar as dificuldades emergentes, bem merece a gratidão de pais e alunos e de toda a Nação em geral.
Só devido a esse esforço e boa vontade foi possível admitir no ensino oficial praticamente todos que a este ensino concorreram.
Vozes: - Muito bem!
Página 127
12 DE DEZEMBRO DE 1956 127
O Orador: - O grande e sensível aumento de frequência às escolas de todos os graus do ensino é um sintonia feliz dos tempos que correm. A estatística de 1954-1955 revelou a existência surpreendente de 1 203 801 alunos.
Há realmente quem se alarme com a avalancha dos que demandam as escolas, desde a primária às superiores, mas penso de mini para mini que alarme e humilhação era a alta percentagem de analfabetos que nos mantinha num plano vergonhoso perante os países de maior civilização. Era um estigma e um ferrete a ignorância avassaladora da maioria dos portugueses.
E a ignorância é, decerto, o mais perigoso veículo para as ideias subversivas e indiscriminadas.
Através da escola, o Estado, a Igreja e a família podem e devem orientar, esclarecer e iluminar as almas, que de outra forma jaziam na penumbra ou na sombra da perigosa e aviltante ignorância.
É certo também que a instrução é arma de dois gumes, mas cabe à bem orientada educação embotar o gume dos desvarios e aguçar aquele que desbasta e abre o caminho da felicidade e da harmonia social.
E é nesta ordem de ideias que eu exulto ao ver as multidões de jovens encaminhadas para a escola.
É evidente que surgem e se multiplicam os problemas de instalação e do pessoal docente idóneo e de muitos outros factores colados à localização futura na vida dessas multidões juvenis ansiosas de viver e de respirar como gente civilizada. Nos artigos 13.º e 14.º da proposta procura-se resolver o problema das construções e apetrechamento das escolas de todos os tipos.
Mas pergunto eu: que se faria dessas mesmas multidões juvenis, que afluem constantemente ao plano da vida social, se jazessem na ignorância e na incapacidade mental? Tudo trabalhadores rurais, tudo operários indiscriminados? Mas onde os colocar, numa época de progressiva mecanização dos campos e supermecanização industrial, com a sua inevitável redução de braços?
A própria mecanização rural e a supermecanização industrial exigem rurais e operários diferentes do tipo boçal que era da tradição.
Bem haja, pois, o Governo nesta campanha de difusão intensiva da instrução, sob o domínio de uma educação de vasto e alto alcance nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Consinta V. Ex.ª, Sr. Presidente, que adite algumas palavras sobre o candente e debatido problema do ensino liceal e técnico.
Tem tomado vulto o preconceito de que o ensino liceal está ultrapassado pelo ensino técnico, porque vivemos numa era industrial.
Se este princípio fosse verdadeiro, teríamos de nos submeter à vitória do materialismo sobre a vida espiritual. Ora o homem é essencialmente alma e espírito e a matéria um simples complemento de invólucro.
O ensino liceal, com a sua formação humanística, tende a formar o homem na sua essência espiritual, sem descurar a ferramenta material que o habilita a vencer na vida.
O ensino técnico enfrenta principalmente a utilização da matéria ao serviço do homem, função imprescindível nas sociedades modernas.
O próprio ensino liceal é preparatório das altas técnicas, pois que é a via normal para as Universidades, onde a Medicina, a Engenharia e a Agronomia são o máximo expoente da técnica dessas especialidades e onde o Direito e as Letras são o máximo expoente das humanidades clássicas.
O tal preconceito a que me referi tem levado até as estações oficiais ao pretenso desvio da população liceal para o ensino técnico. É possível, e eu mesmo o creio, que muitos estudantes que procuram o ensino liceal teriam mais propensão e vantagem no ensino técnico.
A realidade portuguesa demonstra que, sendo nós um país na fase inicial da sua industrialização, as nossas escolas técnicas, com raras excepções, estão já superlotadas, tanto ou mais que os liceus.
Os números falam eloquentemente.
Aos exames de admissão para este ano concorreram às escolas técnicas nada menos de 30 000 candidatos e aos liceus 20 000. Estes números foram publicados em Julho pelo Ministério da Educação Nacional. Onde a falta de candidatos a esse tipo de escola, se excedeu em 10 000 os que pretenderam demandar os liceus? Haverá na altura da saída do curso indústrias já desenvolvidas para absorver essa volumosa multidão:
Já há um ano referi o que aconteceu em França, que é fortemente industrializada, no último ano escolar: matricularam-se no ensino liceal 550 000 alunos e 340 000 nas escolas industriais.
Onde a decadência do ensino liceal?
O que está sobejamente demonstrado pelos factos é que todas as escolas são necessárias, e felizmente o nosso Governo está atento à solução deste magno problema do ensino em todos os seus graus e facetas.
E a prova da atenção do Governo está no facto de, finalmente, perante a evidência dos factos, ter de reconhecer que se impunha uma revisão no plano de escolas secundárias, em que os liceus de há certo tempo para cá tinham sido relegados para segundo plano.
Tinha-se mesmo suspendido toda a actividade em construções de alguns novos liceus e ampliação de uns tantos outros, pelo que ficara o plano inacabado.
Ora, dentro do lema que aqui tenho defendido em várias oportunidades, não há ensino preferencial, porquanto todas as escolas liceais ou técnicas são igualmente necessárias.
É certo que o ensino técnico esteve numa posição incomportável quanto a instalações. Havia que construir novos e apropriados edifícios.
Isso se tem feito, e em escala avantajada. É mesmo de desejar que seja possível a continuação do plano de construções de escolas comerciais e industriais.
Sei que o plano dos liceus volta aos cuidados da Junta das Construções, por ordem governamental, para ampliação imediata de alguns liceus e creio que construção de novos edifícios.
Queira a Providência que a nossa normalidade financeira não seja perturbada na próxima gerência, para que se torne possível a execução dos planos previstos em todos os sectores da educação nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: em 1954 e 1955 abordei, nesta altura e desta tribuna, o grave problema da formação de professores liceais e pretendi demonstrar que o único liceu normal não bastava para as necessidades dos quadros e para o preenchimento dos lugares além dos quadros.
O abaixamento do nível docente dos liceus é um facto nestes últimos anos, em que os professores eventuais, apenas licenciados ou até simples licenciandos, abundam em todos os liceus.
No Liceu de Évora estão em serviço no presente ano escolar nada menos de dezassete professores eventuais, dos quais doze senhoras e cinco homens.
Dos onze professores efectivos apenas sete estão em serviço no Liceu e das sete professoras da secção feminina apenas cinco lá se encontram; os restantes quatro
Página 128
128 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 172
professores e duas professoras estão, algures, em comissões de serviço.
Quer dizer, em trinta e nove professores a actuar no Liceu de Évora apenas doze são efectivos.
Com a reabertura do Liceu Normal em Lisboa é provável que o problema se atenue e resolva, embora a longo prazo, pois que ao Liceu Normal de Lisboa concorreram somente dois homens e onze senhoras.
Está de parabéns o Ministério da Educação, e daqui envio os meus agradecimentos de Deputado e de professor ao ilustre titular da pasta da Educação Nacional pela feliz solução corajosamente adoptada.
Oxalá o Sr. Ministro tenha ao seu alcance, na próxima gerência, os meios financeiros para solucionar também os graves problemas da escassez do pessoal das secretarias e do pessoal menor dos liceus.
Neste aspecto basta o exemplo de Évora, que sei ser igual aos restantes liceus.
Para 931 alunos internos e outros tantos externos a secretaria dispõe de um oficial, um aspirante e um escriturário, isto é, o mesmo pessoal de quando a população era metade.
O quadro do pessoal menor é de dez, nunca estando completo; actualmente estão sete em serviço. Este quadro foi estabelecido quando a população escolar era menos de metade da actual.
Finalmente, Sr. Presidente, não posso terminar estas breves palavras sem mais uma vez voltar ao delicado problema dos vencimentos do professorado primário.
Eu sei quão grato seria ao Sr. Ministro da Educação Nacional poder dar solução, mesmo simbólica, às aspirações económicas dos professores primários. S. Ex.ª já manifestou publicamente esse seu ardente desejo de proporcionar melhor situação económica aos devotados obreiros da escola primária.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A Campanha de Educação de Adultos e a Campanha contra o Analfabetismo vêm de há alguns anos e já se sentem os positivos resultados.
Mas esses resultados positivos que se registaram seriam impossíveis se não estivessem na base da solução a competência, o esforço e até o sacrifício do professorado primário, que soube compreender patriòticamente a importância do seu papel e tem colaborado proficientemente e até desinteressadamente. Digo desinteressadamente porquanto o desempenho normal da função é uma obrigação indeclinável, mas a dedicação calorosa e o sacrifício invadem já o campo do sacerdócio.
Seria humanamente justo que fosse encarada a situação económica, que, está dito e redito, não é justa nem compatível com o nível de responsabilidades da nobre função de desbravar a ignorância das tenras idades.
Há que melhorar os vencimentos dos agentes do ensino primário, na medida das possibilidades do erário público.
São, pelo menos, os meus votos de que o Governo enfrente o problema e o resolva na medida do possível, se não for exequível o que deveria ser de toda a justiça.
Já o disse em outra ocasião: se non in solo pane vivit homo, o homem não vive sem o pão da justiça.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão à hora regimental, com a mesma ordem do dia de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Henriques de Araújo.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Camacho Teixeira de Sousa.
Eduardo Pereira Viana.
Herculano Amorim Ferreira.
João Alpoim Borges do Canto.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Rui de Andrade.
Tito Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Cruz.
Alberto Pacheco Jorge.
António de Almeida Garrett.
António Carlos Borges.
António Russell de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Gaspar Inácio Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Afonso Cid dos Santos.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Maria Porto.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Pereira Jardim.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Soares da Fonseca.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA