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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 178

ANO DE 1957 17 DE JANEIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VI LEGISLATURA

SESSÃO N.º 178, EM 16 DE JANEIRO

Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mos Srs.

José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Alberto Pacheco Jorge

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 18 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 177.

Deu-te conta do expediente.

O Sr. Deputado Marques Teixeira ocupou-se da literatura infantil e juvenil.
O Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu enunciou um avião prévio sobre os acidentes de viação.
O Sr. Deputado Elísio Pimenta tratou da situação dos conservadores dos registos civil e predial e notários aposentados.
O Sr. Deputado Azeredo Pereira requereu informações do Ministério da Economia sobre receitas das comissões venatórias.
O Sr. Deputado Furtado de Mendonça ocupou-se do serviço ferroviário.

Ordem do dia. - Discutiu-se na generalidade o decreto-lei n.º 40 900.

Falaram os Srs. Deputados Moura Relvas, Augusto Simões, Galiano Tavares, José Sarmento, Daniel Barbosa, Almeida Garrett e Mário de Figueiredo.
Foi votada a ratificação com emendas.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 noras e 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 16 horas e 20 minutos.

Fez-te a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Finto dos Beis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia
António Cajueiros Lopes.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Mana Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.

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Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Bei vás.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim de Sonsa Machado.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Venâncio Augusto Deslandes.

O Sr. Presidente: -Estão presentes 81 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: -Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 177.

Pausa.

O Sr. Presidente:-Visto nenhum Sr. Deputado pedir a palavra, considero-o aprovado.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Dos estudantes da Faculdade de Economia do Porto a pedir a revogação do decreto-lei n.º 40 900.

De Luís Fernandes, José Taborda e Luís Aguiar no mesmo sentido.
De Maria Brandão Araújo e Manuel José Dias acerca da situação dos solicitadores provísionários.

O Sr. Presidente:-Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das Corporações em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Daniel Barbosa na sessão da Assembleia Nacional de 12 de Dezembro último. Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.

Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Marques Teixeira.

O Sr. Marques Teixeira: - Sr. Presidente: recordo--me de que são do ilustre Subsecretário de Estado da Educação Nacional estas palavras, onde se contém uma fundamentada exortação: «Mocidade, obra de todos; educação, obra de todos».
Sabido que tão delicado problema, Sr. Presidente, tem por si uma irrecusável autenticidade e um cunho verdadeiramente nacional, a ele mais de perto ligada, sem dúvida, a acção da família, da Igreja e da escola, entendo, todavia, que em seu derredor não pode deixar de fazer-se a mobilização geral de todas as boas vontades e de todos os responsáveis.
Aqui estou, com modéstia e em espírito de humildade, a trazer-lhe a minha pequena achega para focar, neste primeiro momento, a questão da literatura infantil e juvenil.
É um caso premente bem preencher o denominado vazio espiritual da juventude e assume foros da maior e mais atenta ponderação como fazê-lo.
Ponho na base das subsequentes considerações o que reputo um axioma contido num passo do brilhante discurso com que o ilustre Ministro da Presidência, Sr. Prof. Doutor Marcelo Caetano, encerrou, em 26 de Junho de 1950, o admirável ciclo comemorativo dos Trinta Anos de Cultura: «De forma alguma será possível admitir-se a destruição dos valores espirituais em que assenta a comunidade portuguesa no Ocidente desta Europa latina e cristã. Pois bem. Um dos rumos a trilhar em ordem à consecução daquele superior objectivo nacional e patriótico é, com efeito, empreender com espirito esclarecido, criteriosamente, mas com entusiasmo, com afã e com fé, a campanha do bom livro.
E é também indiscutível, quanto a mim, que os cuidados vigilantes duma contínua preocupação devem orientar-se no sentido de despertar e propiciar à gente moça o prazer, a facilidade e o hábito de leituras - de muitas e, sobretudo, boas leituras, isto é, em quantidade que por nenhum modo subalternize a qualidade.

Vozes: - Muito bem !

O Orador:-Esta circunstancia é relevante. Afirmá-lo, Sr. Presidente, implica dizer que é de tal modo profunda a influência dos livros no espirito de quem os lê, do seu manuseio podem irradiar tão grandes reflexos, para bem ou para mal, não só de ordem individual, mas até social, que vem a pêlo citar a avisada advertência do grande e inesquecível Ricardo Jorge: «Têm fado os livros e há fados que vêm dos livros - livros que decidem do destino dos homens que os fizeram ou lhes buliram».
Eis porque, ao propor-me abordar, perfunctoriamente embora, o tema da literatura infantil e juvenil, me senti tocado pela consideração de que a transcendência do problema, se interessa muito aos pedagogos, não pode deixar insensíveis os sociólogos nem indiferentes os políticos.

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Fora de critérios estreitos de entendimento, acima de ângulos de visão eivados de parcialidade, deformados por atitudes partidárias ou condicionados, se não mutilados, por obediência a programas preestabelecidos para além de apertadas fórmulas ditadas por grupos, a nós aqui, na Assembleia Nacional e ao serviço da Nação, neste particular a nós nos seduz e empolga a ideia, pela qual batalharemos sem descanso, de que a mentalidade dos homens de amanhã, porque moralmente bem formada, dotada de robustez intelectual, estruturada no mais puro civismo, abrasada na crença e no respeito de Deus, esteja em absoluto tocada, dominada pelo total amor da Pátria, na maior fidelidade à linha do seu destino histórico e à eternidade da sua missão, com séculos de inofuscável grandeza, marcando-lhe responsabilidades que ela, a nossa esperançosa mocidade, não enjeitará e antes saberá e quererá manter, como prova de pundonor e titulo de honra.
A juventude, Sr. Presidente, bem deve ser, dentre todos os nossos amores, o maior. Ela merece-nos atenções, compreensão, vigilância, todos os desvelos. Ninguém ousará tentar iludir a verdade de que ante Deus e a nossa consciência por ela nos responsabilizamos todos: pais, encarregados de educação, professores, governantes, homens de doutrina e homens de acção.
Preocupados com o futuro da Nação, que será obra do cérebro, da alma e do coração das gerações que nos hão-de suceder na caminhada da vida, não cerremos nunca os ouvidos à singeleza do prolóquio popular, que contém, no entanto, uma grande verdade: cada qual virá a guardar aquilo que semeia, sendo bem certo que não cuide colher trigo aquele que deixou que o joio germinasse e se propagasse.
Entre nós, pelo que diz respeito ao terreno da literatura infantil e juvenil, bastante se tem andado -ó justo reconhecê-lo- a partir de 1950, desde que o Governo emitiu acertadas instruções relativas às condições de edição e circulação das respectivas publicações e foi nomeada a comissão especial para a literatura infantil e juvenil, a cuja acção presto homenagem, com a função de zelar pelo cumprimento das instruções referidas.
E nem se compreenderia que assim não houvesse sido, dado que para o Estado Novo, se a criança vem sendo objecto de especiais desvelos e protecção sob o aspecto somático, cuidando do recém-nascido e da primeira infância, procedendo a vacinações, adoptando medidas de profilaxia no tocante à prevenção de doenças e sen combate, olhando à criação de jardins e parques infantis, pensando na instalação de colónias de férias, quer de praia, quer de campo, de igual sorte haveria que olhar com não menor atenção e até com o fervor do mais carinhoso interesse pela sólida formação do espírito infantil e juvenil. E neste capítulo ter-se-á atingido a meta do desejável? Sinto sobre mim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o peso de uma dúvida angustiosa.
Não ignoro, repito, que os Poderes Públicos já determinaram uma fiscalização rigorosa a exercer sobre o texto de certos livros, inculcando mesmo a adopção de medidas de carácter policial, e apraz-me bendizer a meritória iniciativa, digna de encómios e de agradecimentos, da Acção Católica, dedicando-se ao estudo critico das obras de literatura infantil e juvenil, a cuja publicidade poderão ir buscar-se normas seguras da melhor orientação.
Há que prestar homenagem, rasgada e merecida homenagem, aos escrupulosos autores -e temo-los, felizmente, entre nós- de livros infantis que reputo do melhor quilate. Omitir os seus nomes não significa ingratidão.
Julgo, no entretanto, que há que determinar, e sem detenças, a intensificação da acção policial.
Concretizo o meu ponto de vista aduzindo alguns apontamentos probatórios do que acabo de enunciar: a nocividade de certas histórias chamadas de quadradinhos ; a obscenidade das imagens de alguns livros e publicações e o contra-senso de no texto de muitos deles serem tratados assuntos que constituem o tema de filmes classificados de impróprios para menores de 18 anos; a circulação camuflada de revistas que podem rotular-se de pornográficas; a falta de conformidade de certos livros, em sua urdidura, com a idade e o sexo dos leitores a que se dizem destinados; a «febre» das novelas policiais, algumas das quais constituindo, pelo seu entrecho, uma grave perturbação para a fantasia do jovem leitor, escaldando-lhe a imaginação, quando não revestindo foros de um lamentável atentado à sua sensibilidade e ao seu psiquismo e -o que é pior! - conduzindo-o sinistramente à situação não só de dessoramento moral mas até, por vezes, de verdadeira delinquência; a circunstancia de se usarem, em hábil dissimulação, como veículos de propaganda deletéria, numa tentativa infiltratória das toxinas do comunismo internacional.

Vozes: - Muito bem.!

O Orador:-E reproduzo este grito de alerta: «Deixar corromper a mocidade é perder, ingloriamente, a batalha do futuro».

Vozes: - Muito bem l

O Orador:-Fui demasiadamente pessimista no quadro que deixei esboçado? Apenas quis, Sr. Presidente, pôr em foco um problema premente e candente, e procurei ajustar-me às realidades.
Para tanto, e em reforço do que deixei dito, trago à colação estas três notas: um dia -creio que foi em Junho de 1953- o Sr. Dr. Veiga de Macedo, cuja passagem pelo Ministério da Educação Nacional deixou um rastro inapagável, teve ensejo de afirmar haver verificado que, em cinquenta números de cada um dos oito periódicos para crianças, os números mais lidos eram os mais fracos como assunto, redacção e ilustração.
Acrescentava notar-se ainda incorrecção de gravuras, descrições condenáveis e situações inconvenientes, que despertavam desejos prematuros.
Aspo agora, Sr. Presidente, alguns passos de um resumo por mim lido, em Dezembro daquele ano, de uma notável conferência feita, com a autoridade que todos lhe reconhecem, por monsenhor Moreira das Neves, conferência integrada nus celebrações da XVI Semana da Mão.
A laia de intróito, asseverava então a voz eloquente daquele culto ministro da Igreja e ornamento brilhante do nosso escol intelectual que do drama universal em que o Mundo todos os dias se dilacerava, molhando em fel os dedos e a boca, faz parte o drama da inocência. E esse é, inexoravelmente, o drama terrível e sagrado donde sairá sempre a tragédia ou a epopeia do futuro dos povos.
Nele se entrelaçam todas as actividades humanas, porque nenhuma pode ser estranha, no bem ou no mal, ao destino, renovação e direcção da vida. E, se há responsabilidades a atribuir, uma das maiores pertence, decerto, à literatura infantil.
Monsenhor Moreira das Neves, lamentando que campeasse a literatura infantil de carácter comercial, entregue a calculismos metalizados e frios, que nas crianças vêem apenas ranchos brancos de cordeiros de tosquia fácil, alude aos resultados dum inquérito adrede feito, salientando a conclusão de que o mundo das crianças é quase exclusivamente o mundo do crime, do gangste-

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rismo, da violência regressiva, das sinistras aventuras e das fantasias patológicas, ou então o mundo dos paraísos artificiais, sem qualquer relação com a verdade, a história e a vida.
Termino, Sr. Presidente, a referência feita ao ponto de vista de quem, por tantos e tão comprovados títulos de idoneidade, pode afoitamente tomar posição no problema reproduzindo este- comentário final, pleno de justeza e que conduz a séria meditação: «Na exploração sistemática organizada da inocência infantil há sempre qualquer coisa de prostituição monstruosa e degradante».
Não quero omitir o que se passou na sessão de trabalhos do II Congresso da Mocidade Portuguesa, efectuado na última semana do mês de Maio do passado ano, pois ai se evidenciou a necessidade do maior controle da publicação de jornais e revistas infantis e juvenis, avançando-se mesmo a ideia de que fossem feitas publicações que concorressem em quantidade e apresentação com as que têm um fim meramente comercial, marcando-se ainda a conveniência da edição de obras de interesse formativo para os jovens.
É-me igualmente muito grato por em destaque o sentido humano e espiritual, a rasgada compreensão, a galhardia e o cunho de verdadeira cruzada com que a «Presença do Futuro» -página do Diário da Manhã dedicada aos novos e pelos novos colaborada- vem ocupando-se do alto problema em função do qual me decidi hoje a pedir o uso da palavra nesta Câmara.
 memória do Prof. Serras e Silva, grande apóstolo da causa da educação, tributo sentimentos respeitosos de admiração comovida.
Sr. Presidente: «é preciso que os jovens no âmbito da sua vida possam vir a contribuir com dádivas elevadas para a própria sociedade, a qual - segundo o pensamento augusto de Sua Santidade Pio XII- dos jovens espera a condição válida do seu amanhã». Assim é, de facto.
Não querendo exceder-me para além do campo do problema da literatura infantil e juvenil e tendo em conta as suas implicações, insinuarei que um dos processos de rarefazer as funestas consequências da publicação de livros condenáveis - proibi-los in limine seria tudo consiste exactamente em ser-lhes oposta a edição abundante de livros bons. Neste pormenor podemo-nos ir alegrando com o caminho que se começa de trilhar.
O que entendemos por bons livros, cuja leitura se destina às crianças e adolescentes ? Os que recreiem, instruam e eduquem.
Recreiem - ostentando uma agradável apresentação gráfica, com o enredo de histórias simples, emolduradas por atraentes desenhos, quê toquem, com prudência, a fantasia e a imaginação dos pequeninos leitores;
Instruam - em adaptação adequada à idade de quem os procura e que, nos moldes duma redacção cuidada, conduzam à aquisição de conhecimentos, através dos seus laivos didácticos;
Eduquem - porque, numa acção formativa de dentro para fora, possuam sempre uma feição construtiva, erguendo almas a grande altura, robustecendo o carácter, enaltecendo os valores morais e espirituais da vida, com destaque para as verdades eternas que a transcendem, e, dado que se destinam às camadas moças da nossa terra, façam sempre portugalidade.
Para que tão proveitosa sementeira se realize com largueza, como é mister, e com a fecundidade que desejamos, até -e não é o menos- para que a consciência dos valores morais da civilização cristã não se perca e mais se enraíze, há que considerar atentamente e de modo primacial a natureza dos assuntos e dos motivos que constituam a urdidura dos livros e o modo de os tratar.
Nesta matéria, Sr. Presidente, não quero entrar em grandes pormenores, mas sempre direi que perfilho como critério aceitável escolher preferentemente os temas relacionados com viagens, biografias e acontecimentos históricos.
Acrescentarei que, se a História já foi definida como sendo, não apenas registo de factos, mas profundo sentido de vida dos povos, sem deixar de apontar e justamente enaltecer os pontos cimeiros da trajectória da existência da comunidade nacional dos nossos dias -estou a lembrar-me do extraordinário manancial de educação, a impor reflectido aproveitamento, contido no apostolado cívico e patriótico da vida excelsa, fecunda doutrina e obra ingente de Salazar, recorra-se então à força heróica do passado, para que, como já dissera Herculano, sejam as memórias da Pátria que tivemos o anjo de Deus que sempre nos revoque à energia social e aos santos afectos da nacionalidade.
Sr. Presidente: entendo para mim que nesta grande causa em que todos nos devemos empenhar a legitimidade dos nobres fins em vista justifica e até aconselha a irrecusável necessidade da busca dos meios que mais satisfatoriamente a eles conduzam.
Direi, então, que, dada a carência em quantidade bastante de bons livros infantis e juvenis e, ao demais, pouco acessíveis no preço, entusiasticamente de festejar seria a ideia de que surgisse uma editorial que os publicasse em abundância e nas condições óptimas de qualidade e custo de aquisição.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Para que empreendimento de tão fecundos resultados sociais, empreendimento que não hesito em classificar de benemerente, possa ter viabilidade e condições de suporte económico, não poderia a Fundação Calouste Gulbeukian dar-lhe o concurso inestimável da sua ajuda valiosa?
Aqui deixo exteriorizado um apelo confiante, tanto mais que considero obra desta natureza e de tal envergadura como devendo preocupar - insisto - todos os portugueses e não constituir somente encargo do Governo, que, aliás, dele se vem desobrigando, através do Ministério da Educação Nacional, com a criação da «Colecção Educativa».
Em qualquer caso, há uma advertência final que, em consciência, não posso calar.
Dirijo-a a todos os que, como eu, de Deus receberam o reconfortante dom, mas também a grave responsabilidade, da sua condição de pais. A nós, pais, nos incumbe, em primeiro lugar, o dever indeclinável -dever sagrado, direi- de cuidarmos com amor, com solicitude e por forma vigilante da formação do espírito, da valorização da vontade, da nobreza do coração daqueles que são, afinal, o tesouro maior da nossa vida.
E não há que apontar negligências? Terão todos os pais da nossa terra meditado já em que quando, por sua criminosa indiferença, um filho chega à maioridade deformado ó uma acusação e um clamor de vingança que contra si próprios levantam e a que só eles deram origem? Levantar a dúvida não sei se implica o revolver e unia ferida mal cicatrizada de alguns chefes de família, mas poderá também despertar salutares desejos de contrição, louváveis propósitos de emenda e sempre exprime um aviso muito sério.
Sr. Presidente: tenho a noção de que falei muito. Duvido, porém, se disse tudo. Convenço-me, todavia, de que aflorei um daqueles grandes problemas cuja consideração e importância não podem ser enjeitadas, sequer minimizadas, seja por quem for, e muito menos pela consciência dos homens superiormente responsáveis da nossa

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terra. A eles recorremos; em relação a eles continuamos a ter fortes razões para confiar.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cortês Pinto: -Peço a palavra!

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª deseja usar da palavra sobre que assunto?

O Sr. Cortês Pinto: - E para me referir, em breves palavras, ao que acaba de ser exposto pelo Sr. Deputado Marques Teixeira.

O Sr. Presidente: - Então tem V. EX.ª a palavra para explicações.

O Sr. Cortês Pinto: - Sr. Presidente: abundo nas considerações e nas ideias expendidas pelo meu ilustre colega que acaba de falar e desejo apenas salientar que este gravíssimo problema não está sendo descurado.
O Governo da Nação não tem abandonado tudo aquilo que se refere às leituras da infância e da adolescência. Para isso existe uma comissão encarregada de zelar pela propriedade das publicações destinadas à infância e à juventude e essa comissão tem constantemente agido, quer persuasivamente, junto dos editores, quer coercivamente, quando tal se torna necessário.
Portanto, tudo quanto respeita a esta fonte educativa de primeiríssima grandeza que é a leitura espontânea da juventude, longe de se encontrar abandonado, encontra-se devidamente orientado.
Por outro lado, quero frisar que a «Colecção Educativa», publicada pelo Ministério da Educação, tem correspondido às necessidades impostas pela consideração do mesmo problema e, por uma forma superior, tem editado numerosos livros de carácter educativo, que, embora visando e procurando realizar os fins, tão necessários, de atender às leituras úteis dos grandes, não deixa também de proporcionar educação literária, se não especialmente à infância, pelo menos, e valiosamente, para a juventude.
Verifica-se, pois, que o Governo tem encarado constantemente esse magno problema e tem agido duma maneira que me parece justo e necessário ter presente.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: envio para a Mesa o seguinte

Aviso prévio

«Desejo ocupar-me, mediante aviso prévio, dos acidentes de viação.
Preocupam seriamente os espíritos os problemas rodoviários e as suas soluções, especialmente nas estradas antigas, inapropriadas e dificilmente apropriáveis à intensificação e ao aceleramento do trânsito, e nos velhos burgos, urbanisticamente inadaptados aos modernos sistemas de transportes, que, numa grande e contínua progressão, criam embaraços insuperáveis, mesmo através das mais arrojadas concepções.
Tais circunstâncias dificultam, evidentemente, o trânsito e originam acidentes de viação, embora as estatísticas revelem que eles são mais frequentes e graves nas estradas boas e planas e nas suas extensas recta», por despertarem confiança descontrolada e facilitarem excessos de velocidade sem domínio. Quer isto dizer que, se, por um lado, é mister aperfeiçoar a rede rodoviária, estudando e empreendendo as possíveis soluções, por outro lado, impõe-se uma luta tenaz e persistente em ordem a conseguir-se que dos benefícios alcançados Ioda a gente use e ninguém abuse.
Julgo deverem considerar-se factores principais dos acidentes de viação as constantes infracções do Código da Estrada, com desprezo voluntário, sistemático e contumaz dos seus preceitos fundamentais por peões e condutores, e ainda a imprudência, a imperícia, agravadas por ignorância e inexperiência de muitos.
E como num e noutros dominam também a inconsciência e o desprezo pela vida própria e alheia, estamos em presença do problemas que, dado o seu condicionalismo, se consubstanciam no binómio educação e instrução.
Educação moral e cívica, e instrução a enfrentar, através do máximo rigor, no exame psicofísico dos candidatos, no prolongado ensino da técnica e das normas da condução, no demorado e rigoroso exame final, realizado na estrada e nos centros populacionais, e também pela propaganda dos preceitos da lei e da elementar prudência, dia a dia, hora a hora, sempre, em toda a imprensa, e, pela imagem impressionante ou sugestiva, em cartazes, no cinema e, brevemente, na televisão, e ainda nas escolas primárias e superiores, nos liceus, nos colégios, nas fábricas e oficinas, nas associações, nas Casas do Povo, nas colónias de férias, nos quartéis, etc.
E proclamando, como sempre, que o amor do próximo se encerra no 1.º mandamento, a Igreja continuará a ser, em tudo, a grande colaboradora.
Tomar, enfim, como exemplo a modelar campanha para segurança do trânsito promovida, no passado ano, num esforço exaustivo e com assinalado êxito, pelo Automóvel Clube de Portugal, que, por mais esse grande empreendimento, bem merece da Nação.
Como é óbvio, não houve, não há, não pode haver, possibilidade de impedir que ocorram acidentes de viação; mas pode reduzir-se substancialmente a sua frequência e gravidado por aqueles e outros processos e com a acção rigorosa e eficaz das autoridades, especialmente através da Polícia de Viação e Trânsito e das demais corporações, numa actividade que, sem deixar de ser repressiva, seja essencialmente fiscalizadora e preventiva.
Diligente, correcta e bem equipada, a Polícia de Viação e Trânsito carece, porém, de maior número de transportes motorizados e de aumento sensível das suas brigadas móveis, cujo efectivo tem sido quase estacionário há anos a esta parte: 114 em 1950 e 131 em 1955 e 1956 tendo diminuído apreciavelmente os seus percursos nos autocarros das carreiras públicas, feitos por guardas destacados dos postos fixos, com relevante resultado.
Diz-se, e é verdade, que o número de acidentes de viação em Portugal não tem aumentado proporcionalmente ao crescimento da população e da intensidade do trânsito. A estatística acusa mesmo um decréscimo animador em 1955 e 1956, não obstante certos períodos - como o da última quadra estival - terem sido tragicamente assinalados por frequência e gravidade impressionantes.
Exacto é também ser o número relativo de acidentes noutros países sensivelmente superior ao nosso. Mas não devemos por isso cruzar os braços e consolar-nos na contemplação dos males alheios; antes, é mister esforçarmo-nos cada vez mais para darmos o bom exemplo, como, felizmente, e temos dado sob largos aspectos da vida nacional.
Queiramos e façamos sempre mais e melhor, num humanitário anseio.

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Todos, sem distinção, devemos colaborar nisto, que, afinal, é também Campanha de Educação de Adultos.
Eis, em síntese, as razões que inspiram o meu aviso prévio».

O Sr. Presidente: - Vou dar imediato conhecimento ao Governo do aviso prévio de V. Ex.ª e oportunamente será designado para ordem do dia.

O Sr. Elísio Pimenta: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte

Requerimento

«Muito embora o disposto no artigo 3.º, § 1.º, do Decreto-Lei n.º 38 843, de 7 de Outubro de 1954, aplicável aos conservadores dos registos civil e predial e aos notários por força da Portaria n.º 15 090, de 25 do mesmo mês, estabeleça que para a determinação da pensão de aposentação sirva a média dos abonos dos últimos dez anos sobre os quais incidiu o desconto da quota para a Caixa de Aposentações, a verdade é que, não obstante haverem passado mais de dois anos, os conservadores e notários aposentados no domínio da vigência desses diplomas estão a receber pensão provisória, calculada unicamente sobre o respectivo vencimento de categoria.
A Caixa Geral de Aposentações informou os interessados de que aguardara o esclarecimento superior das dúvidas que se suscitavam sobre se dos abonos de conservadores e notários devem ser deduzidos os ordenados com que até ao dia 31 de Dezembro de 1949 remuneravam o seu pessoal auxiliar e que, como estas remunerações variavam de repartição para repartição, se procurava obter, para proceder a tal dedução, um coeficiente uniforme.
A circunstância de se tratar, na sua quase totalidade, de funcionários aposentados por haverem atingido o limite de idade, e muitos deles com um padrão de vida criado através do exercício de lugares de l.ª classe em Lisboa e Porto, dispensa a alegação e a prova dos enormes prejuízos materiais e morais causados pela manutenção de uma situação provisória que para alguns dura já há mais de dois anos.
Mas essa circunscrição leva-me a solicitar de SS. Ex.ª os Ministros da Justiça e das Finanças, nos termos do artigo 2.º, alínea c), do Regimento, o obséquio de se dignarem mandar informar esta Assembleia das razões forçosamente poderosas e ponderosas que têm obstado ao esclarecimento urgente da questão».

O Sr. Azeredo Pereira: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte

Requerimento

«Ao abrigo do artigo 96.º da Constituição, e nos termos regimentais, requeiro que pelo departamento competente do Ministério da Economia me sejam fornecidas, com relação ao continente, as seguintes informações relativas aos anos de 1954 e 1955:
1.º Montante global das receitas arrecadadas pelas comissões venatórias regionais e pelas comissões venatórias concelhias;
2.º Montante realizado das despesas de expediente e instalação das comissões regionais e concelhias ;
3.º Importâncias despendidas com fiscalização, repovoamento e aclimatação cinegética:
a) Pelas comissões venatórias regionais, com indicação das verbas gastas em cada concelho da respectiva área;
b) Pelas comissões venatórias concelhias.

4.º Importâncias dos saldos de gerência - 50 por cento - das comissões venatórias concelhias que reverteram em favor das Misericórdias ou de outras instituições de beneficência».

O Sr. Furtado de Mendonça: - Sr. Presidente: pedi a palavra para deste lugar sublinhar reparos que com frequência se ouvem e visam serviços do maior interesse nacional, cujas deficiências, se em parte têm sido atenuadas, ainda deixam larga margem para justificadas reclamações do público, o que equivale a dizer que urge dar-lhe remédio, activando certos melhoramentos em curso.
Quero referir-me, ao de leve, não só ao estado lastimável em que se encontra ainda uma parte substancial das nossas vias e material ferroviário - donde a impossibilidade de acelerar a marcha de certos comboios e de viajar com a segurança e o conforto que este século de velocidades e progresso permitem -, como também a deficiências susceptíveis de serem evitadas, empregando apenas mais cuidados ou maior zelo na utilização dos meios disponíveis.
Assim é que, Sr. Presidente, conforme os jornais noticiaram, os passageiros viajando de Lisboa para o Porto no comboio que no domingo último substituiu o Foguete das 19 horas e 25 minutos, em vez de chegarem à capital do Norte às 23 horas e 43 minutos, só chegaram após as 4 horas da madrugada de segunda-feira, duramente regelados, depois de passarem no comboio uma triste noite de S. João sem música ..., para usar a expressão de alguns passageiros mais bem humorados, no meio dos cuidados e receios dos seus familiares e num estado de espírito nada propício a quem é obrigado a comparecer no trabalho quotidiano à hora habitual.
Não pretendo indagar se a avaria da potente máquina Diesel que arrastava a composição seria fruto de falta de assistência adequada a este material ou se a sua utilização, porventura excessiva, impede tal assistência ; mas, tendo-se produzido a avaria a uns 15 km para além do Entroncamento, onde deve existir um importante depósito de máquinas, parece que deveria ser fácil reduzir o atraso, se os socorros tivessem surgido de acordo com as circunstâncias.
Todavia, que aconteceu?
O comboio quedou-se num sítio ermo, e, depois duma espera demasiado longa, ouve-se o apito e o roncar duma locomotiva que, qual «velha chocolateira», foi colocada nas suas traseiras e toda se desfazia em esforços para aguentar a pressão de vapor necessária para remover a composição do local onde se encontrava.
Coitada da velha! Com muito custo, parando aqui, parando acolá, para refazer a pressão, lá foi arrastando as seis carruagens e a máquina avariada até Fátima. Milagre este ... da vetusta locomotiva!
Ali se aguardou que outra, talvez um nadinha melhor, vinda de Alfarelos, salvo erro, repetisse a proeza até Soure; depois, nova táctica, nova manobra com outra máquina, talvez menos velhinha ou mais reparadinha, a quem coube a tarefa do percurso até à Pampilhosa, onde o comboio chegava com mais de quatro noras de atraso. Só então terminava esta dolorosa odisseia, graças à terceira ou quarta locomotiva que surgiu e o rebocou, finalmente, em marcha normal, até ao Porto.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: compreende-se a avaria da primeira máquina -isso é admissível-, mas já se não pode ser tão indulgente quanto aos métodos empregados para remediar o mal!

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Não quero, Sr. Presidente, alongar-me sobre o assunto, pois prometi referir-me a ele apenas no de leve; não quero, portanto, avivar esta chaga, que nos diminui aos olhos de nacionais e estrangeiros; não quero recordar quanto isso prejudica o turismo, em que muito se fala, ou quanto reduz a afluência de passageiros ao caminho de ferro e estimula a sua preferência por outros meios de transporte dentro de um verdadeiro círculo vicioso: os passageiros fogem do cominho de ferro porque este é deficiente e este mantém deficiências por falta de receitas que a mesma fuga dos passageiros provoca.
Com esta intervenção pretendo somente juntar mais um documento ao processo e pedir, em nome do interesse público, que se caminhe mais velozmente na actualização ou modernização deste indispensável e importante meio de transporte.
Eu sei, eu não esqueço, que neste sector também se tem feito alguma coisa nos últimos tempos e se continua fazendo. Haja em vista o começo da electrificação de alguns trajectos, as apreciáveis vantagens trazidas pela utilização das automotoras e as carruagens metálicas; mas havemos de confessar que é pouco, é muito pouco para satisfazer as exigências de um público que ouve falar em aviões de velocidades supersónicas, etc.
Constatam-se mesmo alguns retrocessos: sou do tempo, por exemplo, do confortável rápido Porto-Medina, que tanto beneficiava quem do Norte do País tivesse de viajar para o estrangeiro ou simplesmente para o Douro ou Trás-os-Montes. E com saudades que igualmente recordamos o excelente serviço prestado por aquele belo salão do Sud-Express que, destacado na Pampilhosa, completava o trajecto de Lisboa até ao Porto num mínimo de tempo que já então desafiava o actual Foguete.
Mas fiquemo-nos por aqui, pois surge de novo ao meu espírito a visão de certos comboios que nos nossos dias se apresentam em estado vergonhoso, utilizando carruagens do começo do centenário que agora se celebra e por tal modo empoleiradas - quais galinheiros - que dificultam o embarque às pessoas idosas e até às senhoras de menos idade, apesar da sua desenvoltura moderna, quando, menos prevenidas, se sentem travadas por alguns modelos de saias em voga.
São muitos os problemas resolvidos nesta era de ressurgimento nacional, e, por isso, tenho a certeza de que o do caminho de ferro também terá a sua hora. Confio em que ela chegará num espaço de tempo mais curto do que muitos julgarão.
Trata-se de velocidades, e nesta matéria não se pode caminhar devagar.
Aqui a Revolução também terá de andar mais depressa !
Disse.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em discussão a ratificação do Decreto-Lei n.º 40 900. Tem a palavra o Sr. Deputado Moura Relvas.

O Sr. Moura Relvas: -Sr. Presidente: ao usar da palavra acerca da ratificação do Decreto-Lei n.º 40 900, seja-me lícito, em primeiro lugar, dirigir ao Governo, e em particular ao Sr. Ministro da Educação Nacional, os meus cumprimentos pelo que o decreto encerra de útil, vantajoso e mesmo necessário para os estudantes
universitários portugueses. Tanto nas curtas mas expressivas afirmações que lhe servem de preâmbulo como nos seus três primeiros artigos e ainda através dos esclarecimentos e comentários ulteriores do Ministro se revela a finalidade de conseguir para os estudantes universitários portugueses um conjunto de valiosas regalias que englobam os problemas da « habitação, alimentação. Vida em comum, educação física, saúde, conhecimento do Mundo e das várias formas da cultura humana, o seguro, a escolha da carreira e o emprego».
Aquando da discussão da Lei de Meios referi-me neste mesmo lugar à alimentação dos estudantes e 11 exígua capacidade das cantinas actualmente existentes em Coimbra.
Estou inteiramente de acordo com o Ministro quando este afirma que «os problemas da instalação, alimentação, saúde e seguro do estudante, dada a sua vastidão, só podem ser cabalmente resolvidos pelo Estado».
E também estou perfeitamente consciente do que «nenhuma associação de estudantes, por maiores que sejam as suas disponibilidades financeiras, poderá abalançar--se a resolvê-los».
Também penso que, para se manterem, os grandes restaurantes, colégios e residências destinados aos estudantes nas cidades universitárias terão de receber substanciais subsídios do Estado.
Como médico escolar, como chefe de família e como Deputado, tenho os olhos postos no Decreto n.º 40 900 e aplaudo, sem reservas, os seus objectivos, que, de facto, nos colocam à frente de muitas outras nações no capítulo da vida circum-escolar.
Albergado em suas inegáveis virtudes, o Decreto n.º 40 900 foi, todavia, objecto de reacção bastante viva no meio académico de Coimbra.
Não vou deter-me na apreciação, linha por linha, das reclamações dos estudantes, por não ser oportuna esta ocasião, reservando-me para a discussão na especialidade, se, como me parece de prever, o decreto for ratificado com emendas.
Posso e tenho mesmo como obrigação política referir a impressão que me causou o desfile de toda a Academia de Coimbra, em atitude ordeira, sem quaisquer manifestações de coacção, respeitosa mas firme, quando se dirigiu aos Paços do Governo Civil para que daí partisse o desejo expresso pela Academia de Coimbra de ver modificadas certas disposições regulamentares do decreto que não lhe alteram n estrutura basilar nem os altos propósitos.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Impressionou-me bastante, mas não me surpreendeu, a atitude dos rapazes de Coimbra. Está por escrever a história da Academia de Coimbra, mas conhece-se bem a vida da sua Universidade. Com efeito, quando a Nação Portuguesa se viu feita, após o reinado de Afonso III, pôs a espada de lado e abriu os olhos para a disciplina da cultura e do espírito com a criação da Universidade de Lisboa, em 1290, pelo rei D. Dinis, que a transferiu para Coimbra dezoito anos depois.
Com várias oscilações entre Lisboa e Coimbra, que todos conhecemos, estabeleceu-se definitivamente nesta última cidade em 1537. No Mundo só sete Universidades (Paris, Oxónia, Cambrígia, Salamanca, Pádua, Bolonha e Mompilher) ultrapassam a de Coimbra, aliás pouco, em longevidade. Cerca de cinco séculos (472 anos) de vida intelectual e espiritual impõem-se à Nação com o aprumo e a solenidade duma das forças que ajudaram a fazer da história de Portugal a mais bela de todas.

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Se está por fazer, por outro lado, a história da Academia de Coimbra, há bastantes elementos, uns escritos e outros colhidos pela tradição, que nos habilitam a tomar conhecimento das principais características da vida dos estudantes de Coimbra.
Ainda hoje nos sabe bem, aos antigos estudantes da cidade de Coimbra, ler as páginas que Eça de Queirós consagrou nas Notas Contemporâneas ao seu tempo de estudante:

Em cada estrela plantávamos uma tenda, onde dormíamos e sonhávamos um instante, para logo a esquecer, galopar para outra clara estrela, porque éramos verdadeiramente, por natureza, escravos do ideal. Mas o ideal nunca o dispensávamos, e nem as sardinhas das tias Camelas nos saberiam bem se não lhes juntássemos, como um sal divino, migalhas de metafísica e estética.

A arte, a ciência, a literatura, a música e os desportos foram e serão sempre questões que interessam os rapazes de Coimbra, porque o seu convívio concentrado lhes permite agruparem-se em organizações onde se articulam tendências específicas de vários. Os alunos das diferentes Faculdades de Coimbra podem conviver com suficiente intimidade para que se nutra, por assim dizer, uma atmosfera de enciclopedismo diário, que a dispersão dos estudantes pelas diferentes Faculdades das outras Universidades não permite. Criou-se um tipo de alma académica tal que, mesmo passados muitos anos sobre a conclusão dos estudos, quando nos encontramos uns com os outros em qualquer parte, a conversa, as recordações, as saudades, nunca mais têm fim.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Diz-se que Coimbra é a terra dos doutores, pois ninguém lhe chama a terra dos professores, e os próprios estudantes são tratados por doutores pela gente da cidade. O vulgo irmana professores e alunos no mesmo título, facto que creio ser único no Mundo, como se a alma mater não consentisse no descaminho, no desencontro de uns e outros.
Em arte, os motivos decorativos têm o seu significado próprio e parece que os castelos simbolizam a segurança e as- águias a longevidade. A Universidade de Coimbra poderia ostentar no seu brasão os castelos e as águias, tal a força espiritual permanente, ia dizer eterna, que dela tem dimanado, envolvendo professores e alunos. As embaixadas académicas, com o seu orfeão, com a sua tuna, com o seu teatro, com as secções de futebol e basquetebol da Associação Académica, encontram sempre outras embaixadas de antigos estudantes de Coimbra e suas famílias, que lhes dão agasalho e lhes tributam carinho e aplauso, onde quer que seja, no império português.
Notas de beleza espiritual da nossa história moderna estão intimamente ligadas à Academia de Coimbra, cabendo bem lembrar as festas do tricentenário da morte de Camões, celebradas pela Academia de Coimbra em Junho de 1880 e em Maio de 1881, que mereceram a Ramalho Ortigão expressões de apreço e simpatia pelos estudantes de então.
Nos tempos de hoje as actividades circum-escolares ramificam-se, em Coimbra, para os mais diversos sectores: a religião e o espírito, a arte e a literatura, a educação física e os desportos, como o prova a existência do Orfeão e Tuna Académica, do Teatro dos Estudantes e do Grupo Coral da Faculdade de Letras, das secções de futebol e basquetebol da Associação Académica, do C. A. D. C. e, mais recentemente, do Centro Universitário da Mocidade Portuguesa e do Centro de
Iniciação Teatral. Não se pode, pois, negar o timbre particular da estrutura da Academia de Coimbra e tem de se respeitar uma posição social consagrada pelas comendas de Santiago da Espada e de Cristo com que foi agracia da a sua Associação.
A reacção contra algumas disposições do Decreto n.º 40 900 afirma o carácter viril da mocidade de Coimbra, no que este contém de independência sem coacção e de solidariedade sem paixão, correcta nas atitudes e fiel aos princípios políticos que orientam a Nação Portuguesa.
O Doutor Mário de Figueiredo leu, na Sala dos Capelos, em 1936, uma conferência consagrada aos i Princípios essenciais do Estado Novo Corporativo •. Neste notável trabalho se encontram as traves mestras da nossa organização política actual, em estilo claro e em correcta síntese. Fazia falta um trabalho desse género na nossa literatura política e ninguém melhor que o então director da Faculdade de Direito de Coimbra o poderia levar a cabo. Tornava-se, com efeito, necessário mostrar qual era a posição ideológica do Estado Novo e esclarecer alguns problemas. Acentuou o Doutor Mário de Figueiredo que o Estado Novo procura realizar o seu sistema através da organização corporativa, que se apresenta como um processo de autodirecção despertado e vigiado pelo Estado».
O Doutor Mário de Figueiredo referia-se em especial ao sector económico, mas as suas ideias podem e até devem aplicar-se ao sector educativo.
Com efeito, por volta de 1910, no remado de D. Manuel II, um moço estudante de 18 anos proferiu em Viseu uma conferência sobre o tema da educação, manifestando a necessidade de adaptar ao nosso país certos princípios de formação «particularista», em que a autodirecção educativa desempenha um importante papel. Mal sabiam os que o escutavam nesse momento que estavam em presença do futuro estadista Doutor Oliveira Salazar.
Ê evidente que a autodirecção sem a vigilância do Estado dá lugar ao aparecimento do pior inimigo das sociedades, que é a anarquia. Por isso penso que se deve tomar conhecimento e se devem apreciar as reclamações dos estudantes de Coimbra e atendê-las tanto quanto o seu estudo e ponderada reflexão impuserem, dentro da necessidade de levar a cabo os desígnios do Governo nesta matéria. Constituiria omissão grave lançar no olvido as razões dos estudantes.
De resto, há outros motivos que me parecem inteiramente óbvios e indiscutíveis, impondo a ratificação com emendas: a ratificação porque o conteúdo essencial do Decreto n.º 40 900 é digno do maior aplauso; as emendas porque algumas são até sugeridas pelo Ministro.
Com efeito, o Prof. Leite Pinto é o primeiro a reconhecer que houve um lapso referente ao método adoptado para as eleições na Escola Superior de Medicina Veterinária e, além disso, ele próprio admite ser necessário dar mais explícita redacção a alguns preceitos e «atender a uma ou outra particularidade da vida associativa dos estudantes».
A obra até agora realizada pelo Prof. Leite Pinto impõe-me admiração e incita-me mesmo à colaboração com S. Ex.ª

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Com as minhas palavras tive em mira provar que as tradições e os hábitos da vida dos estudantes de Coimbra têm particularidades especiais, bem como a sua vida associativa.

Nesta ordem de ideias, a ratificação com emendas permitirá o aperfeiçoamento de algumas disposições do

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decreto, que, repito mais uma vez, tem importância bastante transcendente pura a vida. e parti o futuro dos estudantes portugueses. Discutir isto seria mostrar ignorância ou negar justiça.
Nunca, como neste momento e nesta. Assembleia, vivi m i nulos de tilo intensa vibratilidade, porque tive a sensação de usar ainda sobre os ombros a minha capa. de estudante, relembrando-me pequeno ao pé dos que já eram grandes, como os Doutores Oliveira Salazar. D. Manuel Cerejeira. Mário de Figueiredo, etc... com os quais me habituei a pensar e a agir politicamente, dentro de princípios que eram então, como diria Eça, as estrelas em que poisámos e a que pudemos dar realizarão.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Lopes de Almeida: - Sr. Presidente: não sinto qualquer espécie de constrangimento ao usar da palavra sobre o Decreto-Lei n.º 40 900. que um grupo de Deputados, do qual desejei fazer parte, requereu fosse sujeito à apreciação da Assembleia Nacional. Tomei assim uma posição em face desse diploma. que, aliás, o próprio Governo entendeu dever ser presente a esta Câmara e, como tal. ser passível futuramente de uma apreciação concreta das suas disposições e objectivos referentes às actividades circum-escolares, isto é, dos tina que pedagógica, moral e politicamente procura atingir.
Esta minha breve intervenção faço-a, pois, em plena liberdade de espírito, na consciência que me cabe de exercer um direito, claro e objectivo, e de cumprir um dever, cabal e imperioso. Um direito de cidadania incontestável, já que na ordem política o Decreto-Lei n.º 40900 viso á escolha e formação de uma, escola de dirigentes, que actuem no momento preciso em que se afinam as inteligências, e se apuram as vontades para a vida prática e para a intervenção directa 110 plano nacional.
Um dever incontrastável, que se integra na função docente que modestamente exerço, mas que também honrada e lealmente nunca repugnei no convívio íntimo o no exercício confraternal com os estudantes, nas aulas e mais ainda fora delas. Aí estão algumas! gerações que o testemunhem com inteireza e sem lisonja.
A mim basta-me que recordem o meu pobre nome, se alguma vez o fizerem. E porque isto é assim, penso, com inteira sinceridade e não menor sentimento de justiça, que são devidos agradecimentos ao Governo por ter dado à consciência pública a larga satisfação de olhar para a juventude universitária com a nítida compreensão de algumas das suas mais urgentes, mais palpáveis e mais reconhecidas necessidades.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Ninguém de boa té pode impugnar o alto sentido de reconhecimento e dignificação que anima o decreto-lei n.º 40900 ao criar condições, no plano nacional, para preservar a nossa juventude universitária do conjunto de deficiências e de males que a inibe de completar a sua formação moral e intelectual e que a desgarra, ao mesmo tempo, da verdadeira pujança física, sem o que não há ânimo de vencer, nem inteligência lucidamente ousada.
O que tem existido até agora no domínio das actividades circum-escolares é o produto de voluntarismos e de iniciativas particularizadas, sem acesso aos níveis superiores da educação intelectual ou da cultura física, por escassez de meios, por incompleta adopção e, quantas vezes, por falta de esclarecida direcção. Não basta a boa vontade onde não se afirma a eficiente direcção; não chega o entusiasmo onde não existe espírito e método para persistir; nada se faz onde tudo se conjuga para que se não façam as coisas bem feitas.
Por isto mesmo, em certos capítulos da vida circum-escolar os fogachos de actividade morrem de ano a ano, e onde existe alguma coisa não se elevam essas iniciativas aos graus atingidos por outros países de tantos recursos como o nosso. Não sei eu que me louve exclusivamente nos exemplos peregrinos e estranhos, porque sempre me habituei a querer as coisas ao nosso temperamento e à nossa estatura. Mas, já que ouço pôr estas questões em termos comparativos com o que se passa lá tora, seja-me licito dizer o que recorda o meu fácil calepino: est modus in rebus.
Quem vive com sincero interesse a vida comum das nossas Universidades vem reclamando há muitos anos uma intervenção prudente e rasgada que assente alguns princípios e abra melhores perspectivas à vida estudantil e às suas actividades circum-escolares. Chamo vida comum à completa integração corporativa das nossas Universidades naquele animoso e vívido espírito que durante séculos conjugou o «corpo académico», designação tradicional que englobava os professores, os estudantes e todos os outros servidores da Universidade.
Os tempos não vão propícios para nos deixarmos fustigar impavidamente dos ventos maus que sopram de tantas bandas, e, se há instituições que ainda resistam com alguma força e ânimo, essas são as Universidades, e cada dia mais lhes cumpre desempenhar a sua missão altamente social, actuando com vivacidade. e empenho no propósito da cátedra, mas não menos no plano das actividades a que deseja acudir o Decreto-Lei n.º 40900.
Nós já não estamos em tempo de «estudantes vadios», nem dos pediam «pão pelas portas», géneros de vida estudantil que desapareceram com o século XVIII, mas posso dizer à Câmara que ainda há poucos anos se assegurava, por caridade, a mantença quotidiana a não raros estudantes numa sopa dos pobres. Lá os fui ver e conversar, com o coração ansiado, e posso asseverar que alguns deles eram dos mais aplicados nos seus cursos e são hoje. através de longos sacrifícios e renúncias, cidadãos bem respeitáveis na nossa vida pública. Neste capítulo, a Sociedade Filantrópica Académica e o ilustre reitor da universidade de Coimbra podem, ainda hoje. depor com discreta segurança. Mas eu pergunto se não é de aplaudir quanto se faça e em nós caiba para assegurar a todos os nossos jovens universitários a dignidade da vida. pela sua completa formação moral, intelectual e Física, criando-lhes as condições e os meios materiais de uma vida modesta e pulem. E óbvio que só o não despeja quem repudia os princípios fundamentais que estão na base da consciência cristã; o nosso dever social, bem entendido, só o não perfilha a ideologia malsã que afeiçoa os homens como peças da engrenagem brutal do estatismo.
Todavia, o Decreto-Lei n.º 40900 suscitou na opinião pública fartos reparos e, sobretudo, provocou nos meios académico, grandes inquietações, algumas não legítimas, já se sabe. mas outras que merecem atenção pormenorizada e. possivelmente, debate esclarecedor e pertinente. A mim pessoalmente, afigura-se-me que no futuro devem ser levadas em conta certas peculiaridades que não são de menos preço, por altamente significativas até da integração corporativa que representam, e se acordam, ao que me parece, com o espírito básico do diploma e com afirmações qualificadas publicamente proferidas.

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O Ministério da Educação Nacional, numa nota largamente divulgada pela imprensa, veio ao encontro desses reparos e dessas inquietações, mas não ocultou - honra lhe seja !- os lapsos e a legitimidade de algumas divergências criteriosas de que houve conhecimento oficial. E. com a mais fina lealdade e isenção política, transferiu para a Assembleia Nacional a oportunidade de examinar. Com segurança e clarividência, as disposições do diploma sobre que se exerceram as criticas e os reparos. E. pois. manifesto que a Câmara está em presença de um caso nítido de ratificação de um decreto-lei publicado durante esta sessão legislativa.
Disse.

Vozes:- Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

U Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente: a minha situação de representante do distrito de Coimbra nesta Assembleia, por um lado. e. por outro, a circunstância de, como lia vinte anos. quando a deixei, se manter ainda bem vivo dentro da minha alma e do meu coração todo o fervoroso respeito e admiração pela sua gloriosa Universidade. que me conferiu a formatura em Direito, bate do pão de cada dia do meu lar, e pela característica e impar vida da sua Academia, cujos primados vivi intensamente e inteiramente me dominaram com a fragrância das suas saídas , irreverências a desformalizarem e tornarem mais humanos e elevados os seus nobres sentimentos de cavalheirismo, apanágios valorosíssimos afirmado; através do tempo, em repetidos exemplos do mais alto tonificado, não me permitem que deixe passar esta oportunidade sem vincar, com a minha profissão de fé. a posição já, aliás, definida ao subscrever o requerimento em que se pediu que a esta Assembleia fosse submetido o decreto-lei n.º 40900, diploma que despertou forte e unânime reacção dos estudantes das nossas universidades e dum vasto sector da opinião pública do País.
Eu sei. Sr. Presidente. que bem desvalioso será o contributo que posso fornecer para conveniente valoraçào do problema posto; a circunstância, porém, de os esclarecidos espírito? dos Srs. Deputados que me antecederam já lhe haverem definido os termos nu apropriada medida que ai circunstâncias exibiam 1:011 fere-me larga margem de tranquilidade e até a força necessária para tentar dcsonerar-me da grata obrigação moral do mais forte vinculo de apesar de tudo. vir prestar o meu depoimento desapaixonado.
Sr. Presidente: os desígnios do Ministério da Educação Nacional, patentes através da sua fecunda actividade de valorização real e efectiva da grei. no sector em que lhe cumpre actuar, por via de medidas novas e operantes, com vigor, para saltarem as barreiras de certo arcaísmo que fizera escola, merecem, sem dúvida, a aura de simpatia que o País não sabe regatear-lhes.
É que. efectivamente, quebradas certas grilhetas do convencionalismo, pretende fazer-se obra de duração e proveito no campo da educação e da instrução, que são searas vastíssimas em que os obreiros nunca serão demasiados, por nunca se poder validamente, pôr fim a qualquer sábia política de realizações, que necessariamente se entrelaçam, formando elos de uma cadeia, que quanto mais se fortaleça tanto mais prestigiará na fecundidade do progresso as sucessivas gerações.
Ora no Ministério da Educação Nacional é bem notório o propósito de, sem atardamentos nem dilações vacilantes, se adquirirem mais elos dessa figurada cadeia. E a obra apresenta o incontestável mérito de haver começado pelo princípio ... Na verdade, os problemas da escolaridade do ensino primário, luminosamente enquadrados no âmbito profundamente económico de que tanto comungam, especialmente no meio rural. onde a família não pode prescindir do trabalho da criança, ou para o pascigo dos seus gados, que formam sustentáculo da economia empobrecida, ou para certos trabalhos, cuja remuneração, sem embargo de ser pequena. não pode ser desprezada, até pelo conceito do povo de que. com ser o trabalho do menino pouco, quem o perde mostra ser louco, parece terem entrado em rumos seguros da mais segura valorização. E bem é que assim seja.
(Neste momento assumia a presidência o Sr. Deputado Augusto Cancella de Abreu).

Nota-se hoje nas camadas populares certa propensão para o abandono do respeito, que foi uso tradicional de muitas gerações do passado. e por isso se desconsideram muitos dos simpáticos costumes do nosso povo: de se reverenciar a velhice, auxiliar a invalidez respeitar as autoridades, amar as árvores e as coisas do património comum e tratar os animais como criaturas que sofrem.
Estou a recordar-me de uma interessante série de quadros existente na velha escola onde se me desvendaram os mistérios; da escrita e da leitura, também existentes em outras escolas, que continham preciosos ensinamentos nesta matéria, sendo, por isso. da mais alta pedagogia. Sem que eu saiba porquê, desapareceram todos esses ilustrados guias da mocidade, e os resultados da ablação nenhuma crítica, por mais complacente que seja, os pode qualificar de famosos.
Sei que se procura com ata integrar a .escola primária na sua verdadeira feição de santuário da educação. onde a par das letras se forjem as almas e os caracteres das crianças nos moldes tradicionais, resgatando culpas incomensuráveis de tantos pais. em cujos lares mal formados a inexistência de pão deploravelmente se mistura com a total ausência dos princípios básicos de aceitável vida familiar.
Pretende-se, portanto, começar a valorização da juventude. afeiçoando e moldando as rebeldias da infância. em ordem a aproveitar todos os valores que se vão afirmando no dealbar da vida dura e difícil da recepção das primeiras letras.
Só merece encómio esse devotamento a causa tão nobre, que compreende também preceitos de alimentação em magníficas cantinas, de vestuário e de assistência. que são efectivo complemento do corpore sano que deve coexistir com o outro pólo do brocardo, exigente também duma mens sana.
No ensino secundário, segundo estádio do longo caminho que a juventude terá de trilhar até atingir plataforma. donde possa partir em busca dos primeiros anseios da luta pela vida, também as coisas ou modaram ou então os seus sintomas a ser revistos paira lhes ser introduzida a beneficiação que as circunstâncias mostrem ser aconselhável.
Neste estádio também a juventude é cuidadosamente encaminhada para a sua melhor valorização, Revigoram-se os bons instintos e retemperam-se as vontades. Tomam os jovens conhecimento do seu valor e cultivam-no, como cumpre. A noção de responsabilidade fortalece-se e domina, na exacta medida d u liberdade do poder de realização em que se vai creditando. Parece ser esta a tendência conhecida e afirmada da orientação do Ministério da Educação Nacional. Só há que louvá-lo.
Quando chegam ao curso superior os nossos jovens que nas impostas condições de precocidade decorrentes do teor de vida complexa, avassaladora e universaliza

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de nossos dias se viram forcados a viver em períodos mínimos, tanto quanto aquelas e outras gerações viveram em períodos mais longos, já adquiriram a consciência da sua posição na vida ou, pelo menos, a noção do seu real valor, que se tornam ciosos de demonstrar onde quer que a oportunidade apareça.

A personalidade, desabrochada já ao sol dos vários socalcos da vida, firma-se nas bases mais ou menos sólidas em que foi adquirida.
Há que acreditar nela e no seu vasto poder de dinamismo, que nesta altura já se deve ter encaminhado no melhor sentido, 'qual seja o de haver adquirido a exacta noção da responsabilidade própria na formação da responsabilidade geral.
For outro lado, a generosidade, que é também qualidade dominante da juventude, está sempre pronta a mostrar-se quando a nobreza dum ideal a reclama, e, ao fazê-lo, oferece-se integral, benfazeja, desinteressada e nobre na pureza de todas as suas intenções.
Sem pretender denegar a existência destas altas qualidades e das restantes outras que tanto dignificam nas Academias de Lisboa e do Porto, sinto que é justiça salientar que elas existem com forte desenvolvimento na Academia de Coimbra, que é aquela tradicionalmente mais coesa e mais robustecida em hierarquização indiscutível e, pois, aceite com plena unanimidade, por se saber formada segundo os conceitos históricos, velhos de mais de uma centúria.
Mercê dessa coesão e dessa hierarquia, já, aliás, moralmente reconhecidas como fenómenos da mais alta valia tradicional, a Academia de Coimbra formou, forma e formará sempre um caso bem à parte na vida das academias dos estudantes portugueses.
Dinamizada em todas as manifestações da sua forte vitalidade por mais de quatro mil estudantes universitários, dois mil liceais e muitos outros escolares integrados em segura linha de rumo que as gerações sucessivas vêm mantendo inalterada na sua essência, a Academia de Coimbra não tem nesse escol o seu limite natural, pois prolonga-se no tempo e no espaço e revive nas almas e nos corações de todos quantos, envoltos na austera imponência da sua capa tradicional - símbolo respeitado da mais alta gama de predicados da juventude em rumo à vida -, alguma vez ouviram as advertências do bronze hierárquico que, no alto da torre sineira da gloriosa Universidade - também símbolo altaneiro a atestar a eterna presença do passado -, concitavam à reclusão e a todos lembravam as virtudes sem mácula do trabalho.
Ora, essa capa tão enobrecida, que, ao igualizar os estudantes, também faz parte das insígnias mais altas que os mestres jubilosamente ostentam nos momentos solenes e se tem estendido perante as mais altas figuras da Nação, em reconhecimento de virtudes e de qualidades para cuja apropriada reverência melhor expressão ainda não se encontrou, tem cingido largos milhares de jovens que ao longo dos anos passaram pela Academia coimbrã, tendo vivido a larga sedução do seu natural encantamento, ao qual tacitamente juraram fidelidade indefectível.
O facto observa-se largamente em todo o Portugal - continental, insular e ultramarino até no estrangeiro, onde no Brasil, pátria irmã, se formaram núcleos de antigos estudantes de Coimbra, cuja organização fielmente traduz a própria organização daquela vida estudantil.
A Academia de Coimbra é, portanto, hoje, como o era ontem, uma força de saliente valor, que se formou e cimentou em ambientes de singular peculiaridade, únicos no Mundo, e que na vida nacional se apresenta cheia de pergaminhos e detentora de brilhante folha de serviços prestados à Nação, não só como forja que tem sido de altíssimos valores, a quem muito devem a política, a cultura e o próprio ressurgimento nacionais, como ainda pela especial relevância dos seus organismos culturais, artísticos, sociais e desportivos, que formam um amplo conjunto de actividades, gozando da mais justa nomeada e alta projecção, quer no País, quer no estrangeiro.
E nem se torna necessário destacar perante VV. Ex.ª a saliente categoria do Orfeão Académico de Coimbra, o eterno «jovem» que já completou 75 anos de vida sempre recamada de triunfos, da Tuna, do Teatro Clássico dos Estudantes, do Orfeão Misto, das Danças Regionais, do Teatro Moderno, da sua notável secção desportiva, hoje dos mais altos expoentes da actividade lúdica nacional, mas que não é razão única da supremacia estudantil coimbrã, e muito longe disso, da Filantrópica Académica e das restantes manifestações de vitalidade duma academia que, na marcha da vida, se tem mantido íntegra e devotada aos seus nobres primados, imune a ingerências estranhas, mas comparecendo sempre a marcar presença nos grandes momentos nacionais.
Ora, Sr. Presidente, todo este conjunto importantíssimo de valores se consubstancia na Associação Académica de Coimbra, em cuja direcção tomam assento representantes de todas ais Faculdades, e que, por isso, é órgão tutelar, com vasto poder de efectiva defesa e fomento de direitos e interesses, propiciando ainda ao desenvolvimento intelectual, moral e físico dos estudantes.
Os problemas da vida circum-escolar não são, por isso mesmo, assuntos desconhecidos ou de que se não tenha já naturalmente ocupado no desenvolvimento da sua actividade especifica.
A lição dos factos, reiterando-se nos anos, demonstrou à saciedade o verdadeiro valor dos seus esforços e inteiro cabimento das suas directrizes.
Esta a principal razão da natural expectativa e receios que o articulado do Decreto-Lei n.º 40 900 ali criou e até num largo sector da opinião pública.
Na verdade, perante a alegada peculiaridade da vida da Academia de Coimbra, onde todos ou quase todos os estudantes se conhecem e tão facilmente se desvenda o viver de cada um; perante o equilíbrio estável em que essa vida tem decorrido ao longo das décadas, orientada e acautelada tão cuidadosamente pela Associação Académica, a modificação profunda que o mencionado decreto-lei criou, prolongando largamente a acção directiva e fiscalizadora do Governo, edificada em novos moldes, cria problemas da mais alta transcendência.
É que não è possível num acanhado decurso de poucas dezenas de dias modificar utilmente a estruturação cimentada ao longo dos anos, para a substituir por outra de contornos ainda pouco nítidos, muito embora alicerçada nas confessadas intenções da valorização do estudante durante e após a sua vida escolar, garantindo-lhe que, finda ela, não cairá no vácuo duma vida sem significado e sem possibilidade de ser vivida no mesmo teor de dignidade a que ele se habituou.
Ora concebe-se facilmente que o Governo se queira assegurar da acertada aplicação do larguíssimo capital que terá de empregar para que os seus elevados desígnios de conferir ao estudante do ensino superior a habitação, a alimentação, a educação física, a saúde, o conhecimento do Mundo e das várias formas da cultura humana, o seguro, a escolha da carreira e o emprego possam sor alcançados na aceitável medida em que foram considerados no citado decreto-lei.
Não me parece, porém, que para tanto se torne forçoso menosprezar, pelo menos em Coimbra, uma orgâ-

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nica sadia e sempre rejuvenescida, que tem dado os mais elevados exemplos de cordura, acatamento e respeito pelos nobres princípios em que se alicerça a vida a Nação.
Entendo que procede inteiramente quanto se alega na bem elaborada e profundamente compreensiva exposição da direcção da Associação Académica de Coimbra dirigida ao magnífico reitor da sua Universidade e nesta Assembleia distribuída, especialmente na parte onde afirma que a Associação Académica de Coimbra requer uma especialização e uma descentralização no capítulo da sua orgânica interna.
Nada mais ajustado com as realidades e nada mais francamente possível nas actuais circunstâncias.
E tem de ser essa especialização que deve estender-se aos restantes órgãos do governo da Academia de Coimbra, que ditará não a sua substituição mas antes o fortalecimento da sua acção moralizadora e tutelar, sempre facilmente controlável pelo prelado universitário, que, com a sua incontestada autoridade, poderá completar sem qualquer ostensivo dirigismo a superior orientação governativa de valorizar cada vez em maior grau o já valioso capital humano que o universitário especialmente representa entre os melhores valores da Nação.
Há, portanto, Sr. Presidente, que ter em atenção todo o conjunto de asperezas que o aludido Decreto-Lei n.º 40 900 apresenta, colmatar as suas lacunas e atender às particularidades da vida associativa estudantil, que não foram efectivamente consideradas.
Este trabalho, porém, pode fazer-se sobre o propósito firme de servir os mais altos interesses da juventude, sem lhe menosprezar as qualidades de iniciativa e de decisão ou minimizar as suas qualidades, em que tem de depositar-se a mais lata confiança.
O Ministério da Educação Nacional mostra-se empenhado em que os jovens de hoje, muitos dos quais serão os governantes de amanhã, ocupando postos de comando nos vários sectores da administração, os possam assumir com a mais alta garantia de eficiência.
Louva-se e compreende-se tão patriótica atitude e a seu serviço se procurará aperfeiçoar o sistema contido no Decreto-Lei n.º 40 900, até ao ponto de o fazer inteiramente harmónico e coincidente com as realidades da vida em que pretende basear-se.
Para tanto, Sr. Presidente, não poderá esta Assembleia ratificar pura e simplesmente esse diploma legal, mas fazê-lo seguir a tramitação que a lei e o Regimento desta Casa impõem para que nele venham a ser introduzidas as emendas que forem reputadas mais aconselháveis.
Na mais louvável das intenções, é o próprio legislador quem assim o deseja na clara urdidura da sua douta nota oficiosa.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Galiano Tavares: - Sr. Presidente: a recente publicação do Decreto-Lei n.º 40 900, oriundo do Ministério da Educação Nacional, provocou alarme nos meios universitários, de que Coimbra é viva e lídima expressão.

(Reassumiu a presidência o Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior).

Não há vida de relação associativa que, entre nós, se lhe compare.
Ë um verdadeiro e útil espírito de auxílio mútuo.
Todos deploramos a falta de unidade e espírito de colaboração nos demais centros universitários.
A experiência esclarecida transforma os adolescentes em homens, e por homem se pretende significar o futuro profissional e o cidadão.
Não é o grupo que escolhe o chefe (Caput), mas o chefe que se impõe ao grupo: decisão, rapidez, golpe de vista e sentido de organização. A actividade gregária manifesta-se já nas próprias crianças, tal o caso dos jogos colectivos.
Os dominados jamais serão elementos de progresso da vida espiritual, diz-se. Assim é; porém, em certa medida.
Viver enclausurado é a maior desgraça. E o espírito também se aprisiona, o espírito também se enclausura, porque clausura é a monotonia dos dias que se sucedem, sempre iguais e sempre frios, quando nos não aquece a labareda de um ideal construtivo.
O homem só, o homem solitário, de nossos dias não é já o homem forte das concepções de outrora. Espectro de si próprio, o homem solitário não se sublima pelo abandono, antes se degrada pelo egoísmo.
A vida dos meios pequenos, isolando os homens dos grandes incidentes que amanhã hão-de ser factos históricos, tira-lhes a possibilidade de bem compreender o que seja o gozo moral ou intelectual de os ter originado, privando-os até, pela distância, da suprema graça de bem os poder sentir.
A cada passo ouço lamentações pelo que a vida é e pelo que a vida será.
Puerilidades! Exigi de uma árvore frondosa que não dê sombra, do mar que não tenha vagas, do rio caudaloso que suste a sua torrente. Lamúrias. A rota dos acontecimentos os homens a preparam e a modificam, os homens a alteram e a orientam !
A harmonia universal resulta da própria desarmonia das aspirações dos povos, como no domínio da vida física a força centrífuga se opõe à força centrípeta e as atribulações sinceras por que passam certos espíritos ingénuos provêm, precisamente, da acanhada órbita da sua vida de relação.
Elevemo-nos acima da vulgaridade, porque a pobreza dos nossas concepções é que limita e enclausura o nosso hesitante poder da vontade. Façamos da vida igual e monótona de todos os dias a vida rica e opulenta do movimento, da aspiração forte, da vontade enérgica que se impõe e se « expõe» sem esse nefasto receio de ser diferente dos outros.
Vida social e universitária só intensamente se sente e observa em Coimbra. Também, por outro lado, é corrente apreciar-se aquilo que geralmente se não conhece bem.
A individualidade não se enriquece pela adopção de convenções arbitrariamente fixadas, diz-se.
E quando se diz «arbitrariamente» talvez se devesse dizer antes «artificialmente» e este pode ser o aspecto frágil da providência. Não se trata do critério do mau político: «Sou o chefe, logo tenho de os seguir».
Seria a adopção do princípio da irresponsabilidade. Coimbra é Coimbra; Coimbra é a tradição.
A Universidade influenciou notavelmente a vida de Oxford em Inglaterra a partir do século XIII.
Cambridge é conhecida em todo o Mundo pela sua Universidade fundada em 1229 e cujas origens datam de uma escola que a antecede.
A intenção do Ministério da Educação Nacional não traduz, porém, a meu ver, qualquer má vontade. A iniciativa do diploma é genericamente orgânica.
As nossas Universidades careciam de criar, de estabelecer, princípios de vida associativa dos alunos entre ai, dos professores para com os alunos, de uns e outros com a Nação.

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Daí a doutrina dos artigos 1.º e 5.º do decreto que se comenta na generalidade.

Artigo 1.º É criada na Direcção-Geral do Ensino Superior e das Belas-Artes a Comissão Permanente das Obras Circum-Escolares e Sociais do Ensino Superior, à qual compete estudar todos os assuntos respeitantes à vida circum-escolar e social dos alunos das escolas superiores dependentes do Ministério da Educação Nacional.
Art. 5.º As associações e organizações destinam-se a funcionar no âmbito da escola, para complemento formativo do ensino nela ministrado, para utilização proveitosa e recreativa dos sócios estudantes, para fomento do espírito de camaradagem entre os alunos e estreitamento das relações entre eles e o corpo docente.

É que o Estado não pode desacompanhar a criação de organismos que lhe vão custar dinheiro e cuja continuidade lhe interessa, motivo pelo qual não tem apenas o direito, mas o dever, de observar como colaborador.
Na exposição que se dirigiu ao Sr. Presidente da Assembleia Nacional dizem as direcções das associações de estudantes de Lisboa:
«Não se eximem os estudantes universitários de felicitar o Governo pela intenção revelada com a criação da Comissão Permanente, cujos objectivos garantem que alguns dos problemas mais importantes da Universidade portuguesa, que de há muito preocupavam as associações de estudantes, vão merecer finalmente por parte das entidades oficiais a atenção indispensável para a sua resolução».
Alguma coisa nova se passa, portanto, no âmbito das escolas superiores e que provém do Ministério da Educação Nacional.
Com efeito, não há internatos oficias convenientes, e organizados segundo os bons princípios, propiciando uma convivência útil entre os alunos dos diversos estudos e escolas superiores. Daqui uma diminuição em extensão e em continuidade da cultura portuguesa, visto não podermos atrair portugueses que vivem no ultramar ou noutros países, onde, os que podem, se educam.
As «residências» que açora se procura estabelecer representam uma valiosa iniciativa, não só quanto à cultura e higiene física, mas relativamente ao próprio senso social e melhoria do ambiente de trabalho.
Estas não serão as «repúblicas» de Coimbra nem os ágapes de «contas fiadas» lesivos do erário de generosos «piratas».
Os estudantes universitários sentem, porém, amargura e expõem as suas razões quanto ao conteúdo, em certos passos, do Decreto-Lei n.º 40 900. Consideram que a importância da autonomia de que gozem os organismos constituídos por estudantes é a essência da sua própria vida e a vigilância permanente injustificável quando se consubstancia e se integra nas actividades circum e puramente estudantis e académicas.
A Associação Académica de Coimbra analisa na sua exposição alguns dos diferentes artigos que a molestam nas suas tradicionais actividades.
Por seu turno, a Universidade de Lisboa considera que, por limitativos (artigo 6.º, os objectivos em vista poderão ser prejudicados. Aspiram, portanto, uns e outros, pelo que se depreende ou claramente se diz e escreve, a que se lhes conceda a possibilidade de formular sugestões antes da sua redacção definitiva. O espírito que predomina no Ministério da Educação Nacional é tão aberto e rasgado, é tão predominantemente tolerante e criador, que tudo tenho por eficaz e reparador perante o que concludentemente afirma:
« Estabeleceram-se normas gerais, que serão afeiçoadas na sua aplicação ao condicionalismo de cada associação, através dos respectivos estatutos».
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. José Sarmento: - Sr. Presidente: a publicação do Decreto-Lei n.º 40 900, de 16 do mês passado, originou nos meios académicos de Coimbra e Lisboa um movimento de certo vulto e do qual resultou o requerimento do Sr. Deputado Moura Relvas. Perante um problema desta natureza, relacionado com a vida académica das nossas Universidades, sinto-me obrigado a intervir.
Além daquilo a que os jornais se referiram sobre a reacção dos meios académicos de Coimbra e Lisboa, possuímos hoje as representações que as respectivas associações enviaram a esta Assembleia.
Por elas podemos visualizar o problema em vários dos seus aspectos, o que nos permite avaliar o grau de reacção provocado nos meios académicos pela publicação do referido decreto-lei e. consequentemente, a necessidade de o submeter à ratificação com emendas.
Sr. Presidente: há tempos para cá nota-se no Ministério da Educação Nacional um movimento de renovação e uma vontade firme de resolver problemas que há muito esperavam solução. Tenhamos em vista as reformas já publicadas sobre os estudos de engenharia, sobre as Faculdades de Medicina, etc. Além disso, sempre que há oportunidade, o Sr. Ministro, nos seus discursos, mostra que não são só aqueles velhos problemas que há muito e muito tempo se arrastam no seu departamento que despertam o seu interesse. Novos problemas aparecem que lhe merecem a maior atenção e trata imediatamente de os resolver, antes que envelheçam.
Quando à testa dum departamento do Estado se encontra uma pessoa que, com coragem, não fugindo a canseiras, pega imediatamente em novos problemas e tenta resolvê-los, com segurança e conhecimento de causa, muito nos devemos congratular. Temos, assim, a certeza de que a governação em tais mãos não envelhece, o que permite acompanhar o desenvolvimento, por vezes muito rápido, de determinados sectores.
Em particular, a expansão da actividade científica, hoje em rapidíssimo crescimento, para não ser entravada precisa que o quadro onde ela se exerce seja constantemente revisto e adaptado ao seu grau de desenvolvimento.
Se as directrizes que hoje felizmente imprimem ao Ministério da Educação Nacional um cunho de juventude renovadora tivessem sido sempre a sua norma, não se verificaria que ainda hoje os estudos de física nas nossas Faculdades de Ciências se façam como se faziam há cerca de cinquenta anos. Na sua organização ignora-se ainda, infelizmente, tudo o que originou a actual revolução científica e técnica que caracteriza a época presente.
Baseado neste espírito de renovação e juventude, e para acompanhar as modificações provocadas pelas futuras cidades universitárias e a necessidade, mais do que imperiosa, de atender às actividades circum-escolares dos nossos estudantes universitários, foi publicado o Decreto-Lei n.º 40 900.
Sr. Presidente: foi com a maior satisfação que constatei ter sido em pleno período de funcionamento desta Assembleia que o Governo decretou o diploma em ques-

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tão. Este facto permite submetê-lo à apreciação da Assembleia, o que demonstra a prudência com que o Governo, e neste particular o Sr. Ministro da Educação Nacional, exerce o seu labor.
Perante a magnitude dos assuntos versados no referido decreto-lei, o requerimento do Sr. Deputado Moura Relvas impunha-se, não só pelo movimento desenhado em certos meios académicos, mas também noutros meios, que pretendem explorar o referido problema. Convém, portanto, que o decreto em questão seja submetido à apreciação da Assembleia e publicamente debatido, para que a Nação tome assim cabal conhecimento dos seus problemas.
Termino fazendo votos para que o mais rapidamente possível possamos discutir e apreciar o referido diploma.
Disse.

Vozes : - Muito bem, muito bem ! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Daniel Barbosa : - Sr. Presidente: cabe à Assembleia Nacional, por direito próprio, a fiscalização dos actos do Governo e a possibilidade de legislar também; mas cabe-lhe igualmente estar atenta aos acontecimentos e aos factos que em consequência de determinadas medidas possam, contribuir para criar ambientes que ao País não interessa manter.

Vozes : - Muito bem !

O Orador: - Dentro deste princípio, subscrevi, Sr. Presidente, o pedido de apreciação por esta Câmara do Decreto-Lei n.º 40 900, de 12 do mês passado, e solicitei de V. Ex.ª a palavra para expor as principais razões que me levam a tomar posição aberta neste assunto, que se apresenta delicado pelas consequências que pode acarretar na vida do estudante português.
Vou referir-me, assim, à disposição governamental que, criando na Direcção-Geral do Ensino Superior e das Belas-Artes a Comissão Permanente das Obras Circum-Escolares e Sociais do Ensino Superior, impôs inesperadamente um regime novo ao funcionamento das associações e organizações de alunos universitários.
Ao fazê-lo, porém, quero reafirmar, na consciência de um estrito e, aliás, bem agradável dever, a alta consideração em que tento a vincada personalidade e a dedicação já exuberantemente demonstrada do actual Ministro da Educação Nacional, o qual, como já disse um dia, trouxe ao seu difícil Ministério uma refrescante lufada de entusiasmo e juventude, que libertou esse importante departamento de muitos anacronismos lamentáveis que o estavam prejudicando.

Vozes : - Muito bem, muito bem !

O Orador : - Mas não escondo também a minha convicção de que os problemas que respeitam à vida associativa do estudante universitário têm de ser olhados e ponderados em moldes totalmente diferentes daqueles que podem ser rotineiramente seguidos na orgânica corrente da Nação, dado que, até pela sua natureza, pela sua índole, pela sua idade e pelo seu desejo de cultura e de servir, o estudante não se amolda facilmente à burocracia e às limitações de dependência e de disciplina funcional em que decorre a maior parte dos serviços do Estado.
Parto, assim, de dois postulados, que, embora traduzindo preocupações formalmente diferentes, não são de modo algum antagónicos, nem mesmo sequer divergentes, visto que no reconhecimento do mérito e da forma de pensar e de actuar do Prof. Leite Pinto reside, para mim, e pelo contrário, a certeza da sua total afinidade.
Como é evidente, a criação de uma comissão de carácter permanente destinada a considerar e a estudar os diversos problemas da vida material e moral do estudante - que está nas nossas mãos, em grande parte, ajudar a resolver- só poderia merecer de todos os interessados uma grata e confiante aceitação, defendido naturalmente o princípio de um espírito compreensivo e juvenil como base do seu tão delicado trabalho e salvaguardadas certas objecções que a forma da sua constituição sugere: o Governo, tomando de moto próprio posição neste campo, evidenciou, na verdade, o louvável desejo de uma contribuição efectiva para as soluções que devem levar a vida da nossa academia àquele nível e possibilidades sociais que é seu dever procurar assegurar-lhe.
Simplesmente a parte restante do decreto-lei que estamos analisando, e que respeita ao novo regime imposto às associações e organizações de alunos das escolas superiores dependentes do Ministério da Educação Nacional, provocou compreensíveis receios e leva a alguns reparos também.
De facto, se o fim da referida Comissão -cuja criação está na base do decreto-lei em causa- é o de estudar todos os assuntos respeitantes à vida circum-escolar e social dos estudantes universitários, conforme o seu artigo 1.º claramente preceitua, certo é também que a circunstância de desde já se impor esse novo regime exprime a formulação por aceitação prévia de uma ideia assente quanto a um dos princípios basilares de uma nova orgânica que o Governo pretende estabelecer com brevidade para os corpos discentes das Universidades portuguesas.
Não é fácil, na realidade, aceitar outra interpretação que não seja esta, dado que a formulação desse novo princípio não dependeu do estudo da Comissão ora criada, da ponderação das razões que, a favor ou contra, lhe fornecessem ampla e francamente as entidades interessadas, da análise objectiva dos argumentos e dados daqueles que mais viveram e vivem a vida associativa do estudante: tudo se apresenta como um axioma a condicionar uma das partes mais delicadas do trabalho que àquela Comissão se cometeu, em vez de ser uma consequência, um resultado do estudo de organização que dela seria lícito esperar para depois se resolver.
E aqui começa a minha natural discordância, sendo exactamente em relação a esta parte do decreto-lei que transcende, por razões sociais, morais e políticas, as razões de estruturação burocrática dos serviços do Estado- que pretendo chamar a atenção da Câmara, convencido da necessidade de promover sobre ela uma esclarecida e aberta apreciação.
Não se trata, portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, de marcar uma atitude que provenha da discordância duma forma nova que, em consequência da evolução natural das coisas e do tempo, se pretendesse dar a um princípio aceite, no fito de melhor o valorizar no campo político-social da sua aplicação, mas sim de levantar as maiores dúvidas quanto à vantagem da aceitação dum novo princípio que, abandonando velhas e proveitosas tradições universitárias, se substitui na rotina de rígidas prescrições regulamentares ao entusiasmo e às dedicações daqueles que são capazes de tudo dar e oferecer só pelo desejo vincado de trabalhar e servir.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Devo afirmar ainda, Sr. Presidente, que a posição bem clara que a este respeito tomo aqui

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se liga exclusivamente à minha posição de Deputado, o que quer dizer, claramente também, que exclusivamente a situo no terreno político; mas, se é certo que, neste momento, imposições constitucionais me interditam as funções de professor e me desligam de muitos dos seus deveres, não negarei que é o mexi espírito de universitário, que encara a Universidade como a mais nobre e prestigiosa e altiva das corporações, que me confere uma total alergia a quanto possa sacrificá-la em tradições, entusiasmo e vida.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: as associações dos estudantes universitários têm a sua existência legal e devidamente reconhecida pelo Decreto n.º 21 551, de 30 de Julho de 1932, e não há dúvida que o Decreto n.º 21506, de 3 de Agosto desse ano, que o regulamentou, deu ao Ministério da Educação e a entidades dele dependentes a indispensável competência em tudo quanto respeita às suas constituição e fiscalização; e aí se impõe também que a aprovação ou a alteração dos estatutos vigentes depende do reitor da Universidade ou do director da escola, como da sua aprovação da mesma forma depende a efectivação de muitas iniciativas daquelas associações.
E porque nesse decreto igualmente se previu a proibição do seu funcionamento, na hipótese de desvios estatutários ou das disposições legais, os estudantes puderam viver associativamente até hoje numa satisfatória liberdade de acção e de iniciativa, sem prejuízo dum mínimo de condicionalismo que a razão de Estado pudesse porventura impor.
As novas condições de orgânica e de funcionamento associativo em que o Decreto-Lei n.º 40 900 pretende assentar quanto às associações dos estudantes, e que particularmente respeitam às suas assembleias gerais, às reuniões dos seus órgãos, ao grau discricionário da nomeação de comissões administrativas, às possibilidades da sua extinção, que se aparentam a exceder as previstas no Decreto n.º 21 566, de 3 de Agosto de 1932, a uma burocracia de relações que compromete a possibilidade dum contacto directo da juventude académica com o Ministro e parece limitá-la nas relações entre si, etc., enfraquecem substancialmente aquele grau de independência que, até hoje, se mostrou proveitoso e eficaz, transformando o ambiente associativo e quebrando-lhe, consequentemente, a sua projecção e o seu interesse.
Qual a vantagem, qual a razão desta mudança, que está causando nos meios universitários do País uma perturbante confusão?
O estudante que acorre à Universidade casa- mãe, por excelência, das élites, do pensamento e da ciência- não pode buscar só nela uma preparação técnica ou uma bagagem científica, esquecendo que a vida amanhã o acolhe, pondo à prova - e a prova dura! - sobretudo a sua personalidade e a sua formação; e, se quiser vir a ser, na verdade, um homem do seu meio e do seu tempo, se quiser vir a ser um elemento actuante e influente duma elite que conduz, tem de se habituar a saber ter iniciativas e a pugnar por elas, tem de saber lutar pela defesa dum princípio, duma doutrina ou duma ideia, tem de saber bater-se, conscienciosamente, pela ética que aceita como determinante da sua forma de ser, tem de saber estar presente ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... discutir, esclarecer, analisar, nos momentos em que se ponha á prova a linha de condução por onde quer ver seguir a sua vida e a do meio social em que se integra.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Cube-nos a nus, é certo, mais experientes, mais velhos -e por natural obrigação-, pôr a nossa experiência e a nossa idade ao serviço dessa causa, que é, pela própria transcendência do seu meritoso alcance, uma causa eminentemente nacional; e, nesse sentido, tudo quanto da lição da nossa vida lhes pudermos dar constituirá um relevante serviço àqueles a quem a vida sedutoramente ainda oferece perigosos enganos, que a mocidade pode inexperientemente transformar em normas de condução.
Mas temos de actuar acautelando desvios, impedindo interpretações que possam desvirtuar ou comprometer aquilo que, na realidade, se pretende, sabendo sobretudo aproveitar o respeitar na gente nova quanto ela de melhor possui para realizar esse trabalho delicado, de que há-de. em grande parte, depender mais tarde a vida e o valor da Nação.
Isto é: cabe-nos facilitar-lhe os caminhos por onde ela melhor se possa conduzir, sem nunca, e em circunstância alguma, a limitar por um comodismo de processos, por uma falta de confiança incompreensível ou por rígidas peias burocráticas, que lhe quebrem, numa rotina sem alma, a sua iniciativa e a sua devoção.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É inexperiente a gente nova, é certo, e por isso mesmo facilmente penetrável por propagandas perigosas, que têm quase sempre uma roupagem tão frágil que não podem aguentar-se perante a comezinha verdade que o senso da mais idade, que a experiência dos mais velhos descobrem naturalmente só por si; mas oferece, em contrapartida, a gente nova um entusiasmo que, infelizmente, depois se vai perdendo pela vida fora, um desejo sem limites de actuar e de servir, uma dedicação sem fitos de recompensa àquilo que a apaixona, que deixa caminho aberto a todas as causas nobres e que. por isso mesmo, a poderá entregar a tudo quanto de aliciante e de digno lhe saibamos realmente oferecer.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E é aqui, e por aqui, que o trabalho dos mais velhos se justifica e se impõe, se quisermos, na verdade, trabalhar para formar, em vez de nos limitarmos a trabalhar para instruir.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Esclareçam-na, informem-na, ajudem-na, compreendam-na nas suas dúvidas, conduzam-na nos seus anseios, defendam-na dos perigos e das mentiras que a cerquem, mas deixem-na ser diferente das rotinas que entorpecem, libertando-a, por princípio, de toda a peia que a amorteça ou desinteresse; pelo contrário, facilitem-lhe, sem a deixar tender para quanto possa reverter em prejuízo da manutenção do equilíbrio do ambiente escolar, o hábito de discutir abertamente e de pugnar entre si pelos seus pontos de vista, de ter a iniciativa construtiva das soluções da grande parte dos seus problemas dominantes, de trabalhar directamente pelo, mais alto nível das suas relações e do seu meio, de ser útil a si própria e de viver, integrando-se entusiasticamente no espírito da corporação a que pertence, de ser franca, ousada e combativa pela verdade que aceita, de ser, enfim, um conjunto de

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pessoas que ganhem, a par do ensino que a Universidade lhes faculta, aquela personalidade inconfundível dos que sabem perfeitamente o que querem e não se escusam lealmente de dizer para onde vão.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Só assim teremos amanhã homens cultos, capazes de lutar, de comandar e de servir.
Integre-se a mocidade académica mais ainda na vida da sua escola e liguem-na, de uma maneira mais proveitosa e mais viva, com os seus problemas e os seus mestres; definam-se-lhe de modo melhor também as suas responsabilidades e direitos, de forma a que o trabalho indiscutivelmente valioso das suas associações se possa reforçar para proveito próprio, para proveito de todos. Mas deixem-na viver por ela, muito embora procuremos facilitar-lhe, por todos os meios, a sua vida.
Precisa o Ministro da Educação Nacional, por outro lado, de senti-la junto de si, na franqueza das suas atitudes e das suas opiniões, para a poder compreender e orientar; não se assente, portanto, na cerceação inconveniente de direitos que até agora se afirmaram em resultados práticos que nenhum departamento do Estado pode minimizar ou esquecer.
Procurar defender a Academia de influências nocivas que se queiram servir dela para fins inconfessados ou ocultos traduz-se num acto de direito e de dever de qualquer governo consciente, que ninguém honestamente pode, na verdade, contestar; mas não se queira cair em Cila para evitar Caríbdis, e estudem-se, portanto, os assuntos respeitantes à vida circum-escolar dos alunos universitários sem precipitações nem confusões que comprometem.
A legislação até agora em vigor procurou, e conseguiu, corrigir e evitar excessos que, na realidade, não tinham proveito para ninguém; há talvez que completá-la porventura, a fim de a adaptar, em resultado a experiência, às circunstâncias actuais. Não creio, porém, que a solução agora preconizada através do Decreto-Lei n.º 40 900 seja aquela que, na realidade, melhor se justifica e mais convém.
Expus, Sr. Presidente, em linhas muito gerais, as razões que me levam à discordância que manifestei, e faço votos por que a Assembleia Nacional negue a ratificação pura e simples do referido decreto-lei, acordando na sua ratificação com emendas, no cumprimento, aliás, dum direito que. duma maneira tão leal, o Sr. Ministro da Educação foi o primeiro a lembrar na sua nota de 6 do corrente mês.
E ao notá-lo quero deixar aqui uma palavra de merecido apreço por quem, ao promulgar reformas que sobremaneira interessam à vida nacional, o faz dentro do período das sessões legislativas desta Câmara, conferindo-lhe assim a possibilidade de exercer o direito que o País lhe confiou de as discutir e alterar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A Assembleia Nacional, Sr. Presidente e Srs. Deputados, prestará com a devolução à Câmara Corporativa, para cuidadoso estudo, do Decreto-Lei n.º 40 900, e sua consequente transformação em proposta de lei, que discutiremos depois, um proveitoso serviço à causa da Universidade e ao próprio Ministério da Educação Nacional.
Com a esperança de que assim suceda, formulo o voto, igualmente, de que o Governo suspenda desde já a execução do referido decreto; desta forma se poderá evitar o que nele me parece existir de criticável, sem prejuízo daquilo que nele também possa existir de bom.
E só haverá que aguardar confiadamente, depois, a publicação duma lei que, pela sua oportunidade, pela sua projecção e pelo seu alcance, bem merece do interesse de Procuradores e Deputados, até porque todos, ou quase todos, temos filhos ou parentes próximos a estudar nas Universidades, e por isso mesmo lhes devemos a carinhosa atenção de cuidar dos seus direitos, no desejo de melhor contribuir para o seu próprio «futuro», que há-de ser, pelo que nos respeita, o «presente» final para exame de consciência da vida de todos nós.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Almeida Garrett: - Sr. Presidente: as minhas primeiras palavras são para aderir ao coro de louvores pela iniciativa do Ministério da Educação Nacional de encarar com ampla visão, em plano nacional, as obras e organismos circum-escolares, para a cultura integral da juventude universitária e, consequentemente, para a formação dos dirigentes do Portugal de amanhã, que hão-de sair das gerações de hoje.
A esses louvores dou a minha inteira e completa adesão e apraz-me significar deste lugar a minha admiração pela magnífica actividade que está desenvolvendo no seu Ministério o Sr. Prof. Leite Pinto. Dessa obra já notável, a iniciativa do decreto-lei em discussão não é certamente uni dos actos de menor valor. Devemos-lhe um tributo de gratidão, gratidão por acções que estão bem de acordo com o alto espírito e as superiores qualidades do actual titular da pasta da Educação Nacional.
Não é necessário, depois dos discursos aqui proferidos, enaltecer e destacar ainda mais a importância que tem o diploma em causa, o seu alto valor e a sua projecção na vida académica e na vida nacional. Os seus objectivos estão fora de discussão; todos os reconhecem inteiramente justos e dignos do nosso inteiro aplauso.
E porque assim é, dou o meu voto na generalidade ao diploma em discussão, apenas com a reserva, já aqui manifestada pelos colegas que me precederam nesta tribuna, de nele serem introduzidas certas emendas, certas correcções, que reputo também indispensáveis.
Para mim, o ponto nodal das objecções que têm sido levantadas ao articulado do diploma está nas relações entre professores e alunos nos organismos circum-escolares.
Penso que não há possibilidade de esses organismos das, certas correcções, que reputo também indispensá-íntima colaboração das autoridades académicas com os estudantes. Sou também da opinião, aqui há pouco expressa pelo nosso ilustre colega Sr. Eng. Daniel Barbosa, de que é necessário que os alunos exprimam livremente as suas opiniões, que elas sejam discutidas ampla e libèrrimamente. para formação do seu carácter e para o êxito das instituições em que são chamados a colaborar.
Mas ao lado dessa liberdade tem de existir necessariamente a autoridade académica, para que ela se não desvie em sentidos inconvenientes, para que não haja da parte do estudante um oculto propósito de destruir o espírito que deve presidir a esses organismos, para que nestes exista continuidade de acção.
A conjugação da liberdade dada ao estudante com a indispensável autoridade do mestre, eis o ponto crítico do diploma em discussão, porque, no fundo, as opiniões mais dignas de reflexão que têm sido levantadas a propósito do articulado do diploma residem no preconizado meio de conjugação dessas duas ordens de atri-

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17 DE JANEIRO DE 1957 (249)

buições, que leva à presunção de que se pretende tutelar estreitamente o espírito académico, o que, aliás, creio não ter sido a intenção do legislador.
Já aqui foi dito e redito que o próprio Ministro reconheceu que o diploma era susceptível de sofrer determinadas modificações, e esperava que a Assembleia Nacional indicasse qual o melhor caminho a seguir, para que ao diploma fosse dada uma redacção melhor.
Abriu assim a porta, com um lúcido espírito de compreensão s tolerância, para que possamos propor as emendas indispensáveis; mas essas emendas, em meu entender, não são .para anulações, que reconduziriam ao estado actual da questão, mas apenas sobre pormenores do seu articulado, sem alterar as linhas essenciais do diploma. E, porque não devem alterar essas linhas- com as quais, me parece, todos ou quase todos estamos de acordo -, dou sinceramente o meu voto, na generalidade, ao decreto-lei em discussão. Reservar-me-ei, na especialidade, para particularizar os pontos que me parecem dignos de maior atenção e correcção. Mas desde já posso afirmar que eles se referem essencialmente às relações mútuas que devem existir entre as autoridades académicas e os estudantes dentro dos organismos circum-escolares, relações que devem ser baseadas essencialmente na liberdade de expressão dos sentimentos da juventude, por um lado, e na acção protectora das autoridades académicas, para que as actividades dos escolares se exerçam em puro espírito de aperfeiçoamento do estudante e do meio em que vive, sem intromissões alheias aos intuitos desses organismos e garantindo a continuidade da sua acção e o equilíbrio da sua vida administrativa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E, posto isto, Sr. Presidente, seriam desnecessárias quaisquer outras considerações. Mas não quero terminar, se V. Ex.ª mo permite, Sr. Presidente, sem deste lugar proferir uma breve exortação à mocidade de hoje.
Parece-me ter autoridade para a fazer, porque quem viveu na sua juventude as ansiedades de uma época de intranquilidade pública, quem as viveu vivamente, e depois teve uma vida universitária de quarenta e dois anos de serviço docente e de vinte e três dirigindo a sua Faculdade, conhece bem os rapazes, lidou com eles, viveu com eles, discutiu com eles, por assim dizer, durante toda a sua vida, e pode, pois, falar com conhecimento de causa.
A mocidade é boa; a mocidade é generosa; acalenta sempre ideais nobres, de patriotismo e de perfectibilidade social. Foi assim sempre; ontem e hoje, e assim há-de ser amanhã, porque, se assim não for, deixará de ser mocidade. Oxalá conserve pela vida fora esse espírito, não o deixando afogar na onda das ansiedades materiais.
Mas a mocidade, precisamente porque assim é, precisamente porque vibra com esses altos ideais, facilmente é captada por ocultas insinuações, por disfarçados movimentos que querem aproveitar-se exactamente do calor que ela dá a esses ideais para a conduzir a situações deploráveis, contrárias aos seus próprios interesses e contrárias aos interesses da Nação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Eu não sou daqueles que pensam que quem não está inteiramente, rigorosamente, de acordo com o Governo é contrário aos interesses da Nação, é antinacionalista. Não sou dos que assim intolerantemente pensam, mas sou dos que entendem que tudo aquilo que seja combater, directa ou indirectamente, a portentosa obra do Estado Novo, promotora da tranquilidade pública, do progresso moral e material do País, do prestígio de que gozamos como nação, é necessariamente uma traição à própria pátria. Cumpre-nos combater, sem tibieza, tudo o que leve a diminuir os nossos essenciais conceitos de amor a Deus, à Pátria e à Família, ou seja aqueles princípios basilares da nossa civilização, que temos obrigação de intransigentemente defender.
No momento actual que atravessa o Mundo, e particularmente esta velha Europa, que ainda no campo espiritual é o centro do Mundo, tudo o que seja lutar contra as infiltrações da barbárie oriental é indiscutivelmente indispensável. E sinto perfeitamente que, a propósito do diploma em causa, há subtis intromissões de venenosos sectores querendo levar a mocidade académica a posições extremistas, adulando os seus sentimentos de independência, para criar aquelas situações de rebeldia que conduzem ao uso da força - seguramente aquilo que desejam os que querem perturbar a paz pública, e assim dessa maneira concorrer para a consecução dos seus tenebrosos objectivos. E, porque sinto isso, a mocidade que se acautele, que se não deixe ludibriar, que não confunda inconformismo com revolta, porque assim só servirá, sem perversão da nobreza dos seus ideais, a sua própria causa e a causa suprema da Nação.
Confie no Governo, como eu confio, como confiamos todos os que desintessadamente trabalhamos para a dignidade e para o progresso do nosso amado Portugal. Confie sinceramente, porque pode confiar. E não será desiludida!
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Está concluída a discussão na generalidade do Decreto-Lei n.º 40 900. Vamos passar, portanto, à votação.
Submeto primeiramente à votação da Câmara a ratificação pura e simples do mesmo diploma. Se for negada a ratificação pura e simples, submeterei depois à votação da Câmara a sua ratificação com emendas.
Vou, portanto, submeter à votação da Câmara a ratificação pura e simples daquele decreto.

Submetida à votação, foi negada.

O Sr. Presidente: - Ponho agora à votação da Câmara a ratificação com emendas.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Em virtude da votação da Assembleia, o Decreto-Lei n.º 40 900 é transformado em proposta de lei, que vou mandar imediatamente à Câmara Corporativa, para ser mais tarde devolvida a esta Assembleia com o respectivo parecer, a fim de ser então discutida na especialidade.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: muito embora, por força de disposição constitucional, o decreto que acaba de ser convertido em proposta de lei mantenha a sua vigência, estou autorizado a dizer a V. Ex.ª e à Câmara que o Sr. Ministro da Educação Nacional não tenciona executá-lo sem que a Assembleia venha a pronunciar-se sobre o fundo dos problemas que o mesmo decreto suscita ou suscitou.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 118 (250)

O Orador: - Esta posição do Sr. Ministro da Educação Nacional não se entende relativamente a projectos de estatutos de associações ou organizações académicas que, entretanto, sejam submetidos à sua consideração. Se algum destes projectos for submetido à consideração do Ministro, será então considerado.
Só neste aspecto, portanto, é que se manterá a execução do referido decreto, segundo a declaração do Sr. Ministro da Educação Nacional, que estou autorizado a divulgar.
Entendi não deixar de fazer esta declaração, que mostra, mais uma vez, a maleabilidade com que o Sr. Ministro da Educação Nacional e o Governo se têm conduzido relativamente aos problemas suscitados pelo decreto que acaba de ser convertido em proposta de lei.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Desejo comunicar a VV. Ex.ª que os trabalhos desta Assembleia vão ser interrompidos no seu funcionamento efectivo, a fim de dar tempo à elaboração de alguns pareceres sobre propostas de lei pendentes do estudo da Câmara Corporativa, duas das quais ainda ontem foram anunciadas à Assembleia e remetidas à mesma Câmara.
A fim de se poder dar maior eficiência ao estudo dos trabalhos pendentes, e usando da faculdade que me confere o § único do artigo 94.º da Constituição, declaro os trabalhos da Assembleia Nacional interrompidos efectivamente até 20 de Fevereiro, inclusive, e a partir de hoje.
Oportunamente a Assembleia será convocada para se reunir.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Russell de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
João Afonso Cid dos Santos.
João da Assunção da Cunha Valença. João Maria Porto.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira. Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Maria Vaz. Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Urgel Abílio Horta.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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