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REPÚBLICA PORTUGUESA (353)
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 187
ANO DE 1957 14 DE MARÇO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.º 187, EM 13 DE MARÇO
Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mos Srs. José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Agnelo Orneias do Rego
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 186.
O Sr. Deputado Pinto Barriga anunciou um aviso prévio sobra a necessidade de reformar o Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Ordem do dia. - Concluiu-se a discussão na especialidade e a votação da proposta de lei que cria o Instituto Nacional de Investigação, Tecnologia e Economia Industrial.
Na segunda parte da ordem do dia o Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu começou a efectivar o seu aviso prévio sobre acidentes de viação, ficando com a palavra reservada para a sessão seguinte.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente:-Vai proceder-se à chamada. Eram 16 horas e 10 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Afonso Cid dos Santos.
João Alpoim Borges do Canto.
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João Ameal.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Maria Porto.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
O Sr. Presidente:-Estão presentes 80 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 2O minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: -Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 186.
Pausa.
O Sr. Presidente:-Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação sobre o Diário, considero-o aprovado.
Tem a palavra, para anunciar um aviso prévio, o Sr. Deputado Pinto Barriga.
O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Aviso prévio
«Na presente quadra internacional, todas as mais rendidas homenagens prestadas à invulgar e talentosa actuação do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, e, consequentemente, mais ainda, ao Sr. Presidente do Conselho, são poucas, pelo muito que lhes é devido pela Nação. Desejaria, no entanto, e nos termos regimentais, lembrar, em aviso prévio, a imperiosa necessidade de reformar a orgânica, envelhecida, portanto desactualizada, desse Ministério, em face das renovadas exigências políticas e económicas nacionais e do mundo hodierno, de sorte que os seus quadros funcionais pudessem perfeitamente corresponder ao efectivo papel económico que, política e logicamente, tem de desempenhar na externação representativa da nossa economia e doutras actividades de diversos departamentos do Estado, para o que tentarei evidenciar principalmente:
1.º Que esse Ministério, embora preenchida a pasta por individualidades do mais alto e merecido relevo intelectual, tem vindo subalternizando a sua acção, diante de outros departamentos do Estado, em matéria política económica internacional ;
2.º Que a Direcção-Geral dos Negócios Económicos e Consulares não se apetrechou tecnicamente, se bem que servida por pessoal competente, para desempenhar os fins a que deveria estar destinada;
3.º Que a nossa rede consular se burocratizou excessivamente, deixando, salvo raras excepções, de ocupar na dinâmica economia portuguesa a posição desejável;
4.º Que a orgânica interna desse Ministério está muito longe de corresponder às responsabilidade» dum óptimo enquadramento e relacionamento, relativamente às instituições internacionais de que fazemos parte;
5.º Que a classificação dos nossos agentes diplomáticos não tem obedecido a uma revisão de carácter geral, mas, apenas, a alterações ocasionais, e, portanto, um pouco casuísticas;
6.º Que se tornou imprescindível a remodelação dos quadros do pessoal dos serviços internos, deforma a organizar um quadro técnico-diplomniático e consular, com alto nível de recrutamento e com os vencimentos correspondentes às exigências dessa selecção, a par dum quadro administrativo auxiliar, mas perfeitamente adestrado para a missão complementar atribuída».
Aproveitando estar no uso da palavra, venho relembrar ao Governo os problemas da aldeia mais portuguesa-Monsanto. Parece-me que estão entregues aã S. N. I., a quem peço que não demore o seu exame. Em nome da região que tenho a honra de representar neste Parlamento, antecipadamente agradeço.
Tenho dito.
O Sr. Presidente:-Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente:-Continua em discussão na especialidade a proposta de lei que cria o Instituto Nacional de Investigação, Tecnologia e Economia Industrial.
Vou por em discussão a base viu. Sobre esta base há na Mesa uma proposta, da Comissão de Economia, tendente a substituir o n.º 2.º da proposta do Governo pelo n.º 2.º do parecer da Camará Corporativa.- Vão ser lidos a base e o n.º 2.º do parecer da Câmara Corporativa.
Foram lidos. São os seguintes:
BASE VIII
Constituem receitas do Instituto: 1.º As dotações que lhe sejam atribuídas pelo Estado, quer através do Orçamento Geral, quer por
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meio de organismos ou serviços dependentes do Estado ou com ele relacionados;
2.º Ás dotações que lhe sejam atribuídas pelos orçamentos de províncias ultramarinas, autarquias locais metropolitanas ou ultramarinas, corporações ou organismos corporativos e de coordenação económica ;
3.º Doações ou deixas de particulares;
4.º Subsídios, contribuições ou quotizações voluntariamente concedidas por entidades singulares ou colectivas, nacionais ou estrangeiras;
5.º Os rendimentos dos bens que o Instituto possuir ou por qualquer titulo fruir e o produto da exploração das patentes de invenção e outras modalidades de propriedade industrial que lhe pertençam;
6.º As quantias que forem devidas e cobradas em pagamento de serviços prestados pelo Instituto, a pedido de entidades públicas ou particulares;
7.º O produto de venda de bens próprios do Instituto, nomeadamente de publicações que empreenda;
8.º Quaisquer outras que por lei, contrato ou outro título legítimo lhe sejam atribuídas.
§ único. Os serviços a que se refere o n.º 6.º serão sempre efectuados sem lucro, salvo acordos ou contratos expressamente estabelecidos com os interessados.
BASE VIII
Para o n.º 2.º adopta-se a emenda da Camará Corporativa.
O Deputado, Francisco Cardoso de Meto Machado.
O Sr. Presidente: -Estão em discussão a base viu e a referida proposta da Comissão de Economia.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vai votar-se a base VIII conjuntamente com a referida proposta.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente:-Vai passar-se à discussão da base IX. Sobre esta base há também na Mesa uma proposta de emenda, apresentada pela Comissão de Economia. Vão ser lidas a base e a referida proposta.
Foram lidas. São as seguintes:
BASE IX
O Instituto Nacional de Investigação, Tecnologia e Economia Industrial disporá de serviços próprios, cujos quadros, organização e competência constarão de diploma especial, podendo os lugares que exijam habilitações técnicas ser providos em funcionários requisitados de quaisquer serviços públicos. corporações ou organismos corporativos ou do coordenação económica.
BASE IX
Propõem-se as alterações seguintes: em vez de «diploma especial», «diploma legal», e acrescentar, depois das palavras «habilitações técnicas», a palavra «especiais», ficando assim redigida:
O Instituto disporá de serviços próprios, cujos quadros, organizações e competência constarão de diploma legal, podendo os lugares que exijam habilitações técnicas especiais ser providos em funcionários requisitados de quaisquer serviços públicos, corporações ou organismos corporativos ou de coordenação económica.
O Deputado, Francisco Cardoso de Melo Machado.
O Sr. Presidente:-Estão em discussão. Pausa.
O Sr. Presidente: -Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai votar-se a base IX, com a redacção proposta pela Comissão de Economia.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente:-Está em discussão a base X, que vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
BASE X
Além do pessoal dos quadros permanentes, poderá o Instituto admitir por concurso, contratar ou assalariar outro pessoal, nacional ou estrangeiro, que seja considerado indispensável à boa execução dos serviços do Instituto e que será pago por dotação global para esse fim inscrita no seu orçamento.
§ único. O Instituto pode igualmente contratar pessoal, nacional ou estrangeiro, em regime de colaboração ou comparticipação com industriais, entidades de carácter cultural, corporações ou organismos corporativos ou de coordenação económica.
O Sr. Presidente:-Visto nenhum Sr. Deputado desejar fazer uso da palavra, vai votar-se.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Está em discussão a base XI, que vai ser lida.
Foi lida. E a seguinte:
BASE XI
Quando o julgue necessário, o Instituto poderá, mediante contrato ou outra forma suficiente, encarregar individualidades, organismos ou instituições idóneas, nacionais ou estrangeiras, da execução de estudos, investigações ou tarefas cientificas ou técnicas determinadas.
O Sr. Presidente:-Visto nenhum Sr. Deputado querer fazer uso da palavra, vai votar-se.
Submetida à rotação, foi aprovada.
O Sr. Presidente:-Está em discussão a base XII, sobre a qual há na Mesa unia proposta, da Comissão de Economia, para substituir esta base pela base correspondente da Câmara Corporativa, com uma emenda. Vão ser lidas a base e a proposta.
Foram, lidas. São as seguintes:
BASE XII
O pessoal ao serviço do Instituto, seja qual for a sua categoria ou situação, e as entidades encarregadas de realizar estudos ou trabalhos nos termos da base anterior ficam obrigados a rigoroso sigilo profissional.
§ único. A revelação de segredos técnicos, industriais ou comerciais conhecidos em serviço do
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Instituto importa procedimento disciplinar, sem prejuízo da responsabilidade criminal ou civil a que possa dar lugar.
BASE XII
A proposta de emenda da Câmara Corporativa, substituindo-se «Laboratório» por «instituto».
O Deputado, Francisco Cordato de Melo Machado.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai votar-se a referida base, com a proposta de emenda que acaba de ser lida.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente:-Passamos agora à base XIII, sobre a qual ha na Mesa uma proposta, da Comissão de Economia, para a eliminar. Vão ser lidas a base e a proposta.
Foram lidas. São as seguintes:
BASE XIII
Quando qualquer instalação fabril sujeita a condicionamento industrial ou a regime de exclusivo, de especial protecção aduaneira ou de preços de venda se mostre inequivocamente atrasada sob o ponto de vista técnico por virtude de incompetência, negligencia ou carência de recursos da empresa, poderá o Governo impor-lhe a assistência técnica do Instituto, observando-se o disposto no § único da base VIII.
BASE XIII
Eliminar.
O Deputado, Francisco Cardoso de Melo Machado.
O Sr. Presidente:-Estão em discussão.
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: desejo explicar que a razão por que se propõe a eliminação desta base é apenas a de evitar a actuação do Instituto junto da iniciativa particular.
O Sr. Presidente:-Visto mais nenhum Sr. Deputado desejar fazer uso da palavra, vai votar-se a proposta de eliminação da base XIII, apresentada pela Comissão de Economia.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Passamos agora à base XIV, sobre a qual está na Mesa uma proposta, da Comissão de Economia, para a sua eliminação.
Vão ser lidas a base e a proposta.
Foram lidas. São as seguintes:
BASE XIV
Em caso de emergência grave poderá o Governo, mediante decisão do Conselho de Ministros, determinar que o pessoal, os serviços, as instalações e demais recursos do Instituto Nacional de Investigação, Tecnologia e Economia Industrial sejam postos, no todo ou em parte, à disposição do Conselho Superior da Defesa Nacional para efeitos de defesa civil ou militar do território e da mobilização industrial.
BASE XIV
Eliminar.
O Deputado, Francisco Cardoso de Melo Machado.
O Sr. Presidente:-Estão em discussão. Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado pede a palavra, vai votar-se a proposta da Comissão de Economia no sentido de eliminar a base XIV.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente:-Há na Mesa uma proposta de uma base nova, que corresponde ao texto da base XIII da Câmara Corporativa.
Vai ler-se.
Foi lida. É a seguinte:
BASE NOVA
Proposta pela Câmara Corporativa sob o n.º XIII. O Deputado, Francisco Cardoso de Melo Machado.
O Sr. Presidente:-Está em discussão esta base.
Em virtude de terem sido eliminadas, por votação da Assembleia, as bases XIII e XIV propostas pela Câmara Corporativa, passará esta base nova a constituir a base XIII da proposta de lei, se for aprovada pela Assembleia.
Pausa.
O Sr. Presidente:-Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai votar-se.
Submetida à rotação, foi aprovada a base nova.
O Sr. Presidente:-Está concluída a discussão na especialidade desta proposta de lei.
Vai agora passar-se à segunda parte da ordem do dia, que consta da efectivação do aviso prévio do Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu sobre acidentes de viação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: -Sr. Presidente: certo dia, quando, nesta tribuna, um Deputado iniciou o seu discurso com protestos de consideração e respeito pelas pessoas e entidades a que ia referir-se, um ilustre colega nosso, com o seu proverbial e sadio bom humor, murmurou a meu lado: « É a anestesia!...»
Ora, no presente caso, não sucede assim, pois, sem reservas ou constrangimento, antes muito sincera e gostosamente, presto homenagem às pessoas e entidades de que dependem os serviços de viação e trânsito, desde o ilustre Ministro das Comunicações até à Direcção-Geral e aos Comandos e seus subordinados, pois não podem ser-lhes atribuídas responsabilidades dimanantes de males ou deficiências que, dentro das suas possibilidades, com zelo e dedicação e, às vezes, com esforços sobre--humanos, procuram remediar. A verdade acima de tudo.
Também, a título de esclarecimento, vem a propósito uma palavra mais:
Se, porventura, houver quem, em sua recta consciência, se julgue abrangido em qualquer crítica ou comentário que eu faça, asseguro desde já que não me anima semelhante propósito, e muito menos intenção de desprimor ou mesmo de simples advertência. Demais, os presentes estão sempre excluídos, embora, em boa verdade, poucos estejamos inocentes, como condutores ou simples peões, de alguns vulgares pecadilhos ...
E uma coisa tenho como certa: há-de haver quem discorde de mim; mas, com absoluto respeito pelas opiniões alheias, certamente mais autorizadas, tracei s sigo um caminho, embora com risco de derrapagem ...
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Quis o Sr. Ministro das Comunicações ter a delicadeza de enviar à Assembleia Nacional, não uma resposta, mas unicamente o' que intitula «informação», aliás extensa e pormenorizada, a propósito do meu aviso prévio, e que tive oportunidade de examinar. E, pela minha parte, a deferência é tanto mais penhorante quanto é certo que a douta exposição de S. Ex.ª, longe de opor qualquer desmentido ou mesmo objecção aos fundamentos e razões onde, em breve síntese, baseei aquele aviso, perfilha-os, em última análise, em vários passos, pois, após a indicação, nas suas linhas gerais, do que se tem feito -e ninguém contesta- e do que se projecta fazer, termina por reconhecer que é ainda muito longo o caminho a percorrer até o serviço poder considerar-se perfeito, e, sem o dizer expressamente, a informação mostra, entretanto, a necessidade absoluta da urgente melhoria dos quadros e das dotações dos serviços, em ordem a intensificar-se sem tréguas a luta pertinaz pela segurança do trânsito.
E, para antecipado esclarecimento deste debate, vem desde já a propósito dizer também que a informação do Sr. Ministro, além de, como disse, indicar o que muito louvavelmente se projecta e de uma crítica enérgica e fundamentada do funesto procedimento ilegal e condenável de avultado número de condutores e peões, reproduz especialmente as novas disposições contidas no actual Código da Estrada.
Não estamos, portanto, em desacordo.
E parece estarmos de acordo também na imperante necessidade de, sem mais tolerâncias, complacência ou perdões, se entrar definitivamente em mais rigorosa e intransigente acção policial, no sentido de serem cumpridos por todos, sem distinção, aqueles preceitos do Código que são mais indispensáveis para a segurança do trânsito, e que, infelizmente, muitos desprezam, animados pela esperança da impunidade ou da benevolência.
Haja benevolência, sim, mas para pequenas infracções ou leves faltas, que não sejam as chamadas manobras perigosas ou arriscadas, tão funestamente assinaladas.
Numerosos e graves acidentes de viação ocorridos desde há meses a esta parte, e especialmente na última quadra estival, impressionaram justificadamente a opinião pública. E, na verdade, já está apurado oficialmente que só em Julho houve 1626 acidentes, ou sejam mais 303 do que em igual mês de 1955, sendo 60 e 64, respectivamente, o número de mortes, isto é, bastante superior à média mensal daqueles anos e dos anteriores.
Perda de vidas preciosas para a Nação, como a desse bondoso e inesquecível padre Américo, lares desfeitos, vidas e flor brutalmente ceifadas, originam quadros de tragédia a todos sensíveis e que não é lícito atribuir unicamente ao aumento do tráfego, ao acaso ou a fatalidade do destino, sobrepostos à vontade e à força humanas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se certamente há-de encontrar-se aqui muito da razão de tão dolorosa realidade, não pode. todavia, deixar-se de reconhecer que muito se deve também ao sistemático desrespeito pelas regras elementares do trânsito, numa rebeldia permanente e inconsciente contra as leis e contra a autoridade, da parte dos peões e dos condutores.
E quantas vezes é o desamor à vida própria que quebra o instinto de conservação e de defesa e conduz ao desrespeito pela vida alheia! ...
Como já disse ao apresentar o aviso prévio, bem merece da Nação o Automóvel Clube de Portugal, associação modelar, oficialmente galardoada e classificada de utilidade pública e com larga projecção internacional. Deve o grande prestígio aos seus assinaláveis serviços, onde compreensìvelmente, predominam o estudo e a solução dos problemas de viação e de turismo e o desenvolvimento desportivo da modalidade, através das competições e de um excelente boletim mensal.
E entre os seus empreendimentos mais notáveis, é digna de menção muito especial e de louvor da Nação a grande « Campanha de Segurança no Trânsito », da sua iniciativa, que há um ano, com a colaboração oficial, levou a efeito com grande êxito.
Foi, sem dúvida, um acontecimento notável, sem precedente, que importou elevados encargos e um esforço exaustivo, suportado com galhardia, na plena consciência de que prestava, como prestou, serviço inestimável.
Suo de registar também as campanhas da «Prudência» na revista O Volante e as da imprensa diária.
Não houve, é claro, nem há, nem podia haver a ilusão de ser possível evitar totalmente os acidentes de viação e as infracções do Código e que continuem a ser postergadas as elementares regras que o bom senso, a prudência e o respeito pela vida humana impõem a todos: peões e condutores.
E certo isto, aqui e em toda a parte; mas também não pode duvidar-se da necessidade e da proficuidade de todas essas humanitárias campanhas, que sem dúvida são atestadas, mais dia menos dia, pelos dados da estatística. Não obstante o doloroso período a que aludi e o aumento constante do trânsito, a sua eficiência há-de revelar-se aos nossos próprios olhos, como já é evidente e oficialmente reconhecido, por exemplo, na atenuação da indisciplina e da rebeldia geral dos condutores de veículos pesados, que, honra lhes seja, em geral se mostram mais prudentes e colaborantes, embora, por outro lado, estejam a sentir mais o peso da actuação policial com o hábil expediente do seguimento inesperado por brigadas, que verificam, no seu próprio mostrador, se os motoristas excedem a velocidade máxima marcada nas chapas afixadas na retaguarda dos veículos. E também notória a menor frequência de acidentes com os transportes colectivos. Justiça a todos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Suponho que devem apontar-se como principais as seguintes causas dos acidentes de viação:
Intensidade do trânsito;
Inadaptação a ele da maioria das estradas e dos arruamentos urbanos;
Constantes infracções do Código da Estrada;
Distracção, irreflexão, imprudência, precipitação, ignorância, imperícia, incapacidade técnica e psicofísica dos condutores, aliadas ao delírio da velocidade, ao amor do exibicionismo temerário e audacioso;
Comportamento dos peões;
Manifesta insuficiência dos quadros do pessoal, nomeadamente do das brigadas móveis da Polícia de Viação e Trânsito e dos seus transportes mecanizados ;
Insuficiência das dotações orçamentais.
Na informação do Ministério das Comunicações, como na opinião de várias pessoas, entre as quais o Sr. Prof. Artur Moreira de Sá num interessante estudo psicológico sobre as causas e a maneira de prevenir os acidentes de automóvel, são apontadas outras origens; mas, em última análise, elas estão implícitas nas que enumerei.
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E claro que não considero taxativa esta especificação e não me permitem a vastidão do assunto e o tempo de que disponho fazer uma análise específica de cada uma daquelas razões, a que, a título exemplificativo, atribuo os acidentes de viação.
O número de veículos tem aumentado extraordinariamente nos últimos anos e causa alarme presenciar muitas centenas, se não milhares, que constantemente se acumulam nos cais, aguardando despacho.
Basta dizer que os automóveis excedem mais do que o quíntuplo de 1926 e, segundo a estatística da Direcção-Geral dos Transportes, no continente e ilhas o cadastro dos veículos motorizados em circulação acusava o número de 105 618 em 1951 e em Dezembro de 1955 elevava-se a 162 643, para atingir 205 611 em 1956, incluindo nos três casos os tractores. Se a este número acrescentarmos o de 398 000 velocípedes e o de veículos de tracção animal, compreende-se que, além do congestionamento nos grandes centros, haja um constante aumento do trânsito, aliás bem notório, nas estradas nacionais.
Sem embargo, a verdade manda dizer que os acidentes registados não aumentaram proporcionalmente com a população do Pais, cujo saldo demográfico está sendo anualmente de algumas dezenas de milhares de indivíduos, nem tão-pouco com o aumento do trânsito.
Assim, no período de cinco anos decorridos de 1947 a 1951, verificou-se que, enquanto a população cresceu 4,3 por cento com o aumento dos automóveis em circulação foi de 59 por cento, limitou-se a 12 por cento o aumento do número de acidentes de viação registados.
O número de mortes, que fora de 367 em 1937, de 406 em 1939. de 442 em 1940, de 393 em 1946, de 422 em 1951, levou-se a 601 em 1952 para em 1953 descer a 566; e se é certo que em 1954 houve ainda 592 mortes, foram todavia 520 em 1955, isto é, menos 72. Em 1956, cujo apuramento ainda não abrange todo o ano no período de l de Janeiro a 31 de Julho registaram-se 293.
Estamos bem longe dos números astronómicos de 5017 mortes na Inglaterra em 1955 e de 38000 em 1955 e 40 000 em 1956 nos Estados unidos, onde nos fins de semana chegam a atingir cifra igual ou superior u de Portugal durante um ano. Estes números são, é claro, função da população e do número de veículos em circulação em cada país, mas, embora o confronto não nos seja porventura desfavorável, isto não é motivo para nos tranquilizarmos, conformados com os males alheios.
Vem a propósito referir e comentar o facto de haver pessoas resignadas também perante a ideia de que é proporcionalmente maior, em cada caso e no total, o número de vítimas de acidentes de avião e outros, tomando-se para confronto a intensidade do seu tráfego e o número de passageiros.
Não me detive na análise estatística desta particularidade, mas tenho .como certo que assim não sucede, pelo menos entre nós. Mas, seja como for, este confronto não tem conteúdo nem alcance, porque, em contrário do que sucede na grande maioria dos acidentes rodoviários, os acidentes de avião provêm, no geral, de forças indomáveis da natureza ou de causas de ordem técnica ou avarias estranhas à vontade ou à acção dos condutores e irremediáveis no momento das catástrofes.
Diminuiu também e gradualmente o número de autos de transgressão, pois foram levantados 89 345 em 1951 e 75 890 em 1955, mas tinham atingido 104 370 em 1954, embora a diminuição seja menos um sintoma de melhor comportamento dos condutores e peões do que da dificuldade cada vez maior da fiscalização.
Quanto às infracções do Código da Estrada, bastam alguns exemplos elucidativos.
O artigo 54.º exige a idade mínima de 14 anos para se poder utilizar velocípedes com motor auxiliar, mas acontece vê-los em algumas estradas conduzidos, fora das vistas da» autoridades, por crianças de menos idade; e em velocípedes sem motor são inúmeras as que andam em ziguezagues, montadas nos quadros ou mesmo equilibradas de lado, por só assim poderem atingir os pedais e apoiar-se neles.
O artigo 38.º manda conduzir os velocípedes o mais próximo possível das bermas ou dos passeios e proíbe seguir a par; porém, vemo-los formando grupos que ocupam a via pública de lês a lês, ensaiando equilíbrios ou ... discutindo o futebol!
Apesar do disposto nos n.º 5 e 6.º do mencionado artigo, é muito frequente encontrar velocípedes sem luz nem sinal sonoro.
Os peões - é necessário acentuá-lo repetidamente - são muitíssimas vezes os causadores ou culpados de acidentes graves, porque, ora se distraem, ora atravessam descuidadamente, e, às vezes, lenta e desdenhosamente ou sem a menor precaução, as ruas e estradas, transitam fora dos passeios e das bermas, param no centro em conversa amena, não seguem em sentido contrário ao dos veículos e até fazem deliberadamente quites aos automóveis. Na auto-estrada, andam livremente. Tudo isto, não obstante as várias disposições expressas do artigo 40.º do Código sobre a maneira de transitarem.
É proibido circular na auto-estrada, mas, há meses, vi um guarda da Polícia, fardado, passear plàcidamente ali, acompanhado da família e do farnel! Se não pode evitar-se a infracção, regulamente-se o trânsito nessa via, pois pior do que tudo é a impunidade do desrespeito pela lei.
De noite, então, as transgressões do n.º 5.º do artigo 6.º e dos artigos 20.º, 30.º e 61.º são constantes, e o resultado, apesar da vigilância especial e hábil das brigadas, é o grande número de acidentes provocados pelo encandeamento, por dele resultar a ineficácia ou insuficiência das luzes e dos reflectores da retaguarda; e não há possibilidade de, nestes casos, notar a presença dos peões, e, portanto, evitar o risco do seu atropelamento.
A mencionar ainda a marcha fora de mão, os vícios e a falta de cuidado nas mudanças de direcção, etc.
Os artigos 5.º e 10.º do Código estão frequentemente em xeque, e deste xeque resulta, é claro, o choque! ... Referem-se às ultrapassagens, ali reguladas de modo bem claro e expresso.
Além da pressa e da imprudência como os condutores as fazem, pode influir a insuficiência do retrovisor interior, com campo visual restrito e não reproduzindo as imagens a pouca distância, a tapagem do vidro posterior do carro e a indiferença ou alheamento dos condutores dos carros ultrapassados, a ponto de não fazerem o sinal impeditivo do avanço, etc.
Mas não é só isto.
As ultrapassagens-tantas vezes desta vida para a outra ! ... - antes do momento e do lugar apropriados, sem aviso nem cautela, são o regalo de muitos; o seu regalo e o seu triunfo, especialmente quando o carro transposto vai lançado! e é de marca diversa do que lhes pertence; e, se o desafio é aceite, aí temos o despique sem controle, como em plena pista ampla e deserta. Espectáculo frequente.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Também não quero deixar de fazer, num parêntesis, breve alusão a um facto lamentável, que, além de grave, constitui espectáculo triste e pouco
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14 DE MARÇO DE 1957 (359)
edificante, que presenciamos permanentemente, pelo menos, em Lisboa. Quero referir-me aos que o público denomina «dependurados», ou sejam as crianças e os «budistas», que, sob os olhares complacentes das autoridades, viajam agarrados às plataformas doa carros eléctricos, mesmo quando as lotações não vão completas.
São frequentes os acidentes graves e mortais, originados em tão condenável procedimento, por motivo de quedas ou atropelamentos, sem que aos condutores dos veículos que seguem na esteira seja possível evitá-los.
Será difícil, mas não é impossível, numa intervenção rigorosa e eficaz da Câmara Municipal e da Polícia de Segurança Pública, pôr definitivamente fim a tão perigoso e abusivo costume. Pelo menos isto: caça permanente aos infractores por agentes secretos, autuação dos adultos e internamento dos menores, por algumas horas, na esquadra de polícia mais próxima. A divulgação diária destes casos e do nome dos infractores faria o resto, pelos vistos, com mais eficácia para os menores do que a difícil vigilância paterna e os conselhos, - só os há- do mestre-escola.
E quanto à velocidade?
Julgo que vale a pena determo-nos um pouco neste importante capítulo.
O Sr. Ministro das Comunicações diz na informação que e vive no século da velocidade, pois lia locomotivas eléctricas que já atingem 340 km à hora, e considera desnecessário referir o que se passa em matéria de aviação o mesmo, em menor grau, na navegação marítima, para concluir que os, veículos automóveis não escapam à regra, por os seus condutores obedecerem à dominante preocupação de andar sempre mais depressa: e acrescenta, circulam fora de mão nas curvas para não serem obrigados a reduzir a velocidade dos veículos, e, por idêntico motivo, ofendem as regras de prioridade de passagem ou realizam ultrapassagens em condições por vezes inconcebíveis. A expressão é sua.
Quer dizer: como eu, e, aliás, como todos, entende que, além das suas funestas consequências directas, «a dominante preocupação do andar sempre depressa» é fautor daquela, infracções e de muitas outras.
Quando, em 1949, me ocupei de vários problemas de via vão e trânsito, apresentei um certo número de sugestões, e numa delas avancei até à hipótese da limitação legal da velocidade máxima dos veículos motorizados como único meio de fé pôr cobro aos excessos condenáveis que originam funestíssimas consequências, não só para os insensatos rebeldes e imprudentes tripulantes - o que é mau -, mas também para o público em geral - o que é péssimo.
E, animado pelo exemplo de outros países, como, por exemplo, alguns estados da federação norte-americana e, nalguns casos, a Inglaterra, fui ao ponto de sugerir o limite, em geral, de 80 km à hora. com excepção do percurso na auto-estrada. não obstante os frequentes acidentes que nela se verificam, como consequência precisamente de excesso de velocidade.
Tive. porém, muitos contraditares autorizados e competentes, que, com verdade e razão, sustentaram a injustificaição daquele limite, por ser arbitrário como qualquer outro, porquanto há carros ligeiros, pequenos, pouco estáveis, em mau estado, ou quase objectos de museu, onde é mais perigosa a velocidade de 50 km à hora do que o é a de 100 km ou mais empregada em grandes carros modernos, estáveis, de mecânica sólida, em calçados e conduzidos com perícia e domínio. Acentuaram, e bem, que o risco é também função de muitos outros factores conhecidos, e. portanto, também por este motivo não se devia estabelecer uma regra uniforme para o andamento.
Consideravam, por isso, preferível o preceito genérico do artigo 61.º do Código de 1930. reproduzido de modo mais explícito no artigo 7.º do actual, e em cujos termos vagos e abstractos, passíveis um e outro de todas as interpretações, eu fundara a minha arrojada sugestão.
Como, porém, sou leigo na matéria e me esforço por ser compreensivo, facilmente me persuadi; mas devemos convir em que. embora, realmente, não haja possibilidade de solucionar, num preceito geral expresso e rígido, o sério problema das velocidades, a verdade é que aquele artigo 7.º. tal como está redigido - e fórmula mais precisa e concreta não haverá -, subordina, em última análise, o limite tolerável da velocidade ao livre arbítrio de cada qual, e, portanto, variável de indivíduo para indivíduo, conforme as suas reacções e o seu critério, e não permite concretizar para cada caso ou em cada emergência se há ou houve ou se não há nem houve infracção, ou seja, numa palavra, se houve ou não o domínio completo e indispensável do volante.
Se, na expressão feliz da mencionada revista O Volante, dominasse ao menos a «velocidade do bom senso», seria um grande passo na .solução do sério problema.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Cria-se no bestunto, mesmo dos mais sensatos, prudentes, calmos e experimentados, a tendência irreprimível para o exagero e para o abuso, originada num estranho estado psicológico, num complexo especial que talvez possamos denominar «psicose do volante», originária de uma personalidade diversa da sua própria; enfim, de uma outra mentalidade.
Para esses, e nomeadamente para os mais jovens, nada valem, nada importam, o Código e a autoridade, o medo e o instinto de defesa e o próprio respeito pela vida e pessoa humanas. Do seu carro, que, está visto, é o melhor do Mundo, contam maravilhas, proezas e prodígios temerários, médias inexcedidas, percursos em tempo atòmicamente inatingível.
Poucas vezes os impulsiona uma pressa justificada, muitas o simples prazer, o exibicionismo, o espírito de aventura, enfim, a vertigem e o delírio, revelados quase em acrobacias temerárias, mesmo em estradas ou ruas que não oferecem as menores condições apropriadas, sequer, para um andamento moderado e cauteloso.
Não exagero. Até pensa como eu o Sr. Ministro das Comunicações, quando diz, na sua informação, que é grande o número de transgressões cometidas e de acidentes causados por condutores de cuja formação intelectual haveria a esperar comportamento bem diverso, pois, acrescenta, há-os que são médicos, engenheiros, advogados e sacerdotes ...».
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª tem a certeza de que todos os acidentes são por causa dos condutores?
A existência de acidentes não pode ser muitas vezes imputada aos condutores. Porque é que V. Ex.ª não se refere, por exemplo, a que as estradas actuais não são adaptadas aos meios de viação modernos? É notório que essa é uma das causas principais dos acidentes. Porque não se refere ainda V. Ex.ª à indisciplina dos peões, que toda a gente conhece? Como pode um condutor evitar o desastre quando lhe sai à frente uma criança a correr? Eu sou automobilista desde 1910 e nunca tive um acidente, mas isso não se deve a perícia minha, deve-se apenas à sorte.
O Orador: - Agradeço a intervenção de V. Ex.ª mas lembro-lhe que a tudo isso me referi e vou continuar a referir-me.
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Entre as causas dos acidentes indiquei, precisamente, a inadaptação das estradas ao grande tráfego e o péssimo comportamento dos peões.
V. Ex.ª não me ouviu dizer que há peões que até fazem «quites» aos automóveis, como se observa frequentemente nas ruas de Lisboa e noutros lugares.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Isto é das más condições acústicas da sala! ...
O Orador: - Li num folheto de propaganda que as novas gerações nasceram já na voragem dos tantos quilómetros por hora, indiferentes ao perigo, à prudência e ao bom senso.
Vá lá! Ainda falta imitarem um norte-americano que, sendo acusado no tribunal de barbear-se enquanto conduzia o seu automóvel, declarou considerar-se no pleno direito de assim proceder, porque a Polícia não prendia as mulheres pelo facto de se empoarem e pintarem enquanto conduzem ...
Chega-se ao extremo de justificar o abuso com a afirmação de que também se causam ou sofrem acidentes de viação quando se caminha em velocidade moderada !
Não há pior cego do que quem não quer ver!
Quem raciocina deste modo, e com tal raciocínio se defende, finge ignorar pelo menos esta regra elementar: a frequência e a gravidade dos acidentes está na razão directa da velocidade empregada. E se ela não for excessiva, quantos acidentes se evitam e quantas vidas se poupam!
Ë sempre arriscado confiar no juízo dos outros, e, por isso, assim não procedeu, por exemplo, um motorista de Detroit, que percorrera l 500 000 km sem um acidente e explicou que, para o conseguir, lhe bastou conduzir com a ideia preconcebida de que os outros são malucos.
Evitar-se-iam muitas desgraças se todos assim raciocinassem de quando em vez ...
E ao menos poupa-se sempre tempo apreciável com o emprego de velocidades excessivas? Não, e o tempo que se poupa não compensa o risco que se corre de não se chegar ao termo da jornada ou de deixar algum rasto de sangue pelo caminho. Já li algures que, certo dia, um ás de corridas percorreu, por duas vezes, quinze quarteirões de uma cidade. Da primeira vez fê-lo na velocidade regulamentar, mas da segunda vez empregou excesso de velocidade e violou todas as disposições dos regulamentos do trânsito, para, afinal, reduzir o tempo despendido apenas em três segundos e nove décimos.
Assim arriscou tanto por tão pouco ! ...
O Sr. Melo Machado: - O pior é que a pessoa que dá causa ao desastre não fica sob a alçada da lei e a pessoa que vai a guiar, mesmo quando não tem culpa, tem de ir para o tribunal responder, etc. Daqui a pouco temos de deixar o automóvel em casa e andar a pé.
Mas se andássemos com carros de cavalos não haveria mais acidentes? Havia que contar com a irreflexão do condutor e com as manias dos cavalos.
O Sr. Pereira Viana: - Quero registar aqui que o ano passado fiz uma viagem de Washington para Nova Iorque, de automóvel, e verifiquei que a velocidade máxima nessas estradas não chegava em certos pontos a 100 km à hora, mas a velocidade normal era de 90 km e nalguns pontos era até de 70 km. Mas nunca excedia 100 km. Na auto-estrada magnífica do Rio de Janeiro para S. Paulo a velocidade máxima é de 80 km. Isto mesmo em estradas boas, largas. Ali a velocidade automobilística é controlada por radar e, se for atingida velocidade superior, o condutor é multado na ocasião. Em Portugal, nas estradas velhas, a velocidade não tem limites e a maior parte dos desastres são motivados por excesso.
O Orador: - Nas estradas boas deve haver sempre prudência, mas mais tem de haver nas estradas impróprias, como são a maioria das nossas.
Sr. Presidente: como me sinto um pouco fatigado e a hora vai adiantada, peço a V. Ex.ª que me permita continuar na sessão de amanhã. O Presidente: - Compreendo perfeitamente o cansaço de V. Ex.ª e, portanto, V. Ex.ª continua a efectivar o seu aviso prévio na ordem do dia da sessão de amanhã, que desde já fica marcado.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Muito obrigado a V. Ex.ª; e devo esclarecer V. Ex.ª e a Assembleia que já falta pouco para concluir as minhas considerações, pois vou abreviá-las.
O Sr. Presidente: - Amanhã, terminadas as considerações do Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu, darei conhecimento à Câmara das informações que o Sr. Ministro das Comunicações enviou à Assembleia sobre o assunto.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 40 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Jorge Botelho Moniz.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
António de Almeida Garrett.
António Calheiros Lopes.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Russel de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Gaspar Inácio Ferreira.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Marques Teixeira.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Teófilo Duarte.
O REDACTOR- Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA