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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 180

ANO DE 1957 23 DE FEVEREIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VI LEGISLATURA

SESSÃO N.º 180, EM 22 DE FEVEREIRO

Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mos Srs.
José Vemâncio Pereira Paulo Rodrigues
Alberto Pacheco Jorge

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e SÓ minutos.

Antes da ordem do dia.-Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Urgel Horta. referiu-se à visita Já rainha Isabel II ao Porto.
O Sr. Deputado Pinto Barriga requereu informações pelo Ministério da Economia.
O Sr. Deputado Marques Teixeira apreciou a actividade do Ministério da Educação Nacional quanto à publicação de livros e as bibliotecas rurais.
O Sr. Deputado Teixeira de Sousa ocupou-se das comunicações aéreas e marítimas entre Lisboa e o Funchal.
O Sr. Deputado João Valença chamou a atenção do Governo fiara o assoreamento do rio Lima e da barra de Viana do Castelo.
O Sr. Deputado Urgel Horta tratou do problema da localização da indústria siderúrgica.
O Sr. Deputado Amaral Neto lamentou o que se passou com os Srs. Deputados na recepção à rainha da Girã-Bretanha.

Ordem do dia. - Começou a discussão da proposta de lei que cria o Instituto Nacional de Investigação, Tecnologia e Economia Industrial.
Falou o Sr. Deputado Mendes Correia.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 16 horas e 10 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Eduardo Pereira Viana.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.

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Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.

O Sr. Presidente: Estão presentes 74 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta ao seguinte

Expediente
Telegramas

Do Presidente da Camará dos Deputados da Grécia sobre Chipre.
Dos lavradores do vale do Lis sobre a proposta acerca do regime jurídico das obras de fomento hidroagrícola.
Dos corpos gerentes das Casas do Povo do Coruche e Couço a apoiar a proposta de lei relativa a criação das federações das Casas do Povo.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Urgel Horta.

O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: na sessão da Assembleia Nacional ontem realizada foi por V. Ex.ª apreciada e destacada, nos devidos termos, a visita que Sua Majestade a Rainha Isabel II de Inglaterra e o duque de Edimburgo acabam de fazer a Portugal.
Compete-me hoje, como Deputado pelo Porto, em duas palavras sinceras e bem sentidas, referir-me ao extraordinário acontecimento de que foi teatro o velho burgo nortenho - na manifestação apoteótica que Sua Majestade a Rainha Isabel II ali recebeu - , como exteriorização do sentimento de estima, admiração e carinho que a população da nobre, sempre leal e invicta cidade lhe tributou; timbre da grande urbe ligada à nossa velha aliada, por tantos, tão fortes e indestrutíveis laços duma amizade - urinados nessa aliança com sois séculos de existência. Essa aliança, Sr. Presidente, e cimentada e mantida em actos do mais completo acordo pelos povos das duas nações - em todos os sectores - na luta intemerata e constante pelo bem e pelo progresso da humanidade.
O Porto, grande metrópole do trabalho, escrínio das mais altas virtudes, mostrou mais uma vez, e duma forma inequívoca, o seu indestrutível patriotismo. Com o seu entusiasmo, tão comunicativo a tão sincero, soube mostrar-se profundamente reconhecido para com quem quis honrá-lo com a sua visita.
A passagem de Sua Majestade a liamba Isabel II e do duque de Edimburgo pela cidade do Porto ficará assinalada nos seus anais como página refulgente que não mais se apagará.
Eu, Sr. Presidente, como Deputado eleito pelo povo da grande cidade, quero aqui, perante V. Ex.a, manifestar o meu regozijo por esse facto, saudando tão nobre burgo - pátria de heróis navegadores e missionários, quo ao Mundo deram novos mundos - , afirmando, como eloquente verdade, que só o Governo do Salazar tornou possível, pelo seu extraordinário prestígio, adquirido com inexcedível coragem e brilho, acontecimento de tão alto alcance como aquele a que acabamos de assistir: a visita a Portugal de Sua Majestade a Rainha da grande e gloriosa nação que é a Inglaterra.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: na sessão de 11 de Dezembro passado pedi os balancetes estabelecidos e conferidos das administrações dos fundos autónomos e autonomizados dependentes dos diferentes Ministérios, porque o Ministério das Finanças, como ele próprio confirma, não centraliza nem controla a contabilidade dessas organizações e portanto, não conhece prévia e directamente os orçamentos e contas desse mundo financeiro, que vive aparte do Orçamento e Contas Gerais do Estudo, perfeitamente dessalazarizado, técnica e financeiramente falando.

Nesta altura assumiu a presidência o Sr. Vice-presidente Mendes de Amaral.

Agradeço aos Srs. Ministros quo já me mandaram esses balancetes, mas insisto com os que me faltam, que são os mais vultosos, como os dependentes do Ministério da Economia.
A regular publicidade dessas contas dar-nos-ia logo a indicação se os fundos a que respeitam são [...] ou deficitários, vegetando assim fora de um clima salazariano de boa administração.
Já que estou no uso da palavra, desejo associar-me homenagens que tão justa e brilhantemente tributaram os Srs. Deputados Águedo de Oliveira e Alberto de Araújo ao nosso Governo, ao Brasil e ao seu digno representante na Comissão de Curadorias na O. N. U. Sr. Donatello Grieco, embora a votação não fosse decisiva, mas estamos muito mais protegidos e defendidos contra ulteriores investidas, à sombra de uma chicana

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regimental, pela exigência de um quorum de dois terços agora estabelecido para validar deliberações sobre esse problema.
Permita-me lambem V. Ex.ª que relembre, mais uma vez ao Governo as vantagens políticas de uma generosa amnistia dos crimes de natureza política ao aproximar-se a quadra de perdão da Páscoa.
Vou terminar mandando para a Mesa o seguinte

Requerimento

«Nos termos regimentais, tenho a honra de requerer, pelo Ministério da Economia, as seguintes informações:
Devendo ser do conhecimento desse Ministério ter sido submetido à Câmara Corporativa um projecto de decreto-lei, no final do ano passado, modificando as atribuições e quadros da Inspecção-Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais, interessa ao requerente saber sã foi preenchido no ano corrente algum lugar de chefe de repartição dessa Inspecção-Geral, se na data da nomeação esse lugar já fora considerado vago por visto do Tribunal de Contas, se essa nomeação recaiu no funcionário mais antigo na categoria hierárquica, e imediatamente inferior e fie o diploma universitário sobre que se fundou a sua nomeação abrangia cadeiras de processos ou, pelo menos, de contabilidade pública».
Como a Direcção-Geral da Indústria não respondeu aos requerimentos que durante esta legislatura formulei, pertinentes a matéria da sua competência, voltarei brevemente, no período do antes da ordem do dia, a aprofundar a forma como essa Direcção cumpre as suas atribuições legais, apreciando assim se é justa a ideia que na opinião pública se faz, moralmente, da sua actuação burocrática e funcional.

Tenho dito.

O Sr. Marques Teixeira: - Sr. Presidente: nesta Assembleia Nacional, recentemente e pela segunda vez no seu período de trabalhos de antes da ordem do dia, ocupei-me do problema da literatura infantil o juvenil, encerrando as minhas considerações com palavras que não exprimiam apenas sentimentos de fé e de confiança, porque traduziam o alento de uma certeza consoladora.
Hoje, Sr. Presidente, na concatenação de matérias com afinidades notórias, terei o grato ensejo de aludir, sob certo aspecto, à obra notabilíssima de expansão do livro que de há três anos a esta parte tem sido fruto da acção meritória do Ministério da Educação Nacional. No dia 10 do corrente mês a ela se referiu o Sr. Prof. Eng. Leite Pinto em discurso público, rico de pormenores e eivado de reflexões e comentários, que tem o brilho e a profundeza a que já estamos habituados, por emanação natural do espírito requintadamente superior daquele ilustre homem da Estado.
Feliz iniciativa, com efeitos práticos, nunca por demais enaltecida, do actual e ilustre titular da pasta do Ministério das Corporações e Previdência Social, consolidada e ampliada por forma credora dos maiores aplausos pelos distintos Ministro e Subsecretário de Estado da Educação Nacional, julgo, Sr. Presidente, que desdobrá-la nos seus vários aspectos e focá-la na grandeza da sua extraordinária projecção nacional constitui um acto de elementar justiça, que se cumpre, por isso mesmo, com o mais profundo prazer.
Se já o Decreto-Lei n.º 36 147, de 5 de Fevereiro de 1947, fixava doutrina quanto à criação das bibliotecas rurais junto das escolas primárias, salientando-se no véu relatório os motivos que a determinavam, os objectivos a alcançar, o critério da utilização dos livros e a base a que deveria obedecer a sua própria distribuição, todavia, só depois de ser estabelecido o notável plano de educação popular, em 1952, é que a ideia enunciada foi encarada com ânimo forte de a pôr em prática.
Na verdade, em 1953 opera-se a escolha dos primeiros livros e procede-se ao estudo da organização da- bibliotecas numa cadência tal de trabalhos que se torna possível logo no ano imediato fazer a distribuição dos primeiros :350 núcleos de futuras bibliotecas. Deve anotar-se que após 19-54 tem vindo a aumentar, por modo acentuado, a quantidade daquelas bibliotecas.
Assim, é aprazível afirmar que são já hoje em número de 1181. Levando em linha de conta as que já estão preparadas paru distribuição e o programa, que se conhece, a executar no futuro, gradual e ininterruptamente, pode dizer com, desvanecimento, que o número do bibliotecas a distribuir atingirá a casa das SOOU, dotada cada uma com cerca de 500 volumes, os quais virão pois a perfazer um total de 4 000 000.
Acrescente-se, todavia, no decalque das recentes declarações elucidativas do distinto titular da pasta da Educação Nacional, que muito em breve, e, portanto, a curto prazo, serão instaladas mais 350 bibliotecas rurais, providas de :35 000 volumes.
Para, em ligeiro apontamento, dar uma nota da expansão do livro, por virtude da obra magnífica de extensão cultural que é título de honra para o Ministério da Educação Nacional e razão do reconhecido prestígio de SS. Ex.as o Ministro e Subsecretário de listado, a quem o País terá de estar grato, extraio das notáveis declarações feitas oportunamente pelo Ex.mo. Sr. Dr. Baltasar Rebelo de Sousa o seguinte: encontram-se publicados aproximadamente 900 000 livros, já em grande parte disseminados pelas escolas, bibliotecas de sindicatos. Casas do Povo e paroquiais, centros de cultura popular, agremiações recreativas e culturais, casas de soldados e centros da Mocidade Portuguesa, além das dezenas de militares de volumes distribuídos, a título de prémios, aos melhores alunos das escolas de todo o País; adite-se ainda que foram postos à disposição de todo o público, que os encontrará nas livrarias pelo módico preço de 5$.
E qual a verba prevista a despender com tão larga distribuição de volumes? Julga-se que cerca de 100 000 contos, reputado o preço médio do custo de cada um deles à volta de 25$.
Sem querermos expressar em números as dezenas de milhares de espécies já adquiridas no ano de l956, outras oferecidas e ainda novas aquisições e recolhas de ofertas a espalhar pelas bibliotecas rurais, diremos que, sem contar com as publicações periódicas, já foi efectivamente feita uma distribuição de 133 000 espécies bibliográficas. E quem pode aproveitar-se das bibliotecas?
Sem dúvida que os alunos das escolas e agentes de ensino, mas praticamente todas as pessoas domiciliadas na área da sua instalação, salientando-se a nota particular de que as espécies que as compõem estão escalonadas quanto à sua utilização por parte dos jovens, apartados estes nos seguintes grupos: 8 a 10, 10 a 12, 12 a 14 e 14 a 18 anos.
Merece uma nota de destaque o escrupuloso cuidado com que os idóneos componentes da secção que funciona no Ministério da Educação Nacional sob a designação de «Serviço de escolha de livros» procedem à selecção das espécies -tantas vezes trabalho delicado e complexo!- de que cada biblioteca se há-de compor.
Ao relancear os olhos sobre o relatório e disposições do Decreto-Lei n.º 36 147, já citado, apurei que o critério da escolha dos livros adoptado pelo legislador era o que se extrai claramente destas textuais palavras que transcrevo: livros adaptáveis às necessidades e consciência das crianças, variáveis segundo as condições só-

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ciais e económicas, o regime e forma de trabalho de cada região e o grau de cultura da população da região a que os livros se destinam».
Presentemente o serviço ide escolha de livros tem actuado com o mais apurado bom senso, pois que, auscultando a realidade, conhecedor do tipo da mentalidade, do teor das ocupações, do género de preocupações e do nível médio de conhecimentos característicos dos meios rurais, vem esforçando-se no sentido de que o recheio das bibliotecas a instalar seja integrado por aqueles livros que melhor possam ser compreendidos e assimilados, exactamente por esteirem dentro da linha de interesse da gente das mossas aldeias, e, assim, se viabilize e melhor expanda a criação de hábitos de leitura, da boa leitura, que é mister, na realidade, generalizar mais e mais.
Em reanimo: é consolador afirmar-se que na constituição das bibliotecas rurais tem-se verificado, e verifica-se, toda a ponderação e a maior cautela, estando sempre presente a ideia do carácter peculiar das pessoas dos nossos campos e vivo, inalteravelmente vivo, o anseio de que ao realize, paira, cada num, e todos os seus usuários, o binómio cultura-formação.
Em anotação rápida direi que são dez as secções em que se classificam e nas quais se agrupam as diferentes espécies bibliográficas, cada uma delas comportando um número variável de subdivisões.
As secções discriminam-se por esta forma:

1) Religião. Moral. Apologética;
2) Educação;
3) Estudo da língua e literatura portuguesas;
4) História. Geografia. Viagens;
5) Hagiografias e biografias;
6) Sociologia;
7) Poesia. Romance e conto. Teatro;
8) Iniciação à arte. Folclore. Regionalismo;
9) Divulgação da ciência e das técnicas;
10) Publicações periódicas.

Não vou dizer a VV. Ex.as quantos exemplares fórum já publicados relativamente a todas as subdivisões destas secções. O número deles seria verdadeiramente enorme.
Mas, como um vago índice exemplificativo, esclarecerei que os da secção de educação atingem a casa dos 15 402 e que verbi gratia os da secção de história, geografia e viagens montam a cerca de 15 572!
Da leitura atenta de um dos magistrais discursos de S. Ex.ª o Subsecretário de Estado da Educado Nacional - o discurso pronunciado já em 3 de Dezembro de 1955, notável, sem favor, pela ordenação de ideias, clareza de pensamento, vastidão de conhecimentos, sentido das realidades e vincado cunho pedagógico - se infere a razão de ser da criação da editorial Colecção Educativa, dos fins que ela se propôs, com os melhores resultados práticos plenamente evidentes e sem cujo concurso a bela tarefa já erguida no campo da expansão e aproveitamento do bom livro não seria o triunfal remate da grande cruzada nacional, de resultados amplamente vitoriosos, visando o apagamento da nódoa do analfabetismo.
A parte as publicações, tão úteis, de carácter doutrinário, informativo e de propaganda, poderiam citar-se múltiplas obras editadas pela Colecção Educativa de índole diversa, todas construtivas, irradiadoras de cultura geral, como é evidente, e esmeradamente apresentadas, numa quantidade total de quase 750 000 exemplares.
Realce-se que estuo presentemente em publicação - também obra da Colecção Educativa - algumas dezenas mais de volumes, que atingirão a casa dos 900000
exemplares. Por último aduziremos que da revista Campanha, por meio da qual vem sendo feita uma sementeira dos melhores princípios contributivos para que se produzam sazonados frutos culturais, foram publicados 37 números, com uma tiragem de tal maneira elevada que perfaz já um somatório global de 2 910 000 exemplares.
Reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Albino dos Reis:

Sr. Presidente: embora em breve descritivo, não deixarei de acrescentar que o regime estabelecido para aproveitamento dos livros constantes dos ficheiros das bibliotecas foi baseado em plausíveis critérios de ordem prática, caracterizado na sua observância pela maior maleabilidade, a fim de que se facilitem e mais possam render o gosto e a tendência da leitura, a qual poderá ser feita na sala onde a biblioteca funciona ou no domicílio do requisitante, tanto durante o período das aulas como aos domingos, dias feriados e nas férias oficiais.
E ainda digno de menção e de louvor haver-se, estabelecido, pelo que toca aos leitores infantis ou mesmo adultos, em certos casos, a realização de reuniões, a decorrerem sob a presidência dos professores, atinentes à averiguação da forma como as leituras foram assimilo das e visando a tirar eventuais dificuldades, esclarecer dúvidas ou desfazer incompreensões.
Óptima medida, que se revestirá, inquestionavelmente, do maior alcance. E terão, de facto, as bibliotecas constituído centros de interesse para a população campesina?
Não pode afoita e consoladoramente responder-se com uma rotunda afirmativa, pois, tomando por base estudos que foi possível levar a cabo no que concerne apenas ao funcionamento de algumas das mais antigas bibliotecas, a bem dizer da primeira fase de instalação, apurou-se que o movimento de requisições foi apenas de 120 000. E muito? E pouco? Creio, no entanto, que tem um significado animador, essencialmente se não abdicarmos da ideia de que a gente dos nossos meios rurais tem um condicionalismo de vida que mal lhe permite ler e que a sua capacidade e os seus hábitos de leitura eram, na realidade, mínimos.
Vem a propósito frisar a circunstancia de que. efectivamente, para que a acção educativa das bibliotecas das nossas aldeias possa atingir a plenitude desejável do seu rendimento, antes de mais se justifica e impõe a criação prévia do que pode qualificar-se de literatura de iniciação popular.
julga-se, por isso, que, sob o incentivo do Estado, uma acção intercolaborante por parte dos nossos autores e editores que conduza à consecução daquele objectivo será prenhe de resultados relevantes, lucrando o problema da cultura e auferindo vantagens o mercado do livro português, pelas advenientes condições provocadoras do seu maior desafogo.
Sr. Presidente: adentro do âmbito e da actividade da Campanha Nacional de Educação de Adultos é bem cabida a referência, que para ser justa tem de ser elogiosa, à organização e influência das bibliotecas circulantes. Ainda que a largos traços, apraz-me destacar o que as define e caracteriza, detendo-me, por instantes -, a esmiuçar os seguintes pontos:
a) Orientação superior que enformou a sua criação;
b) A quem se destinam;
c) Dados estatísticos da sua organização;
d) Ideia do seu funcionamento;
e) Diversidade dos seus tipos e obras que lhes dizem respeito.

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Outra vez é de recordar, em testemunho de homenagem, mais uma meritória iniciativa do Exmo. Sr. Dr. Veiga de Macedo, quando, em Novembro de 1953, ao aludir à segunda fase da actividade a levar por diante pela Campanha Nacional de Educação de Adultos, focou a necessidade da instauração das bibliotecas circulantes, a par do cinema, da rádio e do teatro, a bem da valorização da cultura popular.
Seria imperdoável, por outro lado, deixar no olvido as claras e elucidativas declarações do Exmo. Sr. Dr. Baltasar Rebelo de Sousa, em Dezembro de 1955, através das quais emerge também com nitidez meridiana a razão de ser da existência das bibliotecas itinerantes e a alta valia do seu serviço, no que toca ao preenchimento desta dupla finalidade: que em toda a parte não falte o pábulo da leitura, nas mais fáceis condições de aquisição, às classes populares, e que haja possibilidades de se facultar a sua periódica renovação.
Nesta conformidade, se logo em 1953 foram organizadas cem bibliotecas, com quarenta e quatro volumes, a sua expansão foi subindo por forma progressiva, em termos de em 1955 mais trezentas ficarem organizadas, com o total de cerca de vinte e cinco mil volumes, implicativo de um investimento de 350 contos.
É agradável salientar que, considerada a necessidade de que todas as camadas humildes da Nação pudessem vir a aproveitar-se da leitura dessa multiplicidade de espécies bibliográficas, já anteriormente se procedera à construção de malas-estantes, muito curiosas, através das quais havia de efectuar-se o seu despacho para todas as nossas províncias.
Finalmente, resta referir que as trezentas bibliotecas se repartem por três tipos, de cem unidades cada um, qualificadas e constituídas por espécies condicionadas pela natureza do meio a que se destinam e abrangendo os seguintes temas: religião, educação, estudo da Língua, história, geografia, viagens, poesia, romance, conto, teatro, hagiografias, biografia, divulgação da ciência e das técnicas, iniciação à arte, etnografia, folclore e sociologia.
As destinadas aos meios rurais são designadas pelo tipo A; as dos meios urbanos e industriais pelo tipo B, e, por último, citem-se as do tipo C, como complemento das anteriores.
Sr. Presidente: em linguagem simples, porventura de jeito esquemático, decerto com deficiências, mas presumo que com alguma clareza e, sem dúvida, em espírito de verdade, procurei destacar um aspecto restrito, mas relevantíssimo, da extraordinária obra de regeneração e de valorização colectiva que vem sendo tenazmente empreendida pela Revolução Nacional. Já alguém, com justeza, chamou à Campanha da Educação Popular a campanha do resgate espiritual do País.
Com efeito, ela reveste-se de um extraordinário merecimento, assume tamanha projecção, desce tão fundo ao próprio húmus de que se alimentam as raízes da vida da Nação, vai de tal forma ao encontro da própria dignidade do homem, rasga de maneira assombrosa perspectivas novas, indiscutivelmente promissoras e amplas ao próprio futuro da grei, que motiva, de sobejo, o nosso maior reconhecimento para quem a ideou e para aqueles que a vêm continuando proficuamente - com amor, com inteligência, com critério e com firmeza, sob o calor da chama viva de um alto ideal revestido de fulgurantes clarões que batem em cheio na figura eterna da Pátria.
Sem esquecer e sem deixar de realçar elogiosamente, como é meu dever, as múltiplas e valiosas colaborações, plenamente justificadas, que têm sabido agregar a si e à sua bela obra, dando o merecido relevo à compreensão e inestimável ajuda preciosa da prestante e esforçada classe do professorado primário - a cujo espírito de renúncia e verdadeira missão de catequese presto calorosa homenagem -, a minha gratidão maior de português vai essencialmente para SS. Exas. o Ministro e Subsecretário de Estado da Educação Nacional.
Sr. Presidente: ultrapassada a triste época das vãs promessas e da retórica balofa, o País reconhece que o Estado Novo timbra em lhe oferecer uma política que visa a consecução dos mais altos objectivos do bem comum nacional.
Pois bem. Louvemos igualmente a actual política educativa em marcha, cujos resultados são, por si mesmos, a sua melhor consagração.
Creio também firmemente que ela constitui um dos marcos miliários da administração pública da era de Salazar.
Apesar de compreender ser já enorme e de notáveis resultados positivos a patriótica tarefa realizada mesmo só no sector da educação popular, temos fé em que ela há-de prosseguir por continuidade de acção do Ministério da Educação Nacional a despeito de esforços ingentes que virá ainda a suscitar.
Mas tarefa de tal grandeza carece de concurso de todos, sem excepção. Não duvidamos, Sr. Presidente, de que a vitória será completa se, como afirma o eminente Prof. Engenheiro Leite Pinto na sua conceituosa carta, a um tempo ressumante de eflúvios de ternura e plena de sentido espiritual, que acompanhou os prémios escolares distribuídos aos melhores alunos das escolas primárias e cuja parte terminal é digna de compreensão e geral aceitação, se, repito, todos os portugueses se mostrarem dignos desta grande nação que somos nós.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Sr. Presidente: em Janeiro do ano findo tive oportunidade ide expor a V. Ex.ª e a esta Assembleia o grande interesse que representa para a vida do arquipélago da Madeira o problema das suas comunicações marítimas e aéreas, e em especial a necessidade de se estabelecer uma carreira de navegação marítima entre Lisboa e o Funchal.
A ilha da Madeira é densamente povoada, os seus habitantes labutam o mais que podem, trabalham arduamente, procurando assegurar, em circunstâncias bastante difíceis, o mínimo de condições necessárias para poderem viver.

O subsolo é pobre e é na agricultura intensiva - direi mesmo: numa horticultura levada ao mais alto grau de produtividade - que a maior parte da população encontra a base fundamental da sua existência.
Na vastidão do mar que nos cerca temos largas possibilidade e aproveitar.
A pesca, embora realizada por processos primitivos, dá uma larga contribuição para o abastecimento local e alimenta uma limitada indústria de conservas. Tomou vulto nos últimos anos a pesca da baleia (cachalote) e a indústria de extracção de óleos e farinhas representa um valor apreciável. Mas a pesca, sendo um importante factor a considerar, quer para o abastecimento da população a preços convenientes, quer para manter uma indústria de conservas progressiva, precisa de desenvolver-se em termos de contribuir mais largamente para a valorização da economia insular. Neste sentido, são de apoiar os empreendimentos que visem a melhorar as condições em que esta actividade tem lugar, e para tanto devem ser concedidas todas as facilidades às empresas que dêem garantias de exercê-la, empregando novos métodos e aperfeiçoamentos.
As indústrias têm um âmbito limitado e as mais importantes assentam na produção agrícola. Entre estas,

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figuram: o açúcar e o álcool, os vinhos, os lacticínios, a obra de vime e ainda outras de menor importância. Entre as indústrias que trabalham produtos importados e destinados ao consumo insular, temos a considerar: a moagem, o fabrico de massas alimentícias, a panificação, a cerveja, o tabaco e a borracha.
Aproveitando a habilidade e a paciência duma abundante mão-de-obra feminina, tomou grande desenvolvimento a indústria dos bordados, a qual influi conside-ràvelmente na economia das famílias rurais.
É a exportação destes artigos e de alguns produtos agrícolas, entre os quais se destacam a banana e o vinho, que, conjuntamente com o dinheiro remetido pelos emigrantes, maior contribuição oferecem para assegurar as precárias condições económicas em que vivem os seus habitantes.
Porém, a indústria para cuja actividade a ilha da Madeira apresenta condições excepcionais é o turismo.
São o seu clima moderado e uma orografia rica de contrastes, com uma vegetação variada, tendo sempre presente o mar imenso, em sua volta, que proporcionam aos seus visitantes os atractivos que a todos prende e encanta.
Para que o turismo se desenvolva e progrida é fundamental ter hotéis com a capacidade necessária, mas para que estes se mantenham é indispensável existirem comunicações regulares. É o problema das comunicações que está na base da resolução de todos os outros relacionados com o turismo.
Postas estas considerações, concluímos pela urgente necessidade de construir um aeródromo na Madeira e de estabelecer uma carreira regular de navegação marítima entre Lisboa e o Funchal. Sr. Presidente: é de importância fundamental a existência dum aeródromo que permita realizar com regularidade as carreiras aéreas. Os Madeirenses sempre manifestaram o desejo de ver construído na sua ilha um aeródromo, embora seja também considerada a necessidade de construir um outro de recurso na ilha do Porto Santo.
Na sessão desta Assembleia de 20 de Abril de 1956 fiz uma referência a este importante melhoramento, nos seguintes termos:
A culminar a satisfação das necessidades de maior interesse para o desenvolvimento do turismo, temos a construção dum aeródromo. E um problema que tem dificuldades importantes a vencer, mas, considerando o elevado interesse do Governo e do ilustre Ministro das Comunicações e a atenção que na Direcção-Geral da Aeronáutica Civil dedicam a este assunto, creio que oportunamente a Madeira será servida.
São consideráveis os benefícios que a actual carreira de hidroaviões tem trazido para a Madeira, mas a regularidade das carreiras assegurada com o aeródromo tem um interesse superior. Este interesse é de tal ordem que há poucos anos, sendo algumas agências de viagens de Nova Iorque consultadas sobre a forma de canalizar para a Madeira os turistas americanos, foi unânimemente respondido que enquanto não houvesse uma carreira regular de aviões era escusado pensar no assunto.

O Exmo. General Gomes de Araújo manifestou sempre todo o empenho na realização de tão importante melhoramento e a Junta Geral do Distrito do Funchal, que tem prestado toda a colaboração à Direcção-Geral da Acronáutica-Civil, fará tudo quanto lhe seja possível para facilitar e tornar realidade uma obra tão valiosa.
Em Junho último esteve na Madeira uma missão de técnicos da referida Direcção-Geral, que sentiram bem a importância da sua missão e ao estudo deste difícil problema dedicaram especial cuidado, o qual tem sido acompanhado com toda a boa vontade pelo tenente-coronel Luís Tedeschi Bettencourt.
É um problema que está a ser equacionado e sentimos que o seu estudo prossegue. Por isso, a seu tempo será resolvido, e, uma vez definida a localização do aeródromo, teremos de lhe dar todo o nosso apoio, procurando que a sua realização seja breve, evitando-se demoras inúteis e prejudiciais.
Sr. Presidente: outro tanto não podemos dizer da carreira de navegação marítima entre Lisboa e o Funchal. Esta carreira é tão necessária como o aeródromo e a existência duma não dispensa o outro; os dois completam-se.
Pelos serviços da Junta Autónoma dos Portos do Arquipélago da Madeira foi possível reunir elementos que me permitem apresentar o seguinte mapa, onde se pode observar o movimento marítimo e aéreo de passageiros embarcados e desembarcados no porto do Funchal, com destino a Lisboa e provenientes deste mesmo porto, no ano de 1956:

Número de passageiros embarcados e desembarcados no Funchal, com destino ou provenientes de Lisboa, no ano de 1956:
(ver tabela)

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Pelo exame deste mapa tiramos algumas indicações curiosas:

1.º A Companhia Colonial de Navegação é a empresa que transporta maior número de pessoas, praticamente o dobro das transportadas pela Empresa Insulana de Navegação;
2.º A Empresa Insulana de Navegação, no conjunto, transporta menos 20 por cento do movimento geral de passageiros entre Lisboa e o Funchal;
3.º O número de passageiros que viajam em avião é ligeiramente inferior aos que se servem dos barcos da Empresa Insulana de Navegação;
4.º O movimento em barcos estrangeiros figura em 4.º lugar, com, respectivamente, 13,1 por cento nos embarcados e 17,9 nos desembarcados ;
5.º O total dos passageiros que viajam nos outros barcos nacionais é muito reduzido 11,3 por cento nos embarcados e 7,5 nos desembarcados.

Verificando-se que a Empresa Insulana de Navegação transporta um tão reduzido número de passageiros, não se compreende que os preços das passagens para o Funchal sejam os definidos pelos desta Empresa. Sucede também que as tarifas estabelecidas são necessariamente caras devido ao longo percurso determinado, cujo encargo é em grande parte suportado pelos passageiros da Madeira.
Tal como está presentemente funcionando esta carreira, resultam prejuízos para a Empresa e estão mal servidos os arquipélagos dos Açores e da Madeira.
Os barcos utilizados no serviço de passageiros - o Lima e o Carvalho Araújo - são antieconómicos e não satisfazem as exigências actuais.
A extrema divisão de classes não se justifica, pois o Lima tem sete classes.
Até a regularidade das escalas deixou de existir, o que também apresenta alguns inconvenientes.
Não se compreende o critério que determinou a actual orientação, em que a Empresa criou pelas suas próprias mãos as condições de concorrência aos seus próprios barcos, transportando a carga noutros mais pequenos.
Só depois de muito instada, e a título temporário, é feita a reserva de vinte e cinco dos bilhetes pára os turistas que se destinam à Madeira, sendo os bilhetes de ida e volta com indicação da viagem de regresso. Sucede, todavia, que alguns franceses a quem em Paris é indicada esta Empresa são forçados a viajar no Gorgulho e no Madalena, porque só nestes têm lugar assegurado.
Há necessidade imperiosa de mudar este estado de coisas, e só o estabelecimento de uma carreira Lisboa-Funchal, com um barco dotado de acomodações para 1.ª classe, 2.ª classe ou turística e passageiros de convés, com uma deslocação nunca inferior a 20 nós, poderá resolver satisfatoriamente tão importante problema.
Só assim será possível reduzir o preço das passagens, transportando um maior número de passageiros, como sucede nos barcos que fazem a carreira
Marselha-Argel. Deste modo, não só os Madeirenses terão maiores facilidades nas suas deslocações, mas também aos continentais será possível visitar a Madeira em condições aceitáveis, dado que para o grande número são inacessíveis os actuais encargos da viagem. São muito estreitas, e cada vez se acentuam mais, as relações da Madeira com o continente - estudantes de cursos superiores, comerciantes, pessoas que se deslocam por motivos de saúde, para consultarem médicos e fazerem tratamento nas estâncias termais, e muitos outros.
O que se propõe agora não é novidade, pois já em 1861 o Governo, pelo Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, abra u concurso para uma carreira entre Lisboa e o Funchal, estabelecendo como condição que a viagem se realizasse num período inferior a sessenta horas. É curioso notar também que eram estabelecidas as 1.ª, 2.ª e 3.ª classes e as passagens de convés. O preço desta passagem era de cerca de 55 por cento do custo da passagem de 3.ª classe.
Presentemente, sendo possível realizar a viagem em vinte e quatro horas, maior justificação têm ainda as passagens de convés, resultando maior economia da exploração e, consequentemente, o reduzido preço destas passagens.
Poderia objectar-se à dificuldade que resultaria nas comunicações directas da Madeira com os Açores deixando de existir as actuais carreiras da Insulana. E de notar que o reduzido movimento está plenamente assegurado pelas carreiras dos Carregadores Açorianos.
A existência de uma carreira de navegação entre o Funchal e Lisboa viria resolver, em grande parte, o actual problema das comunicações, evitando as situações angustiosas muitas vezes observadas em turistas, comerciantes e doentes, que não embarcam por não terem escalas de navios em datas próprias e se sujeitam a ter ou não lugar nos outros ocasionais.
Sr. Presidente: o Governo, que ião largo apoio tem dado à Madeira, permitindo-lhe o grande desenvolvimento verificado nos últimos anos - na Construção da rede de estradas nacionais; na formidável obra de hidráulica agrícola, que veio beneficiar grandes extensões de terreno; na electrificação rural, cuja primeira fase terminou e a segunda, que entra em execução, permite electrificar toda a ilha até 1:961; nas grandes obras de ampliação do porto do Funchal, presentemente em curso; no contrato com a Shell, que assegura o abastecimento de óleos à navegação; na construção de edifícios escolares; na criação de escolas e de cursos de educação de adultos; na construção de estradas e caminhos municipais; no abastecimento de água potável, e em muitos outros empreendimentos -, saberá certamente encontrar a solução conveniente para prestar este importantíssimo serviço: estabelecer uma carreira regular de navegação entre Lisboa e o Funchal.
Os naturais das ilhas ou aqueles que nelas vivem são, pela própria natureza das circunstâncias, prisioneiros do mar. E essa sensação só pode ser atenuada ou anulada com a existência de comunicações frequentes, regulares e cómodas.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. João Valença: - Sr. Presidente: na última sessão legislativa tive ensejo de chamar a atenção do Governo, especialmente do Sr. Ministro das Obras Públicas - a quem mais uma vez aqui presto e rendo as minhas homenagens - para o estado lastimoso e deplorável em que se encontrava o rio Lima, dado o seu assoreamento, cada vez mais visível e acentuado.
É volvido já muito tempo, são decorridos já bastantes meses, e, apesar disso -que eu saiba ou me conste -, nenhumas providências foram tomadas até hoje no sentido de remediar ou pelo menos atenuar aquele mal, que aflige e atormenta uma grande parte do distrito de Viana do Castelo, que aqui tenho a honra de representar.

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É que os prejuízos multiplicam-se, os danos sucedem-se, sendo cada vez maiores e vultosos, a ponto de aquele rio se tornar inavegável e as veigas que o marginam se transformarem em terras improdutivas.
As constantes cheias e as areias que nessas veigas se espalham e infiltram não só reduzem a área das propriedades, como cerceiam e diminuem a sua produção.
Todavia, o pobre lavrador, o pequeno proprietário, o dono das referidas terras, continua a pagar ao Estado as contribuições e os respectivos tributos fiscais como se a área e a produção fossem as mesmas.
Será isto justo?
Parece-me que não.
É sobejamente conhecido que a todo o direito corresponde uma obrigação.
Por isso, já que o proprietário ou lavrador paga a sua contribuição, assiste-lhe também o direito de reclamar e exigir do Estado que este tome as providências e as cautelas necessárias para evitar uma desproporção, cada vez maior e mais flagrante, entre o rendimento e o imposto.
Chamo, pois, mais uma vez a atenção do Governo para este assunto do assoreamento do rio Lima, de magna importância para o Minho e até para a economia nacional, dado que o milho que aquelas terras ou veigas produzem abastece em larga e grande escala os celeiros do País.
Com esta pequena intervenção não peço nenhum favor, mas antes formulo e faço uma reclamação que se me afigura inteiramente justa e moral.
Relacionado com o assunto que venho tratando, está o problema da barra de Viana, cujo assoreamento, além dos danos atrás expostos, afecta o movimento do porto e prejudica a praia do Cabedelo, ultimamente visitada por muitos turistas.
Ainda recentemente - com um pequeno intervalo - dois navios pertencentes à mesma empresa ali, naquela barra, encalharam, correndo o risco de se perderem.
Urge, por isso, olhar de frente para este problema, dando-lhe o remédio ou solução adequada e indicada pelos técnicos, sem contudo desprezar o conselho, muitas vezes aproveitável, daqueles que pela sua larga experiência conhecem muito bem os escaninhos da referida barra.
Assim confiadamente o espero. Assim fico esperançosamente aguardando.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: no decurso do período legislativo anterior tive oportunidade de tratar o problema siderúrgico com a atenção que lhe é inteiramente devida, pela sua importância e notável influência na vida económica, social e política da Nação.
Embora a minha educação e a minha actividade profissional se hajam desenvolvido e exercido em sector bem diferenciado daquele em que se encontra situado o problema do. aço, o projecto do estabelecimento da sua indústria no nosso país apaixonou tão marcadamente o meu espírito que o seu estudo se tornou objecto e motivo imperioso na aquisição de conhecimentos que me habilitassem a expor aqui, dentro de certos limites, o meu pensamento sobre questão de tão alta magnitude.
E desta tribuna, que sinto orgulho em ocupar, tive ocasião de chamar a atenção de V. Ex.ª e dos Srs. Deputados para determinados aspectos referentes à sua montagem.
Num imperativo de consciência, ligado às responsabilidades contraídas com as afirmações produzidas anteriormente, pedi hoje a V. Ex.ª me concedesse a palavra para mais uma vez tratar problema de tanta projecção e de tão reconhecido interesse, posto que resoluções definitivas hajam sido já tomadas, após um longo período de incerteza, agora desaparecida.
Sr. Presidente: o problema do aço, sobre o qual o Sr. Ministro da Economia lavrou e publicou em 15 de Setembro passado notável despacho, entrou agora numa nova fase com a aprovação do esquema para sua instalação, como aproveitamento da nossa riqueza em minérios, aproveitamento exigido para a industrialização da Nação, na ânsia e necessidade de progresso económico e social, em que o Estado Novo se encontra vivamente empenhado.
E empreendimento que na sua profunda realidade, orientado e estruturado em moldes convenientes, encerra uma finalidade de vantajosa actividade e progresso.
Empreendimento eminentemente nacional, terá forte repercussão em todos os sectores e o futuro se encarregará de fazer demonstração desse valor, cabendo aos homens a responsabilidade na execução de uma tarefa onde o interesse geral deve ser colocado acima de todos os interesses, encarado o problema na sua objectividade económica, social e política.
Largas somas, amealhadas pela acção do trabalho nacional, vão ser investidas nessa fecunda realização, que deverão atingir um quantitativo de 2 650 000 contos, indicativo seguro de valor nunca igualado dentro das nossas fronteiras, e que na industrialização do País, a que calculadamente se vai procedendo, marcará signo memorável do período realizador que presentemente vivemos.
E agrada-me sobremaneira trazer a esta tribuna o que o maior jornal americano - New York Times - referindo-se à expansão da nossa economia, dizia acerca da montagem da indústria do aço:
Recentemente, o Governo de Portugal revelou os seus planos para a construção de uma oficina de aço com uma capacidade de produção de 300 000 t, a primeira na história do País.
A notícia foi para o País uma grande notícia; a notícia de que a economia de Portugal no pós-guerra entrou numa nova fase. Essa terra peninsular, banhada de Sol, f arnosa principalmente pela cortiça, pelo vinho e pelas sardinhas, está agora empenhada num extraordinário programa de industrialização.
Tem na sua frente largo caminho a percorrer antes de atingir a situação de outras nações da Europa, mas os seus progressos são eloquentes e constantes. São muitos os problemas, mas são também muitas as conquistas e as vitórias alcançadas nos últimos anos.
Assim falou um idos maiores jornais do Mundo.
Sr. Presidente: nada tenho a corrigir às afirmações que produzi neste lugar. Toda a minha acção sobre o problema siderúrgico se subordinou sempre e inteiramente ao interesse nacional, e na sua defesa pus todo o meu ânimo, toda a minha sinceridade. Defendi com entusiasmo e conscientemente a instalação da siderurgia em terras do Norte, pelo convencimento que tinha, e que mantenho, de que procedendo assim prestava bom serviço ao meu país.
Não abdicando dos princípios em que se baseava a minha argumentação, e tomando o problema da escolha da localização da indústria aspectos de certa maneira delicados, não hesitei, perante as circunstâncias, fazer

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a defesa do estabelecimento de duas grandes oficinas de siderurgia, oficinas completas na sua estrutura, com redução, acearia e laminagem, situando-se uma no Norte e outra no Sul, dando inteira satisfação às aspirações e aos interesses legítimos das respectivas populações.
Nas altas esferas governativas a minha sugestão foi ouvida e encarada com certa simpatia e o despacho do Sr. Ministro da Economia assim o demonstra, posto que haja diferença bastante sensível entre a sugestão que apresentei e a resolução tomada.
Se em parte essa solução pode satisfazer, dentro de certa relatividade, noutra julgo não acautelar, nem defender convenientemente, os interesses inerentes a realização tão fecunda, a que o Estado Novo em boa hora meteu ombros e na qual se depositam bem fundamentadas esperanças. E porque não sei ocultar o meu pensamento, não me dispenso de comentar, embora ligeiramente, o corajoso despacho, onde existe matéria para o elogio que não regateio, mas onde não falta também matéria para objecto de crítica, sem maledicência ou especulação, impróprias do meu espírito.

O Sr. Águedo de Oliveira: - V. Ex.ª dá-me licença?
V. Ex.ª conhece inteiramente os fundamentos desse despacho?

O Orador : - Sim senhor.
As minhas palavras não encerram qualquer sombra de menos consideração, ou menos respeito, pela alta personalidade do Sr. Ministro da Economia, que no desempenho do seu alto cargo tem dado provas eloquentes de profundo conhecimento das questões que correm pela sua pasta, cuja gerência se reveste, e cada vez em mais larga escala, das maiores dificuldades, na incerteza da hora presente, em que os erros se pagam com generosidade e a sua emenda, quando possível, atinge incomportável preço.
Sr. Presidente: o esquema para estabelecimento da siderurgia nacional, traçado e ordenado com a maior inteligência dentro do projecto técnico apresentado pela empresa concessionária, definido pelo Conselho Económico, foi aprovado por despacho do Sr. Ministro da Economia com variadas alterações, contidas em cinco alíneas, a que vou referir-me particularmente. De harmonia com esse despacho, a instalação siderúrgica realizar-se-á em duas fases, dividindo-se a 2.ª em dois períodos. Assim, teremos doutro da planificação indicada:
Na 1.ª fase:
a) Instalação de um forno eléctrico, na zona situada a norte de Leixões, ainda por delimitar; forno para uma produção de 30 000 t anuais, cuja montagem ó orçada em 70 000 contos ;
b) Montagem de oficina do acearia e laminaria, em Alcochete, para fabrico do 80 000 t, de perfis, estando calculado o custo desta instalação em 621 000 contos.

Segundo este plano, uma parcela da gusa, ferro bruto produzir-se-á na instalação situada a norte de Leixões e a outra, até perfazer 130 000 t, caberá às minas de Vila Cova do Marão, onde existem os notáveis jazigos de magnetite. Esta gusa será depois transportada para Alcochete, onde sofrerá as operações necessárias à sua transformação em aço, visto ser ali que vão instalar-se as oficinas de acearia.
E eu ponho agora esta interrogação: porque não serão montadas junto aos fornos produtores de gusa as oficinas indispensáveis a uma instalação completa de siderurgia, não relegando para tampos distantes essa instalação, libertando-a de condicionamento dependente de circunstâncias futuras?
Sem prejuízo da concentração da acearia e laminaria no Sul, a acearia e laminaria no Norte será planeada para abastecimento regional e exportação e a montar logo que se obtenham nas fases iniciais a necessária dimensão e as devidas condições de eficiência técnica e de rendimento industrial.

Assim reza o despacho ministerial. Quer dizer: o que para um lado é absolutamente positivo, certo, para outro encontra-se sujeito a uma condicionada subalternidade, nada de harmonia com os recursos e os interesses que sempre defendemos.
Não encontramos motivo justificado para semelhante critério de adopção, mas existem certamente fortes razões de ordem técnica e económica para assim se resolver, já que as razões de ordem política, que a outras devem sobrelevar, são esquecidas.
Seguir-se-á depois a 2.ª fase, dividida em dois períodos, planificados da forma seguinte:
No 1.º período:
c) Montagem do alto forno a coque em Alcochete, com capacidade anual para 200 000 t de gusa, a despender com essa montagem a importância, de 190 000 contos;
d) Acearia e laminaria, como ampliação da estabelecida na 1.ª fase, sempre em Alcochete, cujo importe atinge 180 000 contos:
e) Equipamentos, compra do terrenos, construção civil, etc., calculados em 240 000 contos.
O 2.º período compreenderá:
f) Instalação de fornos Krupp-Renn, com uma rapacidade do 120 000 t, orçada em 300 000 contos. E acerca da necessidade de acelerar a produção siderúrgica, o Sr. Ministro da Economia diz so § 2.º do seu despacho «que se antecipe em coordenação com o restante programa a ampliação da 2.ª fase das instalações de produção autárcica, a localizar no Norte, de forma a obter-se no mais curto prazo a produção final de 150 000 t»;
g) Conclusão das oficinas de acearia e laminaria em Alcochete, cuja capacidade mínima deverá ser no total de 300 000 t, conclusão que importará em 690 000 contos;
h) Aquisição de equipamentos, edifícios, etc., orçados em 350 000 contos.

Sr. Presidente: o investimento atingirá na sua totalidade 2 650 000 contos, quantitativo e valor do empreendimento que o País quer ver realizado e que se encontra dentro dos seus próprios recursos.
E, Sr. Presidente, ao cotejarmos as cifras que acabamos de ler verificamos que ao Norte do País caberão na parte que lhe corresponde na instalação da siderurgia nacional 70 000 contos respeitantes ao forno eléctrico e 300 000 contos referentes à montagem do forno Krupp-Renn.
No que se refere à acearia e luminária é necessário que a unidade a montar no Norte tenha a importância relativa ao investimento de l 491 000 contos previsto no programa da empresa para a acearia e laminaria das 300 000 t estimadas como produção total final.
Ora, Sr. Presidente, meditando nas verbas indicadas, verbas tiradas do esquema contido no despacho do Sr. Ministro da Economia, vê-se através delas ser bem reduzida a parcela pertencente ao Norte dentro da realização do plano nacional de siderurgia.

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O núcleo produtor do aço deveria ter o seu centro no Norte, e a justificação deste facto foi detalhadamente exposta perante a Assembleia Nacional.
Duas siderurgias, Sr. Presidente? Sim. Mas não fragmentadas.
Equivalendo-se na sua instalação e, portanto, na sua produtividade; atendendo-se à localização dos jazigos de minério, das fontes de energia eléctrica, do preço da mão-de-obra, da existência das minas de carvão, da facilidade de exploração de água, dos preços de terrenos para a construção de edifícios, e de tantos outros factores, que irão pesar sobre o custo do produto acabado e, portanto, sobre a economia da Nação.
E não devia esquecer-se o baixo nível de vida de certas regiões, que sentiriam alívio sensível nas dificuldades em que presentemente se debatem. Se a fragmentação da indústria era justificada, porque não optar pelos fornos junto dos jazigos e a acearia e laminaria perto dos grandes centros?
Sr. Presidente: ao bordar as ligeiras considerações que aqui deixo, e que um imperativo de consciência e coerência me impunham, não me moveu outro sentimento que não fosse o que sempre manifestei sobre problema de tanta magnitude. O caso está hoje, segundo parece, arrumado.
Sobre ele pronunciaram-se os diferentes organismos técnicos, em cujo parecer é fundamentado o despacho do Sr. Ministro da Economia.
Eu não pertenço, como é lógico, a qualquer desses corpos consultivos. Sou apenas Deputado da Nação, e como Deputado sou estruturalmente político, formado na escola do nacionalismo, de que Salazar é o Chefe prestigioso, por todos admirado, acatado e respeitado.
E como Deputado, que coloca a política acima da técnica, devendo esta servir aquela, só aspiro o engrandecimento do Estado Novo, pelo qual, dentro do limitado campo das minhas funções, luto com todo o entusiasmo e com toda a fé, a bem da Nação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
0 orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: na sessão de ontem, ao findar V. Ex.ª as suas palavras congratulatórias pela visita de sua muito graciosa Majestade a Rainha Isabel II de Inglaterra, a que me associei muito gostosamente, como, aliás, toda a Câmara, pedi a palavra para apresentar um requerimento, que a seguir esclareci ser sobre um assunto conexo com as declarações de V. Ex.ª mesmo.
Era meu propósito, com efeito, pedir a V. Ex.ª que deixasse ficar registado na acta da sessão o desgosto que sabia sentido por muitos Srs. Deputados.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Pelo facto de aos membros da Assembleia Nacional, elementos do que na enumeração da Constituição é o segundo orgão da soberania, não ter sido dado qualquer lugar nas cerimónias da recepção oficial à nossa ilustre visitante, mesmo quando eram de concorrência numerosa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Pareceu-me então e parece-me ainda que ao ser recordado nesta Casa um acontecimento repassado para nós do travo do amargo sentir do esquecimento a que fôramos votados, mas no mais felicíssimo, essa palavra representaria o mínimo do reparo que seria devido por amor do respeito à Assembleia Nacional e ao seu papel na nossa vida política, a que esse respeito é necessário.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Entendeu V. Ex.ª que não deveria conceder-me a palavra por virtude do preceito regimental que exige a inscrição antecipada dos oradores.
Confessarei a V. Ex.ª a falta de não me ter lembrado de que o preceito se aplicasse também a requerimentos e peço desculpa se importunei indevidamente, até porque compreendo o desgosto com que V. Ex.ª, sempre tão deferente para com todos nós e tão benévolo para comigo próprio, me teria impedido de usar da palavra pela força de um preceito regimental. Mas eu não previa, não sabia antes que o assunto da visita real a este país, que nos enche a todos de regozijo, viesse a ser tratado nesta Assembleia, podendo até supor que ao esquecimento a que fôramos votados correspondesse o nosso silêncio.
Aceito no entanto a interpretação de V. Ex.ª, mas voltei aqui hoje para que a expressão daquele reparo e a afirmação daquele sentimento não fiquem omissos nas páginas das actas desta Assembleia.
Creio que em todas as anteriores visitas de chefes de Estado os nossos ilustres hóspedes vieram ao seio deste orgão da representação nacional e V. Ex.ª ontem mesmo lamentou que assim não tivesse acontecido desta vez, e digo que agora também não seria de mais a nossa participação em corpo, como legítimos representantes da opinião e dos sentimentos públicos, nos actos solenes da recepção à nossa tão ilustre quão gentil visitante.
Não quereria alongar-me de mais sobre um aspecto que nos entristece e empana os sentimentos, aliás tão fortes e vivos, de regozijo e satisfação pelo brilhantíssimo acontecimento destes dias, mas tão pouco aceitaria que deixasse de ficar alguma memória da desconsideração sofrida pela Assembleia Nacional, para que de futuro não se repita.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Quando ontem recusei a V. Ex.ª, para um requerimento, a palavra, fi-lo por entender conveniente evitar a sombra das nossas coisas domésticas desagradáveis sobre a glorificação que acabava de ser feita de um acontecimento da maior importância para o País, qual foi o da visita da rainha de Inglaterra, que tanto abalara e comovera de entusiasmo e simpatia a nossa gente.
Dada a índole do meu espirito, a que V. Ex.ª fez justa referência, e a consideração que V. Ex.ª me merece, como a todos os nossos colegas, compreenderá V. Ex.ª e a Câmara a violência que tive de fazer sobre mim mesmo. Quanto às suas palavras de hoje, posso lamentar com V. Ex.ª certas omissões ocorridas em relação aos Srs. Deputados e declarar que compreendo perfeitamente a sua reacção contra elas. Longe de mim filiá-las em qualquer pensamento menos respeitoso, longe de mim repito, sinceramente filiá-las em qualquer pensamento menos respeitoso, mas estamos em frente de factos, e é sempre útil o comentário que possa prevenir e evitar a sua repetição.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Há um ponto da intervenção de V. Ex.ª que carece de uma pequena nota: V. Ex.ª supôs que não haveria na Câmara qualquer referência à

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visita da rainha de Inglaterra e que a Câmara responderia, assim, com o seu silêncio ao silêncio que com ela teria havido. Permito-me discordar desse modo de ver. O silêncio da Assembleia, a sua ignorância total de um facto de tanto alcance político e tanta ignorância nacional seria incompreensível fora da Câmara e não cairia apenas sobre as causas das omissões apontadas, mas teria necessariamente, dentro e fora do País, repercussões de outra ordem, que estão longe dos propósitos desta Assembleia.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Dei a V. Ex.ª estas explicações perfeitamente à vontade, até para que não fique no espírito de V. Ex.ª qualquer dúvida sobre as minhas intenções, nem no coração de V. Ex.ª e da Câmara a amargura de qualquer ressentimento injustificado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: agradeço a V. Ex.ª, com o maior reconhecimento, os esclarecimentos que acaba de prestar, por mim próprio e como membro da Assembleia.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em discussão a proposta de lei que cria o Instituto Nacional de Investigação, Tecnologia e Economia Industrial.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Correia.

O Sr. Mendes Correia: - Usando da palavra sobre a proposta de lei n.º 43, de cuja aprovação pela Assembleia Nacional resultaria a criação de um novo e importante organismo, designado na proposta «Instituto Nacional de Investigação, Tecnologia e Economia Industrial», não oculto as minhas deficiências de preparação para abordar, com pleno conhecimento de causa, alguns aspectos técnicos ou especializados do assunto. Mas não creio que este deva ser domínio exclusivo de apreciação da parte de engenheiros ou de economistas. Não são de pequena monta para tal apreciação os depoimentos de quem tenha uma certa experiência em matéria de organização e possibilidades da investigação científica e das condições nacionais para a formação e aproveitamento do pessoal apto para essa investigação.
Decerto a actividade de pesquisa não se exerce nos mesmos moldes em todos os ramos de ciência pura e aplicada, mas há factos comuns ao labor investigador nesses diferentes ramos, condições ou regras gerais de formação, selecção, utilização, retribuição, garantias, etc., pelo que respeita à prestação dos seus serviços por esse pessoal. O público de cultura mediana, não especializada, tem, ele próprio, a noção clara e perfeita de muitas das exigências a que deve satisfazer o dito pessoal, das condições em que o seu trabalho é eficiente e dos terrenos em que mais vantajoso é para o País esse trabalho.
Há quarenta e seis anos que exerço funções no ensino universitário e há quase o mesmo tempo me consagro a modestas actividades próprias, como investigador, ou ao estimulo de análogas actividades alheias, tarefa, esta última, de que, sem vaidade, tenho algum orgulho, por mais limitadas que tenham sido, por circunstâncias várias, as minhas possibilidades de êxito.
Isso me anima, com o conhecimento de várias organizações nacionais e estrangeiras da índole da proposta, a, não sendo engenheiro, nem economista, nem industrial, emitir alguns juízos sobre o diploma legislativo em discussão.
Antes, porém, das considerações que a proposta e o parecer correspondente da Câmara Corporativa me sugerem, desejo exprimir o meu aplauso aos respectivos autores, sendo de salientar quo tanto a proposta como o parecer, seja qual for o que venha a ser adoptado, sejam quais forem as modificações que venham a sofrer, revelam uma feliz compreensão de altas necessidades nacionais, uma visão esclarecida, larga e decidida dum momentoso e complexo problema.
Dirijo deste lugar as mais sinceras felicitações ao Governo e especialmente ao ilustre Ministro que subscreveu a proposta, e dirijo-as também aos signatários do parecer, especialmente ao relator, antigo Ministro das Obras Públicas e actual presidente da Junta de Energia Nuclear, Sr. Engenheiro José Frederico Ulrich.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No movimento de renovação e progresso que a superior orientação de Salazar suscitou em vários sectores da vida portuguesa, reveste uma importância considerável a parte que se refere à indústria. É inegável que se levaram já a efeito empreendimentos dignos de destaque e ninguém ignora que estão em curso ou se encaram novas iniciativas, que oferecerão amplas e inéditas perspectivas às actividades produtoras nacionais, à economia portuguesa.
À parte alguns ramos especiais, uns restritos poderíamos mesmo dizer, em muitos casos, simpaticamente caseiros -, outros de maior amplitude e complexidade fabril, mas não raras vezes sobrevivendo graças a um proteccionismo mais ou menos sistemático, só hiperbòlicamente podíamos atribuir a Portugal foros de país industrial, susceptível sequer do se aproximar das grandes ou pequenas nações industriais do Mundo. Não dispúnhamos, ou supúnhamos não dispor, dos combustíveis, dos metais e dos recursos em iniciativa, concepção e técnicas que nos permitissem edificar uma grande indústria.
O panorama nos últimos anos foi-se modificando mais favoravelmente, mas é inegável que ainda nos falta percorrer um longo caminho de sacrifícios e esforços dedicados e inteligentes para nos apresentarmos num lugar plenamente satisfatório no mundo da indústria.
Temos progredido em muitos sectores, mas todos sabem como são ainda modestos os números com que figuramos nalguns quadros do desenvolvimento industrial dos vários países do mundo. Nenhuma propaganda optimista alcançará destruir esta evidente o incontestável verdade.
Mas seria uma mentira revoltante negar alguns confortantes e autênticos progressos realizados, contestar a linha ascendente da evolução de algumas indústrias entre nós, decerto em muitos casos por louvável o rasgada iniciativa particular, mas sempre sob o clima ou o estimulo, o auxílio efectivo, duma política feliz do Estado, do Governo de Salazar.
Na metrópole e no ultramar vive-se nesse clima ou sob esse estimulo. Energia, água, produtos químicos, explorações extractivas, pasta do papel, tecidos, materiais de construção, produtos alimentares (especialmente a pesca e conservas), cerâmica, óleos, etc., figuram hoje, como outras, entre as mais consideráveis manifestações de actividade industrial no País, e não devemos descrer das possibilidades do seu desenvolvimento e da aparição doutros ramos dessa actividade, mesmo através de dificuldades múltiplas, entre as quais não é a menor a que venha, por exemplo, a ser criada pelo mercado comum

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ou outras circunstâncias internacionais, ao condicionalismo e progresso da nossa indústria, sobretudo daquela que se pode dizer em projecto ou incipiente.
Já não falo agora no reflexo possível do mercado comum ou doutras iniciativas análogas no volume das receitas públicas e portanto de investimentos estatais tornados possíveis com base naquelas receitas.
Enfim, mesmo sem abandonarmos o optimismo necessário perante o que vai pelo Mundo, não podemos deixar de considerar o desenvolvimento industrial do País como um objectivo que, para ser satisfatoriamente atingido, exige de nós os sacrifícios e esforços a que já aludi, mas sacrifícios e esforços que não devem ser feitos à toa, à sorte, indiscriminadamente, antes não podem deixar de ter como ponto de partida estudos e planos, que a política económica nacional, sob a orientação de Salazar, entende -e muito bem- deverem estar na base de toda a acção renovadora e progressiva a empreender.
É essa linha de pensamento que conduziu às tarefas já levadas a efeito, ao Plano de Fomento em curso de execução, à constituição de alguns organismos de planificação, à concessão de bolsas de estudo a técnicos e especialistas em matéria económica, etc.
Mas a tarefa planificadora, a formação de pessoal científico e técnico, os esforços preliminares de vária ordem que se requerem para aquela tarefa e para a sua execução, não atingiram, evidentemente, o grau e amplitude que são indispensáveis para o desejado êxito da grandiosa intenção que preside a este movimento.
O Instituto de Alta Cultura, a Junta de Investigações do Ultramar, a Estação Agronónica Nacional, as Universidades e outros organismos que o parecer da Camará Corporativa cita não tem podido dispor dos recursos suficientes para levar até onde é necessário o seu papel nesta matéria.
O parecer indica as magras possibilidades orçamentais daquelas organizações e entidades. Não pretendo que se devam abandonar quaisquer outras actividades culturais, como as da ciência pura, das letras ou das artes, canalizando as magras verbas na sua pobre totalidade para a investigação aplicada, para a formação de pessoal e para as actividades que incumbem ao organismo em projecto.
Mas, como tem sobejamente salientado o Sr. Engenheiro Araújo Correia no parecer das contas públicas, são em ínfima quantidade as bolsas de estudo para investigadores no estrangeiro em assuntos económicos, técnicos, etc.
Não se diminuam as, também escassas, de outras disciplinas, mas dotem-se as organizações existentes ou a nova com verbas orçamentais bastantes para aumentar o número de bolseiros em assuntos económicos, industriais, etc., segundo as exigências das tarefas nacionais definidas ou em vista, numa criteriosa selecção dessas exigências.
Os países de mais desenvolvidas e especializadas actividades técnicas no Mundo, como os Estados Unidos e a Inglaterra, estão proclamando a todos os ventos a necessidade de formar mais cientistas.
Já aqui em tempos aludi ao facto e citei que, na competição que se estabeleceu na matéria, aqueles países receiam abertamente uma primazia soviética na intensidade desses esforços de formação de pessoal apto para a investigação científica, pura e aplicada.
Alguns números são interessantes. Há dez anos, em 1947, havia em Inglaterra 45 000 pessoas directamente empregadas na investigação e desenvolvimento industriais -10000 das quais mais altamente qualificadas- e a indústria inglesa gastava anualmente na investigação e desenvolvimento referidos cerca de 30 milhões de libras.
Pois achava-se pouco, achava-se necessário mais, e, em revistas científicas, em reuniões de congressos, em conferências, no próprio Parlamento, ecoavam os apelos para uma melhoria, cujo ritmo, aliás, ainda é considerado insuficiente para a grandiosa tarefa. Pessoal, instalações, equipamentos, investimentos, pede-se mais, sempre mais.
Apela-se para os particulares, para as Universidades, para os industriais, para o Estado. Fazem-se comparações estimulantes, especialmente com os Estados Unidos.
Na mesma reunião da British Association - a de 1951 em Shoftield, em que Sir CLaude Gibbs, num discurso presidencial da secção de engenharia, falava de "Dois mil anos do engenharia" e das perspectivas futuras desta- o Duque de Edimburgo, presidente da Associação, ocupava-se, no discurso inaugural de toda o assembleia, da contribuição inglesa para a Ciência e para a Tecnologia nos cem anos anteriores àquela reunião.
Não reproduzo aqui o que ele disse da revolução industrial, da acção desenvolvida, dos benefícios recebidos (como o da passagem da taxa da mortalidade infantil de 150 por mil nado-vivos para 25 por mil actualmente), das inúmeras mudanças operadas nas condições de vida da população, do enorme aumento desta.
E fazendo um balanço impressionante das aquisições e progressos científicos o técnicos, concluía:
O progresso em quase todas as formas da actividade humana depende dos esforços perseverantes dos cientistas. A riqueza e a prosperidade da Nação são governadas pela rápida aplicação da ciência as suas indústrias e comércio.
Os trabalhadores da Nação dependem da Ciência no que respeita à manutenção e aumento nos seus padrões de saúde, habitação e alimento.
Finalmente, a superioridade ou a nossa capacidade de sobrevivência na guerra está na razão directa da excelência e da capacidade do pessoal científico. Este, a equipa de investigadores e engenheiros, tem uma dupla responsabilidade: a da sua obra e a que, como cidadãos esclarecidos, lhe cabe; e o cumprimento das suas funções próprias só pode efectivar-se se os seus membros têm uma sólida educação geral e, ao mesmo tempo, um perfeito treino científico.
Mas não é menos importante que as pessoas que regulam a máquina científica, sejam elas leigos ou cientistas, tenham uma compreensão e juízo do que a Ciência se tem enriquecido de aquisições e do seu lugar entre as grandes forças do Mundo. É evidente dever nosso procurar que a Ciência seja empregada em beneficio da humanidade. Se o homem não sobrevivesse, de que serviria ela então?
Mas nos Estados Unidos os apelos à Ciência e aos cientistas não eram menos fervorosos, apesar dos seus maiores recursos em material, em verbas, em pessoal.
Precisamos de mais cientistas, estão saturadas as disponibilidades nos melhores, precisamos deles para nós e para outros países - são os clamores gerais no grande país.
E, como disse, afirma-se que os quantitativos de cientistas e técnicos são ainda ali consideráveis, mas, se o ritmo da sua formação se não acelerar, correr-se-á o risco de uma ultrapassagem pelos sovietes.
Ora os Estados Unidos gastam biliões de dólares com a investigação pura e aplicada, dispõem de milhares de cientistas nessas actividades.
A defesa nacional absorve hoje ali uma proporção enorme dessas verbas e desse pessoal, como pode ver-se no recente relatório sobre a organização do governo federal para as actividades científicas.
O excelente parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta que estamos discutindo faz referência cabida à pequenez das verbas orçamentais atribuídas u investigação pura e aplicada no nosso país.

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As dotações laboratoriais são escassas; as escolas superiores portuguesas nau conseguem, apesar da dedicação do sou pessoal docente, formar técnicos especializados ou até sequer interessados na investigação aplicada.
Algumas vocações autênticas não encontram os estímulos e o próprio ambiente que deviam ter.
Em engenharia, não falando nos engenheiros geógrafos e outros, mas apenas nos diplomados pela Faculdade de Engenharia do Porto e no Instituto Superior Técnico, estas escolas forneceram no ano lectivo do 1954-1055 um total de 225 diplomados.
Descontando os de engenharia civil, o curso mais concorrido e do qual não tratamos agora, fica para a engenharia industrial propriamente dita cerca de metade. Quantos vão ser utilizados, de facto, na indústria e, particularmente, na investigação aplicada?
Mesmo fora da invenção e da investigação original, propriamente científica, isto é, nas tareias da rotina, no dia a dia da labuta industrial ficarão bem poucos.
Há muitos estabelecimentos fabris em Portugal, e alguns de grande volume, que não dispõem com permanência dos técnicos necessários.
Que se diria de clinicas e hospitais sem médicos no seu quadro de pessoal? Como seria isso possível? As estatísticas industriais que o Instituto Nacional do Estatística publica regularmente não discriminam os engenheiros no pessoal das diferentes indústrias.
Mencionam operários e tarefeiros e englobam num conjunto o pessoal administrativo, técnico e de escritório ; distinguem empregados o assalariados; mais nada.
Os sectores fabris de estudos, projectos, planos, concepção, invenção e investigação são, entre nós, rarissimos. E uma tristeza.
Existem quase por prodígio numa ou em poucas fábricas, como na Sorefame, da Amadora, ou (neste caso, no âmbito da Defesa Nacional) na Fábrica de Material do Guerra de Braço de Prata.
A primeira dispõe de cerca de duas dezenas de engenheiros. Quantas outras grandes fábricas um Portugal possuem, em permanência, um tal quadro de pessoal técnico superior?
É triste dizê-lo, mas vivemos numa terra de curiosos, de amadores. Ocorre-me uma anedota verdadeira: num grupo de meninas casadouras debatiam-se as profissões dos noivos. Dum que consertava, do vez em quando, relógios e bicicletas e veio a ter um fim dramático, dizia a noiva, quando interrogada sobre a profissão do eleito do seu coração: "O meu ... o meu ... tem muita habilidade!"
Há por aí gente com muita habilidade, e esta ú decerto uma grande qualidade, mas decerto ao serviço de objectivos esclarecidos e superiores, com uma disciplina orientadora, não do mera improvisação fortuita.
A improvisação amadorística impera ainda mesmo em grande parte dos nossos empreendimentos industriais. Oxalá iniciativas como a agora proposta possam concorrer para imprimir outro rumo às nossas actividades industriais !
Não desejaria alongar-me demasiadamente na apreciação da proposta de lei, mas sinto o dever de acentuar já, na discussão da generalidade, alguns pontos que me parecem dignos de ponderação.
O parecer da Câmara Corporativa propõe para o novo organismo um título diferente do que figura na proposta do Governo.
Concordo com as declarações de voto dos Dignos Procuradores Srs. Carlos Alves e Ubach Chaves no que respeita a não dever a palavra Instituto ser substituída pela palavra Laboratório. O novo organismo pode e deverá ter muitos laboratórios; não é um laboratório único.
O exemplo da grandiosa o feliz iniciativa que é o Laboratório de Engenharia Civil não é convincente.
De facto, esta magnifica instituição não ú um simples laboratório de estrutura o finalidade científicas circunscritas, mas um conjunto do laboratórios.
A meu ver, não ó o instituto projectado que deverá ser designado Laboratório, mas o Laboratório de Engenharia Civil que deveria passar a chamar-se instituto.
Parece-me, porém, demasiado longa a designação da proposta. Porque não chamar ao novo organismo Instituto de Engenharia Industrial ? Farei uma proposta neste sentido. Não me parece que a ausência dum curso de engenharia industrial no esquema dos nossos estudos de engenharia impeça a adopção desse nome. Aliás de engenharia industrial são atinai alguns dos cursos existentes: a engenharia electrotécnica, a mecânica, a químico-industrial, mesmo a de minas.
A supressão proposta pela Câmara Corporativa das referências à acção ultramarina, pela inconstitucionalidade dessas referências pelo facto de não vir o projecto firmado pelo Ministro do Ultramar, é decerto imposta por essa inconstitucionalidade, mas seria lamentável que se circunscrevessem à metrópole os benefícios da nova organização.
Aliás, não deve ser palavra vã, mera flatus vocis, a tão útil e necessária unidade e convergência que justificadamente se proclama entre a metrópole e as províncias ultramarinas. Como a Câmara Corporativa, penso que tudo ficaria sanado com a intervenção legislativa do Ministro do Ultramar, no sentido da extensão do diploma, se assim o entendesse.
Proporei algumas modificações ao texto do Governo, um vez ou além das que foram adoptadas pela Câmara Corporativa, com as quais concordo na quase totalidade.
Insistirei um que a coordenação do que fala o n.º 1.º da base III não deve significar uma asfixio, ou supressão do iniciativas independentes, susceptíveis de êxito.
Coordenar não deve sor sufocar, comprimir. Um recente relatório inglês sobro o assunto, a que já me referi, preconiza na investigação pura e aplicada uma unificarão de autoridade, mas reclamando para esta e desta força bastante (o prestígio de que fala o parecer) e longas vistas" no sentido de assegurar a flexibilidade e independência essenciais para a liberdade experimental, mediante novas instituições ou modificações das existentes".
Na Base VII da proposta concordo, ao contrário da Câmara Corporativa, com a designação, proposta pelo Governo, do director do novo instituto pelo Conselho do Ministros. O mesmo sucede aliás com os governos ultramarinos e altos postos militares.
Por outro lado não acompanho a Câmara Corporativa nas considerações respeitantes à constituição do conselho técnico, parecendo-me apenas que no esquema das secções facultado pelo ilustre Ministro da Economia a 7.ª s 8.ª secções não deveriam ser suprimidas, como propõe o parecer, mas reunidas porventura numa só.
Concordo, porém, com a autonomia administrativa e financeira, que o parecer da Câmara Corporativa sugere para o novo organismo no final do corpo da base VII.
Parece-mo feliz incluir, como fez n Sr. Ministro, a automatização numa das secções.
Não é apenas a vantagem que aquela (hoje em tamanha actualidade) encerra pela redução de preço e aumento de produção, mas há que combater os abusos daqueles que pretendem ser os beneficiários exclusivos da diminuição do custo da produção, sejam as empresas, sejam os trabalhadores.
Há, entretanto, um gravo problema conexo: o do deslocamento ou desemprego da mão-de-obra não especializada, por virtude do ser tornada dispensável pela automatização.

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Os Estados Unidos já criaram a garantia de salário anual. Há uma questão moral, política, económica e social a resolver, mas é inegável que a automatização - que afinal começou pela substituição da energia manual pela utilização do moinho de vento, pela força da água liquida ou em vapor, pela energia eléctrica e, já agora, pela energia nuclear-, traz enormes vantagens à humanidade: melhoria da qualidade e acabamento do produto (lembremo-nos de que Gustave Le Bon, enaltecendo a perfeição do automatismo em relação ao acto reflectido, considerava a educação como a arte de converter em automático o que é primeiramente consciente), melhoria - repito - da qualidade e acabamento do produto, aumento da produção e poupança de energia humana, física e mental-mesmo, como agora, com as manipulações de radioactividade, diminuição de riscos para a saúde e vida humanas.
Enfim, aplaudo as disposições da base XII sobre o segredo profissional. Este é uma regra geral de deontologia, quer envolva prejuízos individuais de particulares, quer colectivos ou do Estado, mormente no último caso, quando, tratando-se de matéria militar, a sua violação constitua uma traição à Pátria, uma das mais repugnantes indignidades.
Nesta época de paradoxos fáceis e de contradições máximas não falta até quem, com responsabilidades intelectuais, preconize estarem os cientistas isentos do dever moral de conservarem o sigilo sobre invenções e descobertas cientificas da sua autoria. A verdade e a ciência não são património de um pais, mas da humanidade. Quem não põe o culto da pátria acima de todas essas especulações tendenciosas não é um cientista, é simplesmente um traidor.

Vozes: - Muito bem !

O Orador:-É tempo de concluir. Vou fazê-lo dando o meu aplauso à proposta de lei, de tamanha oportunidade, com quase todas as modificações sugeridas pela Camará Corporativa e algumas outras que me permito propor.
Mais de uma vez nesta Assembleia se tom afirmado as necessidades nacionais no que respeita ao desenvolvimento científico e económico do Pais.
O diploma em projecto representa mais um valioso factor desse desenvolvimento se a sua finalidade encontrar nos meios responsáveis da sua execução, nos meios industriais e no próprio público em geral a compreensão perfeita da sua natureza e utilidade, não faltando os recursos em pessoal, em colaborações, em apetrechamento e em verbas que são essenciais ao êxito de tão esclarecida, prestante e patriótica iniciativa e à sua desejada projecção na vida económica e social do nosso povo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente:-Vou encerrar a sessão.

A próxima sessão será na terça-feira, dia 26 do corrente, à hora regimental, com a mesma ordem do dia de hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Crus.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Antão Santos da Cunha.
António Carlos Borges.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Russel de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
João Afonso Cid dos Santos.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão. Joaquim de Sousa Machado. Jorge Pereira Jardim. José Gualbprto de Sá Carneiro.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Ricardo Vaz Monteiro.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

Propostas enviadas para a Mesa no decorrer da sessão:

Proponho que a base I da proposta de lei n.º 43 tenha a seguinte redacção:

Será criado no Ministério da Economia o Instituto Nacional de Engenharia Industrial, dotado de personalidade jurídica e autonomia administrativa.

Lisboa, 22 de Fevereiro de 1957. - O Deputado, António Augusto Esteves Mendes Correia.

Proponho que no n.º 12.º da base m da proposta de lei n.º 43 se suprima a parte final:

... e à montagem ou reorganização de indústrias importantes.

Lisboa, 22 de Fevereiro de 1957. - O Deputado, António Augusto Esteves Mendes Correia.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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