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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 176
ANO DE 1956 17 DE DEZEMBRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.º 176, EM 15 DE DEZEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos Srs.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. - Leu-se o expediente.
Enviados pela Presidência do Conselho, receberam-se na Mesa, para os efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os n.º 368 e 369 do Diário da Governo, ingerindo os Decretos-Leis n.º 40895, 40897, 40898 e 40900.
Foi aprovado o Diário das Sessões n. 174.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Gaspar Ferreira, para um requerimento: Duarte Silva, que aludiu a certos problemas de interesse para Cabo Verde, e Pinto Barriga, que enviou fiara a Mesa nota de acido prévio sobre uma melhoria na eficiência da nossa administração económica financeira.
Ordem do dia - Concluiu-se a discussão na generalidade da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1957.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Vás Monteiro, Manuel Vás, Furtado de Mendonça e Carlos Manterá.
Passou-se seguidamente à discussão na especialidade.
Postos à votação, foram aprovados os diversos artigos e os respectivos aditamentos, quanto aos artigos 9.º e 17.º
Sobre o artigo 16.º usaram da palavra os Srs. Deputados Sebastião Ramires e Amaral Neto.
Por proposta do Sr. Presidente, foi dado à Comissão de Legislação e Redacção um voto de confiança para a elaboração da última redacção da proposta do lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1957.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 19 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 16 horas.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Alberto Cruz.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raul Galiano Tavares.
Artur Aguedo de Oliveira.
Augusto Cancella de Abreu.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
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Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Venâncio Augusto Deslandes.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 67 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente Telegrama
De Manuel Neto Valente, a manifestar o seu reconhecimento pelas intervenções dos Srs. Deputados Amaral Neto, Augusto Cancella de Abreu e Daniel Barbosa acerca da inscrição de não diplomados pelas escolas de engenharia na Ordem dos Engenheiros.
O Sr. Presidente: - Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, estão na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, os n.01 268 e 269 do Diário do Governo, 1.º série, de 11 e 12 do corrente, que inserem os Decretos-Leis n.º 40 895, 40 897, 40 898 e 40 900.
Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 174.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação, considero aprovado este Diário.
Tem a palavra antes da ordem dia o Sr. Deputado Gaspar Ferreira.
O Sr. Gaspar Ferreira: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Ao abrigo das disposições do Regimento, requeiro que, pelo Ministério do Ultramar, me sejam fornecidos, com toda a brevidade, os seguintes elementos:
a) Cópia do processo n.º 1267 dos serviços geográficos e cadastrais de Lourenço Marques, relativo à Câmara Municipal de Albergaria-a-Velha, no qual foi lavrado o despacho de 18 de Setembro de 1956, publicado no Boletim Oficial de Moçambique n.º 39, 2.º série, de 29 de Setembro de 1956, que indeferiu o pedido de remição de foro e anulou parcialmente a concessão relativa à parcela n.º 730;
b) Cópia do processo relativo ao caso da concessão do Buzi, citado naquele processo n. 1267
Selo secretário provincial em parecer datado e 8 de Junho de 1956;
c) Informação sobre se perto daquela parcela n.º 730 existe uma reserva indígena e se dessa reserva foram há pouco tempo concedidos alguns hectares a uma empresa industrial. No caso afirmativo, indicar: data da concessão, venda ou arrendamento, número de hectares, destino e condições da transmissão;
d) Informação sobre o provável destino da parte da parcela n.º 730 cuja concessão foi anulada, no caso de se manter a anulação da concessão daquela parte».
O Sr. Duarte Silva: - Sr. Presidente: a faculdade de apreciar os actos da Administração constitui, sem dúvida, uma das mais importantes prerrogativas desta Assembleia.
Todavia, para ser exercida convenientemente, não se deve limitar a crítica dos actos que representam um desvio do preceituado nas leis ou um procedimento lê sevo dos interesses da Nação. Para ser justa, há que também aplaudir o que for realizado em benefício desses mesmos interesses, louvar as actuações que possam contribuir para o bem comum.
Foi esta consideração, Sr. Presidente, que me levou a pedir a palavra para me referir a uma providência do Ministério do Ultramar que julgo merecer o mais caloroso aplauso.
Quero aludir ao Decreto n.º 40 892, de 7 do corrente, publicado simultaneamente com a portaria que aprovou o orçamento de Cabo Verde.
Nele se estabelece o subsídio extraordinário de 1100 contos destinado à compra de um avião para o Aero Clube de Cabo Verde.
Durante alguns anos a província de Cabo Verde pouco proveito tirou do Aeroporto do Sal, tão difíceis e irregulares eram as comunicações entre as diferentes ilhas.
Até para a própria correspondência postal a via aérea se mostrava inconveniente, pois as cartas permaneciam longo tempo no Sal, a espera de barco que as transportasse ao seu destino.
Felizmente, as condições mudaram O Aero Clube de Cabo Verde tomou a seu cargo a ligação aérea entre as primeiras ilhas, e o serviço por ele prestado tem sido eficiente e regular.
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Pouco entendido na matéria, opinava eu que a ligação entre as ilhas, constituindo um serviço público G não oferecendo condições de exploração comercial, exigindo, por outro lado, garantias sérias de segurança, melhor seria feito por um organismo do Estado.
Devo. porém, confessar que a actuação do Aero Clube de Cabo Verde satisfaz inteiramente, tendo realizado no corrente ano, repito, um serviço regular e eficiente.
Ás receitas de que dispõe não lhe permitiam, contudo, a necessária renovação do material. Por isso a atribuição desse subsídio extraordinário merece o nosso inteiro aplauso.
O mesmo decreto fixa a importância dos subsídios ordinários que a - província concede ao Rádio Clube de Gabo Verde e ao Rádio Barlavento.
São dois organismos dignos de toda a protecção, dado o importante papel que desempenham na divulgação das coisas de Cabo Verde.
Se há terra portuguesa que necessite de ser conhecida, para se desfazerem erradas opiniões que a seu respeito, e em seu prejuízo, se formaram, essa terra é, sem dúvida, Cabo Verde.
Importa, pois, auxiliar e acarinhar todas as instituições e todos os movimentos que tenham como objectivo a propaganda de Cabo Verde.
Por outro lado, há que ter em conta o valor que para os diferentes núcleos de cabo-verdianos espalhados pelo Mundo - no continente, nas províncias do ultramar, no Brasil, na América do Norte, em Dacar e em outros pontos - representam as emissoras de Cabo Verde, levando-lhes a essas paragens longínquas notícias da sua terra, trechos da sua música, a voz dos seus irmãos ...
Deste lugar, pois, agradeço, em nome de Cabo Verde, a S. Ex.º o Ministro do Ultramar a decretação de tão benéficas medidas, tornando o meu agradecimento extensivo ao Sr. Governador da província, Dr. Abrantes Amaral, que fez as competentes propostas e que na sua visita à metrópole não deixou, certamente, de mostrar a conveniência da sua adopção.
A ambos o testemunho da minha alta consideração e, em nome de Cabo Verde, muito e muito obrigado.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a mesa a seguinte nota de
Aviso prévio
«Prestadas as mais altas e devidas homenagens aos Srs. Presidente do Conselho e Ministros pela sua acção governativa, desejo, nos termos regimentais, tratar em aviso - prévio das possibilidades de uma melhoria, ainda, da - eficiência da nossa administração económico-financeira, bem relacionada com o nosso conjunto nacional.
Na efectivação e desenvolvimento deste aviso prévio procurarei demonstrar précipua e vultosamente:
1.º A necessidade de ultrapassar o equilíbrio, embora tão excepcional para a nossa época, meramente financeira e quantitativo do orçamento, que por si só, constitui um legítimo orgulho para Portugal e seus governantes, para finalmente alcançar um equilíbrio de estrutura, com perfeita coordenação e hierarquização do financeiro, do económico, do social e do político, bem acompanhada por uma nova e tripartida contabilização, remodelada com orçamentos: de administração (velhos e tradicionais serviços do Estado), de capital (investimentos, equipamentos e receitas próprias) e extraordinários (para dar apenas guarida a meros casos fortuitos e imprevistos- financeiros).
2. Um rejuvenescimento do nosso sistema tributário, de forma a atingir, mas com absoluta equanimidade, o anonimato, perfeitamente descontabilizado para efeitos fiscais, e os sinais sumptuários de fortuna, hoje quase destributados, fazendo-se o lançamento dos impostos, não apenas pela noção isolada de rendimento fiscal, mas, adentro de um critério de - equidade, iluminada por uma hermenêutica em que não se observe a desierarquização da lei, do regulamento, da circular e dos despachos regulamentares, dando desde logo a imagem de uma curta propensão para uma decadência legalista.
3.º A imperiosa conveniência duma reactualização e ajustamento da estrutura e hierarquia dos vencimentos do funcionalismo, tão louvavelmente estabelecida pelo Decreto n.º 26 115, de ânodo a, dentro das possibilidades do Tesouro, fazer face à alta de vida, que não afrouxa, dando também a todos os aposentados uma justificável equiparação de direitos aos do activo.
4.º A estruturação tecnicamente cabal de um orçamento económico, bem alicerçado sobre o rendimento nacional, permeabilizado por uma desvalorização universal crescente do poder aquisitivo dos signos monetários, que possa permitir operar:
A) O reexame integral da nossa política de segurança social, enquadrada nos seus múltiplos aspectos económicos, sem esquecimento dos demográficos e monetários, financeiros, suciais e políticos, incluindo a revisão extensional e actualizada da noção de risco social, mas muito para além:
a) De uma perigosa matemática do aleatório ;
b) De um salário industrial e comercial, mal considerado como categoria dominante do nosso conjunto económico, com menosprezo inexplicável do agrícola;
c) De um abono de família, que não pode nem deve ser tomado como o único meio específico de protecção deste agregado e da sua valorização moral e social;
d) De um emprazamento dos riscos de doença, com evidente subterfúgio financeiro dos prazos dilatórios de carência e uma demasiada exiguidade de tempo e meios de tratamento, mais alinhado sobre a poupança do que sobre a terapêutica, tornando o risco social mal assegurado e caríssimo, pelo pouco que é garantido;
e) De uma contínua hesitação entre a capitalização e a repartição, no meio dos refluxos das desvalorizações monetárias e com ignorância aparente da técnica da repartição dos capitais de cobertura, bem enfeixada com a especialização das quotizações e com o escalonamento das reservas técnicas, graduadas com um índice de utilidade económico-social, esteada por uma boa organização administrativa com um contencioso s jurisdições especializados, em que não se verifique a perigosa repercussão nem nas formas tradicionais de medicina nem na coordenação dos serviços de saúde;
f) A recuperação do risco do desemprego, que, embora carinhosamente cuidado, foi absorvido pelo Ministério das
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Obras Públicas, quando deveria voltar ao seu primitivo círculo de segurança social e integrado no Ministério das Corporações, que, por agora, talvez mais pareça do trabalho, porque aquelas se ausentaram, prática, administrativa e politicamente, para o da Economia.
B) A recriação de um corporativismo associacionista, aliado a boas e legítimas ligações de crédito, mas que deverá ser o espelho cristalino da nossa conjuntura económica, perfeitamente alheada de feudalidades económico--financeiras, autênticos criptocartéis que se aninham e vegetam nos refolhos da estadualização do nosso corporativismo, que abriga uma burocracia talvez um pouco menos prebendaria do que politécnica, mas que as defende contra uma necessária mobilidade social em cómodas situações adquiridas, que fogem de certo ritmo de produção para assegurar monopolisticamente a permanência de um elevado grau de rentabilidade por superbenefícios, amparando aparentemente o fraco na indústria e no comércio, na medida em que podem reabsorver as vantagens desta protecção, prosperando numa atmosfera maltusianisto-económica ».
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Pinto Barriga: como fiz em relação ao aviso prévio do Sr. Deputado Daniel Barbosa, sugiro a V. Ex.º a conveniência de a matéria do seu aviso prévio ser submetida à apreciação das Comissões de Finanças, de Economia e de Política e Administração Geral e Local.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1957.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vaz Monteiro.
O Sr. Vaz Monteiro: - Sr. Presidente: a proposta da Lei de Meios para 1957 submetida à nossa apreciação está magistralmente elaborada pelo Sr. Ministro das Finanças e de tal modo esclarecida que na verdade me sinto acanhado para sobre ela bordar quaisquer comentários.
No entanto desejo ao menos apoiar a proposta de lei e sobretudo destacar o valor e a influência das províncias ultramarinas na vida económica e financeira da Nação.
O Sr. Ministro das Finanças, ao tratar nos n.º* 88 e seguintes da proposta de lei e no capítulo a que deu o nome «A dimensão do mercado», diz-nos que, de uma maneira geral, a exiguidade do mercado interno é um dos principais factores limitativos do progresso económico. E referindo-se ao caso português aponta este problema com características mais favoráveis, uma vez que o mercado nacional oferece largas potencialidades quando considerado no seu conjunto - metrópole e ultramar.
Concretizando esta ideia, o Sr. Ministro das Finanças esclarece que a metrópole coloca já nas províncias ultramarinas mais de um quarto Ao valor das suas exportações ; e se tivermos o cuidado de considerar só a exportação de produtos manufacturados então verificar-se-á que a participação do ultramar na absorção desses produtos sobe a um terço.
Daqui poderemos avaliar das vantagens que o ultramar representa para a economia da metrópole, devido à maior dimensão do mercado interno.
Referindo-se o Sr. Ministro das Finanças ao mercado da metrópole como comprador das matérias-primas e produtos das províncias ultramarinas, classifica-o de via segura de escoamento.
Na verdade este mútuo entendimento comercial aumenta a dimensão do mercado interno e .portanto facilita o progresso económico da Nação.
Confiante no nosso futuro, o Sr. Ministro das Finanças crê que o mercado nacional tenderá a alargar-se à medida em que se for processando a sua homogeneidade.
É conhecedor das dificuldades que se levantam para resolver este magno problema nacional - o alargamento do mercado interno - devido à diversidade de estruturas económicas das províncias ultramarinas, às barreiras aduaneiras, à dispersão dos territórios ultramarinos e dos seus diferentes regimes aduaneiros e monetários em vigor.
Mas crê aquele Sr. Ministro que o carácter de complementaridade e a perfeita união existente entre as várias parcelas do território nacional contribuirão para atenuar dificuldades e para estimular cada vez mais uma acção de integração económica nacional.
Sr. Presidente: estas ideias estão integradas na alma da Nação. £ por isso que não posso deixar de as referir com toda a minha convicção e concordância.
Seja-me permitido, Sr. Presidente, que me detenha por alguns instantes a considerar o grande problema da unidade aduaneira nacional, que está prevista pela nossa Constituição Política e que tanto preocupa os Portugueses, de aquém e de além-mar, ao desejarem que a unidade nacional seja fortalecida cada vez mais.
Desde já desejo esclarecer a Assembleia Nacional de que entre nós se verifica, quer nos diplomas do Ministério do Ultramar, quer nos dos governos das províncias ultramarinas, a existência do acréscimo, como limite máximo, do diferencial de 50 por cento aos direitos aduaneiros atribuídos às mercadorias de origem estrangeira, com o fim de proteger a importação no ultramar de mercadorias de origem nacional e sobretudo de mercadorias originárias da metrópole.
E do mesmo modo o regime aduaneiro metropolitano é, e assim deve ser segundo os preceitos constitucionais, favorável à importação de origem ultramarina.
A redução gradual dos direitos aduaneiros ultramarinos que teremos de efectivar para dar cumprimento ao estatuído no § único do artigo 158.º da Constituição Política e na alínea b) do n.º I da base LXXI da Lei Orgânica do Ultramar, até se atingir a união aduaneira que englobe todo o território nacional, terá de ser longa e cuidadosamente estudada, para não afectar a situação financeira das províncias ultramarinas.
É fácil de compreender que, sendo estas províncias territórios em formação, não podem dispor de matéria colectável bastante para sobre ela fazer incidir impostos directos de maneira a dispensar os impostos indirectos e outras imposições alfandegárias que presentemente incidem sobre produtos nacionais.
Teremos por enquanto que nos contentar com o sistema de direitos preferenciais nas relações de comércio da metrópole com o ultramar e das províncias ultramarinas entre si.
Mas, Sr. Presidente, enquanto se mantiver este sistema é indispensável, por um lado, atender à situação financeira daquelas províncias, que presentemente cobram avultadas importâncias de direitos e outras imposições aduaneiras para satisfazer os seus encargos per-
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manentes e também para impulsionar o seu progresso e desenvolvimento: e, por outro lado, dever-se-á atender ao estreitamento dos laços que ligam .1 metrópole e o ultramar, e ainda se deverá procurar atenuar os efeitos das crises e dificuldades de vária ordem a que está sujeita a produção de matérias-primas e outros produtos de exportação ultramarina.
Não é, pois, fácil de resolver o problema mencionado de abolir os impostos aduaneiros sobre as mercadorias nacionais ou nacionalizadas e substituí-los por impostos directos.
A resolução deste importante problema nacional será, como já disse, forçosamente lenta, mas terá de ser marcadamente gradual, conforme preceitua a Constituição Política e a Lei Orgânica do Ultramar.
onvém esclarecer nesta altura que esta tem sido a tradicional política portuguesa - de reduzir cada vez mais os mencionados direitos e imposições.
Nesse sentido temos caminhado desde a primeira pauta aduaneira para o ultramar, de 1838, na qual se estabeleceu o regime de direitos preferenciais, tendo já em mira o princípio da unidade aduaneira nacional.
Desde aquela data que temos mantido o regime aduaneiro preferencial, regime que se tem mantido, e até com acentuada predominância, durante a vigência do Estado Novo.
Numerosa legislação publicada atesta o que afirmo.
O Sr. Pereira da Conceição: - V. Ex.ª dá-me licença?
Tenho ouvido com muita atenção as considerações feitas por V. Ex.º. com a autoridade que lhe é peculiar.
Simplesmente, pergunto a mini mesmo se as barreiras aduaneiras que nós estabelecemos entre o continente e as nossas províncias ultramarinas e, simultaneamente, entre o continente e as ilhas adjacentes, não contribuirão extraordinariamente para compartimentar a nossa .economia? E, tal como sucedeu no tempo de Napoleão, em que este teve necessidade de abater as barreiras internas, 'abolindo assim as diversas portagens, para transformar a França numa unidade económica, capaz de se elevar e se desenvolver, pergunto se não beneficiaríamos nós, extraordinariamente, da extinção dessas mesmas barreiras económicas internas, fazendo fomentar o desenvolvimento da indústria nos locais onde existem as matérias-primas e elevando o nosso conjunto no seu potencial económico?
Isto é tanto mais de considerar quanto é certo que, pelo relatório do Sr. Ministro das Finanças, verificamos que a tendência da Europa é levar-nos a aceitar, em relação aos outros países, a anulação das taxas aduaneiras.
Parece-me, portanto, que aquela tendência, que a Constituição assinala, seria de desejar que fosse o mais rapidamente possível assegurada na sua execução, antes que o nosso país, pelas contingências internacionais, se veja obrigado a aceitar essa imposição vinda pela força das suas relações com os outros países.
Era isto apenas o que eu queria dizer.
O Orador: - Devo dizer a V. Ex.a que as províncias ultramarinas não estão em condições de dispensar as receitas provenientes dos direitos aduaneiros relativamente às mercadorias nacionais ou nacionalizadas, pelas razões que já expus. E devo ainda informar V. Ex.a de que a própria economia entre as províncias ultramarinas terá de ser estudada, caso a caso, para haver coordenação económica.
Vou exemplificar, citando na província de Cabo Verde a purgueira. Se houvesse liberdade económica de ser largamente produzida na Guiné e exportada sem pagamento de direitos aduaneiros, para não citar outras províncias, isso destruiria completamente a economia de Cabo Verde.
Dentro do princípio estabelecido na Constituição, é preciso ir gradualmente estudando caso por caso, para saber quais os casos que devem estar sujeitos ao desaparecimento gradual dos direitos e imposições aduaneiras e em que medida se deverá atender ao princípio estabelecido na Constituição Política.
É esta a resposta que devo dar á observação de V. Ex.a, com os meus agradecimentos pela sua intervenção.
O Sr. Pereira da Conceição: - E o que sucederá amanhã, quando tivermos de entrar na zona do mercado livre?
O Orador: - O caso será então considerado e resolvido pelo Governo.
E quanto aos cuidados e amparo por via aduaneira que ao Governo devem merecer as mercadorias ultramarinas exportadas por motivo da influência deletéria da baixa de cotações, do alto custo da produção, das doenças e pragas das plantações, dos fenómenos da erosão e do empobrecimento das terras, do envelhecimento do arvoredo e doutras dificuldades que impedem o desenvolvimento da produção, também a este ajunto me devo referir.
É justo salientar com merecido aplauso que últimamente, pelo Ministério do Ultramar, se têm publicado diplomas no seguimento desta política.
Em casos especiais bem justificados, foram aliviados os encargos aduaneiros na exportação de mercadorias das províncias ultramarinas. Poderei citar, por exemplo, o benefício levado u exportação do arroz em casca, amendoim e óleo de palma da província da Guiné, do cimento da província de Moçambique, e ainda, em Novembro deste ano, do cacau e da copra de S. Tomé e Príncipe.
Terá de, haver atenção permanente a estes problemas, estudando caso por caso, para não haver falta sensível de receitas, e ao mesmo tempo estimular e impulsionar a produção.
Felizmente é o que tem acontecido. Desta tribuna registo o seguimento desta benéfica política pela pasta do Ministério do Ultramar.
E ainda bem que esta orientação está sujeita a um único comando. Para que esta política de unidade aduaneira nacional possa ter a maior eficácia. o Estado Novo estabeleceu preceitos legais, podendo citar a Carta Orgânica de 1933 e o Decreto n.º 08 709, de 31 de Março de 1932, pelos quais ficou reservada exclusivamente ao Ministério do Ultramar a competência para criar impostos ou taxas incidentes sobre mercadorias importadas, exportadas ou que circulem entre os territórios ultramarinos.
A política da unidade aduaneira de todas as parcelas do território nacional está assegurada e a seguir-se no ultramar, para se efectivar gradualmente, conforme prescreve a Constituição Política; e além disso está a seguir-se também no ultramar a política de amparo à produção e à exportação.
Razões bem fundadas tem pois o Sr. Ministro das Finanças para crer que o mercado nacional mostra tendência para aumentar as suas dimensões.
Além do que deixo exposto, deveremos ainda considerar a extraordinária actividade e o progresso que só observam nas províncias ultramarinas para se concluir, com mais forte razão, que será crescente o aumento do mercado interno considerado no seu conjunto - a metrópole e o ultramar.
É quanto à protecção pautai para manter e melhorar as matérias-primas e os produtos da agricultura e da indústria e facilitar a sua exportação, os princípios ex-
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postos na proposta da Lei de Meios para 1957 são de aceitar e aplaudir.
Na proposta de lei o Sr. Ministro das Finanças põe em relevo o significado dos saldos das balanças de pagamentos e do comércio da metrópole com o estrangeiro para evidenciar as preocupações do Governo e os propósitos de intensificar a sua política de incentivos fiscais relativamente ao apetrechamento e laboração das indústrias de exportação.
Apresenta-nos o seguinte mapa da balança geral de pagamentos, distribuídos por zonas monetárias, indicando os saldos, em milhares de contos, dos anos de 1954, 1955 e 1956 nos seus primeiros oito meses.
(ver tabela na imagem)
Por este mapa se verifica o agravamento de ano para ano do déficit com a zona monetária da U. E. P. - União Europeia de Pagamentos- e a existência do superavit com a zona do dólar e com as outras zonas.
De 1954 para 1955 o saldo geral agravou-se e de 1955 para 1956 o mesmo saldo acusou sensível recuperação.
Como a proposta da Lei de Meios em discussão se apresenta bem documentada com mapas e gráficos, que a tornam perfeitamente compreensível, fácil é sermos esclarecidos de que a recuperação realizada na evolução da balança de pagamentos se deve exclusivamente à balança comercial do ultramar e à balança de invisíveis.
Como tenho sempre a preocupação em todas as minhas intervenções de procurar pôr em evidência o real valor das províncias ultramarinas no conjunto nacional, não resisto à tentação de transcrever mais da proposta da Lei de Meios o mapa da balança da metrópole e do ultramar, em milhares de contos, referente aos primeiros semestres dos anos de 1954 a 1956:
(ver tabela na imagem)
Por este mapa se confirma que a recuperação realizada na balança geral de pagamentos foi devida à balança comercial do ultramar.
Enquanto o saldo negativo da balança comercial da metrópole se agravou de ano para ano, a balança comercial das províncias ultramarinas acusou anualmente um saldo positivo.
Na metrópole quase estacionou o valor das vendas para o estrangeiro e alimentou o valor das compras nos mercados externos.
No ultramar verificou-se o fenómeno inverso: estabilizou a importação e aumentaram as exportações.
Sr. Presidente: destaco estes fenómenos, quer da balança de pagamentos, quer da balança comercial - aliás apresentados na proposta da Lei de Meios com a maior clareza e até com espírito didáctico ao alcance dos menos versados nesta matéria -, com o propósito de fazer realçar a importância e a valiosa influência das províncias ultramarinas na economia da Nação.
O Sr. Ministro das Finanças, versando estoutros grandes problemas relacionados com a proposta da Lei de Meios para 1957, definiu com precisão e acerto a posição do Governo, indicando as suas soluções.
Prevê não haver necessidade de lançar mão do agravamento dos impostos ou da criação de novas receitas durante o exercício de 1957. Promoverá a intensificação da assistência técnica à lavoura e uma colaboração mais íntima dos agricultores com os serviços. Continuará a dar preferência, na assistência à doença, ao desenvolvimento do programa de combate à tuberculose. Inscreverá no orçamento para 1957 as dotações necessárias para ocorrer às despesas de emergência no ultramar.
Enfim, traça os planos de ordem económica e financeira de maneira tal que se possa manter o princípio do equilíbrio do orçamento e das contas e ao mesmo tempo se tenha em vista o progresso e desenvolvimento do País.
Pelas considerações expostas, dou toda a minha concordância à proposta de lei. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Manuel Vaz: - Sr. Presidente: volto a intervir na discussão da proposta da chamada Lei de Meios.
E hoje, como anteriormente, não tenho a veleidade de a apreciar em toda a sua profundidade ou extensão, trabalho paxá que me escasseariam tempo e forças. Limito-me, por isso, a anotar à sua margem uns ligeiros apontamentos que traduzem algumas das impressões que a sua leitura e a da lúcida exposição que a acompanha me causaram.
A impressão geral recebida é a de um animador optimismo, muito embora a conjuntura internacional se apresente carregada de nuvens sombrias, tanto no campo da política como no da economia.
A verdade é que no mundo ocidental, e designadamente na Europa livre, se trata de dominar as condições adversas e se procuram soluções para as dificuldades com que se debatem os países ocidentais.
Pelo que nos diz respeito, encara-se a situação que o condicionalismo nacional e internacional nos criou, ou pode vir a criar, analisando-a tom objectividade e sereno realismo e enfrentando-a com enérgica decisão.
Reconhece-se a posição da nossa balança comercial, que se apresenta, como sempre, deficitária, mercê de causas várias que não vou agora analisar miúdamente.
Constata-se a situação da nossa balança de pagamentos e analisam-se as causas e efeitos do seu comportamento.
Aponta-se a exiguidade do mercado interno como uni dos fautores principais, a limitar o nosso progresso económico, simultaneamente causa e efeito do baixo nível do rendimento nacional: causa enquanto reduz os
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estímulos para o investimento e efeito porque enfraquece a produção pela limitação do consumo.
Concorrem para a pequenez do mercado interno vários outros factores, como a reduzida extensão do País. o pequeno volume da sua população e a natureza da sua composição, que não permitem à produção a expansão em quantidade e diversidade dos produto» necessários ao consumo nacional.
E, uma vez que é impossível a ampliação da área geográfica do País, cujo crescimento demográfico é sensível, apesar da sangria constante da emigração, os dados do problema não se modificam, pelo que se reconhece a necessidade do seu desenvolvimento industriai, em ordem ao alargamento do mercado interno, à conquista, pela exportação, de mercados novos e à expansão dos que já existem.
Um dos factores, entre muitos outros, que contribui para a pequena extensão do mercado consiste no baixo nível de rendimento per capita que se observa no País.
Constata-se a existência de uma defeituosa distribuição de rendimentos, com tendências para agravamento, por virtude da excessiva concentração de capitais em poucas mãos, a revestir a forma de poderosas, oligarquias, monopolizadoras das actividades e recursos nacionais.
Convém, por isso, praticar um certo descongestionamento nessas concentrações, embora se reconheça que elas, no momento, possibilitam maiores facilidades de investimento, pela abundância de capitais disponíveis que desejam obter colocação remuneradora.
Mas, reconhecendo-se essas facilidades, não se pode negar, por outro lado, que o fenómeno da concentração capitalista provoca a proletarização da classe média, incomparavelmente mais numerosa, e que sempre constituiu a mais sólida garantia da estabilidade e segurança dos regimes, reduzindo o seu poder de compra.
Semelhante facto constitui um perigo sério, que convém conjurar, não só por imperativos de ordem política e económica, mas também por razões de justiça social.
Reconhece-se a necessidade de proceder a uma melhor e mais equitativa distribuição de rendimentos.
E um dos processos de a conseguir é a revisão do sistema tributário, que se anuncia para breve, no relatório da proposta, e se espera conduza a maior expansão do consumo, a traduzir-se em mais forte estímulo para o incremento da produção. Este incremento obrigará a maiores investimentos para aumentar a capacidade produtora da Nação, tanto no que se refere à quantidade como à diversidade e qualidade de produtos, mesmo porque favorece a concorrência, base essencial do seu aperfeiçoamento, pela redução de situações monopolizadoras de bens e de serviços.
O aumento da capacidade de produção implica a necessidade de maior emprego, o que se traduz numa política de alargamento de salários, única fonte de receita de uma vasta camada da população.
De uma maneira geral, e em síntese, pode dizer-se que a maior investimento corresponde maior emprego; a maior emprego, mais ampla produção: a maior capacidade produtiva, mais baixos custos; a maior baixo custo, maior consumo, maior rendimento, mais alto nível de vida e maior bem-estar social.
Mas o pretendido ajustamento do rendimento nacional deve fazer-se com a prudência necessária, não vil ele prejudicar a política dos investimentos a que acabo de me referir e que é indispensável intensificar, porque traz consigo ainda uma outra consequência de considerável importância, que consiste na modificação da composição da população portuguesa, predominantemente agrícola, cuja massa trabalhadora leva uma vida difícil, em luta constante com a falta de trabalho, umas vezes, e com salários de miséria, sempre.
A lavoura em Portugal, pelo menos em certas regiões do País, em que a divisão da propriedade vai até à pulverização, tem um viver atribulado e nunca foi aquela arte de empobrecer alegremente de que falava outrora o lírico entusiasmo dos nossos escritores.
Tem na sua frente perspectivas de ruína, que todos os seus esforços não conseguirão sustar, para o que também concorre um condicionalismo de preços a que está sujeita quanto à maioria dos seus produtos, de ordem política, económica e social, que a força a vender a baixo custo o que produz, quando tem de adquirir por alto preço o que consome, se medidas adequadas não forem tomadas.
A diferença entre os preços da produção agrícola e os da produção industrial é de considerável grandeza e incomportável para a lavoura.
Ora, os que a ela têm forçosamente do se dedicar e dela directamente vivem são a grande maioria da Nação.
Isto significa que no âmbito do mercado interno só entre a população agrícola se poderá encontrar a maior possibilidade de alargar esse merendo, desde que se melhorem as suas condições de vida.
Tanto assim é que, se nela se modificam estas condições por um momentâneo desafogo ou por agravamento, logo o comércio e a indústria se ressentem, de modo que é legítima a afirmação de que a crise da lavoura é a causadora da crise que assoberba estas últimas actividades.
Modificar a situação precária do agro português é dever essencial de toda a administração.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Serão várias as medidas a tomar para alcançar esse objectivo, desde o emparcelamento da propriedade onde esta se encontre muito dividida, com o correspondente desenvolvimento do espírito de cooperação, que o nosso individualismo agrário tem repugnância em aceitar, aos melhoramentos rurais, cuja dotação se lamenta não seja reforçada, às facilidades de crédito, à assistência técnica agrícola e u organização da produção, tendo por finalidade a expansão do mercado interno e o recurso à exportação dos nossos excedentes, aproveitando as condições naturais de que dispomos.
Sr. Presidente: uma das formas de melhorar as condições de vida da nossa ruralidade consiste numa assistência técnica eficiente u lavoura que lhe permita elevar substancialmente os índices baixíssimos da sua produtividade agrícola.
O preceito novo do artigo 16.º do projecto propõe-se alcançar esta finalidade, estendendo a rede assistêncial a todos ou quase todos os concelhos do País.
Embora se reconheça a premência desta necessidade, há quem duvide da eficácia da medida nele preconizada ante o receio da dispersão e isolamento dos seus elementos de acção.
Julgo infundados tais receios, porque na planificação projectada temos como fiadores a competência organizadora e o saber do Sr. Prof. Vitória Pires, nosso ilustre colega e actual Subsecretário de Estado da Agricultura.
De resto, como toda a gente sabe, o País encontra-se dividido em diversas regiões agrícolas, onde trabalham já diferentes organismos dependentes da Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas, como estações, postos e brigadas. O seu trabalho resulta, porém, insuficiente, pela enorme extensão das áreas em que actuam e pela escassez de pessoal de que dispõem.
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Torna-se evidente a necessidade de lhe adensar a rede, reduzindo o campo de acção a cada um desses elementos, e, consequentemente, dotar esses organismos com o pessoal necessário para um trabalho proveitoso. Ë este o objectivo da disposição contida do artigo 16.º do projecto, que visa uma intensificação da assistência técnica à lavoura pelo aumento do número de delegações dos organismos regionais já existentes, devidamente inspeccionadas, para se garantir a coordenação e a eficiência dos serviços dessa assistência e um mais íntimo contacto com os agricultores, que lhes permita interferir, em mais larga escala, na elaboração dos planos de trabalhos assistenciais.
Haverá, portanto, maior descentralização, mas não isolamento, dos agentes de assistência, e espera-se que os resultados práticos correspondam às esperanças depositadas no êxito do empreendimento, como a lógica das coisas faz prever. A maior abundância de técnicos, a trabalhar cada um em áreas reduzidas, garante um mais perfeito conhecimento dos problemas locais, a integrarem-se no âmbito regional, e promove uma mais intensa comunhão entre a técnica e a agricultura, uma assistência efectiva e pronta, a inspirar confiança e a dinamizar vontades, num esforço comum, que se traduzirá, sem dúvida nenhuma, num aumento de produção substancial, em benefício de todos.
Não posso, por isso, deixar de aplaudir as medidas que o Governo se propõe tomar para alcançar estes objectivos.
Mas esta assistência, se pode melhorar a nossa produção agrícola em quantidade, qualidade e preço, não será ainda suficiente ...
Para essas regiões torna-se imperioso, como o reconhece o relatório da proposta e como, de resto, é opinião universalmente aceite, dar-lhes outras e maiores possibilidades através da desconcentrarão industrial, que toda a gente, dentro e fora do País, aconselha, mas que nem todos se dispõem a praticar.
É essencial, para o futuro do País, obedecer ao princípio de justiça social no ordenamento e distribuição geográfica das actividades industriais.
Esquecê-lo ou desprezá-lo, sejam quais forem as razões ou pretextos invocados, será erro gravíssimo, atentatório do princípio invocado, da solidariedade nacional e do progresso e equilíbrio económico da Nação.
Porque assim penso, foi com dolorosa surpresa que li nos jornais de 15 de Agosto último o despacho do Sr. Ministro da Economia referente à instalação e localização da indústria siderúrgica no País, que contraria a doutrina expressa no relatório do projecto em discussão, o pensamento e a orientação do Conselho Económico e até parece estar em oposição às esperanças que nas suas declarações feitas à imprensa o titular daquela pasta deixou acalentar ao Norte do País.
Uma preocupação domina toda a orgânica do projecto da empresa: a segurança da rentabilidade do empreendimento, em homenagem aos interesses do País, é certo, mas também em obséquio aos seus interesses particulares.
Ora estes interesses últimos são muito respeitáveis, reconhece-se, mas, desde que o Governo lhe assegura uma determinada protecção pautai, que nos obrigará a pagar o ferro que a empresa irá produzir mais caro do que o actualmente importado, como adiante referirei, parece que esses interesses, até certo ponto legítimos, estão acautelados. De resto, não só destes se trata.
Não há apenas que garantir a viabilidade de uma indústria que se considera de interesse nacional montar para nos assegurar uma indispensável autonomia, embora com compreensível sacrifício.
O Governo terá de financiar o empreendimento e seremos todos nós, adquirindo o ferro nacional, que teremos de pagar as custas do processo.
E confia-se em que, pagando-as, contribuiremos para o maior desenvolvimento industrial do País, para a sua maior prosperidade.
A protecção pautai a que acabei de me referir, solicitada pela empresa, é de 25 por cento sobre o preço do produto, ou seja: nas condições actuais, isto s, para um consumo de ferro idêntico ao actual, terão os seus consumidores de pagar a mais, e anualmente, quantias superiores a 200 000 contos, o que já é qualquer coisa. E esses consumidores seremos nós todos. E essa qualquer coisa torna-se significativa sabendo-se que uma empresa de muito menor grandeza - a de Vila Cova -, para produzir ferro a preço igual ao obtido noutros países, não carece de qualquer protecção pautai, porque a não pediu nem esta lhe foi concedida.
Sr. Presidente: sem querer interferir em pormenores técnicos, para cuja apreciação me falta competência especializada, permito-me, no entanto, analisar algumas das razões invocadas pela empresa para fundamentar a solução, ordenamento e localização que defende e que obtiveram a adesão do ilustre titular da pasta da Economia, na parte, é claro, em que elas me são acessíveis, como a qualquer outra pessoa medianamente culta.
Comecemos pelo alto-forno a coque, a forma clássica e mais vulgarizada, por ser a mais antiga, da redução do minério de ferro, em escala industrial moderna. Ë evidente que este processo se generalizou em países que possuem coque ou carvões coqueficáveis com abundância, e, portanto, a preços relativamente baixos.
Ora, nós não dispomos de carvões coqueficáveis. Não temos nem teremos possibilidade de conseguir coque senão importando-o.
É essa, aliás, a intenção confessada da empresa.
Esta circunstância coloca-nos imediatamente na dependência do estrangeiro e, o que é pior, do estrangeiro que é simultaneamente produtor do coque e produtor do ferro; quer dizer: de um concorrente, pelo menos, potencial, que, se o não é hoje, pode vir a sê-lo amanhã.
E este facto não é animador para o futuro da nossa indústria, por razões de fácil compreensão, desde o dumping do produto, fabricado e vendido a mais baixo preço, à subida incomportável de preços do combustível utilizado, que, aliás, vem já acentuando-se de há anos para cá e ameaça continuar a subir.
Serão estas perspectivas de molde a animar-nos a renunciar à solução autárquica, que a «decidida predilecção» da empresa pelo processo pôs de parte?
No mercado internacional o coque não abunda, como toda a gente sabe. Nem todos os carvões são susceptíveis de coquefacção nem se descobriram novos jazigos aproveitáveis para esse efeito.
Por outro lado, a exploração intensiva dos jazigos existentes tende a reduzir-lhes cada vez mais as reservas existentes, o que é inquietante para os países que os possuem, levando-os a medidas restritivas das exportações e mais ameaçador para os que o tiverem de importar.
Será tudo isto, repito, de molde a levar-nos à adopção do alto-forno a coque?
Responda quem puder.
Mas, quanto a mim, leva-me a concluir que só em último caso, e como recurso extremo, se deveria ir para essa solução.
Sr. Presidente: as razões confessadas pela empresa para a «decidida predilecção», que o despacho lhe reconhece, pela redução a coque são principalmente duas.
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A primeira reside no farto de não dispormos do energia eléctrica suficiente para que a redução se pudesse fazer pelo processo do forno eléctrico.
A segunda consiste na circunstância de o processo Renn, não estar suficientemente> amadurecido, apresentando no momento actual alguns inconvenientes, além de exigir para a fusão das lupas um peso igual de sucatas, que não possuímos, para o volume de produção que se pretende, inicialmente e no futuro, alcançar.
Analisemo-los.
Quanto ao primeiro - insuficiência de energia eléctrica-, observaremos que o problema é mais de polítiva governamental do que de política económica.
Não teremos energia eléctrica se o Governo não quiser que a tenhamos.
E quer de certeza, porque outra não tem sido a política que segue nos aproveitamentos hidráulicos.
Mas não a temos agora, não a temos para já. dir-nos-á a empresa.
Certamente que. possuindo alguma, ainda não temos ioda a que o empreendimento exige para a redução do minério pelo processo eléctrico. Mas podemos lê-la amanhã, pelo aproveitamento integral da energia hídrica dos nossos rios, pela utilização da energia atómica, em que já se fala, dada a riqueza de urânio que possuímos.
Não a temos hoje em quantidade suficiente para realizar por inteiro a 1." fase do programa estabelecido. Mas podemos ir indo, como de facto a empresa parece querer ir, para uma parte dessa fase, enquanto se espera o aumento da nossa produção de energia eléctrica, e desenvolvê-la na medida, em que este aumento se verificasse.
Não se perdia nada e talvez até se lucrasse muito.
Cumpriria à emprega solicitar do Governo providências no sentido de lha garantir o mais depressa possível e cumpria ao Ministério da Economia tomar as medidas necessárias para lhe dar essa garantia.
Se o cumprimento da promessa levava algum tempo a realizar-se, não é menos certo que algum tempo demora, u construção das instalações para o estabelecimento da indústria. E as duas coisas podiam perfeitamente conjugar-se.
O certo é que poder-se-ia desde já ir pondo a máquina a funcionar, sem pressas, sem precipitações o sem preocupações de grandezas iniciais, mas com segurança e calma, até para adestramento do pessoal, por forma a eliminar os riscos que a vastidão do empreendimento necessariamente comporta.
E não infringíamos mais as directivas do Conselho Económico do que o projecto da empresa os infringe, antes pelo contrário.
Por outro lado teríamos ainda, e nesse meio tempo, o processo Renn, cujas vantagens actuais são já superiores, e em muito, aos seus inconvenientes.
Observe-se que este processo está naturalmente indicado para a redução dos minérios com elevado teor de sílica, como são os nossos de Moncorvo e como são os da Checoslováquia, a que se refere o trabalho editado pelas Nações Unidas que tive a curiosidade de ler.
E anote-se também que os nossos minérios de Moncorvo são muito mais ricos em ferro do que. os minérios daquele país, pois, enquanto o minério checoslovaco tem um teor de ferro de 28 por cento, o de Moncorvo possui um teor de 40 a 50 por cento, o que reduz o desenvolvimento das poeiras consideravelmente, que é um dos três inconvenientes apontados nesse estudo, e diminui ainda os cultos de produção, por ser maior a quantidade de ferro obtida com os nossos minérios, quase com o dobro da riqueza em ferro, o que constitui o terceiro dos inconvenientes também ali anotados.
E é curioso fazer este apontamento:
No ano em curso a produção na Checoslováquia foi de :
Milhões de toneladas
Carvão .............................................................. 21,5
Coque ............................................................... 6,15
Gusa ................................................................ 2,8
Aço ................................................................. 4,6
Isto é produzia mais 1 800 000 t de aço do que de gusa. Este excedente proveio do processo Renn. E porque será que a Checoslováquia, país com produção nacional de coque está hoje, depois de treze anos de experiência com o forno Krupp-Renn, a ampliar as suas, instalações deste tipo?
Porque havemos de hesitar nós, que não dispomos de 1 g de coque?
Ficamos á espera da última moda?
Pois então podemos esperar eternamente, porque o progresso não pára e a última palavra não sei se chegará algum dia.
Mas observar-nos-a ainda a empresa: nós não temos as sucatas precisas para a fusão das lupas obtidas pelo Renn.
Por mim, não sei se as temos todas ou se as não temos, porque nem a empresa, afirmando-o, nem o despacho concordando, forneceram elementos seguros para se lhes calcular as existências.
Sabe-se apenas que grandes quantidades saem do País por vias legais e até ilegais.
Mas, se as não temos na totalidade de que se carece, temos no entanto as precisas para se iniciar e ir desenvolvendo o processo.
Em resumo: sincronizando os dois processos, eléctrico e Renn, teríamos desde logo um volume de produção inicial aceitável, sem se renunciar à autarquia e sem receio de comprometer o futuro da indústria, satisfazendo um legítimo anseio nacional. Convém experimentar antes de nos lançarmos ao empreendimento. Não somos tão ricos que possamos jogar na aventura de semear siderurgias por esse. país fora, como a Empresa projecta.
Sr. Presidente: a empresa bateu-se sempre pela localização em Alcochete. Compreende-se perfeitamente, e em toda a sua extensão, o seu interesse.
O parecer do Conselho Superior s até as opiniões do ilustre titular da pasta da Economia pareciam dar-nos a indicação bastante clara da localização no Norte do Pais, pelo menos na parte referente à electro-siderurgia.
(Conf. De 22 de Março e 8 de Maio de 1956, no Diário da Manhã).
0 despacho de 15 de Agosto último foi uma tremenda - decepção para o Norte e mais concretamente para o Nordeste do País, de desastrosos efeitos políticos.
Mas terá razão de ser esta inopinada e brusca resolução? Vejamos:
A época da grande concentração das indústrias já passou.
São conhecidos os seus inconvenientes de ordem económica. social, sanitária e até militar. Estudos realizados nos grandes países industriais levaram a essa descoberta. E hoje, nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Alemanha e. na França, entende-se que no sistema de distribuição industrial contemporâneo a desconcentração da indústrias é o regime mais conveniente.
O nivelamento das economias das populações, pela elevação do nível da viria das regiões subdesenvolvidas é uma das preocupações que dominam as actividades dos governos.
Entre nós fala-se muito nisso, mas pouca gente se dispõe a pô-lo em prática. A associação da indústria à lavoura é um imperativo social da hora que passa e no
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País a mu is fácil e talvez a melhor maneira de incentivar o desenvolvimento com rapidez, porque não só repara desigualdades de rendimento, mas promove lima mais viva coesão nacional, tornando mais fortes os laços de solidariedade que devem existir entre os seus habitantes.
Os distritos do Porto e de Setúbal, para só, por enquanto, me referir a estes dois, unia vez que a empresa os transforma em centros de siderurgia nacional, são zonas fortemente industrializadas.
No primeiro é de 38,9 a percentagem da sua população activa que se emprega na indústria; no segundo essa percentagem é de 33,2 por cento.
Nos distritos de Bragança, Vila Real e. Guarda essas percentagens não vão além, respectivamente, de 9,5, 9,8 e 14 por cento.
O confronto destes números é simplesmente gritante.
Vão avolumar-se ainda mais estas desigualdades?
Será isto justo?
O gigantismo industrial oferece os maiores riscos, mormente quando integrado nos quadros dos grandes aglomerados. Não é segredo para ninguém que existe uma relação estreita entre o desemprego e a concentração urbana. Vamos, para satisfazer a empresa, fomentar o primeiro e aumentar a« tendências de fuga para os grandes centros?
Conhece-se a permanente insatisfação das grandes massas operárias e a sua vulnerabilidade ao germe dissolvente ou revolucionário.
Não se receia o fenómeno, mesmo sabendo-se que entre nós a manutenção da ordem no Barreiro custa ao Estado uma importância largamente superior à despendida para o mesmo fim em qualquer outro ponto o País?
Do ponto de vista militar, será porventura aconselhável montar ainda mais indústrias, e uma indústria-base como a do ferro, em qualquer das margens do Tejo, para as ter concentradas ali, por forma a facilitar a tarefa de um possível inimigo, que, de um só golpe, as pode destruir a todas?
Sr. Presidente: para quem como nós defende o primado da justiça social, o elemento humano tem ou deveria ter o lugar predominante.
E no planejamento industrial julga-se que a Administração não poderá esquecer este princípio, em obséquio a quaisquer interesses.
E o Nordeste do País, neste caso, foi lamentavelmente esquecido.
Nos distritos de Bragança, Vila Real e Guarda os saldos fisiológicos são da ordem seguinte, respectivamente: -1830, 5353 e 3845, muito maiores qualquer deles que o de Setúbal que é apenas de 3048 e tem, no entanto, uma população superior. Isto em valor absoluto, porque em valor relativo, são até superiores ao do Porto, que é de 10 793.
Tanto o distrito do Porto como o de Setúbal absorvem, em grande parte, os seus acréscimos populacionais, o que não acontece com os distritos do Nordeste, que, pelo baixíssimo nível de vida em que vegetam, se vêem obrigados a manter uma corrente de emigração caudalosa, que chega a atingir, em Bragança, a cifra astronómica de 74,76 por cento desses excedentes!
Sr. Presidente: são bem conhecidas as regras a que deve obedecer a localização de uma indústria. Entre elas avultam, por fundamentais, a proximidade das fontes das matérias-primas, da energia e da mão-de-obra.
Estas situam-se, na sua quase totalidade, no Nordeste do País.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - No caso da siderurgia, estilo ali os maiores jazigos de minério: Moncorvo, Guadramil, Vila Cova; fartas reservas de magníficas castinas: Macedo de Cavaleiros, Vimioso, Campeã e outras; e na bacia do Douro, a curta distância, as antracites do Pejão e de S. Pedro da Cova; no Douro internacional e nacional, o maior potencial de energia eléctrica do País.
E se a tudo isto se juntarem as facilidades do abastecimento da água indispensável à laboração da indústria, que aqui não representa uma simples hipótese de possível admissão, mas uma insofismável realidade; se lhe adicionarmos ainda as possibilidades de recrutamento de mão-de-obra inteligente e disciplinada, abundante e barata, teremos reunido quase todo o conjunto de condições ideais de uma óptima localização industrial.
Mas dir-se-á, com a empresa, que a linha do Douro não garante os transportes necessários para o funcionamento da indústria no desprezado Nordeste. O argumento improcede pela simples razão de que quem pode o mais, pode o menos.
Se essa linha tem de suportar o transporte de centenas de milhares de toneladas de minério, para a indústria e para a exportação, até ao Porto, muito mais facilmente suportará o peso de tonelagens inferiores, do Porto para o Nordeste.
Só o minério de Moncorvo, com o volume extraordinário das suas reservas, pode assegurar o futuro da indústria e, a não ser reduzido na região, teria de ser transportado para o Noroeste, com destino a Leixões ou ao Sul.
Esse transporte em bruto teria de ser 60 a 50 por cento mais volumoso e mais pesado do que o do metal fabricado na região. O aproveitamento das escórias para cimento em nada altera a situação. Em qualquer dos casos elas terão de ser transportadas, ou conjuntamente com o minério ou separadas deste pela redução prévia. Além do encargo financeiro, impossível de determinar neste momento, resultante da diferença em peso e volume entre os materiais que seria necessário importar para o Nordeste e o transporte daqui para o Noroeste e Sul, decerto a pesar a favor do Nordeste, há que ter em conta que, seja qual for o processo adoptado para a redução do minério, a empresa não pode dispensar o consumo de energia eléctrica e esta tinha de ser levada a 500 km para o Sul e a 200 km para o Oeste.
O transporte de energia ocasionaria perdas, e estas não poderão ser inferiores a 10 por cento.
Ora, sendo o consumo total de energia eléctrica, segundo os cálculos da empresa, de 400 milhões de kilowatts, elas nunca poderiam ser inferiores a 40 milhões de kilowatts. ou seja qualquer coisa como a energia necessária para o abastecimento da cidade de Coimbra.
Esta simples anotação elucida quanto à incidência dessas perdas no custo da produção.
Mas poderia acontecer que se desse a saturação das linhas existentes com o transporte de tal volume de energia, e então resultaria a necessidade da construção de linhas privativas pura assegurar o abastecimento requerido.
E a construção destas linhas exigiria o dispêndio de uma importância superior a 200 000 contos.
Sr. Presidente: a solução preconizada pela empresa parece não ter agradado a ninguém.
Não agradou a Setúbal, que preferia ver instalada a indústria na península de Mitrena.
Não parece que tenha agradado a Álcochete, que não mostrou interesse em a ver localizada ali, como não parece que sorria a Matosinhos e ao Porto, porque traz mais inconvenientes do que vantagens.
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Quanto a Alcochete:
Na zona onde a empresa pretende instalar a industria funcionam três das maiores secas de bacalhau do País, que ali secam anualmente cerca de 350 000 quintais de bacalhau e cujas instalações devem valer para cima de 70 000 contos (S. N. A. B. P. E. C. A. L. e Bacalhau de Portugal).
A localizar-se naquela zona a siderurgia, terão elas de abandonar o local e até o porto de Lisboa, que ó o seu podo de armamento, porque não existem nele outros sítios para onde se possam transferir.
Vai-se destruir numa indústria, e desta importância para o abastecimento público, a pretexto de se montar uma outra ?
Mas há mais ainda:
No local existem as afamadas salinas de Alcochete. Estas teriam de desaparecer por causa das poeiras e maus cheiros.
Destroem-se também?
Na região floresce uma outra industria importante- a da prepararão das carnes.
Acaba-se com ela?
No vale da Figueira, em Alcochete ha muitas dezenas de pequenos proprietários de economia equilibrada, cujos prédios terão de ser expropriados pela empresa.
O que vai suceder a toda esta gente - á que vive á custa das secas, da extracção do sal, da preparação das carnes e do granjeio da terra?
Mais ainda: na região de Alcochete vivem mais de 33 000 almas (33751).
E a saúde e a vida desta gente não merecerá cuidados idênticos aos da população de Lisboa, que se garante não vem a ser prejudicada com a localização em Alcochete, do que duvido muito.
E poderia ficar-me, por aqui.
Mas julgo necessário acrescentar ainda mais alguma coisa.
Sr. Presidente: para a escolha da localização, a empresa, como se viu, argumenta com a, necessidade de se obter o mais baixo custo de produção, intenção que não me cansarei de aplaudir.
Parece-me ter demonstrado que a escolha que fez compromete esse objectivo.
Em reforço do que levo dito, posso acrescentar qua o local por ela escolhido não oferece condições favoráveis para a carga e descarga dos materiais a utilizar no fabrico, entre eles o coque.
O Tejo naquele ponto não tem os fundos necessários, pelo que não permite a acostagem dos barcos que os transportem.
Tanto assim que os bacalhoeiros das três empresas a que já fiz referência ficam a 3 km ou 4 km da margem, vendo-se na necessidade de efectuar a descarga do bacalhau para batelões, que o levam para terra.
Teria, portanto, a empresa de proceder a custosas, dragagens para obter esses fundos, trabalhos que os ventos dominantes constantemente prejudicariam.
E esta simples circunstância não vem favorecer a pretensão de um baixo custo de produção: agrava-a.
Acresce, para a prejudicar ainda mais, que o terreno ali não abunda para a prevista transformação da zona em centro industrial.
E a estas dificuldades juntam-se ainda as que resultam da natureza do terreno para efeitos de construção e a inexistência nas proximidades dos materiais precisos para a mesma.
A anunciada localização de uma parte da indústria nas vizinhanças de Leixões também parece que n à o seduz nem Matosinhos nem o Porto, dois grandes centros populacionais.
Matosinhos veria prejudicadas pelas poeiras e cheiros resultantes da laboração dos fornos as nas indústrias vitais de pesou e. sobretudo, de conserva- e a frequência das praias próximas.
No Porto aconteceria a mesma coisa. E nenhum deles se esquece dos inconvenientes de natureza higiénica e sanitária que trouxe a Lisboa, a Sacor e à região de Aveiro a Celulose.
Não desejam certamente sofrer as consequências de uma má localização industrial. A experiência alheia deve servir de lição. Lá fora põe-se hoje com acuidade este problema em virtude de erros de localização: ou apagar os tornos ou transferir as populações atingidas algumas das quais com 250 000 almas.
Nos países da Benelux vai proceder-se à montagem de novas indústrias siderúrgicas. No interesse dos países que a compõem, entendeu-se deverem localizar-se junto ao mar. A Bélgica, na defesa das suas praias, recusa-se a dar-lhes guarida e será a Holanda que as receberá, mas colocando-as em zonas em que não afectem a saúde das suas populações. A empresa parece não compreender estas razões e teima em colocar as suas instalações junto dos grandes aglomerados nacionais.
Sr. Presidente: vou concluir. Já por de mais abusei da, benevolência da Assembleia, do que peco muitas desculpas.
Mas o problema tratado é de importância nacional, convindo por isso resolvê-lo em obediência a este imperativo.
Não vá acontecer que «um emprego defeituoso dos recursos nacionais viole os princípios essenciais do planejamento industrial» e prejudique simultaneamente a vida e a saúde públicas, levando por um lado ao insucesso do empreendimento e pelo outro ao comprometimento da aspiração da vida melhor para a nossa gente, tanto económica como sanitária.
A natureza colocou no Nordeste do País os meios necessários para a sua transformação material e social.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Aproveitemo-los.
E é ela que nos indica a melhor localização para este aproveitamento.
Respeitemos-lhe a vontade que prestaremos com esta atitude um alto serviço á região do Nordeste, contribuindo simultaneamente para o progresso e bem-estar da Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem. muito bem!
O orador fui muito cumprimentado.
O Sr. Furtado de Mendonça: - Sr. Presidente: ao dar o meu voto na generalidade ao projecto de proposta de lei em discussão desejo fazer umas breves considerações, embora já pouco possa acrescentar ao muito que foi dito pelos ilustres colegas que me precederam.
Da leitura do valioso relatório que o Sr. Ministro das Finanças houve por bem fornecer com este projecto fica-se com a impressão de que infelizmente, parece. impossível evitar que os nossos planos sofram da orientação dada aos planismos de ordem internacional, e daí a intervenção cada vez mais acentuada do Estado no dirigismo económico e social.
É, pois, evidente u responsabilidade cada vez maior do Governo na solução dos problemas que tal dirigismo suscita. Possa ele, com n ajuda de Deus, dedicar-se em paz e sossego a tamanha tarefa, com os olhos postos no bem comum dos Portugueses, são os votos que formulo.
Dado que estão ainda em execução planos já aprovados em anos anteriores, como o chamado «Plano dos
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Centenários», o «Plano de Fomento», o de «Repovoamento Florestal», o «Rodoviário», etc., além dos compromissos militares, poucas disponibilidades restam para fazer face às necessidades de investimentos não abrangidos por aqueles planos e leis preexistentes, embora as necessidades ou despesas variáveis que conviria satisfazer anualmente sejam muitas.
Que tais necessidades suo inúmeras e dia a dia mais prementes, algumas delas inadiáveis, sabe-o o Governo através dos inquéritos e relatórios feitos pelos seus serviços, através da imprensa e outras vias, através rios doutos pareceres da Câmara Corporativa e das intervenções dos ilustres colegas desta alta Assembleia, legítimo porta-voz das aspirações dos povos.
São elas tantas e tantas e avolumam-se de tal sorte que ou o Governo se decide a fazer-lhes face, utilizando outras fontes de receita, ou a marcha do progresso terá de ser demasiado lenta.
Felizmente, a situação financeira continua de molde a permitir recorrer ao crédito em maior escala, visto os encargos inerentes poderem ser cobertos pelos avultados saldos entre as receitas ordinárias e as despesas da mesma natureza verificados em anos sucessivos.
Se, como se diz no relatório, o desenvolvimento económico do País é preocupação dominante do Governo, há que imprimir-lhe uni impulso tanto mais vigoroso quanto terá de elevar o padrão de vida de uma população em crescimento constante e evitar que para melhorar a sua sorte procure emigrar para o estrangeiro, quando temos um vasto império a valorizar.
A tarefa da reconstituição económica do País. a que a geração do 28 de Maio se votou, tem sido árdua, visto faltarem-lhe, no início, capitais, energia e técnicos à altura dos empreendimentos ou dos seus estudos e execução, aliás dificultada ainda pela escassez de operários especializados. Mas, se a tarefa é árdua para o Governo, não o é menos para a iniciativa particular. A esta não basta produzir; torna-se-lhe também necessário conquistar mercados, e para tanto a qualidade e o preço dos produtos terão de se harmonizar com as suas exigências, isto é, com as exigências não só dos mercados internos como dos externos.
Sem isso não será possível aspirar a um acréscimo de volume e variedade das trocas internacionais e continuará a manter-se a situação precária da nossa balança comercial, agravada por regimes de verdadeiro dumping, sem falar nas perspectivas do anunciado «mercado livre» ou «mercado comum» ou «união aduaneira», que pressupõem «poderes supranacionais» e visam a «unificações políticas», como é referido no relatório da proposta. Incumbe ao Estado Português fomentar, através do seu vasto campo de acção, o maior incremento da produção, mas deixando à iniciativa particular o que lhe deve pertencer, sem espírito de socialização ou e colectivismo, visto que, nos termos do' Estatuto do Trabalho Nacional, «o Estado reconhece na iniciativa privada o mais fecundo instrumento do progresso e da economia da Nação».
No mesmo estatuto se declara que o Estado deve renunciar a explorações de carácter comercial ou industrial, só podendo estabelecê-las ou geri-las em casos excepcionais e intervir directamente na gerência das actividades privadas quando haja de financiá-las.
Sr. Presidente: são hoje inúmeras as empresas onde o Estado é sócio, como qualquer capitalista, já quase esquecido de que não deve ser industrial nem comerciante.
Ora, se de início, para dar o primeiro impulso a essas empresas, foi necessária a sua presença, sem a qual o empreendimento não seria viável, entende-se que deva retirar-se ou ceder as suas posições a particulares logo que estes o possam substituir.
Desta forma o Estado manter-se-ia na sua função essencialmente política e passaria a dispor desses seus capitais disponíveis para aperfeiçoar os seus próprios serviços, aumentar a sua eficiência ou impulsionar outros sectores e não assistiríamos a tantas críticas lançadas sobre o «Estado capitalista» nem encontraríamos tão vultosos fundos particulares estagnados nos bancos.
Do relatório deduz-se que no meio das incertezas que pairam no horizonte temos a consciência de quanto é urgente proceder a um melhor aproveitamento dos recursos nacionais, do quanto o Estado pode fazer para fomentar o desenvolvimento das nossas riquezas latentes, da nossa produtividade, de quanto há a esperar da nossa colaboração na utilização pacífica da energia nuclear e quão prometedor é o novo Plano de Fomento, em preparação.
Nesse relatório lê-se:
O círculo vicioso que sempre se fornia em torno das economias atrasadas havemos de quebrá-lo pela intensificação do investimento, pois é u escassez do capital, relativa mente à mão-de-obra, que se deve, fundamentalmente, a fraca produtividade do trabalho nacional.
Por outro lado, a Câmara Corporativa também nos elucida no seu valioso parecer:
Os diferentes indicadores que traduzem a evolução do nosso comércio externo proclamam a necessidade de activar o fomento da produção, em particular da que mais rápida influência possa ter nu balança de pagamento», pois só assim a acção económica, libertando-se do espectro paralisante do desequilíbrio, poderá conduzir a uma mais ampla satisfação das necessidades.
E mais adiante:
Mas a vontade reformadora não pode construir no vácuo: é preciso que ela utilize forço» e recursos realmente existentes. Equivale isto a dizer que a - natureza do programa, sua amplitude e ritmo devem condicionar-se sempre as possibilidades do meio.
E esclarece:
A boa organização do desenvolvimento económico depende essencialmente do equilíbrio de três sectores da economia: a agricultura, a indústria secundária e os serviços e instalações de interesse comum.
Por isso o Plano de Fomento em execução deu preferência a uma determinada industrialização do País, e já se reconhece que é chegado o momento de impulsionar a agricultura, sem esquecer que, utilizando ela 50 por cento da mão-de-obra do Pais, a sua produção terá de aumentar, reduzindo, simultânea e progressivamente, a mão-de-obra, que, por sua vez, terá de ser absorvida por uma industrialização mais desenvolvida.
Acresce que, se considerarmos as vastas possibilidades das nossas províncias ultramarinas e a sua coordenação com a economia da metrópole, podemos encontrar aí solução para muitos dos nossos problemas e vislumbrar um horizonte mais desanuviado.
Importa, pois, manter um justo equilíbrio, fomentar a expansão paralela de actividades interdependentes, tendo em atenção que da organização corporativa, baseada na coordenação e harmonia de interesses, também muito se pode e deve esperar.
Mas importa ainda canalizar os capitais públicos e particulares de preferência para investimentos repro-
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dutivos, sem descurar e intensificar a educação profissional, em ordem a permitir um eficaz aumento da capacidade produtiva.
É com vistas ao reforço desta política que o Governo, segundo se verifica da sua proposta, mantendo-se fiel à obrigação constitucional de garantir o equilíbrio das contas do Estado e sem agravar a carga fiscal dos contribuintes, sem diminuir, mas antes aperfeiçoar, a defesa da saúde pública, se propõe intensificar determinados investimentos, sem prejuízo da conclusão das obras em curso, assim como ampliar a assistência técnica à lavoura.
E, assim, s consolador constatar que no capítulo de investimentos públicos se especifica na alínea b) do artigo 13.º o propósito de cuidar dum modo especial do «reapetrechamento de escolas e Universidades» e no artigo 14.º se prevê a cobertura, da despesa a fazer com a execução do plano do seu reapetrechamento em material didáctico e laboratorial.
Ao muito que há a esperar dos efeitos deste artigo só referiu o prestigioso Ministro da Educação Nacional quando recebeu no seu gabinete o corpo docente da Escola Superior de Medicina Veterinária, que lhe foi agradecer o diploma da reforma do respectivo ensino, e, além de outras coisas, disse, reportando-se a este artigo da proposta:
Este pequeno artigo, tão ligeiro que passa despercebido às justas referências feitas ao notável documento, é, simplesmente, revolucionário.
Considero-o como uma das mais profundas iniciativas da actual situação política, destinada ao mais longo repercurso na preparação do escol e dos técnicos superiores.
Sr. Presidente: ao ver a atenção com que o Governo vai acudir às necessidades dos liceus e Universidades, escolas técnicas e institutos, fica-me a mágoa de sentir que não se acode de igual modo ao grave problema das escolas primárias - base de todo o ensino -, problema com que se debatem as câmaras municipais de fracos recursos e tanto mais complicado quanto muitas delas se encontram impossibilitadas de suportar os encargos que lhes cabem na execução do Plano dos Centenários, como já aqui acentuei.
Desta tribuna apelo para o Governo para que também encare este problema por forma decisiva.
Quanto à lavoura, está ela de parabéns pela redacção do artigo 16.º da proposta e pela certeza que nos deixa o seu relatório de que e vai cuidar a sério do assunto, com vistas a melhorar a produtividade agrícola, pois ali se afirma haver-se tomado «consciência da imperiosa necessidade de acelerar o ritmo de recuperação do atraso em que nos encontramos».
Mas acrescenta-se:
A solução do problema da nossa economia agrícola não pode, evidentemente, tentar-se à margem do esquema traçado para uma expansão equilibrada da economia geral. Tem por isso, de aguardar a verificação de certas condições em sectores que lhe são estranhos.
Apesar disso, a correcção de muitos dos aspectos fundamentais do problema poderá prosseguir e a ritmo mais rápido. A dimensão média da propriedade e o atraso da técnica são dois desses aspectos. Quanto a este último, já na presente Lei de Meios se anuncia um passo decisivo para a sua solução, na medida em que- esta depende do Estado - a melhoria da qualidade e do volume da assistência técnica oferecida à lavoura.
A hora vai adiantada e por isso tenho de ser breve, de contrário seria tentado a recordar mais algumas paisagens desta matéria, tão elucidativaas elas são, mas sempre destacarei este passo:
A técnica agrícola, por exemplo, não basta que a dominem os peritos dos serviços; só será útil quando levada até junto dos agricultores em termos que estes n possam entender e aplicar.
Acrescentarei ainda que urge dar à Direcção-Geral dos Serviços Pecuários também os meios necessários à maior eficiência dos serviços.
Finalmente, não quero terminar sem solicitar do Governo, quanto à política rural, um reforço de verbas destinadas à melhoria das condições de vida dos aglomerados rurais, tão carecidos estão de fontanários, electricidade, estradas e caminhos, et c., em grande parte a cargo das câmaras, que. como se sabe, na Mia quase totalidade não dispõem de recursos e quanto mais fraca for a sua capacidade orçamental mais impossibilitadas estão de realizar aqueles melhoramentos, quer em regime de comparticipação do Estado quer com o auxílio de empréstimos.
De resto, se é certo que os auxílios prestados às câmaras através daquelas comparticipações merecem o seu reconhecimento, também é certo que estes corpos administrativos suportam avultados encargos que deviam pertencer ao Estado, como sejam os relativos ao fornecimento de instalações para as conservatória» dos registos civil e predial, pura as tesourarias da Fazenda Pública, para os tribunais e suas secretarias judiciais, postos da Guarda Nacional Republicana, escolas, etc., sem talar nos novos encargos da assistência e de internamento obrigatório de doentes pobres, que exigem verbas cada vez mais elevadas.
A situação financeira de muitas câmaras rurais é verdadeiramente aflitiva e inibe-as de realizar os melhoramentos mais urgentes, quando em boa verdade, a par da política de fomento agrícola, se impõe a da intensificação dos chamados melhoramentos rurais.
O problema reveste-se de muitos aspectos, que o Governo bem conhece: acentua as desigualdades de desenvolvimento económico e de nível de vida. a tendência para o urbanismo, a fuga para os grandes aglomerados industriais, o absentismo rural, o êxodo para as grandes cidades - tudo expressões que se topam 110 relatório da proposta.
Para terminar, insisto no reforço da política rural, até porque, Sr. Presidente, ela interessa à política geral, à boa escolha das autoridades locais: não basta que os camponeses, sem exigências, se mantenham ligados à terra, indiferentes ao progresso; é necessário que os seus chefes, as elites rurais se sujeitem a permanecer aí. pois, se a terra precisa de trabalhadores para a revolverem e cultivarem, também estes precisam de chefes para os proteger, guiar e organizar, como dizia em França certo orador quando observava:
Todas as medidas destinadas a repovoar as aldeias ficarão letra morta se os membros das classes mu U elevadas, se os ricos proprietários do solo não começarem por dar aos outros o exemplo da fidelidade à terra e não consentirem em retomar no seio das nossas povoações rurais o lugar e o papel que nunca deveriam ter abandonado.
E continuava:
O que a terra precisa não é simplesmente de engenheiros competentes, mas de chefes, verdadeiros guias; e, portanto, não é de cérebros, mesmo sabiamente cultivados, não é de braços,
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mesmo suficientemente treinados, mus, mais ainda, de caracteres e de corações ...
... de almas que se amarrem à terra como o espírito se liça u carne, para formar corpo com ela e transmitir-lhe as suas energias espirituais ...
... de almas; com vontade forte, disciplinada, habituada a comandar-se a si própria e capaz, por conseguinte, de comandar as outras ...
Sr. Presidente: tio dar o meu voto não escondo uma ponta de receio; o receio de que, seduzidos pelos encantos dos planejamentos, tanto em voga hoje no mundo
- neste mundo de exageros de técnica, de tecnocracias e de materialismo -, sejamos também tentados, irresistivelmente, a adoptar na sua execução princípios que, desviando-nos do verdadeiro corporativismo, desprezam, certos valores imorais e tradicionais dignos do maior respeito, com fundamento em falsos conceitos do «bem comum», princípios estes que encaram os problemas apenas sob o aspecto económico e no final nos conduzem, insensivelmente, a ter de aceitar os daqueles mesmos que já pouco se importam com a integridade» das pátrias - a minha é Portugal; por ela, pela sua defesa, furei todos os sacrifícios.
Sejamos menos ricos, embora, mas ... Portugueses !
indiscutivelmente Portugueses!
Nós não discutimos a Pátria !
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Carlos Mantero: - Sr. Presidente: creio que a apreciação da Lei de Meios se não pode resumir a um debate sobre os méritos da proposta em si mesma, como simples autorização dada ao Governo para cobrar as receitas e fazer as despesas públicas, mas que é esta a ocasião de discutir a política económica e social do Governo, como ela se projecta e reflecte na sua política financeira.
A política económica e social por tal forma domina a vida dos estados modernos que a política financeira importa muito mais como instrumento daquela do que pelo seu significado puramente fiscal e administrativo. Não se trata apenas de expandir e melhorar os serviços dentro do equilíbrio das receitas e despesas.
O orçamento é parte do todo económico. A pressão das receitas públicas não deve prejudicar o crescimento económico e a elevação constante do nível de vida, antes deve estimulá-los, e a amplidão ou mesquinhez das despesas não devem afectar o equilíbrio económico em expansão, nem a sua euforia a balança de pagamentos.
O Estado não deve monopolizar através do seu orçamento financeiro e do seu orçamento económico o uso ou a cedência do crédito.
O orçamento deve ser um factor positivo de crescimento económico e pode ser um instrumento de justiça distributiva, na medida em que ela for exercida, não em obediência a princípios abstractos de ética, mas em subordinação n maior utilidade económica, aquela que conduz à expansão, ao enriquecimento geral e a elevação do nível de vida.
A política financeira inspira-se, assim, na política económica. De nada serve querer montar um estado gigantesco se a economia o não suportar, se a felicidade social estiver em jogo, se u nação política, o repelir.
É neste espírito que discutirei a proposta do Governo e farei alguns comentários ao magnífico relatório do Ministro.
Parece deduzir-se do relatório que o Governo pensa que a nossa expansão económica depende, em grande parte, da acção do Estado, porque o País económico abandonado a si próprio nada consegue fazer para sair do ponto morto em que se encontra. Ë um acto de coragem da parte do Governo chamar a si tamanha responsabilidade. Por mim, gostaria de não o sobrecarregar com tanto peso. Penso que a todos cabe a sua parte de iniciativa e responsabilidade no duro empreendimento da expansão e que o sucesso dependerá em larga medida da harmonia entre a acção do Estado e o esforço da iniciativa privada, sem pretenderem sobrepor-se um ao outro: a iniciativa não exigindo do Estado segurança e privilégios a todo o propósito, o Estado não subordinando a iniciativa à sua acção absorvente, para que, transformada em simples instrumento da sua política, se não perverta e desintegre definitivamente.
Entre nós, onde o Estado tem procurado transformar a economia numa economia mista fortemente comandada, o imposto é apenas um dos meios de que o Estado se serve para redistribuir os consumos e regular a formação e distribuição de capitais. Outros meios mais poderosos tem ele ao seu dispor na política do salário e dos preços, na política industrialista, na política comercial, na política migratória, na política ultramarina, na sua política de fomento.
Não pode fugir-se a certo equilíbrio natural comandado pela destruição dos estímulos à produção que n fiscalidade determina, entre a parte dos consumos públicos (do Estado) e a dos consumos particulares na partilha do rendimento nacional.
Os impostos, os próprios impostos directos, são um meio imperfeito e efémero de redistribuição dos consumos entre as actividades do Estado e as actividades particulares, ou entre os diversos sectores e a multidão das pessoas em que estes se desdobram. Os impostos sobre os salários e vencimentos acabam por ser neles incorporados por acréscimo e, tal como os impostos indirectos, elevam os custos, e, finalmente, os preços sempre que a produtividade não melhorar na proporção do agravamento fiscal e o volume da produção se não equilibrar com o acrescido poder de compra.
O imposto é assim um factor de deflação: faz subir os preços e simultaneamente reduz o poder de compra individual.
O imposto sobre o rendimento transforma-se em imposto sobre o capital na baixa dos valores que provoca, porque é a taxa de capitalização do mercado que comanda as cotações ou os preços dos bens de rendimento. Neste caso o imposto não logra penalizar senão os contribuintes existentes à data da sua primeira aplicação, reduzindo-lhes o rendimento e o capital simultaneamente. Constitui, assim, um factor de iníquas desigualdades.
No recente caso do agravamento do imposto complementar sobre os dividendos das acções ao portador não se realiza o objectivo de quebrar o impulso às concentrações, mas consegue-se penalizar mais as pequenas e médias fortunas do que os grandes capitais.
Talvez por ter reconhecido as limitações do imposto como instrumento de justiça económica, regulador dos consumos e da formação de capitais, é que o Estado tem procurado servir-se de outros meios de acção que lhe permitam intervir com mais eficácia na partilha do rendimento social entre os indivíduos e entre as espécies, entre o consumo e o capital, o bem-estar e o aumento de riqueza.
O salário é um poderoso meio de expansão económica. Por isso, a ele se recorre, elevando-o, quando ti produção ameaça exceder os consumos, ou refreando-o, quando os consumos a ultrapassam, abrindo o caminho à inflação. Procura-se, assim, numa melhor distribuição do rendimento social, manter em expansão a economia,
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com todas as suas consequências políticas e sociais: a paz pública, o pleno emprego, a elevação do nível de vida, a retracção ou o aceleramento na formação de novos capitais em busca do equilíbrio económico em expansão.
Entre nós, onde se verifica certa tendência orgânica à sobreprodução industrial, pela desproporção entre a capacidade produtora das indústrias e a capacidade do mercado, a política do salário ocupa um lugar primacial, ao lado da política dos preços.
A expansão do mercado cria as condições duma melhor produtividade, e, portanto, a possibilidade de preços mais baixos. Assim, a política do salário guarda em boa parte o segredo da expansão. Uma boa política de salários pode determinar uma cadeia de fenómenos que alimentem a expansão, que, partindo do acrescido poder de compra, se amplia com a produtividade melhorada .
A produtividade não poderá melhorar, porém, em todos os sectores por igual. Haverá sectores em que a produção aumentará sem que a produtividade melhore sensivelmente e haverá outros em que nem a produção nem a produtividade se modificarão substancialmente. Na construção civil, por exemplo.
Não seria, por isso, viável uma política de salários que se subordinasse a níveis gerais.
Por não poder realizar justiça igual para todos, atrasaria indefinidamente a expansão, expansão de que todos acabariam por beneficiar no aceleramento das actividades.
Se não nos orientarmos para uma política diferenciada por sectores e dificultarmos os aumentos nos sectores onde a produtividade é melhor e os índices de produção mais elevados ou onde situações monopolísticas se verifiquem, concentraremos a formação de novos capitais nesses sectores, estimulando, assim, a concentração da riqueza. A má política do salário pode conduzir a grandes iniquidades económicas.
Uma sã política de salários crescentes é, porém, inseparável de um mercado de consumo em progressiva diversificação. Só assim se evitará que o novo poder de compra pese sobre uma gama restrita de produtos essenciais, sobretudo alimentares, e se torne um factor inflacionista.
A política económica que dá prioridade às infra-estruturas nos países ou regiões mais ou menos subdesenvolvidos não constitui dogma. Como todas as generalizações, tem de ser submetida à dura prova das realidades.
Em Portugal, onde existe uma indústria de produtos de consumo de certa importância para o meio, não podemos sistematicamente sacrificá-la à preocupação e acumular capitais para as infra-estruturas, em detrimento dos consumos, como se se tratasse de uma região onde tudo estivesse por fazer e fosse necessário começar pelo princípio.
Parece-me que devemos pensar em pôr de pé o que já temos, promovendo a expansão produtora de bens de consumo através do aumento do salário até onde a balança de pagamentos o permita e à permanência da expansão convier. O nível de vida subirá e a formação de novos capitais será dispensada. Baixando a razão da sua formação (volume de novos capitais para volume dos consumos), faremos melhor justiça social e económica e afinal aceleraremos a formação de novos capitais.
A expansão posta em movimento reclama um forte afluxo de capitais novos a alimentá-la continuamente. Os progressos técnicos, o preço elevadíssimo da automatização e o envelhecimento rápido das máquinas electrónicas exigem imensos e constantes investimentos. Os investimentos industriais constituem hoje um grave problema, que se não resolve com a bolsa do Estado e requer um amplo mercado de capitais.
A amortização da máquina constitui um factor de crescente importância na composição dos custos de produção, ao mesmo tempo que baixa a posição do salário, com a substituição progressiva das grandes massas proletárias por uma elite crescente de especialistas.
O papel do capital e dos incentivos empresariais à produção é fundamental numa economia em expansão, e, portanto, no pleno emprego e na elevação do nível de vida. Quer se queira, quer não, a economia moderna é uma economia capitalista, quer se trate do capitalismo democrático do Ocidente, do capitalismo totalitário do Oriente, ou ainda do capitalismo misto de outras zonas. São os factos a comandar e perverter as doutrinas. O capitalismo pode até não ser liberal. O comunismo pode até não ser colectivista.
O comando da economia repousa, em última análise, no mercado, mercado no seu sentido mais amplo, universal, que abarca todos os valores. Mas havemos de cingir-nos, neste ligeiro esboço à margem do relatório do Ministro, aos mercados de bens e de capitais, ao mercado nacional, ao mercado comum europeu e, finalmente, ao mercado internacional.
Não creio que o mercado nacional seja constituído por uma série de regiões complementares umas das outras, se com isto se quiser significar qualquer coisa de diverso da complementaridade verificada entre todos os mercados em toda a parte. As trocas entre o ultramar e a metrópole não serão, porventura, mais importantes do que as que se duo entre a zona industrial do Porto e a zona industrial de Lisboa ou entre o ultramar e o estrangeiro. Todas essas trocas são complementares, porque todas elas satisfazem as necessidades recíprocas. Cada território importa o que necessita e exporta aquilo de que não carece.
Parece-me que haveria vantagem em afastar a ideia de que o comércio internacional tem de ser complementar, porque essa ideia pode atravessar-se no caminho da unificação do mercado nacional. Não vejo porque no ultramar se não possam um dia produzir e exportar para a metrópole artigos similares aos que aqui suo produzidos, beneficiando do mercado único nacional, tal como os fabricantes de ferragens ou de tecidos do Norte e do Sul vendem os seus produtos indiscriminadamente em qualquer região da metrópole.
A ideia de mercado único implica a livre concorrência de todos os produtores nacionais em qualquer parte dos nossos territórios, libertos de todas as peias à livre circulação de bens. Não pode conceber-se de outra forma o mercado único nacional.
Bem sei que isto pode trazer consigo problemas de transferência, enquanto se não alterar o sistema bancário e monetário português, e problemas orçamentais, enquanto se não modificar o sistema fiscal do ultramar. Por isso, o mercado único nacional tem de esperar por essas reformas, que farão protelar o que é urgente efectivar.
Mas não basta unificar o mercado nacional, é preciso integrá-lo em todos os seus elementos humanos.
Parece-me perigoso subordinar o desenvolvimento do ultramar às necessidades da metrópole. É o mercado que comanda o sentido do desenvolvimento económico, volume de produtos de que podemos abastecer-nos no ultramar é limitado, como limitado é o mercado interno das diversas parcelas dos nossos territórios. O mercado que comanda e assegura a expansão económica do ultramar é o mercado internacional. Nesta altura do desenvolvimento nacional, a nossa capacidade de produzir no ultramar é muito superior à nossa capacidade de consumir a produção ultramarina. Será
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assim enquanto o poder de consumo nacional se não impuser pela intensidade do povoamento africano e pelo avanço da integração. Só então poderá o mercado nacional comandar o desenvolvimento ultramarino.
O povoamento é o factor mais eficaz da integração ultramarina. O povoamento apoia-se essencialmente no desenvolvimento dos serviços e das indústrias, nu multiplicação das explorações agrícolas industrializadas, que requerem elevada técnica e amplos quadros, e na mineração. A integração será também obra espiritual na propagação da nossa cultura, que o próprio povoamento assegura. A convivência é uma força de atracção mais poderosa do que a escola. O nativo deve encontrar-nos em toda a parte e em todo o momento.
E assim o mercado único nacional será obra do tempo, obra que urge no tempo que corre. A ninguém escapam as implicações políticas e económicas que envolve. A sua efectivação será o teste da nossa capacidade de enfrentar as realidades, de planear com acerto e executar com brevidade.
No mercado único nacional, no seu funcionamento eficiente em concorrência, está o segredo da nossa expansão. Sem concorrência não há mercado amplo e sem mercado amplo não há expansão produtora. O mercado mede-se pelo número de habitantes multiplicado pelo poder de compra individual e é tanto mais expansivo quanto maior for a área geográfica útil, mais avultadas as riquezas naturais que possui em reserva, mais divulgada e progressiva a técnica. E o manancial de consumo em potência a alimentar a expansão.
Mas é preciso ser-se realista, avaliar no seu justo valor o mercado único nacional e pensar que não teremos senão alguns anos diante de nós para agir em função deste mercado restrito e que o futuro próximo nos reserva um amplo mercado comum a todos os europeus livres, e que esse mercado será o maior mercado interno do inundo atlântico, com mais de 250 milhões de habitantes. É nesse mercado comum que teremos de viver e prosperar. Toda a produção que pudermos fazer em concorrência terá diante de si um imensurável poder de expansão.
Parece-me que a nossa política económica há-de articular-se em função dessa aspiração europeia, que ou se efectiva ou se perderá a Europa, esmagada entre a era electrónica e a era atómica, entre os colossos de Leste e o colosso ocidental.
(Nesta altura assumiu a presidência o Sr. Deputado Augusto Cancella de Abreu).
Do mercado restrito da metrópole, dos mercados restritos de coda província, passamos, assim, pelo mercado único nacional, a caminho do mercado comum europeu, da zona europeia de comércio livre. O mercado único nacional fortalece a nossa posição na zona livre.
Que se pretende com o mercado comum europeu? Pretende-se a livre circulação das pessoas, dos capitais e das mercadorias, como factor de elevação do nível económico geral.
É claro que a nossa participação no mercado comum através da zona livre não pode deixar de ser condicionada pelas realidades do mercado único nacional. São dois sistemas que se ajustam e ampliam sem se confundirem.
Procura-se no mercado comum a diminuição progressiva dos direitos entre os países participantes, até à sua total extinção, e a constituição de uma pauta comum face ao exterior.
Suo de prever grandes deslocações económicas e a formação de vastas concentrações. O equilíbrio preexistente entre a indústria e a agricultura nos diversos países ameaça romper-se.
A redistribuição geográfica dos aglomerados industriais determinará movimentos consideráveis das populações, com o consequente desvio de consumidores de uns países ou regiões para outros e, portanto, a deslocação geográfica da mão-de-obra e do poder de compra.
A composição dos consumos modificar-se-á e, com eles, a das produções. Isto implicará a deslocação dos serviços e das actividades comerciais.
O desenvolvimento urbano tomará novo rumo.
Como se estruturará o comércio? Assistiremos ao recrudescer do dirigismo ou à revitalizarão do liberalismo?
Prevalecerá a sua actual estrutura? Iremos para fornias de integração vertical? Iremos para uma maior especialização no comércio grossista e no das matérias--primas? A diversificação e a concentração parecem inevitáveis.
Qual será a situação jurídica e fiscal das empresas comerciais em face do novo condicionalismo, da liberdade comercial instituída numa vasta área internacional?
O comércio deixa de estar coberto pelas fronteiras nacionais. O condicionalismo preexistente quebra-se, com todas as suas consequências no comércio de atacado e no retalho. O nível de preparação técnica e de organização das empresas comerciais, sobretudo no atacado, terá de subir consideràvelmente para se situar à altura dos problemas em mercado tão vasto e heterogéneo e ao nível das organizações concorrentes estrangeiras, todos operando em igualdade de direitos e de oportunidade no mesmo mercado comum.
Como harmonizar a legislação económica díspar dos vários países?
mercado comum é uma ideia ligada à ideia de concorrência activa. Como evitar o monopólio? Até que limites a concentração é recomendável, e em que altura deve cessar? Iremos, na Europa, para uma legislação comum anti-trust à maneira americana?
Será livre cada Estado de fixar as taxas dos serviços locais, correndo-se o risco de que certos Estados, no objectivo de proteger a produção nacional, estabeleçam taxas de favor?
Há ainda o problema das marcas e designações de origem, que são respeitadas diversamente. Há a legislação divergente sobre a circulação dos capitais. Há a desigualdade quase insuperável da pressão fiscal.
São outros tantos problemas que afectam o mercado comum na realização do seu objectivo supremo: concorrência activa em igualdade de condições para todos.
Prevê o relatório dos chefes de delegação reunidos em Bruxelas a constituição de um fundo de investimento, com um objectivo muito vasto, nomeadamente o de acudir à reconversão das empresas privadas e favorecer planos regionais de desenvolvimento agrícola. Seria lamentável que esse fundo pudesse vir a criar situações contrárias à igualdade de concorrência, favorecendo certas empresas ou certas regiões em detrimento de outras, ou que viesse a promover formas de concorrência dirigida das mais viciosas, contrárias à fluidez dos mercados e, portanto, do preço funcional.
Será conveniente ou simplesmente possível a Portugal ficar fora da zona livre? Se ficássemos fora a nossa capacidade de concorrência seria gravemente afectada no interior e exterior da zona, sobretudo em produtos similares, enquanto a dos produtores da zona nos nossos territórios se acresceria por efeito dos melhores índices de produtividade resultantes da expansão no novo mercado.
Aos produtores portugueses que puderem realizar custos concorrenciais o mercado comum abre amplos
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horizontes. A expansão iniciada em sectores particulares não deixaria de ter repercussões favoráveis no conjunto económico nacional.
Seja como for, a ideia do mercado comum está em marcha. É um passo em frente na mecânica da expansão económica da Europa e será imensa a sua contribuição para elevar o nível de vida geral. Apressando a integração económica e social da Europa Ocidental, contribuirá poderosamente para o sossego político do nosso atormentado continente, podendo prever-se que a sua influência se fará sentir para além do poder, como poderosa força de atracção do Ocidente sobre o Leste.
O mercado comum é um acontecimento revolucionário de transcendente significado na vida e no futuro da Europa. Elemento essencial da integração europeia no período continental em que historicamente entrámos, ele é também, apesar da extensão e magnitude dos problemas que envolve, a fase de mais fácil solução no longo processo da institucionalização da Europa una na pluralidade nacional das soberanias em que se desdobra. Ou seremos nós a construir a nova Europa, ou outros a construirão contra nós.
Sr. Presidente: atrevo-me a reter ainda a atenção da Câmara sobre o problema do comércio português e da sua formação.
Fala o Ministro no seu relatório das «deficiências da organização comercial privada» e do esforço do Estado para as remediar, criando «a organização e os meios monetários indispensáveis ao apoio das iniciativas do comércio em matéria de prospecção e conquista dos mercados externos», para logo se queixar de que não se vêem melhorar nem as características nem a estrutura da produção e do comércio de exportação, e. voltando às culpas do comércio (pobre comércio, responsável de todo o mal desta leira), insiste sobre a «necessidade de, a curto prazo, se corrigirem as deficiências da nossa organização comercial, em grande parte responsável pela colocação dos excedentes (da produção nacional) no estrangeiro». Confia o Ministro «desta correcção o rápido aumento da exportação» e a «possibilidade de nos abalançarmos à execução de um plano de fomento económico traçado à esvaía das necessidades do País».
Foca-se ainda no relatório, e muito a propósito, em como o bilateralismo, pondo nas mãos do Estado os meios de criar situações de troca cómodas e seguras e tão fortemente lucrativas quilo economicamente inconvenientes, deteriorou as qualidades de iniciativa do comerciante e o gosto do risco, sem os quais uma economia de mercado, uma economia em concorrência privada, não faz sentido, porque nega a sua utilidade social.
Poderia, com mais precisão, acrescentar-se ao comentário do Ministro que o bilateralismo abriu as portas do comércio a tutti quanti, a todo o fiel aventureiro que apareceu neste país dourado de comerciante, com o saco de veludo vermelho do peculato na mão a abrir-lhe o caminho, enquanto o comércio honesto se retraía, diminuído em face de processos que repele e de métodos comerciais que condena e se apartam da técnica dos mercados em activa concorrência em que se formara e que preconiza.
O bilateralismo é mais nina forma de concorrência desleal, como tantas outras que a ética comercial condena, que tende a afastar os bons para abrir caminho aos maus comerciantes.
Acusa-se o comércio de exportação, mais precisamente alguns sectores do comércio de exportação, de insuficiências deliberadas» a propósito das nossas exportações para 03 Estados Unidos, mas -Santo Deus ! - não é preciso descobrir esses sectores, mal definidos porém, para pé dar pelo atraso na generalidade dos sectores da actividade nacional, tão evidente ele é.
O atraso nas técnicas comerciais de sectores ligados ou não à exportação é parte cio complexo nacional, que profere a tranquilidade de velhos hábito» u agitação do espírito renovador.
Em certa altura estranhou-se que os nossos produtos ultramarinos se não encaminhassem em mais larga escala para os Estados Unidos e houve quem, sem conhecimento das intimidados desta especialidade, acusasse de incompetência os exportadores, esquecendo-se de que os exportadores vendem sempre no mercado que maiores preços paga, em igualdade de condições de pagamento e de transferência.
Muitas vezes os preços mais altos derivam do situações viciosas dos câmbios fixados oficialmente. Em Portugal o caso verificou-se frequentemente. O atraso em alinhar com outros países nas facilidades concedidas às operações multilaterais ou a morosidade que, por vezes, se verifica em dar-lhes andamento é causa de que estranhos beneficiem das oportunidades que essas operações oferecem.
No dia em que se restabelecer o mercado das moedas e a livre concorrência das divisas e todas as peias tiverem caído, os desvios que agora se verificam na disparidade dos preços entre os diversos mercados, motivados pelos obstáculos postes ao livre jogo da arbitragem em pelo dirigismo nus suas inoportunas aparições, cessarão as anormalidades e os vícios que agora causam reparos.
Por isso, quando o Governo se propõe «orientar os hábitos e as conveniências aparentes das actividades privadas», deveria confiar esse encargo à concorrência, assegurando-lhe condições de funcionamento que conduzam à elevação do nível técnico-financeiro das empresas, condições de concorrência que fechem o passo à incompetência, u imoralidade, à insuficiência financeira, mas que barrem também o caminho ã concorrência desleal, subordinando intransigentemente todos aos princípios da ética comercial, princípios que a experiência consagrou e que, ao nível de integração mundial que atingimos, já poderiam bem tomar expressão formal num código de ética comercial, em cujo estudo tem trabalhado activamente há anos um grupo de peritos, sol) o patrocínio de uma organização internacional de elevada categoria.
(Neste momento reassumiu a presidência o Sr. Deputado Albino Soares Pinto dos Reis Júnior).
O comércio andou sempre à frente nesta terra, até que o dirigismo lhe cortou o caminho. O comércio é muito positivo. A sua atenção não incide senão sobre os produtos que têm mercado.
No comércio externo só têm mercado os produtos que satisfazem necessidades e podem suportar a concorrência no preço, na qualidade, nos prazos de entrega, nas condições de pagamento e nas quantidades requeridas. As qualidades, os preços, os prazos de entrega, as quantidades requeridas, são atributos da produção.
O comércio constitui o mercado. Aceita os produtos quando estão em concorrência e movimenta-os, e já tem com isso muito que fazer. O que não pode é movimentar produtos que não existem senão na imaginação dos sonhadores de uma recomposição qualitativa da nossa exportação à base de produtos manufacturados, naturalmente de bens de consumo, porque são os menos exigentes em técnica industrial e investimentos, precisamente aqueles em que no Mundo existe notória sobre produção e, portanto, mais activa concorrência se verifica e cuja expansão depende, em larga medida, do conhecimento oportuno das necessidades, gostos e preferências dos consumidores, o que constitui um despartido para o produtor estrangeiro.
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Por isso, o comércio de exportação concentra o seu interesse nos produtos nacionais que mostram possuir condições de concorrência internacional. O comércio está atento ao desenvolvimento da produção nacional, porque é sobretudo no volume das transacções que assenta a sua prosperidade, tão reduzidas são as margens unitárias de benefício que o mercado lhe permite conservar para si nos produtos em activa concorrência.
Estas afirmações não significam que ignore as insuficiências técnico-financeiras de grande número de unidades do comércio. Parece, por isso, impor-se a sua reorganização ou reforma, que não será efectiva se não começar na fábrica e deverá incidir muito mais sobre a formação das unidades que o compõem do que sobre o sistema em si mesmo.
Para preservar as iniciativas e os estímulos humanos que as impusionam e animam, para preservar um mercado real, não poderemos tolher o livre acesso à actividade comercial, mas poderemos estabelecer as regras que o regem.
Não pode deixar de haver na constituição de novas unidades uma submissão a três factores essenciais: capacidade financeira adequada, competência técnica comprovada e instalações apropriadas para o exercício da especialidade.
Se- é fácil legislar a este propósito, bem mais difícil é tornar a lei realidade. Enquanto não existir o meio apropriado, como poderá desenvolver-se a espécie? Por isso não ganharemos nada em reformar no espaço e, sobretudo, em reformar um sector sem tudo reformar. Cuidado! Se formos lançados na voragem das organizações ciclópicas, em formas encobertas ou aparentes de monopólio, destruiremos simplesmente o mercado e o comerciante. Repito o que tantas vezes tenho dito: sem comerciantes não há comércio, nem mercado, nem renovação produtora, nem expansão económica sólida e duradoura.
O problema é essencialmente de instrução - instrução extensiva e intensiva em todas as camadas sociais, um vasto ensino de especialidades.
Não posso deixar de aplaudir calorosamente o Governo no propósito que manifesta de acelerar e aperfeiçoar o ensino técnico e o das especialidades. Não creio, porém, que o esforço do Estado, só por si, seja suficiente e verdadeiramente eficaz. Deveria ser suplementado pelo ensino em escolas patrocinadas pelas próprias actividades organizadas, que mais directo conhecimento têm das necessidades e, por isso, melhor podem ajustar es seus programas de ensino às modalidades novas que constantemente surgem no mundo dos especialistas e das especialidades, em activa renovação.
O problema é também o problema da formação de chefes, o grave problema da liderança. E aqui o papel da concorrência no mercado dos valores humanos, do valor pessoal, é sobrelevante.
Permita-me, Sr. Presidente, que, em nota final, diga ainda umas palavras sobre o aspecto mais 'característico da balança de pagamentos: a persistente contribuição das províncias ultramarinas para o equilíbrio das nossas contas internacionais.
O saldo favorável da balança de pagamentos do ultramar de 1948 a 1953, no montante de 8 247 000 contos, serviu para pagar o déficit de 8 183 000 contos da balança de pagamentos da metrópole no mesmo período.
A posição do ultramar como factor decisivo ma liquidação das nossas contas internacionais mais ainda se acentuou nos anos subsequentes, o que poderá verificar-se mais precisamente quando se tiver uma ideia do montante dos invisíveis daquela proveniência nos últimos três anos.
Por isso, é de fundamental importância para o equilíbrio da zona económica e monetária portuguesa que se mantenha a preponderância do mercado internacional no escoamento dos produtos ultramarinos. Na medida em que assim deixar de ser, irá secando a fonte onde se alimenta o nível de vida da metrópole.
Com efeito, são os invisíveis e o saldo do comércio ultramarino que tornam possível manter-se no continente o nível de vida que desfrutamos e que as exportações e os invisíveis da metrópole, só por si, não garantam. Não deve escapar-nos o significado político deste facto.
Muito haveria ainda a dizer sobre a nossa balança de pagamentos, sobre as razões da sua composição e as implicações económicas, sociais e políticas que dela resultam. Ficará para outra ocasião, porque o tempo urge.
Muito haveria também a dizer sobre a política agrária e a política migratória, sobre a política ultramarina e a política comercial, sobre a política de fomento e o mercado dos capitais, sobre a política dos preços e dos salários, sobre a política industrialista, sobre a diversificação da produção e os imperativos da produtividade.
Trata o Ministro de tudo isto e muito mais nas duzentas páginas do seu relatório, cheio de estímulos ao estudo do» problemas nacionais. Para estar à altura das questões postas e da elevação com que são versadas seria necessário um longo discurso. Desse perigo vos preservou o Regimento.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Não está mais nenhum orador inscrito para a discussão na generalidade, nem durante esta discussão foram suscitadas quaisquer questões que obstem ao prosseguimento da discussão na especialidade. Vai passar-se, pois, à discussão na especialidade, ficando já, para todos os efeitos, aprovada na generalidade a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1957.
Para a Mesa só foram enviadas duas propostas de alteração, relativamente aos artigos 9.º e 17.º da proposta de lei.
Vou pôr em discussão os artigos 1.º, 2.º e 3.º da proposta de lei, que vão ser lidos à Câmara.
Foram lidos.
O Sr. Presidente:-Estão em discussão.
Pausa.
Sr. Presidente: -Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vão votar-se.
Submetidos à votação, foram aprovados.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão os artigos 4.º, 5.º, 6.º, 7.º e 8.º, sobre os quais não há qualquer proposta de alteração.
Vão ser lidos.
Foram lidos. Pausa.
O Sr. Presidente:-Visto nenhum Sr. Deputado pedir a palavra, vão votar-se.
Submetidos à votação, foram aprovados.
O Sr. Presidente:-Está em discussão o artigo 9.º, sobre o qual há uma proposta para o acrescentamento de um período. Essa proposta de aditamento está subscrita pelos presidentes das Comissões de Finanças e de Economia e vai ser lida à Câmara.
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Foi lida. É a seguinte:
Proposta de alteração
Propomos quo ao artigo 9.º se acrescente o seguinte período:
Para o efeito tomar-se-ão em consideração, quanto aos preços de produtos estrangeiros, os praticados nos seus mercados nacionais.
Pela Comissão de Finanças, Joaquim Mendes do Amaral. - Pela Comissão de Economia, Francisco de Mello Machado.
Pausa.
O Sr. Presidente:-Visto nenhum dos Srs. Deputados pedir a palavra, vai votar-se o artigo 9.º, com o aditamento que acabou de ser lido.
Submetidos à votação, foram aprovados.
O Sr. Presidente: -Vão ser lidos os artigos 10.º e 11.º, sobre os quais não há na Mesa qualquer proposta de alteração.
Foram lidos.
O Sr. Presidente: -Estão em discussão. Pausa.
O Sr. Presidente: -Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vão votar-se.
Submetidos à votação, foram aprovados.
O Sr. Presidente: -Vai ser lido o artigo 12.º da proposta de lei.
Foi lido.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: -Visto nenhum de V. Ex.as pretender pronunciar-se sobre este artigo, vai votar-se.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente:-Vão ler-se os artigos 13.º, 14.º, 15.º e 16.º, sobre os quais não se encontra na Mesa nenhuma proposta de alteração.
Foram lidos.
O Sr. Presidente:-Estão em discussão.
O Sr. Sebastião Ramires: - Sr. Presidente: apesar do meritório esforço desenvolvido para o melhor amanho dos campos com a introdução de novas técnicas e de novas máquinas, com a aplicação de novas sementes convenientemente seleccionadas e uma melhor e maior utilização de fertilizantes, o certo é que o País continua a acusar unia baixa produtividade no que toca à maioria das produções agrícolas.
Aumentar a produtividade agrícola é concorrer eficazmente para a elevação do nível de vida da nossa população e, por acréscimo, emprestar ao processo do desenvolvimento o elemento mais forte de autopropulsão.
Para se conseguir um aumento na produtividade há que, entre outros meios, melhorar a assistência técnica, que possibilitará uma maior absorção do capital por parte de uma economia ou de um sector económico.
Ao pensar no fomento da produção logo o Governo sentiu a conveniência de dar preferência ao sector da agricultura, porque é realmente neste ramo onde a necessidade da assistência mais intensamente se faz sentir e onde mais rapidamente essa assistência produzirá efeitos de utilidade económica.
No notável relatório de S. Ex.ª o Sr. Ministro das Finanças que acompanha n Lei de Meios, assim como no bem elaborado parecer da Câmara Corporativa, este problema é sujeito a especial cuidado.
Propõe-se o Governo promover no próximo ano a «intensificação da assistência técnica à lavoura, mediante a ampliação, coordenação e fiscalização dos centros de extensão agrícola e uma colaboração mais íntima dos agricultores com os serviços» (artigo 16.º).
É evidente que nem sempre é a falta de conhecimentos técnicos que caracteriza os países menos evoluídos, mas sim a incapacidade para os divulgar e para promover uma efectiva aplicação.
O que se procura com a proposta de lei é criar um serviço de extensão agrícola.
Estes serviços existem em quase todos os países e alcançaram nos Estados Unidos da América um alto nível de organização e de eficiência.
Destinam-se, essencialmente, a levar até junto da lavoura os ensinamentos adquiridos pelos centros de investigação e estações experimentais, de maneira a ajudar os lavradores, os criadores de gado e o pessoal que trabalha nos campos na resolução das dificuldades com que se debatem ou dos problemas que os preocupam, e, sem sentido inverso, a trazer do campo até aos centros de investigação e de ensaio as dificuldades com que os agricultores se debatem para conseguirem melhorar as suas explorações ou aumentar o respectivo rendimento.
Daqui resulta, efectivamente, uma verdadeira extensão dos trabalhos realizados nas escolas, nos centros de investigação ou nas estações experimentais, que têm assim a possibilidade de levar aos que trabalham na terra conhecimentos e noções práticas, que de outra forma se limitariam a encher arquivos ou ficariam apenas ao alcance de um número restrito de elites.
Trata-se, no fundo, de manter uma rede de vulgarização orientada no sentido profissional e caracterizadamente prática, colocando ao serviço de grande número de pessoas remédios ou soluções para inúmeros problemas que as preocupam ou ajudando-as a melhorar as suas explorações ou a conseguir aumentos nos respectivos rendimentos:
Para que os serviços de extensão agrícola possam realizar cabalmente a tarefa que lhes compete, necessário se torna que se encontrem integrados ou ligados com serviços de investigação e em directa colaboração com estações de ensaio, que constituam a infra-estrutura em que a sua actividade se possa apoiar.
Sabe-se a desconfiança que ainda domina grande parte da nossa população rural em relação aos técnicos, porque duvidam dos ensinamentos de quem não trabalha a terra ou os contraria em conhecimentos adquiridos pela experiência de várias gerações.
Foi, ao que se supõe, esta a orientação a que se subordinou a reforma do Ministério da Agricultura, realizada há vinte anos (Decreto n.º 22 207, de 16 de Novembro de 1936) e à qual o ilustre relator da Câmara Corporativa faz justa referência.
No relatório da proposta da Lei de Meios faz-se expressa referência à necessidade de uma reforma da Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas e prevê-se a criação de delegações suas em cada uma das actuais regiões agrícolas e a instalação de um agrónomo em cada concelho.
Não há no País, salvo um ou outro caso de natureza especial, explorações agrícolas sem gados. Muito do que a terra produz só se consegue com a ajuda de uma expio-
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ração pecuária associada a uma exploração agrícola e grande parte do que a terra dá destina-se ao sustento dos gados.
Temos gado a menos. O nosso armentio não alcança 9 milhões de cabeças e quase 14 milhões de animais de capoeira.
Além de haver pouco gado, o seu estado sanitário não é satisfatório.
Ainda muito recentemente os criadores de gado viveram momentos de sérias preocupações e ansiedades, com o aparecimento de algumas epizootias, das quais as mais graves foram a mixomatose, só ela responsável de quase 70 por cento das baixas verificadas, e a febre catarral dos ovinos (vulgarmente conhecida por «língua azul»), que causou mais de 20000 mortes e forcou grande número de ovinicultores a mandar abater os seus rebanhos, pelo receio do alastramento da doença.
É de justiça, associando-me, aliás, a outros Srs. Deputados, deixar aqui uma palavra de apreço e de reconhecimento ao director-geral dos Serviços Pecuários e aos seus colaboradores e funcionários pela devoção e competência que demonstraram ao travar a marcha da grave epizootia da «língua azul», salvando assim muitos centos de milhares de cabeças de gado ovino em risco de desaparecerem.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas, além destes aspectos específicos, os gados são ciclicamente atacados por várias parasitoses, que, se nem sempre provocam a morte dos animais atingidos, não permitem, entretanto, tirar deles o devido rendimento.
Impõe-se, por consequência, apetrechar melhor os laboratórios de patologia veterinária, dotar convenientemente os serviços e aumentar o número de técnicos. Há ainda algumas dezenas de concelhos que não dispõem de um veterinário municipal. A Direcção-Geral dos Serviços Pecuários não possui, presentemente, os meios indispensáveis para exercer, embora em escala modesta, as funções que lhe cumpre desempenhar.
A produtividade e a rentabilidade dos gados têm importância de relevo nas pequenas explorações agrícolas de tipo familiar e, naturalmente, forte repercussão na economia nacional.
Há que aumentar sensivelmente o nosso minguado armentio, por uma melhor e mais eficiente assistência técnica, e impõe-se não demorar os necessários ajustamentos dos preços dos produtos que atingem a economia deste sector, para que a exploração pecuária possa ocupar o lugar que legitimamente lhe cabe no conjunto da economia nacional.
O que se lê no relatório da proposta quanto à assistência técnica à lavoura cria um certo receio de que se deixe de lado uma estreita e necessária colaboração da Direcção-Geral dos Serviços Pecuários na organização prevista.
Sente-se que tanto urge realizar uma reforma da Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas como da dos Serviços Pecuários, dando a uma e a outra os meios necessários para bem desempenharem as tarefas que lhes incumbe realizar.
Os investimentos que venham a fazer-se terão farta remuneração nos resultados que legitimamente se esperam da organização em projecto.
Com este espírito e com esta esperança votarei a redacção proposta pelo Governo para o artigo 16.º da Lei de Meios.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: não me sofreria a convicção que tenho da importância de uma eficaz assistência técnica à agricultura que deixasse passar a votação deste artigo sem uma palavra de homenagem u intenção que o ditou.
Na anterior legislatura vali-me de duas oportunidades para, com certo desenvolvimento, dizer da minha convicção da necessidade de uma assistência técnica assídua e atenta e dos seus possíveis efeitos como meio de valorização da economia agrícola e da economia geral do País.
Do que vai fazer-se à sombra deste artigo dá-nos a Lei de Meios poucas indicações, sendo uma das mais concretas a que se contém a p. 187 do relatório do Sr. Ministro das Finanças: «é objectivo do plano a instalação de um técnico em cada concelho».
Desejaria deixar aqui consignado que só isso não bastará, e efectivamente o texto do artigo promete mais ainda; é na verdade necessário dar todo p corpo e capacidades à notável organização de assistência à agricultura que ficou estruturada há vinte anos na reforma do respectivo Ministério mas está ainda longe de inteira realização. Creio que talvez nem uma terça parte do número dos postos agrários previstos se pode dizer já bem instalada; e quanto às estações agrárias que os orientariam, não sei se nestes poucos anos se alteraram as condições que levaram a Câmara Corporativa a perguntar, na apreciação do projecto de Plano de Fomento em curso: «qual a estação agrária que se pode dizer bem instalada?».
Receio que quando amanhã esses técnicos espalhados por todo o País -200? 250? 280?- comecem a remeter para os centros de que dependam outras tantas centenas ou milhares de questões a resolver, de problemas a esclarecer, de análises a executar, de amostras a apreciar, receio, repito, que, se não houver uma vastíssima remodelação das capacidades actuais, pode perder-se pelas demoras nas respostas e lentidão na acção o melhor dos efeitos que a proposta de lei visa.
Há um segundo ponto que não posso deixar de registar com aplauso: é o de se procurar estabelecer colaboração mais íntima dos agricultores com os serviços oficiais. Estão ainda vivos na memória de muitos agricultores os tempos em que efectivamente parecia bem aos governantes não tomarem determinadas medidas sem ouvir atentamente as vozes de homens afeitos à experiência dos campos e aos problemas da sua exploração, tempos que a certa altura pareceram ultrapassados quando começámos a ver os serviços e o Governo ensimesmarem-se ao ponto de até a colaboração de um Conselho Superior de Agricultura parecer dispensável.
Que as palavras da proposta da Lei de Meios traduzam a intenção de regressar à correspondência entre os serviços oficiais e os agricultores e que seja mais amplamente biunívoca e recíproca é o meu sincero voto e que me traz a associar-me aos aplausos de quantos já sublinharam a importância desta disposição e a juntar-me ao número de todos os que desejam que seja profícua e útil para os destinos da agricultura portuguesa.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente:-Continuam em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente:-Visto mais nenhum Sr. Deputado desejar fazer uso da palavra, vão votar-se.
Submetidos à votação, foram aprovados.
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O Sr. Presidente:-Quanto ao artigo 17.º há uma proposta de aditamento, subscrita pelos presidentes das Comissões de Economia e de Finanças. Vai ler-se.
Foi lida. É a seguinte:
Proposta de aditamento
Propomos que ao artigo 17.º se adite uma nova alínea, assim redigida:
c) Construção de casas para as classes pobres.
Pela Comissão de Finanças, Joaquim Mendes do Amaral. - Pela Comissão de Economia, Francisco de Mello Machado.
O Sr. Presidente :- Estão em discussão
Pausa.
O Sr. Presidente: -Como nenhum Sr. Deputado pede a palavra, vai votar-se o artigo 17.º, com a referida proposta de aditamento duma alínea c).
Submetidos à votação, foram aprovados.
O Sr. Presidente: -Estão em discussão os artigos 18.º, 19.º, 20.º, 21.º e 22.º, sobre os quais não há na Mesa qualquer proposta de alteração.
Pausa.
O Sr. Presidente:-Visto nenhum Sr. Deputado pedir a palavra, vai passar-se à votação.
Submetidos à votação, foram aprovados.
O Sr. Presidente:-Está concluída a votação da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1957.
Ao finalizar a votação desta proposta de lei cumpro o grato dever de felicitar a Camará pelo interesse que a mesma lhe mereceu e pelo alto nível em que o debate decorreu.
A proposta de lei que acaba de ser votada tem de ser submetida à Comissão de Redacção. Todavia, como u Câmara vai suspender os seus trabalhos, suponho interpretar os sentimentos da Assembleia dando àquela Comissão o bill de confiança para que ela possa, com pleno assentimento da Camará, dar ao texto dessa proposta a última redacção.
A Comissão de Redacção reunir-se-á na próxima segunda-feira, às 15 horas, para se ocupar da última redacção deste diploma.
Suponho que não haverá outra sessão antes das férias do Natal. Oportunamente será designado o primeiro dia de sessão, bem como a respectiva ordem do dia.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Antão Santos da Cunha.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Carlos Borges.
António Rodrigues.
António Russell de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Afonso Cid dos Santos.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Pereira Jardim.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Rui de Andrade.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA