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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 179
ANO DE 1957 22 DE FEVEREIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.º 179, EM 21 DE FEVEREIRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Alberto Henriques de Araújo
Nota. - Foi publicado um suplemento ao Diário das Sessões n.º 177, que insere o relatório e contas da Junta do Crédito Público referente» ao ano de 1955.
Foram também publicado» dois suplementos ao Diário das Sessões n.» 178, que inserem: o 1.º, o parecer da Câmara Corporativa n.º 45/VI, acerca da proposta de lei n.» 43 (Instituto Nacional de Investigação, Tecnologia e Economia Industrial), e, o 2.º, o avião convocatório para reabertura da Assembleia no dia 21 do corrente mês.
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 178.
Foi recebida na Mesa uma comunicação do Ministério das comunicações acerca do aviso prévio apresentado pelo Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu, que foi entregue a este Srs. Deputado.
Receberam-se o» elementos requeridos em sessões anteriores pelos Sr s. Deputados Augusto Simões e Pinto Barriga aos Ministérios das Corporações e da Justiça, respectivamente, que foram entregues a estes Srs. Deputados.
Foi lida na Mesa uma nota deste ultimo Ministério referente aos elementos enviados.
O Sr. Presidente informou estar na Mesa o parecer da Câmara Corporativa acerca da criação do Instituto Nacional de Investigação, Tecnologia e Economia Industrial, que já foi distribuído aos Srs. Deputados.
Para os efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, recebeu-se na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho, o Diário do Governo n.º 30, inserindo o Decreto-Lei n.º 40 976.
O Sr. Presidente referiu-se à visita da rainha de Inglaterra a Portugal.
O Sr. Deputado Pinho Brandão usou da palavra para te congratular com a visita ao distrito de Aveiro do Ministro das Obras Publicas.
O Sr. Deputado Águedo de Oliveira, usou da palavra, para se referir à moção apresentada na Comissão das Curadorias das Nações Unidas e o Sr. Deputado Alberto de Araújo falou sobre o mesmo assunto.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Fez-se a chamada, â qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Finto dos Beis Júnior.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raul Galiano Tavares.
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António Rodrigues.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Eduardo Pereira Viana.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Sebastião Garcia Ramires.
Venâncio Augusto Deslandes.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 64 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o n.º 178 do Diário das Sessões.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação, considero-o aprovado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa uma informação prestada pelo Ministério das Comunicações acerca das providências adoptadas ou em projecto relativamente ao problema focado no aviso prévio apresentado pelo Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu. Vai ser entregue ã este Sr. Deputado.
Estão também na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das Corporações em satisfação do requerimento apresentado na sessão da Assembleia Nacional de 12 de Dezembro último pelo Sr. Deputado Augusto Simões e os elementos fornecidos pelo Ministério da Justiça em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 11 de Dezembro último pelo Sr. Deputado António Pinto de Meireles Barriga. O ofício que acompanha estes últimos elementos traz uma informação, que vai ser lida à Câmara.
Foi lida. E a seguinte:
Mais informa aquele departamento de Estado que é pela consignação dos saldos apurados- na gestão dos dois cofres que o Ministério da Justiça tem levado a cabo uma obra de extensa e profunda renovação das instalações dos serviços de justiça, quer auxiliando os municípios nas despesas com a edificação de tribunais, de cadeias e habitações destinadas aos. magistrados, quer custeando totalmente a construção de obras de finalidade análoga em curso, como sejam o Palácio de Justiça do Porto e o edifício destinado em Lisboa à instalação rios serviços da Policia Judiciária e dos Arquivos de Identificação.
O Sr. Presidente: - Encontra-se na Mesa o parecer da Câmara Corporativa relativo à proposta de lei que cria o Instituto Nacional de Investigação, Tecnologia e Economia Industrial. Este parecer já foi distribuído aos. Sr. Deputados.
Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho, o n.º 10 do Diário do Governo, 1.º série, de 12 do corrente, que insere o Decreto-Lei n.º 40 970.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: reabre a Assembleia Nacional os seus trabalhos no próprio dia em que se encerra o programa da visita da rainha de Inglaterra a Portugal e em que a exceda soberana da nossa velha aliada deixa a leal cidade onde teve como é fama origem o nome eterno de Portugal». Quero congratular-me com a Camará e, em nome dela, com o País, pelo transcendente acto político que essa visita, na lógica sequência da que o Chefe do Estado Português fez à Inglaterra, representou para ambas as nações.
Não vale a pena recordar a longa e secular história das nossas relações com a Inglaterra, tão evocada essa história tem sido e tão conhecida ela é desta Camará, porque o que mais importa é verificar que essa velha, aliança assume, nos dias de hoje, mais firmeza e vigor, maior importância para os dois povos, maior projecção no ambiente internacional. Esse é o grande significado político da visita da rainha do Reino Unido da Grã-Bretanha. E não poderia ter sido escolhido nem momento mais oportuno nem mensageira mais autorizada e mais gentil.
Em meio da precariedade das condições políticas da comunidade internacional, frente à desorientação com que se produz nos pontos mais inesperados uma rude ofensiva contra aquela civilização de tipo universalista que levou os princípios do humanismo ocidental a todos os cantos do globo, é da mais frisante oportunidade erguer o exemplo alto de solidariedade de dois povos na prossecução dos seus destinos, dos seus legítimos títulos de direito ao reconhecimento do Mundo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A Inglaterra é uma grande e gloriosa nação. A bandeira que desfralda perante o Mundo tem inscritos os grandes e nobres princípios da dignificação humana e da elevação moral da espécie. Não obstante a diversidade de instituições políticas, são esses princí-
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pios fundamentais os que defendemos. A Inglaterra continua a ser o centro de uma admirável comunidade de nações que constitui exemplo vivo do que poderia ser a sociedade internacional de amanhã. Ao mesmo tempo, quase em toda a parte os interesses dos dois povos se tocam e têm vantagem em se coordenar.
Saudemos a nossa velha aliada e confiemos na sua estrela.
A Assembleia Nacional, que não teve oportunidade de aqui, no seu seio, prestar à rainha de Inglaterra as suas calorosas homenagens, quer deixar registados os seus sentimentos de reconhecimento pela honrosa visita e os seus votos de prosperidades para ela e para o seu povo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E também afirmar que a mensagem de paz, de liberdade, de gentileza e de amizade que nos trouxe e que o nosso povo tão bem sentiu, compreendeu e manifestou na espontaneidade' das suas aclamações e expressões de ternura pela rainha de Inglaterra perdurará no coração dos Portugueses.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Amaral Neto: - Peço a palavra para um requerimento.
O Sr. Presidente:-Desejava saber qual é a matéria desse requerimento.
O Sr. Amaral Neto: - A matéria do requerimento é conexa com o assunto que V. Ex.ª acaba de tratar.
O Sr. Presidente: - Não vejo que este assunto admita conexões.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pinho Brandão.
O Sr. Pinho Brandão: - Sr. Presidente: nos dias 13 s 14 do mês corrente deslocou-se à parte nordeste do distrito de Aveiro o Ministro das Obras Públicas, Sr. Engenheiro Arantes e Oliveira, acompanhado de altos funcionários do seu Ministério. Percorreu os concelhos de Oliveira do Azeméis, Vale de Cambra, Arouca, Castelo de Paiva, Feira, S. João da Madeira e Ovar e neles estudou importantes problemas de interesse público, examinou as necessidades mais prementes desses concelhos e auscultou de perto os anseios legítimos das respectivas populações.
Tal acontecimento, Sr. Presidente, merece que seja posto em relevo nesta Assembleia, pelo sen alto significado de justiça e de interesse por parte do Poder em relação a todas as parcelas do País.
O País não é, com efeito, constituído somente pelas grandes cidades e centros industriais, é-o também pelos meios rurais, pelos campos e serras, que se estendem pelas diversas províncias do território nacional, pelas nossas aldeias, onde o lavrador moureja de sol a sol, num labor constante e permanente para satisfazer necessidades quotidianas do respectivo agregado familiar.
E esta parte do País merece também amparo e protecção do Estado e tem direito a que lhe resolvam e solucionem os seus problemas, que entrem na esfera da competência do Governo, pois daí derivam necessariamente justa elevação do nível de vida das respectivas populações e a possibilidade da fixação destas ao respectivo solo.
Assim o compreende o Sr. Engenheiro Arantes e Oliveira, num alto e impressionante sentido do dever das suas elevadas funções de Ministro das Obras Públicas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Alguns dos mencionados concelhos somente agora, com o Sr. Engenheiro Arantes e Oliveira, receberam pela primeira vez a visita do Ministro das Obras Públicas para estudo completo, no local, de problemas importantes para o progresso e desenvolvimento desses concelhos.
É que o actual Ministro das Obras Públicas, um dos mais competentes que tem passado por esse departamento do Estado, não se poupa a sacrifícios na realização do bem comum da Nação e em há plenamente a alta função que exerce; e, através de tudo, revelo-se o insigne estadista, que está verdadeiramente no seu lugar, pelas suas excepcionais qualidades do inteligência, de acção e de equilibrado bom senso, a que nem sequer falta aquele sentimento de justiça que deve presidir à distribuição dos auxílios do Poder, por todas as parcelas do Pais, de fornia que todas possam atingir o necessário desenvolvimento e progresso.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - S. Ex.ª vai a todos os concelhos onde haja problemas de importância a resolver dependentes do seu Ministério e seja necessário o estudo dos mesmos no próprio local para se chegar a uma conclusão acertada e a uma decisão justa.
Na visita de agora a que me venho referindo, e apesar do mau tempo que fazia, verificou a necessidade da abertura urgente de vias de acesso e da grande reparação, com rectificações dos respectivos traçados, das estradas já existentes mas em estado deplorável, examinou planos de urbanização e enquadramento nos mesmos de obras futuras e viu as obras que estão em curso. Sentiu de perto as necessidades das respectivas populações e o direito que a estas assiste na satisfação dessas necessidades e, através dos representantes das autarquias locais, ouviu as justas reclamações dos povos.
V. Ex.ª, Sr. Presidente, tem conhecimento completo do que fui essa visita do estudo e de trabalho do ilustre titular da pasta das Obras Públicas porque, natural da região visitada, acompanhou o notável homem de Estado.
Presenciou V. Ex.ª o cuidado com que o Sr. Engenheiro Arantes e Oliveira examinou as obras em curso no Convento de Arouca, para adaptação do mesmo aos serviços salesianos o para uma conveniente instalação do respectivo Museu de Arte Sacra, onde se encontram preciosidades de raro valor artístico; e o elevado espírito de compreensão de todos os interesses em presença com que determinava, do Convento de Arouca, a parte a destinar às futuras instalações desse museu e aquela em que se devem instalar os serviços salesianos.
Sr. Presidente: não quero nem devo roubar mais tempo à Câmara, e vou, por isso, terminar. Antes, porém, de o fazer, afirmo que o Sr. Engenheiro Arantes e Oliveira é, dos homens públicos deste pais, um dos que mais justamente merecem gratidão, respeito e viva admiração por parte dos Portugueses, porque se tem revelado à Nação um dos mais insignes Ministros das Obras Públicas dos sucessivos Governos de Salazar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Carlos Moreira: - Sr. Presidente: peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Creio que o Sr. Deputado Carlos Moreira pediu a palavra. E pergunto: é sobre algum dos assuntos que está sendo tratado que V. Ex.ª deseja falar?
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O Sr. Carlos Moreira: - É sobre a interpretação de um preceito constitucional ...
O Sr. Presidente: - Mas não se está a discutir qualquer preceito constitucional. Por consequência, não há que interrogar a Mesa, visto que esta só pode ser interrogada num caso desses, isto é, quando se pretende discutir qualquer interpretação da Constituição ou do Regimento.
O Sr. Carlos Moreira: - É, efectivamente, disso que se trata. Não conheço qualquer preceito constitucional ou regimental que impeça qualquer Deputado de pedir a palavra para apresentar um requerimento. Ora ...
O Sr. Presidente: - Evidentemente que não, mas, nesse caso, o Presidente tem de ser avisado de que vai fazer-se um requerimento e qual o assunto, e só depois disso é que ele lhe poderá conceder a palavra.
O Sr. Carlos Moreira: - Mas é que não chegou a haver oportunidade para dizer qual a matéria sobre que se pretendia falar ...
O Sr. Presidente: - Exactamente por isso é que eu não podia dar a palavra.
O Sr. Carlos Moreira: - Peço desculpa da insistência, Sr. Presidente, mas pareceu-me entender que o ilustre Deputado Engenheiro Amaral Neto estava pretendendo informar V. Ex.ª.
O Sr. Presidente: - Quem pretende usar da palavra tem de dirigir-se à Mesa para declarar o assunto sobre o qual deseja falar. Tenho muita consideração por V. Ex.ª, mas não posso dar-lhe mais explicações.
O Sr. Carlos Moreira: - Muito obrigado, Sr. Presidente, mas não preciso mais nada.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Águedo de Oliveira.
O Sr. Águedo de Oliveira: - Neste dia, em que não se extinguiram ainda os brados triunfais das populações portuguesas, deveríamos ficar nas belas expressões do Sr. Presidente. Quer, porém, a ordem dos trabalhos parlamentares e a acumulação de serviço durante o interregno que me tenha de referir a outra face do direito internacional - ao agravo que nos foi feito em Nova Iorque ...
O Sr. Mário de Figueiredo: - Em Nova Iorque, quer dizer: nas Nações Unidas.
O Orador: - Exactamente ... e que não está inteiramente reparado, à incompreensão e desconhecimento jurídico, contra os quais - mesmo hoje - devemos protestar.
Distinguir entre grandes e pequenas potências, destacar as potências que têm a responsabilidade de territórios e as que não têm. desrespeitar a independência dos Estados, quebrar a linha de igualdade que a todos sujeita, não considerar a palavra dada nem a regra da boa fé, armarem-se os réus em julgadores, perfilhar tratamentos discriminatórios, discutir o que não tem discussão, pôr em dúvida o que está certo, eis o que é contrário ao direito e afronta a justiça.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Embora os homens do nosso tempo estejam habituados a frequentes travestis da verdade e à desligação do real do formal no tablado internacional, o que se passou na Comissão das Curadorias e na Assembleia Geral das Nações Unidas, onde nos foi feita relativa justiça, merece o protesto desta Câmara.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Chega nos jornais desta manhã a notícia de que o procedimento havido com o Portugal de aquém e de além-mar findou por uma votação de empate, para cujo veredicto se exigiam dois terços de votos, e que por agora se pôs ponto final a um tratamento injusto, desigual, direi mesmo afrontoso; mas o erro e agravo foram feitos e merecem ser repelidos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sabemos que o debate foi particularmente violento e que se chocaram os votos entre o grupo afro-asiático, onde domina o esclavagismo político e social, e o grupo do Ocidente, que constitui, recolhe e derrama os primores da própria civilização e do direito.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, são devidas ao maravilhoso Brasil, ao seu gigantesco esplendor - que por ser assim parece obra inteira do Criador, servida pelos descendentes de Álvares Cabral - e ao seu distinto representante, Donatello Grieco, palavras do maior reconhecimento e gratidão.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Eis porque vou ocupar alguns minutos antes da ordem do dia.
O que se passou no discutido areópago das curadorias seria insólito se não revelasse, desde o primeiro momento, a subalternidade em que se encontram os princípios de direito internacional perante as tácticas políticas ou as preocupações duma espécie de parlamentarismo publicitário.
Nos debates, na querela dos grandes e pequenos Estados pretensamente unidos, ignora-se o direito natural, à sombra do qual se instituíram as pedras angulares do edifício que laboriosamente vai sendo erguido; esqueceu-se a história universal, com a sua lição de novos mares, novas rotas da civilização, países ignorados imersos na antropofagia, no tribalismo e na desordem; ignorou-se o enriquecimento ético pelo respeito, boa fé, lisura e fidelidade, pelo bem comum na independência e pelo bem na cooperação; falou-se em paz e invocou-se a segurança com hermenêuticas excessivas e desautorizadas, nas quais não pode haver nem distribuição nem reconhecimento de justiça.
Os representantes das Nações Unidas, reunidos em S. Francisco, elaboraram um código dispositivo de sentido amplo, chamado Carta das Nações Unidas, pelo qual se pretendeu pautar de futuro o procedimento dos Estados membros. Foi então afirmado que não se tratava de regras de rigor nem de imperativos perfeitamente depurados e categóricos.
Bem diversamente.
Disse-se e repetiu-se que se tratava de combinações políticas, de compromissos estabelecidos de momento, tomados pelos originais subscritores como transigência» e arranjos.
Não chegavam tais combinações à altura daqueles actos e tratados em que as vontades se conciliam e ex-
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primem novo acordo, embora condicionados nos efeitos e sofrendo de relatividade.
O que ficou na Carta eram combinações e entendimentos de pura cooperação, tendentes a evitar a guerra e a fornecer a segurança geral que faltara no passado.
Claro que o direito internacional é bem mais do que isso e está próximo das regiões puras da filosofia jurídica, onde o situaram Suarez, Serafim de Freitas, Pedro Margnlho, Fufendorf, onde o idealizou Bui Barbosa, onde o visionou o meu saudoso professor Machado Vilela e onde o colocam internacionalistas, escritores e professores tão distintos como suo hoje Paulo Cunha, para mais ilustre Ministro dos Negócios Estrangeiros, Caeiro da Mata, Martinho Nobre de Melo, o leader Mário de Figueiredo, o escritor Augusto de Castro, Esteves Fernandes e Ferrer Correia, que nos seus escritos e afirmações ascenderam às regiões mais altas e têm do direito uma concepção tão elevada como firme.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas os homens de S. Francisco, além do admirável intuito de que não voltasse a barbárie, eram homens práticos, economistas, grandes administradores, e imaginavam a vida jurídica através de concepções sobre os negócios e as sociedades anónimas.
Portanto, a letra e o espírito da Carta são discutíveis, nem sempre claros e muito menos peremptórios.
Eu direi o seguinte: se o direito internacional não estabelece, em relação à Carta, comandos absolutos, se não chegou ainda a formulações definitivas, como se admite a arrogância doutrinal do grupo afro-asiático, juridicamente o mais atrasado? Se estamos ainda na fase de laboração, como se podem conceder interpretações latas e o que é mais aplicações sumamente pretorianas?
Quer V. Ex.ª ver, Sr. Presidente?
Respondo a estas perguntas: crise de jurisconsultos e de direito.
No seio da O. N. U., na sua estruturação e funcionamento, néon sempre o direito tem. a palavra devida, nem sempre aos internacionalistas incumbiu a decisão e a organização dos esquemas.
Mandam mais os políticos, os técnicos, 09 estatísticos, oa (profissionais e até os práticos.
A multiplicidade de opiniões e escritos, a dispersão e empirismo das afirmações e trabalhos seria demasiado que se taxassem de desordem intelectual, mas revelam crise ou escassez de jurisconsultos e - o que é pior - crise do próprio direito em elaboração.
Falta simplicidade conceituai, mostram-se impropriedade e pouco rigor nas intervenções e é difícil surpreender a norma acima das fontes donde brotou ou a regra alcandorada sobre os sentimentos e ideias, que lhe servem tanto de autoridade coimo de alicerce.
Há ainda ausência de rigor, carência de técnica, quando um se impõe e a outra lanha toda a razão de ser.
E por isso surpreende na margem do rio Hudson desencontro dos costumes, das tradições, dos estatutos constitucionais, dos acordos e tratados com os debates e decisões e - o que é pior - com a vontade, nem sempre nitidamente expressa, das assembleias e constante das suas recomendações, conselhos, moções ou veredictos.
Esta crise de profissionais do direito, de princípios e técnicas jurídicas, imolados a tácticas, conchavos políticos, habilidades de políticos ou condutores, toma maior vulto e apresenta superior nocividade na contrariedade surpreendida entre o que é aparência de direito internacional e o direito interno.
Levaria muito tempo e deslocaria a minha intervenção parlamentar explicar o conflito intelectual estabelecido entre os defensores da comunidade jurídica internacional, os apóstolos da vontade colectiva com os teóricos da auto-limitação do Estado autenticamente soberano e destes com os discípulos da chamada escola de Viena, bem como os teóricos da convicção jurídica os demais objectivistas. Todos eles andam à volta são problema fulcral, mas todos eles admitem a existência duma justiça superior e ordenadora, extraída do sentimento e da razão, ou, melhor, alicerçada na consciência geral, que o jurista será mais apto a interpretar e a definir - muito mais que os técnicos, os políticos ou os oportunistas.
Além daqueles males que enumerei, será um maior estabelecer-se ou tentar-se apresentar a contrariedade entre o direito internacional e o direito orgânico interno. Esta contrariedade não pode existir onde haja interpretação perfeita, razão autorizada.
Mas existe?
E porquê?
E o que vamos ver desenvolvidamente, mas sem abandonar o plano onde estamos colocados.
Não sei se já foi notado o carácter particular do capítulo XI, que serviu de base ao debate e à votação da moção injurídica da Comissão das Curadorias.
A Carta, depois de consignar os objectivos e formular algumas ideias essenciais, definir os membros e apontar os órgãos, estabelecer a competência da Assembleia Geral, do Conselho de Segurança e do Conselho Económico Social, dispõe sobre processos e diferendos e fórmulas de solução pacífica.
Chega assim ao capítulo XI, que serviu de base à apreciação da situação de facto e de direito em que se encontram os Portugueses e o seu território de além-mar.
Este capítulo, que comporta dois grandes artigos, chama-se Declaração relativa aos territórios sem governo próprio».
Eu digo: se se trata de uma declaração, trata-se de uma afirmação enunciativa de solenidade, tecnicamente diversa dos regimes expressos nos outros capítulos, que envolve em responsabilidade principalmente os originais subscritores, e que, pelo seu carácter, torna mais precárias a vincularão política e a formulação de arranjos já referida.
Nesse capítulo, artigo 73.º, formulam-se, como declaração solene e não como obrigação assumida, deveres gerais dos Estados, sendo o primeiro desenvolver a capacidade de administração própria e tomar em conta as aspirações políticas. Trata-se, evidentemente, da enunciação de possíveis aspirações políticas, pois que a única obrigação positiva da declaração, prevista na alínea c) do mesmo artigo, é a de comunicação regular ao Secretariado-Geral de informes estatísticos e outros de natureza técnica relativos a condições sociais, económicos e instrutivas nos territórios acima definidos.
Nem se tira do direito declaratório uma regra vinculante, nem se passa além da enunciação vaga dalguns princípios sentimentais.
Portanto, outros princípios não podem subir na hierarquia das regras e menos ainda autorizar intromissões e fiscalizações incomodativas, como vamos ver.
Portugal não se limita a administrar territórios autónomos e nem estes assim definidos existem no ultramar.
A Carta refere-se a territórios, e nós, política, social e juridicamente, temos como suporte da construção secular e jurídica do Estado Português um só território nacional.
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Entre nós não tem de haver autonomias - há e continua a haver autonomia total de cada um e de todos.
Quando a Nação se arremessou ao Ignoto e dotou o Mundo tom novas rotas e novos mares, já o Estado estava construído unitàriamente - contrariamente aos amontoados de selvícolas, dispersos e em clã ou em tribos.
Se o nosso esforço não fora sobre-humano e ousado, violentíssimo, mas preparado e científico, haveria atraso nas relações internacionais e não seria possível o debate nas curadorias.
Depois o artigo 73.º figura uma linha de sociologia evolutiva que não corresponde ao paradigma do Portugal tradicional e dos conceitos do legislador constitucional.
Ele reporta-se aos povos que não atingiram ainda completamente o governo próprio.
O paradigma visado como acabamento lógico-jurídico duma evolução é o inglês - o de federação ou confederação, que está abrindo e florescendo em Estados fragmentários e independentes, com órgãos representativos apropriados, embora possam ter ou não personalidade una ou múltipla nas relações internacionais e manter indivisibilidade na Coroa e nas relações externas.
Ou então o legislador de S. Francisco pretendeu declarar uma evolução semelhante à dos Estados Unidos da América, que confederaram o Hawai, o Alasca e Porto Rico.
Suo sistemas de diversidade que têm no horizonte objectivos e fórmulas políticas bem diferentes da nossa tradição unitária.
Portanto, o artigo figura uma hipótese que não nos quadra: a marcha paru a autonomia, a desintegração como consequência duma revolta latente contra as potências coloniais e dos movimentos nacionalistas africanos e asiáticos, que dispensam maiores explicações e que não existem na África ou na Ásia portuguesas.
Assim, fala-se em povos que não atingiram ainda completamente o estado de governo próprio.
Assim se referem a seguir os povos interessados. Assim, fala-se ainda em aspirações políticas- dos povos e cada território e seus povos.
Ora nós não temos povos, e temos, sim, o povo português. Em vez de raças étnica ou psicologicamente diferenciadas, temos o que os escritores chamam uma raça histórica - que encheu brilhantemente os fastos mundiais.
Em vez de nações a despontar ou em formação, temos um povo unido, no etos, na alma, nas tradições e nas aspirações, indiferente à discriminação de credos, raças e estádios ou padrões de civilização.
A obrigação do artigo 73.º, alínea e), de transmissão regular de informes estatísticos e técnicos, não é absoluta, não é ilimitada, pois que é feita sob reserva de considerações de segurança e de ordem constitucional.
Ora, se existem tais reservas, se a Carta prevê limitações no fornecimento de elementos de conhecimento, de estudo e apreciação, por maioria de razão tais reservas s limites se impõem e funcionam nas demais hipóteses do artigo - ao pretender assegurar-se a cultura e progresso; ao desenvolver-se o governo próprio; ao promoverem-se as medidas construtivas, etc. Estas hipóteses, mais vagas e genéricas, mais fortes mas menos precisas, pondo em jogo possíveis atentados à soberania e independência dos Estadas, requerendo mais cautelas, não poderiam conceber-se em base mais folgada e incondicional do que o pedido de comunicação estatística e técnica.
Chegamos ao fim desta análise ligeira do capítulo XI: o artigo 73.º implicará um começo de controle internacional ou conduzirá à ingerência legítima nos negócios das potências, ou, pelo menos, das que forem taxadas de potências coloniais?
Ou, por outra, comporta a Carta uma interpretação latifundiária, uma aplicação extensiva em capítulo destituído de rigor e em matéria sumamente delicada pelas implicações de direito interno e a acção cada vez mais intrometida de certos Estados membros da O. N. U.?
O que dizemos mostra que isto não é possível e só por incompatibilidade com os princípios e regras do intérprete será praticável.
Se o artigo 73.º descobrisse o véu dum intuito de invasão no terreno político dos Estados e um começo de controle internacional, embora disfarçado e atrevido, diga-se desde já que ele excederia a capacidade da Organização, cujos textos apenas lhe permitem informar-se e estudar.
O caso contrário não reforçaria a paz e a segurança e poria em cheque o espírito que o ditou.
Fiscalizar dentro dos Estados, intrometer-se, invadir o domínio político é o que a O. N. U. não poderia fazer, por mais revolucionário que fosse o seu direito. Teria ele de ser formulado claramente e ainda de dispor de órgãos mais corajosos e desafrontados, mas sempre com autoridade contestada e de direito tão precário que não iria além dos primeiros ensaios.
A fiscalização é sempre o capítulo final e superior das organizações, pressupõe um estádio avançado, carece de órgãos apropriados e regras firmes e duma evolução jurídica longa e laboriosa. Não pode decretar-se dum dia para o outro.
O nosso sistema jurídico tradicional e patente nas leis, especialmente na fundamental, que define a personalidade da Nação dentro do Estado, a sua unidade, a independência e a soberania, com os limites admissíveis da moral e do direito e aqueles que estão nos tratados, convenções e costumes quando aceites, a cooperação na procura de soluções pacíficas e progressivas com os demais Estados, a arbitragem, os direitos e garantias individuais, a participação em benefícios públicos, conferidos sem discriminação de credo, raça ou cor, também conferidos aos estrangeiros residentes, também pôde conduzir à independência, como atesta o maravilhoso Brasil e Estados, como Honolulu, que já fizeram parte de Portugal.
Não se fez isso, não se produziu a evolução sociológica por instigações interesseiras dos de fora ou por rebeliões prolongadas e trágicas, mas sim por uma assimilação tão completa que permite afirmar nos textos aquilo que pode notar-se como visível nos factos. Não foi em virtude de processos complexivos, mas apenas pela criação do direito natural e humano, dentro do que os Portugueses abarcam como o seu próprio ser e na lógica dos seus permanentes conceitos.
Como se pode admitir o contrário?
Como se estranha a nossa unidade?
Sr. Presidente: sobre a verdade e honradez das declarações prestadas pelo Governo Português sejam-me permitidas ainda algumas considerações.
Na Comissão das Curadorias foi feita dupla discriminação: primeiramente consideraram-se os Estados membros antigos como isentos das demonstrações exigidas à sombra do capítulo XI; em segundo lugar escolheu-se entre os Estados membros ultimamente ingressados o Estado Português para lhe discutir o valor da declaração prestada, pela qual anunciara não possuir territórios não autónomos que, como tais, juridicamente pudessem ser considerados.
Nesta minha intervenção afasto certos efeitos e aspectos especiais que desviariam do que entendo ser a matéria essencial.
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Não considero o problema da autoridade e capacidade dos que votaram contra nós. Desprezo os factos relevantes de esclavagistas confessos ou de atrasados na fase da quase pastorícia pretenderem impugnar as declarações por nós prestadas. Também não tiro ilações críticas do facto de uma maioria de dois votos se abalançar a decisões que deveriam, pela gravidade, requerer acordo completo. Mostrarei apenas, Sr. Presidente, a situação em que nos encontramos perante o mundo de relações e o comércio jurídico internacional.
Desde longos séculos que, com uma consciência plenamente desenvolvida, o País se apresenta, no pleno domínio da sua soberania, em perfeita independência, portador, na expansão, de uma concepção ética superior e trazendo para as raízes da história e florescências da civilização um ideal de melhoria na convivência social.
O Estado Português - ensinava Soares na velha cátedra conimbricense - era uma sociedade perfeita, constituída pelos seus membros, verdadeiro corpo moral, que obedece a tendências profundas da natureza humana.
Mantém relações com a Igreja, relações com o Estado, de igual para igual, e adoptou em boa hora procedimentos que faziam lembrar o comportamento do homem chegado à maioridade e livre como tal.
Portanto, é um Estado que fala de igual para igual, embora não seja menos que outros, e pode reivindicar a posição de independência na conservação internacional da paz e segurança.
Quando foi das diligências para a entrada nas Nações Unidas, várias vezes vetada, foi afirmado e repetido que éramos um povo digno.
Um povo digno e sério!
Nós éramos, na gíria internacionalista, épris de paix!
Nós éramos a peace loving State!
Nunca fôramos isolacionistas, perturbadores da paz, materialistas dos interesses da vida colectiva.
A compreensibilidade portuguesa, o universalismo português, o carácter e o génio da elevação dos povos, n vocação ética, garantiam-nos o direito de cidadania mundial e abriam-nos, com autoridade, todas as portas dos areópagos internacionais.
Se lesse agora os textos da Carta do Atlântico, as decisões de Dumbarton Oaks, a declaração de Cordell Hull de 1944 e outros textos decisivos na formação do direito actual, ver-se-ia, a juntar àquelas considerações, que temos direito ao respeito completo pela nossa independência e podemos reivindicar plena igualdade de direitos perante o concerto das nações.
A nossa esfera jurídica não pode ser invadida, a nossa independência secular não pode ser tocada, a nossa unidade moral e histórica tem de ser compreendida e aceite.
Não podem prevalecer contra ela ambiciosas hermenêuticas nem intensivas ilações do texto.
A declaração do capítulo XI não pode ser torcida ou apontada contra a doutrina básica do artigo 2.º da Carta; foi esta doutrina razão de ingresso no quadro geral do O. N. U. e, mais ainda, capacidade estatutária de entrada, personalismo jurídico que há-de tomar-se em sentido absoluto.
A obra internacional já firmada de bem comum aquinense, de equilíbrio, de legitimidade, de entendimento na solidariedade geral, de desarmamento, de segurança colectiva do colapso wilsoniano, e agora de organização da paz e segurança das Nações Unidas, sob um núcleo protector, funcionou a favor da posição autónoma unitária e indiscriminada do Estado Português.
As pretensões, manobras e derivações, as concepções ilusórias, as meias verdades travestidas, as ambições descaroáveis do grupo afro-asiático são de repelir e não merecem resposta mais directa, mas reclamam ainda protesto.
Deu-lhes a lição devida o grande, o espantoso Brasil, obra ingente do Criador na face do planeta, a teoria mais vasta de católicos do nosso orbe, pela voz amiga, insigne e alevantada de Donatello Grieco, a quem presto, nesta Assembleia Nacional, a mais rendida, emocionada e merecida homenagem, se a devoção filial e a voz da justiça podem vestir as asas da gratidão.
Ficou a sua brilhante intervenção sem resposta, não foram capazes de argumentar contra ela; mas podemos imaginar facilmente que alguns não a tivessem entendido e que lhes faltasse o ar nas altitudes em que o Brasil e Portugal, com vários delegados ocidentais, puseram o problema.
Certo é que os gansos capitolinos não poderiam grasnar nas alturas onde pairam os condores.
Já alguém disse que são os povos com um passado em benefício da humanidade que ditam a moral jurídica dos povos.
Os zeladores excessivos de Bandung não souberam contar, nem pensaram contar, nem podem contar com três forças psicológicas ao serviço de Portugal: a força moral do Estado, a razão da sua unidade integradora e a lição histórica de independência, vencedora de todas as crises da nacionalidade.
Uma lição de direito mal estudada, mal sabida, mesmo não entendida, não pode desculpar as suspeições ou dúvidas contrárias ao direito, à boa fé dos pactuantes e às presunções e prerrogativas gerais dos povos.
Sr. Presidente: hoje mais do que nunca a grandeza do assunto empolgou-me, mas excedeu-me também. As minhas palavras descoloridas, as razões fortíssimas que apresentei por forma, imperfeito, o sentido da razão, do direito e da justiça, claramente ofendidos, levaram-me a prender a atenção da Câmara e a formular este protesto.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Tenho comigo os que votaram no meu nome para esta Câmara, tenho comigo a legião dos portugueses que repudiam o que se passou na Comissão das Curadorias e sei que posso contar com a voz altiva, indomável e dedicadíssima dos portugueses de além-mar, que seguem os destinos da Pátria com tanto fervor como nós.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: é do conhecimento desta Assembleia e de todo o País o debate que recentemente se travou na Comissão das Curadorias e, depois, na própria Assembleia Geral das Nações Unidas u volta de determinadas disposições da Carta daquela organização internacional e de cuja interpretação podiam resultar graves limitações ao exercício da própria soberania dos Estados.
Apenas com três excepções, todos os países ultimamente admitidos na O. N. U. tinham respondido a uma circular do secretário-geral daquela organização informando que não possuíam territórios não autónomos sujeitos à sua jurisdição.
Apesar de, até agora, não se terem posto em dúvida as informações das nações associadas, desta vez um grupo de representantes de cinco países propôs na Comissão de Curadorias que se constituísse uma subcomissão destinada a averiguar se os estados admitidos na O. N. U. em 1956 possuíam territórios não autóno-
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mós e em condições, portanto, de ficarem sujeitos à supervisão daquele organismo.
A delegação portuguesa, a quem deste lugar desejo prestar as minhas calorosas homenagens pela lógica e pelo desassombro com que defendeu os mais altos e transcendentes interesses do País, bem vincou o carácter discriminatório dessa moção, que estabelecia um regime para os países que entraram em 1956 para a O. N. U. diferente do que se mantinha para os países que haviam entrado anteriormente para uma organização que se baseia na igualdade jurídica, isto é, na igualdade de direitos e obrigações para todos os Estados que dela fazem parte.
Numa assembleia que reúne dezenas de Estados, de diferente estrutura política, de mentalidades tão diversas e onde têm sempre eco as ansiedades e as paixões que dominam a nossa época, dura foi a batalha travada pela delegação de Portugal, que tinha atrás de si as verdades da História, os imperativos da Justiça e, ao mesmo tempo, o apoio dos Portugueses, de todos os credos e de todas as raças espalhados pelo Mundo, mas unidos em volta da grandeza, dos destinos e dos mais altos interesses da Pátria, conforme o acaba de acentuar, no seu magistral discurso, o Sr. Dr. Águedo de Oliveira.
Pôde a nossa delegação provar com argumentos irrefutáveis que não há em Portugal territórios não auto-administrados e que, pelo contrário, a administração do País pertence indistintamente a todos os portugueses, sem distinção do local ou da província onde nasceram.
Nesta Assembleia é fiscalizada a acção da Administração, propõem-se e votam-se leis e todos os Deputados da Nação têm as mesmas prerrogativas, sem ter em conta a circunscrição por onde foram eleitos.
Portugueses da metrópole, da África ou do Oriente, são iguais perante a lei e se nalgumas províncias do ultramar há núcleos de portugueses que, pela sua cultura e educação, ainda não puderam ascender a plenitude dos seus direitos, é tarefa honrosa a da Nação que tão devotadamente prossegue a missão de os elevar, espiritual e materialmente, e que não precisa de directrizes, porque, neste aspecto, toda a sua história é um livro aberto e em que se contam, pelas páginas, as lições sem par de dedicação e de sacrifício.
Informando as Nações Unidas que não possui territórios daqueles que se convencionou chamar não autónomos, Portugal deu uma resposta de acordo com a sua Constituição Política, e, como a O. N. U. pretendia poder apreciar e discutir essa resposta, isso equivalia, como recentemente afirmou o Prof. Marcelo Caetano, nunca discurso a todos os títulos notável, a querer ter o direito a interpretar e a discutir essa Constituição, e que constituía ingerência nos negócios internos do Estado e violação expressa da própria letra da Carta das Nações Unidas.
Apesar das razões aduzidas pela delegação portuguesa e pelos representantes de outros países, não nos foi favorável a votação na Comissão das Curadorias. Por dois votos perdemos numericamente a batalha. Mas ganhámo-la moralmente. Com excepção da Grécia, a quem nos prendem tão fortes vínculos espirituais e a mais sincera admiração pela sua velha cultura, votaram connosco todas as nações europeias que vivem fora da órbita comunista, os Estados Unidos da América e o Brasil, países cuja história está mais directamente ligada à nossa ou que nunca ocultaram uma sincera e profunda admiração pelo esforço português no Mundo.
Nações das mais poderosas e com os maiores serviços à causa do progresso humano e da elevação moral e material dos povos puseram-se abertamente ao nosso lado na O. N. U.
Mas entre tantas provas de solidariedade dispensadas ao nosso país seja-me permitido, Sr. Presidente, destacar nesta Assembleia a atitude do delegado da nação brasileira, Donatello Grieco, que tratou, como se fosse do Brasil, a causa de Portugal.
No seu memorável discurso não há que admirar apenas a força dos argumentos, o rigor dos conceitos jurídicos, o realismo da exposição, o seu brilho literário e a forma como os factos serviram para documentar o fulgor inexcedível da palavra. Há que admirar também a sinceridade desse discurso, a emotividade com que foi proferido e a íntima e profunda solidariedade que exprime entre os dois povos de língua portuguesa.
Numa assembleia de representantes de povos, uns jovens, outros de existência multissecular, em que se entrechocam ideias e conceitos opostos, nada podia ser mais útil ao ponto de vista português do que o depoimento do Brasil.
Quando no fundo se tratava de averiguar se Portugal possuía territórios que devessem ser submetidos à supervisão das Nações Unidas, um grande país se eleva para contestar esse direito.
Não está fora das realidades, não desconhece a acção do país visado, não o move qualquer interesse oculto, pretende apenas ser fiel a si próprio e a verdade.
Se alguma dúvida houvesse em certos meios internacionais sobre a capacidade civilizadora e construtiva dos portugueses as declarações do delegado do Brasil deveriam ser, por si, esclarecedoras e definitivas.
Em momento particularmente delicado a nação brasileira não enjeitou a sua maternidade e, antes, teve orgulho em proclamá-la em reunião autorizada de representantes de povos.
O Brasil não é só, na verdade, uma grande descoberta de Portugal. E também uma das mais belas afirmações da sua capacidade realizadora. Para ali levámos, com o sangue, a língua e a fé, costumes e instituições, e toda a obra do povoamento é um esforço ingente e continuado de séculos para o progresso simultâneo da terra e da gente.
O continente era vasto, com profundas diferenças entre muitas das suas regiões, ali acorreram ondas sucessivas e maciças de emigrantes das mais diversas partes do Mundo, mas deste conjunto de raças e de interesses fez o génio português uma grande nação, que desconhece as questões raciais e dominada por um sentimento de forte unidade política. Separou-se da Mãe-Pátria sem ressentimento ou ódios, conservou-se-lhe amorosamente grata e fiel e, longe de adoptar os preconceitos anticoloniais, tão em voga na nossa época, recorda sempre alguns séculos de vida comum como trecho honroso e dignificante da sua história, à qual, mercê do passado, o futuro abre tão grandiosas esperanças e perspectivas.
A acção civilizadora que há mais de cinco séculos empreendemos e de que o Brasil é a mais esplendorosa floração continua hoje em diversos continentes, desbravando a terra, propagando a fé e os altos ideais da vida, mobilizando a riqueza, procurando atrair os povos pela persuasão e dando-lhes a consciência do seu valor, da sua dignidade e do seu verdadeiro destino.
Sr. Presidente: no dia em que a rainha da Inglaterra, que nos trouxe uma mensagem de fidelidade a uma aliança tantas vezes secular, deixa Portugal, depois de ter conquistado o afecto e o coração do nosso povo, conforme exprimiu em nome de nós todos o Sr. Presidente da Assembleia Nacional, terminando uma visita que corresponde a um dos mais relevantes e significativos actos da política externa portuguesa, traz-nos o telégrafo a notícia de que a Assembleia Geral das Nações Unidas não ratificou a moção discriminatória aprovada na Comissão das Curadorias.
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Venceu finalmente a razão e a justiça e ao referir o facto nesta Câmara quero assinalar que, apesar de tudo, essa deliberação não teria sido certamente possível se Portugal não se impusesse ao Mundo pela maneira como, num presente difícil, se mostra digno das responsabilidades impostas por um passado glorioso.
Mais uma vez se constatou que Portugal tem hoje uma política externa. Reconhecimento e gratidão deve o País a Salazar ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... o estadista insigne que a possibilitou e fortaleceu e aos que com ele, com tanta inteligência e dedicação, a têm sabido manter e continuar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Para a ordem do dia de hoje não se inscreveu nenhum Sr. Deputado, o que facilmente se explica, dado que a interrupção dos trabalhos parlamentares não permitiu que as comissões respectivas se ocupassem do assunto da ordem do dia. Todavia, para amanhã já há oradores inscritos.
Vou, portanto, encerrar a sessão de hoje e marco a próxima para amanhã, u hora regimental, com a mesma ordem do dia de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
António Calheiros Lopes.
António Camacho Teixeira de Sousa.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Tito Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Cruz.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Antão Santos da Cunha.
António de Almeida Garrett.
António Russell de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
João Afonso Cid dos Santos.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Pereira Jardim.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Luís de Azeredo Pereira.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.
Teófilo Duarte.
Urgel Abílio Horta.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA